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MUDANÇA CLIMÁTICAPENSAMENTO ESTRATÉGICO

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICASECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS

Núcleo de Pensamento EstratégicoMudanças Climáticas

BRASíLIA, 2015

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Governo FederalPresidência da República

Secretaria de Assuntos EstratégicosEsplanada dos Ministérios

Bloco O, 7º, 8º e 9º andaresBrasília – DF / CEP 70052-900

http://www.sae.gov.br

Ministro Roberto Mangabeira UngerSecretária-executiva Luísa Melo

CoordenaçãoSérgio Margulis

Natalie Unterstell

Redação/Membros do NúcleoAlfredo Hélio Syrkis

Branca Bastos AmericanoCarlos Afonso Nobre

Eduardo José ViolaEmílio Lebre La Rovere

Rachel Biderman Furriela

ApoioPriscilla Silva Santos

Bruno Eustáquio.F.C Carvalho

RevisãoAdriano Assis Brasil (SAE/PR)

Projeto Gráfico/DiagramaçãoGabriella Malta (SAE/PR)Lidiane Holanda (SAE/PR)

Rafael Willadino Braga (SAE/PR)

Tradução Inglês/PortuguêsMayra Nakagawa Fontoura (SAE/PR)

A851 Assuntos Estratégicos / Secretaria de Assuntos Estratégicos

da Presidência da República. – nº 1 (nov. 2014) – Brasília: Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 2015 – .

Irregular ISSN 2319-0663

1. Assuntos Estratégicos – Brasil. 2. Estudos. 3. Educação. 4. Juventude. 5. Economia.

CDD 320

As opiniões, os argumentos e as conclusões apresentados nos documentos que compõem esta publicação são de inteira responsabilidade dos autores e não expressam a opinião da

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

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Agradecimentos

Aos membros do Núcleo de Pensamento Estratégico sobre Mudança do Clima e à equipe da Subsecretaria de

Desenvolvimento Sustentável da SAE pela participação nas definições necessárias para dar origem e corpo a esta

publicação. À equipe da Assessoria de Comunicação da SAE/PR na pessoa de Zanoni Antunes pelo importante

apoio para a editoração e publicação deste livro.

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sUMÁrio

Sobre desenvolvimento e mudança do clima

Texto – Mapa das tendências futuras das pricipais potências na mudança climáti ca

Refl exão do Núcleo

Sobre trajetórias de emissão e de descarbonização

Texto – Trajetórias de emissões e de desenvolvimento

Refl exão do Núcleo

Sobre fi nanciamento climáti co

Texto - Mecanismo de ação antecipada & adicional, “moeda do clima” e “Brett on Woods do baixo carbono”.

Refl exão do Núcleo

Sobre adaptação, perdas e danos

Texto - Gestão de riscos e adaptação à mudança do clima

Texto – Adaptação e infraestrutura

Refl exão do Núcleo

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ApresentAção A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República instituiu, em 2014, o Núcleo de Pensamento Estratégico sobre Mudança do Clima, com o objetivo de subsidiar as agendas setoriais com opções estratégicas no que se refere à adaptação e mitigação do aquecimento global. Tal iniciativa se insere em proposta mais ampla de formação de núcleos que venham a apoiar nossa missão institucional que enseja construir uma estratégia nacional de desenvolvimento, com caráter de longo prazo, adensada nos princípios do desenvolvimento sustentável. Inovadoramente, esses fóruns de discussão serão norteados pelos princípios do livre-pensamento, da diversidade e da visão de futuro.

A escolha da Mudança do Clima na formação do primeiro destes núcleos não fora casual. Além da SAE reconhecer a estabilização do sistema climático como um desafio sem precedentes e de longa duração, também entende que ele enseja um diálogo permanente, cumulativo e intergeracional para estimular ações transformadoras e promover a integração de conhecimentos de maneira cooperativa. Em linha com os princípios e diretrizes acima citados, o aporte técnico ao Núcleo de Pensamento Estratégico e à SAE também segue a via independente, de modo a canalizar ao Estado conhecimentos estratégicos vitais para subsidiar a inovação em políticas públicas e a formulação de estratégias de longo prazo.

Longe de assumir posições específicas sobre as questões apresentadas neste caderno ou de apoiar quaisquer avaliações aqui apresentadas, a Presidência da República pretende adensar o debate substantivo rumo a uma visão de futuro à altura do Brasil no mundo. As oportunidades que se apresentem para o Brasil poderão significar vantagens competitivas na medida em que o país “aposte” entrar em novos mercados tecnológicos. Seja buscando energias limpas, seja identificando soluções de engenharia de adaptação ao clima, modelos de transporte eficientes, processos limpos de produção e consumo, etc. Nosso país adotou, em 2009, uma política nacional sobre mudança do clima por meio da Lei 12.187 e dela decorrem ações em uma gama de setores da economia. Como os custos e benefícios potenciais das ações de mitigação e adaptação nos diversos setores são enormes, é fundamental que a questão climática seja plenamente incorporada nos planos e políticas de desenvolvimento. Nada mais natural portanto, que as interfaces principais da mudança do clima com a agenda de desenvolvimento do Brasil sejam aprofundadas. Isso imediatamente demanda um bom conhecimento técnico sobre o problema climático. O que aparenta ter avançado enormemente no nosso país, haja vista a organização da comunidade científica em torno da Rede Clima e do Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas. Avanços recentes e oportunidades foram discutidos no Núcleo com foco no aproveitamento da melhor ciência disponível na formulação, na implantação e na avaliação de políticas públicas. O Núcleo já abordou temas fundamentais para a formação de uma visão estratégica para mudança do clima e desenvolvimento como: governança global, adaptação da infraestrutura e financiamento climático. Nesse sentido, igualmente importante é uma visão articulada sobre as tendências de desenvolvimento nacional. O que será o caminho de desenvolvimento nacional nos parece essencial conjugar com as políticas climáticas desejáveis ou socialmente ótimas

sérgio MargulisSecretario de Desenvolvimento Sustentável da SAE/PR

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ListA de sigLAs

AOSIS - Association of Small Island States, ou Associação dos Pequenos Países Insulares

AR5 - 5th Assessment Report, ou 5o Relatório do IPCC

AWG-ADP - Ad Hoc Working Group on the Durban Pla-tform on Enhanced Action, ou Grupo de Trabalho Ad Hoc da Plataforma de Durban para Ação Fortalecida

AWG-LCA - Ad-Hoc Working Group on Long-Term Coope-rative Action, ou Grupo de Trabalho Ad Hoc para a Ação Cooperativa de Longo Prazo.

COP - Conference of the Parties, ou Conferência das Par-tes.

GCF - Green Climate Fund ou Fundo Verde para o Clima.

G77 + China - Grupo dos 77 mais China

GEE - Gases de efeito estufa

GEF - Global Environmental Facility ou Fundo Global para o Meio Ambiente

IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change, ou Pai-nel Intergovernamental sobre Mudança do Clima

LDCs - Least Developed Countries ou países menos desen-volvidos

LULUCF – Land Use, Land Use Change and Forestry, ou Uso da Terra, Mudança do Uso da Terra e Florestas

MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

SAE/PR - Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidên-cia da República

SBI - Subsidiary Body for Implementation, ou Órgão Subsi-diário de Implementação.

SBSTA - Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice, ou Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico

UNFCCC - United Nations Framework Convention on Cli-mate Change, ou Convenção-Quadro das Nações Unidas

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CApÍtULo i - sobre desenvoLviMento e MUdAnçA do CLiMA

MApA dAs tendÊnCiAs FUtUrAs dAs prinCipAis potÊnCiAs nA MUdAnçA CLiMÁtiCA

POR EDUARDO VIOLA E MATíAS FRANCHINI

reFLeXão no nÚCLeo

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MApA dAs tendÊnCiAs FUtUrAs dAs prinCipAis potÊnCiAs nA MUdAnçA CLiMÁtiCA

Por Eduardo Viola1 e Matías Franchini2

introdUção

Reforçada pela narrativa das fronteiras planetárias (ROCKSTRÖM et al, 2009; VIOLA; FRANCHINI, 2012), a governança do sistema climático se consolida como o principal desafio da vida em sociedade e das ciências que a estudam na primeira metade do sé-culo XXI. De forma paradoxal, no entanto, ao mesmo tempo em que a ciência acumula evidências cada vez mais sólidas e se aceleram a frequência e intensidade de fenômenos climáticos extremos, a humanidade se mostra incapaz de cooperar para equacionar a crise. O foro tradicional da governança climática – a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) – tem se manifestado inoperante para esti-mular a necessária transição da economia global para um paradigma de baixo carbono.

Após o fracasso de Copenhague em 2009 (COP 15), as reuniões anuais das Partes ape-nas conseguiram concordar vagas declarações de princípios e a vontade de lograr um acordo vinculante na COP 21, em Paris, em 2015. Na COP 19, reunida em Varsóvia em novembro de 2013, ficaram evidentes mais uma vez os imensos obstáculos para atingir--se um acordo de alguma efetividade. Os 195 países reunidos naquela cidade europeia apenas chegaram a um acordo de última hora, no qual se comprometeram a apresentar seus planos de redução de emissões para o primeiro quarto de 2015. Essas propostas seriam a base do acordo eventual de 2015, com vistas a ser posto em vigor em 2020.

A Cúpula de Varsóvia foi também cenário da emergência dos like-minded developing countries, um heterogêneo grupo de negociação que inclui: a superpotência China; a grande potência índia; potências médias, como Arábia Saudita, Venezuela e Malásia; e, finalmente, alguns países pouco expressivos em termos de poder climático, como Bolívia, Nicarágua e Cuba. A despeito das grandes diferenças de renda (da Arábia Saudita à Bolívia), de poder climático (da índia à Nicarágua) e de compromisso climático (da China à Arábia Saudita), o grupo defendeu uma posição em extremo conservadora, manifestan-do que a divisão estrita entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento deve ser o centro de qualquer acordo eventual. Essa insistência numa visão radical do princípio das responsabilidades históricas foi fortemente rejeitada pelos Estados Unidos e a União Europeia (UE). Essa dialética das responsabilidades – que leva mais de duas décadas de desenvolvimento e não mostra sinais de síntese – é essencial na hora de explicar a pouca efetividade da cooperação no âmbito multilateral. Nesse sentido, afirmamos que apenas haverá avanços nas negociações multilaterais se previamente existir certo consenso entre

1 Professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), coordenador da Rede de Pesquisa em Mudança Climática e Relações Internacionais da mesma instituição e pesquisador nível 1 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: [email protected].

2 Professor substituto do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Rede de Pesquisa em Mudança Climática e Relações Internacionais da mesma instituição. E-mail: [email protected].

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as principais potências. Apesar da virada conservadora do Brasil nos meses prévios – ressuscitando a doutrina das responsabilidades históricas – o país não formou parte do novo agrupamento, o qual é um fator positivo para as forças reformistas no país e para a dinâmica geral da governança global.

O objetivo deste trabalho é mapear – ou refletir sobre – o papel dos grandes atores esta-tais da governança global do clima para as próximas duas décadas: os Estados Unidos, a União Europeia, a China, o Brasil, a Coreia do Sul, a índia, o Japão e a Rússia.

A avaliação desse papel se baseia em dois conceitos operacionalizados empiricamente: poder climático e compromisso climático (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2013). O poder climático diz respeito ao nível de agência de cada um desses atores sobre o resultado social climático (hoje entendido principalmente como o rumo da descarbonização da economia global) e permite categorizar os países em superpotências, grandes potências e potências médias.

o compromisso climático refere-se ao grau de assimilação que uma determinada socieda-de tem da mudança climática como problema civilizatório principal e permite categorizar três tipos de atores: potências reformistas, conservadoras moderadas e conservadoras – num espectro que vai da alta para baixa assimilação. Em suma, o poder climático avalia a capacidade de um determinado ator de influenciar o rumo da descarbonização global, e o compromisso climático o grau de disposição para fazer isso.

o rumo da governança global do clima depende em larga escala da transição desses grandes atores para o campo reformista, condição necessária prévia para qualquer tipo de arranjo internacional significativo para lidar com a crise climática.

Usando esse marco conceitual, este artigo enfoca a evolução da questão climática em oito atores estatais fundamentais para definir os rumos da governança global do clima: as superpotências (os Estados Unidos, a União Europeia e a China) e as grandes potências (Brasil, Coreia do Sul, índia, Japão e Rússia).

Para atingir esse objetivo analisamos – para cada um desses casos – dados econômicos, sociais e políticos agrupados em duas grandes categorias: situação climática (perfil de emissões, vulnerabilidades e opções na transição para uma economia de baixo carbono) e situação política do clima (relação de forças entre setores domésticos conservadores e reformistas; respostas políticas domésticas à crise climática; e posicionamento internacio-nal do país). Cabe destacar que, para cada um dos países, é diferente a combinatória de fatores relevantes que impactam a transição para uma economia de baixo carbono: no caso chinês, por exemplo, a percepção social sobre questões de poluição ambiental tradicional (material particulado no ar ou metais pesados na água) se torna fundamental para avaliar a trajetória da política climática – não é esse o caso das outras superpotên-cias, como EUA e UE.

O quadro analítico doméstico de cada uma das potências se completa com referências relativas à evolução do sistema internacional que – de forma causal e constitutiva – define as margens de avanço e retrocesso da governança do clima. Em forma resumida, um ambiente internacional conflituoso esteriliza qualquer avanço significativo da governança do clima, ao tempo que um ambiente cooperativo é condição necessária, porém não sufi-ciente, para a criação de estruturas de governança efetivas para gerar opções eficientes de mitigação e adaptação à mudança global do clima.

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Finalmente, é necessário destacar que o exercício contido neste trabalho tem os limites de qualquer reflexão prospectiva: o caráter imprevisível das dinâmicas sociais no marco da aceleração da história trazida pela sociedade da informação, de forma que nossa ambi-ção aqui não ultrapasse as fronteiras da identificação de algumas afinidades eletivas en-tre fatores e extrapolação de tendências atuais para o futuro próximo. Mudanças físicas, tecnológicas e/ou culturais podem alterar rápida e drasticamente o rumo da civilização. Esse é o grande desafio das ciências sociais do século XXI.

Para atingir os objetivos deste trabalho, ele é dividido em duas grandes seções.

A primeira contempla duas partes: o marco conceitual utilizado para refletir sobre a governança global do clima, ressaltados os conceitos de poder climático, compromisso climático e sistema internacional de hegemonia conservadora; e dois cenários interna-cionais ideais (estrutura), que operam como marco para o comportamento dos agentes.

A segunda seção considera o papel dos grandes atores estatais da governança do clima para as próximas duas décadas. Refletimos assim sobre considerações de poder e com-promisso climático nas super e grandes potências. Com esse objetivo, apresentamos as tendências nas superpotências: os Estados Unidos, a União Europeia e a China; e então nas grandes potências: a índia, a Rússia, o Japão, a Coreia do Sul e o Brasil, a quem dedicamos maior atenção.

ConsiderAções MetodoLógiCAs

As fontes principais utilizadas para descrever e analisar o perfil das potências climáticas foram o World Resource Institute Climate Analysis Indicator Tool (WRI-CAIT3 ), o banco de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI4 ) e do Banco Mundial (BM5 ), o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011 (KLUGMAN, 2011), e informações da revista Po-cket World in Figures 2012. (BURGESS, 2011).

parte i - Marco conceitual: poder climático, compromisso climático e o sistema internacional de hegemonia conservadora

Como destacamos em trabalhos anteriores (VIOLA; FRANCHINI, 2013; VIOLA; FRAN-CHINI; RIBEIRO, 2012, 2013), o rumo da governança global do clima, isto é, o estabe-lecimento ou não de algum tipo de arranjo cooperativo que estimule a transição global para uma economia de baixo carbono, depende fundamentalmente de considerações de poder e de compromisso climático.

O poder climático refere-se às capacidades dos agentes para influenciar o “social outcome climático”, ou o rumo da descarbonização global. Na complexa arquitetura de

3 A ferramenta se encontra disponível em: <http://cait.wri.org/>.

4 IMF Data and Statistics, disponível em: <www.imf.org/external/data.htm>.

5 Os dados do BM se encontram disponíveis em: <http://datos.bancomundial.org/>.

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governança do clima – cujos atores estão distribuídos num duplo continuum: níveis de governança, em cujos extremos encontram-se o global e o local, e setores de governança, cujos extremos são a esfera pública e a privada (BIERMANN et al, 2009) – existem grandes diferenças no nível de agência de cada um desses atores.

Nesse sentido, as superpotências e as grandes potências climáticas têm especial relevân-cia na hora de definir o resultado social na área de clima (VIOLA; FRANCHINI; RIBERO, 2013).

A conceituação de potências climáticas parte de uma combinação de critérios diversos de poder. Os dois primeiros critérios têm sido historicamente considerados e densamente contemplados na tradição das Relações Internacionais: a capacidade militar e a potência econômica. O terceiro critério é mais inovador e específico da questão – e menos tratado – e poderia definir-se como “poder climático”.

O poder climático reside também na combinação de três elementos: o volume e trajetória das emissões de GEE na atmosfera; a disponibilidade de recursos humanos e tecnoló-gicos para gerar um impacto profundo sobre a transição para uma economia de baixo carbono; e a relação entre recursos e cultura energética (PATERSON, 1996; GIDDENS, 2009).

Com base nesses critérios, defendemos a existência de três categorias de potência:

As superpotências são os Estados Unidos, União Europeia e China, que juntas somam aproximadamente 55% do PIB global e 47% das emissões globais de carbono e compar-tilham três características muito relevantes. Primeira e fundamental, cada uma tem uma alta proporção das emissões globais de carbono (no mínimo 10%) e do produto bruto global. Segunda, detêm um forte capital tecnológico e humano para a descarbonização da economia e terceira, possuem poder de veto sobre qualquer acordo internacional global que seja efetivo. As grandes potências concentram pouco menos de 20% do PIB global e 20% das emis-sões, são elas: Brasil, Coreia do Sul, índia, Japão e Rússia.

Finalmente, as potências médias: África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bangladesh, Canadá, Cingapura, Colômbia, Egito, Emirados Árabes Unidos, Filipinas, Indonésia, Irã, Israel, Malásia, México, Nigéria, Noruega, Paquistão, Suíça, Tailândia, Taiwan, Turquia, Ucrânia, Venezuela e Vietnam. Juntas respondem por aproximadamente 15% do PIB global e 18% das emissões globais.

