murgido uma aldeia bonita...cordar a bonita aldeia onde nasci. murgido. aquela aldeia bem lá no...

32
1 ARTUR MENDES PINTO MURGIDO UMA ALDEIA BONITA

Upload: others

Post on 26-Aug-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

1

ARTUR MENDES PINTO

MURGIDO

UMA ALDEIA BONITA

Page 2: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

2

FOTO DE MURGIDO

Aldeia da Póvoa

Page 3: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

3

I Nem sempre se acorda com o mesmo espirito de alma, nomeadamente quando se vai avançando na idade, nada ou pouco se encontra para fazer, ou se pode já fazer. Nos intervalos de umas pequenas ca-minhadas que ainda vou fazendo, mesmo a arrastar a perna, daqui ou dali, acabo por re-cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria, onde no tempo que ali vivia, quando ainda era rapazito e já rapazote as fortes nevadas no inverno não passavam sem a brindar. Hoje tudo é diferente, em-bora não viva nela e ali não vá tanto quanto gostaria, acompanho à distância o que por lá se passa. Hoje enquanto caminhava, o meu pensamento levou-me até Murgido, e lem-brei que em tempo sem calendário, sem re-gisto, as gentes desse tempo, ou alguém de entre essas gentes, quando provavelmente

Page 4: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

4

pastoreava umas ovelhas ou cabras, terá descoberto a imagem da Nossa Senhora dos Remédios, escondida por umas giestas ou debaixo de uma fraga? Ninguém saberá o lo-cal exato, eu nunca disso ouvi falar, apesar de ser bastante perguntador, tudo pergun-tava, aos que, naquele tempo, em que era rapazito, teriam a idade que eu tenho hoje, ou mais.

Essa pessoa terá, porque só assim poderia ter aconte-cido, levado a imagem para a aldeia. Se encontrou a ima-gem e não lhe tenha apare-cido de outra forma, como uma luz vinda do céu, que poderia ter sido vista por

mais de uma pessoa. Sendo de uma ou de outra forma, os moradores mandaram cons-truir a capela que ainda hoje existe. Terá existido antes do atual capela outra capela ou ermida? Não se sabe! Passados uns bons anos. Um mora-dor, coadjuvado por mais um punhado de

Page 5: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

5

outros, lembraram-se de homenagear o lo-cal, onde, segundo reza a lenda, a Nossa Se-nhora dos Remédios terá aparecido.

Naquele local, cha-mado de Fonte Santa, não se saberá, se ficou a chamar-se assim de-pois do aparecimento, ou se já teria esse

nome, dado que, consta da lenda, que a Nossa Senhora apareceu junto de uma nas-cente de água, água que a terá acompa-nhado até à aldeia e construída aí uma fonte que ainda existe e é chamada de Fonte da Senhora dos Remédios. Poderá deduzir-se que, se junto da imagem brotou uma nas-cente de água, seria a partir daí que o local se passou a designar por esse nome.

Uma pequena panorâmica

do monte Fonte Santa

Page 6: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

6

Foi no meu entender, a melhor homenagem al-guma vez feita à Nossa Senhora dos Remédios. Contruírem uma capeli-nha no local onde terá aparecido. Uma repetição do que fizeram outros, quando

levaram a imagem de Nossa Senhora para a aldeia.

Mandaram construir uma Capelinha no local onde terá aparecido e colocaram nela uma cópia da imagem. Poderá não ter sido colocada no exato local onde apareceu, isso ninguém saberá, mas foi colocada no sí-tio mais apropriado, junto ao caminho por onde já se passa de automóvel, onde é vista por quem por ali passe, e, pelos que acredi-tam será venerada. Os que não acreditam têm ali uma obra que merece ser observada.

Quem por ali passar e não souber do porquê, da imagem, vê a razão e a data da sua inauguração.

Page 7: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

7

Sem avaliar o trabalho de uns e de ou-tros, irá ficar para os que ali viverem depois de tantos anos como os de agora, saberem quando e quem fez uma imagem de Nossa Senhora retornar ao local onde terá apare-cido, tudo ficará devidamente registado.

A Senhora dos Re-médios é venerada em muitos lugares. Também é conhe-cida como Nossa Senhora do Bom Remédio.

