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Ano 25 • N° 10 julho/dezembro 2017 ISSN 2238-6807 Senac Ambiental Ano 25 N. 10 • 2017 Continua lindo? RIO Mulheres que conhecem segredos do mar Renca: polêmica e controvérsia

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Ano 25 • N° 10

julho/dezembro 2017 ISSN 2238-6807

Senac Ambiental

Ano 25 N. 10 • 2017

Continua lindo?RIO Mulheres que

conhecem segredos do mar

Renca: polêmica e controvérsia

Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Departamento NacionalAv. Ayrton Senna, 5.555, Barra da TijucaRio de Janeiro - RJ - Brasil - 22775-004

www.dn.senac.br

Conselho NacionalAntonio Oliveira Santos

Presidente

Departamento NacionalSidney Cunha

Diretor-geral

A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral produzida pela Assessoria de Comunicação do

Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em

qualquer outro veículo de comunicação só deve ser feita após consulta aos editores.

Contato: [email protected]

www.dn.senac.br/senacambiental

ExpEdiEntE

EditorFausto Rêgo

Colaboraram nesta ediçãoCristina Ávila, Elias Fajardo,

Francisco Luiz Noel, João Roberto Ripper, Lena Trindade e Lígia Coelho

EditoraçãoAssessoria de Comunicação

Projeto gráfico e diagramaçãoCynthia Carvalho

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação(Maria Auxiliadora Nogueira - CRB-7/3773)

Senac ambiental / Senac, Departamento Nacional. – n. 1 (1992)- . – Rio de Janeiro: Senac/Departamento Nacional/Assessoria de Comunicação, 1992- . v. : il.

Semestral. Absorveu: Senac e Educação Ambiental. A partir do n. 8 (2016) passou a ser disponibilizada no endereço: www.dn.senac.br/senacambiental. ISSN 2238-6807.

1. Educação ambiental – Periódicos. 2. Ecologia – Periódicos. 3. Meio ambiente – Periódicos. I. Senac. Departamento Nacional.

CDD 574.505

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Cadê o legado?

Editorial

Teve Copa. Teve Olimpíada. Não teve revitalização da Baía de Gua-nabara ou do complexo lagunar da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Os legados ambientais tão prometi-dos ficaram, quase todos, no papel. Uma das vozes que não se calam sobre a tragédia ambiental vivida na Cidade Maravilhosa é a do biólogo Mario Moscatelli, nosso entrevista-do desta edição.

Fomos à Amazônia conhecer a polêmica da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), que enfrentou grave ameaça no ano passado. Uma onda de protestos levou o Governo Federal a revogar o decreto de sua extinção.

Mostramos também a dura rotina de um raro grupo de mulheres que vive da pesca artesanal no litoral de Santa Catarina.

Tratamos ainda da gestão do lixo, da preservação do maior felino das Américas e de camuflagem e mime-tismo.

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Sumário

20Capa

Continua lindo?O biólogo Mario Moscatelli

cobra o legado ambiental prometido ao Rio de Janeiro

Fausto Rêgo

4Povos Tradicionais

Mulheres do marNa pesca artesanal em Santa

Catarina, elas são poucas, mas resistem

Cristina Ávila

Senac ambiental n.9 2

14Seleção Natural

Esconde-escondeCamuflagem e mimetismo: na

natureza, nem tudo é o que pareceLena Trindade

54Gestão de Resíduos

Problemas? Soluções!Alternativas individuais e coletivas

para o tratamento do lixoElias Fajardo

32Território

RencaComo é a reserva amazônica que quase foi extinta pelo Governo

Federal

Lígia Coelho e João Roberto Ripper

46Preservação

Onça-pintada Um plano nacional para preservar o

maior felino das AméricasFrancisco Luiz Noel

28Notas 62

Estante Ambiental

Sumário

janeiro/junho 2017 3

Márcia da Silva, 55 anos, em seu barco, Mar Azul

povoS tr adicionaiS

Mulheres que

conhecem segredos do mar

Na pesca artesanal em Santa Catarina, elas são poucas, mas resistem com bravura

Cristina Ávila (texto e fotos)

Noite alta, faz frio e o mar está liso, salpicado por brilhos lunares. O barco Adriana singra tranquilo, na viagem em captura de camarões na costa catarinense. Na Boca da Barra, a travessia foi boa. O ca-nal ladeado de mangues, pedras e praias se transforma em passagem mais profunda no lado sul ou norte, de acordo com a maré, influencia-da pela direção do vento. Em dias de águas agitadas, a pequena em-barcação precisa se aprumar para aproveitar o jajigo, que é o intervalo na ligeira sequência das ondas, e daí acessar o caminho rumo ao mar aberto. A bordo, uma jovem profis-sional da pesca artesanal maneja um conjunto de pesados equipa-mentos que lhe exigem força nos braços e no corpo inteiro. Ela sabe dialogar com as correntezas, enten-de os sinais que revelam a fauna submersa e mantém-se atenta aos movimentos da natureza. O tem-po de repente pode virar, fazendo surgir uma montanha líquida que transforma a pacífica madrugada em ameaça muito perigosa.

janeiro/junho 2017 5

Em torno dos barcos e canoas, quando se pergunta pelas pescado-ras, quase todos os homens têm a resposta pronta: “Mulher não puxa rede”. Como se elas não existissem. De fato, as que embarcam para traba-lhar em alto mar, canais e lagoas são poucas entre os 25 mil profissionais da pesca artesanal, que é caracteriza-da pela mão de obra familiar e pelas embarcações pequenas, que fazem parte da economia doméstica em 317 comunidades pesqueiras situadas nos 34 municípios litorâneos de San-ta Catarina. Mas elas existem, e estão em atividade diária. Embora não haja estatísticas específicas, sabe-se que cerca de 50% do total de pescado-res se refere a um universo feminino dedicado em terra a trabalhos como conserto de redes, evisceração, file-tagem de peixe, desconchamento de marisco, coleta de berbigão e comer-cialização. Os cálculos são da Empre-sa de Pesquisa Agropecuária e Exten-são Rural de Santa Catarina (Epagri), vinculada à Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca.

Paixão inexplicável“Comecei a pescar com 7 anos”, conta a dona do barco que singra no mar, Adriana Gonzales Ludovino Ze-

plin, 27 anos. Desde muito pequena, via o pai pescar e queria ir junto. “A mãe não deixava, daí eu chorava”.

Quase sempre começa assim, com uma paixão inexplicável. Grande parte das mulheres pescadoras se-gue o caminho dos pais e acaba aprendendo a fazer os serviços dos homens. “Quando tem vento, a lida é de rasgar o peito”, relata a moça. As redes, além do peso dos peixes e crustáceos, têm chumbos e boias que as tornam ainda mais pesadas. A âncora também exige esforço para puxar. Quanto mais inquieto o mar, mais trabalho forçado.

O oceano dança em muitas coreo-grafias, que variam até mesmo pelas peculiaridades geográficas de cada lugar. O linguajar dos pescadores também tem variações singulares. “Onda gorda”, como eles chamam, é aquele volume com balanço em mar aberto, mas que só quebra na praia. Há ondas que crescem, ficam altas como um morro, escondendo as lu-zes da cidade ao longe, e somem à medida que o barco é embalado para o fundo do buraco formado na água. As embarcações devem sempre se manter na perpendicular das ondas. “A onda tem de pegar de proa, nun-ca de banda, e [é preciso] acelerar o Adriana Zeplin, 27 anos,

começou a pescar aos 7. O barco leva seu nome

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barco pra não capotar”, diz Adriana. Ela revela os mistérios da natureza e da profissão, que compartilha com o marido – seu camarada, como se de-nominam os parceiros nesse tipo de trabalho –, Guilherme Zeplin, 29, que assumiu a pesca artesanal há cerca de oito anos por influência dela. O casal acumula experiências. Mas, por causa do mau tempo, já precisou voltar pra terra a nado, no estilo ca-chorrinho, para poupar energia.

Mesmo em dias calmos, a atividade exige aptidões. “Tem valente na terra que no mar grita pela mãe”, brincam Adriana e Guilherme. “Será que vás marear?”, perguntam no linguajar típico da região. Eles garantem que provavelmente sim, pois 99% das pessoas enjoam quando viajam nas pequenas embarcações, sofrendo dores de estômago, apresentando palidez e até lábios roxos. E não fal-tam motivos para suspender a res-piração nas aventuras marítimas. Os dois contam sobre uma arraia cansa-da que certa vez engatou no barco. “Era gigante. Parece história de pes-cador, mas é verdade. Era uma noite linda e, de repente, a arraia abriu as nadadeiras, parecia um avião”.

O animal tem o formato de uma pipa de papel, com rabo fino comprido. Ilusão ou realidade, consta da lite-ratura da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), a captura de uma raia--jamanta com mais de seis metros de envergadura na costa catarinen-se. Pula longas distâncias e às vezes segue navios durante horas. A cada dois anos, reproduz um único filhote e está na lista da Fauna Ameaçada de Extinção elaborada pelo Ministé-rio do Meio Ambiente.

De volta pra casa, novamente se cru-za a Boca da Barra, agora entrando pelo Canal do Linguado, por onde os barcos chegam ao centro urba-no do pequeno balneário Barra do Sul, localizado entre Florianópolis e Curitiba, a cerca de 130 quilôme-tros de distância de cada uma das

capitais. As águas se abrem em pequenos braços e tornam a ci-dadezinha romântica, com embarcações atracadas por toda a parte, atraindo garças, gaivotas e biguás que mergulham e retor-nam com peixinhos no bico, ou sobrevoam à espera de petiscos ofertados pelos pes-cadores.

BerçárioQuase na divisa com o Paraná, o município tem 10 mil moradores, com mais de 100 mil no verão, e está inse-rido na Baía da Babi-tonga, formada pelo encontro das águas do mar e do rio São Fran-cisco do Sul, em região de Mata Atlântica. É um dos principais es-tuários catarinenses, o que significa ambientes influenciados pelas marés, com a possibilidade de águas doces nas cabeceiras, salgadas na desembo-cadura e salobras nas áreas inter-mediárias entre rios e oceano.

A Baía da Babitonga banha os mu-nicípios de Itapoá, Garuva, Joinville, Araquari e São Francisco do Sul. No total, são 33 comunidades de pesca, com 24 ilhas paradisíacas, lagoas, prainhas e 62 quilômetros quadrados de manguezais, ecos-sistema característico desse tipo de ambiente – com solos lodosos ricos em nutrientes, fundamentais para a reprodução da fauna aquáti-ca –, habitado por muitas espécies, como caranguejos. “É a maior área de manguezal do estado. E nosso maior berçário de peixes”, enfatiza o oceanógrafo da Epagri Edir José Tedesco, mestre em Ciências e

Os peixes mais capturados são enchovas, corvinas, tainhas e

espadas. Mas às vezes as redes trazem surpresas como estas

sardinhas

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Tecnologia Ambiental com mais de 30 anos de atuação na extensão da pesca e na maricultura, que mora e trabalha na região do estuário. A instituição tem escritórios nos principais municípios litorâneos de Santa Catarina e atua em ações de conscientização sobre produção, geração de renda e conservação do estoque pesqueiro. Segundo Edir, os peixes mais capturados no es-tado são enchova, corvina, tainha e espada, que representam 65% do total. Entre os camarões, o mais co-mum é o sete barbas, que represen-ta 15% de toda a captura. Mas as re-des sempre trazem surpresas, como os grandes robalos e os camarões--pistola, que chegam a render R$ 45 o quilo aos pescadores e chegam a R$ 100 ao consumidor. Algumas mulheres pescadoras aumentam a renda preparando quitutes com os frutos do mar. Grande parte vive em casas confortáveis.

“O mar é que manda”Em Barra do Sul também vive a pes-cadora artesanal Márcia da Silva, 55 anos, que comprou um terreno per-to de casa só para ter acesso a um dos braços do Canal do Linguado e construir um pequeno porto com trapiche onde atraca o seu barco Mar Azul. Tradicionalmente, cada família tem seus pontos de pesca e seus portos, e encontra dificulda-des se não tiver. “Gosto de pescar camarão, mas acho muito parado, chego a dormir e sonhar”, ri. Ela ex-plica que na pesca de camarão os barcos ativam as armadilhas e saem de arrasto, e na captura de peixes é preciso jogar as extensas redes e depois puxar. O peso é tanto que apareceram calos nas articulações dos dedos das mãos. Ela aprendeu a pescar com o marido, com quem se casou aos 19 anos. Até hoje, é cama-rada dele, Lourenço. O trabalho é o

A Ilha dos Remédios ainda é coberta pela mata nativa

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ganha-pão. “A farpa do camarão en-tra embaixo da unha, a mão fica gos-menta, engrossa com o tempo. Tem também a fumaça do motor. Muita mulher diz que nunca entraria num barco, mas, com tudo isso, eu gosto de ver o peixe na rede”, desabafa.

O prazer da tarefa, para Márcia, é maior do que tudo. Se ela sabe na-dar? “Só o suficiente pra não morrer, mas bem pouquinho”, responde, com um sorriso sempre fácil no rosto. No inverno os riscos são maiores. Em caso de naufrágio, os pescadores estão cheios de roupas e botas que ficam pesadas, cheias de água e são sérias ameaças de morte, além do frio congelante que pode paralisar uma pessoa que cair no mar. “No ano passado, o motor parou e perdemos o leme. Eu berrei. Gosto e respeito, o mar é que manda. Se a gente sai ou se volta pra casa, é o mar que diz. Se não obedecer, sofre. Se o vento vem pelo norte, entro em pânico”.

Ler os sinais da natureza é essencial para a sobrevivência no sedutor e bravio oceano. O mais tranquilo é o mar liso, espelhado, sem vento. O vento leste é o que sai do mar para a terra, provoca o mar picado, com ondas mais curtas, em sequência. Tende a piorar depois de um ou dois dias soprando. O contrário é o oes-te, raro no verão em Santa Catarina. É de inverno, originado em massa de ar polar seco, com céu limpo e tem-po frio. O vento sul vem sozinho ou com rebojo, mistura de várias dire-ções de ventos, se vê ventando em cima d´água. É vilão, faz maldade, mas entre maio e abril traz tainha de Rio Grande (RS). Se vier em junho, toca as tainhas pro norte.