As últimas duas categorias possuem relevância limitada em termos de proporção de emissões e participação na economia global. Nenhuma delas têm capacidade de veto sobre um acordo internacional global. No entanto, seu comportamento afeta a dinâmica da governança global sobre o clima, já que podem obstaculizar ou acelerar o rumo da descarbonização global. Esse último elemento é particularmente destacado nas grandes potências e de fato, é aquilo que lhes dá entrada nessa categoria. Uma aliança eventual entre grandes potências tem um grande potencial para mudar o tabuleiro da política glo-bal de clima. (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2013, p. 215)

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Como já afirmamos, cada uma das potências combina de forma muito heterogênea os diferentes critérios de poder e tem características diferenciadas que as tornam relevantes.

Definimos o compromisso climático como:

O grau de assimilação que uma determinada sociedade tem da mudança climática como vetor civilizatório principal. O conceito expressa como os países se inserem na estrutura de governança global sobre clima (...). Nesse sentido, o maior grau de compromisso cli-mático possível implicaria uma trajetória decrescente de emissões mantida no tempo; uma sociedade consciente do problema e que demanda soluções; e uma liderança política que assimila essa demanda e a traduz em políticas públicas de adaptação e mitigação no âmbito doméstico e em uma atuação internacional que estimula a criação e consolidação de instrumentos de governança global sobre a matéria (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2013, p. 28).

O conceito permite identificar um continuum em cujos extremos se encontram as catego-rias reformista e conservadora. As forças reformistas se inclinam por medidas convergen-tes com a descarbonização da economia global, ao tempo que as forças conservadoras resistem às mudanças necessárias para estabilizar o sistema climático e manter um espa-ço de operação segura para a humanidade. Como categoria intermediária, aparecem as forças conservadoras moderadas. Da combinatória dos conceitos de poder e compromisso climático surge uma ponderação qualitativa do sistema internacional, isto é, uma imagem. O fato de que a maioria das potências – e especialmente as super e grandes – seja conservadora na área de clima torna conservador o próprio sistema internacional. Isso acontece por duas razões:

– A mudança climática migrou para o centro da agenda das relações internacionais, de forma que a sua dinâmica básica (o pêndulo entre cooperação e conflito) está cada vez mais influída pelas respostas à crise climática.

– A crise climática é o principal problema de governança global (pela exigência de co-operação e pela dificuldade para cooperar) e, por isso, é um indicador da capacidade da humanidade para dar respostas cooperativas profundas aos problemas da interdepen-dência (que são crescentes crises econômicas e financeiras, fronteiras planetárias, crime transnacional, etc.).

Desde que o sistema internacional não consegue dar resposta aos desafios da interde-pendência, que demandam cada vez mais governança global, ele se torna conservador. Aqui o critério de avaliação é o grau de compromisso com a governança global, e o maior indicador disso é a crise climática, pelas características do problema: envolve um bem comum global e de longo prazo, com causas e consequências não evidentes ime-diatamente. Essa falta de resposta se origina no fato de que predominam no sistema os atores conservadores, enquanto o avanço das forças reformistas – que é uma tendência visível – se dá de forma lenta e insuficiente. E, em definitivo, predomina uma falta de ex-pressão institucional no nível global acorde ao nível de interdependência das sociedades da era da informação (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2013).

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1. o cenário internacional

1.1 variáveis do sistema internacional

Esse grupo de fatores opera no nível da estrutura internacional de forma que influencia identidades e comportamentos em todos os agentes, embora em grau diferenciado segun-do as características do ator. Consideramos neste segmento dois conjuntos de variáveis. O primeiro conjunto poderia ser chamado de variáveis sistêmicas, já que são aquelas que moldam o sistema internacional em termos de cooperação e conflito e afetam todas as áreas de governança. Um sistema internacional conflituoso bloqueia qualquer tipo de acordo substancial em relação à governança do clima, ao tempo que um cenário coope-rativo é condição necessária, mas não suficiente para esse tipo de acordo. Para as pró-ximas duas décadas identificamos as seguintes variáveis sistêmicas (VIOLA; FRANCHINI, 2013a):

• estado da economia global: uma economia global em expansão, com crescimento do comércio e do emprego e com progressivo equilíbrio entre países credores e devedo-res, opera como mitigador do conflito sistêmico.

• parceria transatlântica de Comércio e investimentos (ttip, por sua sigla em inglês): uma maior interdependência e cooperação econômica/comercial entre os EUA e a UE poderia operar como estímulo aos fluxos de comércio e à estabilidade eco-nômica global elevando, como consequência, os impulsos cooperativos sistêmicos. No entanto, um elemento fundamental é que essa aliança não seja percebida como discriminatória ou ameaçante por outros atores relevantes do sistema internacional, especialmente a China. Se esta proposta prosperar, implicará significativa elevação dos padrões ambientais no comércio, com um provável impacto decisivo na formação de padrões e normas de comércio internacional.

• parceria trans-pacífico (tpp, por sua sigla em inglês): a proposta está em um estágio avançado, incluindo EUA, Canadá, México, Peru, Chile, Austrália, Nova Zelândia, Brunei, Vietnam, Malásia e Singapura. O Japão manifestou interesse em participar embora existam resistências internas, e, mais recentemente, também a China expres-sou interesse na iniciativa. A consolidação desse acordo operaria como estímulo aos impulsos cooperativos sistêmicos, em forma similar ao TTIP, embora com menos impac-to e com uma agenda ambiental menos ambiciosa.

• evolução do sistema político americano: a superação das divisões profundas que afe-tam a sociedade e política americana opera como fator cooperativo, ao tempo que uma continuação do gridlock político e social aumenta as chances de conflituosidade sistêmica.

• evolução da crise europeia: um aprofundamento da crise econômica do bloco, com crescimento dos impulsos nacionalistas e uma eventual degradação da sua unidade e capacidade de actorness, operaria como impulso sistêmico divergente da coope-ração, já que o bloco europeu é o experimento de governança pós-soberana mais desenvolvido e, por seu nível, relativamente alto de compromisso com a gestão das fronteiras planetárias.

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• estado das relações entre a China e os eUA: uma maior convergência das superpotên-cias nas áreas militar, de energia, de clima, comercial, financeira, de direitos huma-nos e em setores geopolíticos-chave, como a Península da Coreia, Taiwan e o Mar da China do Sul e Oriental, eleva os níveis cooperativos sistêmicos.

• estado das relações da rússia com a europa e com os eUA: uma diminuição das ten-sões entre esses grandes agentes das relações internacionais nas áreas nuclear, de energia, direitos humanos, comércio, clima e no Oriente Médio opera como fator de convergência sistêmico.

• evolução da situação econômica e ambiental da Índia: apresentando significativas in-certezas na conjuntura atual, a ascensão internacional do país poderá ser bloqueada por suas múltiplas vulnerabilidades em sistema político, energia, clima, desigualdade social e pobreza educacional, e pelo complicado quadro de segurança internacional na sua região. A instabilidade da índia opera como elemento de conflito sistêmico.

O segundo conjunto de variáveis aqui listadas é mais específico na medida em que tem a ver diretamente com a governança do clima:

• Agenda ambiental nas superpotências e grandes potências: EUA, UE, China, Rússia, Japão, Coreia do Sul, índia e Brasil;

• evolução do acordo para eliminar combustíveis fósseis no âmbito do g-20 e avanço na precisão dos princípios da economia verde;

• impacto do v relatório do ipCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas);

• evolução do shale gas como combustível de transição;

• evolução dos fenômenos climáticos extremos.

1.2 os cenários futuros

Considerando os fatores anteriores, é possível construir dois tipos ideais de cenário inter-nacional:

No cenário reformista, as tendências cooperativas no sistema internacional são causa e efeito da recuperação econômica sistêmica; consolidação dos megaprocessos de integra-ção (TPP e TTIP); reconstrução da funcionalidade do sistema político americano; ascensão pacífica da China; recuperação política e econômica da Europa e do Japão; a continui-dade da recente emergência da Coreia do Sul como potência descarbonizante; conso-lidação da democracia e da economia de mercado no Brasil; convergência pacífica da Rússia; consolidação da democracia e equação dos problemas econômicos e políticos na índia e aumento do compromisso climático das grandes e superpotências.

No cenário conservador, o conflito sistêmico se vê alimentado por continuação dos dese-quilíbrios econômicos estruturais, com impactos negativos sobre o crescimento, emprego

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e mobilidade social; fracasso dos megaprocessos de integração; a continuidade da dis-funcionalidade da democracia americana; ascensão agressiva da China; deterioramento profundo do projeto europeu; instabilidade econômica e política no Brasil; aumento da agressividade da Rússia em relação a seus vizinhos, incluída a Europa; degradação pe-rigosa da democracia indiana; posições conservadoras na área de clima nas grandes e superpotências.

1.3 Game changers

Existe um terceiro conjunto de fatores que pode alterar profundamente o rumo das re-lações internacionais – eles são episódios isolados de alto impacto, mas de impossível predição (known unknowns), e entre os mais conhecidos estão (NIC, 2013):

a. Redução substantiva do preço da energia solar fotovoltaica ou outra “revolução energética” que combine baixo carbono e custo relativamente baixo;

b. Emergência súbita de um forte movimento de democratização política na Chi-na, que acabe com o monopólio do poder pelo Partido Comunista;

c. Pandemia severa, vírus emergente de transmissão aérea, como a contida epidemia de SARS em 2003, combinando alta capacidade de propagação com alta taxa de mortalidade;

d. Colapso do Euro com semidesintegração da União Europeia;

e. Ataque terrorista de redes radicais islâmicas, de grandes proporções, usando armas de destruição em massa (radiológica ou biológica). A Europa é bastante vulnerável a este tipo de ataque;

f. Ataque nuclear de Israel ao Irã;

g. Terremoto na falha de San Andreas ou na Baía de Tóquio, com posterior absor-ção de massas gigantescas de capitais para a reconstrução;

h. Acidente nuclear das dimensões de Chernobyl ou Fukushima;

i. Transformações democráticas profundas no Irã.

2. brasil na transição para o baixo carbono

O Brasil é uma grande potência por sua grande população, a dimensão da sua economia, o volume de GEE (Gases de Efeito Estufa) liberados anualmente na atmosfera e pelo lugar central que ocupa a Amazônia no ciclo global de carbono, por ser o estoque de carbono florestal mais importante do mundo (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2013). Em termos de compromisso climático, opera como potência conservadora moderada, principalmente pe-los avanços feitos a partir de 2005 na redução de emissões e desde 2009 com a adoção da lei de clima e o compromisso voluntário no âmbito da CQNUMC.

O Brasil é considerado um país com vulnerabilidade alta às mudanças climáticas, seja

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nos riscos das populações humanas a eventos climáticos extremos, seja a mudanças nos parâmetros climáticos nos próximos 30 anos (MAPLECROFT, 2011).

Os modelos climáticos colocam desafios em termos de bem-estar das populações costeiras e zonas urbanas, e de produção de energia e de alimentos. As regiões mais afetadas seriam a Amazônia – que passaria por um processo de savanização pelo aumento de temperatura – e o Nordeste – onde as chuvas tenderiam a diminuir. Para 2050, estima-se que a mudança do clima reduziria o PIB brasileiro entre 0,5% e 2,3% em relação ao cenário tendencial (MARGULIS; DUBEUX, 2010).

2.1 situação climática – presente e tendências

Até 2005, a economia do país operou sob um paradigma de alta intensidade de car-bono, derivado principalmente das altas taxas de desmatamento na Amazônia. Como resultado, o Brasil apresentava um perfil de emissões muito singular para um país de ren-da média: entre a metade e ¾ das emissões tinham origem no desmatamento, ao tempo que as emissões de energia – de matriz relativamente limpa – tinham pouca expressão na pauta de produção de GEE.

Segundo dados oficiais, o Brasil emitiu em 2005 quase 2,2 bilhões de toneladas de CO2e (dióxido de carbono equivalente), distribuídas da seguinte forma: desmatamento e mudança de uso da terra (60,6%); agropecuária (18,9%); energia (15%); indústria (3,6%); e tratamento de resíduos (1,9%). Nesse ano, as emissões do Brasil correspondiam a aproximadamente 6% do total mundial (BRASIL, 2010).

A partir de 2005, no entanto, operou uma mudança profunda. O progressivo controle do desmatamento na Amazônia gerou um processo de redução de emissões único no mundo levando as emissões em 2009 a serem aproximadamente 20% menores que as de 2005, fazendo cair a participação brasileira no total global de emissões para aproximadamente 4%, proporção que se mantém até o presente. A partir de 2010, a produção de GEE voltou a aumentar, mas dessa vez concentrada em outros setores como transporte, energia e agricultura. Como resultado, o perfil das emissões brasileiras se alterou profundamente. Em 2013, aproximadamente 25% das emissões vieram do desmatamento na Amazônia, 10% do Cerrado, 32% da energia, 25 % da agricultura, 5% da indústria e 3% de resíduos.

desmatamento

A perspectiva é que esse setor continue a trajetória decrescente na pauta de emissões brasileiras nas próximas décadas, tanto por redução absoluta de emissões quanto pelo crescimento de outros setores. As possibilidades de mitigação são particularmente posi-tivas nessa área (VIOLA; FRANCHINI, 2013b), existindo alto potencial para conversão eficiente da floresta, agrossilvicultura nas áreas degradadas, culturas seletivas anuais e outras atividades. No entanto, é necessário destacar que, pela primeira vez em quase uma década, o desmatamento na Amazônia aumentou sensivelmente de um ano para outro: de 4.571 km2 em 2012 para 5.843 km2 em 2013 (INPE/PRODES6 ). Ainda é cedo para fazer um diagnóstico sobre as causas do fenômeno e para precisar se ele é

6 Dados do monitoramento da floresta amazônica brasileira por satélite, disponíveis em: <http://www.obt.inpe.br/prodes/index.php>.

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apenas uma anomalia ou envolve uma mudança em relação à cultura de proteção à flo-resta desenvolvida pela sociedade brasileira nas ultimas duas décadas. De todo modo, é um desenvolvimento que deve ser monitorado de perto para obter uma avaliação realista do rumo da descarbonização no Brasil.

No médio prazo, é necessário considerar o impacto do aumento das temperaturas so-bre a região amazônica, que tenderia a reduzir sensivelmente a superfície coberta por florestas. Um possível processo de savanização teria impactos negativos em termos de variabilidade do clima local e regional, produção de energia, captura de carbono, perda de biodiversidade e provisão de serviços ambientais (MARGULIS; DUBEUX, 2010).

A alteração do perfil de emissões brasileiro trouxe novos desafios para a transição brasi-leira para uma economia de baixo carbono, o caminho relativamente fácil e pouco custo-so do controle do desmatamento foi substituído pela necessidade de reduzir a intensidade de carbono nos setores modernos da economia – energia, transporte e agricultura –, onde a tarefa enfrenta maiores obstáculos econômicos, sociais e políticos.

Nesse sentido, a redução da curva de emissões brasileira operada na última década não representa um exemplo de uma revolução do baixo carbono, mas o controle de um problema do século XIX em pleno século XXI.

Para analisar as perspectivas brasileiras na transição para uma economia de baixo carbo-no, resulta interessante refletir sobre o presente e o futuro dos principais setores emissores.

energia

Na área de energia, o Brasil continua a ter dois ativos de baixo carbono muito importan-tes: uma matriz elétrica relativamente limpa (85% derivada de usinas hidroelétricas) e o etanol (que corresponde a aproximadamente 18% da matriz energética) (BRASIL, 2010). A energia eólica é um desenvolvimento recente e promissor, mas ainda com expressão marginal na geração de energia no país.

No entanto, existe uma série de elementos negativos cuja evolução pode ter como resulta-do uma carbonização progressiva da matriz energética nos próximos anos. Em primeiro lugar, o avanço do setor petroleiro no país a partir de 2007, expressado na expansão do papel da Petrobras com apoio estatal. Em segundo lugar, a crise da indústria do eta-nol, cuja produção estagnou-se nos últimos anos, forçando a importação dos EUA. Esse processo também tem como ator principal o governo, que abandonou desde 2007 a diplomacia do etanol para favorecer o desenvolvimento da indústria petroleira.

A expansão das usinas hidroelétricas na Amazônia – cujo desenvolvimento é a única forma de manter a alta proporção hídrica da matriz elétrica – enfrenta dois problemas sérios: a oposição sistemática de grupos ambientalistas radicais e a utilização da tecno-logia de fio d’água, que limita o potencial de geração das usinas por não terem reser-vatórios suficientes para compensar o déficit de precipitações, no marco de projeções de queda de precipitações na região por causa da mudança global do clima. Cenário similar enfrenta a produção de energia hidroelétrica no Nordeste – e em menor medida o Centro-Oeste – como consequência da queda projetada de precipitações na região para as próximas décadas (MARGULIS; DUBEUX, 2010).

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transporte

O Brasil tem hoje um sistema de transporte individual, público e de cargas que é muito intensivo em carbono. O setor está excessivamente concentrado em rodovias, que respon-dem por aproximadamente 60% da matriz (FGV/EPC, 2010). Em relação ao transporte individual, ele representa 43% do transporte urbano de passageiros (FGV/EPC, 2010) e foi incentivado pelas políticas estatais no último quinquênio sem considerações em rela-ção aos seus efeitos sobre consumo de combustíveis, mobilidade urbana e emissões de GEE. A frota de carros e caminhonetes passou de pouco mais de 33 milhões em abril de 2008 para cerca de 45 milhões em janeiro de 2012 (Denatran7 ), com taxa de expansão anual média de aproximadamente 10% até 2011. Como consequência, a economia brasileira enfrenta um quadro de escassez de gasolina e de etanol. O transporte público está à beira do colapso na maioria das grandes cidades brasileiras, onde os problemas das emissões de GEE se agregam aos problemas tradicionais de ineficiência e congestio-namento do trânsito.

Pela quantidade de investimentos necessários, os lobbies existentes e os poucos incentivos que a política de transporte oferece à classe política (benefícios de meio e longo prazo), as perspectivas de redução de emissões nesse setor são baixas no atual contexto. Um elemento-chave a considerar aqui é a evolução do plano de investimento em infraestru-tura lançado pelo governo em 2012, que no início de 2014 mostra avanços na área de aeroportos e rodovias, mas não na área de portos e ferrovias.

Agricultura

Esse setor foi se tornando na ultima década um emissor principal – representando de um quarto a um terço das emissões brasileiras de GEE atualmente – pelo grande crescimen-to da produção agropecuária no país. No entanto, essa expansão se deu, em geral, utilizando práticas agrícolas virtuosas em termos de produção de GEE, como o plantio direto. Como resultado, o aumento da produção e produtividade trouxe um aumento das emissões proporcionalmente menor.