Quando da necessidade de resgatar os cristãos escravizados na África e no Ori-ente Médio, por São João da Mata e São Fé-lix de Valois, que fundaram em mil cento e noventa e oito a Ordem Hospitalar da San-tíssima Trindade e para isso precisavam de vultuosas somas em dinheiro, pediram a Maria Santíssima, o remédio para todas as necessidades que encontravam, sendo abundantemente atendidos e assim conse-

Cópia

Page 8: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

8

guiram libertar da escravidão milhares de ir-mãos na Fé e como gratidão, passaram a honrar a Mãe de Deus sob o título de Nossa Senhora do Bom Remédio ou Remédios, cuja festa se comemora no dia oito do mês de Setembro. Por eles ou não, foi criada a novena a Nossa Senhora do Bom Remédio, que transcrevo:

“Ó Rainha do Céu e da Terra, Santís-sima Virgem, Nós Vos veneramos. Vós sois a Filha bem-amada do Deus Altíssimo, a eleita Mãe do Verbo Encarnado, a imaculada Es-posa do Espírito Santo, o sagrado Vaso da Al-tíssima Trindade. Ó Mãe do Divino Reden-tor, que, sob o título de Nossa Senhora do Bom Remédio, vindes em ajuda de todos os que Vos invocam, estendei a nós a Vossa proteção maternal. Dependemos de Vós, ó querida Mãe, como filhos sem ajuda e ne-cessitados dependem de mãe terna e cuida-dosa. Ave-maria (rezar) Nossa Senhora do Bom Remédio, fonte de ajuda infalível, per-miti-nos retirar de Vosso tesouro de graças, nos momentos de necessidade, tudo quanto

Page 9: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

9

precisarmos. Tocai os corações dos pecado-res, para procurarem a reconciliação e o perdão. Confortai os aflitos e os abandona-dos, ajudai aos pobres e aos que perderam a esperança, amparai os enfermos e os que sofrem. Possam eles ser curados de corpo e alma, e fortalecidos no espírito para supor-tar seus sofrimentos com paciente resigna-ção e fortaleza cristã. Ave-maria. (rezar) Querida Senhora do Bom Remédio, fonte de ajuda infalível, Vosso Coração compassivo conhece o remédio para toda aflição e misé-ria que encontramos na vida. Ajudai-nos, com vossas orações e intercessão, a encon-trar remédio para nossos problemas e ne-cessidades, especialmente... (Faça aqui os pedidos que deseja.) De nossa parte, ó amo-rosa Mãe, nós nos comprometemos a um estilo de vida mais intensamente cristão, a uma observância mais cuidadosa da Lei de Deus, a sermos mais conscientes em cum-prir as obrigações do nosso estado de vida, e a esforçar-nos para sermos instrumentos

Page 10: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

10

de salvação neste mundo arruinado. Que-rida Senhora do Bom Remédio, nós Vos pe-dimos que estejais sempre presente junto a nós e, por vossa intercessão, possamos go-zar de saúde de corpo, de paz de espírito, e crescer na Fé e no amor ao Vosso Filho, Je-sus. Ave-maria. (rezar) Rogai por nós, ó Santa Mãe do Bom Remédio. Para que pos-samos aprofundar nossa dedicação ao Vosso Filho e reavivar o mundo com o seu Espírito.” (fim) Muitos usos e costumes se perderam, não serão jamais recuperados e quem deles poderia falar, também como eles, desapare-ceu. As pessoas com mais idade, que ainda há na aldeia, ainda se lembrarão de como era Murgido há cinquenta ou setenta anos atrás, ainda terão disso memória.

Da dureza do trabalho do campo, do quanto custava meter umas saca de milho no canastro, onde ficava a secar antes de ir para o malhadoiro para ser malhado e dele fazerem a broa, que era o melhor alimento

Page 11: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

11

que tinham, o que estava sempre à mão, bastava agarrar na broa e partir um naco. Uns ou outros teriam com que o acompa-nhar, outros nem sempre. Um bom naco de pão de milho, uma cebola rachada com sal e uma pinga de vinho, para quem podia, era uma boa merenda. A salgadeira teria de ser bem gerida, tinha de dar para o ano todo.

Também se recordarão de todas aquelas leiras desde a Ponte da Ribeira até ao Dafonso, algumas suportadas por gran-des calços (socalcos, muros) todas verdejan-tes com milho ou erva, hoje tomadas pelo mato. De quando no tempo da rega do mi-lho; o cantarolar vindo de um e outro lado. Da sementeira do milho; o que designavam por beçadas; da sua colheita em outubro; das debulhas à noite, onde se juntava muita juventude e todos queriam apanhar a espiga encarnada.