São os ventos que criam as diferen-tes texturas da água. O mar de vento é pior do que o picado. O encarneira-do é cheio de espumas brancas. E o grosso é terrível ameaça aos navega-dores. Se o vento bate forte em alto mar, no outro dia é que vai chegar na costa. Com a tecnologia de pre-

visões meteorológicas, a segurança de embarcar é muito maior. Mas os microclimas apresentam caracterís-ticas próprias, e os conhecimentos tradicionais são imprescindíveis. As pescadoras costumam dizer que o aprendizado é longo. Com décadas de atividade, ainda há o que aprender.

Amor e perigoTem muito amor. E também muita necessidade e riscos. Algumas mu-lheres, desde crianças, foram gos-tando de pescar; outras foram aprendendo mesmo sem gostar. E mais: o corpo geralmente é machucado. “Eu não conseguia parar. Estava envelhecendo – ain-da com 39, 40 anos –, tiran-do energia do corpo. Desde os 8 desgastando o corpo. Mas eu não conseguia pa-rar”, conta Neneca, como é conhecida Safira de Sou-za, hoje com 44 anos, que deixou a pesca por proble-mas na coluna em 2013, depois de insistir muito em continuar na atividade. Ela morou durante 24 anos na Ilha dos Remédios, quase em frente à Boca da Barra. Desde os 4, conviveu com a solidão e com as belezas da ilha, até hoje coberta de matas nativas. É um da-queles lugares fantásticos de Santa Catarina, mas a vida era dura. Tinha de su-bir pelas pedras carregando botijão de gás, caixa de gelo e as tralhas da pesca. “No fim do dia, eu tomava ba-nho em casa e subia o morrão, os cabelos jogando soltos. Olhava pro infinito, pra imensidão, imaginando que naquele mesmo dia eu estava lá, minando tudo aquilo, descobria os pontos do robalão, da caranha... Tu sai numa caça, conhece os pontos, aquela surpresa quando está lá”.

Neneca é uma das mais incríveis pescadoras da costa catarinense.

Safira de Souza, a Neneca, abandonou a pesca por

problemas de coluna: “Meus dedos eram rachados

de remendar rede”

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Cabelos presos na nuca, saia cobrin-do os joelhos e delicadezas na fala. Parece uma mamãe extremamente dedicada ao lar. Mas quando as pes-soas que a conhecem a encontram fazendo um crochezinho, ficam es-pantadas. “Nunca tinha sido dona de casa. Meus dedos eram rachados de remendar rede e a casa era um abrigo que eu amava. Não ir para o mar significa trabalhar em terra, ob-servar a manutenção do barco, atua-lizar outras lidas. Nosso patrão é o tempo, principalmente os ventos”. Ela conta que, ainda menina, mer-gulhava “no peito” na pesca com ar-pão. “Eu e meu irmão Salomão, com uns 12 anos. A gente nunca marcou quantos minutos ficávamos debai-xo d’água sem respirar. Descia de cinto de chumbo e pé de pato a 10, 20 metros, batia o peito no chão e, quando o fôlego começava a acabar, encontrava o que estava procurando e arrumava fôlego de onde não tinha pra pegar a presa”.

A experiência trouxe também, qua-se como instinto, a necessidade de conservação do mar quando cresceu a exploração pela indústria da pesca. “Tu percebe até se chegou peixe novo. Eu encontrava uma lagosta adulta, aí dava um tempo e encontrava uma ninhada de lagosta miúda, toda jun-ta, lagostinhas de meio quilo pra bai-xo. Uma lagosta adulta pesa de 800 gramas a um quilo. Vinha a sensação de achar e preservar, não mexia”.

As observações dos pescadores so-bre o decréscimo da pesca a cada ano são levadas a sério. Segundo Edir Tedesco, isso resulta princi-palmente da pesca predatória, da degradação ambiental e da espe-culação imobiliária. “As principais espécies já se encontram em estado de sobrepesca. Para obter a mesma captura, os pescadores têm aumen-tado em grande quantidade o esfor-ço sobre os cardumes, prática que contribui ainda mais para a redu-ção”. Embora o grande impacto seja

provocado pela pesca industrial, a instituição trabalha com os pesca-dores artesanais a adoção de boas práticas, como o uso de equipamen-tos adequados, respeito ao defeso (época de reprodução do pescado, quando os pescadores recebem be-nefícios do governo para interrom-per a atividade), tamanho da malha de redes e controle de pescaria em berçários das espécies. A atividade é regida pela Lei 11.959, de 2009.

“Os pescadores usam diversas ar-tes, como redes de emalhe, redes de arrasto, redes de cerco e anzóis, sendo a rede de emalhe a de maior representatividade, usada em 60% das capturas. A grande maioria dos pescadores respeita as normas e a legislação pesqueira, trabalhando apenas com apetrechos legais e em locais e épocas permitidas. Infeliz-mente há os que atuam de modo inescrupuloso, inclusive explorando áreas protegidas, causando grandes prejuízos ambientais e financeiros para a pesca”, relata o oceanógrafo.

Segundo pesquisas da Univali que buscam soluções para sustentabi-lidade, a ocupação territorial sem planejamento e o crescimento de-mográfico e econômico desorde-nado em Santa Catarina provocam ameaças como contaminação do meio ambiente por esgotos, resíduos industriais e a substituição de matas nativas por monoculturas e expan-são urbana, o que impacta até mes-mo aspectos culturais e socioeconô-micos de populações tradicionais.

“Um dia lindo de sol maravilhoso, mas o peixe está se formando lá, no período de defeso, de reprodução. Aproveita a maré pra tirar marisco da pedra, deixa o peixe lá!”, aconse-lha Neneca, bisneta de pescadora. A recomendação tem especial fun-damento para ela: “Viemos de cul-tura em que tudo que se comprava vinha de um peixe que tu pescou”, explica.

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Paulina de Oliveira, 77 anos, sai de madrugada pro mar e só

volta quando o sol se põe. E não sabe nadar

Neneca tem o primeiro ou segundo ano do ensino fundamental, ela já nem lembra. “Meu pai, se fosse vivo, teria uns 95 anos, era pescador de baleias”. A atividade era desenvolvi-da em Santa Catarina, entre o século 18 e o início do século 20, deixando como herança uma típica canoa ca-tarinense usada em larga escala no período, originária dos ingleses por serem leves e de ótima navegabili-dade, com exemplares expostos no Museu Nacional do Mar, instalado em São Francisco do Sul.

Gerações de mulheres constroem a história da pesca artesanal, mesmo quando negadas nas conversas de grande parte dos homens nas praias catarinenses. Sua força de trabalho é marcante e surpreendente em toda a cadeia produtiva do setor. E mesmo aquelas que assumem profissional-mente os riscos no mar, nas lagoas e canais não são tão poucas. É só encontrar uma, que logo se tem no-tícia de outras.

Riso e valentiaFoi o que aconteceu quando a antro-póloga Rose Mary Gerber identificou 22 profissionais em atividade no li-toral do estado, suas entrevistadas em trabalho de campo desenvolvido para a tese que defendeu na Univer-sidade Federal de Santa Catarina em 2013. Todas eram trabalhadoras em embarcações de três a nove metros de comprimento, deslocando-se ao mar e retornando diariamente em períodos de três a dezesseis horas diárias. Nenhuma delas com equipa-mentos eletrônicos a não ser celula-res. Algumas em situação de extre-ma pobreza, com o mar como fonte garantida de alimento. A maioria ini-ciada pelos pais com 8 a 10 anos de idade. Duas delas viúvas; as demais casadas. Em sua maioria, filhas mais velhas que saíram da escola antes de aprender a ler. “Chamadas sem que lhes perguntassem se queriam ou gostariam de trabalhar na pesca.

Precisavam delas. E elas foram. Ou-tras se impuseram na pesca, mesmo os pais não querendo que saíssem para o mar”, conta a antropóloga.

Entre as 22 entrevistadas pela pes-quisadora, a mais velha foi Paulina de Oliveira, que hoje tem 77 anos e pesca há 69. Sai de madrugada, volta à noite, passa o dia torrando ao sol com pão e café, porque outra coisa azeda. Não sabe nadar, confessa. E gargalha. As risadas ecoam fortes e os olhos miúdos brilham zombetei-ros de quem se admira das valentias

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Mulheres que “puxam rede” são poucas. A maioria trabalha

em terra, fazendo filetagem, evisceração ou venda

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dela. Mas tem medo da água se não estiver com o remo na mão em sua própria batera, a canoinha de fundo chato feita de tábuas. O corpo se encolhe e ela mal fala, de carona na batera da vizinha Mãezinha durante a viagem na Lagoa do Iperoba, em São Francisco do Sul, a 30 quilôme-tros de Barra do Sul. “O vento sues-te... a lestada de vento no mar... vem brabo, boleando as ondas”.

Teve oito filhos, seis vivos. Ainda é esteio de uma prole que mora na casa pobre de madeira, em volta das qual as crianças andam. O prin-cipal sustento é o peixinho baiacu, que deixa bem limpinho e cujos filés congela em saquinhos. Na la-goa também se criam siri, camarão, pescadinha, berbigão e ostra. “Tá pouca as coisa. Tá tudo mudando. Era fartura, agora tá difícil”.

À noite, embarcações da pesca in-dustrial fazem arrastão na lagoa para burlar a fiscalização. O motor espanta a fauna. É área protegida de manguezal onde Paulina conhece cada canto, e os movimentos dos caranguejos nas tocas em que ela enfia a mão e o braço. “Noite de lua clara, na lama tem um mosquito, um cisquinho que arde. Dia de lua cheia e nova, o caranguejo corre. Do dia 15 de dezembro até fevereiro e março, o mar enche e ele sai na seca, eu corro atrás”. Ela ri. “É divertido o mangue”.

“Ela é ligeira feito uma saracura”, dizem os pescadores. Não chega a um metro e meio de altura, 41 qui-los de pouca carne. Há pouco caiu no caminho do porto, ficou três meses “no fundo da cama”. Foi ao médico, fez raio x, mas preferiu gar-rafada de ervas. “Fiz chapa, mas me tratei eu mesma”, admitiu.

Última viagemO município de São Francisco do Sul tem praticamente a idade do Brasil, de 1504, quando o navega-dor francês Gonneville aportou na

região, marcando o início da pri-meira povoação de Santa Catarina. A cidade tem mais de 150 casarios dos tempos coloniais, que são um dos maiores conjuntos arquite-tônicos do país, tombado como patrimônio histórico. No mesmo bairro onde mora Paulina, no Ipe-roba, vive e trabalha a pescadora Mãezinha, Maria da Graça Araújo Castilho, 53 anos. Ela tem talentos que a fazem muito especial. Enca-ra a captura da tainha, um peixe briguento que exige experiência e é um dos mais fantásticos espe-táculos da pesca, pois nada em enormes cardumes e salta como se voasse sobre as águas. A outra especialidade da pescadora é a cambira, uma técnica de defuma-ção que é herança de ancestrais da região. “A gente corta a cabeça do peixe, abre pelas costas, separa a espinha da carne, lanha tudo e salga. Dali leva no fumeiro e bota fogo. Com o calor, vai secando, enxugando, leva cinco, seis horas. Faço até 400 quilos.

Mãezinha não sabe ler, mas preser-va sabedorias sobre a misteriosa natureza do mar. Na vida, teve duas grandes paixões. A primeira foi o pai. “Ele era meu companheiro de pesca. Tudo aprendi com ele”. Ainda jovenzinha, chegava a lim-par 200 quilos de baiacu por dia. A outra grande paixão foi o marido, funcionário público, que perdeu há um ano. “Nós nos encontrávamos no meio da manhã. Quando ele chegava, eu saia para o mar”.

Mãezinha arrasta a canoa que tem seu nome, empurrando-a sobre as estivas em direção à Lagoa do Ipe-roba. E se deixa levar ao longe pe-los pensamentos que revela quase sem perceber. “Se eu pudesse, o dia que eu morrer, eu queria ser enterrada nessa batera. Foi nela a última viagem que fiz com ele. To-dinho amor que eu tinha eu joguei nela...”

Maria da Graça, a Mãezinha, se especializou na

captura da tainha

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SElEção natur al

Camuflagem e mimetismo

Nem tudo é como parece no fascinante mundo dos disfarces que é a natureza

Lena Trindade (texto e fotos)

Em 1832, quando desembar-cou no Brasil, o naturalista britânico Charles Darwin registrou em diário suas im-pressões sobre a exuberân-cia da vegetação da floresta tropical. Anos depois, com base nessas observações, o biólogo inglês desenvolveu a famosa Teoria da Evolução, base da Biologia moderna, que se fundamenta na ideia de que as diversas espécies de plantas e animais sofrem alterações com o tempo.

Até então, os criacionistas defendiam que as espécies eram fixas e eternas, criadas por Deus. Darwin duvida da imutabilidade das espécies e desenvolve o conceito de seleção natural. Para ele, se nascem indivíduos mais capazes de sobreviver que outros, a natureza selecio-naria os mais capazes para enfrentar os rigores da vida. O britânico mostra como a “descendência com modi-ficações” pode resultar em novas espécies.

Foi, sobretudo, observando o comportamento dos inse-tos para escapar dos preda-dores que Darwin teve sua atenção despertada para o Bicho-folha-seca

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tema. Os artifícios para so-breviver são tão diversos quanto os ambientes que a Floresta Tropical ofere-ce como abrigo: cascas, lí-quens, folhas etc. E o mais universal desses artifícios é a coloração protetora. Des-se modo, borboletas, lagar-tas, mariposas, pererecas e outros animais “ficam invi-síveis”. Alguns imitam com perfeição a forma de outro ser, como o bicho-folha ou o bicho-pau. Outros, por inter-médio do comportamento, se fazem passar por vege-tais, como uma aranha ama-zônica que imita uma flor. É o fenômeno da camuflagem.

Alguns animais criaram um estratagema que vai além da camuflagem. É o mimetismo. O procedimento é mais ela-borado, pois um ser vivo se faz passar por outro. O não venenoso, por exemplo, imi-ta o que tem veneno, para ser poupado pelos inimigos. A finalidade é a mesma: pro-teção.

É interessante pensar que os predadores também apri-moram sua percepção, pois, da mesma forma, precisam sobreviver. Nessa guerra, al-guns casos de camuflagem chegam aos limites da per-feição, como ocorre com o urutau, ou mãe-da-lua, ave que se assemelha a um ga-lho ou pedaço de tronco de forma extraordinária, já que, por ser noturna, preci-sa passar o dia dormindo de maneira imperceptível. Para isso, é capaz de ficar muitas horas imóvel, parecendo a extensão de um galho. Sua plumagem é igual à cor das folhas secas.