Olhando ao futuro, o Brasil tem grande potencial para desenvolver uma agricultura de baixo carbono, baseada no potencial agrícola das terras degradadas e no plantio direto (CERRI, 2010). Os elementos-chaves a se considerar aqui são a evolução do Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) e a disposição dos empresários agrícolas para adotarem tecnologias e práticas limpas. Para o final do período considerado, será necessário in-corporar à analise os impactos da mudança do clima sobre o setor, já que se projetam progressivas perdas de produção agrícola em todos os estados brasileiros, com exceção do Sul-Sudeste, para as próximas décadas (MARGULIS; DUBEUX, 2010).

resíduos

O setor de resíduos é marginal em termos de proporção das emissões brasileiras e pro-vavelmente se manterá dessa forma no futuro próximo. No entanto, existe potencial de redução de emissões pelos cobenefícios em termos de saúde pública e qualidade de vida que oferecem o saneamento básico e a disposição sustentável de resíduos – de forma que é possível esperar melhoras nesse setor, pelo baixo nível de resistência.

7 Dados sobre a frota de carros brasileira se encontram disponíveis em: <http://www.denatran.gov.br/frota.htm>.

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2.2 situação política do clima – presente e tendências

Em termos de política climática, o Brasil teve grandes avanços em 2009 e 2010. Depois de anos de operar como potência conservadora na área da governança do clima. Na es-fera doméstica, o Congresso aprovou em dezembro de 2009 a lei de mudança do clima (Lei 12.187/09), colocando o Brasil no seleto clube das potências que internalizaram a questão climática na sua arquitetura jurídica. A lei estabelece o marco para a transição para o baixo carbono e estabelece a Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), tendo como referência o compromisso voluntário apresentando no marco da COP 15, como mais na frente detalhamos.

Seguindo as diretrizes da lei, o governo iniciou a regulamentação em 2010 com base nos cinco planos setoriais correspondentes aos compromissos apresentados na COP 15: Desmatamento na Amazônia, Desmatamento no Cerrado, Agricultura, Energia e Siderur-gia. Para uma segunda etapa, ficou o processo de regulamentação dos outros planos se-toriais: 1. Transportes (cargas e passageiros); 2. Indústria de Transformação e de Bens de Consumo Duráveis; 3. Indústria Química Fina e de Base; 4. Indústria de Papel e Celulose; 5. Mineração; 6. Indústria da Construção Civil; e 7. Serviços de Saúde. No entanto, a partir de 2011, o processo de implementação da lei de clima se estagnou. Dos cinco planos iniciais, apenas um, o da Amazônia, teve resultados significativos, em-bora já estivesse funcionando com anterioridade à sanção da lei. O Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC) conta com grandes recursos, mas os produtores não têm feito uso desses fundos. Existe, contudo, um grande potencial de avanço nesta área nos próximos anos. No plano de energia existem grandes incertezas, especialmente em rela-ção ao rumo da hidroeletricidade na Amazônia.

Finalmente, o plano de siderurgia ainda está em fase de preparação. Nos outros sete planos, o avanço da regulamentação tem sido escasso.

A lei de mudança do clima visa também estimular o desenvolvimento do Mercado Brasilei-ro de Redução de Emissões (MBRE), que é operativo desde 2005 como mercado derivado dos projetos MDL (Mecanismo para o Desenvolvimento Limpo). No entanto, as perspec-tivas de desenvolvimento são mínimas, dada a crise global dos mercados de carbono (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2013). O futuro da implementação da lei de mudança do clima é central para avaliar o rumo da economia do baixo carbono no Brasil. A situação pós-2011 convida para uma conclusão negativa sobre esse futuro, mas existe certo lugar para o otimismo, se consideradas certas condições, como veremos nas próximas páginas. Em termos de política exterior, foi em novembro de 2009 que o Brasil fez o avanço para posições mais reformistas ao propor um compromisso voluntário de redução de trajetória de emissões (NAMA – Nationally Appropriate Mitigation Actions, ou Ações de Mitigação Adequadas Nacionalmente). Dessa forma, o país se afastava do posicionamento tradi-cional, que afirmava que quase toda a responsabilidade pela redução de emissões cabia aos países desenvolvidos.

No entanto, essa posição reformista não se traduziu na arena das negociações multilate-rais, onde o Brasil insistiu na postura dos seus aliados do BASIC e G-77+ China, de que as metas para países em desenvolvimento devem ser voluntárias. Essa postura se manteve ao longo das COPs de Copenhague (2009) e Cancun (2010). Um discurso na plenária de abertura da COP 17 em Durban, na África do Sul, em 2011, mostrou uma abertura

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difusa para compromissos obrigatórios para países em desenvolvimento, mas posteriores atuações do Brasil nas COPs não confirmaram essa perspectiva. Ao contrário, na Cúpula de Varsóvia (2013), o Brasil voltou a posições mais conservadoras ao retomar uma visão radical do princípio de responsabilidades históricas.

O elemento-chave para considerar aqui são as alianças privilegiadas pelo país nas ne-gociações climáticas: as potências reformistas (UE, Japão, Coreia do Sul) ou as potências conservadoras (índia, Rússia).

2.3 elementos centrais na trajetória climática brasileira para as próxi-mas décadas

Brasil tem o potencial para ser um ator central da governança do clima, tanto por suas capacidades materiais (energia limpa, sumidouros de carbono, etc.) quanto por seu soft power (VIOLA; FRANCHINI, 2012a). No entanto, para isso deve assumir maiores níveis de compromisso climático, cooperando de forma intensa para a construção de um espaço de operação segura para a humanidade e afastando-se das tendências conservadoras do período presente. Essa transição para o baixo carbono, em termos de profundidade e velocidade, dependerá nas próximas duas décadas de uma série de fatores que consi-deramos a seguir.

No plano externo, o desenvolvimento de um ambiente cooperativo – recuperação eco-nômica sistêmica, consolidação dos megaprocessos de integração, ascensão pacífica da China, recuperação política e econômica da Europa e do Japão, continuidade da Coreia do Sul como nova potência reformista, convergência pacífica da Rússia, equação dos problemas econômicos e políticos na índia, aumento do compromisso climático das grandes e superpotências – opera como alimento das tendências de descarbonização no país, ao tempo que um cenário conflituoso pode operar no sentido contrário.

No plano doméstico, os fatores mais significativos a considerar são:

• O posicionamento das futuras administrações federais em relação à problemá-tica do clima e, em particular, da sustentabilidade.

• O grau de assimilação do vetor sustentabilidade/clima nas forças políticas rele-vantes, tanto da situação como da oposição.

• A continuidade ou não de políticas econômicas desenvolvimentistas focadas no curto prazo – crescimento econômico imediato – e insensíveis a questões ambien-tais e climáticas. Nesse sentido, é central o futuro da implementação da PNMC.

• Um eventual debate sobre uma taxação específica para o carbono se torna fundamental. • Os efeitos sociais e políticos dos impactos econômicos da mudança do clima: queda da geração hidroelétrica no Norte e Nordeste; queda da produtividade agrícola em algumas regiões, especialmente das culturas de subsistência no Nor-

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deste (MARGULIS; DUBEUX, 2010); aumento dos custos de adaptação por acele-ração de fenômenos climáticos extremos e aumento do nível do mar.

• O impacto social e político da aceleração dos fenômenos climáticos extremos na sociedade brasileira.

• O impacto do V Relatório do IPCC e de outras peças científicas sobre o estado crítico da situação climática sobre a sociedade e lideranças políticas brasileiras.

•Orumodosetorenergético,especialmentedaindústriadopetróleo,dahidroe-letricidade, da eólica e do etanol. Sobre o fim do período considerado, o poten-cial da energia solar será cada vez mais relevante.

• O rumo do setor agrícola, especialmente em relação a sua capacidade de absorção de tecnologias limpas que permitam aumentar a produtividade sem aumentar os níveis de emissão.

• Caso predominem as tendências reformistas no período considerado, o Brasil estará disposto a assumir um comportamento mais convergente com a estabilida-de do sistema climático, abandonando a visão desenvolvimentista das respon-sabilidades históricas e adotando uma noção menos soberanista em termos de governança global.

• Em termos concretos, o país passará a defender a adoção de metas obrigató-rias de mitigação para todos os países que sejam convergentes com a ciência do clima e a criação de algum tipo de mecanismo de pós-soberano de enforcement para essas metas.

O sucesso dessas posições dependerá do comportamento das outras potências do clima.

parte ii - tendências e perspectivas nas super e grandes potências do clima: eUA, China, União europeia, Índia, rússia, Japão, Coreia do sul e brasil

introdUção

Utilizando o marco conceitual desenvolvido na seção I, consideramos aqui o papel dos grandes atores estatais da governança do clima para as próximas duas décadas. Refle-timos assim sobre considerações de poder e compromisso climático nas super e grandes potências. Com esse objetivo, dividimos o trabalho em duas partes. Na primeira, con-sideramos as tendências nas superpotências: os Estados Unidos, a União Europeia e a China. Na segunda parte, analisamos as grandes potências: a índia, a Rússia, o Japão, a Coreia do Sul e o Brasil.

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1. superpotências

A. estados Unidos

Os EUA continuam sendo o país mais importante na arena de governança global do clima por serem o segundo grande emissor e por continuarem tendo o maior potencial de inovação tecnológica de impacto mundial em direção ao baixo carbono. Os Estados Unidos têm uma população de 313 milhões de habitantes, um produto interno bruto (PIB) de US$ 15,1 trilhões e um PIB per capita de US$ 48 mil. Os EUA emitem, anualmente, 7,8 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, correspondentes a 15% do total de emissões mundiais, 25 toneladas per capita e 0,5 tonelada de carbono por cada 1.000 dólares de PIB. É um dos países com maior taxa de emissões per capita do mun-do. É uma potência conservadora moderada em termos de compromisso climático e de vulnerabilidade média aos efeitos da ruptura climática global. No entanto, os extremos climáticos nos Estados Unidos tendem a ter mais impacto global que os acontecidos em outros locais, de forma que uma aceleração sensível desse tipo de eventos no território americano poderia acelerar o ritmo de assimilação global da ameaça da desestabiliza-ção do clima.

A economia americana opera com relativa alta eficiência energética e baixa intensidade de carbono em termos globais, mas apresenta uma das mais altas intensidades entre os países desenvolvidos devido à combinação de matriz energética baseada no carvão e petróleo com a alta utilização do avião e do automóvel individual no transporte. Na primeira década deste século, as emissões dos EUA cresceram 0,8 % ao ano até 2008, observando-se depois uma estagnação e certo declínio, produto da crise econômica. Essa tendência tende a consolidar-se como produto do alto preço do petróleo e da revolução do gás de xisto.

No entanto, a evolução da equação energética no país é uma das grandes interrogações em relação à transição americana para uma economia de baixo carbono, dadas as drásticas e inesperadas mudanças acontecidas nos últimos quatro anos. O núcleo dessa revolução é a expansão da produção de gás natural em bacias não tradicionais através da tecnologia de fracking, que levou a uma drástica redução dos preços do combustível. Como consequência, o gás se tornou um substituto viável para o carvão na produção de eletricidade.

O movimento obedeceu principalmente a lógica do mercado e avanços tecnológicos, e não a sinais vindos da política. As consequências dessa revolução são diversas, mas destacamos duas aqui. Em primeiro lugar, existe um potencial impacto geopolítico signi-ficativo, já que, se as perspectivas mais otimistas se concretizarem, os EUA poderiam se libertar dos combustíveis produzidos em regiões instáveis do planeta.

De fato, alguns analistas consideram a possibilidade dos EUA exportarem gás para o mercado europeu, mitigando dessa forma a dependência do velho continente do gás russo.

A segunda série de consequências tem a ver com o rumo da economia de baixo carbono no país. Aqui as tendências são ambíguas: de um lado, a substituição do carvão por gás na geração elétrica reduz as intensidade de carbono na matriz elétrica americana. De ou-tro, a crescente oferta de combustíveis fósseis a preços competitivos tenderá a moderar os investimentos em energias renováveis e talvez em relação à eficiência energética.

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Nos primeiros meses do governo Obama houve sinais claros de que a nova administra-ção tentaria dar um impulso decisivo para a descarbonização da economia. No entanto, o fracasso da Lei Waxman de energia e clima – que propunha um sistema de tetos e cotas de emissão de carbono – em meados de 2010 pela resistência republicana frustrou esse impulso e opera como um sinal negativo em relação às possibilidades de uma legislação profunda de clima ser votada no Congresso nos próximos anos. Paralelamente, o presi-dente Obama aparece debilitado no seu segundo período, com baixos níveis de popu-laridade e pouca capacidade de avançar com sua agenda de governo, de forma que, mesmo que no discurso expresse o desejo de deixar um legado positivo na luta contra a mudança climática, na realidade as possibilidades de ação são escassas nesse âmbito.

Um elemento decisivo para avaliar os limites das intenções do presidente de fazer da mudança climática um elemento central da sua agenda será sua posição em relação à Keystone XL Project. O projeto do oleoduto que conectaria as refinarias de petróleo ame-ricanas com os campos de exploração das areias betuminosas do Canadá, precisa da aprovação presidencial para ser construído. O debate envolve argumentos estritamente climáticos, como o de James Hansen, que afirma que a exploração desse petróleo sujo terá impacto devastador para o sistema climático; e argumentos como o do recente rela-tório do Departamento de Estado8, que afirma que essas reservas de petróleo serão explo-radas de qualquer maneira. Outras considerações sobre emprego, segurança energética e a estratégica relação bilateral com o Canadá fazem ainda mais complexa a decisão do presidente.

Em termos de política externa, apesar das tentativas da administração democrata de au-mentar seu compromisso climático, a posição do país na arena das mudanças climáticas tem sido conservadora na última década. A postura oficial da diplomacia americana relativiza a urgência de acordar um instrumento obrigatório (legally binding) no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e insiste na neces-sidade de que todos os grandes atores do clima sejam incluídos no esforço de mitigação.

Expressam-se, no Congresso americano, importantes resistências com respeito a compro-missos de redução incisivos, a maior parte delas derivadas da inexistência de compro-missos de redução por parte dos grandes países emergentes, particularmente da China. Entre os vários elementos – estruturais e conjunturais – que obstaculizam a transição dos Estados Unidos para uma potência reformista na área de clima se encontram: lobbies se-toriais, alto endividamento público, a crise do emprego, cultura energética pro-fóssil, crise de governabilidade, e a progressiva conversão da mudança climática em uma clivagem rígida entre democratas e republicanos.

Os problemas de governabilidade da democracia americana expressam em parte a for-te divisão que atravessa sua sociedade: uma parte dela aberta e sensível aos fluxos da globalização, outra fechada e semifundamentalista, que se refugia em uma ideologia isolacionista. Como movimento mais profundo, observa-se uma progressiva erosão dos valores básicos da sociedade americana, ancorada na incerta recuperação econômica, na persistente crise do emprego, no aumento da desigualdade social, e no crescente bloqueio da mobilidade social, talvez a ideia-força mais poderosa da cultura americana.

A Califórnia é o principal exemplo da metade dos EUA que é sensível ao clima e procura desenvolver uma rápida transição para uma economia de baixo carbono. Essa tendência se expressa em fatos, como ter aumentado extraordinariamente a eficiência energética 8 O documento pode ser acessado em: <http://keystonepipeline-xl.state.gov/documents/organization/221135.pdf≥.

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de sua rede elétrica, possuir uma frota de carros mais eficientes que a média nacional e ter muitas empresas grandes, médias e pequenas orientadas ao desenvolvimento de tecnologias, processos produtivos e logística de baixo carbono.

Ainda no nível estadual, também os estados de Nova Inglaterra e Washington avança-ram em termos de compromisso climático, ao aprovarem sistemas regionais de caps and trade. O estado de West Virginia, pelo contrário, é conservador pela forte dependência da produção de carvão.

Pode-se resumir a dinâmica das forças tradicionais versus forças descarbonizantes nos EUA da seguinte forma: na área econômica, são forças conservadoras a Exxon-Mobile, as empresas petroleiras médias, utilities de termoelétricas e a indústria automobilística (excetuando a Ford). São forças reformistas o setor de energia solar, eólica e nuclear; as indústrias de tecnologia e informação, como Google, Apple, Microsoft, Oracle e CNN; biotecnologia, energias renováveis e nuclear, como General Electric; e grandes cadeias varejistas, como Wall Mart, produtores de insumos de construção “verde” etc. A indústria dos seguros está tornando-se também uma força reformista, na medida em que está in-corporando aos preços os efeitos da desestabilização climática. Nesse sentido, é o setor da economia americana que mais avançou no estabelecimento de um preço ao carbono. O setor da bioenergia ocupa um lugar intermediário, na medida em que representa uma opção por energias renováveis, mas é baseado em milho, que é ineficiente em relação a outras culturas.

Nos Estados Unidos têm sede as maiores organizações da sociedade civil comprometidas com o clima, assim como a maior comunidade de cientistas do clima do planeta; mas também os maiores think tanks céticos desenvolvem suas atividades nesse país, com um alto nível de impacto sobre a dinâmica política local. Ainda em termos de dinâmicas sociais, as ações do papa Francisco podem ter impacto positivo sobre as percepções do terço católico do país. As posições convergentes com uma espécie de socialdemocracia global defendidas pelo papa são consistentes com maior compromisso com a governança global e climática. Os Estados Unidos têm uma margem importante para redução de emissões por meio de: mudança de tecnologia de termoelétricas para “carvão limpo” (tecnologias mais limpas), gás natural e utilização de “captura e estocagem de carbono”; expansão das energias eólica, solar, biocombustíveis e nuclear; modernização da rede de transmissão elétrica e estabelecimento de novos padrões verdes de construção – prédios e casas desenhados ou reformados para redução de emissões e diminuição de tamanho; e aumento dos padrões de eficiência dos automóveis (SACHS, 2009). A opção por um aumento da proporção do transporte coletivo como política de baixo carbono aparece limitada nos EUA pelo modelo de subúrbio, já profundamente arraigado depois de 50 anos.

O dinamismo tecnológico da sociedade americana continua sendo muito denso, existindo uma forte convergência entre os setores inovadores e o baixo carbono, especialmente na área de energias renováveis. No entanto, é difícil prever os impactos dessa dinâmica sobre a trajetória da economia americana. O caso da tecnologia da energia solar fotovol-taica oferece um paradoxo ilustrativo: a tecnologia avança tão rápido que os empresários dilatam decisões de investimento, temendo apostar em uma tecnologia que de pronto se tornará obsoleta.

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A ação do Estado aqui poderia ser decisiva para acelerar o desenvolvimento no baixo carbono, mas as perspectivas nessa área são limitadas. Dada a forte resistência do Parti-do Republicano, é muito difícil o estabelecimento de uma espécie de “Projeto Manhattan” para o clima. Na área de infraestrutura, onde os EUA têm um sério déficit, existem limites orçamentários e políticos para a realização de grandes obras, especialmente aquelas convergentes com a mitigação da mudança climática. À diferença do que aconteceu na revolução ambiental da década de 1970, o Estado americano é incapaz de se tornar um motor central do baixo carbono. Essa é uma das heranças da grande recessão eco-nômica: a monumental dívida pública coloca limites ao avanço futuro do compromisso climático americano, independentemente de quem seja presidente.