Nem todos os agricultores faziam de-bulhas, eram só aqueles que o milho se lhes acabava e para cozerem a fornada, iam por entre o milho apanhando aquém e além as

Page 12: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

12

espigas mais maduras que dessem para a fornada, e como ainda não estava o greiro bem seco tinha de ser debulhado e não ma-lhado.

As malhas do trigo, que era pouco, malhado nas eiras, e do despique entre os malhadores, uns de cada lado, para ver quais eram os mais fortes, força que me-diam com o som produzido pela pancada. O cantar dos carros de bois quando bem car-regados que se ouvia a grande distancia. Com o peso, o eixo ao rodar por entre as cantadoiras fazia um lindo chilrear, até por vezes incomodativo, o que levava os seus proprietários a meterem-lhe azeite, o eixo lubrificado não chiava.

Lembrar-se-ão também dos Entreme-ses, uma comédia que só era feita na aldeia de Murgido e iam representá-la às aldeias vizinhas.

Das brincadeiras do Carnaval, como a corrida das comadres, os pregões de fome sede e burra velha. Da serra das velhas na quarta-feira a meio da quaresma.

Page 13: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

13

Das travessuras da noite de São João e de tantas outras coisas, que hoje já se não praticam.

Das conversas entre homens, tidas no fim do dia de trabalho, aos domingos ou dias santos no Espinheirinho, onde discutiam so-bre quem tinha as melhores toiras ou me-lhores vacas, quem tinha o melhor campo de milho, entre outras coisas.

De como era vedada a lousa que ser-via para fechar o forno enquanto cozia o pão, usavam bosta de vaca que vedava e não deixava sair o calor e depois de seca fi-cava rija e não conspurcava o pão, que fi-cava muito distante e a lousa era justa com as pedras da porta do forno. Como eram borradas as eiras para nelas ser malhado o trigo. Era esse o nome que lhe davam e tam-bém aí era usada a bosta de vaca, que apa-nhavam de loja em loja, onde dormiam va-cas. Na eira, depois de bem limpas as areias que tivessem, era feita uma poça com a pró-pria bosta, e aí pisada a bosta com água até ficar em calda, que depois era espalhada por

Page 14: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

14

toda a eira, usando para o efeito uma pá de madeira, e, depois com um vassouro feito de giesta era a calda espalhada e alisada para ficar uniforme. Depois de seca ficava rija e podiam aí fazer várias malhadas sem se partir, saindo o greiro do trigo completa-mente limpo.

Não quero, nem devo, dizer que era melhor, ou pior, eram outros tempos. Os jo-vens de agora têm outros meios de diver-são, e são esses que devem viver. Porém, entendo, e é uma ideia minha, que a história da aldeia é feita do passado e será interes-sante sabermos um pouco de como era a vida dos que nela viveram antes de nós.

Quantas histórias os que viveram an-tes de nós não teriam para contar, e algu-mas, comparadas com a vivência de hoje, até nos fariam rir por acharmos inocentes demais, mas naquele tempo, nem os letra-dos conseguiriam melhor.

Page 15: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

15

II

Não consegui saber a origem da pala-vra Murgido, nem o que levou as gentes da-quele tempo a chamarem-lhe assim. Soube no entanto, que se terá chamado Moragido, como consta das Ordenações Afonsinas no Reinado de D. Afonso III e Morgado con-forme indica a carta que existe na Torre do Tombo em Lisboa, escrita a 9 de Março de 1758 pelo Abade da paroquia de Candemil, a mesma carta diz que Morgido se tinha cha-mado Morgado, como constava do tombo arquivado no passal da Igreja de Candemil, passal que já não existe e a documentação que lá haveria, ninguém saberá o destino que levou

A palavra Morgado poderá significar primogénito, filho único ou filho mais velho. Ou ainda coisa de muito proveito ou rendi-mento.

Segundo o dicionário Onomástico Eti-mológico da Língua Portuguesa, no que res-peita a Murgido, deixa como interrogação a

Page 16: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

16

possibilidade de este topónimo se relacio-nar com a forma Mourigildus.

Em Murgido há mais de cem anos atrás, terão havido famílias, como os Aze-veda; Pandilhas; Marianos; Pessoas; Pintos; Quinteiros e outros que não recordo agora, dado que é por esses nomes que é dividida a água da vila, com o primeiro nascente na Malhada nova. Seriam os terrenos agrícolas regados por essa água, desde o Dafonso até ao Iteiro. Outros terrenos tinham outra água.

