mundializaÇÃo econÔmica e exclusÃo social

12
MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL Vera Maria Neves SMOLENTZOV* Resumo: Este artigo aborda o problema social como uma questão do capitalismo, agravado pela mlllldialização econômica. Palavras-chave: Mundialização econõmica; exclusão social. Introdução "Depois de 3 séculos de prodigioso desenvolvimento cientifico, torna-se intoleravelmente alienante concluir com Wittgenstein que a acumulação de tan- to conhecimento sobre o mundo, se tenha traduzido em tão pouca sabedoria do mundo, do homem consigo próprio, com os outros, com a natureza/" Muito se tem discutido sobre os conceitos de mundialização e globalização e de seus efeitos políticos, sociais, culturais e jurídicos, tanto no plano internacional corno no nacional. No plano internacional podemos observar as rela- ções entre os países envolvidos nesse processo: as economias e companhias centrais do processo de oligopolização econõmica, as periféricas - subdesenvolvidas ou em desenvolvimento e cuja competitividade internacional se acha comprometida por sua instabilidade económica, político-social; e as que se situam fora da faixa do interesse internacional as chamadas "zonas de pobreza", que "nada" tem a oferecer ao mun- do internacional além da ameaça de migração de suas populações famintas e miserá- veis. No plano nacional, podemos observar uma intensa diminuição do papel do Estado, principalmente nas questões sociais, alterando e desregulamentando as condições de reprodução da força de trabalho (terceirização, desemprego, subemprego, emprego-informal) além de aumentar ainda muito mais a desigualdade e a exclusão social. Os países cujas condições de proteção ao trabalho (através de suas lutas sindicais e mobilização social) haviam alcançado uma efetiva política social (Weifare State) sofreram menos os efeitos devastadores dessa política de contenção social feita em nome de urna melhoria na capacÍlação económica e aumento de competitividade internacional. No entanto, os países cujas economias e • Mesuandaem Sociologia na PUC/SP. Docente na fCEA-CEP 16015-28(}"Araçaluba(SP). 'citaçãodeWittgenstein lN: Santos, 8.S. IntroduciQà urrut Ciência Rio de Janeiro: Graal. 1989, p_ 147. Econ. pesquí., Araçatuba, V. I, n. I, p.39-50, mar. 1999 39

Upload: phungminh

Post on 10-Jan-2017

225 views

Category:

Documents


8 download

TRANSCRIPT

Page 1: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

MUNDIALIZACcedilAtildeO ECONOcircMICA E EXCLUSAtildeO SOCIAL

Vera Maria Neves SMOLENTZOV

Resumo Este artigo aborda o problema social como uma questatildeo do capitalismo agravado pela mlllldializaccedilatildeo econocircmica

Palavras-chave Mundializaccedilatildeo econotildemica exclusatildeo social

Introduccedilatildeo

Depois de 3 seacuteculos de prodigioso desenvolvimento cientifico torna-se intoleravelmente alienante concluir com Wittgenstein que a acumulaccedilatildeo de tanshyto conhecimento sobre o mundo se tenha traduzido em tatildeo pouca sabedoria do mundo do homem consigo proacuteprio com os outros com a natureza

Muito se tem discutido sobre os conceitos de mundializaccedilatildeo e globalizaccedilatildeo e de seus efeitos poliacuteticos sociais culturais e juriacutedicos tanto no plano internacional corno no nacional No plano internacional podemos observar as relashyccedilotildees entre os paiacuteses envolvidos nesse processo as economias e companhias centrais do processo de oligopolizaccedilatildeo econotildemica as perifeacutericas - subdesenvolvidas ou em desenvolvimento e cuja competitividade internacional se acha comprometida por sua instabilidade econoacutemica poliacutetico-social e as que se situam fora da faixa do interesse internacional as chamadas zonas de pobreza que nada tem a oferecer ao munshydo internacional aleacutem da ameaccedila de migraccedilatildeo de suas populaccedilotildees famintas e miseraacuteshyveis

No plano nacional podemos observar uma intensa diminuiccedilatildeo do papel do Estado principalmente nas questotildees sociais alterando e desregulamentando as condiccedilotildees de reproduccedilatildeo da forccedila de trabalho (terceirizaccedilatildeo desemprego subemprego emprego-informal) aleacutem de aumentar ainda muito mais a desigualdade e a exclusatildeo social Os paiacuteses cujas condiccedilotildees de proteccedilatildeo ao trabalho (atraveacutes de suas lutas sindicais e mobilizaccedilatildeo social) jaacute haviam alcanccedilado uma efetiva poliacutetica social (Weifare State) sofreram menos os efeitos devastadores dessa poliacutetica de contenccedilatildeo social feita em nome de urna melhoria na capacIacutelaccedilatildeo econoacutemica e aumento de competitividade internacional No entanto os paiacuteses cujas economias e

bull Mesuandaem Sociologia na PUCSP Docente na fCEA-CEP 16015-28(Araccedilaluba(SP) citaccedilatildeodeWittgenstein lN Santos 8S IntroduciQagrave urrut Ciecircncia P6~ Rio de Janeiro Graal 1989 p_ 147

Econ pesquiacute Araccedilatuba V I n I p39-50 mar 1999 39

sistemas poliacutetico-sociais se mpstravam fraacutegeis e instaacuteveis e com urna pequena mobilizaccedilatildeo social para garantir minimamente essa poliacutetica social sofreram mais os efeitos avassaladores do ponto de vista social pois o seu poder de barganha internashycional ficou dramaticamente diminuiacutedo - urna vez que suas estruturas produtivas foshyram seriamente comprometidas pela sua falta de condiccedilotildees em promoverem as mushydanccedilas tecnoloacutegicas e de relaccedilotildees de traballio tatildeo necessaacuterias para diminuiacuterem essa distacircncia social que foi ficando cada vez maior e em menor tempo

Todas essas dificuldades internacionais serviram tambeacutem para agravar e aumentar drasticamente as distacircncias entre os paiacuteses centrais e os outros deteriorando ainda mais os mecanismos de trocas internacionais numa economia oligopolizada e moodializada

Acirrando ainda mais essas contradiccedilotildees quer no contexto nashycional como no internacional eacute necessaacuterio incluir tambeacutem a participaccedilatildeo efetiva das mulheres nesse mercado de traballio globalizado quase sempre como um trabalhashydor de 2a categoria recebendo menos recursos pelos mesmos trabalhos executashydos

Assim pode-se perceber que a mundializaccedilatildeo eacute um processo de desempenho do sistema capitalista que se apresenta no fmal do seacuteculo XX como um modo de produccedilatildeo e um processo civilizatoacuterio que

aleacutem de desenvolver e mundializar as suas forccedilas produtivas e as suas relaccedilotildees de produccedilatildeo desenvolve e mundializa padrotildees e valores soacutecio-culturais formas de agir sentir penshysar e imaginar Nas diferentes tribos clatildes naccedilotildees e nacionashylidades ao lado das suas diversidades culturais religiosas linguumliacutesticas eacutetnicas ou outras formam-se ou desenvolvemshyse instituiccedilotildees padrotildees e valores em conformidade com as exigecircncias da racionalidade produtividade competitividade e lucratividade indispensaacuteveis agrave produccedilatildeo de mercadorias sem as quais natildeo se realiza a mais-valia Os princiacutepios da liberdade igualdade e propriedade articulados juriacutedico-poshyliticamente em contrato aos poucos se impotildeem e generalishyzam em ambientes sociais em que prevalecem tribalismos tradicionalismos patriarcalismos e patrimonialismos (IANNI 1996 p 40)

I A crise do capitalismo do seacuteculo XX

Verifica-se com a falecircncia do princiacutepio lib~ral do livre comeacutercio a partir das crises de superproduccedilatildeo como a da Grande Depressatildeo de 1873-96 e que representou a passagem para que o capitalismo monopolista (caracterizado por uma forte concentraccedilatildeo de capitais fusatildeo do capital industrial ao financeiro criando

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 40

monopoacutelios modificando o perfil das empresas e dos empresaacuterios aleacutem de acirrar as disputas internacionais) e da Depressatildeo de 29 levando ambas as crises agraves Guerras Mundiais e a uma nova maneira de representar o mundo e de tentar atenuar os efeitos devastadores da recessatildeo econocircmica do capitalismo ocidental atraveacutes de uma poliacuteshytica de intervenccedilatildeo do Estado na economia para corrigir os efeitos da recessatildeo a partir da poliacutetica do New Dea (de inspiraccedilatildeo Keynesiana e adotada pelo governo do presidente Roosevelt com a finalidade de tentar regular as disputas entre os fatores capital e trabalho basicamente) O periacuteodo de 1929-33 foi de um abismo a partir do qual o retorno a 1931 tornou-se natildeo apenas impossiacutevel como impensaacutevel O velho liberalismo estava morto ou parecia condenado n

(HOBSBAWN1996p110) Surgiram ai os ingredientes necessaacuterios para a manutenccedilatildeo e

expansatildeo do capitalismo ocidental que jaacutehavia evoluiacutedo nos paiacuteses centrais do capishytalismo industrial para o monopolista e entrava agora em sua fase estatal de prograshymaccedilatildeo econocircmica dentro do projeto de desenvolvimento capitalista (uma vez que se manteacutem intactos os seus princiacutepios fundamentais de propriedade privada e de aproshypriaccedilatildeo da mais-valia) A intervenccedilatildeo do Estadoprincipalmente nos paiacuteses euroshypeus seria natildeo somente reguladora (como nos EUA) mas tambeacutem providenciaacuteria (Welfare-State) Nos paiacuteses perifeacutericos essa intervenccedilatildeo foi do tipo desenvolviacutementalista

No Estado Desenvolvimentalista os gastos de infra-estrutushyra e empresas puacuteblicas crescem e absorvem a quase totalishydade do orccedilamento e crescem continuamente Por outro lado os gastos sociais crescem minimamente configurando sociedades com profundas tendecircncias agrave desigualdade e exshyclusatildeo social (CEPEcircDA 1998 p196)

2 Mundializaccedilatildeo como processo de expansatildeo capitalista

Em primeiro lugar eacute importante decifrar como propotildee Chesnais termos carregados de ideologia pois eles natildeo satildeo neutros Eles invadem o discurso poliacutetico e econocircmico cotidiano com muita facilidade pelo fato de serem termos cheishyos de conotaccedilotildees (e por isso uti lizados de forma consciente para manipular o imagishynaacuterio social e pesar nos debates poliacuteticos) e ao mesmo tempo vagos (1996 p24)

Eacute por isso que o termo mundializaccedilatildeo (mondialisation) teve dificuldade de se impor porque em primeiro lugar natildeo faz parte da liacutengua inglesa (veiacuteculo oficial do capitalismo) e depois porque ele tende a mostrar mais claramente que a economia se mundializou e que portanto eacute necessaacuterio e urgente a construccedilatildeo de instituiccedilotildees poliacuteticas mundiais que sejam capazes de dominar e delimitar seu movishymento fato que os paiacuteses do Grupo dos Sete (EUA Canadaacute Japatildeo Franccedila Alemashynha Reino Unido Itaacutelia e que dominam atuahnente o mundo) natildeo aceitam de forma

Econ pesqui Araccedilatuba vl nlp39-50 mar 1999 41

alguma (CHESNAIS 1996 p24) Em contraposiccedilatildeo o termo globalizaccedilatildeo (globalization) eacute enfocado principalmente pelas Business Schools e se refere fundamentalmente agrave capacidade da grande empresa de elaborar para si mesma urna estrateacutegia seletiva em niacutevel mundial a partir de seus proacuteprios interesses mas criando por essa mesma razatildeo graves dificuldades para os demais atores do processo quer sejam paiacuteses outras empresas ou trabalhadores (1996 p 37)

Tomadas essas precauccedilotildees metodoloacutegicas seraacute o termo mundializaccedilatildeo o eleito para designar tanto a questatildeo do comeacutercio internacional quanto a das empresas (e portanto do capital) assim como da globalizaccedilatildeo fmanceishyra e suas ligaccedilotildees e implicaccedilotildees nas relaccedilotildees internacionais capitalistas bem como nos graves distuacuterbios nos planos econocircmicos financeiros poliacuteticos sociais juriacutedicos e culturais dentro da proacutepria estrutura interna dos paiacuteses envolvidos (centrais e perishyfeacutericos) Enfim a mundializaccedilatildeo seraacute tratada como um processo de desempenho capitalista em sua multiplicidade de aspectos nacionais e internacionais mantido o estatuto baacutesico de dependecircncia mundial

A mundializaccedilatildeo eacute o resultado da mais longa acumulaccedilatildeo ininterrupta do capital industrial associado ao financeiro desde 1914 E das poliacuteticas de liberalizaccedilatildeo privatizaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacutetishycas desde o iniacutecio da deacutecada de 80 e impulsionadas sobretudo pelos governos Thatcher (Inglaterra) e Reagan (EUA) As novas tecnologias como automaccedilatildeo teleinformaacutetica e novas praacuteticas administrativas de liberaccedilatildeo de matildeo-de-obra (tanto em relaccedilatildeo agrave precariedade de empregos como agrave desregulamentaccedilatildeo e flexibilizaccedilatildeo dos contratos de trabalho) foram adotadas e impostas agrave classe operaacuteria Essas novas praacuteticas levaram agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios e da proteccedilatildeo social dentro e fora dos paiacuteses considerados principais poacutelos econocircmicos mundiais

Nos paiacuteses centrais cujas economias podiam ser consideradas estaacuteveis e cuja populaccedilatildeo trabalhadora jaacute havia conseguido substanciais conquistas sociais e um bem montado Estado do Bem Estar Social essas novas praacuteticas de desregulamentaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do Estado na sociedade foram senshytidas mas sua populaccedilatildeo trabalhadora ainda teve condiccedilotildees miacutenimas de manter seus niacuteveis de emprego e reorganizar suas relaccedilotildees de trabalho Mas nos paiacuteses de perifeshyria subdesenvolvidos ou em desenvolvimento esse rearranjo econocircmico social e poliacutetico foi no miacutenimo desastroso A diminuiccedilatildeo do Estado se deu principalmente e por questotildees poliacuteticas justamente nas aacutereas sociais (como sauacutede e educaccedilatildeo) deishyxando suas populaccedilotildees ainda mais indefesas do ponto de vista social e levando-as a formar um grande contingente de desempregados a aumentar a desigualdade social e o nuacutemero de excluiacutedos

Nas aacutereas em que predominava o Estado controlador e empreshysarial as antigas condiccedilotildees poliacutetico-econocircmicas foram mantidas Os paiacuteses centrais e de economias estaacuteveis conseguiram manter sua competitividade internacional manshytendo eou aumentando sua capacidade produtiva e financeira (migraccedilatildeo internacio-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 42

nal constante de grandes fluxos de capital operados por competentes e anocircnimos operadores de cacircmbio comandando uma admiraacutevel especulaccedilatildeo financeira internashycional em busca de uma maior liquidez e credibilidade dos mercados globalizados) Suas relaccedilotildees internacionais de troca (comerciais ernpresariais e de serviccedilos) ficam garantidas pela oligopolizaccedilatildeo mundial pela sua eficiente economia produtiva e sua indisfarccedilaacutevel predominacircncia poliacutetica internacional de regulamentaccedilatildeo internacional sofrendo ainda mais agudamente todo o processo de rearranjo poliacutetico e econocircmico do capitalismo mundial

Alguns paiacuteses (Aacutefrica Aacutesia) no entanto que estatildeo fora do inteshyresse internacional porque suas economias e sistemas poliacuteticos sociais instaacuteveis natildeo apresentam possibilidades de atrair capitais e nas relaccedilotildees de troca internacional nada tem a oferecer ao mercado exceto a ameaccedila de migraccedilatildeo de suas populashyccedilotildees carentes e famintas acabam se constituindo em verdadeiras zonas de pobreza extrema agrave margern do circuito internacional

O termo oligopoacutelio mundial refere-se a um espaccedilo de rivalidashyde industrial que se forma sobre a base da expansatildeo mundial dos grandes grupos de seus investimentos e da concentraccedilatildeo internacional resultante das aquisiccedilotildees e fusotildees efetuadas para esse fim Esse espaccedilo eacute um lugar de encarniccedilada concorrecircncia mas tambeacutem de colaboraccedilatildeo entre os grupos (CHESNAlS 1996 p36)

A mundializaccedilatildeo do capitalismo traz consigo a transformaccedilatildeo do mundo em algo que parece uma faacutebrica global Com a internacionalizaccedilatildeo do capishytal haacute a internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo com suas consequumlecircncias naturais internacionalizaccedilatildeo das questotildees sociais e trabalhistas E conceitos como faacutebrica global e shopping center comeccedilam a ser veiculados e usados como expressotildees comuns para se designar a produccedilatildeo e o consumo em escalas mundiais 2

A internacionalizaccedilatildeo do capital compreendida como internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo ou da reprodushyccedilatildeo ampliada do capital envolve a internacionalizaccedilatildeo das classes sociais em suas relaccedilotildees reciprocidades e antagoshynismos Como ocorre em toda formaccedilatildeo social capitalista tambeacutem na global desenvolve-se a questatildeo social Quando se mundializa o capital produtivo mundializam-se as forccedilas produtivas e as relaccedilotildees de produccedilatildeo Esse eacute o contexto em que se daacute a mundializaccedilatildeo das classe sociais compreendenshydo suas diversidades internas suas distribuiccedilotildees pelos mais diversos e distantes lugares suas muacuteltiplas e distintas cashyracteriacutesticas eacutetnicas raciais linguumliacutesticas religiosas e outras Nesse sentido eacute que as classes sociais por seus movimentos sociais partidos poliacuteticos e correntes de opiniatildeo podem transshy

conceitos de internacionalizaccedilatildeo das questocirclts sociais e trabalhistds aqui utilizados se apoiam em lANNI Octaviacuteo Teorias da Globalizado Rio de