Algumas camuflagens chegam à perfeição, como a do urutau, também conhecido como mãe-da-lua, ave que toma o aspecto de um galho. Por ser uma ave de hábitos noturnos, passa o dia dormindo, imóvel e imperceptível, como se fosse uma extensão de um tronco. Fantástico, ainda, é o corte vertical nos olhos, que permite que perceba qualquer aproximação sem abri-los. O filhote, desde pequenino, imita a imobilidade materna.

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MimetismoEste interessantíssimo fe-nômeno foi descoberto por outro naturalista britânico, Henry Bates, no século 19 (1862), quando morou na Amazônia e estudava sobre-tudo diversas espécies de borboletas. Bates constatou que em duas famílias distin-tas desses insetos (Heliconii-dae e Pieridae), havia grande semelhança na cor e no de-senho das asas. Algumas aves predadoras passavam mal quando se alimentavam de espécimes da família He-liconiidae. Com o tempo, associaram o mal-estar que sentiam ao padrão cromá-tico da borboleta. Por sua semelhança, as borboletas da família Pieridae, não no-civas às aves predadoras, acabaram se beneficiando e também passaram a ser evi-tadas.

Esta borboleta imita com perfeição uma folha avermelhada. Outros exemplares (acima) imitam folhas verdes ou secas

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Ou seja: no mimetismo, um ser que não apresenta perigo al-gum se beneficia imitando ou-tro que, por não ser palatável é repudiado pelos predadores. Outro exemplo bem conheci-do é o das borboletas vice-rei (Limenitis archippus) e monar-ca (Dannaus plexippons). Esta última armazena toxinas em seus tecidos e é evitada pelos predadores. A vice-rei por ter uma coloração semelhante, é igualmente favorecida.

Muitos insetos e anfíbios que produzem substâncias quími-cas tóxicas exibem uma colo-ração, chamada de advertên-cia, que serve exatamente para avisar: “Sou perigoso, não se aproxime”. Esses seres não pretendem se confundir com o meio ambiente, como acontece no caso da camuflagem. Eles já chegam avisando que é melhor serem evitados. Muitas rãs, sa-pos e cobras de cores vistosas

Conhecida a incrível propriedade dos lagartos de mudarem de cor quando ameaçados ou por outras razões, a iguana pode se confundir com o ambiente nos vários tons de verde que adquiriu ao longo de seu processo adaptativo

Aranha-da-restinga

Senac ambiental n.9 18

alertam para o veneno que tra-zem acumulados em suas peles. No mimetismo, o bicho quer ser quem não é, quer se passar por outro.

Um aspecto importante que de-vemos ressaltar é que o ser que serve de modelo deve ser mais abundante na natureza do que aquele que imita. Isso porque o predador tem de ter mais expe-riências ruins do que boas para não se aventurar novamente no ataque.

Nesse fascinante mundo dos disfarces usados para confundir seus inimigos, os exemplos são inúmeros, sobretudo no mundo dos insetos, que são os mais frágeis na corrente evolutiva. Essas adaptações ao longo da evolução vão sendo aperfeiçoa-das tanto pelas vítimas, para se protegerem, quanto pelos pre-dadores, para surpreenderem as presas. É uma guerra cons-tante. O mais hábil ou mais for-te sairá vencedor.

Cobras coral-verdadeira e coral-falsa: só a primeira é venenosa. Mas apenas um bom conhecedor percebe as sutis diferenças. O olho da verdadeira é estreito, o da falsa é redondo; a falsa é maior e mais robusta, ao passo que a verdadeira é bem pequena e de veneno fatal; os anéis de ambas as mesmas cores, mas em disposição diferente, o que confunde até os especialistas

O bicho-pau aperfeiçoou bem a técnica de se confundir com

o ambiente para se livrar dos predadores. Suas pernas compridas se recolhem junto

ao corpo na presença do caçador, que o confunde com

um graveto

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Senac ambiental n.9 20

Para o biólogo Mario Moscatelli, que há décadas

denuncia as mazelas ambientais no Rio de Janeiro, o poder público não vai agir se a

população não se mobilizar

Fausto Rêgo

Fotos: Projeto Olho Verde/Mario Moscatelli

A natureza privilegiada da Cidade Maravilhosa padece com o abandono e os maus--tratos que insistem em de-gradar uma paisagem natu-ralmente bela. A promessa de revitalização da Baía de Gua-nabara embutida na realiza-ção dos Jogos Olímpicos de 2016 ficou no papel. O com-plexo lagunar da Zona Oeste, região que abrigou a maior parte das competições, ago-niza. Por isso fomos con-versar com o biólogo Mario Moscatelli, um especialista em gestão de ecossistemas costeiros que não se cansa de denunciar as mazelas que encontra a cada sobrevoo, a cada passeio de barco, a cada olhar.

O ciclo olímpico passou. O Rio de Janeiro continua. Lindo?

capa

“É enlouquecedora a resiliência da

sociedade em aceitar o inaceitável”Litoral do município de

São Gonçalo, na região metropolitana do Rio: degradação ambiental causada pelo crescimento urbano desordenado e pela falta de saneamento

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Senac Ambiental – Passa-dos os Jogos Olímpicos e as promessas de um legado am-biental para a cidade do Rio de Janeiro, o que ficou para a cidade e para os cariocas?

Mario Moscatelli – Esgoto, lixo e as dívidas. Não é bom? Mas parecem todos satisfei-tos, pois pouquíssima gente reclama.

Senac Ambiental – Gran-de parte dos investimen-tos da Rio 2016 foi voltada para a zona oeste, onde se concentraram as principais competições. No entanto todo o complexo lagunar da região está hoje agonizando e a Baía de Guanabara, ou-tro cartão postal da cidade, não fica trás. A recuperação desses espaços é possível? Em quanto tempo e com que esforço?

Mario Moscatelli – Tecni-camente possível, mas cul-turalmente ainda inviável. Enquanto a legislação am-biental continuar sendo letra morta; enquanto o poder pú-

blico continuar sendo o prin-cipal agente ativo no proces-so de degradação; enquanto autoridades eleitas continua-rem permitindo a degradação ativamente e passivamente sem serem incomodadas pelas demais estruturas de fiscalização; enquanto a so-ciedade, que paga caro por meio da extorsiva carga tri-butária para sustentar uma pesada, obesa e mórbida máquina pública incapaz e sem vontade de oferecer os serviços pelos quais é paga, e, finalmente, enquanto essa mesma sociedade pagar, não receber e continuar quietinha no seu cantinho sem tomar as rédeas de seu destino, exigindo qualidade dos servi-ços prestados pelo tal poder público – que de público só tem o nome –, nossos rios, lagoas, baías e praias con-tinuarão sendo degradados sem dó nem piedade.

A questão não é de nature-za nem técnica e tampouco econômica, pois sempre lem-

Assoreada por sedimentos e detritos, a Lagoa da Tijuca (acima) é hoje um canal raso repleto de lama e lixo.

Estações de tratamento (ao centro) funcionam abaixo da capacidade enquanto o esgoto toma conta da bacia hidrográfica

Senac ambiental n.9 22

bro aos esquecidos que ape-nas no [Estádio do] Maracanã foram torrados [enfatiza] um bilhão e seiscentos milhões de reais, dinheiro mais do que suficiente para recupe-rar todo o sistema lagunar e sua bacia hidrográfica. Isto é: a questão é eminente-mente cultural, ou seja, um lugar onde o poder público e tampouco a sociedade têm prioridades e, consequente-mente, o negócio continua na linha do “pão e circo”.

Senac Ambiental – Como chefe do Departamento de Controle Ambiental do mu-nicípio de Angra dos Reis, há cerca de 30 anos, você viveu a experiência de participar da gestão pública. Como foi es-tar “do outro lado” e conviver com a burocracia e as pres-sões inerentes a um cargo público?

Mario Moscatelli – Assumi o Departamento de Controle Ambiental em março de 1989. Em outubro do mesmo ano, após ter suspendido em ju-

nho uma série de licenças de construção em áreas de pre-servação permanente, che- gou a primeira das quatro ameaças de morte que recebi durante minha permanência naquele cargo, de 1989 a 1991.

Simplesmente cumpri a lei, pois para mim, até hoje, não tem essa de “outro lado” ou “desse lado”. Cumpri a lei, suspendi licenças fraudu-lentas, denunciei os demais órgãos ambientais estaduais e federais que legalizavam o ilegalizável e fui perito do Ministério Público Estadual arriscando minha vida num país onde trabalhar direito e cumprir as leis é um risco de vida.

Não havia burocracia e tam-pouco pressões, a não ser das ameaças de morte. Fora isso, eu e meus dois cole-gas trabalhávamos dentro do que estava estabelecido pelas leis, e ponto. Indepen-dentemente de [o fiscaliza-do] ser bilionário ou pobre,

Encontro do maltratado Arroio Fundo com as águas contaminadas

por cianobactérias da Lagoa do Camorim, na Barra da Tijuca:

crimes ambientais diários

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eu aplicava a lei na defesa dos ecossistemas do bioma Mata Atlântica, dando apoio ao batalhão florestal. Enfim, fazia meu trabalho.

Eu sempre soube qual era o lado pelo qual eu lutava e não media esforços para executar as missões que es-tavam à minha espera e tam-bém não tinha apego a car-go algum. Coisa de biólogo, filho de mãe napolitana, pai friulano e amante de “Star Wars”.

Graças àqueles dois anos de lutas em Angra dos Reis, evi-tamos a degradação de mais 4 milhões de metros quadra-dos de manguezais naquela região.

Senac Ambiental – Que fim levaram as investigações sobre essas ameaças de morte?

Mario Mosc ate l -li – Cessa-ram com-pletamente após meu afastamento do município de Angra dos Reis. Quanto às investigações, se deram em algu-ma coisa, nunca fiquei sa-bendo. Para os parâmetros verde-amarelos, saí no lucro, meio perturbado por alguns anos devido a toda aquela situação, mas vivo e pronto para continuar a luta pelo ambiente. Repito: saí ga-nhando, para os parâmetros verde-amarelos de quem cumpriu as leis ambientais.

Senac Ambiental – Em ou-tra paisagem marcante do Rio de Janeiro, a Lagoa Ro-drigo de Freitas, você liderou

Manguezais transformados em lixões no Canal do Fundão, perto do Aeroporto Internacional

Senac ambiental n.9 24

um trabalho de recuperação de manguezais que revi-talizou aquela área depois de anos de mortandade de peixes e descaso das auto-ridades. Acredita que, se a sociedade não tomar a inicia-tiva, as questões ambientais não serão priorizadas pelos governos? Qual a responsa-bilidade do cidadão comum nesse processo?

Mario Moscatelli – O caso da Lagoa é icônico. Quando comecei a replantar os man-guezais nos fins de semana,

resumo, d e p o i s de vários

anos de-nunciando

os lançamen-tos de esgoto

e entregando toda a diretoria da Cedae para a Polícia Federal em 2000, por meio dos diversos abraços dados na Lagoa, a sociedade conseguiu, articulada com o Ministério Público Estadual, que a empresa assinasse um Termo de Ajuste de Conduta obrigando-a a fazer o que ela não gostava de fazer, isto é, trabalhar direito. Depois de alguns anos, quando a es-tatal se viu obrigada a tro-car os troncos coletores de esgoto e recuperar todas as

quando retornava de Angra dos Reis, pensei que por lá não teria problemas. Estava enganado. Depois da expul-são de Angra, intensifiquei o trabalho na Lagoa e percebi que de todas as galerias de águas pluviais escoava esgo-to. A partir desse momento, iniciei uma briga que dura até hoje com a Cedae [Com-panhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro], máquina de fazer dinheiro fá-cil para o estado do Rio. Em

Foz dos rios Sarapuí e Iguaçu, no litoral do município de Duque de Caxias: milhares de metros cúbicos de lixo, sedimentos e esgoto

Ainda na Zona Oeste, a Lagoa de Marapendi recebe o esgoto que

jorra do Canal das Tachas

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elevatórias, simplesmente as constantes mortandades de peixes pararam e tornaram--se episódicas.

Portanto, quando a socie-dade se mobiliza, o poder público é obrigado a dar res-postas. Agora, se esperar que o tal poder público se mexa por livre e espontânea von-tade, o resultado é esse que vemos no sistema lagunar da Baixada de Jacarepaguá ou na Baía de Guanabara.

Senac Ambiental – Você é ativo em redes sociais, se manifesta, faz denúncias... Qual tem sido a repercussão? O poder público costuma en-trar em contato? Responde? Dá satisfação?

Mario Moscatelli – Às ve-zes sim, às vezes não. Isso depende muito da repercus-são que a denúncia tem, se o assunto toma conta dos meios de comunicação ou das mídias sociais. Mais uma vez, com seu interesse e sua mobilização, a sociedade é a protagonista.

Não há salvador da pátria ou mágica. Enquanto a socieda-de não se mobilizar como se mobiliza no Carnaval e por outras motivações, o assunto ambiente continuará sendo a última das preocupações dos administradores públicos.

Destaco que venho denun-ciando por meio de várias representações ao Ministério Público Estadual e Federal a situação terminal das lagoas e a degradação da Baía de Guanabara, tudo encaminha-do pela Ordem dos Advoga-dos do Brasil, mas a resposta, até agora, é nada! Enquanto isso, a degradação ambiental “come solta”.

Senac Ambiental – Em uma entrevista publicada no ano passado, você dizia o seguinte: “Eu pensava que lutava contra a especulação imobiliária, mas hoje percebo que luto contra uma cultura típica de colônia de explora-ção, a de ‘usar até acabar’”. Quais são as chances de mu-dar essa cultura e evitar de-sastres como o de Mariana (MG), cujos efeitos, dois anos depois, continuam muito for-tes?

Lagoa de Jacarepaguá, vizinha ao Parque Olímpico, que pode ser visto no canto superior esquerdo: Moscatelli a define como “maternidade de cianobactérias e receptora de todo o esgoto da bacia hidrográfica local”

Senac ambiental n.9 26

Mario Moscatelli é biólogo, mestre em Ecologia e especialista em gestão de ecossistemas costeiros. Sócio-diretor da Manglares Consultoria Ambiental, com atuação na recuperação de manguezais, bre-jos, lagoas e baías. Também está à frente (e, como ele mesmo diz, “dos lados, por baixo e por cima”) do Instituto Manguezal, que tem por objetivo não permitir que as áreas recuperadas voltem ao seu estado anterior de degradação.