Em maio de 2014 foi publicado, pela Environmental Protection Agency (EPA), The Third National Climate Change Assessment (MELILLO; RICHMOND; YOHE, 2014), produzido por um vasto grupo de cientistas de alto prestígio e que demonstra detalhadamente que EUA já está sofrendo de modo significativo os impactos da mudança climática através de aumento de frequência e intensidade de fenômenos climáticos extremos em todas as regiões do país. O presidente Obama dedicou uma parte importante de sua agenda à divulgação do relatório e, em junho de 2014, publicou um decreto executivo que estipu-la a redução de 30% das emissões das usinas termoelétricas para o ano 2030, tendo como ano-base o ano de 2005. Estas iniciativas de Obama produziram certa esperança nas travadas e degradadas negociações multilaterais para a COP de Paris, em 2015, mas dificilmente terão força para mudar a situação na direção de um acordo legalmente vinculante. De qualquer modo, estes eventos se adicionam à redução de emissões aconte-cida a partir de 2009 em razão da revolução do gás de xisto, no sentido de indicar uma trajetória de avanço das forças reformistas nos EUA, mesmo que ele seja limitado e lento.

b. União europeia

A União Europeia, composta por 28 países, tem uma população de 500 milhões de habitantes, um PIB de US$ 15,8 trilhões e um PIB per capita de US$ 31,5 mil; emite 5,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, correspondentes a 11% do total mundial, 11 toneladas per capita e 0,36 tonelada de carbono por cada 1.000 dólares de PIB. Em termos gerais, apresenta um nível de vulnerabilidade média aos efeitos das mudanças climáticas e um potencial muito alto de tecnologias de baixo carbono. A União Europeia é muito heterogênea, tanto em termos de emissões per capita – entre 22 toneladas, de Luxemburgo, e 5 toneladas, de França e Portugal – quanto de intensida-de de carbono: baixa nos países nórdicos, Alemanha, Reino Unido e França; média na Espanha, Bélgica e Itália; e alta na Polônia, República Checa, Romênia, Bulgária e nos países bálticos.

As emissões da União Europeia crescem 0,5% a.a., como resultado da quase estabili-dade das emissões da Alemanha, Reino Unido e Suécia, e do crescimento acelerado das emissões da Espanha, Portugal, Grécia e países do Leste Europeu – ainda que estes últimos estejam abaixo de sua linha de base de 1990. No entanto, e como no caso dos Estados Unidos, a crise econômica afetou fortemente o rumo das emissões entre 2008 e 2013, nesse caso diminuindo com respeito aos níveis de 2007.

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Cabe destacar aqui que para a maioria dos países do bloco, o gás de xisto não é uma alternativa viável pela alta densidade demográfica e as resistências que gera pelos even-tuais impactos ambientais. Nesse sentido, apenas a Polônia advoga enfaticamente pela exploração dessas bacias. A energia nuclear também divide o bloco. Entre os grandes, a Alemanha abandona rapidamente essa fonte, ao tempo que a França e o Reino Unido continuam apostando nessa energia de baixo carbono. Em relação à energia solar, a grande aposta de desenvolvimento de energia solar no Saara naufragou pela instabilida-de política na região.

As principais lideranças políticas da União Europeia dos últimos anos têm estado a favor de uma ação incisiva para mitigar o aquecimento global, não obstante a heterogeneida-de do bloco se expresse também no grau de compromisso climático de cada um dos pa-íses-membros. Destacam-se nessa área os governos e opiniões públicas do Reino Unido, Alemanha, Áustria, Suécia, Holanda, e Dinamarca, acompanhados – embora com um perfil mais baixo – pela França, Bélgica, Finlândia e Irlanda. Dos grandes sócios da UE, a Alemanha e o Reino Unido são líderes. Cabe destacar ainda que a descarbonização da economia alemã se dá em continuidade com seu perfil industrial, enquanto a redução de emissões britânica se produz por uma transição para uma economia de serviços.

Dos outros grandes países da UE, a França é um ator climaticamente responsável com baixas emissões per capita e boa parte de sua matriz elétrica baseada em usinas nucle-ares. A eleição de François Hollande como presidente trouxe uma administração mais comprometida com as questões climáticas e, portanto, mais convergente com a liderança política alemã. A realização da COP 21 em Paris, em 2015, aparece como um inves-timento político muito importante para Hollande, fato positivo para a reunião – já que haverá um país importante muito comprometido com seu sucesso –, mas que não garante nem remotamente um resultado positivo.

Como argumento central, afirmamos que, para que a UE se torne uma liderança relevante e efetiva para a descarbonização global, deve passar antes pelo teste da própria integri-dade. A crise econômica de 2008/2009 e a consequente instabilidade erodiu fortemente a capacidade do bloco de liderar essa transição, embora continue a ser única superpo-tência reformista. Nesse sentido, o processo de erosão do bloco já passou pelo momento mais crítico, sendo hoje o risco de desintegração relativamente baixo. No entanto, as perspectivas de um aprofundamento do projeto europeu são também baixas, sobretudo pela negativa da Alemanha a assumir os custos de uma maior integração, resultando num processo de ajuste que tenderá a prolongar-se. Somam-se ademais outros fatores, como o empoderamento de minorias nacionalistas muito vocais em vários países.

Os temas que dominam a agenda europeia desde 2011 e para os próximos anos são o crescimento econômico, o emprego e a segurança energética. Mais ainda, com o fracasso da Primavera Árabe e o aumento do conflito na região, houve um aumento da percepção da vulnerabilidade europeia em relação a seus vizinhos – uma volta das pre-ocupações de segurança básica. Nesse contexto, a agenda climática perde espaço na hierarquia de prioridades europeia. Esse fato é agravado pela percepção crescente de que os esforços unilaterais de baixo carbono feitos pelo bloco foram esterilizados pela ausência de um acordo global sobre clima, e que o único efeito visível do processo foi uma queda da competitividade relativa da Europa. Ainda sem retroceder em termos de compromisso climático, dificilmente a UE se tornará o líder relevante da descarbonização global nos próximos anos. Operará assim como uma potência reformista bloqueada na governança global do clima.

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C. China

A China tem uma população de 1,35 bilhão de habitantes, um PIB de US$ 11,3 trilhões e um PIB per capita de US$ 8,4 mil, emite 10,9 bilhões de toneladas de carbono equi-valente por ano, correspondente a 21% das emissões globais, 8 toneladas per capita e 0,96 tonelada de carbono por cada 1.000 dólares do PIB. Entre as superpotências, é a única que apresenta um alto nível de vulnerabilidade aos efeitos da mudança climática, chegando a ter regiões expostas a riscos extremos. Trata-se de uma economia muito intensiva em carbono devido à sua matriz energética, fortemente baseada em carvão e petróleo, e, notadamente, à sua baixa eficiência energética. Mesmo que a intensidade de carbono do seu PIB esteja caindo 5% ao ano desde a última década, o país ainda detém uma intensidade de carbono 9 vezes superior à do Japão e 4 vezes superior à dos EUA.

No entanto, a economia chinesa tem um potencial alto em termos de tecnologias de baixo carbono, com certas áreas de vanguarda, como veremos a seguir. Contrariando o senso comum, as emissões per capita da China são médias, e não baixas.

O custo de redução de emissões da China é alto, no caso de se continuar com o modelo atual de industrialização, mas seria viável com reorientação para um modelo mais baseado no mercado interno, com crescimento da produtividade em lugar do modelo baseado na expansão exportadora. No entanto, o governo chinês teme fazer essa transição e se man-tém em uma posição conservadora, não conseguindo se antecipar aos problemas. Nesse sentido, o sistema político chinês compartilha as disfunções das grandes democracias.

A posição do governo chinês – nas políticas energéticas e climáticas nacionais, bem como nas negociações internacionais – foi negligente até 2006, mas a partir de então houve mudanças baseadas na avaliação da vulnerabilidade da China à mudança cli-mática e dos impactos ambientais negativos da atividade econômica, especialmente a geração energética. O governo incentivou forte crescimento da energia eólica e solar, e anunciou seu objetivo de reduzir o ritmo do crescimento das emissões. Esse objetivo refletiu-se no Plano Nacional de Mudanças Climáticas e no pacote de estímulo econômico anticrise aprovado em novembro de 2008, com uma proporção de 35% do gasto público orientado para a transição para uma economia de baixo carbono.

O esforço do governo chinês de melhorar o perfil energético da economia inclui ainda a ampliação da rede de usinas nucleares, sendo que o número de centrais planejadas supera as do resto do mundo consideradas em conjunto, e hidroelétricas, sendo a China uma das economias que mais usa esse tipo de energia no mundo.

No entanto, o grande desafio da China na área energética é sua dependência do car-vão. O país é hoje o principal produtor (aproximadamente 3 bilhões de T anuais, se-gundo THE ECONOMIST, 2012), o principal importador e o principal consumidor de carvão, sendo que cerca de 80% da eletricidade do país provêm de usinas alimentadas com esse combustível. Isso gera não apenas uma grande liberação de CO2 na atmosfe-ra, como também tem efeitos nocivos sobre o meio ambiente local, poluindo ar, terra e água. Segundo McKinsey (apud THE ECONOMIST, 2012), a economia chinesa estará consumindo cerca de 4,4 bilhões de toneladas de carvão em 2030, ano em que o país quase terá dobrado o volume de emissões de 2005 (de 6,8 bilhões de T CO2e para 15 bilhões, aproximadamente) e perto de 40% delas serão produzidos pelo setor energético. A tentativa do governo chinês de abandonar progressivamente a dependência do carvão não parece, segundo a consultora McKinsey (apud THE ECONOMIST, 2012), tão sim-

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ples: a estrutura fragmentada do setor mineiro local e a abundância do mineral tanto na China quanto em países capazes e dispostos a exportar ao mercado chinês – Austrália, Indonésia e Mongólia – conspiram contra os planos oficiais de redução de demanda.

Assim, muito mais importante que reduzir a curva de crescimento e estabilizar o consumo de petróleo para o mundo é uma significativa redução da queima de carvão. Para isso, uma drástica mudança na forma como o carvão chinês é consumido torna-se decisiva, o que torna ainda as tecnologias de captura e sequestro de carbono, de carvão limpo e a energia nuclear muito importantes para o país.

Em relação à posição chinesa de negociação internacional, ela manteve-se atrasada comparada com sua nova política energética. A China continua negando-se a assumir compromissos relacionados a um pico de emissões e a um ano de estabilização anterior a 2020 – como demandado pela comunidade científica internacional e pela União Eu-ropeia, Estados Unidos e Japão –, sendo esse um dos fatores que aumenta o poder de fogo dos conservadores no Congresso americano. Na COP 19, em Varsóvia, o governo chinês foi um dos líderes dos like-minded developing countries, que mostrou posições extremamente conservadoras em relação aos compromissos de mitigação de emissões.

Desde 2009, pode-se dizer que existem duas Chinas em termos de carbono: de um lado, uma China tradicional fortemente predominante, que é uma máquina produtora e ex-portadora de emissões de carbono; de outro lado, uma nova China, de baixo carbono, minoritária, mas que cresce a uma extraordinária velocidade devido à altíssima capaci-dade de poupança e investimento do país, e que criará um novo empresariado do baixo carbono com interesses contraditórios aos da China tradicional.Assim, a China é uma potência conservadora pelo capital acumulado até 2008, mas com tendências reformistas, dados os investimentos limpos a partir desse ano. Nessa clivagem entre forças globalistas e forças nacionalistas, o poder das primeiras cresce gradualmente e elas mostram-se orientadas a mudar a posição chinesa no sentido da responsabilidade global.

A elite reformista chinesa está situada nos polos de alto desenvolvimento, especialmente Shangai, e nos setores de energia solar, eólica e nuclear. Paralelamente, a consciência sobre a ameaça climática é maior na costa que no interior. Existe uma série de elementos que se combinam para explicar o maior crescimento das forças reformistas na China autoritária. Em primeiro lugar, três vetores relevantes de descarbonização: uma alta per-cepção das vulnerabilidades da sociedade aos efeitos do clima; a necessidade de maxi-mizar a competitividade da nova economia; e a procura de acrescentar ao soft power do país. Em segundo lugar, a dinâmica própria do Partido Comunista da China (PCC), que tende a privilegiar a capacidade técnica de seus representantes, fazendo-os sensíveis ao argumento científico, em combinação com a herança da cultura confuciana de respeito à ciência.

O rumo da nova liderança chinesa sob o comando de Xi Jinping oferece ainda algumas incertezas, mas em termos gerais se visualiza uma inclinação a aumentar o controle da dissidência política e da internet, liberalizar a economia, aumentar a assertividade na política externa na região da Ásia-Pacífico e investir recursos de todo tipo na guerra ci-bernética. Em geral, a elite governamental inclina-se por uma economia de mercado mais aberta, mas enfrenta resistência em setores-chaves, como bancos e empresas estatais.

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Entre os desafios mais importantes da nova liderança estão a redefinição do modelo de desenvolvimento orientado para o consumo interno, a adaptação a taxas mais baixas de crescimento econômico, a crescente e bem-sucedida onda de protestos por questões de poluição, a perda de legitimação progressiva do regime pela visibilidade cada vez maior da corrupção, as fortes pressões por liberalização e reforma política na região costeira, a administração da deterioração da relação estratégica com os EUA, o Japão, as Filipinas e o Vietnã; e, finalmente, evitar que a ascensão da China, acompanhada pela agressiva competitividade de suas manufaturas, desenvolva uma percepção crescentemente crítica da China no resto do mundo.

Dessa lista, os desafios imediatos de contestação política ao monopólio do PCC são a corrupção e a poluição ambiental. Em ambas as dimensões há sinais de que a tendência das lideranças do país é de responder a esses desafios, afastando-se do comportamento tradicional de reprimir ou negar os problemas. No caso específico da corrupção, o go-verno chinês ensaia o difícil equilíbrio de tentar controlá-la sem fazer uma abertura do sistema político, estratégia sujeita também a fortes incertezas.

Nesse contexto, a redução de emissões de carbono dificilmente será uma prioridade para Xi. No entanto, lidar com algumas das questões prioritárias – reforma econômica, diminuição da poluição, reforma política e melhora das relações estratégicas – tenderá a aumentar o compromisso climático da China. A grande pergunta é se a nova cúpula chinesa enfrentará diretamente esses desafios ou manterá a atual trajetória inercial por temor às incertezas da mudança.

2. grandes potências

d. Índia

A índia tem uma população de 1,2 bilhão de habitantes, um PIB de US$ 4,5 trilhões e um PIB per capita de US$ 3.700. Emite, anualmente, 3,6 bilhões de toneladas de carbono equivalente, correspondentes a 7% do total de emissões globais, 3 toneladas de carbono per capita e 0,8 tonelada por cada 1.000 dólares de PIB. Entretanto, apresenta baixa taxa de emissões per capita e elevada intensidade de carbono devido à baixa eficiência energética e ao alto peso do carvão e petróleo em sua matriz energética.

Aproximadamente 70% da eletricidade do país tem o carvão como fonte, e, consideran-do que ainda cerca de 300 milhões de indianos carecem de acesso ao serviço, é de se esperar que haja uma forte expansão da demanda nos próximos anos (THE ECONO-MIST, 2012). Nesse contexto, o carvão aparece como uma opção natural, na medida em que a índia é o terceiro produtor global e o quinto em reservas.

De igual forma, esse crescimento da demanda está detrás do desenvolvimento de opções alternativas, como a solar fotovoltaica e a eólica, em proporções bem superiores às do Brasil, embora inferiores às da China. A índia tem desenvolvido parcialmente a produção de etanol por ser o maior produtor de açúcar do mundo, embora a maior parte dessa pro-dução destine-se à alimentação humana. No entanto, os déficits acumulados de produção de energia, marcados por grande apagões, mostram os limites da trajetória indiana em termos de infraestrutura.

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Nesse sentido, aparece com uma capacidade média em termos de capital para uma transição ao baixo carbono. Em termos de vulnerabilidade, a índia está extremamente exposta aos efeitos da mudança do clima, caso único entre as grandes potências.

As emissões da índia crescem 6% ao ano, sendo que este país poderá substituir a China em uma década como o país que mais emite gases do efeito estufa no mundo – segundo relatório da McKinsey (apud THE ECONOMIST, 2012), as emissões do país se multipli-carão 2,5 vezes para o ano 2030, fazendo que o setor energético indiano responda por aproximadamente por 10% do crescimento global das emissões.

A posição do governo indiano tem sido historicamente negligente, assim como a do chi-nês, e não tem mudado até hoje. Alguns segmentos acadêmicos e de governo na índia têm elaborado uma doutrina conspiratória baseada em ressentimento histórico contra o Ocidente, particularmente contra os britânicos, intitulada colonialismo de carbono, segun-do a qual as propostas de constrangimento de carbono dos países em desenvolvimento seriam um modo de manter o status quo do subdesenvolvimento.

O compromisso voluntário do país nos foros internacionais é reduzir a intensidade de carbono do PIB em 20-25% para 2020 em relação aos níveis de 2005, mas excluindo o setor de agricultura. As autoridades indianas justificam sua postura conservadora com o baixo nível de emissões per capita do país e o imperativo de desenvolvimento, que de-manda tirar 470 milhões de pessoas da pobreza (IISD, 2011). A contrapartida negativa da baixa taxa de emissões per capita é a alta fecundidade (2,8 filhos por mulher).Se considerarmos, como vimos, a altíssima vulnerabilidade da índia aos efeitos das mu-danças climáticas – território superpopuloso altamente exposto a fenômenos climáticos extremos e uma sociedade pobre, carente de mecanismos eficientes de adaptação –, torna-se difícil entender a postura de negação que as lideranças indianas têm da crise climática. Embora sendo uma democracia, a sociedade tem sido incapaz de assimilar a questão climática como vetor civilizatório principal.

Algumas comparações devem ser feitas entre a índia e a China em razão do crescimento dramático de suas contribuições ao aquecimento global. A índia é muito mais vulnerável à mudança climática do que a China, considerando que uma parte fundamental de sua população depende das águas que nascem no Himalaia sob soberania da China, país que tem tentações crescentes de desvio dos rios para consumo de sua imensa população e cujos glaciais estão em retração por causa do aquecimento global. Além disso, a índia tem uma parte importante de sua população vivendo em terras baixas sujeitas a monções e choques devastadores entre a circulação atmosférica terrestre e oceânica.