)imeiro Civilizaccedilatildeo Brasileirt 1995

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

---_ ~---

43

bordar as naccedilotildees e regiotildees manifestando-se em acircmbito cada vez mais amplo O que jaacute eacute verdade para grupos e classes dominantes que se comunicam e articulam cada vez mais em escala mundial pode tornar-se tambeacutem realidade para os grupos e as classes subalternas a despeito de suas divershysidades internas e de sua dispersatildeo por todos os recantos do mapa do mundo(IANNI 1996 p53) Dentro dessa clara perspectiva de difusatildeo mundial tambeacutem os

ideais de progresso modernizaccedilatildeo satildeo lanccedilados como padrotildees e referecircncias internacionais de atividades e mentalidades a serem alcanccedilados Ela eacute feita claramenshyte pela miacutedia impressa e eletrocircnica organizadas em redes transnacionais atraveacutes do idioma inglecircs (liacutengua oficial das transaccedilotildees econocircmico-poliacutetico-juridico-culturais do mundo capitalista) para alterar os antigos padrotildees regionais e legitimar os novos padrotildees valores e instituiccedilotildees calcados nos modelos americanos e da Europa Ocidental mais compatiacuteveis comas atuais relaccedilotildees internacionais Elas ajudam tambeacutem a difundir uma ideacuteia de integraccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo baseada na forccedila indiscutiacutevel do capitalismo mundial contra as noccedilotildees de variedade e multiplicidade e a favor de uma uacutenica maneira de pensar agir e sentir sedimentada pelos principais valores e instituiccedilotildees das sociedades capitalistas dominantes

No acircmbito das relaccedilotildees do trabalho flexibiliza-se terceiriza-se em nome das poliacuteticas de racionalizaccedilatildeo competitividade e enxugamento da produccedilatildeo sem gorduras de pessoal (clean production) O efeito combinado dessas praacuteticas levaram agrave precariedade dos empregos e agrave reduccedilatildeo da proteccedilatildeo social com a desregulamentaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacuteticas (conseguidas atraveacutes das lutas sindicais e sociais) e agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios pela competiccedilatildeo intemacional

No entanto as maiores vantagens internacionais satildeo das induacutesshytrias que empregam matildeo-de-obra intensiva em conhecimentos favorecendo reduccedilotildees no uso de mateacuterias-primas e energia nos processos de produccedilatildeo e assegurando oacutetimos niacuteveis de qualidade a um custo menor Assim o produto fabricado nessa nova perspectiva empresarial depende cada vez mais da relaccedilatildeo homemmaacutequina conferindo um novo criteacuterio para medir a produtividade desse novo segmento de trabalhadores de alto niacutevel teacutecnico e numericamente reduzidos em contrapartida agrave grande massa de trabalhadores de existecircncia precaacuteria sem proteccedilatildeo social e sujeitos ao mercado informal e ao desemprego No padratildeo atual de acumulaccedilatildeo do progresso teacutecnico produzir eacute cada vez mais p1oduzir inovaccedilatildeo (BENARDES 1994 p36)

3 A questatildeo social

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

~__---------shy

44

A questatildeo social segundo Robert Castel eacute uma aporia fundashymental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesatildeo e tenta conjurar o risco de sua fratura Ea eacute um desafio que potildee em questatildeo a capacidade de uma sociedade (o que em termos politicos se chama uma naccedilatildeo) de existir como um conjunto ligado por relaccedilotildees de interdependecircncia (apud WANDERLEY 1997 p18) Para Wanderley (a quesshytatildeo social fimdante que permanece sob formas variaacuteveis nesses 500 anos do descobrimento a nossos dias centra-se nas extremas desigualdades e injusticcedilas que reinam na esshytrutura social dos paiacuteses latino-americanos resultante dos modos de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social dos modos de deshysenvolvimento que se formaram em cada sociedade nacioshynal e na regiatildeo em seu complexo Ela se funda nos conteuacuteshydos e formas assimeacutetricas assumidas pelas relaccedilotildees sociais em suas muacuteltiplas dimensotildees econoacutemicas poliacuteticas cultushyrais e religiosas com acento na concentraccedilatildeo de poder e de riqueza de classes e selores sociais dominantes e na pobreza generalizada de outras classes e setores sociais que constitushyem as maiorias populacionais cujos impactos alcanccedilam toshydas as dimensotildees da vida social do cotidiano agraves determinashyccedilotildees estruturais (1997 p53) Desde a colonizaccedilatildeo as relaccedilotildees da Ameacuterica Latina3 com suas

antigas metroacutepoles e posteriormente com o imperialismo inglecircs e americano foram sempre marcadas por relaccedilotildees de desigualdade econotildemica poliacutetica social juriacutedica e cultural combinando sempre uma posiccedilatildeo de vanguarda do atraso e de atraso da vanguarda Vale dizer segundo Oliveira que a Ameacuterica Latina e especialmente o Brasil estiveram sempre a reboque do processo capitalista Enquanto colocircnia o Brashysil funcionou como lugar de produccedilatildeo baseado no traacutefico de escravos e reproduzindo em seu territoacuterio o proacuteprio sistema que jaacute comeccedilava a se extinguir na Europa Enshyquanto isso

as treze coloacutenias americanas a Austraacutelia e Nova Zelacircndia se estruturaram como coloacutenias de povoamento portanto na retaguarda do processo de expansatildeo capitalista mercantil ligadas ao mesmo apenas como escoadouro de excedentes populacionais de variada origem (perseguiccedilotildees religiosas coloacutenia de degredo desestruturaccedilatildeo agraacuteria) Por oposiccedilatildeo as coloacutenias de povoamento nasciam como retaguarda mas essa condiccedilatildeo propiciou imediatamente um tipo de econoshymia e de sociedade que logo transitou para o trabalho livre

o tenno lIi110 eaqui empregado para designar latinidade expressada em suas culturas e contra os Estados Unidos do destino manifesto WANDERLEYop citp51

Econ pesqui Araccedilatuba V 1 n 1 p39-50 mar 1999 45

A vantagem da vanguarda do atraso logo transformou-se numa desvantagem cujos efeitos seculares perduram apeshysar ou talvez et pour cause (OLIVEIRA 1997 p1) Daiacute para frente podemos observar os mesmos mecanismos de

dissintonia constante na histoacuteria dos paiacuteses latino-americanos (incluiacutedo eacute claro o Brashysil) de pequenos avanccedilos e grandes recuos quase sempre na vanguarda do atraso do processo de expansatildeo capitalista Eacute deste ponto de vista e a partir da visatildeo de Oliveira que as desigualdades e os atrasos vecircm se acumulando ao longo da histoacuteria do Brasil que chegou aos mesmos limites superiores do capitalismo desenvolvishydo sem ter atingido seus patamares miacutenimos

Eacute assim que segundo ainda Oliveira (1997 p05) a vanguarda do atraso mal ultrapassada as fronteiras da segunda revoluccedilatildeo industrial logo se viu agraves voltas com a perda da capacidade regulatoacuteria do Estado que vai desde a incapashycidade para regular o sistema econoacutemico em suas aacutereas poliacutetico-territoriais ateacute apreshysentar a fratura exposta da violecircncia privada e dos grupos gangues redes de narcotraacutefiacuteco que tomam letra morta o monopoacutelio legal da violecircncia Natildeo precisamos citar especificamente nenhum de nossos paiacuteses em todos sem nenhuma exceccedilatildeo o Estado eacute uma presa faacutecil da violecircncia privada que ele mesmo em sua funccedilatildeo de condottieri e por consequumlecircncia em sua dilapidaccedilatildeo financeira estimulou ateacute o surreal

Para podermos situar convenientemente o problema da desishygualdade social especialmente nas nossas sociedades perifeacutericas eacute necessaacuterio que foquemos com especial atenccedilatildeo o da exclusatildeo social Muito se tem falado escrito e debatido sobre a questatildeo tanto do ponto de vista acadecircmico como fora dele Para podermos comeccedilar a situar o problema eacute necessaacuterio primeiro esclarecer que ele seraacute tratado como o fez Martins de uma

perspectiva socioloacutegico-poliacutetica (e natildeo econoacutemico-social) entendendo-se poliacutetica natildeo no sentido partidaacuterio mas como uma reflexatildeo socioloacutegica entre a sociedade e o Estashydo Porque esse eacute o acircmbito da intervenccedilatildeo eficaz da socieshydade civil do povo e mais especificamente das viacutetimas (aqueles que nas pautas de encontros de reflexatildeo e de estudo satildeo vagamente definidos como excluiacutedos ) Porque esse eacute o acircmbito da reivindicaccedilatildeo e ateacute exigecircncia dos direitos socishyais (1997 p13) Na verdade e ainda segundo Martins o conceito de exclushysatildeo natildeo existe sociologicamente existe contradiccedilatildeo exisshytem viacutetimas de processos sociais poliacuteticos e econoacutemicos excludentes existe o conflito pelo qual a viacutetima dos processhysos excudentes proclama seu inconformismo seu mal-estar sua revolta sua esperanccedila sua forccedila reivindicativa e sua

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 46

reivindicaccedilatildeo corrosiva Essas reaccedilotildees porque natildeo se trata estritamente de exclusatildeo natildeo se datildeo fora dos sistemas econoacutemicos e dos sistemas de poder Elas constituem o imponderaacutevel de tais sistemas fazem parte deles ainda que os negando As reaccedilotildees natildeo ocorrem de fora para dentro elas ocorrem no interior da realidade problemaacutetica denshytro da realidade que se produziu os problemas que as caushysaram (1997 p14) Eacute por isso que as poliacuteticas econoacutemicas atuais no Brasil e em outros paiacuteses seguem o que estaacute sendo chamado de modelo neoliberal implicam a proposital inclusatildeo precaacuteria e instaacuteshyvel marginal Natildeo satildeo propositalmente poliacuteticas de exclushysatildeo Satildeo poliacuteticas de inclusatildeo das pessoas nos processos econoacutemicos na produccedilatildeo e na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos estritamente em termos daquilo que eacute racionalmente conveshyniente e necessaacuterio agrave mais eficiente (e barata) reproduccedilatildeo do capital E tambeacutem ao funcionamento da ordem poliacutetica em favor dos que dominam Esse eacute um meio que claramente atenua a conflitividade social de classe politicamente perishygosa para as classes dominantes (MARTINS 1997 p 34) Oproblema da exclusatildeoinclusatildeo fica claramente colocado apartir

do exemplo de Martins sobre as meninas prostitutas de Fortaleza que se integram economicamente no mercado ao serem incluiacutedas como prostitutas desintegrando-se moral e socialmente como cidadatildes Eacute por isso que Martins chama a atenccedilatildeo para uma questatildeo crucial o da inclusatildeo Esse momento de passagem da exclusatildeo para a inclusatildeo e que tecircm se constituiacutedo num modo de vida em vez de um periacuteodo transishytoacuterio como costumava ser eacute que tem sido a razatildeo do grande sofrimento e das granshydes dificuldades sociais Eacute essa passagem problemaacutetica e natildeo provisoacuteria que tem levado a se considerar uma outra sociedade paralela constituiacuteda de cidadatildeos de 2a

categoria separados por estamentos riacutegidos numa espeacutecie de sociedade feudal dishyvidida emdois mundos distintos fazendo do mundo dos excluiacutedos um mundo mimeacutetico e manipulaacutevel pela miacutedia e abrindo-se entre esses dois mundos uma fratura dificil de ultrapassar

Este processo que noacutes chamamos de exclusatildeo natildeo cria mais os pobres que noacutes conheciacuteamos e reconheciacuteamos ateacute outro dia Ele cria uma sociedade paralela que eacute includente do ponto de vista econoacutemico e excudente do ponto de vista social moral e ateacute poliacutetico E continua a nossa sociedade estaacute se transformando numa sociedade dupla duas humashynidades na mesma sociedade De um lado uma humanidashyde constituiacuteda de integrados (ricos e pobres) Todos inseri-

Econ pesquiacute Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 47

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 2: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

sistemas poliacutetico-sociais se mpstravam fraacutegeis e instaacuteveis e com urna pequena mobilizaccedilatildeo social para garantir minimamente essa poliacutetica social sofreram mais os efeitos avassaladores do ponto de vista social pois o seu poder de barganha internashycional ficou dramaticamente diminuiacutedo - urna vez que suas estruturas produtivas foshyram seriamente comprometidas pela sua falta de condiccedilotildees em promoverem as mushydanccedilas tecnoloacutegicas e de relaccedilotildees de traballio tatildeo necessaacuterias para diminuiacuterem essa distacircncia social que foi ficando cada vez maior e em menor tempo

Todas essas dificuldades internacionais serviram tambeacutem para agravar e aumentar drasticamente as distacircncias entre os paiacuteses centrais e os outros deteriorando ainda mais os mecanismos de trocas internacionais numa economia oligopolizada e moodializada

Acirrando ainda mais essas contradiccedilotildees quer no contexto nashycional como no internacional eacute necessaacuterio incluir tambeacutem a participaccedilatildeo efetiva das mulheres nesse mercado de traballio globalizado quase sempre como um trabalhashydor de 2a categoria recebendo menos recursos pelos mesmos trabalhos executashydos

Assim pode-se perceber que a mundializaccedilatildeo eacute um processo de desempenho do sistema capitalista que se apresenta no fmal do seacuteculo XX como um modo de produccedilatildeo e um processo civilizatoacuterio que

aleacutem de desenvolver e mundializar as suas forccedilas produtivas e as suas relaccedilotildees de produccedilatildeo desenvolve e mundializa padrotildees e valores soacutecio-culturais formas de agir sentir penshysar e imaginar Nas diferentes tribos clatildes naccedilotildees e nacionashylidades ao lado das suas diversidades culturais religiosas linguumliacutesticas eacutetnicas ou outras formam-se ou desenvolvemshyse instituiccedilotildees padrotildees e valores em conformidade com as exigecircncias da racionalidade produtividade competitividade e lucratividade indispensaacuteveis agrave produccedilatildeo de mercadorias sem as quais natildeo se realiza a mais-valia Os princiacutepios da liberdade igualdade e propriedade articulados juriacutedico-poshyliticamente em contrato aos poucos se impotildeem e generalishyzam em ambientes sociais em que prevalecem tribalismos tradicionalismos patriarcalismos e patrimonialismos (IANNI 1996 p 40)

I A crise do capitalismo do seacuteculo XX

Verifica-se com a falecircncia do princiacutepio lib~ral do livre comeacutercio a partir das crises de superproduccedilatildeo como a da Grande Depressatildeo de 1873-96 e que representou a passagem para que o capitalismo monopolista (caracterizado por uma forte concentraccedilatildeo de capitais fusatildeo do capital industrial ao financeiro criando

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 40

monopoacutelios modificando o perfil das empresas e dos empresaacuterios aleacutem de acirrar as disputas internacionais) e da Depressatildeo de 29 levando ambas as crises agraves Guerras Mundiais e a uma nova maneira de representar o mundo e de tentar atenuar os efeitos devastadores da recessatildeo econocircmica do capitalismo ocidental atraveacutes de uma poliacuteshytica de intervenccedilatildeo do Estado na economia para corrigir os efeitos da recessatildeo a partir da poliacutetica do New Dea (de inspiraccedilatildeo Keynesiana e adotada pelo governo do presidente Roosevelt com a finalidade de tentar regular as disputas entre os fatores capital e trabalho basicamente) O periacuteodo de 1929-33 foi de um abismo a partir do qual o retorno a 1931 tornou-se natildeo apenas impossiacutevel como impensaacutevel O velho liberalismo estava morto ou parecia condenado n

(HOBSBAWN1996p110) Surgiram ai os ingredientes necessaacuterios para a manutenccedilatildeo e

expansatildeo do capitalismo ocidental que jaacutehavia evoluiacutedo nos paiacuteses centrais do capishytalismo industrial para o monopolista e entrava agora em sua fase estatal de prograshymaccedilatildeo econocircmica dentro do projeto de desenvolvimento capitalista (uma vez que se manteacutem intactos os seus princiacutepios fundamentais de propriedade privada e de aproshypriaccedilatildeo da mais-valia) A intervenccedilatildeo do Estadoprincipalmente nos paiacuteses euroshypeus seria natildeo somente reguladora (como nos EUA) mas tambeacutem providenciaacuteria (Welfare-State) Nos paiacuteses perifeacutericos essa intervenccedilatildeo foi do tipo desenvolviacutementalista

No Estado Desenvolvimentalista os gastos de infra-estrutushyra e empresas puacuteblicas crescem e absorvem a quase totalishydade do orccedilamento e crescem continuamente Por outro lado os gastos sociais crescem minimamente configurando sociedades com profundas tendecircncias agrave desigualdade e exshyclusatildeo social (CEPEcircDA 1998 p196)

2 Mundializaccedilatildeo como processo de expansatildeo capitalista

Em primeiro lugar eacute importante decifrar como propotildee Chesnais termos carregados de ideologia pois eles natildeo satildeo neutros Eles invadem o discurso poliacutetico e econocircmico cotidiano com muita facilidade pelo fato de serem termos cheishyos de conotaccedilotildees (e por isso uti lizados de forma consciente para manipular o imagishynaacuterio social e pesar nos debates poliacuteticos) e ao mesmo tempo vagos (1996 p24)

Eacute por isso que o termo mundializaccedilatildeo (mondialisation) teve dificuldade de se impor porque em primeiro lugar natildeo faz parte da liacutengua inglesa (veiacuteculo oficial do capitalismo) e depois porque ele tende a mostrar mais claramente que a economia se mundializou e que portanto eacute necessaacuterio e urgente a construccedilatildeo de instituiccedilotildees poliacuteticas mundiais que sejam capazes de dominar e delimitar seu movishymento fato que os paiacuteses do Grupo dos Sete (EUA Canadaacute Japatildeo Franccedila Alemashynha Reino Unido Itaacutelia e que dominam atuahnente o mundo) natildeo aceitam de forma

Econ pesqui Araccedilatuba vl nlp39-50 mar 1999 41

alguma (CHESNAIS 1996 p24) Em contraposiccedilatildeo o termo globalizaccedilatildeo (globalization) eacute enfocado principalmente pelas Business Schools e se refere fundamentalmente agrave capacidade da grande empresa de elaborar para si mesma urna estrateacutegia seletiva em niacutevel mundial a partir de seus proacuteprios interesses mas criando por essa mesma razatildeo graves dificuldades para os demais atores do processo quer sejam paiacuteses outras empresas ou trabalhadores (1996 p 37)

