mulheres sujeitai-vos aos vossos maridos

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7/24/2019 Mulheres Sujeitai-Vos Aos Vossos Maridos http://slidepdf.com/reader/full/mulheres-sujeitai-vos-aos-vossos-maridos 1/3 Mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos O abade de Châteauneuf contou-me certo dia que a esposa do marechal de Grancey era muito imperiosa e que tinha muitas qualidades. Sua rande altive! consistia em respeitar a si mesma, em nada fa!er que pudesse enveronhar-se em seredo" ela jamais se rebai#ava a ponto de di!er uma mentira$ preferia proferir uma verdade periosa do que utili!ar uma dissimula%&o 'til e sempre afirmava que a dissimula%&o ( a marca da temeridade. Mil a%)es enerosas marcavam a sua vida" mas quando recebia um eloio, considerava-se mal compreendida e di!ia$ *+ensais que tais a%)es custaram-me esfor%os. Seus amantes a adoravam, seus amios a queriam bem, e seu marido a respeitava. la passou quarenta anos nesta dissipa%&o e neste c/rculo de divertimentos que ocupam seriamente as mulheres. la n&o lia nada a n&o ser as cartas que lhe eram escritas, em nada pensava a n&o ser nas novidades do dia, nas idiotices dos que a cercavam e nos interesses de seu cora%&o. nfim, quando se viu naquela idade em que se di! que as belas mulheres com esp/rito passam de um trono a outro, ela desejou ler. Come%ou pelas tra(dias de 0acine e espantou -se ao sentir, lendo-as, mais pra!er do que  jamais sentira ao ver suas representa%)es, seu bom osto a fa!ia reconhecer que este homem n&o di!ia sen&o coisas verdadeiras e interessantes, que todas estavam em seu devido luar, que era simples e nobre, sem declama%&o, sem nada for%ar, sem ser lento e enfadonho e que suas tramas assim como seus pensamentos estavam fundados sobre a nature!a$ ela encontrava nesta leitura a hist1ria de seus sentimentos e o quadro de sua vida. 2i!eram-na ler Montaine$ encantou-se com um homem com quem estabelecia uma conversa e que duvidava de tudo. 3eram-lhe em seuida os Grandes 4omens de +lutarco$ ela questionava por que ele n&o havia feito a hist1ria das randes mulheres. O abade de Châteauneuf encontrou-a certo dia vermelha de c1lera. *O que h5 com a senhora, disse- lhe. -6bri por acaso um livro que se encontrava em meu abinete, respondeu ela. ra, creio eu, aluma cole%&o de cartas" e li tais palavras$ Mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos" ent&o jouei o livro fora. - Como, Senhora7 8&o sabeis que se tratam das p/stolas de S&o +aulo  - 8&o me importa de quem elas s&o, o autor ( muito indelicado. O senhor marechal jamais escreveu-me neste tom" acredito que o vosso S&o +aulo era um homem de dif/cil conviv9ncia. le era casado -Sim, senhora. - la deve ter sido uma boa criatura" se eu tivesse sido a mulher de um homem como este, eu o teria mandado passear. Sujeitai-vos a vossos maridos7 6inda se ele tivesse se contentado em di!er$ Sejam doces, complacentes, atenciosas, econ:micas, eu diria$ eis um homem que sabe viver" e por que submissas, por favor ;uando casei-me com M. de Grancey, n1s nos prometemos ser fi(is, eu propriamente n&o cumpri com minha palavra, nem ele com a sua, mas nem ele nem eu prometemos obedecer. nt&o, somos n1s escravas <5 n&o ( o bastante que um homem, ap1s ter se casado, tenha o direito de causar-me uma doen%a de nove meses, doen%a alumas ve!es mortal <5 n&o ( bastante dar = lu!, em meio a randes dores, um filho que poder5 processar-me quando velho 8&o ( suficiente

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Mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos

O abade de Châteauneuf contou-me certo dia que a esposa do marechal de Grancey era muito

imperiosa e que tinha muitas qualidades. Sua rande altive! consistia em respeitar a si mesma, em nada

fa!er que pudesse enveronhar-se em seredo" ela jamais se rebai#ava a ponto de di!er uma mentira$

preferia proferir uma verdade periosa do que utili!ar uma dissimula%&o 'til e sempre afirmava que a

dissimula%&o ( a marca da temeridade. Mil a%)es enerosas marcavam a sua vida" mas quando recebia

um eloio, considerava-se mal compreendida e di!ia$ *+ensais que tais a%)es custaram-me esfor%os.