A índia é um regime democrático – mesmo que de baixa qualidade pela herança das castas – com a presença de um importante movimento ambientalista, que contesta, com ambivalência até hoje, a posição oficial. A população média indiana tem uma orientação menos materialista que a chinesa devido à religião e por isso, é mais sensível ao estado do planeta. O governo da índia é muito fragmentado e ineficiente, o que torna muito mais difícil que ocorra lá uma mudança na direção de menor intensidade de carbono do que na China. Aproximadamente 18 ministérios atuam diretamente sobre questões referentes à mudança do clima, sem que haja a liderança clara de algum. A combinação da cres-cente incerteza em relação ao rumo da economia indiana, um regime político ineficiente, com extremas desigualdades regionais e uma percepção muito particular das catástrofes naturais conspiram contra um maior nível de compromisso climático na índia.

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e. rússia

A Rússia tem uma população de 142 milhões de habitantes, um PIB de US$ 2,4 trilhões e um PIB per capita de US$ 16,7 mil. Emite 2,8 bilhões de toneladas de carbono equiva-lente por ano, correspondente a 5,5% das emissões globais, 20 toneladas por habitante e 1,2 tonelada de carbono por cada 1.000 dólares de PIB. Apresenta uma vulnerabilidade média em relação aos impactos do clima e possui baixo capital de baixo carbono, caso único entre as grandes e superpotências. É uma sociedade que enriqueceu bastante na última década, mas tem baixa eficiência energética e matriz energética fortemente base-ada em combustíveis fósseis, sendo um grande exportador de petróleo e gás.

A Rússia ocupa uma posição extremamente singular no quadro mundial pelas seguintes razões: i) por ser uma economia cujo principal patrimônio é a superabundância de com-bustíveis fósseis, percebe-se como perdedora na transição para uma economia de baixa intensidade de carbono; ii) entre todos os grandes emissores, é o único país em que uma parte importante das elites e formadores de opinião percebem que o aquecimento global poderia lhes ser favorável porque aumentaria extraordinariamente as terras agricultáveis.

O cinismo da sociedade russa torna difícil o desenvolvimento democrático, mesmo que haja um alto nível educacional. Pelos demais, as forças descarbonizantes são muitos limi-tadas, mas poderiam achar expressão nas classes médias de Moscou e São Petersburgo, que conseguem desenvolver uma visão de longo prazo.

Dos 8 casos analisados, a Rússia é o único que apresenta uma visão hipersoberanista das relações internacionais baseada numa doutrina geopolítica clássica que é profundamente inconsistente com a governança global do clima – ou com a governança de qualquer ou-tro bem comum global. A presidência de Vladimir Putin, iniciada em 2013, tem reforçado essa tendência fortemente nacionalista.

F. Japão

O Japão tem uma população de 128 milhões de habitantes, um PIB de US$ 4,4 trilhões e um PIB per capita de US$ 34,3 mil. Emite anualmente 1,4 bilhão de toneladas de carbono equivalente, correspondentes a 2,7% do total mundial, 11 toneladas por habi-tante e 0,32 tonelada de carbono por cada 1.000 dólares de PIB. O Japão está, junto a países da União Europeia como França, Suécia e Dinamarca, entre as economias com menor intensidade de carbono do mundo, devido à altíssima eficiência energética e (até 2011) ao grande peso da energia nuclear na sua geração elétrica. O país tem uma alta vulnerabilidade aos efeitos negativos do clima e um potencial muito alto em termos de capital de baixo carbono – o qual, no entanto, acha-se limitado pela pouca disposição da sociedade e governo para liderar essa transição em nível global.

O país tem uma opinião pública e uma parte importante do seu empresariado (Honda e Toyota são emblemáticos) favoráveis a uma rápida transição para uma economia de baixo carbono. A sociedade japonesa parece ter assimilado as últimas duas décadas de recessão econômica de forma única, tornando-se progressivamente uma sociedade pós-crescimento, em que a realidade da estagnação não traz perturbações significativas para a vida em comunidade – embora existam sinais de problemas de governabilidade, expressados na frequente substituição de primeiros-ministros na última década. No entan-

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to, a sociedade japonesa continua sendo relativamente fechada, extremamente hierárqui-ca e envelhecida, fato que a torna menos sensível aos fluxos da globalização e coloca-lhe um forte limite para se tornar uma referência de dinamismo global como foi na década de 1970, quando as reformas trouxeram a primeira crise do petróleo (1973) e colocaram o país na vanguarda da eficiência energética e tecnológica.

Um elemento central para avaliar o futuro do baixo carbono no Japão será o corolário final do acidente nuclear de Fukushima, acontecido em março de 2011. No curto prazo, ele implicou um aumento das emissões pela substituição – por enquanto transitória – de energia gerada em usinas nucleares por energia gerada em usinas termoelétricas. Esse impacto negativo sobre a trajetória das emissões de GEE levou o governo japonês a desistir do plano de metas de emissões anterior, que previa um corte de 25% para 2020 em relação a 1990, e propor um novo plano que envolve um aumento de 3% das emis-sões nesse período. A longo prazo, a questão do compromisso do Japão com o desen-volvimento e aplicação de tecnologias nucleares para energia é mais complexa. Parte da elite assimilou Fukushima como um evento extremo, e por isso teve baixo impacto na legitimidade da energia nuclear, mas outros setores se tornaram antinucleares. Na socie-dade, o impacto em termos de insegurança foi muito maior, resultando em crescimento da coalizão antinuclear com impacto significativo sobre o clima de instabilidade política. Se essa tendência para a desnuclearização se consolidar, a transição japonesa para o baixo carbono pode sofrer um impacto profundo.

A nova onda nacionalista gerada pelo conflito com a China sobre as ilhas em disputa e a retirada formal do Protocolo de Quioto são indicadores que não apontam uma direção positiva da trajetória de emissões japonesas e seu posicionamento na arena internacional do clima. O governo do primeiro-ministro Abe é o mais conservador desde a Convenção do Rio de 1992, marcando um retrocesso em termos de compromisso climático em rela-ção ao governo do Partido Democrático (2009-2012), que não prosperou por problemas de governabilidade.

g. Coreia do sul

A Coreia do Sul tem uma população de 49 milhões de habitantes, um PIB de 1,5 trilhão de dólares e um PIB per capita de aproximadamente US$ 31.700. Emite anualmente 676 milhões de toneladas de CO2e, representado aproximadamente 1,3% do total global, e 14 T anuais per capita e 0,43 dólares por tonelada de carbono. É uma sociedade com alta exposição aos efeitos da ruptura climática e se destaca por ter um potencial muito alto de recursos tecnológicos e humanos para liderar a transição para o baixo carbono.

A Coreia do Sul manteve nos últimos anos um perfil que a situa na vanguarda da transi-ção para uma economia de baixo carbono, que inclui uma meta de redução de emissões em 30% para 2020, com respeito ao cenário business as usual (BAU) (IISD, 2011).

Por esse fato e por operar na fronteira tecnológica, o país merece lugar entre as gran-des potências climáticas, embora sua participação nas emissões globais não seja tão relevante. O programa coreano é uma aposta ambiciosa que combina capacidade de inovação, capital tecnológico e capital humano. As elites coreanas foram as que melhor conseguiram equacionar a crise financeira e a crise climática, destinando 80% do pacote de ajuda fiscal para medidas limpas. A política coreana é uma combinação de política energética, industrial e climática, e envolve alta participação em cadeias globais de valor.

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A sociedade coreana está profundamente aberta às correntes da globalização, em es-pecial ao vetor low carbon. Evidência dessa sensibilidade é o Global Green Growth Institute, uma instituição que tem como objetivo liderar e difundir um novo paradigma de crescimento econômico: o crescimento verde9 .

Finalmente, cabe destacar que é uma economia supercompetitiva, baseada na convi-vência entre grandes conglomerados e o Estado, em que o mecanismo de tomada de decisões coloca em diálogo direto as cúpulas desses dois setores, fazendo mais eficiente o mecanismo de implementação das políticas. Dessa forma, o processo de transição para uma economia de baixo carbono se produz com um forte intervencionismo estatal – no sentido de relação estreita entre empresas e governo – se comparado com o que acontece na França, Alemanha ou Reino Unido. No entanto, o potencial de liderança coreano é sis-tematicamente restringido pelo conflito com a Coreia do Norte – agravado desde 2013 pelas severas lutas intestinas de poder da elite comunista –, que desvia capital e energia para questões de segurança básica.

ConCLUsões e perspeCtivAs

O objetivo deste trabalho foi refletir sobre o papel dos grandes atores da governança do clima para as próximas duas décadas, sob a premissa de que é esse o foco analítico fundamental para avaliar o rumo da descarbonização global, e não as negociações no âmbito do regime formal de clima (CQNUMC).

Assim, as possibilidades da humanidade conseguir estabilizar o sistema climático depen-dem do nível de compromisso climático das superpotências – EUA, UE e China – e das grandes potências – Brasil, índia, Rússia, Japão e Coreia do Sul. Se todas, ou a maioria delas, fizessem a transição para o campo reformista, isto é, mitigassem os impulsos so-beranistas e de curto prazo para construir bens universais de longo prazo, uma eficiente governança global do clima se tornaria provável.

O grande obstáculo para essa transição é a existência de um sistema internacional de hegemonia conservadora – o campo das relações internacionais dominadas por agentes inclinados a defender o status quo do paradigma intensivo em carbono, das opções de política externa baseada em interesses nacionais imediatos, e dos consensos universais estéreis das grandes cúpulas globais. Apenas a União Europeia tem andado o caminho do pós-soberanismo como resposta à aceleração da globalização e os crescentes desa-fios da interdependência.

Analisando e projetando tendências sociais, econômicas e políticas profundas em cada um dos casos considerados, achamos mais prováveis os cenários consistentes com a con-tinuidade da governança conservadora. Os atores mais poderosos, as superpotências, enfrentam individualmente desafios profundos que limitam a prioridade da transição glo-bal para o baixo carbono. A divisão da sociedade, a herança da recessão e o bloqueio da governança doméstica limitam os impulsos descarbonizantes nos EUA. A crise existen-cial do projeto europeu – com questões econômicas, políticas e de segurança não resol-vidas – bloqueia a ação e liderança da potência mais reformista do sistema. A transição chinesa para o reformismo ocupa um lugar secundário em relação às preocupações com as mudanças de paradigma de crescimento, as pressões por maior abertura política e a deterioração da relação estratégica com Japão, EUA e Vietnam.

9 Site do Global Green Growth Institute: <http://www.gggi.org/>.

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Entre as grandes potências, o dilema civilizatório principal de nossa época – a dialética entre forças reformistas e conservadoras – também parece inclinar-se para uma situação de continuidade inercial do status quo. A índia está limitada pelos problemas de desen-volvimento, de governabilidade efetiva e de segurança, combinados com uma pouca capacidade de assimilação dos extremos climáticos e com uma posição marcada pelo paradigma pós-colonialista confrontacional na arena das negociações internacionais. A Rússia insiste numa posição extremamente soberanista da política internacional que, as-sociada com percepções negativas em relação ao baixo carbono e positivas em relação a certos efeitos da mudança global do clima, a congelam numa posição extremamente conservadora. O Japão, potência reformista, vê limitados seus impulsos de descarboniza-ção pela herança de Fukushima e por uma tendência histórica a manter um baixo perfil nos assuntos internacionais. A Coreia do Sul avança de forma firme com sua política de baixo carbono, no entanto, sua capacidade de impacto sobre os outros atores do sistema é limitada.

Para o caso brasileiro, existe um grande potencial de baixo carbono, particularmente de-rivado do cardápio variado de energias limpas e dos territórios inexplorados da eficiên-cia energética e da racionalização do transporte. No entanto, esses impulsos encontram fortes obstáculos na hegemonia de uma práxis política e econômica que privilegia em excesso o curto prazo.

Diante da reiteradamente demonstrada disfuncionalidade da arena multilateral da ONU, a única institucionalidade atual que tem algum potencial para um acordo climático de alcance global é o G20. O G20 tem por enquanto uma institucionalidade fraca – não se constituiu numa organização permanente e suas decisões são adotadas por consenso –, mas tem várias vantagens sobre a ONU. As vantagens do G20 podem ser enumeradas da seguinte forma:

a. São membros os principais players do mundo em todas as dimensões (econô-mica, segurança, política, climática, energética, demográfica);

b. Não participam players não relevantes (com a única exceção da Argentina);

c. São reuniões dos presidentes ou primeiros-ministros com efetivo poder decisó-rio, e não de autoridades secundárias;

d. Existe uma discussão entre seus membros em que cada um coloca o que está disposto a perder e ganhar, em vez de uma monótona reafirmação de posições (tão comum nas reuniões da ONU);

e. O tamanho é apropriado para produzir potencialmente resultados ambiciosos (16 membros se contarmos apenas um membro da União Europeia), longe da negociação estéril entre 197 países (170, contando apenas a União Europeia como membro).

O G20 atingiu seu pico de ambição e potencialidade na Segunda Cúpula de Londres (abril de 2009), presidida por Gordon Brown (primeiro-ministro do Reino Unido assesso-rado diretamente por Nicolas Stern). Nela, a União Europeia propôs tornar o G20 uma instituição forte com a missão de governança global em várias dimensões além da eco-nômica, com destaque para a mudança climática, no que se constituiu a proposta mais ambiciosa da história sobre o avanço para um mundo (parcialmente) pós-soberanista. A

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proposta recebeu apoio moderado de Japão, Coreia do Sul, México e Austrália. De outro lado, teve total rejeição por parte dos BRICS (particularmente Rússia, China e índia), Ará-bia Saudita, Turquia e Argentina. Ficaram numa posição de resistência moderada EUA, Canadá e Indonésia. Nas cúpulas posteriores, diminuiu o ativismo da União Europeia, e o resto dos países foi se entrincheirando em posições mais soberanistas. A Cúpula de Los Cabos (México, junho de 2013) debateu, por iniciativa de México, União Europeia, EUA, Japão e Coreia do Sul, uma recomendação de eliminação dos subsídios aos com-bustíveis fósseis, mas a resolução final sobre isso ficou bastante diluída pela forte resistên-cia dos BRICS, Arábia Saudita, Canadá, Turquia e Argentina.

De qualquer modo, hoje o G20 se encontra bloqueado para se tornar um fórum de des-carbonização da economia mundial pelas diferenças entre as superpotências e pela po-sição extremadamente conservadora de duas grandes potências (índia e Rússia). Não se vislumbra no futuro próximo uma ruptura deste impasse. Outra arena potencialmente rele-vante (complementar à do G20) é o Fórum das Maiores Economias em Energia e Clima, lançado em 2009 por iniciativa do recém-iniciado governo Obama. É formado por 13 membros (considerando os representantes dos países da União Europeia como apenas um): EUA, União Europeia, China, índia, Brasil, Japão, Rússia, Coreia do Sul, México, Indonésia, Canadá, Austrália e África do Sul. Este fórum é muito menos importante que o G20 do ponto de vista institucional, mas tem a vantagem sobre este último de incluir um número menor de países – por excluir os menos importantes Turquia, Argentina e, particularmente, a Arábia Saudita, que é o país mais conservador e sabotador histórico de todas as negociações sobre mudança climática. Suas reuniões têm sido muito pouco frutíferas até o presente, acompanhando a dinâmica do G20.

Uma outra alternativa possível no futuro de médio prazo é a formação de um “clube des-carbonizante” entre os membros reformistas e conservadores moderados do G20: União Europeia, Japão, Coreia do Sul, EUA, China, Brasil, México, Indonésia, África do Sul e Austrália (potencialmente, dependendo de mudança de governo, também Canadá e Turquia). A este clube poderiam se unir outros países que não fazem parte do G20, mas que têm forças reformistas domésticas num espectro de significativas a predominantes: Colômbia, Peru, Equador, Costa Rica, Chile, Uruguai, Panamá, Filipinas, Malásia, Tai-lândia, Bangladesh, Taiwan, Singapura, Nova Zelândia, Israel, Marrocos, Tunísia, Suíça, Noruega.

Um clube descarbonizante seria, na área da mudança climática, o equivalente aos trata-dos plurilaterais e bilaterais de livre-comércio com cláusulas ambientais significativas (já negociados como NAFTA, EUA/Coreia do Sul, União Europeia/Canadá, União Euro-peia/México, etc.), ou os muito mais relevantes em negociação (Parceria Transpacífica e Tratado de Livre-Comércio entre EUA e União Europeia). Este último tratado, se concluído, terá um impacto fundamental em pautar o comércio mundial no sentido de favorecer o desenvolvimento de cadeias globais de valor menos intensivas em carbono.

Existem, na história do sistema internacional das ultimas décadas, exemplos de tratados (ou clusters de tratados) bilaterais/plurilaterais bastante eficazes e que promoveram al-gum avanço em termos de governança global: i) os tratados de regulação do crescimento dos arsenais nucleares (SALT e START) e prevenção de guerra nuclear por acidente entre EUA e a União Soviética, combinado com os Tratados de Não Proliferação Nuclear, ori-ginalmente iniciativa das cinco potências nucleares; ii) a formação do G7 em 1974, que permitiu uma eficaz coordenação da economia mundial capitalista nas décadas de 1970 e 1980; iii) a negociação inicial entre EUA e o Mercado Comum Europeu, que culminou

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posteriormente no bem-sucedido Protocolo de Montreal para o banimento das substâncias que destroem a camada de ozônio; iv) o Tratado de Cooperação para combater a pira-taria no Oceano índico, em 2011 – que envolve as Marinhas de Guerra dos países da OTAN, China, índia, Indonésia, Japão, Malásia, Rússia, Arábia Saudita e Coreia do Sul e tem produzido uma significativa redução da pirataria.

Finalmente, a história do sistema internacional mostra que na maioria das vezes os avan-ços da regulação e diminuição dos conflitos e promoção da cooperação sistêmica são produzidos através de negociações sérias (e em geral sujeitas a baixa publicidade) entre os principais players do sistema. Uma vez que essa negociação avança, o resto dos países adere de forma massiva (porque é mais vantajoso pertencer ao clube que ficar de fora), exceto alguns poucos países recalcitrantes. A negociação aberta nas Nações Unidas é a superfície do avanço da cooperação internacional – o processo estrutural profundo é a negociação menos pública entre os grandes players. Esta conclusão é difícil de ser absorvida plenamente por causa do lugar específico do Brasil no sistema inter-nacional: menor entre os maiores, gigante diante do resto. Esta é uma das razões pelas quais o mindset de negociação internacional do Brasil está prisioneiro do disfuncional multilateralismo onusiano.

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reFLeXões no nÚCLeo

A questão da mudança do clima é absolutamente estratégica na agenda de desenvolvi-mento do país. Ambas agendas de mitigação e adaptação pressupõem a determinação de uma linha política de governo: no caso da mitigação, uma política em relação aos demais países do mundo, defendendo o que é justo e o que é “bom” para o Brasil; no caso da adaptação, a definição do nível de esforço adequado e seu timing, conforme os objetivos de desenvolvimento do país. Como a gama de setores da economia envolvidos é enorme, e como os custos potenciais das ações de mitigação e adaptação também, é fundamental que a questão climática seja profundamente incorporada nos planos e políti-cas de desenvolvimento. Nada mais natural portanto que a SAE, cujo mandato precípuo é de pensar os temas estratégicos do desenvolvimento, promova um processo cumulativo de discussões estratégicas sobre as interfaces principais da mudança do clima com a agenda de desenvolvimento do Brasil.