Assista à palestra de Mario Moscatelli no TEDx Bar-ra da Tijuca, em 2017: https://youtu.be/3InsftoIuw0

Mario Moscatelli – Não só Mariana, mas também a Baía de Guanabara em 2000, tomada por óleo e onde nin-guém foi considerado cul-pado na Justiça Federal pela tragédia, ou as chuvas tor-renciais em 2011, na região serrana do Rio de Janeiro, onde a situação de cresci-mento urbano desordenado, fomentado pela apatia das prefeituras na ordenação do uso do solo, foi um fator im-portante na quantidade de mortes. Nada, nada mudou! Aliás, nada muda neste lugar.

Parece que nada que possa acontecer, por mais grave que seja, muda o comportamento irresponsável e fatalista da sociedade e do poder que a representa. É enlouquece-dora a resiliência da socie-dade brasileira em aceitar o inaceitável. O que na natu-reza é algo invejável tornou--se, na sociedade brasileira, uma patologia típica de so-ciedades que se originaram de colônias de exploração, onde o objetivo é explorar o máximo possível o recurso natural, conseguir o máximo no mínimo tempo possível e continuar degradando até o esgotamento do recurso.

Como nação do século 21, continuamos lidando com a natureza como uma colônia de exploração do século 17, acabando com a riqueza da biodiversidade em nome das monoculturas, tudo sempre visando maximizar os ga-nhos independentemente do que se esteja suprimindo.

No caso da água, a situação é mais inacreditável. De uma forma geral, transformamos nosso potencial de água doce, potável, em diluidor de

esgoto em pleno século 21. A segunda metrópole brasi-leira, o Rio, a região metro-politana do Rio de Janeiro, simplesmente exterminou to-dos os seus volumosos rios, transformando-os em valões de lixo e esgoto sem vida e lagoas e baías em latrinas e latas de lixo. Tudo fruto do crescimento urbano desor-denado – fábrica de votos – e da ausência do saneamento universalizado – fábrica de dinheiro fácil onde se vende de forma casada fornecimen-to de água e tratamento de esgoto, mas geralmente este último é negligenciado, crian-do um estelionato oficial no qual paga a conta é a saúde da sociedade e do meio am-biente.

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Marfim já não é negócio da China

Principal mercado consumidor de marfim do mundo, a China deu um passo decisivo para coibir o extermínio de elefantes ao determinar a proibição do comércio interno desse produto e de seus derivados. A medida vale a par-tir do último dia de 2017 e se aplica também ao comércio eletrônico.

O comércio de marfim – que chegou a render mais de mil dólares por quilo – é grande responsável pela ação indiscriminada de caçadores na África. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) – organização ambientalista com sede na Suíça –, cerca de 110 mil exemplares de elefantes foram abatidos nos últi-mos dez anos.

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Amianto proibido

No dia 29 de novembro, o Su-premo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 7 votos a 2, que o amianto do tipo crisotila, produto reconhecido pela Organização Mundial da Saú-de como cancerígeno, não poderá mais ser extraído, industrializado ou comercia-lizado no Brasil. O material, altamente tóxico, é bastante utilizado para fabricação de telhas e caixas d’água.

De acordo com a Organiza-ção Mundial da Saúde, cerca de 107 mil pessoas morrem anualmente por doenças as-sociadas ao uso do amianto (também conhecido como asbesto). O produto já foi ba-nido em mais de 70 países.

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Verde urbanoA Organização das Nações Unidas prevê que dois-terços da população mundial estarão vivendo em zonas urbanas em 2050. Como é praticamente impossível conter o processo de urbanização, algumas iniciativas estão buscando soluções para levar o verde para dentro das grandes cidades, gerando mais qualidade de vida.

No sudeste da Inglaterra, por exemplo, projeto liderado pela or-ganização não governamental Real Sociedade para Proteção de Aves prevê a construção de 2.450 novas casas utilizando tijolos ocos, em que espécies como pardais, andorinhas e até mesmo morcegos possam fazer ninhos. Também serão criados “corre-dores de vida selvagem” em meio às habitações, com flores sil-vestres para atrair abelhas, ouriços e alguns insetos.

A China, por sua vez, planeja uma cidade-floresta (fotos) na região de Guangxi, no sul do país, em que todos os prédios tenham cobertura vegetal. A previsão é de que esteja pronta em 2020.

E a Itália espera inaugurar em 2018, em Milão, a Biblioteca das Árvores, que vai reunir 450 exemplares de 19 espécies, além de 90 mil plantas, em uma área de 3.500 metros quadrados no coração da cidade.

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Clima esquentaEstudo publicado pela revista britânica Nature Climate Change confirma: ainda que seja cumprida a meta estabelecida no Acordo de Paris sobre o clima (limitar o aqueci-mento global a 2ºC), o planeta verá o aumento da seca em aproximada-mente 24% a 32% do seu território. Se, no entan-to, for possível reduzir o aquecimento global a 1,5ºC, esse percentual cairá para 8% a 10%. Na prática, isso representaria uma sensível redução do risco de desertificação em regiões mais vulneráveis – o sul da África e da Eu-ropa, a América Central, o Sudeste Asiático e o lito-ral da Austrália.

Para ler o estudo (em inglês), acesse www.bit.ly/estudonature.

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Corais sem cor

Recifes de corais são dura-mente afetados pelo aque-cimento global. E um estudo publicado pela revista Scien-ce mostra que a degrada-ção desse ecossistema vem ocorrendo de forma intensa em todo o mundo. A pes-quisa foi liderada por Terry Hughes, diretor do Centro de Excelência ARC para Es-

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4.0 Eletricidade no ar (e nas ruas)

Em 2017, pela primeira vez, a venda de automóveis elétricos e híbridos superou a de veículos a combustão na Noruega. Esses modelos registraram 52% do total das vendas, um aumento de 12% com relação ao ano anterior.

O país concede uma série de incentivos para estimular a aquisição de carros que não façam uso de combustíveis fósseis. São benefícios fiscais, estacionamentos gratuitos, recarga gratuita de bateria e isenção em pedágios, por exemplo.

tudos de Recifes de Coral, agência governamental aus-traliana.

O trabalho registra observa-ções de cem agrupamentos de corais espalhados pelo mundo, atestando que um fenômeno conhecido como branqueamento passou a ocorrer com frequência cada vez maior a partir de 1980. O branqueamento é provoca-do pelo aquecimento exces-sivo da água e pode matar as colônias de corais.

O estudo da Science está disponível (em inglês) em http://bit.ly/coraisscience.

A propósito desse tema, em 2016, documentamos o esforço de recuperação de corais afetados por esse fenômeno no litoral brasileiro.

V e j a e m w w w . d n . s e n a c . b r / w p - c o n t e n t /uploads/2017/03/sa _ 8 _web _ final22022017.pdf.

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Acervo disponívelO Instituto Socioambiental (ISA) – organização não gover-namental dedicada à defesa do meio ambiente, do patri-mônio cultural e das populações tradicionais – liberou para acesso público o seu rico acervo de documentos, imagens, mapas e publicações. O material está indexado por etnias, categorias de população tradicional, unidades de conser-vação, terras indígenas, biomas, bacias, temas, subtemas e palavras-chave. E envolve um universo que trata de saúde indígena, energia, biodiversidade, recursos hídricos, flores-tas, mudanças climáticas, etnografia e recursos minerais, entre outros assuntos. O ISA promete atualizar periodica-mente o acervo, que pode ser consultado em https://acer-vo.socioambiental.org.

IrrespirávelA exposição ao trânsito da capital paulista duran-te duas horas equivale a fumar um cigarro. Isso significa que, em um pra-zo de 30 anos, o pulmão dessa pessoa e o de um fumante leve, consumi-dor de até dez cigarros por dia, terão aparência muito semelhante. A re-velação é de um estudo da Universidade de São Paulo, realizado com base na análise de cor-pos levados ao Serviço de Verificação de Óbitos. O trabalho, liderado pelo patologista Paulo Saldiva, envolve, além da necrop-sia, entrevistas com as famílias para identificar o perfil de cada indivíduo.

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Max Wilian, 14 anos, Wila Ribeiro da Silva, 15, e Evanildo Conceição, 14, viram seus pais, amigos e irmãos mais velhos

brincarem na cachoeira que foi extinta. “Hoje nos divertimos no rio Iratapuru, pulando das árvores”, diz Max. “Quase todos os

dias, brincamos aqui. Às vezes somos mais de dez”

Senac ambiental n.9 32

Reserva mineral na Amazônia chegou a ser extinta por

decreto que acabou revogado, mas população ainda teme

retrocesso

Texto: Lígia Coelho

Fotos: João Roberto Ripper

(colaborou Egberto Nogueira/Imafoto

Galeria, com imagens e informações sobre os

indígenas)

A grita foi geral. Quando o Gover-no Federal anunciou, em agosto de 2017, a extinção da Reserva Nacional do Cobre e seus Associados (Renca), localizada em plena Amazônia, am-bientalistas, pesquisadores, políti-cos de oposição e artistas no Brasil e no exterior reagiram enfaticamente contra a polêmica decisão. Mas por que tamanha reação? A resposta pode estar no tamanho da área atin-gida, na grandeza de seus recursos naturais e na sua importância para a harmonização do meio ambiente, o equilíbrio ecológico do planeta e as comunidades tradicionais que habi-tam aquela região.

Com 46.450 quilômetros quadrados, mais de quatro milhões de hectares espalhados entre o sul e o sudeste do Amapá e o norte do Pará, a Ren-ca é um território do tamanho do estado do Espírito Santo e maior

tErritório

Controvérsia e polêmica

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do que a Dinamarca. Além de co-bre, conta ainda com potenciais reservas de ouro e outros minerais estratégicos, como ferro, manganês e tântalo – um mineral raro, usado na fabricação de sofisticadas tecno-logias, como instrumentos cirúrgicos de alta precisão.

Tantas riquezas despertam o inte-resse de mineradoras e grandes cor-porações do mundo inteiro. Mas a área abriga aldeias indígenas, comu-nidades quilombolas e outros povos tradicionais, além de nove unidades de proteção florestal.

Soberania A Renca foi criada em 1984, ainda no regime militar, com o objetivo de salvaguardar a região e evitar a sua exploração pelo capital estrangeiro, preservando a soberania nacional. Exatamente o contrário do que pro-pôs o Decreto nº 9.147 (publicado no Diário Oficial da União no dia 23 de agosto de 2017), que extinguiu a re-serva mineral sem qualquer consulta à sociedade, abrindo-a para explo-ração privada, inclusive ao capital estrangeiro.

A polêmica que imediatamente se seguiu à medida, com protestos até no exterior, fez com que o governo recuasse momentaneamente, publi-cando um novo decreto (o 9.147, de 28 de agosto de 2017), na tentativa de esclarecer as regras de explora-ção da área. O recuo, porém, não satisfez os ambientalistas e defen-sores da preservação da Amazônia, que continuaram protestando. O senador Randolfe Rodrigues (Rede--AP) apresentou um novo projeto propondo a revogação do decreto presidencial. O decreto 9.147 acabou suspenso, após ação judicial conjun-ta do parlamentar e do Ministério Público Federal.

Diante das pressões, o presidente Michel Temer acabou cedendo e, em fins de setembro, revogou o decreto

por ocasião de viagem a Nova York para a Assembleia Geral da Orga-nização das Nações Unidas (ONU). Além da repercussão negativa no exterior, foi decisiva para a revoga-ção a orientação do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE). O senador advertiu que, se o gover-no não recuasse, entraria em vota-ção o projeto proposto por Randolfe Rodrigues, sustando o decreto de extinção.

Apesar desse desfecho, ambientalis-tas e adversários da proposta do go-verno continuam alertas, pois enten-dem que o recuo foi estratégico e o governo apenas aguarda o momento propício e os meios adequados para retomar a proposta.

ObstáculosEntre as unidades de conservação existentes na reserva mineral, três são de proteção integral (Estação Ecológica do Jari, Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e Reserva Biológica de Maicuru), qua-tro são de uso sustentável (Reserva Extrativista Rio Cajari, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, Floresta Estadual do Amapá e Floresta Estadual do Paru) e duas são terras indígenas (Rio Paru d’Este e Waiãpi).

Por isso a abertura da Renca para a atividade minerária pode esbarrar em obstáculos legais. No caso das terras indígenas, a exploração de recursos depende de aprovação do Congresso Nacional, que, por lei, deverá ouvir as comunidades tradicionais do local afetado. Além disso, o Sistema Nacio-nal de Unidades de Conservação res-tringe qualquer atividade de minera-ção em unidades classificadas como de proteção integral e condiciona a realização de atividades desse tipo em unidades de uso sustentável a um plano de manejo.

Mas já em março de 2017 o governo manifestava interesse na liberação

Na página 35, patos em lagoa formada pela baixa das águas na parte alta do rio Iratapuru

Senac ambiental n.9 34

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da área. Na ocasião, o Ministério de Minas e Energia publicou a Portaria n° 128, considerando “a importân-cia de se criarem mecanismos para viabilizar a atração de novos inves-timentos para o setor mineral”, por entender que “a quebra da proteção viabilizará o acesso ao potencial mi-neral existente na região e estimu-lará o desenvolvimento econômico dos estados envolvidos”.

“Cicatrizes na paisagem”

O professor Luiz Jardim Wanderley, docente do Departamento de Ge-ografia da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), so-ma-se às vozes de protesto. Mestre e doutor em Geografia, com expe-riência em estudos de temas como mineração, garimpo, organização socioespacial da Amazônia, popula-ções tradicionais, conflitos e impac-tos territoriais-ambientais, Luiz Jar-dim diz que o recuo do governo tem como objetivo acalmar as pressões.

Ele adverte, contudo, que “as áreas para novas pesquisas e minas en-contram-se já sob controle de parti-culares e é interesse das mineradoras abrir novas fronteiras de pesquisa para fins de especulação e extração”. A Renca, afirma, seria uma dessas áreas. Para isso, alerta, será preciso eliminar as restrições legais de mine-ração em unidades de conservação e em terras indígenas, caso contrário ficará limitada sua revogação.

Luiz Jardim explica que, apesar de a Renca não ser uma reserva ambien-tal, ela limita a pesquisa e a minera-ção na região, pois, de acordo com o instrumento legal que a criou, so-mente a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) tem direi-to à exploração mineral da área.

Segundo o professor, a reação contrária da sociedade estaria re-lacionada ao fato de o governo não

identificar na região uma área para preservação da natureza e dos gru-pos tradicionais ali existentes. Além disso, prossegue, a proposta do governo “incentiva a grande mine-ração numa região quase intocada”, sabendo-se que esse tipo de empre-endimento, “historicamente, produz severas cicatrizes nas paisagens e transforma toda a realidade socioes-pacial onde se instala”.