Tomadas essas precauccedilotildees metodoloacutegicas seraacute o termo mundializaccedilatildeo o eleito para designar tanto a questatildeo do comeacutercio internacional quanto a das empresas (e portanto do capital) assim como da globalizaccedilatildeo fmanceishyra e suas ligaccedilotildees e implicaccedilotildees nas relaccedilotildees internacionais capitalistas bem como nos graves distuacuterbios nos planos econocircmicos financeiros poliacuteticos sociais juriacutedicos e culturais dentro da proacutepria estrutura interna dos paiacuteses envolvidos (centrais e perishyfeacutericos) Enfim a mundializaccedilatildeo seraacute tratada como um processo de desempenho capitalista em sua multiplicidade de aspectos nacionais e internacionais mantido o estatuto baacutesico de dependecircncia mundial

A mundializaccedilatildeo eacute o resultado da mais longa acumulaccedilatildeo ininterrupta do capital industrial associado ao financeiro desde 1914 E das poliacuteticas de liberalizaccedilatildeo privatizaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacutetishycas desde o iniacutecio da deacutecada de 80 e impulsionadas sobretudo pelos governos Thatcher (Inglaterra) e Reagan (EUA) As novas tecnologias como automaccedilatildeo teleinformaacutetica e novas praacuteticas administrativas de liberaccedilatildeo de matildeo-de-obra (tanto em relaccedilatildeo agrave precariedade de empregos como agrave desregulamentaccedilatildeo e flexibilizaccedilatildeo dos contratos de trabalho) foram adotadas e impostas agrave classe operaacuteria Essas novas praacuteticas levaram agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios e da proteccedilatildeo social dentro e fora dos paiacuteses considerados principais poacutelos econocircmicos mundiais

Nos paiacuteses centrais cujas economias podiam ser consideradas estaacuteveis e cuja populaccedilatildeo trabalhadora jaacute havia conseguido substanciais conquistas sociais e um bem montado Estado do Bem Estar Social essas novas praacuteticas de desregulamentaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do Estado na sociedade foram senshytidas mas sua populaccedilatildeo trabalhadora ainda teve condiccedilotildees miacutenimas de manter seus niacuteveis de emprego e reorganizar suas relaccedilotildees de trabalho Mas nos paiacuteses de perifeshyria subdesenvolvidos ou em desenvolvimento esse rearranjo econocircmico social e poliacutetico foi no miacutenimo desastroso A diminuiccedilatildeo do Estado se deu principalmente e por questotildees poliacuteticas justamente nas aacutereas sociais (como sauacutede e educaccedilatildeo) deishyxando suas populaccedilotildees ainda mais indefesas do ponto de vista social e levando-as a formar um grande contingente de desempregados a aumentar a desigualdade social e o nuacutemero de excluiacutedos

Nas aacutereas em que predominava o Estado controlador e empreshysarial as antigas condiccedilotildees poliacutetico-econocircmicas foram mantidas Os paiacuteses centrais e de economias estaacuteveis conseguiram manter sua competitividade internacional manshytendo eou aumentando sua capacidade produtiva e financeira (migraccedilatildeo internacio-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 42

nal constante de grandes fluxos de capital operados por competentes e anocircnimos operadores de cacircmbio comandando uma admiraacutevel especulaccedilatildeo financeira internashycional em busca de uma maior liquidez e credibilidade dos mercados globalizados) Suas relaccedilotildees internacionais de troca (comerciais ernpresariais e de serviccedilos) ficam garantidas pela oligopolizaccedilatildeo mundial pela sua eficiente economia produtiva e sua indisfarccedilaacutevel predominacircncia poliacutetica internacional de regulamentaccedilatildeo internacional sofrendo ainda mais agudamente todo o processo de rearranjo poliacutetico e econocircmico do capitalismo mundial

Alguns paiacuteses (Aacutefrica Aacutesia) no entanto que estatildeo fora do inteshyresse internacional porque suas economias e sistemas poliacuteticos sociais instaacuteveis natildeo apresentam possibilidades de atrair capitais e nas relaccedilotildees de troca internacional nada tem a oferecer ao mercado exceto a ameaccedila de migraccedilatildeo de suas populashyccedilotildees carentes e famintas acabam se constituindo em verdadeiras zonas de pobreza extrema agrave margern do circuito internacional

O termo oligopoacutelio mundial refere-se a um espaccedilo de rivalidashyde industrial que se forma sobre a base da expansatildeo mundial dos grandes grupos de seus investimentos e da concentraccedilatildeo internacional resultante das aquisiccedilotildees e fusotildees efetuadas para esse fim Esse espaccedilo eacute um lugar de encarniccedilada concorrecircncia mas tambeacutem de colaboraccedilatildeo entre os grupos (CHESNAlS 1996 p36)

A mundializaccedilatildeo do capitalismo traz consigo a transformaccedilatildeo do mundo em algo que parece uma faacutebrica global Com a internacionalizaccedilatildeo do capishytal haacute a internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo com suas consequumlecircncias naturais internacionalizaccedilatildeo das questotildees sociais e trabalhistas E conceitos como faacutebrica global e shopping center comeccedilam a ser veiculados e usados como expressotildees comuns para se designar a produccedilatildeo e o consumo em escalas mundiais 2

A internacionalizaccedilatildeo do capital compreendida como internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo ou da reprodushyccedilatildeo ampliada do capital envolve a internacionalizaccedilatildeo das classes sociais em suas relaccedilotildees reciprocidades e antagoshynismos Como ocorre em toda formaccedilatildeo social capitalista tambeacutem na global desenvolve-se a questatildeo social Quando se mundializa o capital produtivo mundializam-se as forccedilas produtivas e as relaccedilotildees de produccedilatildeo Esse eacute o contexto em que se daacute a mundializaccedilatildeo das classe sociais compreendenshydo suas diversidades internas suas distribuiccedilotildees pelos mais diversos e distantes lugares suas muacuteltiplas e distintas cashyracteriacutesticas eacutetnicas raciais linguumliacutesticas religiosas e outras Nesse sentido eacute que as classes sociais por seus movimentos sociais partidos poliacuteticos e correntes de opiniatildeo podem transshy

conceitos de internacionalizaccedilatildeo das questocirclts sociais e trabalhistds aqui utilizados se apoiam em lANNI Octaviacuteo Teorias da Globalizado Rio de

)imeiro Civilizaccedilatildeo Brasileirt 1995

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

---_ ~---

43

bordar as naccedilotildees e regiotildees manifestando-se em acircmbito cada vez mais amplo O que jaacute eacute verdade para grupos e classes dominantes que se comunicam e articulam cada vez mais em escala mundial pode tornar-se tambeacutem realidade para os grupos e as classes subalternas a despeito de suas divershysidades internas e de sua dispersatildeo por todos os recantos do mapa do mundo(IANNI 1996 p53) Dentro dessa clara perspectiva de difusatildeo mundial tambeacutem os

ideais de progresso modernizaccedilatildeo satildeo lanccedilados como padrotildees e referecircncias internacionais de atividades e mentalidades a serem alcanccedilados Ela eacute feita claramenshyte pela miacutedia impressa e eletrocircnica organizadas em redes transnacionais atraveacutes do idioma inglecircs (liacutengua oficial das transaccedilotildees econocircmico-poliacutetico-juridico-culturais do mundo capitalista) para alterar os antigos padrotildees regionais e legitimar os novos padrotildees valores e instituiccedilotildees calcados nos modelos americanos e da Europa Ocidental mais compatiacuteveis comas atuais relaccedilotildees internacionais Elas ajudam tambeacutem a difundir uma ideacuteia de integraccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo baseada na forccedila indiscutiacutevel do capitalismo mundial contra as noccedilotildees de variedade e multiplicidade e a favor de uma uacutenica maneira de pensar agir e sentir sedimentada pelos principais valores e instituiccedilotildees das sociedades capitalistas dominantes

No acircmbito das relaccedilotildees do trabalho flexibiliza-se terceiriza-se em nome das poliacuteticas de racionalizaccedilatildeo competitividade e enxugamento da produccedilatildeo sem gorduras de pessoal (clean production) O efeito combinado dessas praacuteticas levaram agrave precariedade dos empregos e agrave reduccedilatildeo da proteccedilatildeo social com a desregulamentaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacuteticas (conseguidas atraveacutes das lutas sindicais e sociais) e agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios pela competiccedilatildeo intemacional

No entanto as maiores vantagens internacionais satildeo das induacutesshytrias que empregam matildeo-de-obra intensiva em conhecimentos favorecendo reduccedilotildees no uso de mateacuterias-primas e energia nos processos de produccedilatildeo e assegurando oacutetimos niacuteveis de qualidade a um custo menor Assim o produto fabricado nessa nova perspectiva empresarial depende cada vez mais da relaccedilatildeo homemmaacutequina conferindo um novo criteacuterio para medir a produtividade desse novo segmento de trabalhadores de alto niacutevel teacutecnico e numericamente reduzidos em contrapartida agrave grande massa de trabalhadores de existecircncia precaacuteria sem proteccedilatildeo social e sujeitos ao mercado informal e ao desemprego No padratildeo atual de acumulaccedilatildeo do progresso teacutecnico produzir eacute cada vez mais p1oduzir inovaccedilatildeo (BENARDES 1994 p36)

3 A questatildeo social

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

~__---------shy

44

A questatildeo social segundo Robert Castel eacute uma aporia fundashymental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesatildeo e tenta conjurar o risco de sua fratura Ea eacute um desafio que potildee em questatildeo a capacidade de uma sociedade (o que em termos politicos se chama uma naccedilatildeo) de existir como um conjunto ligado por relaccedilotildees de interdependecircncia (apud WANDERLEY 1997 p18) Para Wanderley (a quesshytatildeo social fimdante que permanece sob formas variaacuteveis nesses 500 anos do descobrimento a nossos dias centra-se nas extremas desigualdades e injusticcedilas que reinam na esshytrutura social dos paiacuteses latino-americanos resultante dos modos de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social dos modos de deshysenvolvimento que se formaram em cada sociedade nacioshynal e na regiatildeo em seu complexo Ela se funda nos conteuacuteshydos e formas assimeacutetricas assumidas pelas relaccedilotildees sociais em suas muacuteltiplas dimensotildees econoacutemicas poliacuteticas cultushyrais e religiosas com acento na concentraccedilatildeo de poder e de riqueza de classes e selores sociais dominantes e na pobreza generalizada de outras classes e setores sociais que constitushyem as maiorias populacionais cujos impactos alcanccedilam toshydas as dimensotildees da vida social do cotidiano agraves determinashyccedilotildees estruturais (1997 p53) Desde a colonizaccedilatildeo as relaccedilotildees da Ameacuterica Latina3 com suas

antigas metroacutepoles e posteriormente com o imperialismo inglecircs e americano foram sempre marcadas por relaccedilotildees de desigualdade econotildemica poliacutetica social juriacutedica e cultural combinando sempre uma posiccedilatildeo de vanguarda do atraso e de atraso da vanguarda Vale dizer segundo Oliveira que a Ameacuterica Latina e especialmente o Brasil estiveram sempre a reboque do processo capitalista Enquanto colocircnia o Brashysil funcionou como lugar de produccedilatildeo baseado no traacutefico de escravos e reproduzindo em seu territoacuterio o proacuteprio sistema que jaacute comeccedilava a se extinguir na Europa Enshyquanto isso

as treze coloacutenias americanas a Austraacutelia e Nova Zelacircndia se estruturaram como coloacutenias de povoamento portanto na retaguarda do processo de expansatildeo capitalista mercantil ligadas ao mesmo apenas como escoadouro de excedentes populacionais de variada origem (perseguiccedilotildees religiosas coloacutenia de degredo desestruturaccedilatildeo agraacuteria) Por oposiccedilatildeo as coloacutenias de povoamento nasciam como retaguarda mas essa condiccedilatildeo propiciou imediatamente um tipo de econoshymia e de sociedade que logo transitou para o trabalho livre

o tenno lIi110 eaqui empregado para designar latinidade expressada em suas culturas e contra os Estados Unidos do destino manifesto WANDERLEYop citp51

Econ pesqui Araccedilatuba V 1 n 1 p39-50 mar 1999 45

A vantagem da vanguarda do atraso logo transformou-se numa desvantagem cujos efeitos seculares perduram apeshysar ou talvez et pour cause (OLIVEIRA 1997 p1) Daiacute para frente podemos observar os mesmos mecanismos de

dissintonia constante na histoacuteria dos paiacuteses latino-americanos (incluiacutedo eacute claro o Brashysil) de pequenos avanccedilos e grandes recuos quase sempre na vanguarda do atraso do processo de expansatildeo capitalista Eacute deste ponto de vista e a partir da visatildeo de Oliveira que as desigualdades e os atrasos vecircm se acumulando ao longo da histoacuteria do Brasil que chegou aos mesmos limites superiores do capitalismo desenvolvishydo sem ter atingido seus patamares miacutenimos

Eacute assim que segundo ainda Oliveira (1997 p05) a vanguarda do atraso mal ultrapassada as fronteiras da segunda revoluccedilatildeo industrial logo se viu agraves voltas com a perda da capacidade regulatoacuteria do Estado que vai desde a incapashycidade para regular o sistema econoacutemico em suas aacutereas poliacutetico-territoriais ateacute apreshysentar a fratura exposta da violecircncia privada e dos grupos gangues redes de narcotraacutefiacuteco que tomam letra morta o monopoacutelio legal da violecircncia Natildeo precisamos citar especificamente nenhum de nossos paiacuteses em todos sem nenhuma exceccedilatildeo o Estado eacute uma presa faacutecil da violecircncia privada que ele mesmo em sua funccedilatildeo de condottieri e por consequumlecircncia em sua dilapidaccedilatildeo financeira estimulou ateacute o surreal

Para podermos situar convenientemente o problema da desishygualdade social especialmente nas nossas sociedades perifeacutericas eacute necessaacuterio que foquemos com especial atenccedilatildeo o da exclusatildeo social Muito se tem falado escrito e debatido sobre a questatildeo tanto do ponto de vista acadecircmico como fora dele Para podermos comeccedilar a situar o problema eacute necessaacuterio primeiro esclarecer que ele seraacute tratado como o fez Martins de uma

perspectiva socioloacutegico-poliacutetica (e natildeo econoacutemico-social) entendendo-se poliacutetica natildeo no sentido partidaacuterio mas como uma reflexatildeo socioloacutegica entre a sociedade e o Estashydo Porque esse eacute o acircmbito da intervenccedilatildeo eficaz da socieshydade civil do povo e mais especificamente das viacutetimas (aqueles que nas pautas de encontros de reflexatildeo e de estudo satildeo vagamente definidos como excluiacutedos ) Porque esse eacute o acircmbito da reivindicaccedilatildeo e ateacute exigecircncia dos direitos socishyais (1997 p13) Na verdade e ainda segundo Martins o conceito de exclushysatildeo natildeo existe sociologicamente existe contradiccedilatildeo exisshytem viacutetimas de processos sociais poliacuteticos e econoacutemicos excludentes existe o conflito pelo qual a viacutetima dos processhysos excudentes proclama seu inconformismo seu mal-estar sua revolta sua esperanccedila sua forccedila reivindicativa e sua

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 46

reivindicaccedilatildeo corrosiva Essas reaccedilotildees porque natildeo se trata estritamente de exclusatildeo natildeo se datildeo fora dos sistemas econoacutemicos e dos sistemas de poder Elas constituem o imponderaacutevel de tais sistemas fazem parte deles ainda que os negando As reaccedilotildees natildeo ocorrem de fora para dentro elas ocorrem no interior da realidade problemaacutetica denshytro da realidade que se produziu os problemas que as caushysaram (1997 p14) Eacute por isso que as poliacuteticas econoacutemicas atuais no Brasil e em outros paiacuteses seguem o que estaacute sendo chamado de modelo neoliberal implicam a proposital inclusatildeo precaacuteria e instaacuteshyvel marginal Natildeo satildeo propositalmente poliacuteticas de exclushysatildeo Satildeo poliacuteticas de inclusatildeo das pessoas nos processos econoacutemicos na produccedilatildeo e na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos estritamente em termos daquilo que eacute racionalmente conveshyniente e necessaacuterio agrave mais eficiente (e barata) reproduccedilatildeo do capital E tambeacutem ao funcionamento da ordem poliacutetica em favor dos que dominam Esse eacute um meio que claramente atenua a conflitividade social de classe politicamente perishygosa para as classes dominantes (MARTINS 1997 p 34) Oproblema da exclusatildeoinclusatildeo fica claramente colocado apartir

do exemplo de Martins sobre as meninas prostitutas de Fortaleza que se integram economicamente no mercado ao serem incluiacutedas como prostitutas desintegrando-se moral e socialmente como cidadatildes Eacute por isso que Martins chama a atenccedilatildeo para uma questatildeo crucial o da inclusatildeo Esse momento de passagem da exclusatildeo para a inclusatildeo e que tecircm se constituiacutedo num modo de vida em vez de um periacuteodo transishytoacuterio como costumava ser eacute que tem sido a razatildeo do grande sofrimento e das granshydes dificuldades sociais Eacute essa passagem problemaacutetica e natildeo provisoacuteria que tem levado a se considerar uma outra sociedade paralela constituiacuteda de cidadatildeos de 2a

categoria separados por estamentos riacutegidos numa espeacutecie de sociedade feudal dishyvidida emdois mundos distintos fazendo do mundo dos excluiacutedos um mundo mimeacutetico e manipulaacutevel pela miacutedia e abrindo-se entre esses dois mundos uma fratura dificil de ultrapassar

Este processo que noacutes chamamos de exclusatildeo natildeo cria mais os pobres que noacutes conheciacuteamos e reconheciacuteamos ateacute outro dia Ele cria uma sociedade paralela que eacute includente do ponto de vista econoacutemico e excudente do ponto de vista social moral e ateacute poliacutetico E continua a nossa sociedade estaacute se transformando numa sociedade dupla duas humashynidades na mesma sociedade De um lado uma humanidashyde constituiacuteda de integrados (ricos e pobres) Todos inseri-

Econ pesquiacute Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 47

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 3: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

monopoacutelios modificando o perfil das empresas e dos empresaacuterios aleacutem de acirrar as disputas internacionais) e da Depressatildeo de 29 levando ambas as crises agraves Guerras Mundiais e a uma nova maneira de representar o mundo e de tentar atenuar os efeitos devastadores da recessatildeo econocircmica do capitalismo ocidental atraveacutes de uma poliacuteshytica de intervenccedilatildeo do Estado na economia para corrigir os efeitos da recessatildeo a partir da poliacutetica do New Dea (de inspiraccedilatildeo Keynesiana e adotada pelo governo do presidente Roosevelt com a finalidade de tentar regular as disputas entre os fatores capital e trabalho basicamente) O periacuteodo de 1929-33 foi de um abismo a partir do qual o retorno a 1931 tornou-se natildeo apenas impossiacutevel como impensaacutevel O velho liberalismo estava morto ou parecia condenado n