Vou deixar aqui cópia da carta escrita pelo Abade da freguesia de Candemil em 1758 e das Ordenações Afonsinas, ordena-ções que estavam escritas em latim e a sua tradução, poderá ter alguma falha num ponto ou noutro.

Carta: Que esta minha freguesia de Cande-

mil está sita na Província do Minho e fica nas fraldas do Marão, da parte poente, pertence

Page 17: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

17

à comarca de Vila Real, do Arcebispado Pri-maz de Braga é pertencente ao termo e con-celho de Gestaço.

Cujo termo e concelho é de El-Rei Nosso Senhor o Senhor D. José, que Deus nos conserve, aumente e guarde, por mui-tos seclos; e o primeiro deste nome.

Esta minha freguesa tem presentes cento e dez vizinhos e consta de trezentos e noventa e sete pessoas que recebem o sa-cramento da penitência, quatro pessoas de sacramento, e menos alguns os poucos que por ora se acham absentes.

Aldeias ou lugares que circunvizinham se chamam Candemil que consta de trinta vizinhos, o segundo se chama Gião que consta de vinte e oito vizinhos, o terceiro se chama Revilhães, e consta de cinco vizinhos, o quarto se nomeia Morgido, que em algum tempo se chamou Morgado, como consta do tombo dos passais desta igreja que foi feito no ano de mil quinhentos e quarenta e seis, consta esta aldeia de trinta e seis mo-radores, o quinto se nomeia lugar chamado

Page 18: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

18

da Granja e tem esta aldeia quatro morado-res e nesta há uma casa ou quinta isenta de pagar dízimos por sua antiguidade inmemo-riável.

Que o orago desta freguesia e padro-eiro dela o Senhor Sam Cristóvam, tem a igreja três altares que o maior é do Santo Pa-trono e os dois colaterais que o da direita é do Santo nome de Jesus e da esquerda é de nossa Senhora, não tem naves, tem duas ir-mandades, uma das benditas almas é a mais antiga e a outra de pouca... de nossa Se-nhora do Rosário. Há nesta freguesia quatro capelas ou ermidas, uma dentro do lugar de Gião, com a invocação de Santo Ouvido onde vem pelo descanso de tempo algumas devotas pessoas em romaria outra no sítio chamado Corvachã distante do lugar um quarto de légua invocação de Nossa Se-nhora outra na aldeia de Morgido de Nossa Senhora dos Remédios e nesta contam os naturais depois por tradição antiga que a dita imagem ou capela já esteve em outros dois sítios e que neles ao pé da capela nascia

Page 19: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

19

uma fonte de água excelente e que na trans-ladação da dita capela secou a fonte no pri-meiro sítio e nasce no segundo ao pé da mesma e na segunda transladação para o dito lugar por os outros dois serem fora dele nascera a mesma fonte aonde inda ixiste de cuja água se servem os moradores, e é ma-ravilhosa, a quarta dentro do lugar da Granja com a invocação de Sam Salvador, todas estas capelas não tem dono particular e pertencem à fabrica de ... dos moradores dos ditos lugares e freguesia.

A Serra no distrito deste país é inabi-tável, ao longo dela estão os lugares de Mor-gido e Povoa.

No alto da Serra há uma imagem mi-lagrosa de nossa Senhora vulgarmente cha-mada Senhora da Serra, que não é do dis-trito da minha freguesia.

A qualidade da temperatura da Serra é frigidíssima adonde há muitas neves nos meses e é mais por causa das quais vários anos morre gente na Serra.

Page 20: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

20

No sitio dela e por toda no tempo es-tival, os moradores vizinhos a ela apascen-tam vários gados vacum e outros animais, cria covas de coelhos, lebres, e com mais abundância perdizes, é povoada de animais bravos como sam lobos, javalis, raposas.