Impactos sociais e culturais

Para o pesquisador, a mineração causa impactos ambientais, sociais e culturais, transformando completa-mente as realidades das populações das áreas afetadas. Como exemplo, aponta a exploração de minérios na região de Oriximiná (PA) pela Mine-ração Rio do Norte (MRN). “Apesar de se situar em área com forte pre-servação ambiental, no vale do rio Trombetas (afluente do Amazonas), a atividade mineradora devastou a Floresta Nacional Saracá-Taquera e provocou mudanças significativas no modo de vida das comunidades quilombolas locais”, conta. “Alguns, inclusive, se tornaram dependentes do trabalho e dos projetos da mine-radora, que não geraram autonomia das famílias e comunidades e as dei-xaram ainda mais afastadas dos mo-dos de vida tradicionais”, lamenta. “Quando a mineradora for embora, ficarão ali os tanques de rejeito, que não têm solução ambiental ainda, e toda uma infraestrutura montada que só faz sentido para a atividade da mineração”.

Tragédia anunciadaLuiz Jardim acrescenta que a dife-rença entre as duas áreas (Oriximi-ná e Renca) é que a possibilidade de ligação da Renca com a infraes-trutura do Amapá é ainda maior, o que a tora mais vulnerável a outras atividades. Segundo ele, a Renca é uma área superpreservada e com

Na página 37, o Iratapuru, que é um braço do rio Jari. Jari é uma variação da palavra indígena “airi” e significa “rio da castanha”. Afluente na margem esquerda do Amazonas, o Jari limita os estados do Pará e do Amapá

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populações tradicionais ainda com pouquíssimo contato com outras sociedades. “É uma tragédia anun-ciada”, alerta.

A atividade de mineração tende a atrair maior contingente populacio-nal à procura de trabalho, impac-tando as relações, a cultura, os há-bitos e costumes locais. E a possível abertura de vias de acesso produzirá efeitos sobre a grilagem de terra, ampliando o desmatamento. “Abrir a Renca à mineração é permitir uma transformação ambiental e social sem volta. Impactos como o do rom-pimento de barragem podem acon-tecer na Renca e em outras minas já existentes na Amazônia. Essa é uma preocupação necessária, uma vez que as mineradoras e as barragens são mal fiscalizadas, ou melhor, se autofiscalizam, possibilitando episó-dios como o da Samarco”, observa, referindo-se ao rompimento da bar-ragem do Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015, devastando po-voados, provocando mortes e des-truindo o ecossistema, com grande impacto na região do rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo.

Interesse nacionalAo propor a extinção da Renca, o go-verno afirmou defender “o interesse nacional no conhecimento geológico e nas riquezas minerais do subsolo brasileiro” e alegou que o impedi-mento da atividade mineral regular na região teria “estimulado a instala-ção de garimpos ilegais, com efeitos nocivos à preservação ambiental da Floresta Amazônica” (fonte: Portal Brasil, com informações do Ministé-rio das Minas e Energia).

A mesma fonte explica que “o decre-to de extinção da Renca não altera em nada as normas que tratam da proteção da Floresta Amazônica, tampouco afeta as reservas ambien-tais lá existentes” e que “a preser-vação da Amazônia, em respeito à legislação socioambiental brasileira,

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será fortalecida pelo combate às ati-vidades ilegais na região”.

Acrescenta ainda que os povos tra-dicionais que habitam a área, como as comunidades indígenas e quilom-bolas, não seriam atingidos, pois o decreto não modificaria a legislação que trata de seus direitos.

Alguns pesquisadores foram em so-corro do governo. Em entrevista à BBC Brasil, geólogos afirmaram que a reação ao decreto propondo a ex-tinção da Renca teria sido despropo-sitada, fruto de “histeria, infantilida-de e desinformação”, (www.bbc.com/portuguese/brasil-41144287). Segun-do eles, pior seria deixar como está, à mercê de garimpos clandestinos e outras ações predatórias.

Esses profissionais argumentam que a maior parte da Renca continuaria bloqueada para mineração em razão das nove áreas protegidas localiza-das no seu território, que engloba unidades de preservação ambiental e terras indígenas, representando mais de 70% da área.

Ponderam ainda que, embora suas formações geológicas sejam promis-soras, não se conhece seu potencial

real e seriam necessários muitos anos de pesquisa para apenas da-rem início aos empreendimentos mi-nerários no local.

“Não é o paraíso”Na verdade, alguns acreditam até que a instalação oficial de minera-doras na região contribuiria para mitigar a ação dos garimpos ilegais, que estariam ocupando a região sem qualquer fiscalização ou controle. A reportagem da BBC afirma ainda que, segundo estimativa do instituto Imazon, a partir dos voos que par-tem de Laranjal do Jari (AP), cerca de dois mil garimpeiros estariam atuan-do na Renca atualmente.

“A Renca não é o paraíso intocável de Adão e Eva. É uma região onde está havendo garimpagem violen-ta sem respeito à lei, aos padrões de exploração mineral avançados e sem recolher impostos", disse à BBC o geólogo Onildo Marini, professor aposentado da Universidade de Bra-sília (UnB) e hoje diretor-executivo da Agência para o Desenvolvimen-to Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira (Adimb).

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru fica na fronteira entre o Amapá e o Pará e abriga a vila de São Francisco do Rio Iratapuru, onde vivem extrativistas que se dedicam à colheita de castanhas. O único meio de acesso à comunidade, que abriga 68 famílias e cerca de 300 pessoas, são barcos motorizados conhecidos como “voadeiras”, que percorrem o rio Jarifo

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Professor do departamento de Geo-logia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o geólogo Claudio Gerheim Porto reforça a opinião do colega, afirmando que a proposta de extinção da Renca “virou uma histe-ria por uma grande desinformação”.

“Qualquer área do Brasil em que a mineração acontece tem um impac-to, não se pode negar isso. Mas o impacto é pontual, muito menor que a agricultura", afirmou.

Em favor do governo, esses profis-sionais argumentam ainda que a presença de mineradoras na Amazô-nia coíbe o avanço de outras ativida-des de maior impacto, como agrope-cuária e extração de madeira.

Contudo esses argumentos não con-vencem os adversários da proposta. Na mesma publicação, a coordena-dora de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ra-mos, aponta riscos ambientais com o fim da reserva, destacando que a sua extinção vem acompanhada de outras propostas do governo, como flexibilização do licenciamento am-biental, regulamentação da minera-ção em terra indígena e redução de unidades de preservação como a Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará.

O professor Luiz Jardim também re-bate as alegações dos dois geólogos. Segundo ele, a mineração é uma ati-vidade que nunca teve grande força na região da Renca, se comparada com outras áreas do Amapá ou do Pará. “Não que não tenha de ser controlada ou proibida onde se faz de maneira ilegal, mas na Renca a atividade é pontual e pouco signifi-cativa”, alega.

Ele também contradiz as afirmações de que a chegada de uma minera-dora representaria o fim do garim-po. “Regiões como o Amapá e o Tapajós, ou mesmo Serra Pelada, mostram que os garimpos podem funcionar às margens das minerado-

ras. Inclusive esses buscam minérios distintos quanto à posição geológica de deposição. Os garimpeiros pro-curam, em grande parte, o ouro de aluvião (encontrado às margens dos rios ou em seus leitos) e as minera-doras, as grandes reservas em rocha matriz”, explica.

Luiz Jardim também comenta a edi-ção de medida provisória pelo Go-verno Federal, em fins de novembro de 2017, que criou a Agência Nacio-nal de Mineração (ANM), em substi-tuição ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), propon-do novas regras para a atividade. Na sua avaliação “o modelo de agência é uma forma de tirar a responsabili-dade do Estado”.

“As agências são unidades adminis-trativas autônomas e não respondem aos ministérios; possuem eleições próprias e são fortemente controla-das e capturadas pelos interesses das grandes empresas”, diz ele. Desta for-ma, acredita que será a ANM, e não o governo, quem coordenará e fiscali-zará a mineração no país.

“Sai a soberania nacional e entra a gestão de mercado para os lucros empresariais. À primeira vista, isso não tem repercussão na Renca, mas a gestão privada da política mineral, sem dúvida, conduzirá para a aber-tura de novas áreas”, critica.

Comunidade quer ser ouvida

“Fazemos parte dos povos da flo-resta e ensinamos isso aos alunos. Não somos alienados. Nós, mora-dores da região, queremos dizer que se tem de ouvir as populações locais antes da implementação de qualquer projeto que cause enormes consequências para a natureza e a população local”, protesta a profes-sora de História Bethania Bahia, da Escola Estadual Helena Cordeiro, em Pedra Branca do Amapari, município de pouco mais de dez mil habitantes

A Associação dos Extrativistas de Castanha do rio Iratapuru tem 68 cooperados, dos quais

33 são produtores de castanha que produzem e beneficiam até

12 toneladas por ano

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localizado no centro-oeste do Ama-pá, no coração da disputa.

Juntos, Pedra Branca e cidades como Laranjal do Jari, Mazagão e Porto Grande englobam cerca de 2,3 mi-lhões de hectares do total de 4 mi-lhões de hectares que constituem a Renca.

Esses municípios integram também a Reserva de Desenvolvimento Sus-tentável (RDS) do rio Iratapuru, uni-dade de conservação estadual cria-da em 1997 entre o oeste do Amapá e o norte do Pará, tendo como órgão gestor a Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Um dos objetivos da criação da reserva foi o de fortalecer a organização dos modos de produ-ção da Comaru, a Cooperativa Mista dos Produtores e Extrativistas do Rio Iratapuru, fundada em 1995.

Organização A extração da castanha-do-brasil, ou castanha-do-pará, é a principal fonte de renda das famílias que es-tão instaladas há mais de 50 anos no local, onde foi fundada a Vila de São Francisco do Rio Iratapuru. A maio-ria dos moradores, hoje, está asso-ciada à Comaru, mas nem sempre foi assim. Antes de se organizarem, sofriam com os atravessadores, que impunham os próprios preços.

Com o apoio da cooperativa, os cas-tanheiros das 68 famílias e cerca de

300 moradores que habitam a vila coletam o fruto, que é beneficiado na associação, para produção do óleo de castanha. O óleo é acondi-cionado em bombas de 50 litros e transportado para Laranjal do Jari, de onde vai de barco até Belém. Da capital do Pará, o produto segue de caminhão até São Paulo, tendo como destino final a indústria de cosméticos Natura.

De acordo com o site Amazônia – Notícia e Informação (www.ama-zonia.org.br), a Comaru conseguiu certificar 32 mil hectares, divididos em sete áreas, para extração de castanha-do-brasil, óleo de copaí-ba e breu branco, com recursos do Governo do Estado do Amapá, de organizações não governamentais e da empresa de cosméticos. Com a organização em cooperativa, os castanheiros asseguraram também alguns benefícios, como bolsas de estudos para os filhos.

Limites Com 806.184 hectares, a RDS do rio Iratapuru tem como limites a terra indígena Waiãpi, ao norte; o rio Jari, a oeste, e parte da Estação Ecológica do Jari, ao sul. E interliga estrategi-camente o Parque Nacional Monta-nhas do Tumucumaque à Reserva Extrativista do Rio Cajari.

Segundo a organização não gover-namental Conservação Internacio-nal (www.conservation.org.br), cria-da em 1990, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação permite que famílias vivam no entorno des-sas unidades, explorando de forma sustentável os recursos naturais. Na RDS do Iratapuru, além da castanha--do-brasil, os moradores exploram também outras espécies de valor co-mercial, como a andiroba, a copaíba e o camu-camu.

Além do trabalho nos castanhais e na cooperativa, alguns moradores mantêm ainda sua produção de la-

Aldemir Pereira da Cunha, presidente da Comaru

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voura de subsistência, cultivando mandioca, milho, hortaliças e ár-vores frutíferas como açaí, manga, cupuaçu e banana. A pesca e a caça complementam os meios de sobre-vivência.

12 toneladas por anoPresidente da Comaru, já em seu segundo mandato, Aldemir Pereira da Cunha conta que a entidade pro-duz e beneficia até 12 toneladas de castanha por ano. A partir do fim de março ao início de abril, os produto-res se embrenham na floresta, onde passam cerca de três a quatro meses recolhendo a castanha, que depois é levada para a cooperativa. O benefi-ciamento é feito no período de julho a dezembro, na cooperativa, onde trabalham 34 pessoas.

Os castanhais localizam-se em áreas distantes da moradia dos associa-dos, que precisam navegar quilô-metros para transportar os frutos. O transporte é feito por meio de batelões – grandes barcos que trafe-

gam pelo Jari, nome tupi-guarani que significa “rio de castanhas” ou “rio de frutos”. O Jari integra a bacia do rio Amazonas e limita os estados do Pará e do Amapá. O Iratapuru é um braço do Jari.

Segundo Aldemir, desde 2004, cerca de cinco toneladas de óleo são ven-didas à Natura, por mês, nos meses de pico, ao preço atual de 137 reais o quilo. A empresa paga também 0,5% de royalties sobre a venda dos produtos que alcancem breu branco na sua composição. O breu branco é uma resina de odor fresco e agra-dável, retirada do tronco das árvores e usada na fabricação de perfumes, cremes, sabonetes e outros cosmé-ticos. Os recursos provenientes dos royalties pagos pelo breu branco abastecem um fundo que mantém projetos sociais, como bolsas de estudos, para que os jovens da co-munidade possam estudar em uni-versidades.

“A castanha é nosso meio de so-brevivência, completado pela agri-

Carregamento de açaí no porto de

Macapá (AP)

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cultura, pesca e caça. Por isso a mineração aqui seria terrível e teria impacto negativo em tudo. Ela só pode trazer destruição, poluição dos rios, desmatamento e doenças”, diz o presidente da associação dos ex-trativistas.

Aldemir diz ainda que a população teme que a ameaça da mineração atraia para o local garimpos clandes-tinos que desmatariam a floresta. “Não houve nenhuma consulta ao nosso povo. Quem vive dentro da floresta não foi consultado”.

Hidrelétrica É com tristeza e revolta que ele se refere também à instalação da usina hidrelétrica de Santo Antônio do Jari, licenciada em 2010 e cujo projeto de execução teve início em 2011, come-çando a operar em 2014, no municí-pio de Laranjal do Jari. O empreen-dimento, afirma, causou um impacto negativo para os povos da floresta, registrando-se até mesmo a ocor-rência de rompimento de barragem, em março de 2014, com o desapare-cimento de operários.