(HOBSBAWN1996p110) Surgiram ai os ingredientes necessaacuterios para a manutenccedilatildeo e

expansatildeo do capitalismo ocidental que jaacutehavia evoluiacutedo nos paiacuteses centrais do capishytalismo industrial para o monopolista e entrava agora em sua fase estatal de prograshymaccedilatildeo econocircmica dentro do projeto de desenvolvimento capitalista (uma vez que se manteacutem intactos os seus princiacutepios fundamentais de propriedade privada e de aproshypriaccedilatildeo da mais-valia) A intervenccedilatildeo do Estadoprincipalmente nos paiacuteses euroshypeus seria natildeo somente reguladora (como nos EUA) mas tambeacutem providenciaacuteria (Welfare-State) Nos paiacuteses perifeacutericos essa intervenccedilatildeo foi do tipo desenvolviacutementalista

No Estado Desenvolvimentalista os gastos de infra-estrutushyra e empresas puacuteblicas crescem e absorvem a quase totalishydade do orccedilamento e crescem continuamente Por outro lado os gastos sociais crescem minimamente configurando sociedades com profundas tendecircncias agrave desigualdade e exshyclusatildeo social (CEPEcircDA 1998 p196)

2 Mundializaccedilatildeo como processo de expansatildeo capitalista

Em primeiro lugar eacute importante decifrar como propotildee Chesnais termos carregados de ideologia pois eles natildeo satildeo neutros Eles invadem o discurso poliacutetico e econocircmico cotidiano com muita facilidade pelo fato de serem termos cheishyos de conotaccedilotildees (e por isso uti lizados de forma consciente para manipular o imagishynaacuterio social e pesar nos debates poliacuteticos) e ao mesmo tempo vagos (1996 p24)

Eacute por isso que o termo mundializaccedilatildeo (mondialisation) teve dificuldade de se impor porque em primeiro lugar natildeo faz parte da liacutengua inglesa (veiacuteculo oficial do capitalismo) e depois porque ele tende a mostrar mais claramente que a economia se mundializou e que portanto eacute necessaacuterio e urgente a construccedilatildeo de instituiccedilotildees poliacuteticas mundiais que sejam capazes de dominar e delimitar seu movishymento fato que os paiacuteses do Grupo dos Sete (EUA Canadaacute Japatildeo Franccedila Alemashynha Reino Unido Itaacutelia e que dominam atuahnente o mundo) natildeo aceitam de forma

Econ pesqui Araccedilatuba vl nlp39-50 mar 1999 41

alguma (CHESNAIS 1996 p24) Em contraposiccedilatildeo o termo globalizaccedilatildeo (globalization) eacute enfocado principalmente pelas Business Schools e se refere fundamentalmente agrave capacidade da grande empresa de elaborar para si mesma urna estrateacutegia seletiva em niacutevel mundial a partir de seus proacuteprios interesses mas criando por essa mesma razatildeo graves dificuldades para os demais atores do processo quer sejam paiacuteses outras empresas ou trabalhadores (1996 p 37)

Tomadas essas precauccedilotildees metodoloacutegicas seraacute o termo mundializaccedilatildeo o eleito para designar tanto a questatildeo do comeacutercio internacional quanto a das empresas (e portanto do capital) assim como da globalizaccedilatildeo fmanceishyra e suas ligaccedilotildees e implicaccedilotildees nas relaccedilotildees internacionais capitalistas bem como nos graves distuacuterbios nos planos econocircmicos financeiros poliacuteticos sociais juriacutedicos e culturais dentro da proacutepria estrutura interna dos paiacuteses envolvidos (centrais e perishyfeacutericos) Enfim a mundializaccedilatildeo seraacute tratada como um processo de desempenho capitalista em sua multiplicidade de aspectos nacionais e internacionais mantido o estatuto baacutesico de dependecircncia mundial

A mundializaccedilatildeo eacute o resultado da mais longa acumulaccedilatildeo ininterrupta do capital industrial associado ao financeiro desde 1914 E das poliacuteticas de liberalizaccedilatildeo privatizaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacutetishycas desde o iniacutecio da deacutecada de 80 e impulsionadas sobretudo pelos governos Thatcher (Inglaterra) e Reagan (EUA) As novas tecnologias como automaccedilatildeo teleinformaacutetica e novas praacuteticas administrativas de liberaccedilatildeo de matildeo-de-obra (tanto em relaccedilatildeo agrave precariedade de empregos como agrave desregulamentaccedilatildeo e flexibilizaccedilatildeo dos contratos de trabalho) foram adotadas e impostas agrave classe operaacuteria Essas novas praacuteticas levaram agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios e da proteccedilatildeo social dentro e fora dos paiacuteses considerados principais poacutelos econocircmicos mundiais

Nos paiacuteses centrais cujas economias podiam ser consideradas estaacuteveis e cuja populaccedilatildeo trabalhadora jaacute havia conseguido substanciais conquistas sociais e um bem montado Estado do Bem Estar Social essas novas praacuteticas de desregulamentaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do Estado na sociedade foram senshytidas mas sua populaccedilatildeo trabalhadora ainda teve condiccedilotildees miacutenimas de manter seus niacuteveis de emprego e reorganizar suas relaccedilotildees de trabalho Mas nos paiacuteses de perifeshyria subdesenvolvidos ou em desenvolvimento esse rearranjo econocircmico social e poliacutetico foi no miacutenimo desastroso A diminuiccedilatildeo do Estado se deu principalmente e por questotildees poliacuteticas justamente nas aacutereas sociais (como sauacutede e educaccedilatildeo) deishyxando suas populaccedilotildees ainda mais indefesas do ponto de vista social e levando-as a formar um grande contingente de desempregados a aumentar a desigualdade social e o nuacutemero de excluiacutedos

Nas aacutereas em que predominava o Estado controlador e empreshysarial as antigas condiccedilotildees poliacutetico-econocircmicas foram mantidas Os paiacuteses centrais e de economias estaacuteveis conseguiram manter sua competitividade internacional manshytendo eou aumentando sua capacidade produtiva e financeira (migraccedilatildeo internacio-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 42

nal constante de grandes fluxos de capital operados por competentes e anocircnimos operadores de cacircmbio comandando uma admiraacutevel especulaccedilatildeo financeira internashycional em busca de uma maior liquidez e credibilidade dos mercados globalizados) Suas relaccedilotildees internacionais de troca (comerciais ernpresariais e de serviccedilos) ficam garantidas pela oligopolizaccedilatildeo mundial pela sua eficiente economia produtiva e sua indisfarccedilaacutevel predominacircncia poliacutetica internacional de regulamentaccedilatildeo internacional sofrendo ainda mais agudamente todo o processo de rearranjo poliacutetico e econocircmico do capitalismo mundial

Alguns paiacuteses (Aacutefrica Aacutesia) no entanto que estatildeo fora do inteshyresse internacional porque suas economias e sistemas poliacuteticos sociais instaacuteveis natildeo apresentam possibilidades de atrair capitais e nas relaccedilotildees de troca internacional nada tem a oferecer ao mercado exceto a ameaccedila de migraccedilatildeo de suas populashyccedilotildees carentes e famintas acabam se constituindo em verdadeiras zonas de pobreza extrema agrave margern do circuito internacional

O termo oligopoacutelio mundial refere-se a um espaccedilo de rivalidashyde industrial que se forma sobre a base da expansatildeo mundial dos grandes grupos de seus investimentos e da concentraccedilatildeo internacional resultante das aquisiccedilotildees e fusotildees efetuadas para esse fim Esse espaccedilo eacute um lugar de encarniccedilada concorrecircncia mas tambeacutem de colaboraccedilatildeo entre os grupos (CHESNAlS 1996 p36)

A mundializaccedilatildeo do capitalismo traz consigo a transformaccedilatildeo do mundo em algo que parece uma faacutebrica global Com a internacionalizaccedilatildeo do capishytal haacute a internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo com suas consequumlecircncias naturais internacionalizaccedilatildeo das questotildees sociais e trabalhistas E conceitos como faacutebrica global e shopping center comeccedilam a ser veiculados e usados como expressotildees comuns para se designar a produccedilatildeo e o consumo em escalas mundiais 2

A internacionalizaccedilatildeo do capital compreendida como internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo ou da reprodushyccedilatildeo ampliada do capital envolve a internacionalizaccedilatildeo das classes sociais em suas relaccedilotildees reciprocidades e antagoshynismos Como ocorre em toda formaccedilatildeo social capitalista tambeacutem na global desenvolve-se a questatildeo social Quando se mundializa o capital produtivo mundializam-se as forccedilas produtivas e as relaccedilotildees de produccedilatildeo Esse eacute o contexto em que se daacute a mundializaccedilatildeo das classe sociais compreendenshydo suas diversidades internas suas distribuiccedilotildees pelos mais diversos e distantes lugares suas muacuteltiplas e distintas cashyracteriacutesticas eacutetnicas raciais linguumliacutesticas religiosas e outras Nesse sentido eacute que as classes sociais por seus movimentos sociais partidos poliacuteticos e correntes de opiniatildeo podem transshy

conceitos de internacionalizaccedilatildeo das questocirclts sociais e trabalhistds aqui utilizados se apoiam em lANNI Octaviacuteo Teorias da Globalizado Rio de

)imeiro Civilizaccedilatildeo Brasileirt 1995

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

---_ ~---

43

bordar as naccedilotildees e regiotildees manifestando-se em acircmbito cada vez mais amplo O que jaacute eacute verdade para grupos e classes dominantes que se comunicam e articulam cada vez mais em escala mundial pode tornar-se tambeacutem realidade para os grupos e as classes subalternas a despeito de suas divershysidades internas e de sua dispersatildeo por todos os recantos do mapa do mundo(IANNI 1996 p53) Dentro dessa clara perspectiva de difusatildeo mundial tambeacutem os

ideais de progresso modernizaccedilatildeo satildeo lanccedilados como padrotildees e referecircncias internacionais de atividades e mentalidades a serem alcanccedilados Ela eacute feita claramenshyte pela miacutedia impressa e eletrocircnica organizadas em redes transnacionais atraveacutes do idioma inglecircs (liacutengua oficial das transaccedilotildees econocircmico-poliacutetico-juridico-culturais do mundo capitalista) para alterar os antigos padrotildees regionais e legitimar os novos padrotildees valores e instituiccedilotildees calcados nos modelos americanos e da Europa Ocidental mais compatiacuteveis comas atuais relaccedilotildees internacionais Elas ajudam tambeacutem a difundir uma ideacuteia de integraccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo baseada na forccedila indiscutiacutevel do capitalismo mundial contra as noccedilotildees de variedade e multiplicidade e a favor de uma uacutenica maneira de pensar agir e sentir sedimentada pelos principais valores e instituiccedilotildees das sociedades capitalistas dominantes

No acircmbito das relaccedilotildees do trabalho flexibiliza-se terceiriza-se em nome das poliacuteticas de racionalizaccedilatildeo competitividade e enxugamento da produccedilatildeo sem gorduras de pessoal (clean production) O efeito combinado dessas praacuteticas levaram agrave precariedade dos empregos e agrave reduccedilatildeo da proteccedilatildeo social com a desregulamentaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacuteticas (conseguidas atraveacutes das lutas sindicais e sociais) e agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios pela competiccedilatildeo intemacional

No entanto as maiores vantagens internacionais satildeo das induacutesshytrias que empregam matildeo-de-obra intensiva em conhecimentos favorecendo reduccedilotildees no uso de mateacuterias-primas e energia nos processos de produccedilatildeo e assegurando oacutetimos niacuteveis de qualidade a um custo menor Assim o produto fabricado nessa nova perspectiva empresarial depende cada vez mais da relaccedilatildeo homemmaacutequina conferindo um novo criteacuterio para medir a produtividade desse novo segmento de trabalhadores de alto niacutevel teacutecnico e numericamente reduzidos em contrapartida agrave grande massa de trabalhadores de existecircncia precaacuteria sem proteccedilatildeo social e sujeitos ao mercado informal e ao desemprego No padratildeo atual de acumulaccedilatildeo do progresso teacutecnico produzir eacute cada vez mais p1oduzir inovaccedilatildeo (BENARDES 1994 p36)

3 A questatildeo social

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

~__---------shy

44

A questatildeo social segundo Robert Castel eacute uma aporia fundashymental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesatildeo e tenta conjurar o risco de sua fratura Ea eacute um desafio que potildee em questatildeo a capacidade de uma sociedade (o que em termos politicos se chama uma naccedilatildeo) de existir como um conjunto ligado por relaccedilotildees de interdependecircncia (apud WANDERLEY 1997 p18) Para Wanderley (a quesshytatildeo social fimdante que permanece sob formas variaacuteveis nesses 500 anos do descobrimento a nossos dias centra-se nas extremas desigualdades e injusticcedilas que reinam na esshytrutura social dos paiacuteses latino-americanos resultante dos modos de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social dos modos de deshysenvolvimento que se formaram em cada sociedade nacioshynal e na regiatildeo em seu complexo Ela se funda nos conteuacuteshydos e formas assimeacutetricas assumidas pelas relaccedilotildees sociais em suas muacuteltiplas dimensotildees econoacutemicas poliacuteticas cultushyrais e religiosas com acento na concentraccedilatildeo de poder e de riqueza de classes e selores sociais dominantes e na pobreza generalizada de outras classes e setores sociais que constitushyem as maiorias populacionais cujos impactos alcanccedilam toshydas as dimensotildees da vida social do cotidiano agraves determinashyccedilotildees estruturais (1997 p53) Desde a colonizaccedilatildeo as relaccedilotildees da Ameacuterica Latina3 com suas

antigas metroacutepoles e posteriormente com o imperialismo inglecircs e americano foram sempre marcadas por relaccedilotildees de desigualdade econotildemica poliacutetica social juriacutedica e cultural combinando sempre uma posiccedilatildeo de vanguarda do atraso e de atraso da vanguarda Vale dizer segundo Oliveira que a Ameacuterica Latina e especialmente o Brasil estiveram sempre a reboque do processo capitalista Enquanto colocircnia o Brashysil funcionou como lugar de produccedilatildeo baseado no traacutefico de escravos e reproduzindo em seu territoacuterio o proacuteprio sistema que jaacute comeccedilava a se extinguir na Europa Enshyquanto isso

as treze coloacutenias americanas a Austraacutelia e Nova Zelacircndia se estruturaram como coloacutenias de povoamento portanto na retaguarda do processo de expansatildeo capitalista mercantil ligadas ao mesmo apenas como escoadouro de excedentes populacionais de variada origem (perseguiccedilotildees religiosas coloacutenia de degredo desestruturaccedilatildeo agraacuteria) Por oposiccedilatildeo as coloacutenias de povoamento nasciam como retaguarda mas essa condiccedilatildeo propiciou imediatamente um tipo de econoshymia e de sociedade que logo transitou para o trabalho livre

o tenno lIi110 eaqui empregado para designar latinidade expressada em suas culturas e contra os Estados Unidos do destino manifesto WANDERLEYop citp51

Econ pesqui Araccedilatuba V 1 n 1 p39-50 mar 1999 45

A vantagem da vanguarda do atraso logo transformou-se numa desvantagem cujos efeitos seculares perduram apeshysar ou talvez et pour cause (OLIVEIRA 1997 p1) Daiacute para frente podemos observar os mesmos mecanismos de

dissintonia constante na histoacuteria dos paiacuteses latino-americanos (incluiacutedo eacute claro o Brashysil) de pequenos avanccedilos e grandes recuos quase sempre na vanguarda do atraso do processo de expansatildeo capitalista Eacute deste ponto de vista e a partir da visatildeo de Oliveira que as desigualdades e os atrasos vecircm se acumulando ao longo da histoacuteria do Brasil que chegou aos mesmos limites superiores do capitalismo desenvolvishydo sem ter atingido seus patamares miacutenimos

Eacute assim que segundo ainda Oliveira (1997 p05) a vanguarda do atraso mal ultrapassada as fronteiras da segunda revoluccedilatildeo industrial logo se viu agraves voltas com a perda da capacidade regulatoacuteria do Estado que vai desde a incapashycidade para regular o sistema econoacutemico em suas aacutereas poliacutetico-territoriais ateacute apreshysentar a fratura exposta da violecircncia privada e dos grupos gangues redes de narcotraacutefiacuteco que tomam letra morta o monopoacutelio legal da violecircncia Natildeo precisamos citar especificamente nenhum de nossos paiacuteses em todos sem nenhuma exceccedilatildeo o Estado eacute uma presa faacutecil da violecircncia privada que ele mesmo em sua funccedilatildeo de condottieri e por consequumlecircncia em sua dilapidaccedilatildeo financeira estimulou ateacute o surreal

Para podermos situar convenientemente o problema da desishygualdade social especialmente nas nossas sociedades perifeacutericas eacute necessaacuterio que foquemos com especial atenccedilatildeo o da exclusatildeo social Muito se tem falado escrito e debatido sobre a questatildeo tanto do ponto de vista acadecircmico como fora dele Para podermos comeccedilar a situar o problema eacute necessaacuterio primeiro esclarecer que ele seraacute tratado como o fez Martins de uma

perspectiva socioloacutegico-poliacutetica (e natildeo econoacutemico-social) entendendo-se poliacutetica natildeo no sentido partidaacuterio mas como uma reflexatildeo socioloacutegica entre a sociedade e o Estashydo Porque esse eacute o acircmbito da intervenccedilatildeo eficaz da socieshydade civil do povo e mais especificamente das viacutetimas (aqueles que nas pautas de encontros de reflexatildeo e de estudo satildeo vagamente definidos como excluiacutedos ) Porque esse eacute o acircmbito da reivindicaccedilatildeo e ateacute exigecircncia dos direitos socishyais (1997 p13) Na verdade e ainda segundo Martins o conceito de exclushysatildeo natildeo existe sociologicamente existe contradiccedilatildeo exisshytem viacutetimas de processos sociais poliacuteticos e econoacutemicos excludentes existe o conflito pelo qual a viacutetima dos processhysos excudentes proclama seu inconformismo seu mal-estar sua revolta sua esperanccedila sua forccedila reivindicativa e sua