Essas interfaces imediatamente demandam um bom conhecimento técnico sobre o pro-blema climático, mas igualmente, ou mais importante ainda, uma visão articulada sobre as tendências de desenvolvimento do país - tendências históricas ou prováveis ou desejá-veis. Somente a partir desta visão do que será, ou do queremos que seja, este caminho de desenvolvimento possibilitará identificar quais as políticas climáticas - de mitigação e adaptação - desejáveis ou socialmente ótimas para o Brasil.

O fato da questão climática perpassar uma série de agendas setoriais e temáticas coloca um enorme desafio para o mundo lidar com as mudanças físicas previstas, mas igualmen-te provoca uma oportunidade sem igual para este mesmo mundo buscar e desenvolver tecnologias que permitam lidar com o aquecimento global e garantam aos países manter e aumentar seus ritmos de desenvolvimento. As oportunidades que se apresentam para o Brasil poderão significar vantagens competitivas na medida em que o país “aposte” entrar nestes novos mercados tecnológicos - seja buscando energias limpas, seja identifi-cando soluções de engenharia de adaptação ao clima, modelos de transporte eficientes,

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processos limpos de produção e consumo, etc. Saber o que é “bom” para o Brasil no cenário de negociações do clima absolutamente não prescinde conhecer aonde e com que intensidade o Brasil entrará nestas agendas.

Um último ponto a considerar: o grau de mobilização e de empenho do governo e do país como um todo em torno da questão climática depende e dependerá do grau de vul-nerabilidade da economia e dos indivíduos aos efeitos da mudança do clima. A opção, ou a tendência, do país atrelar sua economia aos setores primários certamente eleva seu grau de vulnerabilidade climática. E não se apontam grandes perspectivas de mudança de trajetória neste cenário econômico. Ou não? De qualquer forma, há uma endoge-neidade entre vulnerabilidade climática e o modelo econômico, ficando impossível não analisar ambos de alguma forma conjunta. Conjunto de questões-chave elencadas:

•Relativamenteaoutrospaíses(BRICS,OECD),qualaimportânciadaquestãoclimática para o Brasil? Nossa competitividade em recursos naturais fica aumen-tada ou diminuída relativamente aos “parceiros”?

•Dastendênciasdecrescimentoeconômicoplausíveis,oBrasilestáadiantadoouatrasado no tema? O que falta e o que precisa ser corrigido? Em que temas há maiores indefinições e incertezas?

•Nossograudeconhecimentotécnicocientíficoécomensurávelcomatomadade decisões afetas ao clima e ao desenvolvimento?

•Quais seriam iniciativas nos diversos setores que poderiam colocar o Brasilcomo uma “potência” maior do clima, no sentido do país auferir ganhos por estar adiantado na pesquisa e conhecimento, podendo vender bens, serviços e tecno-logias para os outros países?

•Quegrandesexperiênciasconcretasdesucessonasdiversas frentessobreotema que o Brasil tem para apresentar, e poderia capitalizar sobre? Será que paramos no etanol? No ABC?

•Comoogovernopoderia(seforinteressante)envolvermaisosetorprivado,aacademia e a sociedade civil de maneira mais geral a investir e pensar sobre as oportunidades e paradigmas apresentados pela mudança do clima?

•Existe uma falha institucional na concepçãobrasileira sobreo clima?Comoenvolver os setores mais estrategicamente? Por que o tema é percebido como “ambiental”?

•Oquedeveriaserfeitoparafortalecer/tornareficazalgunsprocessosemcursona governança global e que possuem interfaces com a agenda do clima, como por exemplo a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015?

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CApÍtULo ii - sobre trAJetóriAs de eMissões e o AQUeCiMento gLobAL de 2º CeLsiUs

trAJetóriAs de desenvoLviMento e de eMissões

POR SÉRGIO MARGULIS E NATALIE UNTERSTELL, SAE, E FILIPE DUARTE, IBGE

orçAMento de CArbono e iMpLiCAções pArA A gestão CLiMÁtiCA gLobAL

reFLeXão no nÚCLeo

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trAJetóriAs de desenvoLviMento e de eMissões

por sérgio Margulis e natalie Unterstell, sAe, e Filipe duarte, ibge

A Convenção sobre Mudança do Clima (UNFCCC) estabeleceu como seu objetivo princi-pal estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático. Almeja-se que uma parceria global ampla e ambiciosa possa limitar o aquecimento global em até 2 graus Celsius e com isso evitar a desestabilização do sistema climático. Esse limite já está com-prometido parcialmente - houve aumento de 0,78º C desde 1850 (IPCC, 2014).

Diversos cálculos apontam que tal comprometimento está associado a emissões históricas tanto de CO2 quanto de outros gases de efeito estufa (GEE), por meio da queima de combustíveis fósseis, de uso da terra e mudança do uso da terra, e florestas. Em geral, os cálculos focam em emissões de CO2 oriundas da queima de combustíveis; porém, alguns artigos científicos recentes passaram a incluir outras fontes, inclusive de gases de curta du-ração (como fuligem) e efeito positivo de aerosóis para conter o aumento da temperatura.

O 5º Relatório de Avaliação do IPCC ressalta que já usamos metade (52% até 2010) do total de emissões “toleráveis” dentro do orçamento consistente com o aumento de 2º de temperatura global (cerca de 1 trilhão de toneladas de Carbono). Porém, trata-se de um orçamento exclusivamente de emissões de CO2, ou seja, que não inclui outros GEE. Quando esses últimos são incorporados, as emissões toleráveis passam a 800 bilhões de tC e, subtraindo desse orçamento os cerca de 530 GtC já emitidos, o orçamento rema-nescente seria de 270 bilhões de tC, muito menos do que é veiculado como “disponível para emitir”.

Esses cálculos são disputados, tanto no campo técnico (devido às incertezas) quanto no político. Algumas das razões apontadas na literatura são:

a. Base em produção e não em consumo; as estimativas se referem apenas a emis-sões produzidas dentro das fronteiras nacionais, isto é, desconsiderando a des-locamentos associados ao comércio internacional; a representação de emissões baseada em consumo leva a uma mudança na alocação de emissões atuais de países produtores como a China para países na América do Norte e na Europa ocidental (H Damon Matthews et al, 2014).

b. Tamanho e população. Em cálculos de contribuição por país em relação à sua extensão, as emissões de Brasil e China, por exemplo, tornam-se representativas de sua área geográfica (H Damon Matthews et al, 2014). Se calcular a contribui-ção por país em relação à população em 2005, há maior emissão per capita nos países desenvolvidos.

c. Distorções associadas a emissões. A despeito do problema da mudança do clima ser derivado de um processo cumulativo, o princípio do poluidor pagador é aplicado com base em emissões anuais, o que pode incorrer em distorções.

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Por exemplo, o que está na atmosfera hoje é o resultado da emissão realizada há 150 anos, desde a Revolução Industrial, assim como o que for emitido hoje vai permanecer na atmosfera por um longo tempo, dependendo do tempo de vida do gás na atmosfera. Um desafio é tratar do potencial de aquecimento global em 100 anos quando se tem gases de longa vida que vão permanecer na atmosfera por mais de 50 mil anos, isto é, de ter um orçamento com base cumulativa.

Considerando que a população mundial em 2050 será de 9 bilhões de pessoas, e que temos de manter o aquecimento global em até 2º C, a contribuição per capita “tolerável” seria inferior à média atual de 0.22º C10 , isto é, não mais que o dobro da média atual (0.11º C).

Não existe uma referência para alocar futuras emissões ou contribuições ao aquecimen-to global entre países. Critérios de como e quanto cada país poderá emitir futuramente estão em discussão. Alguns países e centros de estudos desenvolveram metodologias11 e o Brasil elaborou uma proposta da responsabilidade histórica que parte do aumento da temperatura como principal critério (em detrimento de emissões anuais) para atribuição de responsabilidade, considerando o processo de dupla acumulação12 . Há propostas que consideram como critérios o índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a renda per capita, a expectativa de vida, patentes registradas, patentes per capita, emissões históri-cas, emissões atuais, emissões per capita, etc.

É preciso ter em conta que esse debate tem, ao menos, três dimensões: a individual (quan-to o país quer se desenvolver e como isso se traduz em intensidade de carbono), a compa-rativa (como as políticas de um país afetam as dos demais) e a coletiva (levando em conta uma distribuição global de esforços para o objetivo de 2 graus). A depender das métricas utilizadas para determinar os futuros compromissos de mitigação, pode prevalecer uma abordagem mais ou menos restritiva às trajetórias de emissões dos países emergentes, ou de maior ou menor incentivo à transição deles para uma economia de baixo carbono.

Sobre isso, apresentam-se a seguir alguns ângulos de análise, fundamentados por ava-liação das emissões históricas e atuais dos países por parte dos autores, com base em dados econômicos do Banco Mundial e em dados de emissões disponíveis na UNFCCC e no World Resources Institute. Não há pretensão de exaurir o tema, portanto, limitamo--nos ao uso de informações históricas disponíveis, ignorando as taxas ou projeções de emissões futuras.

Das emissões anuais de CO2 desde 1900 até 2010, apenas 10% das emissões são relativas ao período anterior a 1950, enquanto a maior parte ocorre a partir do período Pós-Guerra. Os Estados Unidos mantiveram-se em trajetória ascendente e liderança du-rante todo esse período, sendo ultrapassado pela China somente a partir de 2005. Já a Rússia/União Soviética teve grande participação entre 1950 e 1985, decaindo após a dissolução do regime soviético. Ainda assim, em termos presentes, a Rússia é a 4ª maior emissora. A Alemanha também tem significativas emissões durante o período, mas com

10 H Damon Matthews et al, 2014.

11 Ver referências em www.mapsprogramme.org/wp-content/uploads/EASD_Brief.pdf

12 O processo de efeito estufa reflete um processo de dupla acumulação: a depender do tempo de permanência e de decaimento de cada gás na atmosfera, há acumulação do forçamento radioativo, e conseguinte concentração para o au-mento de temperatura. Para cada nível de concentração, há uma deposição diferente de energia na superfície da Terra. Conforme tal concentração aumenta, tal quantidade de energia também aumenta, em função do nível de concentração de cada gás.

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crescimento bastante estável. O Japão, que alcançou patamar similar ao alemão na década de 70, teve maior crescimento de suas emissões no período de 50 a 70, e vem crescendo a taxas mais lentas desde então. A índia apresenta crescimento ascendente e rápido desde 1975, e atualmente é a 3ª maior emissora, tendo ultrapassado a Rússia após 2005. A China teve uma ascensão econômica dramática a partir de 1970, e isso está refletido na curva ascendente de emissões desde esse período, com leve queda em 1995 e, a partir disso, um crescimento astronômico, principalmente a partir dos anos 2000, que a posiciona agora como líder disparada nas emissões relativas a combustíveis fósseis. O Brasil tem uma trajetória de crescimento contínuo das emissões sem LULUCF (Mudanças do Uso da Terra, Uso da Terra e Florestas, na sigla em inglês), principalmente a partir da década de 70, muito similar à África do Sul.

Figura 1. emissões totais em toneladas de Co2, entre 1900 e 2010, sem considerar LULUCF. excluindo Ussr e rússia. (fonte: sérgio Margulis)

Figura 2. emissões totais em toneladas de Co2, entre 1900 e 2010, sem considerar LULUCF. incluindo Ussr e rússia. (fonte: sérgio Margulis)

Olhando para as curvas de emissões históricas acumuladas no período de 1900 a 2010, os Estados Unidos contribuem com quase 100 bilhões de toneladas de CO2, enquanto a Rússia aparece no segundo posto, com cerca de 40 bilhões de toneladas e a China com pouco menos disso, seguidos de Alemanha, Japão, índia, África do Sul e Brasil com acúmulo até 20 bilhões de toneladas.

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Figura 3. emissões totais acumuladas, em toneladas de Co2, entre 1900 e 2010, sem considerar LULUCF. (fonte: sérgio Margulis)

No acumulado histórico, os países ricos emitiram mais que os países em desenvolvimento, mas a China já ocupa desde 2005 a segunda posição nesse quesito, atrás dos Estados Unidos e à frente da Rússia e da União Europeia. As emissões acumuladas por país entre 1950 a 2010 são chave, partindo-se do pressuposto que as emissões anteriores a esse período são pouco significativas. Nesse caso, o ranking de emissões se mantém prati-camente o mesmo, com exceção de que países europeus como Reino Unido, França e Holanda que aparecem com emissões significativas.

Do ponto de vista das emissões acumuladas entre 1950-2010 em razão das pessoas vi-vas ou que viveram nesse período, temos uma considerável variação: os países europeus aparecem com maior representatividade. Reino Unido, Alemanha, França e Holanda pas-sam a liderar as emissões per capita segundo esse método de cálculo, atrás dos Estados Unidos. Já China e índia relativizam enormemente suas contribuições, devido ao grande estoque populacional. A África do Sul curiosamente eleva sua participação nesse caso.

Figuras 4. emissões acumuladas, em toneladas de Co2, entre 1950 e 2010 (fonte: sérgio Margu-lis)

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Figura 5. emissões acumuladas por pessoa viva ou que viveu no período -1910 a 1950 (fonte: sérgio Margulis)

Em termos de emissões históricas per capita, os países ricos emitiram cerca de cinco vezes mais que os pobres, e a China não figura da lista dos maiores contribuintes.

Figura 6. emissões acumuladas per capita entre 1950 e 2010, em toneladas de Co2e.(fonte: sérgio Margulis)

As emissões acumuladas per capita no mesmo período revelam que a Alemanha supera os EUA, alcançando 0,12 per capita em 2010. Os Estados Unidos também tiveram cres-cimento extraordinário no período e, em 2010, atingiram pouco mais de 10 tons/per capita. Distante desses dois atores, a Rússia se encontra no patamar de 4 toneladas no presente, seguida pela África do Sul, com menos de 2 toneladas.

Duas lacunas de dados são relativas aos gases de efeito estufa que não o dióxido de car-bono e quanto às incertezas envolvidas nas estimativas de emissões oriundas de uso da terra, mudança do uso da terra e desmatamento (LULUCF, na sigla em inglês). Segundo exercício realizado no âmbito da UNFCCC considerando outros gases e também o setor de LULUCF13 , as contribuições para o aumento global médio de temperatura em 2000 seriam 40% oriundas da OCDE, 14% da Europa do Leste e antiga URSSS, 24% da Asia e 22% da América Latina e África, apontando para a responsabilidade histórica. Um estu-

13 Ad Hoc Group for Modelling and Assessment of Contributions to Climate Change – www.match-info.net

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do mais recente e abrangente, que deu seguimento ao exercício da UNFCCC, estima que 7 países são responsáveis por 62% do aumento da temperatura já observado, estando o Brasil em 4º lugar e seus parceiros de BRICs respectivamente em 3º (R), 5º (I) e 2º (C) lugares. Isso porque, ao se considerarem as emissões decorrentes dos desmatamentos, da agricultura, e de gases além do CO2, o Brasil piora sua posição relativa.

Para maior benefício da humanidade, deveríamos permitir apenas aquelas emissões que geram o maior retorno econômico e social. No entanto, as emissões por dólares gerados pelos países ricos são muito menores que as dos países em desenvolvimento, porque aqueles são mais eficientes.

Figura 7. emissões de Co2 (sem LULUCF) x pib per capita

A figura 7 apresenta as emissões de CO2 em relação ao PIB e o PIB per capita, em dólares, apontando correlação negativa entre o aumento da renda per capita e o nível de intensidade de carbono do PIB (emissões por unidade de PIB gerada). Países de alto desenvolvimento como Japão, Luxemburgo, França e outros, aparentam ter maior eficiên-cia em padrões produtivos. Esses países vem seguidos, nessa análise, por outros países desenvolvidos, como Austrália e Nova Zelândia, que tem prosperidade econômica mas são dependentes de fontes fósseis de menor eficiência (carvão). Países com forte depen-dência de carvão, como a Polônia e a China, se situam no patamar de maior intensidade de carbono e menor renda per capita relativa.

Com relação a emissões per capita por dólar gerado, percebemos novamente que países europeus como Holanda, Reino Unido, França e Alemanha se destacam, além da África do Sul que desponta como 1ª maior contribuinte segundo esse quesito. o brasil neste quesito se iguala ou mesmo supera os países mais desenvolvidos e fica muito à frente dos parceiros emergentes por conta de sua matriz energética limpa. Os países dependentes de carvão são os que se saem pior nesta fotografia, principalmente China e África do Sul, mas também nossos outros parceiros nos BRICS, que são ineficientes e intensivos do ponto de vista energético.

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Figuras 8 e 9. emissões milhares de toneladas métricas de carbono por cada milhão de Us$ de pib e por pib real, no período 1960 a 2010.

Os gráficos abaixo (Figuras 10 e 11) apresentam as emissões per capita e por PIB PPP (paridade poder de compra) para o período 1960-2010. Já o gráfico de baixo apresenta os dados por produto real. Ambos os gráficos apresentam o produto em US$ de 2005.

Figuras 10 e 11. emissões por pessoa e por milhares de dólares, considerando pib real e pib ppp, para o período de 1960 a 2010.

emissões por milhão Us$ (ppp x 1000) 1960 -2010

emissões por milhão Us$ (ppp x 1000) 1960 -2010

ChinaF rançaA lemanha ÍndiaJ apão Holanda Áfr. sul GBR EUABrasil

1,000

0,0933 0,1603 0,1401 0,1099 0,1202

0,3698

0,1327 0,17240,07060,2452

0,0000,2000,4000,6000,800

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44

reFerenCiAs bibLiogrÁFiCAs

Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia. Coordenação-Geral de Mudanças Globais de Clima. Segunda Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Qua-dro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. — Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2010. 2 v.: il. col., map.; 30 cm. + 1 CD-ROM (4 3/4 in.)

Carbon Tracker & The Grantham Research Institute, LSE, 2013. Unburnable Car-bon 2013: Wasted capital and stranded assets. http://carbontracker.org/wp-con-tent/uploads/2014/09/Unburnable-Carbon-2-Web-Version.pdf

H Damon Matthews et al, 2014. National contributions to observed global war-ming. Environ. Res. Lett. 9 014010 doi:10.1088/1748-9326/9/1/014010

IPCC, 2014. Quinto Relatório de Avaliação.