“A comunidade teve de ser realoca-da, tivemos um grande impacto am-biental. Acabou a Cachoeira de San-

to Antônio, que era linda, uma área de lazer da comunidade. Também teve impacto nos peixes, nos rios e nos animais, de um modo geral”, la-menta. Segundo ele, a comunidade passou a sofrer com falhas frequen-tes na rede de distribuição de ener-gia elétrica. Além disso, reclama, a empresa prometeu – e ainda não ha-via cumprido – construir um sistema de saneamento básico.

Respeito à natureza A exemplo de Aldemir, Edna Luís Santos Viana, de 29 anos, natural de Monte Dourado, distrito do municí-pio de Almeirim (PA), faz parte do conjunto de famílias que sobrevivem com a extração da castanha de for-ma sustentável. Também para ela, o anúncio da extinção da Renca foi um susto. “Ficamos horrorizados. Gra-ças a uma grande mobilização, con-seguimos que o governo recuasse, mas temos sempre de estar atentos. Nós, castanheiros, cuidamos muito da floresta por meio do extrativismo. A comunidade toda é contra a mine-ração”, afirma.

Edna reforça que a implantação da hidrelétrica teve influência negativa na fauna e na flora locais. “Antes,

Edna Viana sobrevive da extração de castanhas e pretende passar para a filha Elisa, de 2 anos e 11 meses, o mesmo apreço pela sustentabilidade que herdou dos avós e bisavós

Ao centro, mulheres trabalham na cooperativa do setor de depuração de qualidade e afinamento, separando as castanhas

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aqui na reserva, havia muitos peixes, muitos frutos – açaí, cupuaçu, man-ga, banana, caju. Hoje é tudo muito pouco. Às vezes ainda falta luz, e aí tudo vira um caos. Antes da hidre-létrica, nunca faltava. Nós moráva-mos na beira do rio Iratapuru, braço do rio Jari. Agora nossas casas têm caixa d’água pequena e quase não têm quintal. Todos os frutos dimi-nuíram, até a castanha”, lamenta. “Já sofremos muito com a construção da represa, e agora vem o medo da mineração”, diz ela, que teme não só pela atividade extrativista, da qual sobrevive, mas também pelo próprio meio ambiente, pelos castanhais e pela área indígena.

Com a filha Elisa, de dois anos e meio, no colo, Edna Viana não es-conde seu amor pela terra e pela natureza. De família de castanheiros extrativistas, conta que pretende passar para a filha o mesmo apreço pelo modo de vida sustentável e de respeito à natureza que herdou dos avós e bisavós.

ProtestosBenedita Mendes de Souza tem 62 anos e oito filhos vivos dos 12 que gerou. Desde os 18 anos vivendo em

Laranjal do Jari, dona Bena, como é conhecida, é um exemplo de que os saberes tradicionais dos povos da floresta continuam vivos e transmi-tidos de geração a geração. Além de ter trabalhado sempre como casta-nheira, dona Bena também serve à comunidade fazendo massagens e exercícios para aliviar as dores de corpo dos castanheiros e suas famí-lias. “Ajudo muita gente que sofre de dor nas costas, pé, barriga... Como fiz com o senhor. Puxei as costas, estiquei e fiz massagem. Não melho-rou?”, indagou ao fotógrafo.

Como seus vizinhos e companheiros de trabalho, dona Bena também é contra o projeto do governo. “Essa tal de mineração, se pudesse, eu proibia, pois traz muitos problemas: poluição, contaminação, traz briga, traz bebida e destrói a natureza”, protesta, ao lado de seu inseparável casal de papagaios, Loro e Maroca.

Marcos Furtado Freitas tem 33 anos, é sócio cooperativado há 11, traba-lhando como diretor de produção, serviço pelo qual recebe mil reais mensais. “Quem tem castanhal rece-be pela produção; quem trabalha na fábrica, pelo seu trabalho aqui”, ex-plica. Sua mãe, Raimunda Marques,

Benedita Mendes de Souza e seus papagaios, Louro e

Maroca. Ela tem 62 anos e oito filhos vivos

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é proprietária de dois castanhais – o Beija Flor e o Fé em Deus. “Todos te-mos medo dessa conversa de mine-ração, temos medo dessa fala mole de dar emprego e depois são só bu-racos na terra como foi em Pedra do Navio, aqui mesmo no Amapá. Fica só miséria. Já erramos uma vez acei-tando a hidrelétrica, não vamos errar de novo”, garante Marcos.

Em função do trabalho extrativista, surgem outras atividades susten-táveis que ocupam mulheres e ho-mens da comunidade. Uma dessas atividades é a confecção de panei-ros, cestos de vime usados para carregar a castanha. Na negociação com os castanheiros, as mulheres trocam um paneiro por cinco latas de castanha. “Isso também é nossa arte, nosso prazer”, diz Luiza Dutra Marques, 57 anos, que também tra-balha em uma pequena roça de sub-sistência.

Luiza é outra que não esconde o temor. “Somos extrativistas, apro-veitamos tudo, a gente preserva as coisas da floresta, a mata, os bichos e os rios. Se a mineradora vier, acaba tudo”, prevê.

Na comunidade, há ainda pescado-res como Manoel Ribamar do Nasci-mento, 58 anos. “Pesco tucunaré de caniço. Quando a maré é boa, vêm até 30 peixes. Na maré ruim pego só uns quatro. O bom é que peixe dá em toda época. Além da pesca, a gente tira castanha com os parceiros e vende para a cooperativa”.

Ele diz que nunca tinha escutado falar na Renca “até vir essa ideia da mineração”, mas teme os riscos da mineração. “Risco de poluição, des-matamento, envenenamento... Aqui a gente quer é paz”, afirma.

Natural de Palmerândia, no Mara-nhão, Valdir dos Santos Lopes, 57 anos, mora há 37 na reserva do rio Iratapuru e também nunca tinha ouvido falar em Renca, mas diz que “mineração faz mal, principalmente

nesse ramo em que nós vivemos, o extrativismo”.

Maria Ferreira Nogueira – 28 anos, quatro filhos, grávida do quinto – e o marido, Jonas Lima do Nascimen-to, concordam que a ameaça, agora, tem potencial para ser pior do que foi a barragem da hidrelétrica. “Te-mos medo porque eles oferecem empregos e dizem que não vamos ser prejudicados, mas isso é tudo mentira”.

Indígenas repudiam Assim como os moradores da Vila de São Francisco e a população de La-ranjal do Jari, Pedra Branca e outros municípios do entorno, as comuni-dades indígenas da região também são contra a extinção da Renca e a abertura do território para a mine-ração. É o que atesta o videodocu-mentário “Como pensam os índios”, do fotógrafo Egberto Nogueira. Nele, o cacique Jurara, da aldeia dos Waiã-pi, afirma: “Se vier mineração, não

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vai ter onde nossos netos crescerem, por isso é que temos de defender nossa terra, nossos direitos, nossa gente”.

O cacique teme que, entre outros males, a liberação do território para a atividade mineradora contribua para contaminar a população da al-deia com novas doenças, como no tempo da colonização, quando mi-lhares foram mortos, vítimas de en-fermidades como sarampo e gripe, introduzidas pelos invasores.

Outro indígena, Jawaruwa Waiãpi, também rejeita a proposta enfati-camente. “Se vier mineração, diz, vai ser pior do que em Serra Pelada. Nosso povo já vem sofrendo muito, não queremos mais isso. Vamos nos manifestar ainda mais para todos conhecerem o nosso repúdio”, pro-testa.

Ele considera que a medida seria “um desrespeito e uma violação aos direitos” da comunidade. “Ele [o pre-sidente da República] não conversou primeiro com os indígenas. Nós so-mos também líderes, então por que o líder do Brasil não vem conversar conosco, não vem conversar com a sociedade? É muito triste”.

Jawaruwa acredita que, para melho-rar a economia, o governo deveria adotar alternativas sustentáveis, em vez de “vender a Amazônia”. “Esse governo não está respeitando os povos indígenas e nem a Amazônia, e isso vai trazer mais conflito, des-respeito, destruição, desmatamento, violência e acabar com os direitos indígenas. Por isso é que nós, povo Waiãpi, somos contra a mineração nas terras indígenas”.

Crianças brincando na parte alta do rio Iratapuru, em uma região onde, além da castanha, os moradores

produzem farinha de mandioca

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Maior felino das Américas e ameaçada de extinção, onça-pintada é objeto de um plano

nacional de conservação

Francisco Luiz NoelAs aparições frequentes de uma onça-pintada assombravam proprie-tários rurais e moradores de um con-domínio no Morro do Mendanha, em Goiânia (GO) desde o início de 2017. Em 28 de dezembro, após dez me-ses de buscas, o felino foi resgatado por biólogos da organização não go-vernamental Instituto Onça-Pintada, dedicada à proteção da espécie, e por agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Jovem, macho, 83 quilos, o animal vive ago-ra no Vale do Araguaia, noroeste do estado, a 400 quilômetros, monito-rado em sua volta à floresta por um radiocolar com GPS.

Capturas como a realizada em Goi-ás, na qual os biólogos usaram cães farejadores e projéteis com sedati-vos, têm mostrado a vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, a resistência do maior felino das Américas em face da redução histórica de seu habitat natural no país. Seja pelo avanço da fronteira agropecuária e da urbani-zação, seja pela capacidade de so-brevivência da espécie, os contatos entre pintadas e grupos humanos vêm sendo recorrentes – e nem sem-pre com o mesmo desfecho feliz al-cançado na capital goiana. Em vários casos, o felino é morto em nome do medo e da defesa do gado.

A onça resgatada e devolvida à flo-resta do Araguaia procedia da região

prESErvação

Pintou um plano

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ou do Vale do Tocantins, no norte do estado, afirma o superintendente es-tadual do Ibama, Renato de Paiva e Wanderley. Ele explica que o territo-rialismo é uma das características da pintada, que ocupa o topo da cadeia alimentar e vive em grandes áreas de mata. Macho ou fêmea, o felino não aceita em seu território a presença de outro adulto da espécie. Os en-contros pacíficos só ocorrem para a reprodução. Nascidos os filhotes, a mãe os expulsa para longe depois do desmame, obrigando as oncinhas a demarcar seus próprios territórios.

“Este macho deve ter vindo apa-nhando de outras onças e andou mais de 400 quilômetros até chegar a Goiânia”, diz Renato. O Mendanha, com sete quilômetros quadrados, é remanescente da parte do Cerrado com árvores altas – o Cerradão. Mo-nitorado com armadilhas fotográfi-cas e relatos de avistamento, o felino predou quatro bezerros, um potro e um cachorro e visitou duas vezes um condomínio de luxo. “A captura foi uma vitória da educação ambiental.

Mostramos à população que não de-via matar e que medidas mitigadoras protegeriam os animais domésti-cos”, comemora o superintendente do Ibama.

Contra o senso comum, que associa casos como esse apenas ao desflo-restamento, o biólogo Leandro Sil-veira, presidente do Instituto Onça Pintada e responsável pelo resgate, vai além. “É um ponto positivo de uma situação negativa”, avalia. “Po-sitivo porque em algum lugar há onça reproduzindo; negativo porque o novo animal não se estabelece na floresta, por não conseguir uma área”. Ele credita essa resistência reprodutiva da espécie à redução da perseguição humana nas últimas duas décadas, por conta de fatores como o aumento da vigilância e da consciência ambiental.

Um dos projetos do Instituto Onça--Pintada, instalado no município de Mineiros, 500 quilômetros a oeste de Goiânia, é dedicado à conserva-ção da espécie na região do vizinho

Soltura de onça-pintada do Mendanha. O animal leva um rádio-colar com GPS para monitoramento

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Parque Nacional das Emas, onde vive a última população isolada de pintadas de Cerrado aberto – porção do bioma com baixa vegetação. A ONG também desenvolve pesquisa e cria onças sem condições de vol-tar à natureza, recolhidas pequenas depois que as mães são mortas, ge-ralmente em áreas de pecuária. Em janeiro, 14 pintadas e duas pardas viviam no criadouro do instituto.

Ameaças à espécieA onça-pintada (Panthera onca), cha-mada de jaguar em outros países, vive em todos os biomas brasileiros, à exceção do Pampa. Na classifica-ção de risco do Ibama e do Institu-to Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), está “criticamente ameaçada” na Mata Atlântica e na Caatinga, “ameaçada” no Cerrado e “vulnerável” no Panta-nal e na Amazônia. Por isso o felino conta, desde 2009, com o Plano de Ação Nacional para Conservação da Onça-Pintada, coordenado pelo ICMBio por meio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Ma-míferos Carnívoros (Cenap), instala-do em Atibaia (SP).

Presente nas florestas de diversos países americanos – do sul dos Esta-dos Unidos ao norte da Argentina –, o maior felino do continente mede, na idade adulta, de 1,7 a 2,4 metros, incluída a cauda, que corresponde a um quarto do corpo, e pesa até 130 quilos, no caso dos machos. Maior nas matas fechadas da Amazônia e menor nos ambientes abertos do Cerrado, Caatinga e Pantanal, a onça-pintada demarca seu território individual com urina, fezes e outros sinais, emite sons intensos e graves – esturros – e tem quase sempre dois filhotes por gestação, que dura em média cem dias.

O Brasil – onde os ambientalistas calculam que vivam entre 15 mil e 30 mil pintadas – conserva os ambien-tes mais favoráveis à espécie, tendo

no PAN um programa de proteção desses habitats e combate à caça e à captura. Na Mata Atlântica, que dispõe de pouco mais de 10% da floresta original, o ICMBio estima em torno de 300 os animais da espécie. A redução a esse número é debitada pelo coordenador do Cenap, biólogo Ronaldo Morato, tanto ao desma-tamento histórico, já que o bioma concentra as zonas mais urbaniza-das e populosas do país, quanto à ação ilegal de caçadores, que visam a outros animais, mas não poupam a onça quando a encontram.

Exemplo desses crimes, em 2017, foi a morte de uma pintada no muni-cípio paulista de Juquiá, no Vale do Ribeira, no sul do estado. Abatida a tiros de espingarda em uma fazenda por três caçadores – um deles com menos de 18 anos –, a onça teve o cadáver exibido como troféu na in-ternet. Presos pela Polícia Civil, os matadores alegaram “legítima defe-sa” e, enquadrados na Lei de Crimes Ambientais, foram soltos mediante fiança. Outra pintada, monitorada por GPS em pesquisa sobre o com-portamento da espécie, foi morta por caçadores do Vale do Ribeira no ano passado, lamenta Morato.