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 46

reivindicaccedilatildeo corrosiva Essas reaccedilotildees porque natildeo se trata estritamente de exclusatildeo natildeo se datildeo fora dos sistemas econoacutemicos e dos sistemas de poder Elas constituem o imponderaacutevel de tais sistemas fazem parte deles ainda que os negando As reaccedilotildees natildeo ocorrem de fora para dentro elas ocorrem no interior da realidade problemaacutetica denshytro da realidade que se produziu os problemas que as caushysaram (1997 p14) Eacute por isso que as poliacuteticas econoacutemicas atuais no Brasil e em outros paiacuteses seguem o que estaacute sendo chamado de modelo neoliberal implicam a proposital inclusatildeo precaacuteria e instaacuteshyvel marginal Natildeo satildeo propositalmente poliacuteticas de exclushysatildeo Satildeo poliacuteticas de inclusatildeo das pessoas nos processos econoacutemicos na produccedilatildeo e na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos estritamente em termos daquilo que eacute racionalmente conveshyniente e necessaacuterio agrave mais eficiente (e barata) reproduccedilatildeo do capital E tambeacutem ao funcionamento da ordem poliacutetica em favor dos que dominam Esse eacute um meio que claramente atenua a conflitividade social de classe politicamente perishygosa para as classes dominantes (MARTINS 1997 p 34) Oproblema da exclusatildeoinclusatildeo fica claramente colocado apartir

do exemplo de Martins sobre as meninas prostitutas de Fortaleza que se integram economicamente no mercado ao serem incluiacutedas como prostitutas desintegrando-se moral e socialmente como cidadatildes Eacute por isso que Martins chama a atenccedilatildeo para uma questatildeo crucial o da inclusatildeo Esse momento de passagem da exclusatildeo para a inclusatildeo e que tecircm se constituiacutedo num modo de vida em vez de um periacuteodo transishytoacuterio como costumava ser eacute que tem sido a razatildeo do grande sofrimento e das granshydes dificuldades sociais Eacute essa passagem problemaacutetica e natildeo provisoacuteria que tem levado a se considerar uma outra sociedade paralela constituiacuteda de cidadatildeos de 2a

categoria separados por estamentos riacutegidos numa espeacutecie de sociedade feudal dishyvidida emdois mundos distintos fazendo do mundo dos excluiacutedos um mundo mimeacutetico e manipulaacutevel pela miacutedia e abrindo-se entre esses dois mundos uma fratura dificil de ultrapassar

Este processo que noacutes chamamos de exclusatildeo natildeo cria mais os pobres que noacutes conheciacuteamos e reconheciacuteamos ateacute outro dia Ele cria uma sociedade paralela que eacute includente do ponto de vista econoacutemico e excudente do ponto de vista social moral e ateacute poliacutetico E continua a nossa sociedade estaacute se transformando numa sociedade dupla duas humashynidades na mesma sociedade De um lado uma humanidashyde constituiacuteda de integrados (ricos e pobres) Todos inseri-

Econ pesquiacute Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 47

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 4: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

alguma (CHESNAIS 1996 p24) Em contraposiccedilatildeo o termo globalizaccedilatildeo (globalization) eacute enfocado principalmente pelas Business Schools e se refere fundamentalmente agrave capacidade da grande empresa de elaborar para si mesma urna estrateacutegia seletiva em niacutevel mundial a partir de seus proacuteprios interesses mas criando por essa mesma razatildeo graves dificuldades para os demais atores do processo quer sejam paiacuteses outras empresas ou trabalhadores (1996 p 37)

Tomadas essas precauccedilotildees metodoloacutegicas seraacute o termo mundializaccedilatildeo o eleito para designar tanto a questatildeo do comeacutercio internacional quanto a das empresas (e portanto do capital) assim como da globalizaccedilatildeo fmanceishyra e suas ligaccedilotildees e implicaccedilotildees nas relaccedilotildees internacionais capitalistas bem como nos graves distuacuterbios nos planos econocircmicos financeiros poliacuteticos sociais juriacutedicos e culturais dentro da proacutepria estrutura interna dos paiacuteses envolvidos (centrais e perishyfeacutericos) Enfim a mundializaccedilatildeo seraacute tratada como um processo de desempenho capitalista em sua multiplicidade de aspectos nacionais e internacionais mantido o estatuto baacutesico de dependecircncia mundial

A mundializaccedilatildeo eacute o resultado da mais longa acumulaccedilatildeo ininterrupta do capital industrial associado ao financeiro desde 1914 E das poliacuteticas de liberalizaccedilatildeo privatizaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacutetishycas desde o iniacutecio da deacutecada de 80 e impulsionadas sobretudo pelos governos Thatcher (Inglaterra) e Reagan (EUA) As novas tecnologias como automaccedilatildeo teleinformaacutetica e novas praacuteticas administrativas de liberaccedilatildeo de matildeo-de-obra (tanto em relaccedilatildeo agrave precariedade de empregos como agrave desregulamentaccedilatildeo e flexibilizaccedilatildeo dos contratos de trabalho) foram adotadas e impostas agrave classe operaacuteria Essas novas praacuteticas levaram agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios e da proteccedilatildeo social dentro e fora dos paiacuteses considerados principais poacutelos econocircmicos mundiais

Nos paiacuteses centrais cujas economias podiam ser consideradas estaacuteveis e cuja populaccedilatildeo trabalhadora jaacute havia conseguido substanciais conquistas sociais e um bem montado Estado do Bem Estar Social essas novas praacuteticas de desregulamentaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do Estado na sociedade foram senshytidas mas sua populaccedilatildeo trabalhadora ainda teve condiccedilotildees miacutenimas de manter seus niacuteveis de emprego e reorganizar suas relaccedilotildees de trabalho Mas nos paiacuteses de perifeshyria subdesenvolvidos ou em desenvolvimento esse rearranjo econocircmico social e poliacutetico foi no miacutenimo desastroso A diminuiccedilatildeo do Estado se deu principalmente e por questotildees poliacuteticas justamente nas aacutereas sociais (como sauacutede e educaccedilatildeo) deishyxando suas populaccedilotildees ainda mais indefesas do ponto de vista social e levando-as a formar um grande contingente de desempregados a aumentar a desigualdade social e o nuacutemero de excluiacutedos

Nas aacutereas em que predominava o Estado controlador e empreshysarial as antigas condiccedilotildees poliacutetico-econocircmicas foram mantidas Os paiacuteses centrais e de economias estaacuteveis conseguiram manter sua competitividade internacional manshytendo eou aumentando sua capacidade produtiva e financeira (migraccedilatildeo internacio-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 42

nal constante de grandes fluxos de capital operados por competentes e anocircnimos operadores de cacircmbio comandando uma admiraacutevel especulaccedilatildeo financeira internashycional em busca de uma maior liquidez e credibilidade dos mercados globalizados) Suas relaccedilotildees internacionais de troca (comerciais ernpresariais e de serviccedilos) ficam garantidas pela oligopolizaccedilatildeo mundial pela sua eficiente economia produtiva e sua indisfarccedilaacutevel predominacircncia poliacutetica internacional de regulamentaccedilatildeo internacional sofrendo ainda mais agudamente todo o processo de rearranjo poliacutetico e econocircmico do capitalismo mundial

Alguns paiacuteses (Aacutefrica Aacutesia) no entanto que estatildeo fora do inteshyresse internacional porque suas economias e sistemas poliacuteticos sociais instaacuteveis natildeo apresentam possibilidades de atrair capitais e nas relaccedilotildees de troca internacional nada tem a oferecer ao mercado exceto a ameaccedila de migraccedilatildeo de suas populashyccedilotildees carentes e famintas acabam se constituindo em verdadeiras zonas de pobreza extrema agrave margern do circuito internacional

O termo oligopoacutelio mundial refere-se a um espaccedilo de rivalidashyde industrial que se forma sobre a base da expansatildeo mundial dos grandes grupos de seus investimentos e da concentraccedilatildeo internacional resultante das aquisiccedilotildees e fusotildees efetuadas para esse fim Esse espaccedilo eacute um lugar de encarniccedilada concorrecircncia mas tambeacutem de colaboraccedilatildeo entre os grupos (CHESNAlS 1996 p36)

A mundializaccedilatildeo do capitalismo traz consigo a transformaccedilatildeo do mundo em algo que parece uma faacutebrica global Com a internacionalizaccedilatildeo do capishytal haacute a internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo com suas consequumlecircncias naturais internacionalizaccedilatildeo das questotildees sociais e trabalhistas E conceitos como faacutebrica global e shopping center comeccedilam a ser veiculados e usados como expressotildees comuns para se designar a produccedilatildeo e o consumo em escalas mundiais 2

A internacionalizaccedilatildeo do capital compreendida como internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo ou da reprodushyccedilatildeo ampliada do capital envolve a internacionalizaccedilatildeo das classes sociais em suas relaccedilotildees reciprocidades e antagoshynismos Como ocorre em toda formaccedilatildeo social capitalista tambeacutem na global desenvolve-se a questatildeo social Quando se mundializa o capital produtivo mundializam-se as forccedilas produtivas e as relaccedilotildees de produccedilatildeo Esse eacute o contexto em que se daacute a mundializaccedilatildeo das classe sociais compreendenshydo suas diversidades internas suas distribuiccedilotildees pelos mais diversos e distantes lugares suas muacuteltiplas e distintas cashyracteriacutesticas eacutetnicas raciais linguumliacutesticas religiosas e outras Nesse sentido eacute que as classes sociais por seus movimentos sociais partidos poliacuteticos e correntes de opiniatildeo podem transshy

conceitos de internacionalizaccedilatildeo das questocirclts sociais e trabalhistds aqui utilizados se apoiam em lANNI Octaviacuteo Teorias da Globalizado Rio de

)imeiro Civilizaccedilatildeo Brasileirt 1995

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

---_ ~---

43

bordar as naccedilotildees e regiotildees manifestando-se em acircmbito cada vez mais amplo O que jaacute eacute verdade para grupos e classes dominantes que se comunicam e articulam cada vez mais em escala mundial pode tornar-se tambeacutem realidade para os grupos e as classes subalternas a despeito de suas divershysidades internas e de sua dispersatildeo por todos os recantos do mapa do mundo(IANNI 1996 p53) Dentro dessa clara perspectiva de difusatildeo mundial tambeacutem os

ideais de progresso modernizaccedilatildeo satildeo lanccedilados como padrotildees e referecircncias internacionais de atividades e mentalidades a serem alcanccedilados Ela eacute feita claramenshyte pela miacutedia impressa e eletrocircnica organizadas em redes transnacionais atraveacutes do idioma inglecircs (liacutengua oficial das transaccedilotildees econocircmico-poliacutetico-juridico-culturais do mundo capitalista) para alterar os antigos padrotildees regionais e legitimar os novos padrotildees valores e instituiccedilotildees calcados nos modelos americanos e da Europa Ocidental mais compatiacuteveis comas atuais relaccedilotildees internacionais Elas ajudam tambeacutem a difundir uma ideacuteia de integraccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo baseada na forccedila indiscutiacutevel do capitalismo mundial contra as noccedilotildees de variedade e multiplicidade e a favor de uma uacutenica maneira de pensar agir e sentir sedimentada pelos principais valores e instituiccedilotildees das sociedades capitalistas dominantes

No acircmbito das relaccedilotildees do trabalho flexibiliza-se terceiriza-se em nome das poliacuteticas de racionalizaccedilatildeo competitividade e enxugamento da produccedilatildeo sem gorduras de pessoal (clean production) O efeito combinado dessas praacuteticas levaram agrave precariedade dos empregos e agrave reduccedilatildeo da proteccedilatildeo social com a desregulamentaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacuteticas (conseguidas atraveacutes das lutas sindicais e sociais) e agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios pela competiccedilatildeo intemacional

No entanto as maiores vantagens internacionais satildeo das induacutesshytrias que empregam matildeo-de-obra intensiva em conhecimentos favorecendo reduccedilotildees no uso de mateacuterias-primas e energia nos processos de produccedilatildeo e assegurando oacutetimos niacuteveis de qualidade a um custo menor Assim o produto fabricado nessa nova perspectiva empresarial depende cada vez mais da relaccedilatildeo homemmaacutequina conferindo um novo criteacuterio para medir a produtividade desse novo segmento de trabalhadores de alto niacutevel teacutecnico e numericamente reduzidos em contrapartida agrave grande massa de trabalhadores de existecircncia precaacuteria sem proteccedilatildeo social e sujeitos ao mercado informal e ao desemprego No padratildeo atual de acumulaccedilatildeo do progresso teacutecnico produzir eacute cada vez mais p1oduzir inovaccedilatildeo (BENARDES 1994 p36)

3 A questatildeo social

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

~__---------shy

44

A questatildeo social segundo Robert Castel eacute uma aporia fundashymental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesatildeo e tenta conjurar o risco de sua fratura Ea eacute um desafio que potildee em questatildeo a capacidade de uma sociedade (o que em termos politicos se chama uma naccedilatildeo) de existir como um conjunto ligado por relaccedilotildees de interdependecircncia (apud WANDERLEY 1997 p18) Para Wanderley (a quesshytatildeo social fimdante que permanece sob formas variaacuteveis nesses 500 anos do descobrimento a nossos dias centra-se nas extremas desigualdades e injusticcedilas que reinam na esshytrutura social dos paiacuteses latino-americanos resultante dos modos de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social dos modos de deshysenvolvimento que se formaram em cada sociedade nacioshynal e na regiatildeo em seu complexo Ela se funda nos conteuacuteshydos e formas assimeacutetricas assumidas pelas relaccedilotildees sociais em suas muacuteltiplas dimensotildees econoacutemicas poliacuteticas cultushyrais e religiosas com acento na concentraccedilatildeo de poder e de riqueza de classes e selores sociais dominantes e na pobreza generalizada de outras classes e setores sociais que constitushyem as maiorias populacionais cujos impactos alcanccedilam toshydas as dimensotildees da vida social do cotidiano agraves determinashyccedilotildees estruturais (1997 p53) Desde a colonizaccedilatildeo as relaccedilotildees da Ameacuterica Latina3 com suas

antigas metroacutepoles e posteriormente com o imperialismo inglecircs e americano foram sempre marcadas por relaccedilotildees de desigualdade econotildemica poliacutetica social juriacutedica e cultural combinando sempre uma posiccedilatildeo de vanguarda do atraso e de atraso da vanguarda Vale dizer segundo Oliveira que a Ameacuterica Latina e especialmente o Brasil estiveram sempre a reboque do processo capitalista Enquanto colocircnia o Brashysil funcionou como lugar de produccedilatildeo baseado no traacutefico de escravos e reproduzindo em seu territoacuterio o proacuteprio sistema que jaacute comeccedilava a se extinguir na Europa Enshyquanto isso

as treze coloacutenias americanas a Austraacutelia e Nova Zelacircndia se estruturaram como coloacutenias de povoamento portanto na retaguarda do processo de expansatildeo capitalista mercantil ligadas ao mesmo apenas como escoadouro de excedentes populacionais de variada origem (perseguiccedilotildees religiosas coloacutenia de degredo desestruturaccedilatildeo agraacuteria) Por oposiccedilatildeo as coloacutenias de povoamento nasciam como retaguarda mas essa condiccedilatildeo propiciou imediatamente um tipo de econoshymia e de sociedade que logo transitou para o trabalho livre

o tenno lIi110 eaqui empregado para designar latinidade expressada em suas culturas e contra os Estados Unidos do destino manifesto WANDERLEYop citp51

Econ pesqui Araccedilatuba V 1 n 1 p39-50 mar 1999 45

A vantagem da vanguarda do atraso logo transformou-se numa desvantagem cujos efeitos seculares perduram apeshysar ou talvez et pour cause (OLIVEIRA 1997 p1) Daiacute para frente podemos observar os mesmos mecanismos de

dissintonia constante na histoacuteria dos paiacuteses latino-americanos (incluiacutedo eacute claro o Brashysil) de pequenos avanccedilos e grandes recuos quase sempre na vanguarda do atraso do processo de expansatildeo capitalista Eacute deste ponto de vista e a partir da visatildeo de Oliveira que as desigualdades e os atrasos vecircm se acumulando ao longo da histoacuteria do Brasil que chegou aos mesmos limites superiores do capitalismo desenvolvishydo sem ter atingido seus patamares miacutenimos

Eacute assim que segundo ainda Oliveira (1997 p05) a vanguarda do atraso mal ultrapassada as fronteiras da segunda revoluccedilatildeo industrial logo se viu agraves voltas com a perda da capacidade regulatoacuteria do Estado que vai desde a incapashycidade para regular o sistema econoacutemico em suas aacutereas poliacutetico-territoriais ateacute apreshysentar a fratura exposta da violecircncia privada e dos grupos gangues redes de narcotraacutefiacuteco que tomam letra morta o monopoacutelio legal da violecircncia Natildeo precisamos citar especificamente nenhum de nossos paiacuteses em todos sem nenhuma exceccedilatildeo o Estado eacute uma presa faacutecil da violecircncia privada que ele mesmo em sua funccedilatildeo de condottieri e por consequumlecircncia em sua dilapidaccedilatildeo financeira estimulou ateacute o surreal

Para podermos situar convenientemente o problema da desishygualdade social especialmente nas nossas sociedades perifeacutericas eacute necessaacuterio que foquemos com especial atenccedilatildeo o da exclusatildeo social Muito se tem falado escrito e debatido sobre a questatildeo tanto do ponto de vista acadecircmico como fora dele Para podermos comeccedilar a situar o problema eacute necessaacuterio primeiro esclarecer que ele seraacute tratado como o fez Martins de uma

perspectiva socioloacutegico-poliacutetica (e natildeo econoacutemico-social) entendendo-se poliacutetica natildeo no sentido partidaacuterio mas como uma reflexatildeo socioloacutegica entre a sociedade e o Estashydo Porque esse eacute o acircmbito da intervenccedilatildeo eficaz da socieshydade civil do povo e mais especificamente das viacutetimas (aqueles que nas pautas de encontros de reflexatildeo e de estudo satildeo vagamente definidos como excluiacutedos ) Porque esse eacute o acircmbito da reivindicaccedilatildeo e ateacute exigecircncia dos direitos socishyais (1997 p13) Na verdade e ainda segundo Martins o conceito de exclushysatildeo natildeo existe sociologicamente existe contradiccedilatildeo exisshytem viacutetimas de processos sociais poliacuteticos e econoacutemicos excludentes existe o conflito pelo qual a viacutetima dos processhysos excudentes proclama seu inconformismo seu mal-estar sua revolta sua esperanccedila sua forccedila reivindicativa e sua