IPCC, 2007. Quarto Relatório de Avaliação. http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/es/tssts-3-1-1.html

MMA. Transcrição da 52ª Reunião Ordinária do CONAMA. Disponível em http://www.mma.gov.br/port/conama/reuniao/dir1564/52RO120120717145223.pdf

reFLeXão no nÚCLeo ACerCA do orçAMento de CArbo-no e iMpLiCAções pArA A gestão CLiMÁtiCA gLobAL

orçAMento de CArbono – ConsiderAções iniCiAis

O orçamento de carbono equivale à noção de que as emissões de gases de efeito estufa não podem ultrapassar um volume - como uma piscina que não poderia transbordar. A Convenção do Clima faz referência a “limitar ou evitar avanços perigosos”, porém apenas o limite de 2ºC foi adotado como referência quantitativa. Faltava a tradução em emissões e concentração de emissões, ex-plicitada pela primeira vez no AR5 do IPCC. O debate no Núcleo sinalizou que um instrumento internacional que não considere o orçamento de carbono como parâmetro corre o risco de se distanciar da noção de limite seguro recomenda-do pela ciência. Um passo importante é justamente a validade de um orçamento de carbono como um mobilizador de ambição. Mas é preciso superar a resis-tência ao conceito, já que ainda é um “não assunto” para muitos.

o pApeL do ipCC e A ContA de CArbono

O AR5 aponta 1.000 gigatones de CO2 equivalente como emissões toleráveis até 2100 dentro do limite de aumento de temperatura de 2ºC.

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Figura 1: variações de temperatura conforme os rCps e orçamento de carbono restante.

Figura 2: emissões acumuladas desde 1870 e sua relação com o orçamento de carbono disponí-vel de 1000 gton Co2e. (Fonte: ipCC Ar5 Wg1)

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Várias trajetórias são possíveis e quanto mais cedo a transição for feita, melhor seria para o mundo. Alcançar um objetivo global de 2 graus depende das emissões cumulativas. Não bastaria reduzir as taxas de emissão – emitir mais lentamente não resolve um pro-blema cumulativo. Diferentes trajetórias de emissões correspondem a um mesmo patamar de emissões. Medidas que reduzam a taxa de emissão podem nos comprar tempo, mas também precisamos de um plano de redução das emissões “profundamente”.

Nesse contexto de incertezas, importa saber quando seria o pico de emissões (2020, 2030?), assim como critérios para alocação das mesmas. Quanto à disponibilidade para emitir, cada país possui uma interpretação sobre o que significam as “responsabilidades comuns porém diferenciadas”. Assim, o que é comum, o que é diferenciado, o que de fato deve ser entendido como uma responsabilidade acaba sendo subjetivo à interpretação de cada país (alguns entendem que as responsabilidades são 99% comuns e 1% diferencia-das, e outros justamente o oposto).

A ideia de países do Anexo I e Não-Anexo I surgiu em 1992, e acabou cristalizando uma divisão entre os países industrializados da OCDE e dos países em desenvolvimento quan-do da inserção de metas quantitativas por países do Anexo 1 no Protocolo de Quioto, em 1997. Em 2009, em Copenhague, diferentes metas foram apresentadas, utilizando mé-tricas variadas e distintas das quantificadas do Protocolo de Quioto, assim como a ideia de orçamento de carbono passou a ser mais fortemente discutida, além de mecanismos vinculantes e a necessidade de tentar soluções bottom up, já que as anteriores tinham se baseado numa abordagem top down. Como um avanço, em 2011 em Durban houve a adição de uma linguagem soft, algo como “desenvolver um protocolo, outro instrumento legal or an agreed out come com força legal no âmbito da Convenção, aplicável a todas as Partes.” A aplicabilidade a todos, ainda que esperada já que se trata de um instrumento internacional, pode sinali-zar a possível mudança do paradigma “binário” de Anexo 1 e Não Anexo 1, para um tratamento mais dinâmico, que reflita a situação atual dos países.

Em Varsóvia, na COP 19, foi acordado um processo de “contribuições nacionalmente determinadas”, que significa que cada Parte apresentará metas quantificadas, conforme consulta a sociedade. Essa abordagem cristaliza a noção de “pledge and review”, que basicamente quebra a fórmula antes aplicada no Protocolo de Quioto (com elementos mais top-down). Na próxima COP em Lima, será discutida a forma (métricas) pela qual os países vão apresentar suas contribuições, além do escopo (se apenas mitigação ou tam-bém outras áreas, como adaptação e meios de implementação). Em 31/03/2015, todos os países estão convocados a apresentar suas contribuições nacionais e, a partir disso, ha-verá avaliação e agregação das mesmas. Isso significa que cada um terá a oportunidade de determinar sua “responsabilidade comum, porém diferenciada”, aportando o que tiver condições de contribuir, segundo suas circunstâncias nacionais e incertezas relevantes.

Dois elementos a serem definidos durante o processo de Lima a Paris são (1) se, agrega-das, as contribuições de mitigação serão suficientes para manter-nos dentro dos 2 graus e (2) se não forem suficientes, como e quando virão a ser. A soma das contribuições nacionais de mitigação vai nos deixar saber se haverá uma brecha (um gap), e se um pro-cesso para aumentar a ambição progressivamente será instalado. Uma primeira rodada de avaliação será feita em 2015, provavelmente revelando um gap. A partir disso, um ciclo de aumento de ambição precisa começar a funcionar. Isso requererá a definição de periodicidade e a noção de que podemos ter metas de curto e longo prazo (5 e 10 anos,

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por exemplo). Obstáculos para aumentar a ambição são: incertezas sociais e econômicas de longo prazo, restrições de capacidade e também incertezas se os demais países farão mais/menos esforços.

Figura 3: emissões de países desenvolvidos (verde) e em desenvolvimento (azul) em 1990, 2005 e 2020, e a projeção de emissões toleráveis para 2oC e 3-4oC até 2100. (Fonte: tasso Azevedo)

Como se pode perceber, não está prevista, inicialmente, uma alocação de responsa-bilidades às Partes. Ou seja, a ideia de que temos um orçamento de carbono e que o mesmo será distribuído equitativamente não será operacionalizada de modo top-down. Ainda que a noção de orçamento de carbono não seja necessariamente útil para aloca-ção de responsabilidades entre países, ela aponta o descompasso entre emissões dentro do limite dos 2 graus e as enormes reservas de petróleo, gás e carvão disponíveis. Logo há um claro desafio de promover a descarbonização das economias em um contexto de abundância de combustíveis fósseis. Além disso, se as estimativas do IPCC sobre um orçamento de carbono restante venham a ser corretas, a possibilidade de uma bolha de carbono e de grandes quantidades de ativos de carbono ficarem “encalhados” poderia resultar em realocações significativas de capital nos mercados financeiros14 .

14 Carbon Tracker & The Grantham Research Institute, LSE, 2013.

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Até hoje, foi muito difícil realizar, no âmbito da Convenção, exercícios de quantificação associados aos esforços nacionais, já que há uma resistência forte de todas as Partes a assumir seu ônus comparativamente. Por outro lado, com a pressão e com os relatórios do IPCC, no mínimo, pode-se esperar uma conta feita “de baixo pra cima”, comparada com o máximo de emissões toleráveis na lógica de orçamento de carbono.

Ao longo desses mais de vinte anos de UNFCCC, o princípio das responsabilidades co-muns porém diferenciadas vem sendo operacionalizado de modo “binário”, por meio da divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, ou Anexo 1 e Não Anexo 1 do Protocolo de Quioto. É preciso superar essa polarização, de modo criativo. O Brasil oficialmente combate a auto-diferenciação (self-differentiation), que levaria a uma total discricionariedade dos países. O receio é estabelecer um “padrão Canadá” de postura permissiva (o país abandou o Protocolo de Quioto sem cumprir qualquer compromisso anterior e sem punições). O Brasil recentemente ofereceu uma visão à UNFCCC de que a diferenciação deve ser dinâmica, isto é, que a consideração de responsabilidades deve evoluir ao longo do tempo. Para alguns presentes à reunião do Núcleo, isso pode ser um grande avanço nas nossas posições, já que tenta quebrar a lógica binária de Anexo 1/Não Anexo 1. Para outros, é apenas uma tentativa de revigorar os postulados do nacio-nalismo climático.

A AbordAgeM dAs diFerenCiAções ConCÊntriCAs

•Existiriamdiferentesconjuntosdepaíses;

•Metasabsolutasporpaísesdesenvolvidos;

•Metasemdiferentesformatosporpaísemdesenvolvimento(economywide);

•Outroscompromissospaísesmenosdesenvolvidos(NAMAS).

Segundo essa abordagem, os países podem/devem migrar de uma categoria para outra. Algumas considerações sobre essa abordagem:

•Paísesricostemcadavezmaistecnologiaslimpas;

•AChinafoicomoum“freerider”esebeneficioumuitodisso,oqueimpeleaUnião Européia e os Estados Unidos a não tolerarem mais uma lógica de freeri-ding chinês também no campo climático.

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Figura 5: interpretação das diferenciações concêntricas. (Fonte: tasso Azevedo)

FeCHAr A ContA pAssAdA e oLHAr pArA A ContA FUtUrA

Tanto pela lógica de que quem se desenvolveu mais precisa pagar mais da conta, quanto pela conta feita baseada na responsabilidade histórica não é possível chegar a uma con-ta “fechada”, ou seja, qualquer métrica proposta não se mostra perfeita. O importante é se pensar em como se faz a transição do argumento para poder alocar o esforço fiscal para discutir a conta futura, a qual pode viabilizar o desenvolvimento dos países de forma não intensiva em carbono.

A questão é: onde se coloca a régua? Responsabilidade dos países que contribuíram mais com as emissões? A régua pode ser na década de 70 (e não em 1850), partindo do pressuposto de que países mais desenvolvidos possuíam mais informação.

Como dividir o bolo?

Ou o que sobrou dele...Per capita

Emissões históricas

Capacidade Econômica

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Alguns dos critérios discutidos para alocação são os seguintes: Equity reference framework (quantified and dynamic equity indicators), Anexo I e não Anexo I, Equitable Access to SD e National circumstances. Alguns gráficos ilustrativos desses critérios e outros são apresentados a seguir.

Figura 6: emissões históricas acumuladas 1900-2010. note que as emissões entre 1900 e 1950 são diminutas. (sérgio Margulis)

O Japão é rico por conta de emissões passadas. Será? Antes o aumento de emissões equi-valia ao aumento na geração de renda, porém agora isso não necessariamente é mais verdade, com a melhoria de tecnologia. Não são os países ricos, mas as pessoas ricas (que estão em todos os países), logo o critério de país rico é ruim. O que importa no que tange a emissão significativa são os últimos 30-40 anos. Quando olhamos as emissões ao longo do tempo, como já ilustrado na figura 2, temos um aumento de emissões nos países em desenvolvimento principalmente desde 2005.

Figura 4: emissões totais e por grupos de países, de Co2, entre 1750 a 2010, considerando com-bustíveis fósseis, flaring, cimento e AFoLU. (Fonte: Apresentação tasso Azevedo)

20000.0

0.2

0.4

0.6

(m)

0.8

1.0

2020

Global mean sea level rise Mean over 2081-2010

2040 2060 2080 2100

RCP2.6

RCP4.5

RCP6.0

RCP8.5

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O problema está concentrado na Ásia. O preço de petróleo é definido pelo controle da oferta (OPEP controla o valor), tem sido diretamente afetado pela revolução do shale gás nos Estados Unidos e se encontra deprimido. O principal problema a ser resolvido é o carvão, cuja oferta é abundante e detém precificação irrisória.

LigAção entre o obJetivo de 2 grAUs e A AdAptAção

Há necessidade de se fazer uma ligação clara de orçamento de carbono com impactos, ou seja, a necessidade de se incluir adaptação nesse debate. Nesse sentido, um orça-mento e um objetivo global de adaptação têm sido discutidos. Nessa lógica, o objetivo de 2ºC é para segurança climática e não somente para mitigação.

Foi colocada a ideia de que a proposta brasileira de 1997 serve à fazer a ligação entre o objetivo de 2 graus e a adaptação, já que ela quantifica quem mais contribuiu para o acúmulo de gases na atmosfera, o que consequentemente imputa esforços de adaptação. Houve debate sobre essa interpretação ser inovadora ou então legitimar o nacionalismo climático.

Figura 10: Aumento do nível do mar relativo a cada um dos rCps (Fonte: ipCC Ar5 Wgi)

•¼detodocarbonoemitidovaiparaosoceanos,oquegeraaacidificação;•¼vaiparaflorestasenasflorestastropicaisestamosperdendocarbono;•PodemosneutralizaremissõescomoCCSmasissonãoresolveoproblemadosoceanos.

A trAnsição de bAiXo CArbono

É necessária uma mudança de paradigma, a qual só pode acontecer com a formação de uma massa crítica. Nos países desenvolvidos há perdas econômicas e em países em desenvolvimento há perda de vidas humanas, quando falamos em número de eventos climáticos extremos.

B)

1750-1970 1750-1990 1750-20100C

O² F

ossi

l, C

emen

t, F

lari

ng, F

OLU

[Gt]

500

1000 910Gt

1500

2000

1400Gt

2000Gt

1750

O�C� - 1990 Co�ntries��onomies in �ransition�siaLatin �meri�a an� Cari��ean�i��le �ast an� ��ri�a

0CO

² Fos

sil,

Cem

ent,

Fla

ring

, FO

LU [G

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r]

�)

5

10

15

20

25

�0

�5

1�00 1�50 1900 1950 2000

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Um exercício interessante para precificar seguros foi feito pela SwissRe. Existem produtos sendo criados, mas há uma grande necessidade de se reinventar, já que a indústria de seguros atual é baseada em dados passados. Podemos ver que alguns interesses já vem se alinhando, porém é necessário identificar quando será o “shift” e se preparar para ele. Como exemplo, em NYC uma parte da cidade inundou. O prejuízo foi imenso, mas como a indústria de seguros é gigante, os prejuízos foram minimizados. A indústria de seguro precisa ser uma aliada nesse processo e possui um potencial latente, já que atualmente é duas vezes maior que a indústria de petróleo.

Para construir futuro é necessário mudar tecnologia. Algumas cadeias produtivas precisam se tornar obsoletas por uma questão de competitividade e mudança tecnológica. Porém, isso envolve decisões empresariais, tributação, etc. e não somente a sinalização de um preço ou orçamento de carbono resolveria o problema. Algumas reflexões a serem feitas são: como no novo acordo podemos de fato construir as soluções? Já que o acordo é só o começo de um processo, como fazemos a transição para uma economia de baixo carbono? É importante ter em mente que a solução não é o acordo ou a precificação do carbono, mas um conjunto de questões que devem ter mais importância nas negociações, como os atores chave (os atores empresariais precisam ter mais importância); uma visão de onde se quer chegar; o papel da tecnologia; e como se chega num ponto de equilíbrio.

eXpeCtAtivAs sobre o novo ACordo

Como elementos-chave do Novo Acordo, citamos os seguintes pontos:

• Abrangência: estará todo mundo dentro do acordo ou haverá flexibilidade para alguns países não aderirem? Quais são as cenouras, ou seja, quais são os incentivos que países teriam para se colocar dentro do Novo Acordo? Quais são os trade-offs entre ampla abrangência e ambição?

•Ambição: cada país em março/2015 deve colocar a sua oferta. Já se espera que haverá um gap e que em rodadas pós-2015 haveria a tentativa de aumentar a ambição, na lógica de um processo de aumento de ambição progressiva, atra-vés de um conjunto de ofertas que serão colocadas num futuro acordo. Se não em 2015, quando os países precisam alcançar um resultado coletivo?

•Compliance: não há compliance, há falta de interesse comercial. Ou seja, tão ou mais importante do que ser legally biding, é importante que o acordo seja “com-mercially biding”.

•sinal de longo prazo: Até que ponto esse acordo dá sinal de longo prazo para o mundo real? Esse sinal passa por um processo global, mas também consiste em uma sinalização de uma trajetória de carbonização num contexto de abun-dância de combustíveis sólidos. O mundo empresarial está dividido, já que parte importante continua investindo em assets de carbono e em atividades intensivas em carbono. Nesse sentido, um acordo teria o papel de forçar empresas a serem mais “descarbonizantes”, sendo significativamente baseado no comércio.

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proCesso de LiMA A pAris

•EmLima,oestabelecimentodeumíndicedoqueentranoNovoAcordo,ouseja, uma espécie de draft para a COP 21 em Paris; •AindaemLima,acordaroconteúdomínimoeformatoparacontribuiçãodospaíses (INDCs na sigla em inglês), com um mínimo de parametrização. Esses cri-térios constituem parâmetros sobre como acompanhar e medir o cumprimento de metas acordadas, porém não sinalizam na direção de mecanismos de punição para o caso de não cumprimento das mesmas;

•Entremarçoejunhode2015,recepçãoeavaliaçãodasINDCs,comreuniãoem Bonn, em junho de 2015;

•AtéParis,negociaçãosobreocomoequandoogapseráfechado;

•EmParis,adoçãodonovoacordoecristalizaçãodoprocessodeaumentodeambição.

o LegAdo (negAtivo) oU As Lições AprendidAs CoM o protoCoLo de QUioto

Apesar de ser legalmente vinculante, Quioto não tinha mecanismos de enforcement, dan-do aos países a possibilidade de cumprir com as metas acordadas apenas se quiserem, já que não há mecanismos de punição. Esse foi o caso do Canadá, que conseguiu sair ileso, sem ao menos um sofrer um processo de “international shaming” significativo. Outro exemplo foi a retirada do Japão, que ao menos teve a preocupação de comprar créditos de carbono da Rússia como forma de cumprir com o acordo internacional, ainda que tenha pago por eles um preço irrisório.

Instrumentos não eficazes como este seguem a lógica da negociação diplomática, onde a ideia é dizer que houve sucesso no processo de negociação porque um acordo foi pro-duzido, mas sem levar em conta, muitas vezes, o conteúdo desse acordo e sua eficácia. Discutiu-se se esse novo acordo de Paris será tão frágil quanto o Protocolo de Quioto e se ele contará com um mecanismo eficiente de enforcement. Nesse contexto, é importante que um mecanismo internacional possua mecanismos de incentivo e outros de punição para caso de não cumprimento, seguindo uma lógica de cenoura (incentivo) x porrete (punição). O exemplo do Canadá, por sua vez, mostra que o país saiu do Proto-colo somente com débito, já que o mesmo não teve cenoura nem porrete.

brAsiL: visão de Longo prAzo

Diferentes exercícios em diversas frentes estão acontecendo porém, muitos não olham para o longo prazo. É interessante se definir o que se quer e o que se pode fazer, ou seja, alternativas de adaptação. Uma ideia é que tendo um preço social do carbono possa-se embutir nele o custo social por meio da adaptação. Outra ideia é a certificação baseada na emissão de carbono dos produtos comercializados, ou seja, o consumidor poderia optar pelo consumo mais consciente.