No fim de 2016, no Pará, três caçado-res que mataram uma onça-pintada e festejaram o crime na internet foram presos em ação do Ibama, ICMBio e Polícia Federal no município de Trairão, no oeste do estado. Com os homens, que estavam com cães de caça, foram apreendidas espingardas, munições e carcaças de um veado e de uma ave que haviam abatido. Três meses antes, em Curionópolis, na região leste, a polícia paraense havia encontrado cinco cabeças de onças--pintadas e uma de parda no freezer de um estabelecimento comercial.

Mais rumoroso foi o crime ambien-tal cometido por integrantes do 1º Batalhão de Infantaria da Selva em 20 de junho de 2016, quando a to-cha dos Jogos Olímpicos passou por

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Câmeras detectam a presença da onça à noite

Pegada da onça-pintada

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Manaus. Exibido na cerimônia como mascote da unidade, o macho de pintada Juma, de 18 anos, escapou da coleira ao ser transportado para a jaula e foi morto a tiros após a ce-rimônia. Investigação do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) concluiu que o animal era mantido em cativeiro à margem da legislação ambiental e multou o ba-talhão, o Comando Militar da Ama-zônia e o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS).

No caso da Mata Atlântica, salienta Ronaldo Morato, a redução histórica da floresta obriga a onça-pintada a se movimentar mais do que nos outros biomas. A constatação foi feita em estudo no qual mais de 30 pesquisa-dores acompanharam o ir e vir de 44 felinos, capturados previamente para a colocação de rádio-colares com GPS. “Observamos que os animais de locais menos preservados se deslo-cam mais e têm área de vida maior”, diz o coordenador do Cenap. Ele atri-bui o fenômeno à busca de alimento ou parceria para acasalamento e às rotas protegidas pela mata, mais lon-gas do que as de descampados.

Na Caatinga, observa Morato, ao desmatamento e à perseguição hu-

mana soma-se um agravante a difi-cultar a vida da onça-pintada: o am-biente inóspito, que faz a população do felino ser menos numerosa, por natureza, do que na Mata Atlântica e nos outros três biomas. Em com-pensação, no oeste do Paraná, o Parque Nacional do Iguaçu tem no-tícia boa sobre a espécie depois da adoção de medidas prescritas pelo PAN Onça-Pintada: de 2009 a 2013, a população de animais detectados mais que dobrou na região da unida-de de conservação, tendo passado de nove indivíduos para 22.

O repovoamento de onças-pintadas no Iguaçu resultou de medidas como a intensificação das ações fiscaliza-doras, com a consequente redução da atividade ilegal de caçadores na região. A proteção do felino e de ou-tras espécies do parque, conhecido mundialmente graças às cataratas e visitado por mais de 1,6 milhão de pessoas por ano, inclui iniciativas como o projeto Carnívoros do Brasil e parcerias com organizações civis e públicas dedicadas ao meio ambien-te e ao ecoturismo. A floresta habi-tada pela pintada não se restringe ao território brasileiro, avançando também sobre o argentino.Biólogo Leandro Silveira e

asssistente ajustam rádio-colar em onça sedadafo

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Atração ecoturísticaOutro avanço estimulado pelo PAN Onça-Pintada, aponta o biólogo Ro-naldo Morato, é a mudança no rela-cionamento de grupos sociais com o felino em áreas de pecuária. Essa virada econômico-cultural em favor da espécie é flagrante no Pantanal, onde, vista antes como inimiga por fazendeiros e peões, a pintada pas-sou a ter valor ecoturístico graças ao fluxo crescente de visitantes dispos-tos a pagar para observá-la na natu-reza, em regiões como a do Parque Estadual Encontro das Águas, nos municípios mato-grossenses de Po-coné e Barão de Melgaço.

Várias pousadas locais oferecem pa-cotes turísticos com safáris de ob-servação da onça. A 250 quilômetros de Cuiabá pela rodovia Transpan-taneira, a área é ocupada tradicio-nalmente por fazendas de pecuária extensiva, onde o lema “onça boa é onça morta” era inquestionável uma década atrás, devido à predação de reses. Nesses programas ecoturísti-cos, grupos de brasileiros e estran-geiros são conduzidos por guias em lanchas que singram o rio Cuiabá em busca do avistamento do felino nas

barrancas à beira da floresta cerra-da. Os turistas do exterior são maio-ria; as diárias, acima de R$ 1 mil.

A temporada de observação da onça--pintada vai de junho a dezembro, com auge de julho a outubro, meses de pico da seca. Passado o período de alagamento do Pantanal, a estia-gem concentra ao redor dos rios di-versas espécies animais, entre elas a pintada, que os biólogos definem como predadora do topo da cadeia alimentar. Pela abundância de presas – jacarés, capivaras, porcos-do-mato –, o felino pode ser visto e fotogra-fado sem dificuldade nesse habitat florestado à beira d’água, às vezes a menos de 20 metros dos barcos.

Ecoturismo e pecuária postos lado a lado, a proteção da pintada no Pan-tanal tem a seu favor a constatação de que viva a onça vale muito mais do que o gado que come. A con-clusão é comprovada pelo biólogo Fernando Rodrigo Tortato, da ONG Panthera, em artigo na publicação científica Global Ecology and Con-servation, edição de julho. Douto-rando em Ecologia e Conservação da Biodiversidade na Universidade Federal do Mato Grosso, ele assina o trabalho com o pesquisador Carlos

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Ao centro, pegadas de onça-pintada livre na região do

rio Crixás-Açu, no noroeste goiano. À direita, animal sendo

devolvido à natureza

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Peres, da universidade britânica de East Anglia.

Com dados colhidos em 2015 na localidade de Porto Jofre, região do parque Encontro das Águas, Tortato calculou que o tu-rismo da onça-pin-tada rendeu US$ 6,8 milhões no ano, contra US$ 121,5 mil de danos com a preda-ção de reses. O estudo computou os valores das diárias em sete pousadas com safáris fotográficos, que duram em média três dias, o número de visitan-tes e a taxa mínima de ocupação. No lado da pecuária, quantificou em 16 mil os bovinos das fazendas, a US$ 300 por cabeça, e a perda de 2,5% do rebanho para as onças.

Em defesa do felino, a maioria dos turistas entrevistados no estudo disse que aceitaria contribuir para a indenização de pecuaristas pelas baixas no rebanho. “O desafio agora é viabilizar essa compensação”, diz o biólogo, para sugerir que donos de pousada e fazendeiros se associem a fim de gerir o sistema, que também pagaria prestando serviços. O qua-dro traçado pela pesquisa, diz Torta-to, se aplica também a outros luga-res do Pantanal onde a onça-pintada é atração turística e vilã antiga da pecuária, como Cáceres (MT), Aqui-dauana, Corumbá e Miranda (MS).

Mais do que o dano financeiro, as-sinala Fernando Rodrigo Tortato, tem pesado contra a onça-pintada o estigma cultural de predador sel-vagem e feroz. “As outras razões de mortalidade do rebanho, somadas, ultrapassam o prejuízo que a onça causa”, diz, referindo-se à morte de gado por atolamento, picadas de co-bras e outros acidentes tidos como normais. “Mas quando o pecuarista deixa um rebanho de bezerros na

beira do rio e perde algum para a onça, isso para ele é inaceitável. Ele não entende que deixou o rebanho vulnerável”, lamenta o biólogo.

Tortato explica que a onça-pintada é um predador de emboscada, valen-do-se da vegetação para espreitar sem ser percebida pela presa. “Quan-do o gado está bem perto, ela ataca numa corrida curta e fatal”, conta. Por essas características da espécie, os prejuízos à pecuária podem ser mitigados por práticas adequadas de manejo, como a colocação das reses para dormir em terreno livre de moi-tas ou em currais fechados. “Nenhu-ma alternativa de manejo vai solucio-nar em 100%, mas elas podem reduzir muito o prejuízo”, diz.

Genoma mapeadoCarnívoro da família dos felídeos e da subfamília Pantherinae, a onça-

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da No detalhe, filhote de onça-pintada resgatado em Canarana (MT) e entregue no Centro de Triagem de Animais Silvestres, em Goiânia (GO). Muitas mães são caçadas ou morrem atropeladas. Os filhotes, quando sobrevivem, são levados aos centros de triagem

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-pintada é parente próxima do tigre, do leão, do leopardo e do leopardo--das-neves – todos do gênero Pan-thera, originados do mesmo an-cestral há 4,6 milhões de anos. O cruzamento dessas espécies deu à onça alguns traços genéticos parti-lhados com o leão, com o qual con-viveu na Europa, na Ásia ou na Amé-rica do Norte. Um ponto comum, além do rugido típico do gênero, são genes ligados à formação do nervo óptico.

Descobertas como essas têm base no sequenciamento do genoma da onça--pintada, coordenado pelo pesquisa-dor Eduardo Eizirik, da Faculdade de Biociências da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. A ge-nética dos cinco grandes felinos foi comparada em artigo publicado na revista Science Advances, da Asso-ciação Americana para o Avanço da

Ciência, em julho. A pintada, mostra o estudo, morde mais forte, podendo predar tartarugas e jacarés, e ataca a presa na nuca, ao passo que seus pa-rentes miram no pescoço.

A onça-pintada foi o primeiro ma-mífero brasileiro a ter mapeada sua evolução genética. O genoma foi ob-tido do macho Vaga-Lume, que vivia no zoológico de Sorocaba (SP), para onde fora levado pequeno, após a morte da mãe no Pantanal, pelo especialista em felinos Peter Cra-wshaw, nos anos 1990. A pesquisa, destaca Eizirik, abre caminho para estudos sobre as distinções adapta-tivas entre populações de diferentes regiões. “Essa compreensão”, assi-nala o biólogo Henrique Figueiró, participante do estudo, “é importan-te para o delineamento de políticas ambientais de acordo com a biologia da espécie”.

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Lixo: problemas e soluções

Recolher e tratar resíduos exige a busca de alternativas

nos planos coletivo e individual

Elias Fajardo (texto e fotos)

A cada ano, 1,3 bilhão de toneladas de lixo são descartadas no mundo. O Brasil gera 64 milhões de toneladas, ou 383 quilos anuais por habitante. Uma parte ínfima é reciclada. Isto faz com que os resíduos se transformem em um dos maiores problemas am-bientais de que se tem notícia.

Uma das soluções são os Centros de Tratamento de Resíduos (CTR), a principal forma de destinação final dos resíduos gerados no país. No município de Leopoldina, na Zona da Mata de Minas Gerais, foi implan-tado em 2015 um CTR com vida útil estimada em 20 anos e capacidade inicial para receber 250 toneladas por dia de resíduos domiciliares Classe II, considerados não perigo-sos, em uma área de 44 mil metros quadrados. Entre outros municípios atendidos estão Leopoldina, Re-creio, Laranjal, Palma, Bicas, Maripá, Astolfo Dutra, Guaianá, Rio Novo e São João Nepomuceno.

O CTR-Leopoldina, iniciativa da em-presa União Recicláveis aprovada pelos órgãos ambientais, também coleta parte do lixo domiciliar da região. Uma outra parte é recolhida pelas prefeituras. O material é trans-portado para o aterro sanitário e, em

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seguida, vistoriado, pesado, deposi-tado, compactado e recoberto com terra. O aterro não gera mau cheiro, não tem insetos ou presença cons-tante de urubus, os quais, quando aparecem, são espantados com bandeirolas, foguetes e canhões que fazem barulho.

O chorume, um líquido poluente ge-rado pela desintegração do lixo, é tratado dentro e fora do CTR. Está sendo iniciada também a operação de uma estação de tratamento de efluentes que receberá todo o cho-rume gerado.

Segundo o engenheiro Darllan Vieira Resende, responsável técnico pelo aterro sanitário, o CTR-Leopoldina é uma obra de engenharia que tem dez plataformas de cinco metros de altu-ra cada uma, com capacidade apro-ximada para receber dois milhões de metros cúbicos de resíduos. Entre os cuidados implantados, o piso rece-beu um tratamento de compactação do solo em três camadas de 20 cen-tímetros e ainda foi impermeabiliza-do com uma membrana que impede o contato do chorume com o solo, protegendo o lençol freático. Futu-ramente, o CTR tem planos de fazer a triagem e a separação do material recolhido.

“A possibilidade de realizar um bom tratamento depende muito da forma como o resíduo é coletado”, informa Darllan. “O modelo ideal seria as pre-feituras fazerem coleta seletiva e se-pararem o material reciclado dos re-jeitos. Com isso, viriam para o aterro somente os rejeitos. Há uma grande necessidade de aprimorar a cultura brasileira com relação à destinação do lixo”.

De uma maneira geral, o cidadão gera o lixo, depois deixa na rua para o caminhão pegar e acha que a ques-tão está resolvida. Darllan pondera que é justamente nesse momento que o problema começa. “Se todo mundo fizesse a triagem do lixo que gera e os órgãos públicos incentivas-sem comportamentos responsáveis, o problema poderia diminuir muito”.

Para o engenheiro, o ideal seria ca-minharmos em direção a uma logís-tica reversa, ou seja, os fabricantes dos produtos deveriam se tornar os responsáveis pela destinação final das embalagens descartadas. En-tregar esta questão complicada a prefeituras que muitas vezes enfren-tam dificuldades de infraestrutura e de recursos, ele observa, não é uma boa estratégia. Mesmo assim, exis-tem pequenas experiências que indi-cam novos caminhos. Na região de

Darllan Resende mostra o mapa do CTR-Leopoldina. À direita, Maria Aparecida do Carmo, gerente do Departamento de Meio Ambiente da prefeitura de Maripá

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Leopoldina, uma empresa de energia oferece recolhimento de pilhas usa-das e dá desconto na conta de luz dos consumidores que devolvem as pilhas.

A experiência de Maripá

A pequena cidade de Maripá de Minas, com três mil habitantes, foi pioneira. Durante 15 anos, manteve uma usina de reciclagem de lixo que acabou desativada em 2015, por falta de área para depositar os resíduos e de recursos para sua manutenção. Desde então, o município passou a enviar o lixo para ser depositado no CTR-Leopoldina. No último ano de seu funcionamento, foram recolhidas 504 toneladas de lixo, das quais cer-ca de 20 por cento eram recicladas. O lixo orgânico separado era usado para fazer compostagem, gerava um composto orgânico que serve como adubo. Atualmente a tendência é as prefeituras se unirem em consórcios e enviarem os resíduos para centros de tratamento de médio ou grande porte, que têm mais condições de lhes dar um destino final.