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 46

reivindicaccedilatildeo corrosiva Essas reaccedilotildees porque natildeo se trata estritamente de exclusatildeo natildeo se datildeo fora dos sistemas econoacutemicos e dos sistemas de poder Elas constituem o imponderaacutevel de tais sistemas fazem parte deles ainda que os negando As reaccedilotildees natildeo ocorrem de fora para dentro elas ocorrem no interior da realidade problemaacutetica denshytro da realidade que se produziu os problemas que as caushysaram (1997 p14) Eacute por isso que as poliacuteticas econoacutemicas atuais no Brasil e em outros paiacuteses seguem o que estaacute sendo chamado de modelo neoliberal implicam a proposital inclusatildeo precaacuteria e instaacuteshyvel marginal Natildeo satildeo propositalmente poliacuteticas de exclushysatildeo Satildeo poliacuteticas de inclusatildeo das pessoas nos processos econoacutemicos na produccedilatildeo e na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos estritamente em termos daquilo que eacute racionalmente conveshyniente e necessaacuterio agrave mais eficiente (e barata) reproduccedilatildeo do capital E tambeacutem ao funcionamento da ordem poliacutetica em favor dos que dominam Esse eacute um meio que claramente atenua a conflitividade social de classe politicamente perishygosa para as classes dominantes (MARTINS 1997 p 34) Oproblema da exclusatildeoinclusatildeo fica claramente colocado apartir

do exemplo de Martins sobre as meninas prostitutas de Fortaleza que se integram economicamente no mercado ao serem incluiacutedas como prostitutas desintegrando-se moral e socialmente como cidadatildes Eacute por isso que Martins chama a atenccedilatildeo para uma questatildeo crucial o da inclusatildeo Esse momento de passagem da exclusatildeo para a inclusatildeo e que tecircm se constituiacutedo num modo de vida em vez de um periacuteodo transishytoacuterio como costumava ser eacute que tem sido a razatildeo do grande sofrimento e das granshydes dificuldades sociais Eacute essa passagem problemaacutetica e natildeo provisoacuteria que tem levado a se considerar uma outra sociedade paralela constituiacuteda de cidadatildeos de 2a

categoria separados por estamentos riacutegidos numa espeacutecie de sociedade feudal dishyvidida emdois mundos distintos fazendo do mundo dos excluiacutedos um mundo mimeacutetico e manipulaacutevel pela miacutedia e abrindo-se entre esses dois mundos uma fratura dificil de ultrapassar

Este processo que noacutes chamamos de exclusatildeo natildeo cria mais os pobres que noacutes conheciacuteamos e reconheciacuteamos ateacute outro dia Ele cria uma sociedade paralela que eacute includente do ponto de vista econoacutemico e excudente do ponto de vista social moral e ateacute poliacutetico E continua a nossa sociedade estaacute se transformando numa sociedade dupla duas humashynidades na mesma sociedade De um lado uma humanidashyde constituiacuteda de integrados (ricos e pobres) Todos inseri-

Econ pesquiacute Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 47

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 5: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

nal constante de grandes fluxos de capital operados por competentes e anocircnimos operadores de cacircmbio comandando uma admiraacutevel especulaccedilatildeo financeira internashycional em busca de uma maior liquidez e credibilidade dos mercados globalizados) Suas relaccedilotildees internacionais de troca (comerciais ernpresariais e de serviccedilos) ficam garantidas pela oligopolizaccedilatildeo mundial pela sua eficiente economia produtiva e sua indisfarccedilaacutevel predominacircncia poliacutetica internacional de regulamentaccedilatildeo internacional sofrendo ainda mais agudamente todo o processo de rearranjo poliacutetico e econocircmico do capitalismo mundial

Alguns paiacuteses (Aacutefrica Aacutesia) no entanto que estatildeo fora do inteshyresse internacional porque suas economias e sistemas poliacuteticos sociais instaacuteveis natildeo apresentam possibilidades de atrair capitais e nas relaccedilotildees de troca internacional nada tem a oferecer ao mercado exceto a ameaccedila de migraccedilatildeo de suas populashyccedilotildees carentes e famintas acabam se constituindo em verdadeiras zonas de pobreza extrema agrave margern do circuito internacional

O termo oligopoacutelio mundial refere-se a um espaccedilo de rivalidashyde industrial que se forma sobre a base da expansatildeo mundial dos grandes grupos de seus investimentos e da concentraccedilatildeo internacional resultante das aquisiccedilotildees e fusotildees efetuadas para esse fim Esse espaccedilo eacute um lugar de encarniccedilada concorrecircncia mas tambeacutem de colaboraccedilatildeo entre os grupos (CHESNAlS 1996 p36)

A mundializaccedilatildeo do capitalismo traz consigo a transformaccedilatildeo do mundo em algo que parece uma faacutebrica global Com a internacionalizaccedilatildeo do capishytal haacute a internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo com suas consequumlecircncias naturais internacionalizaccedilatildeo das questotildees sociais e trabalhistas E conceitos como faacutebrica global e shopping center comeccedilam a ser veiculados e usados como expressotildees comuns para se designar a produccedilatildeo e o consumo em escalas mundiais 2

A internacionalizaccedilatildeo do capital compreendida como internacionalizaccedilatildeo do processo produtivo ou da reprodushyccedilatildeo ampliada do capital envolve a internacionalizaccedilatildeo das classes sociais em suas relaccedilotildees reciprocidades e antagoshynismos Como ocorre em toda formaccedilatildeo social capitalista tambeacutem na global desenvolve-se a questatildeo social Quando se mundializa o capital produtivo mundializam-se as forccedilas produtivas e as relaccedilotildees de produccedilatildeo Esse eacute o contexto em que se daacute a mundializaccedilatildeo das classe sociais compreendenshydo suas diversidades internas suas distribuiccedilotildees pelos mais diversos e distantes lugares suas muacuteltiplas e distintas cashyracteriacutesticas eacutetnicas raciais linguumliacutesticas religiosas e outras Nesse sentido eacute que as classes sociais por seus movimentos sociais partidos poliacuteticos e correntes de opiniatildeo podem transshy

conceitos de internacionalizaccedilatildeo das questocirclts sociais e trabalhistds aqui utilizados se apoiam em lANNI Octaviacuteo Teorias da Globalizado Rio de

)imeiro Civilizaccedilatildeo Brasileirt 1995

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

---_ ~---

43

bordar as naccedilotildees e regiotildees manifestando-se em acircmbito cada vez mais amplo O que jaacute eacute verdade para grupos e classes dominantes que se comunicam e articulam cada vez mais em escala mundial pode tornar-se tambeacutem realidade para os grupos e as classes subalternas a despeito de suas divershysidades internas e de sua dispersatildeo por todos os recantos do mapa do mundo(IANNI 1996 p53) Dentro dessa clara perspectiva de difusatildeo mundial tambeacutem os

ideais de progresso modernizaccedilatildeo satildeo lanccedilados como padrotildees e referecircncias internacionais de atividades e mentalidades a serem alcanccedilados Ela eacute feita claramenshyte pela miacutedia impressa e eletrocircnica organizadas em redes transnacionais atraveacutes do idioma inglecircs (liacutengua oficial das transaccedilotildees econocircmico-poliacutetico-juridico-culturais do mundo capitalista) para alterar os antigos padrotildees regionais e legitimar os novos padrotildees valores e instituiccedilotildees calcados nos modelos americanos e da Europa Ocidental mais compatiacuteveis comas atuais relaccedilotildees internacionais Elas ajudam tambeacutem a difundir uma ideacuteia de integraccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo baseada na forccedila indiscutiacutevel do capitalismo mundial contra as noccedilotildees de variedade e multiplicidade e a favor de uma uacutenica maneira de pensar agir e sentir sedimentada pelos principais valores e instituiccedilotildees das sociedades capitalistas dominantes

No acircmbito das relaccedilotildees do trabalho flexibiliza-se terceiriza-se em nome das poliacuteticas de racionalizaccedilatildeo competitividade e enxugamento da produccedilatildeo sem gorduras de pessoal (clean production) O efeito combinado dessas praacuteticas levaram agrave precariedade dos empregos e agrave reduccedilatildeo da proteccedilatildeo social com a desregulamentaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacuteticas (conseguidas atraveacutes das lutas sindicais e sociais) e agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios pela competiccedilatildeo intemacional

No entanto as maiores vantagens internacionais satildeo das induacutesshytrias que empregam matildeo-de-obra intensiva em conhecimentos favorecendo reduccedilotildees no uso de mateacuterias-primas e energia nos processos de produccedilatildeo e assegurando oacutetimos niacuteveis de qualidade a um custo menor Assim o produto fabricado nessa nova perspectiva empresarial depende cada vez mais da relaccedilatildeo homemmaacutequina conferindo um novo criteacuterio para medir a produtividade desse novo segmento de trabalhadores de alto niacutevel teacutecnico e numericamente reduzidos em contrapartida agrave grande massa de trabalhadores de existecircncia precaacuteria sem proteccedilatildeo social e sujeitos ao mercado informal e ao desemprego No padratildeo atual de acumulaccedilatildeo do progresso teacutecnico produzir eacute cada vez mais p1oduzir inovaccedilatildeo (BENARDES 1994 p36)

3 A questatildeo social

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

~__---------shy

44

A questatildeo social segundo Robert Castel eacute uma aporia fundashymental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesatildeo e tenta conjurar o risco de sua fratura Ea eacute um desafio que potildee em questatildeo a capacidade de uma sociedade (o que em termos politicos se chama uma naccedilatildeo) de existir como um conjunto ligado por relaccedilotildees de interdependecircncia (apud WANDERLEY 1997 p18) Para Wanderley (a quesshytatildeo social fimdante que permanece sob formas variaacuteveis nesses 500 anos do descobrimento a nossos dias centra-se nas extremas desigualdades e injusticcedilas que reinam na esshytrutura social dos paiacuteses latino-americanos resultante dos modos de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social dos modos de deshysenvolvimento que se formaram em cada sociedade nacioshynal e na regiatildeo em seu complexo Ela se funda nos conteuacuteshydos e formas assimeacutetricas assumidas pelas relaccedilotildees sociais em suas muacuteltiplas dimensotildees econoacutemicas poliacuteticas cultushyrais e religiosas com acento na concentraccedilatildeo de poder e de riqueza de classes e selores sociais dominantes e na pobreza generalizada de outras classes e setores sociais que constitushyem as maiorias populacionais cujos impactos alcanccedilam toshydas as dimensotildees da vida social do cotidiano agraves determinashyccedilotildees estruturais (1997 p53) Desde a colonizaccedilatildeo as relaccedilotildees da Ameacuterica Latina3 com suas

antigas metroacutepoles e posteriormente com o imperialismo inglecircs e americano foram sempre marcadas por relaccedilotildees de desigualdade econotildemica poliacutetica social juriacutedica e cultural combinando sempre uma posiccedilatildeo de vanguarda do atraso e de atraso da vanguarda Vale dizer segundo Oliveira que a Ameacuterica Latina e especialmente o Brasil estiveram sempre a reboque do processo capitalista Enquanto colocircnia o Brashysil funcionou como lugar de produccedilatildeo baseado no traacutefico de escravos e reproduzindo em seu territoacuterio o proacuteprio sistema que jaacute comeccedilava a se extinguir na Europa Enshyquanto isso

as treze coloacutenias americanas a Austraacutelia e Nova Zelacircndia se estruturaram como coloacutenias de povoamento portanto na retaguarda do processo de expansatildeo capitalista mercantil ligadas ao mesmo apenas como escoadouro de excedentes populacionais de variada origem (perseguiccedilotildees religiosas coloacutenia de degredo desestruturaccedilatildeo agraacuteria) Por oposiccedilatildeo as coloacutenias de povoamento nasciam como retaguarda mas essa condiccedilatildeo propiciou imediatamente um tipo de econoshymia e de sociedade que logo transitou para o trabalho livre

o tenno lIi110 eaqui empregado para designar latinidade expressada em suas culturas e contra os Estados Unidos do destino manifesto WANDERLEYop citp51

Econ pesqui Araccedilatuba V 1 n 1 p39-50 mar 1999 45

A vantagem da vanguarda do atraso logo transformou-se numa desvantagem cujos efeitos seculares perduram apeshysar ou talvez et pour cause (OLIVEIRA 1997 p1) Daiacute para frente podemos observar os mesmos mecanismos de

dissintonia constante na histoacuteria dos paiacuteses latino-americanos (incluiacutedo eacute claro o Brashysil) de pequenos avanccedilos e grandes recuos quase sempre na vanguarda do atraso do processo de expansatildeo capitalista Eacute deste ponto de vista e a partir da visatildeo de Oliveira que as desigualdades e os atrasos vecircm se acumulando ao longo da histoacuteria do Brasil que chegou aos mesmos limites superiores do capitalismo desenvolvishydo sem ter atingido seus patamares miacutenimos

Eacute assim que segundo ainda Oliveira (1997 p05) a vanguarda do atraso mal ultrapassada as fronteiras da segunda revoluccedilatildeo industrial logo se viu agraves voltas com a perda da capacidade regulatoacuteria do Estado que vai desde a incapashycidade para regular o sistema econoacutemico em suas aacutereas poliacutetico-territoriais ateacute apreshysentar a fratura exposta da violecircncia privada e dos grupos gangues redes de narcotraacutefiacuteco que tomam letra morta o monopoacutelio legal da violecircncia Natildeo precisamos citar especificamente nenhum de nossos paiacuteses em todos sem nenhuma exceccedilatildeo o Estado eacute uma presa faacutecil da violecircncia privada que ele mesmo em sua funccedilatildeo de condottieri e por consequumlecircncia em sua dilapidaccedilatildeo financeira estimulou ateacute o surreal

Para podermos situar convenientemente o problema da desishygualdade social especialmente nas nossas sociedades perifeacutericas eacute necessaacuterio que foquemos com especial atenccedilatildeo o da exclusatildeo social Muito se tem falado escrito e debatido sobre a questatildeo tanto do ponto de vista acadecircmico como fora dele Para podermos comeccedilar a situar o problema eacute necessaacuterio primeiro esclarecer que ele seraacute tratado como o fez Martins de uma

perspectiva socioloacutegico-poliacutetica (e natildeo econoacutemico-social) entendendo-se poliacutetica natildeo no sentido partidaacuterio mas como uma reflexatildeo socioloacutegica entre a sociedade e o Estashydo Porque esse eacute o acircmbito da intervenccedilatildeo eficaz da socieshydade civil do povo e mais especificamente das viacutetimas (aqueles que nas pautas de encontros de reflexatildeo e de estudo satildeo vagamente definidos como excluiacutedos ) Porque esse eacute o acircmbito da reivindicaccedilatildeo e ateacute exigecircncia dos direitos socishyais (1997 p13) Na verdade e ainda segundo Martins o conceito de exclushysatildeo natildeo existe sociologicamente existe contradiccedilatildeo exisshytem viacutetimas de processos sociais poliacuteticos e econoacutemicos excludentes existe o conflito pelo qual a viacutetima dos processhysos excudentes proclama seu inconformismo seu mal-estar sua revolta sua esperanccedila sua forccedila reivindicativa e sua

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 46

reivindicaccedilatildeo corrosiva Essas reaccedilotildees porque natildeo se trata estritamente de exclusatildeo natildeo se datildeo fora dos sistemas econoacutemicos e dos sistemas de poder Elas constituem o imponderaacutevel de tais sistemas fazem parte deles ainda que os negando As reaccedilotildees natildeo ocorrem de fora para dentro elas ocorrem no interior da realidade problemaacutetica denshytro da realidade que se produziu os problemas que as caushysaram (1997 p14) Eacute por isso que as poliacuteticas econoacutemicas atuais no Brasil e em outros paiacuteses seguem o que estaacute sendo chamado de modelo neoliberal implicam a proposital inclusatildeo precaacuteria e instaacuteshyvel marginal Natildeo satildeo propositalmente poliacuteticas de exclushysatildeo Satildeo poliacuteticas de inclusatildeo das pessoas nos processos econoacutemicos na produccedilatildeo e na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos estritamente em termos daquilo que eacute racionalmente conveshyniente e necessaacuterio agrave mais eficiente (e barata) reproduccedilatildeo do capital E tambeacutem ao funcionamento da ordem poliacutetica em favor dos que dominam Esse eacute um meio que claramente atenua a conflitividade social de classe politicamente perishygosa para as classes dominantes (MARTINS 1997 p 34) Oproblema da exclusatildeoinclusatildeo fica claramente colocado apartir

do exemplo de Martins sobre as meninas prostitutas de Fortaleza que se integram economicamente no mercado ao serem incluiacutedas como prostitutas desintegrando-se moral e socialmente como cidadatildes Eacute por isso que Martins chama a atenccedilatildeo para uma questatildeo crucial o da inclusatildeo Esse momento de passagem da exclusatildeo para a inclusatildeo e que tecircm se constituiacutedo num modo de vida em vez de um periacuteodo transishytoacuterio como costumava ser eacute que tem sido a razatildeo do grande sofrimento e das granshydes dificuldades sociais Eacute essa passagem problemaacutetica e natildeo provisoacuteria que tem levado a se considerar uma outra sociedade paralela constituiacuteda de cidadatildeos de 2a

categoria separados por estamentos riacutegidos numa espeacutecie de sociedade feudal dishyvidida emdois mundos distintos fazendo do mundo dos excluiacutedos um mundo mimeacutetico e manipulaacutevel pela miacutedia e abrindo-se entre esses dois mundos uma fratura dificil de ultrapassar

Este processo que noacutes chamamos de exclusatildeo natildeo cria mais os pobres que noacutes conheciacuteamos e reconheciacuteamos ateacute outro dia Ele cria uma sociedade paralela que eacute includente do ponto de vista econoacutemico e excudente do ponto de vista social moral e ateacute poliacutetico E continua a nossa sociedade estaacute se transformando numa sociedade dupla duas humashynidades na mesma sociedade De um lado uma humanidashyde constituiacuteda de integrados (ricos e pobres) Todos inseri-