No ano de mil setecentos e sinquenta no sitio chamado as...... que é uma tapada do paçal desta igreja quando um homem de-baixo de um penedo por acaso se achou grande quantidade de moedas sem ser de ouro nem de prata nem de cobre parecendo como frente a moeda do tamanho de três, sinco...... réis de agora de uma parte da mo-eda com ...... e letreiro que se não pode ler e da outra parte em algumas pintada um ho-mem de cavalo e outras uma cara de ho-mem, parece ser moeda que corresse no tempo dos Romanos, Godos ou Mouros, nam se pode dele ter o metal por diligencias que me dizem algumas pessoas fizeram não foi ...... para nada, neste mesmo citio, há uma ruína antiga que dizem o naturais ser

Page 21: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

21

de uma capela, invocação de Sam Domin-gos, que ainda conserva o nome, as relíquias da ruína mostram ser da capela maior.” Na carta onde se encontram reticên-cias estavam palavras que não conseguiu ler.

Ordenações Afonsinas- D. Afonso II (1220) FOROS E DADIVAS, P.153 Acerca de S. Cristóvão de Candemir.

Gonçalo Martins, abade, João Garcia, Ari-zaldo (?), Pedro filho João, Fernando filho João, Gonçalo filho de Pedro, Pedro filho de Pedro, Martim Gomes, Gonçalo filho de João, João Martins jurando disseram que quando vinha o Mordomo davam do que ti-nham de seu e acompanhavam-no na en-truviscada (direito do senhor quando fazia pescaria) e na ramada (pescaria feita com ramos). Em Amoos ficava a pousada do Rei. E pagavam multa e coima. E naquele lugar nada era negado.

Page 22: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

22

BENS DAS ORDENS.P. 251 Acerca de S. Cristóvão de Candemir. Gonçalo Martins, abade, João Garcia, Ari-zaldo (?), Pedro filho de João, Fernando filho de João, Gonçalo filho de Pedro, Mendo fi-lho de Pedro, Pedro filho de Pedro, Martim Gomes, Gonçalo filho de João, João Martins jurando disseram que esta igreja possuía terras. Em Caramos existiam 12 casais e quintas desta igreja. Inquirições de D. Afonso III (1258) p.1151 Silvestre filho de João de Ansiães, ju-rado e interrogado disse que sabia que o mi-litar Martins Lagoa tinha comprado herda-des sujeitas a foral em Candemir no tempo do rei D. Sancho ao irmão deste mesmo rei e que não tinha pago ainda a el-rei o foral e sabia que o Mosteiro de Feyxeno possuía propriedades que faziam parte do patrimó-nio real em Moragido no local chamado Santo Gradaes (?) e em S. Salvador e em Se-eara., mas não sabia (exactamente) quanto tinha e o que tinha e desse lugar não tinha

Page 23: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

23

pago foral régio (?) e deu em penhora a Pe-dro Egee o próprio mosteiro que aquele trouxera (?) para El-Rei. João filho de João de Candemir ju-rado e interrogado acerca das propriedades que Martins Lagoa tinha comprado em Can-demir disse como Silvestre filho de João. QUARTA ALÇADA.p. 1153 Martim filho de Geraldo de Mora-gido jurado e interrogado disse que ouvira dizer que metade de Moragido devia per-tencer ao Rei e que nada mais tinha nesse lugar. “ Cópias dos documentos acima refe-ridos encontram-se, segundo julgo, na igreja de Candemil e na Junta de Freguesia.

Page 24: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

24

III

Em Murgido para além das lendas da Senhora dos Remédios, da Lapa dos Ladrões e do Valentão da Granja, que foram pas-sando no tempo até à nossa geração, muitas outras terão existido e se foram perdendo. Recordo-me, era eu ainda bem pe-quenote, de me escapar da vigilância da mi-nha avó e ir para junto do Tio Joaquim Feli-ciano, gostava ele de me contar coisas que, provavelmente tinha ouvido ao seu avô e eu deliciava-me em as ouvir. Para além das coi-sas que me contava, gostava ainda de me presentear com uma tocata de harmónica, ele gostava de tocar. Os da minha idade e mais velhos lembrar-se-ão do Tio Joaquim Feliciano, que morava numa casa que ainda existe, junto ao caminho que vai desde o Espinheirinho até ao café do Artur Quintão, casa que, se-gundo julgo, pertence hoje ao Artur Quin-tão.