Segundo Maria Aparecida Trezza do Carmo, gerente do Departamento de Meio Ambiente da Prefeitura de Ma-ripá, o lixo orgânico era separado do não orgânico, parcialmente reapro-veitado e comercializado. “Enquanto funcionou, a usina tratava parte do lixo gerado na cidade. Hoje o meio ambiente se ressente de não haver mais reciclagem, que não é vantajosa economicamente, mas é vital para a conservação dos recursos naturais”.

Três vezes por semana, o lixo era recolhido e levado à usina. O ca-minhão depositava os resíduos em uma banca onde oito funcionários faziam a separação. A parte reciclá-vel era prensada e comercializada. A parte não utilizável era colocada nas valas para ser aterrada.

Vista geral do CTR-Leopoldina

Lagoa de recolhimento do chorume

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A prefeitura informa que está ten-tando adquirir um terreno de de-pósito de resíduos para que a usina volte a funcionar. A principal difi-culdade é conseguir uma área para um aterro sanitário, pois os donos de terras não desejam lixo perto de suas propriedades. Além disso, a legislação ambiental atual é mais rigorosa do que quando a usina foi criada e não permite o funciona-mento de centros de tratamento próximos de rios e riachos. Os ater-ros de Maripá já foram fechados e a prefeitura continua recolhendo e depositando em uma pequena área disponível o lixo gerado pela varre-dura das ruas e pelo corte de árvo-res em vias públicas.

A usina foi construída pelo ex-prefei-to Walter Trezza, pai de Aparecida. As máquinas estão paradas, mas algumas frases motivadoras ainda permanecem pintadas nas paredes: “Quem não sabe preservar não é digno de usufruir”. E ainda: “Ouça a terra e celebre a vida”.

O trabalho de educação ambiental realizado em torno da usina conti-nua e a população se acostumou a ter um mínimo de cuidado com o lixo. As crianças da escola costu-mam visitar a usina e o centro de Maripá é bastante limpo.

Usina de Maripá

Simplicidade voluntária

No plano individual, novas atitudes com relação ao consumo e à gera-ção de lixo vêm sendo chamadas de simplicidade voluntária. São ado-tadas por pessoas que procuram praticar o desapego e desenvolver práticas de vida que refletem ati-tudes conscientes com relação à poluição e à conservação. É o caso da designer Cristal Muniz, que vive em Florianópolis (SC). Quando foi morar sozinha, ela se deu conta da quantidade de lixo que uma única pessoa é capaz de produzir. Come-çou a estudar o assunto e tornou-se uma especialista.

“Acho que o Brasil tem alguns exem-plos e iniciativas interessantes”, diz ela. “Mais de 90% das garrafas PET e do papelão produzidos aqui são re-ciclados. E somos líderes mundiais na reciclagem de latas de alumínio. Mesmo assim, ainda estamos atra-sados, pois uma parte considerável das nossas cidades não tem coleta seletiva e o percentual de lixo reci-clado no país não chega a 5%”.

A capital catarinense, por exemplo, recicla 8% do lixo recolhido, ao pas-so que a Política Nacional de Resí-

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duos Sólidos do governo brasileiro propõe que 20% do lixo recolhido seja reciclado. Mas o que levou Cris-tal a se tornar uma ativista da sim-plicidade voluntária?

“É o único caminho possível”, afir-ma. “Sempre fui preocupada com a sustentabilidade. Desde pequena, eu separava o lixo. E quanto mais me deparava com a quantidade grande de rejeitos que gerava, mais motivada ia ficando. Mas não sabia como resolver isso e nem como pesquisar alternativas viáveis. Até que descobri o blog Trash is for tossers (“Lixo é para os idiotas”), da norte-americana Lauren Singer, que vive sob a filosofia do lixo zero. Aí me pareceu óbvio que não seria difícil incorporar essas práticas à nossa vida”.

Cristal passou a comprar produtos alimentícios em maior quantidade e a carregar seus próprios apetre-chos. Ao comer fora de casa, usa guardanapos de pano, copos, talhe-res e pratos não descartáveis. Tam-bém fabrica os cosméticos que usa. Além disso, joga os dejetos de seus animais de estimação na privada, em vez de colocá-los em sacolas.

Foi então que ela criou seu próprio blog – “Um ano sem lixo” –, com a intenção de mostrar que, no Brasil, também é possível diminuir a ge-ração de resíduos. Um ano depois, reduziu em 75% o lixo que produzia.

“Comecei procurando uma esco-va de dentes de bambu e acabei encontrando uma loja que vendia. Concluí que era possível encontrar produtos como esse e se informar sobre técnicas para lidar melhor com os resíduos”.

Desde então, a designer vem obten-do respostas muito positivas. Seu blog tem hoje algo em torno de 60 mil seguidores.

Em uma sociedade de consumo, onde as pessoas estão mais habi-

tuadas a pensar em ter do que em ser, é possível ampliar esse tipo de trabalho? Cristal acredita que sim. “O movimento Lixo Zero tem cres-cido muito, e a cada dia vem levan-tando novas questões e possibilida-des. Tenho certeza de que existem caminhos para produzir menos lixo, inclusive de plástico, que é um dos nossos piores resíduos”

Inicialmente, as iniciativas de redu-ção de consumo eram praticadas nas camadas mais favorecidas da sociedade, mas hoje elas come-çam também a se difundir entre pessoas com menos recursos. E quanto mais os consumidores se conscientizam do problema, mais se esboçam atitudes críticas e conscientes. Cristal afirma: “Hoje muita gente se interessa por recei-tas de cosméticos e produtos de limpeza, que têm preços menores do que os comprados no mercado. Há algumas roupas de marcas sus-tentáveis que são realmente mais caras, só que elas não são nossa única opção, pois é possível com-prar roupas boas em brechós. E ao adquirir uma peça usada, a gente pratica uma opção sustentável, pois está reaproveitando algo que normalmente seria jogado fora”, explica.

Caminhão deposita galhos e lixo de

varredura de rua em Maripá

Estação meteorológica do CTR

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Receitas de CristalEis algumas das receitas mais procu-radas pelos consumidores que aces-sam o blog “Um Ano sem Lixo”, de Cristal Muniz:

Hidratante corporal natural É indicado para pele e boca, principal-mente para quem tem pele seca. Pode ser usado em regiões mais frias. Nas regiões quentes, o ideal é usar óleos mais leves, como o de amêndoa.Ingredientes100 g de manteiga de karité 100 g de óleo de coco 100 g de manteiga de cacau 100 ml de óleo de amêndoasComo fazerJuntar as manteigas e os óleos em um recipiente preferencialmente de vidro. Derreter tudo em banho-maria até formar uma mistura homogênea. Colocar na geladeira por cerca de cinco horas até endurecer. Bater na batedeira até se transformar em um creme branco e macio.

Pasta de dentes caseiraAlém de evitar o contato da boca com os produtos químicos dos cre-mes dentais, evita o uso da embala-gem, que raramente é reciclada.Ingredientes3 colheres de sopa de óleo de coco sólido (se ele estiver se liquefazendo, deixe na geladeira até solidificar) 1 colher de sopa de bicarbonato de sódio 10 a 15 gotas de óleo essencial de hortelã (opcional) 2 colheres de chá de adoçante natu-ral Stevia (opcional)Como fazerMisturar tudo em um pote preferen-cialmente de vidro. Quando for usar, com uma colher pequena, colocar na escova uma quantidade pareci-da com a empregada na pasta de dente normal.

Deve-se lavar com frequência a pia com água quente e sabão de coco, pois o óleo da pasta natural pode se depositar ali. Lavar de vez em quando a escova com água ferven-te. Esta receita dura em torno de um mês para uma pessoa adulta.O óleo de coco combate fungos e bactérias e é anti-inflamatório; o bicarbonato, em pequenas quanti-dades, é menos abrasivo do que as pastas comuns. O óleo de hortelã dá uma sensação de frescor. O adoçan-te torna o gosto mais agradável.

Composteira de apartamentoÉ pequena, não tem cheiro e, com a presença de minhocas, a decompo-sição ocorre mais rápido do que sem elas. Algumas composteiras já vêm com minhocas, mas é possível obtê--las na natureza.São três andares: no primeiro, o lixo orgânico vai sendo depositado e co-berto com material seco (serragem ou folhas). Quando tudo estiver bem seco, deve ficar em repouso por um mês. Durante o repouso, o segundo andar faz o papel do primeiro e o ciclo recomeça. Nesses dois anda-res se dá a compostagem. O terceiro andar, que fica na base, recolhe o lí-quido que escorre e nele também se pode colocar uma pequena torneira para ajudar a escoar. Os andares de-vem ter furinhos por onde o líquido escorre e as minhocas se movimen-tam. Entre 30 e 60 dias depois de ini-ciado o processo, o material que fica é o húmus, parecido com terra e com cheiro de terra molhada. Seguindo as instruções, não haverá mau cheiro nem moscas.Material Baldes ou caixas de plástico Furadeira Minhocas TerraComo fazer Com uma furadeira, fazer pequenos furos (de meio a um centímetro de

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Cristal Muniz

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diâmetro cada, com dois a três centímetros de distância entre si) nos fundos dos dois primeiros bal-des, que devem ter algum tipo de encaixe entre si. No terceiro balde (que recolhe o líquido) não é pre-ciso fazer furos. O sistema de três pequenos baldes reutilizados dá para o lixo orgânico de uma a duas pessoas que não cozinham muito. Não é necessário colocar muitas minhocas, pois elas se reproduzem de acordo com a necessidade. O ideal são as californianas, que pu-lam menos que as brasileiras, são maiores e comem os restos de ali-mento mais rápido. Ponha uma ca-mada de terra suficiente para cobrir o fundo do balde e as minhocas.Como usarPonha aos poucos na composteira os restos de alimentos, ocupando os cantos e concentrando o lixo sem apertar ou comprimir, pois a mistura deve respirar. Cubra muito bem com folhas secas e serragem. Em cerca de um mês, quando o balde de cima estiver cheio, tire--o para repousar e coloque em seu lugar o segundo balde. Nos primeiros meses, por ter menos minhocas, a decomposição deve demorar mais. Dê uma revirada no material a cada 15 dias, com cuidado para não machucar as mi-nhocas. Quando o segundo balde estiver cheio, também vai para o repouso. Repita este ciclo.Para tirar o húmus, deixe a tam-pa da composteira aberta em um lugar com bastante luz. As mi-nhocas preferem o escuro e vão entrando cada vez mais fundo na terra. Raspar o adubo aos poucos. No balde que estiver embaixo vai aparecer um líquido bem escuro, que Cristal chama de chorume do bem. É um fertilizante poderoso. É preciso diluí-lo (uma parte dele para dez partes de água). Depois é só regar as plantas, que vão cres-cer e florescer.

Ideias plásticas“Bordando ideias plásticas para um mun-do menos plastificado – uma instalação interativa para despertar o desejo de um mundo melhor”. Este é o título de um cartaz que acompanha o trabalho de um grupo de alunos do quinto ano do Ensi-no Fundamental da Escola Dinâmica de Ensino Moderno (EDEM), no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

“Venha, deseje, respire, encha, solte, amarre, faça sua parte”, diz o texto, se-guido das seguintes instruções:

• Pegar uma sacola no depósito da es-cola ou trazer uma sacola reutilizável de casa.

• Segurando-a pelas alças, sacudir de-licadamente, fazendo o ar entrar nela. Enquanto isso, desejar um mundo me-lhor.

• O desejo é igual ao ar. Deixar a sacola encher de desejos e de ar.

• Segurar as duas pontas das alças com uma das mãos. Com a outra, deslizar em sentido contrário, apertando e ti-rando todo o ar de dentro da sacola. Isto significa espalhar desejos pelo mundo.

• Com as alças, enlaçar a sacola em um muro dos desejos. Fazer isto de modo que, depois de terminado o período de exposição da instalação, a sacola pos-sa ser retirada e reaproveitada de novo.

Todas as sacolas usadas no trabalho foram coletadas de modo consciente. A instalação foi inspirada na obra do artista plástico africano Pascale Marthine Ta-you, que trabalha com sacolas plásticas. Os bordados com as letras se inspiraram no trabalho das mulheres chilenas Ar-pilleras, mais conhecido como bordado de resistência e bordado político. A ins-talação da escola EDEM foi coordenada pela professora Luiza Peralta, concebida e orientada pela atriz e performer Daniele do Rosário, com a colaboração teórica da bióloga Denise do Rosário e o auxílio téc-nico de Gustavo Kapsell.

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EStantE ambiEntal

Ecologia industrial Alessandro Sanches PereiraEditora Senac SP, 162 páginasA obra apresenta a importância da ecologia industrial como uma nova perspectiva para a compreensão dos impactos ambientais provenientes dos sistemas de produção e consumo. A ecologia industrial envolve o estudo da física, da química e das interações biológicas e inter-relações entre os sistemas industriais e ecológicos, de modo a torná-los mais harmoniosos e sustentáveis.

A queda do céu – palavras de um xamã yanomamiDavi Kopenawa e Bruce AlbertCompanhia das Letras, 702 páginasTestemunho autobiográfico que traz meditações a respeito do contato predador entre um líder indígena e o “homem branco”, o livro foi escrito a partir das palavras de Kopenawa ao etnólogo Bruce Albert, que por quarenta anos visitou os Yanomami. Em seu relato, o xamã fala de sua vocação desde a infância, da destruição da floresta e da sua peregrina-ção pelo mundo em defesa de seu povo.

Economia de gaia: viver bem dentro dos limites planetários Jonathan Dawson, Helena Norberg-Hodget Ross Jackson e Bruna MaialRoça Nova Editora, 336 páginasColetânea de artigos de pensadores e economistas de diversos países, apresenta temas como aquecimento global, moedas complementares, economia budista e permacultura, entre outros. Apesar da diversidade temática e de abordagens, os autores compartilham a mesma ideia: a certeza de que a economia ocupa hoje um lugar central na vida de indiví-duos e comunidades, por isso precisa de novos modos de pensar e agir.

Sustentabilidade e horticultura no Brasil: da retórica à prática Carlos Alberto Lopes e Maria Thereza PedrosoEmbrapa, 433 páginasO tema é abordado sob diferentes perspectivas nesta coletânea, desta-cando o trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, com foco na sustentabilidade da horticultura segundo o princípio de poupar recursos naturais e utilizar menores quantidades de insumos (especial-mente químicos), potencializando a produtividade.

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