Econ pesquiacute Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 47

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 6: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

bordar as naccedilotildees e regiotildees manifestando-se em acircmbito cada vez mais amplo O que jaacute eacute verdade para grupos e classes dominantes que se comunicam e articulam cada vez mais em escala mundial pode tornar-se tambeacutem realidade para os grupos e as classes subalternas a despeito de suas divershysidades internas e de sua dispersatildeo por todos os recantos do mapa do mundo(IANNI 1996 p53) Dentro dessa clara perspectiva de difusatildeo mundial tambeacutem os

ideais de progresso modernizaccedilatildeo satildeo lanccedilados como padrotildees e referecircncias internacionais de atividades e mentalidades a serem alcanccedilados Ela eacute feita claramenshyte pela miacutedia impressa e eletrocircnica organizadas em redes transnacionais atraveacutes do idioma inglecircs (liacutengua oficial das transaccedilotildees econocircmico-poliacutetico-juridico-culturais do mundo capitalista) para alterar os antigos padrotildees regionais e legitimar os novos padrotildees valores e instituiccedilotildees calcados nos modelos americanos e da Europa Ocidental mais compatiacuteveis comas atuais relaccedilotildees internacionais Elas ajudam tambeacutem a difundir uma ideacuteia de integraccedilatildeo e homogeneizaccedilatildeo baseada na forccedila indiscutiacutevel do capitalismo mundial contra as noccedilotildees de variedade e multiplicidade e a favor de uma uacutenica maneira de pensar agir e sentir sedimentada pelos principais valores e instituiccedilotildees das sociedades capitalistas dominantes

No acircmbito das relaccedilotildees do trabalho flexibiliza-se terceiriza-se em nome das poliacuteticas de racionalizaccedilatildeo competitividade e enxugamento da produccedilatildeo sem gorduras de pessoal (clean production) O efeito combinado dessas praacuteticas levaram agrave precariedade dos empregos e agrave reduccedilatildeo da proteccedilatildeo social com a desregulamentaccedilatildeo e desmantelamento das conquistas sociais e democraacuteticas (conseguidas atraveacutes das lutas sindicais e sociais) e agrave diminuiccedilatildeo dos salaacuterios pela competiccedilatildeo intemacional

No entanto as maiores vantagens internacionais satildeo das induacutesshytrias que empregam matildeo-de-obra intensiva em conhecimentos favorecendo reduccedilotildees no uso de mateacuterias-primas e energia nos processos de produccedilatildeo e assegurando oacutetimos niacuteveis de qualidade a um custo menor Assim o produto fabricado nessa nova perspectiva empresarial depende cada vez mais da relaccedilatildeo homemmaacutequina conferindo um novo criteacuterio para medir a produtividade desse novo segmento de trabalhadores de alto niacutevel teacutecnico e numericamente reduzidos em contrapartida agrave grande massa de trabalhadores de existecircncia precaacuteria sem proteccedilatildeo social e sujeitos ao mercado informal e ao desemprego No padratildeo atual de acumulaccedilatildeo do progresso teacutecnico produzir eacute cada vez mais p1oduzir inovaccedilatildeo (BENARDES 1994 p36)

3 A questatildeo social

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999

~__---------shy

44

A questatildeo social segundo Robert Castel eacute uma aporia fundashymental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesatildeo e tenta conjurar o risco de sua fratura Ea eacute um desafio que potildee em questatildeo a capacidade de uma sociedade (o que em termos politicos se chama uma naccedilatildeo) de existir como um conjunto ligado por relaccedilotildees de interdependecircncia (apud WANDERLEY 1997 p18) Para Wanderley (a quesshytatildeo social fimdante que permanece sob formas variaacuteveis nesses 500 anos do descobrimento a nossos dias centra-se nas extremas desigualdades e injusticcedilas que reinam na esshytrutura social dos paiacuteses latino-americanos resultante dos modos de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social dos modos de deshysenvolvimento que se formaram em cada sociedade nacioshynal e na regiatildeo em seu complexo Ela se funda nos conteuacuteshydos e formas assimeacutetricas assumidas pelas relaccedilotildees sociais em suas muacuteltiplas dimensotildees econoacutemicas poliacuteticas cultushyrais e religiosas com acento na concentraccedilatildeo de poder e de riqueza de classes e selores sociais dominantes e na pobreza generalizada de outras classes e setores sociais que constitushyem as maiorias populacionais cujos impactos alcanccedilam toshydas as dimensotildees da vida social do cotidiano agraves determinashyccedilotildees estruturais (1997 p53) Desde a colonizaccedilatildeo as relaccedilotildees da Ameacuterica Latina3 com suas

antigas metroacutepoles e posteriormente com o imperialismo inglecircs e americano foram sempre marcadas por relaccedilotildees de desigualdade econotildemica poliacutetica social juriacutedica e cultural combinando sempre uma posiccedilatildeo de vanguarda do atraso e de atraso da vanguarda Vale dizer segundo Oliveira que a Ameacuterica Latina e especialmente o Brasil estiveram sempre a reboque do processo capitalista Enquanto colocircnia o Brashysil funcionou como lugar de produccedilatildeo baseado no traacutefico de escravos e reproduzindo em seu territoacuterio o proacuteprio sistema que jaacute comeccedilava a se extinguir na Europa Enshyquanto isso

as treze coloacutenias americanas a Austraacutelia e Nova Zelacircndia se estruturaram como coloacutenias de povoamento portanto na retaguarda do processo de expansatildeo capitalista mercantil ligadas ao mesmo apenas como escoadouro de excedentes populacionais de variada origem (perseguiccedilotildees religiosas coloacutenia de degredo desestruturaccedilatildeo agraacuteria) Por oposiccedilatildeo as coloacutenias de povoamento nasciam como retaguarda mas essa condiccedilatildeo propiciou imediatamente um tipo de econoshymia e de sociedade que logo transitou para o trabalho livre

o tenno lIi110 eaqui empregado para designar latinidade expressada em suas culturas e contra os Estados Unidos do destino manifesto WANDERLEYop citp51

Econ pesqui Araccedilatuba V 1 n 1 p39-50 mar 1999 45

A vantagem da vanguarda do atraso logo transformou-se numa desvantagem cujos efeitos seculares perduram apeshysar ou talvez et pour cause (OLIVEIRA 1997 p1) Daiacute para frente podemos observar os mesmos mecanismos de

dissintonia constante na histoacuteria dos paiacuteses latino-americanos (incluiacutedo eacute claro o Brashysil) de pequenos avanccedilos e grandes recuos quase sempre na vanguarda do atraso do processo de expansatildeo capitalista Eacute deste ponto de vista e a partir da visatildeo de Oliveira que as desigualdades e os atrasos vecircm se acumulando ao longo da histoacuteria do Brasil que chegou aos mesmos limites superiores do capitalismo desenvolvishydo sem ter atingido seus patamares miacutenimos

Eacute assim que segundo ainda Oliveira (1997 p05) a vanguarda do atraso mal ultrapassada as fronteiras da segunda revoluccedilatildeo industrial logo se viu agraves voltas com a perda da capacidade regulatoacuteria do Estado que vai desde a incapashycidade para regular o sistema econoacutemico em suas aacutereas poliacutetico-territoriais ateacute apreshysentar a fratura exposta da violecircncia privada e dos grupos gangues redes de narcotraacutefiacuteco que tomam letra morta o monopoacutelio legal da violecircncia Natildeo precisamos citar especificamente nenhum de nossos paiacuteses em todos sem nenhuma exceccedilatildeo o Estado eacute uma presa faacutecil da violecircncia privada que ele mesmo em sua funccedilatildeo de condottieri e por consequumlecircncia em sua dilapidaccedilatildeo financeira estimulou ateacute o surreal

Para podermos situar convenientemente o problema da desishygualdade social especialmente nas nossas sociedades perifeacutericas eacute necessaacuterio que foquemos com especial atenccedilatildeo o da exclusatildeo social Muito se tem falado escrito e debatido sobre a questatildeo tanto do ponto de vista acadecircmico como fora dele Para podermos comeccedilar a situar o problema eacute necessaacuterio primeiro esclarecer que ele seraacute tratado como o fez Martins de uma

perspectiva socioloacutegico-poliacutetica (e natildeo econoacutemico-social) entendendo-se poliacutetica natildeo no sentido partidaacuterio mas como uma reflexatildeo socioloacutegica entre a sociedade e o Estashydo Porque esse eacute o acircmbito da intervenccedilatildeo eficaz da socieshydade civil do povo e mais especificamente das viacutetimas (aqueles que nas pautas de encontros de reflexatildeo e de estudo satildeo vagamente definidos como excluiacutedos ) Porque esse eacute o acircmbito da reivindicaccedilatildeo e ateacute exigecircncia dos direitos socishyais (1997 p13) Na verdade e ainda segundo Martins o conceito de exclushysatildeo natildeo existe sociologicamente existe contradiccedilatildeo exisshytem viacutetimas de processos sociais poliacuteticos e econoacutemicos excludentes existe o conflito pelo qual a viacutetima dos processhysos excudentes proclama seu inconformismo seu mal-estar sua revolta sua esperanccedila sua forccedila reivindicativa e sua

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 46

reivindicaccedilatildeo corrosiva Essas reaccedilotildees porque natildeo se trata estritamente de exclusatildeo natildeo se datildeo fora dos sistemas econoacutemicos e dos sistemas de poder Elas constituem o imponderaacutevel de tais sistemas fazem parte deles ainda que os negando As reaccedilotildees natildeo ocorrem de fora para dentro elas ocorrem no interior da realidade problemaacutetica denshytro da realidade que se produziu os problemas que as caushysaram (1997 p14) Eacute por isso que as poliacuteticas econoacutemicas atuais no Brasil e em outros paiacuteses seguem o que estaacute sendo chamado de modelo neoliberal implicam a proposital inclusatildeo precaacuteria e instaacuteshyvel marginal Natildeo satildeo propositalmente poliacuteticas de exclushysatildeo Satildeo poliacuteticas de inclusatildeo das pessoas nos processos econoacutemicos na produccedilatildeo e na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos estritamente em termos daquilo que eacute racionalmente conveshyniente e necessaacuterio agrave mais eficiente (e barata) reproduccedilatildeo do capital E tambeacutem ao funcionamento da ordem poliacutetica em favor dos que dominam Esse eacute um meio que claramente atenua a conflitividade social de classe politicamente perishygosa para as classes dominantes (MARTINS 1997 p 34) Oproblema da exclusatildeoinclusatildeo fica claramente colocado apartir

do exemplo de Martins sobre as meninas prostitutas de Fortaleza que se integram economicamente no mercado ao serem incluiacutedas como prostitutas desintegrando-se moral e socialmente como cidadatildes Eacute por isso que Martins chama a atenccedilatildeo para uma questatildeo crucial o da inclusatildeo Esse momento de passagem da exclusatildeo para a inclusatildeo e que tecircm se constituiacutedo num modo de vida em vez de um periacuteodo transishytoacuterio como costumava ser eacute que tem sido a razatildeo do grande sofrimento e das granshydes dificuldades sociais Eacute essa passagem problemaacutetica e natildeo provisoacuteria que tem levado a se considerar uma outra sociedade paralela constituiacuteda de cidadatildeos de 2a

categoria separados por estamentos riacutegidos numa espeacutecie de sociedade feudal dishyvidida emdois mundos distintos fazendo do mundo dos excluiacutedos um mundo mimeacutetico e manipulaacutevel pela miacutedia e abrindo-se entre esses dois mundos uma fratura dificil de ultrapassar

Este processo que noacutes chamamos de exclusatildeo natildeo cria mais os pobres que noacutes conheciacuteamos e reconheciacuteamos ateacute outro dia Ele cria uma sociedade paralela que eacute includente do ponto de vista econoacutemico e excudente do ponto de vista social moral e ateacute poliacutetico E continua a nossa sociedade estaacute se transformando numa sociedade dupla duas humashynidades na mesma sociedade De um lado uma humanidashyde constituiacuteda de integrados (ricos e pobres) Todos inseri-

Econ pesquiacute Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 47

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 7: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

A questatildeo social segundo Robert Castel eacute uma aporia fundashymental sobre a qual uma sociedade experimenta o enigma de sua coesatildeo e tenta conjurar o risco de sua fratura Ea eacute um desafio que potildee em questatildeo a capacidade de uma sociedade (o que em termos politicos se chama uma naccedilatildeo) de existir como um conjunto ligado por relaccedilotildees de interdependecircncia (apud WANDERLEY 1997 p18) Para Wanderley (a quesshytatildeo social fimdante que permanece sob formas variaacuteveis nesses 500 anos do descobrimento a nossos dias centra-se nas extremas desigualdades e injusticcedilas que reinam na esshytrutura social dos paiacuteses latino-americanos resultante dos modos de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo social dos modos de deshysenvolvimento que se formaram em cada sociedade nacioshynal e na regiatildeo em seu complexo Ela se funda nos conteuacuteshydos e formas assimeacutetricas assumidas pelas relaccedilotildees sociais em suas muacuteltiplas dimensotildees econoacutemicas poliacuteticas cultushyrais e religiosas com acento na concentraccedilatildeo de poder e de riqueza de classes e selores sociais dominantes e na pobreza generalizada de outras classes e setores sociais que constitushyem as maiorias populacionais cujos impactos alcanccedilam toshydas as dimensotildees da vida social do cotidiano agraves determinashyccedilotildees estruturais (1997 p53) Desde a colonizaccedilatildeo as relaccedilotildees da Ameacuterica Latina3 com suas

antigas metroacutepoles e posteriormente com o imperialismo inglecircs e americano foram sempre marcadas por relaccedilotildees de desigualdade econotildemica poliacutetica social juriacutedica e cultural combinando sempre uma posiccedilatildeo de vanguarda do atraso e de atraso da vanguarda Vale dizer segundo Oliveira que a Ameacuterica Latina e especialmente o Brasil estiveram sempre a reboque do processo capitalista Enquanto colocircnia o Brashysil funcionou como lugar de produccedilatildeo baseado no traacutefico de escravos e reproduzindo em seu territoacuterio o proacuteprio sistema que jaacute comeccedilava a se extinguir na Europa Enshyquanto isso

as treze coloacutenias americanas a Austraacutelia e Nova Zelacircndia se estruturaram como coloacutenias de povoamento portanto na retaguarda do processo de expansatildeo capitalista mercantil ligadas ao mesmo apenas como escoadouro de excedentes populacionais de variada origem (perseguiccedilotildees religiosas coloacutenia de degredo desestruturaccedilatildeo agraacuteria) Por oposiccedilatildeo as coloacutenias de povoamento nasciam como retaguarda mas essa condiccedilatildeo propiciou imediatamente um tipo de econoshymia e de sociedade que logo transitou para o trabalho livre

o tenno lIi110 eaqui empregado para designar latinidade expressada em suas culturas e contra os Estados Unidos do destino manifesto WANDERLEYop citp51

Econ pesqui Araccedilatuba V 1 n 1 p39-50 mar 1999 45

A vantagem da vanguarda do atraso logo transformou-se numa desvantagem cujos efeitos seculares perduram apeshysar ou talvez et pour cause (OLIVEIRA 1997 p1) Daiacute para frente podemos observar os mesmos mecanismos de

dissintonia constante na histoacuteria dos paiacuteses latino-americanos (incluiacutedo eacute claro o Brashysil) de pequenos avanccedilos e grandes recuos quase sempre na vanguarda do atraso do processo de expansatildeo capitalista Eacute deste ponto de vista e a partir da visatildeo de Oliveira que as desigualdades e os atrasos vecircm se acumulando ao longo da histoacuteria do Brasil que chegou aos mesmos limites superiores do capitalismo desenvolvishydo sem ter atingido seus patamares miacutenimos

Eacute assim que segundo ainda Oliveira (1997 p05) a vanguarda do atraso mal ultrapassada as fronteiras da segunda revoluccedilatildeo industrial logo se viu agraves voltas com a perda da capacidade regulatoacuteria do Estado que vai desde a incapashycidade para regular o sistema econoacutemico em suas aacutereas poliacutetico-territoriais ateacute apreshysentar a fratura exposta da violecircncia privada e dos grupos gangues redes de narcotraacutefiacuteco que tomam letra morta o monopoacutelio legal da violecircncia Natildeo precisamos citar especificamente nenhum de nossos paiacuteses em todos sem nenhuma exceccedilatildeo o Estado eacute uma presa faacutecil da violecircncia privada que ele mesmo em sua funccedilatildeo de condottieri e por consequumlecircncia em sua dilapidaccedilatildeo financeira estimulou ateacute o surreal

Para podermos situar convenientemente o problema da desishygualdade social especialmente nas nossas sociedades perifeacutericas eacute necessaacuterio que foquemos com especial atenccedilatildeo o da exclusatildeo social Muito se tem falado escrito e debatido sobre a questatildeo tanto do ponto de vista acadecircmico como fora dele Para podermos comeccedilar a situar o problema eacute necessaacuterio primeiro esclarecer que ele seraacute tratado como o fez Martins de uma

perspectiva socioloacutegico-poliacutetica (e natildeo econoacutemico-social) entendendo-se poliacutetica natildeo no sentido partidaacuterio mas como uma reflexatildeo socioloacutegica entre a sociedade e o Estashydo Porque esse eacute o acircmbito da intervenccedilatildeo eficaz da socieshydade civil do povo e mais especificamente das viacutetimas (aqueles que nas pautas de encontros de reflexatildeo e de estudo satildeo vagamente definidos como excluiacutedos ) Porque esse eacute o acircmbito da reivindicaccedilatildeo e ateacute exigecircncia dos direitos socishyais (1997 p13) Na verdade e ainda segundo Martins o conceito de exclushysatildeo natildeo existe sociologicamente existe contradiccedilatildeo exisshytem viacutetimas de processos sociais poliacuteticos e econoacutemicos excludentes existe o conflito pelo qual a viacutetima dos processhysos excudentes proclama seu inconformismo seu mal-estar sua revolta sua esperanccedila sua forccedila reivindicativa e sua