Page 25: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

25

Estava ele sempre que o tempo o permitisse, sentado à porta. Quando eu che-gava se alguém estivesse a conversar com ele eu ficava chateado, porque já não me contava nada e depressa dava eu meia volta, exceto quando lá estava o Tio Manuel Pinto, também um homem de muita idade que ajudava em tudo que ele me contava, tam-bém ele tinha uma idade muito avançada. Ao ouvi-lo, o meu imaginário parecia que es-tava a ver cada coisa, passo a passo. Falava muito do Tio Estercada, mas não do que ele conheceu, talvez do avô desse. Essa família de Estercadas morou bem fora da aldeia. Não sei bem definir o nome do local onde era essa casa, apesar de saber onde é, ainda vi as ruinas dessa casa, a existirem ainda, estarão tapadas pelas sil-vas. O local a que me refiro situa-se na vertente esquerda da Fonte Santa. Depois de subir a Calçada do Pereiro, virava-se à es-querda pelo caminho que ali existe, julgo que sim, mas estará tapado pelo mato, não

Page 26: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

26

será usado, mas foi-o muito, era por ali que se ia em direção aos Padrões. Depois da Cal-çada do Pereiro e subir à esquerda mesmo à beira do caminho existiu a casa. Junto das ruinas da casa, encosta abaixo havia umas leiras pequenas que eram de várias pessoas, e chamavam-se, segundo julgo, a Quintinha. Isso ainda eu conheci, e conheci tam-bém que desde o caminho e junto às ruinas da casa existia um carreiro que ia dar a meio da Calçada do Pereiro, onde existiu o majes-toso castanheiro. Quem mais usava esse carreiro era o Tio Herculano, o sardinheiro, que vinha de Santa Marinha do Zêzere, car-regando uma caixa, e por vezes duas, de sar-dinhas para vender em Murgido, Granja e Póvoa, chegando, uma vez, ou outra, até An-ciães. O sardinheiro quando chegava àquele local, donde avistava toda a aldeia avisava a sua chegada, não com uma corneta, mas com um grito, que se tornou bem conhe-cido, o grito do sardinheiro, que era ouvido por toda aldeia e as donas de casa ficavam a

Page 27: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

27

saber que havia sardinhas para a merenda, para as que podiam comprar. Esse Tio Estercada seriam um sábio, não haveria nesse tempo em Murgido, ne-nhum agricultor que não se fosse aconselhar com ele, sobre qualquer assunto relacio-nado com a agricultura, com o gado e com o tempo. Saberia ele quando ia chover, cair neve ou fazer vento. Quando algum animal sofria de alguma maleita, iam chamar o Tio Estercada para resolver o problema. Terá sido ele que inventou a Tramela e o Pandeiro, se não lhe estou a trocar os nomes. A Tramela era um engenho feito do que podiam arranjar, formando uma roda com umas pás com uma pequena maçaneta que com o vento rodava e batia numa lata que fazia parte do engenho e com o barulho que fazia assustava a passarada que ia depe-nicar nas espigas do milho, o mau era quando não fazia vento, mas era tão leve que rodava a qualquer sopro. Era a tramela colocada em qualquer árvore desde que não

Page 28: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

28

a abrigasse do vento ou numa estaca com-prida que espetavam no chão. O Pandeiro que só era posto a funcio-nar de noite, só podia ser feito onde cor-resse água ou que pudesse para ele ser en-caminhada, que era feito com um pau com-prido que rodava sobre um eixo. Num lado era feito um depósito que enchia de água e depois de cheio levantava, despejava a água e ia bater com uma tábua que tinha na ponta em outra tábua e produzia um baru-lho como o disparo de uma espingarda e as-sim espantava o porco-montês (javali), que pela calada da noite ia às espigas do milho. Não era só a passarada e o javali que se ia alimentar do milho, o texugo não se fi-cava atrás, não passava noite nenhuma, no tempo do milho, em que não fosse fazer a sua refeição e esse ia a campos bastante afastados do arvoredo onde se acoitava. Os agricultores por vezes confiantes que ele não chegaria tão longe do carvalhal ou gies-tal, tinham, por vezes, grandes surpresas, ao verem muitas canas de milho partidas e sem

Page 29: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

29

espiga, porém era diferente do javali, o ja-vali não só comia como danificava muito, e o texugo, só partia o que comia. OTRAS FOTOS

Esta foto mostra o caminho e a Senhora de Moreira, lá bem longe.

Page 30: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

30

Esta foto mostra que durante a noite a ima-gem está iluminada.

Page 31: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

31

Esta foto mostra o monte que envolve a Ca-pela.

Page 32: MURGIDO UMA ALDEIA BONITA...cordar a bonita aldeia onde nasci. Murgido. Aquela aldeia bem lá no alto, a mais alta da-quele lado da Serra do Marão e, quiçá, tam-bém a mais fria,

32

ABRIL

2020