Seus amantes a adoravam, seus amios a queriam bem, e seu marido a respeitava.

la passou quarenta anos nesta dissipa%&o e neste c/rculo de divertimentos que ocupam seriamente as

mulheres. la n&o lia nada a n&o ser as cartas que lhe eram escritas, em nada pensava a n&o ser nas

novidades do dia, nas idiotices dos que a cercavam e nos interesses de seu cora%&o. nfim, quando se

viu naquela idade em que se di! que as belas mulheres com esp/rito passam de um trono a outro, ela

desejou ler. Come%ou pelas tra(dias de 0acine e espantou-se ao sentir, lendo-as, mais pra!er do que

 jamais sentira ao ver suas representa%)es, seu bom osto a fa!ia reconhecer que este homem n&o di!iasen&o coisas verdadeiras e interessantes, que todas estavam em seu devido luar, que era simples e

nobre, sem declama%&o, sem nada for%ar, sem ser lento e enfadonho e que suas tramas assim como

seus pensamentos estavam fundados sobre a nature!a$ ela encontrava nesta leitura a hist1ria de seus

sentimentos e o quadro de sua vida.

2i!eram-na ler Montaine$ encantou-se com um homem com quem estabelecia uma conversa e que

duvidava de tudo. 3eram-lhe em seuida os Grandes 4omens de +lutarco$ ela questionava por que ele

n&o havia feito a hist1ria das randes mulheres.

O abade de Châteauneuf encontrou-a certo dia vermelha de c1lera. *O que h5 com a senhora, disse-

lhe.

-6bri por acaso um livro que se encontrava em meu abinete, respondeu ela. ra, creio eu, aluma

cole%&o de cartas" e li tais palavras$ Mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos" ent&o jouei o livro fora.

- Como, Senhora7 8&o sabeis que se tratam das p/stolas de S&o +aulo 

- 8&o me importa de quem elas s&o, o autor ( muito indelicado. O senhor marechal jamais escreveu-me

neste tom" acredito que o vosso S&o +aulo era um homem de dif/cil conviv9ncia. le era casado

-Sim, senhora.

- la deve ter sido uma boa criatura" se eu tivesse sido a mulher de um homem como este, eu o teria

mandado passear. Sujeitai-vos a vossos maridos7 6inda se ele tivesse se contentado em di!er$ Sejam

doces, complacentes, atenciosas, econ:micas, eu diria$ eis um homem que sabe viver" e por que

submissas, por favor ;uando casei-me com M. de Grancey, n1s nos prometemos ser fi(is, eu

propriamente n&o cumpri com minha palavra, nem ele com a sua, mas nem ele nem eu prometemos

obedecer. nt&o, somos n1s escravas <5 n&o ( o bastante que um homem, ap1s ter se casado, tenha

o direito de causar-me uma doen%a de nove meses, doen%a alumas ve!es mortal <5 n&o ( bastante

dar = lu!, em meio a randes dores, um filho que poder5 processar-me quando velho 8&o ( suficiente

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estar sujeita todos os meses a inc:modos muito desarad5veis para uma mulher de qualidade e que,

para tornar as coisas piores, a supress&o de uma destas do!e doen%as anuais seja capa! de matar-me,

e ainda me di!em$ Obede%a

Certamente a nature!a n&o disse para obedecermos" ela nos fe! com 1r&os diferentes daqueles dos

homens, mas nos tornou necess5rios uns aos outros, ela n&o pretendia que da uni&o se formasse uma

escravid&o. u me recordo bem do que Moli>re disse$

*3o lado da barba est5 o poder.