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 46

reivindicaccedilatildeo corrosiva Essas reaccedilotildees porque natildeo se trata estritamente de exclusatildeo natildeo se datildeo fora dos sistemas econoacutemicos e dos sistemas de poder Elas constituem o imponderaacutevel de tais sistemas fazem parte deles ainda que os negando As reaccedilotildees natildeo ocorrem de fora para dentro elas ocorrem no interior da realidade problemaacutetica denshytro da realidade que se produziu os problemas que as caushysaram (1997 p14) Eacute por isso que as poliacuteticas econoacutemicas atuais no Brasil e em outros paiacuteses seguem o que estaacute sendo chamado de modelo neoliberal implicam a proposital inclusatildeo precaacuteria e instaacuteshyvel marginal Natildeo satildeo propositalmente poliacuteticas de exclushysatildeo Satildeo poliacuteticas de inclusatildeo das pessoas nos processos econoacutemicos na produccedilatildeo e na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos estritamente em termos daquilo que eacute racionalmente conveshyniente e necessaacuterio agrave mais eficiente (e barata) reproduccedilatildeo do capital E tambeacutem ao funcionamento da ordem poliacutetica em favor dos que dominam Esse eacute um meio que claramente atenua a conflitividade social de classe politicamente perishygosa para as classes dominantes (MARTINS 1997 p 34) Oproblema da exclusatildeoinclusatildeo fica claramente colocado apartir

do exemplo de Martins sobre as meninas prostitutas de Fortaleza que se integram economicamente no mercado ao serem incluiacutedas como prostitutas desintegrando-se moral e socialmente como cidadatildes Eacute por isso que Martins chama a atenccedilatildeo para uma questatildeo crucial o da inclusatildeo Esse momento de passagem da exclusatildeo para a inclusatildeo e que tecircm se constituiacutedo num modo de vida em vez de um periacuteodo transishytoacuterio como costumava ser eacute que tem sido a razatildeo do grande sofrimento e das granshydes dificuldades sociais Eacute essa passagem problemaacutetica e natildeo provisoacuteria que tem levado a se considerar uma outra sociedade paralela constituiacuteda de cidadatildeos de 2a

categoria separados por estamentos riacutegidos numa espeacutecie de sociedade feudal dishyvidida emdois mundos distintos fazendo do mundo dos excluiacutedos um mundo mimeacutetico e manipulaacutevel pela miacutedia e abrindo-se entre esses dois mundos uma fratura dificil de ultrapassar

Este processo que noacutes chamamos de exclusatildeo natildeo cria mais os pobres que noacutes conheciacuteamos e reconheciacuteamos ateacute outro dia Ele cria uma sociedade paralela que eacute includente do ponto de vista econoacutemico e excudente do ponto de vista social moral e ateacute poliacutetico E continua a nossa sociedade estaacute se transformando numa sociedade dupla duas humashynidades na mesma sociedade De um lado uma humanidashyde constituiacuteda de integrados (ricos e pobres) Todos inseri-

Econ pesquiacute Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 47

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 8: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

A vantagem da vanguarda do atraso logo transformou-se numa desvantagem cujos efeitos seculares perduram apeshysar ou talvez et pour cause (OLIVEIRA 1997 p1) Daiacute para frente podemos observar os mesmos mecanismos de

dissintonia constante na histoacuteria dos paiacuteses latino-americanos (incluiacutedo eacute claro o Brashysil) de pequenos avanccedilos e grandes recuos quase sempre na vanguarda do atraso do processo de expansatildeo capitalista Eacute deste ponto de vista e a partir da visatildeo de Oliveira que as desigualdades e os atrasos vecircm se acumulando ao longo da histoacuteria do Brasil que chegou aos mesmos limites superiores do capitalismo desenvolvishydo sem ter atingido seus patamares miacutenimos

Eacute assim que segundo ainda Oliveira (1997 p05) a vanguarda do atraso mal ultrapassada as fronteiras da segunda revoluccedilatildeo industrial logo se viu agraves voltas com a perda da capacidade regulatoacuteria do Estado que vai desde a incapashycidade para regular o sistema econoacutemico em suas aacutereas poliacutetico-territoriais ateacute apreshysentar a fratura exposta da violecircncia privada e dos grupos gangues redes de narcotraacutefiacuteco que tomam letra morta o monopoacutelio legal da violecircncia Natildeo precisamos citar especificamente nenhum de nossos paiacuteses em todos sem nenhuma exceccedilatildeo o Estado eacute uma presa faacutecil da violecircncia privada que ele mesmo em sua funccedilatildeo de condottieri e por consequumlecircncia em sua dilapidaccedilatildeo financeira estimulou ateacute o surreal

Para podermos situar convenientemente o problema da desishygualdade social especialmente nas nossas sociedades perifeacutericas eacute necessaacuterio que foquemos com especial atenccedilatildeo o da exclusatildeo social Muito se tem falado escrito e debatido sobre a questatildeo tanto do ponto de vista acadecircmico como fora dele Para podermos comeccedilar a situar o problema eacute necessaacuterio primeiro esclarecer que ele seraacute tratado como o fez Martins de uma

perspectiva socioloacutegico-poliacutetica (e natildeo econoacutemico-social) entendendo-se poliacutetica natildeo no sentido partidaacuterio mas como uma reflexatildeo socioloacutegica entre a sociedade e o Estashydo Porque esse eacute o acircmbito da intervenccedilatildeo eficaz da socieshydade civil do povo e mais especificamente das viacutetimas (aqueles que nas pautas de encontros de reflexatildeo e de estudo satildeo vagamente definidos como excluiacutedos ) Porque esse eacute o acircmbito da reivindicaccedilatildeo e ateacute exigecircncia dos direitos socishyais (1997 p13) Na verdade e ainda segundo Martins o conceito de exclushysatildeo natildeo existe sociologicamente existe contradiccedilatildeo exisshytem viacutetimas de processos sociais poliacuteticos e econoacutemicos excludentes existe o conflito pelo qual a viacutetima dos processhysos excudentes proclama seu inconformismo seu mal-estar sua revolta sua esperanccedila sua forccedila reivindicativa e sua

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 46

reivindicaccedilatildeo corrosiva Essas reaccedilotildees porque natildeo se trata estritamente de exclusatildeo natildeo se datildeo fora dos sistemas econoacutemicos e dos sistemas de poder Elas constituem o imponderaacutevel de tais sistemas fazem parte deles ainda que os negando As reaccedilotildees natildeo ocorrem de fora para dentro elas ocorrem no interior da realidade problemaacutetica denshytro da realidade que se produziu os problemas que as caushysaram (1997 p14) Eacute por isso que as poliacuteticas econoacutemicas atuais no Brasil e em outros paiacuteses seguem o que estaacute sendo chamado de modelo neoliberal implicam a proposital inclusatildeo precaacuteria e instaacuteshyvel marginal Natildeo satildeo propositalmente poliacuteticas de exclushysatildeo Satildeo poliacuteticas de inclusatildeo das pessoas nos processos econoacutemicos na produccedilatildeo e na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos estritamente em termos daquilo que eacute racionalmente conveshyniente e necessaacuterio agrave mais eficiente (e barata) reproduccedilatildeo do capital E tambeacutem ao funcionamento da ordem poliacutetica em favor dos que dominam Esse eacute um meio que claramente atenua a conflitividade social de classe politicamente perishygosa para as classes dominantes (MARTINS 1997 p 34) Oproblema da exclusatildeoinclusatildeo fica claramente colocado apartir

do exemplo de Martins sobre as meninas prostitutas de Fortaleza que se integram economicamente no mercado ao serem incluiacutedas como prostitutas desintegrando-se moral e socialmente como cidadatildes Eacute por isso que Martins chama a atenccedilatildeo para uma questatildeo crucial o da inclusatildeo Esse momento de passagem da exclusatildeo para a inclusatildeo e que tecircm se constituiacutedo num modo de vida em vez de um periacuteodo transishytoacuterio como costumava ser eacute que tem sido a razatildeo do grande sofrimento e das granshydes dificuldades sociais Eacute essa passagem problemaacutetica e natildeo provisoacuteria que tem levado a se considerar uma outra sociedade paralela constituiacuteda de cidadatildeos de 2a

categoria separados por estamentos riacutegidos numa espeacutecie de sociedade feudal dishyvidida emdois mundos distintos fazendo do mundo dos excluiacutedos um mundo mimeacutetico e manipulaacutevel pela miacutedia e abrindo-se entre esses dois mundos uma fratura dificil de ultrapassar

Este processo que noacutes chamamos de exclusatildeo natildeo cria mais os pobres que noacutes conheciacuteamos e reconheciacuteamos ateacute outro dia Ele cria uma sociedade paralela que eacute includente do ponto de vista econoacutemico e excudente do ponto de vista social moral e ateacute poliacutetico E continua a nossa sociedade estaacute se transformando numa sociedade dupla duas humashynidades na mesma sociedade De um lado uma humanidashyde constituiacuteda de integrados (ricos e pobres) Todos inseri-

Econ pesquiacute Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 47

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 9: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

reivindicaccedilatildeo corrosiva Essas reaccedilotildees porque natildeo se trata estritamente de exclusatildeo natildeo se datildeo fora dos sistemas econoacutemicos e dos sistemas de poder Elas constituem o imponderaacutevel de tais sistemas fazem parte deles ainda que os negando As reaccedilotildees natildeo ocorrem de fora para dentro elas ocorrem no interior da realidade problemaacutetica denshytro da realidade que se produziu os problemas que as caushysaram (1997 p14) Eacute por isso que as poliacuteticas econoacutemicas atuais no Brasil e em outros paiacuteses seguem o que estaacute sendo chamado de modelo neoliberal implicam a proposital inclusatildeo precaacuteria e instaacuteshyvel marginal Natildeo satildeo propositalmente poliacuteticas de exclushysatildeo Satildeo poliacuteticas de inclusatildeo das pessoas nos processos econoacutemicos na produccedilatildeo e na circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos estritamente em termos daquilo que eacute racionalmente conveshyniente e necessaacuterio agrave mais eficiente (e barata) reproduccedilatildeo do capital E tambeacutem ao funcionamento da ordem poliacutetica em favor dos que dominam Esse eacute um meio que claramente atenua a conflitividade social de classe politicamente perishygosa para as classes dominantes (MARTINS 1997 p 34) Oproblema da exclusatildeoinclusatildeo fica claramente colocado apartir

do exemplo de Martins sobre as meninas prostitutas de Fortaleza que se integram economicamente no mercado ao serem incluiacutedas como prostitutas desintegrando-se moral e socialmente como cidadatildes Eacute por isso que Martins chama a atenccedilatildeo para uma questatildeo crucial o da inclusatildeo Esse momento de passagem da exclusatildeo para a inclusatildeo e que tecircm se constituiacutedo num modo de vida em vez de um periacuteodo transishytoacuterio como costumava ser eacute que tem sido a razatildeo do grande sofrimento e das granshydes dificuldades sociais Eacute essa passagem problemaacutetica e natildeo provisoacuteria que tem levado a se considerar uma outra sociedade paralela constituiacuteda de cidadatildeos de 2a

categoria separados por estamentos riacutegidos numa espeacutecie de sociedade feudal dishyvidida emdois mundos distintos fazendo do mundo dos excluiacutedos um mundo mimeacutetico e manipulaacutevel pela miacutedia e abrindo-se entre esses dois mundos uma fratura dificil de ultrapassar

Este processo que noacutes chamamos de exclusatildeo natildeo cria mais os pobres que noacutes conheciacuteamos e reconheciacuteamos ateacute outro dia Ele cria uma sociedade paralela que eacute includente do ponto de vista econoacutemico e excudente do ponto de vista social moral e ateacute poliacutetico E continua a nossa sociedade estaacute se transformando numa sociedade dupla duas humashynidades na mesma sociedade De um lado uma humanidashyde constituiacuteda de integrados (ricos e pobres) Todos inseri-

Econ pesquiacute Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 47

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 10: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

dos de algum modo decente ou natildeo no circuito reprodutivo das atividades econoacutemicas todos tecircm o que vender e o que comprar Essa eacute a nova desigualdade Aleacutem disso tecircm direishytos reconhecidos tecircm um lugar assegurado no sistema de relaccedilotildees econoacutemicas sociais e poliacuteticas Mas estaacute crescendo brutalmente no Brasil uma outra sociedade que eacute uma subshyhumanidade uma humanidade incorporada atraveacutes do trashybalho precaacuterio no trambique no pequeno comeacutercio no setor de serviccedilos mal pagos ou ateacute mesmo excusos O conjunto da sociedade jaacute natildeo eacute a sociedade da produccedilatildeo mas a socishyedade do consumo e da circulaccedilatildeo de mercadorias e servishyccedilos Portanto o eixo de seu funcionamento sai da faacutebrica e vai para o mercado (MARTINS 1997 p35-6)

Conclusatildeo

Oliveira conclui em seu trabalho aqui citado que o compromisshyso do intelectual eacute de radicalizar a criacutetica e conforme (citaccedilatildeo dele) a liccedilatildeo de Adorshyno radicalizar no sentido de cobrar as promessas do conceito no caso sob exame as promessas contidas na democracia Um outro grande claacutessico ainda segundo Oliveira Gramsci aconselhava a nas crises afiar o pessimismo da razatildeo para ajudar ao otimismo da vontade que soacute pode surgir da praxis das classes dominashydas para responderem e derrotarem esse holocausto sem cacircmaras de gaacutes

Para Martins a sociedade capitalista desenraiacuteza exclui para inshycluir e esta eacute definitivamente a questatildeo crucial como incluir De um lado esse perioshydo da passagem exclusatildeoinclusatildeo tem-se transformado num modo de vida ao inveacutes de um periacuteodo transitoacuterio e por outro lado a forma de reinclusatildeo costuma se dar no plano econocircmico mas natildeo no plano social e quando o Estado abdica de suas resshyponsabilidades sociais cabe agraveSociedade Civil resolver os seus problemas Henri Leacutefebvre chamou a isso necessidades radicais necessidades que derivam de contrashydiccedilotildees subjetivamente insuportaacuteveis e que natildeo podem ser atendidas se a sociedade natildeo sofrer mudanccedilas fundamentais e profundas de responsabilidade de todos se a sociedade natildeo se modernizar revolucionando suas relaccedilotildees arcaicas ajustando-as de acordo com as necessidades do homem e natildeo de acordo com as conveniecircncias do capital

Muito se tem dito que a mundializaccedilatildeo econoacutemica eacute irreversiacutevel e que eacute preciso saber conviver com as novas formas de desigualdades do mundo moderno e que as regulamentaccedilotildees financeiras e internacionais satildeo incompatiacuteveis com o novo processo de expansatildeo do capitalismo monopolista No entanto no iniacutecio desse seacuteculo apoacutes a Depressatildeo de 29 o que se constatou foi uma riacutegida regulamen-

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 48

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 11: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

taccedilatildeo das atiacutevidades financeiras internacionais aleacutem de medidas reguladoras e ajusshytes nas economias nacionais que ocorreram quando essas medidas se tomaram neshycessaacuterias Diante desse quadro retrospectivo por que natildeo se esperar que medidas igualmente saneadoras e limitadoras tambeacutem natildeo seratildeo tomadas

Martins cita ainda um outro trecho de Leacutefecircbvre que eu gostaria de concluir aqui a utopia eacute o possiacutevel o possiacutevel eacute o eixo da luta e a consciecircncia de quem luta A utopia eacute a proposta de uma transformaccedilatildeo do mundo alicerccedilada no possiacuteveL A utopia estaacute no residual estaacute naquilo que natildeo pode ser capturado pelo poder e pelos que tecircm poder Haacute coisas que natildeo podem ser capturadas na nossa vontade na nossa consciecircncia no nosso modo de viver naquilo que noacutes achamos que eacute justo no nosso trabalho Haacute um irredutiacutevel em nossa vida O poder absoluto do capitalismo natildeo existe eacute uma farsa e uma fraude Eacute um sonho de capitalistas ( 1997 p126-7)

SMOLENTZOV Vera Maria Neves Economic mondialisation and social exc1usion Economia amp Pesquisa Araccedilatuba v1 nl p 39-50 mar 1999

Abstract This article is about the social exclusion problem as capitalism issue aggrashyvated by economic mondialisation Keywords Economic mondialisation social exc lusion

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABREU Alice Rangel de Paiva Especializaccedilatildeo flexiacutevel e gecircneros debates atuais Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n ljanmar 1994

BERNARDES Roberto Trabalho a centralidade de uma categoria analiacutetica Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 nl janmar 1994

CASTEL Robert et ali Desigualdade e a questatildeo social Satildeo Paulo Educ 1997

CEPEcircDA Vera Raiacutezes do pensamento poliacutetico de Celso Furtado Satildeo Paulo 1998 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Ciecircncia Poliacutetica) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias HumanasIUSP

CHESNAIS Franccedilois A Mundializaccedilatildeo do Capital Satildeo Paulo Xamatilde 1996 HOBSBA WN Eriacutec A era dos extremoso breve seacuteculo xx Satildeo Paulo Ciacutea das

Letras 1996 IANNI Octaacutevio Modernidade globalizaccedilatildeo e exclusatildeo Satildeo Paulo Imaginaacuterio

1996 __ O Mundo do Trabalho Satildeo Paulo em Perspectiva Satildeo Paulo v 8 n 1

Econ pcsqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 49

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50

Page 12: MUNDIALIZAÇÃO ECONÔMICA E EXCLUSÃO SOCIAL

janmar 1994 IANNI Octaacutevio Teorias da globalizaccedilatildeo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

1995 MARTINS Joseacute de Souza Exclusatildeo social e a nova desigualdade Satildeo Paulo

Paulus 1997 MARX Karl Manifesto do partido comunista Satildeo Paulo Alfa-Oacutemega 1984 OLIVEIRA Francisco de Vanguarda do Atraso e Atraso da Vanguarda Globalizaccedilatildeo

e Neoliberalismo na Ameacuterica Latina ln CONGRESSO DA ASSOCIACcedilAtildeO LATINO-AMERICANA DE SOCIOLOGIA 21 1997 Satildeo Paulo Anais Satildeo Paulo ALAS 1997

SINGER Paul Globalizaccedilatildeo e desemprego diagnoacutestico e alternativas Satildeo Paulo Contexto 1998

W ANDERLEY Luis Eduardo A questatildeo social no contexto na globalizaccedilatildeo o caso latinoamericano e o caribenho Satildeo Paulo EDUC 1997

Econ pesqui Araccedilatuba vl nl p39-50 mar 1999 50