Mas eis uma ra!&o enra%ada para que eu tenha um senhor7 O qu97 +orque um homem tem o quei#o

coberto de um p9lo rosso e desarad5vel, que obria-o a barbear-se o m5#imo poss/vel, e meu quei#o

( liso desde que nasci, ( necess5rio que eu lhe obede%a humildemente u sei bem que eralmente os

homens t9m m'sculos mais fortes que os nossos e que eles podem melhor desferir um olpe" temo que

seja esta a oriem de sua superioridade.

les tamb(m pensam ter a cabe%a melhor orani!ada e, consequentemente, abam-se de serem mais

capa!es de overnar" mas eu poderia mostrar-lhe rainhas que valem tanto quanto reis. 3isseram-me h5

aluns dias alo sobre uma princesa alem& que levanta-se =s cinco da manh& e come%a a trabalhar 

para tornar seus s'ditos feli!es, ela dirie todos os ne1cios, responde a todas as cartas, encoraja todas

as artes e propaa seus bons atos = propor%&o de suas lu!es. Sua coraem iuala seus conhecimentos"

ela n&o foi criada em um convento por imbecis que nos ensinam o que se deve inorar, e que nos

mant9m inorantes sobre aquilo que se deve aprender. u, caso detivesse um stado para overnar,

sentir-me-ia capa! de ousar seuir este modelo.

O abade de Châteneauf, que era muito educado, evitou cuidadosamente contradi!er a senhora

marechal.

 6 prop1sito, disse ela, ( verdade que Maom( tinha tanto despre!o por n1s que supunha n&o sermos

dinas de adentrar o para/so, e que n&o ser/amos admitidas sen&o na entrada

- 8este caso, disse o abade, todos os homens se deteriam para sempre na entrada" mas console-se,

pois aqui n&o se di! uma palavra verdadeira a respeito da relii&o maometana. Como disse meu irm&o

que foi por do!e anos embai#ador em Constantinopla" nossos mones inorantes e malinos nos

enanaram.

- O qu97 8&o ( verdade, senhor, que Maom( inventou a poliamia para que os homens melhor se

afei%oassem a ele 8&o ( verdade que somos escravas na ?urquia, e que nos ( proibido re!ar a 3eus

em uma mesquita

-8ada disto ( verdadeiro, senhora. Maom( lone de ter imainado a poliamia, reprimiu-a e restriniu-a.

O s5bio Salom&o possu/a setecentas esposas. Maom( redu!iu seu n'mero a apenas quatro. 6smulheres ir&o ao para/so assim como os homens, e sem d'vida l5 far&o amor, mas de maneira distinta

da que se fa! aqui$ pois v1s bem percebeis que n&o conhecemos o amor neste mundo sen&o muito

imperfeitamente.

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-6h7 ?ens ra!&o, di! a senhora marechal$ o homem ( pouca coisa. Mas, dia-me, o vosso Maom(

ordenou que as mulheres fossem submissas a seus maridos

- 8&o, senhora, n&o se encontra nada disto no 6lcor&o.

- nt&o, por que as mulheres s&o escravas na ?urquia

- las n&o s&o escravas" elas t9m seus bens" podem testemunhar, podem, em circunstâncias

adequadas, pedir div1rcio" elas freq@entam as mesquitas em certas horas e t9m seus encontros em

outras. las s&o vistas nas ruas com seus v(us sobre os nari!es, como v1s t/nheis vossas m5scaras h5

aluns anos. A verdade que n&o aparecem nem na Opera nem no teatro" mas ( porque estas coisas n&o

e#istem. 3uvidas que se um dia houvesse em Constantinopla, que ( a p5tria de Orpheu, uma Bpera, as

damas turcas n&o ocupariam os melhores camarotes

- Mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos7 Continuava a di!er entre os dentes a senhora marechal. ste

+aulo era muito bruto.

- le foi um pouco duro, disse o abade. ?ratava um bom homem como S&o +edro com ares de

superioridade. 6l(m do mais, n&o se deve tomar ao p( da letra tudo o que se di!. le ( censurado por

ter tido mais do que apenas uma propens&o ao jansenismo.

- u suspeito que ele era um her(tico, disse a senhora marechal, e recolheu-se para seu toucador.