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Os cenários ajudam a demonstrar a conta que deve ser feita e quanto a mais não se pode emitir no Brasil em 2050, além de quanto não podemos passar. Eles servem como importantes insumos à tomada de decisão.

O exercício não deve ser sobre onde podemos chegar, mas sim onde QUEREMOS che-gar, e a partir disso, traçar metas para chegar lá.

setores

Setores como o de cimento, siderurgia, aviação já fizeram suas contas. Quanto ao setor de energia, ele esbarra no fato de que o tema é de segurança nacional. O setor agrícola, por sua vez, tem tido grandes avanços (como a ideia de fixação de nitrogênio em gra-míneas, recentemente divulgada pela EMBRAPA no Brasil), mas é necessário um esforço maior em se pensar soluções globais. Na área de florestas, REDD+ também é apontado como uma das soluções.

No Brasil, em 2050, se as metas do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC) tiverem sido cumpridas, teremos diminuição de emissões assim como na área de florestas. Para nós, a metade das emissões virá de transporte, então é necessário se pensar em soluções para isso, ou seja, pensar se eletrificar seria uma solução para isso. Do ponto de vista da produção de cimento, o Brasil já segue um padrão de exemplo internacional. Porém, em outras áreas é preciso avançar.

Figura 11: emissões setoriais no brasil em 1990 e 2012. (Fonte: Apresentação tasso Azevedo)

500Energia

300

MtC

O2e

100+126%

1990 2000 2012

500Agropecuária

300

MtC

O2e

100+45%

1990 2000 2012

100Processos Industriais

50

MtC

O2e

10

1990 2000 2012

1600

1400

1200

100

800

600

400

200

+19902 012

MtC

O2e

2500

Mudança de Uso da Terra

1500

-64%MtC

O2e

500

1990 2000 2012

Resíduos50

25

MtC

O2e

5

1990 2000 2012

Resíduos

Processos Industriais

Agropecuária

Energia

Mudança de Uso da Terra

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Figura 12: oportunidades. Caminhos para o brasil. (Fonte: Apresentação tasso Azevedo)

•EmissãopercapitadoBrasilépiorqueamédiadomundo(incluindomudançadeusoda terra);

•Ogovernoaindasinalizamuitomalparaosetorprivado(ex:reduçãodeIPIpara automóveis) e há oportunidade de se melhorar nessa frente;

•Oorçamentodecarbono jáéumassuntodebatidodentrodoMinistériodaFazenda. O mercado é um instrumento para diminuir emissões conforme uma meta dada. Para criar um preço é necessário criar escassez. O Ministério está preocupado com os custos;

•Oportunidadedeterumapecuáriacommenosdesmatamentoemaisprodutivi-dade e manejo sustentável.

Figura 13: emissões per capta no brasil e no Mundo

2,5

2

1,5

1

0,5

0

1990

Emis

são

per

capt

a G

tcC

O2e

/hab

2000 2010 2020 2035 2050 Tempo

1992

1994

2000

1998

2004

2002

2006

2008

2010

2050

2012 (...)

20,0

18,0

16,0

14,0

12,0

10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

Emissões per capta Brasil

Emissões per capta Mundo

Emissões per capta BR (s/MUT)

Emissões per capta BR (MUT)

1 a 3 tCO2/ hab/ ano é o nível de emissões

per capta em 2050 compatível com

objetivo de limitar aumento da

temperatura média em 2ºC

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desAFios pArA o brAsiL

•Daradevidaimportânciaaoconsumidor(padrõessustentáveisdeproduçãoeconsumo) e usar preço de carbono para produzir mudança de comportamento;

•OBrasiltemobservadodiminuiçãodeemissõesdeusodaterra,masaumentode emissões relacionados à energia;

•Apecuáriasustentáveléumaoportunidadedereduziremissõesqueébarataefacilmente implementada (exemplos: o pasto pode passar a capturar nitrogênio, manejo da pastagem para superar produção de metano, etc.);

•Háumgrandedesafiodecoordenaçãodepolíticas;

•Passoapasso:diminuiremissõesadvindasdemudançadousodaterraeagri-cultura e depois focar em diminuir emissões no setor de energia.

UMA nArrAtivA seM Medo dA desCArbonizAção

É necessário parar de considerar energia eólica e solar como “alternativas”, avançar em uma agricultura de baixo carbono, calcular o preço do prejuízo por não agir e os danos que podem ser sofridos. Nesse sentido, a elaboração de cenários é um esforço de grande importância para o país. A oportunidade de comparar cenários e ver a riqueza deles sem desqualificar seus resultados ajuda no dever de casa de construir uma narrativa sem medo da descarbonização. Infelizmente, a sociedade ainda não está demandando isso suficientemente do governo e é necessário mais pressão para forçá-lo a ter essa mudança de paradigma como prioritária na agenda de desenvolvimento do país. É necessário que essa história seja contada para a população, que pode ser uma aliada nesse processo.

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Outras questões levantadas foram sobre onde e em qual instância se daria o esquema de orçamento de carbono. Algumas opções colocadas foram através de um consórcio de bancos centrais, ou FMI, ou Banco Mundial. Sobre essa proposta, foi destacado que essa era uma primeira conversa num âmbito do governo sobre a ideia de envolver o setor financeiro e levantou a possibilidade de propor uma discussão sobre o valor social do carbono e não sobre preço único do carbono no Work Stream 2 da UNFCCC.

o “CLUbe do CArbono” e A eXperiÊnCiA do eU ets

A discussão abordou a ideia de que para se avançar em uma agenda de financiamento climático é necessária a inclusão de vários atores chave, enquanto ao longo do tempo outros podem ser adicionados, algo como um “clube do carbono”. Assim, coalizões somente de governo não são suficientes - é essencial a inclusão de empresas e bancos centrais, até porque o poder carbonizante não respeita fronteiras de países. Os atores devem entrar no jogo porque veem benefícios em um ciclo virtuoso.

pArte iii – sobre FinAnCiAMento CLiMÁtiCo

MeCAnisMo de Ação AnteCipAdA & AdiCionAL, “MoedA do

CLiMA” e “bretton Woods do bAiXo CArbono

POR ALFREDO SIRKIS

reFLeXão no nÚCLeo

1 2 3 4 5

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58

MeCAnisMo de Ação AnteCipAdA & AdiCionAL, “MoedA do CLiMA” e “bretton Woods do bAiXo CArbono”

Por Deputado Alfredo Sirkis*

*Presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas (CMMC) do Congresso Nacio-nal e Vice- Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados.

A apresentação brasileira à UNFCCC, na Conferência de Varsóvia, relativa à chamada early action (ação antecipada) na redução de emissões de GEE, antecipando metas para antes de 2020, é uma iniciativa promissora. Nossa proposta é aperfeiçoá-la ampliando sua abrangência tornando-a catalizadora de uma nova ordem financeira internacional lastreada em uma “moeda de baixo carbono”. Procuramos também desenvolver o concei-to de ações adicionais (additional action). Nossa proposta inclui:

1 – O reconhecimento, certificação e a ‘precificação’ de ações antecipadas (early ac-tions) e de ações adicionais (aditional action). As primeiras referem-se ao período 2010-2020 e registram ações de redução de emis-sões GEE para além das metas do segundo período do Protocolo de Quioto, para os países desenvolvidos, e dos NAMAs de Copenhagen para os demais. As segundas são ações para além das metas estabelecidas em 2015 para o pós 2020. Ao invés da formulação original da apresentação: a contabilização das ações antecipa-das para o cumprimento de metas pós-2020, propomos algo mais ambicioso: sua remu-neração com nova unidade de valor internacional, uma “moeda do clima” MdC.

2 – As ações antecipadas e adicionais serão remuneradas em MdC que servirá inicial-mente, para adquirir serviços, produtos e tecnologia que produzam reduções de GEE subsequentes estabelecendo-se assim um ciclo virtuoso. A remuneração em MdC se inclui-rá um pequeno bônus inicial pelo cumprimento das metas Annex I ou NAMA com uma precificação em curva ascendente do volume de redução de GEE “antecipado” ou “adi-cional”. O poder de compra e a conversibilidade da MdC em relação a outros produtos, serviços, tecnologia e às próprias moedas tornar-se-á mais abrangente na medida em que vá se consagrando no âmbito do sistema financeiro. A conversibilidade do MdC ampliar--se-á com o tempo sempre na lógica de indução de reduções de emissão subsequentes e à medida que produtos financeiros relacionados forem desenvolvidos pelo sistema inter-nacional financeiro. 3 – O ente emissor/gestor da MdC será o Mecanismo de Ação Antecipada e Adicional (MAAA) com seu Fundo de Ação Antecipada e Adicional (FAAA) devidamente legitima-

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do no processo UNFCCC. Funcionaria com o aporte financeiro de governos, enquanto garantidores de última instância, atraindo, a partir daí, recursos do sistema financeiro in-ternacional, instituições multilaterais e setor privado. O “fundo garantidor” propiciará um rating AAA para capacitar o mecanismo a atrair fluxos do sistema financeiro internacio-nal e que será negociado junto à UNFCC levando em consideração emissões nacionais cumulativas, per capita e futuras. 4 – MAAA listaria uma relação de serviços, produtos e tecnologias certificadas como promotores de redução de emissões que poderiam ser pagos em MdC. Isso além gerar reduções subsequentes contabilizáveis, terá efeitos econômicos e sociais, colaterais, am-plamente benéficos.

O MAAA não substitui do MDL, mas tende a suplantá-lo no futuro como um mecanismo muito mais eficaz e justo. No MDL a redução certificada é adquirida para compensar o não cumprimento de metas de redução por uma outra parte. Aqui a redução é remunera-da de forma a gerar mais redução subsequente e efeitos socioeconômicos benéficos com geração de emprego e renda e promoção de energias e tecnologias limpas.

Isso representa um passo importante rumo a uma nova ordem financeira internacional de baixo carbono. O sistema lastreado pela MdC poderá expandir seu alcance na medida em que vá atraindo recursos do sistema financeiro internacional cuja disponibilidade é atualmente muito superior àquela dos governos e na medida em que a redução de emis-sões de GEE puder ser reconhecida como uma unidade de valor do sistema financeiro internacional. Esse tipo de reconhecimento dependerá de uma nova concertação do tipo “Bretton Woods do baixo carbono”, envolvendo partes governamentais, multilaterais e iniciativa privada no contexto multipolar do século XXI. Articulações para além da UN-FCCC se farão necessárias para tanto.

A capacidade do MAAA para atrair recursos do sistema internacional financeiro depen-derá do reconhecimento da redução de emissões de GEE como uma unidade de valor. E esse tipo de reconhecimento dependerá de uma nova concertação do tipo “Bretton Woo-ds do baixo carbono”, envolvendo partes governamentais – mais provável no âmbito do G-20 – bem como multilaterais e iniciativa privada em um contexto distinto da conferência de 1944, para tornar-se uma nova ordem financeira internacional de baixo carbono.

5 – Um desdobramento do alcance inicial do MAAA é poder remunerar no futuro por ações antecipadas ou adicionais também governos regionais e locais, o setor privado e o terceiro setor, desde que baseando-se em metas certificadas, evitada a possibilidade de “dupla computação”. Outro desdobramento do alcance inicial do MAAA é a capacidade de se relacionar com os futuros governos regionais e locais e as metas de redução de GEE privadas. Isso exigirá um aperfeiçoamento bem maior da regulação na governança climática internacional a esse respeito. O pleno potencial desse mecanismo, no entanto, só será alcançado com o acesso ao MdC por governos sub-nacionais, empresas e tercei-ro setor.

6 – O Brasil deve tomar a iniciativa de suscitar esse debate nos fóruns preparatórios para as Conferências COP 20 e COP 21, em Lima e em Paris, no contexto do Stream 2 e, eventualmente, em outras instâncias como, por exemplo, o G 20, a OMC, o FMI e o Banco Mundial no que couber.

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reFLeXão no nÚCLeo

CUsto MACroeConôMiCo do business As usuAl e A neCessidAde de se Con-venCer A opinião pÚbLiCA

Os participantes debateram a necessidade de sob o ponto de vista macroeconômico calcular o custo do “business as usual”. Segundo o debate, com esse cálculo é possível “colocar o conceito de cabeça para baixo” e mudar a forma de olhar para o financia-mento das mudanças climáticas. Debateu-se também sobre a necessidade de convencer a opinião pública sobre as mudanças climáticas, já que os políticos são eleitos através de votos e a mídia é uma grande formadora de opinião. Assim, priorizar-se-ia que a infor-mação chegasse com qualidade aos meios de comunicação para possibilitar a formação de uma opinião pública, que iria eleger políticos mais preocupados com o tema, segundo o seguinte esquema:

eXpeCtAtivAs de UM novo ACordo nA Cop21

A discussão também focou nas expectativas de um novo acordo na COP21 e no que se espera que seja ou não incluído no escopo da Convenção de Clima. Segundo o entendi-mento oficial brasileiro, não está na mesa emendar a Convenção e, portanto, o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas (‘Common but Differentiated Res-ponsibilities’ – CBDR) não virá como novidade, apesar do entendimento de que a divisão entre países do Anexo I e Não Anexo I possa estar ultrapassada.

Falou-se sobre a necessidade de se considerar o valor social do carbono, quebrando a lógica de distribuição de ônus para focar em uma lógica de ativos ambientais (‘assets’). Foi explicado que o Brasil já aceita a ideia que não só os países da OCDE devem assu-mir responsabilidades, o que não quer dizer que os países em desenvolvimento devem assumir as mesmas responsabilidades. A ideia de ter um orçamento de carbono (carbon budget) foi resultado de um grupo de trabalho do LCA, ou seja, no âmbito da Convenção e não do Protocolo de Quioto, porém essa é uma discussão ainda muito difícil politica-mente. Uma alternativa seria repartir em função da contribuição ao aumento da tempera-tura, o que dependeria da contribuição passada e potencial futura.

o pApeL do setor FinAnCeiro no FinAnCiAMento CLiMÁtiCo

A ideia de ter um banco central global não parece factível, enquanto que uma aborda-gem voluntária fora da Convenção, envolvendo países que querem entrar no mecanismo, porque enxergam benefícios no mesmo, tende a ser mais aceita. Nesse sentido, foi referi-do que já está mais ou menos concordado que os compromissos são voluntários nacionais (e não uma abordagem impositiva – top-down). Neste caso, questiona-se qual seria o papel da UNFCCC. Os co-benefícios, por sua vez, devem ser transparentes e as medidas precisam ter co-benefícios claramente estabelecidos, já que isso ajudaria a alcançar um consenso. Neste entendimento, o MDL não soma zero, pois além da soma zero das emis-sões, temos ainda os co-benefícios.

Informação Opinião Pública Política

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Segundo a avaliação de um participante do núcleo, o Brasil lidera o G77+ China e teria que ser pró-ativo no processo. Porém, ainda seria necessária a benção da ONU para a criação de um mecanismo efetivo de orçamento de carbono, que teria o desafio de buscar equidade. Analisando sistemas já existentes, uma das críticas ao Esquema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU ETS) é de que houve baixa ambição para redução de emissões e os governos não quiseram assustar o mercado. É necessário que o Brasil possa refletir sobre o que se pode aprender com esse esquema e o que não po-demos/devemos repetir.

A distribUição de responsAbiLidAdes e o orçAMento de CArbono

Foi debatida uma proposta de distribuir as responsabilidades de contribuição na garantia de um novo fundo, na base de três parâmetros:

•Emissõescumuladas

•Emissõesatuais

•Emissõesfuturas

A questão do orçamento vem da física objetiva, independentemente de qualquer arranjo político. Ou seja, para manter um certo nível de aumento da temperatura, as emissões futuras não podem exceder o orçamento restante. No entanto, pode ser estabelecida de agora em diante a partir de uma data da revolução pré-industrial, tendo em conta as emissões passadas.

Outra questão é como distribuir este orçamento: por país? Como fazer isso levando em consideração que as empresas são multinacionais e a ‘deslocalização’ ocorre per capi-ta? Considerando a população referente a qual ano? Antes de revolução industrial? No momento em que as emissões seriam estabilizadas a um nível desejado?

piso pArA o preço de CArbono, previsibiLidAde e instrUMentos pArA AJUstes de MerCAdo

Os participantes também dialogaram sobre a necessidade de haver um piso para o preço de carbono, evitando assim grandes flutuações no valor e a especulação. Observou-se que algumas lições podem ser aprendidas com títulos pré-fixados hoje, garantindo previsi-bilidade e diminuindo o risco. Assim, buscar-se-ia um projeto intrinsecamente interessante e instrumentos feitos para superar as deficiências do mercado.

A AbordAgeM de vALor soCiAL do CArbono

A abordagem do valor social do carbono vem introduzir objetividade, independente do “mercado de carbono”, o qual depende de caps e metas que são voláteis. Essa objetivi-dade pode ser usada para:

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•Umaavaliaçãodosdanosfuturosassociadosaumníveldeaumentodatempe-ratura determinado;

•Umaavaliaçãodoscustosdemitigaçãoparamanteremumníveldetempera-tura determinado.

Isso cria uma legitimidade para um instrumento internacional de financiamento para intro-duzir uma distorção de mercado em favor de tecnologias limpas contra tecnologias inten-sivas em carbono, uma vez que internalizar a externalidade (ou evitar a externalidade) é fundamental para alcançar o benefício do desenvolvimento procurado por esses projetos.

A definição de um valor social do carbono não impede países individuais de usar siste-mas de cap and trade nacionais como instrumentos para fazer cumprir metas voluntárias nacionais. Ou seja, quanto aos mercados de carbono nacionais, os países podem decidir por interligar ou até mesmo fundir essas iniciativas.

Algumas tecnologias exigem maior valor para as reduções de carbono/maior fluxo de receita adicional. Assim, o mecanismo proposto por Jean-Charles oferece alguma flexibi-lidade, pois a relação entre um empréstimo convencional e um empréstimo reembolsável com redução de emissões pode ser ajustada por tecnologias. No entanto, há um limite para isso, o qual é o volume de redução de emissões que um projeto pode gerar, o que condiciona a quantidade máxima de empréstimo que ele pode receber.

Isso pode, então, não resolver o problema para projetos de capital intensivo, como os de transportes, uma vez que a relação de redução de emissões geradas sobre o financia-mento necessário é muito baixa.

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da resiliência (IPCC 2012) é parte dos objetivos das medidas de adaptação à mudança do clima. Porém, cabe observar que as perdas e danos causados por riscos atuais e futu-ros da ocorrência de eventos extremos associados mudança do clima, incluindo eventos de progresso lento, não estão necessariamente contempladas no escopo das ações de adaptação, constituindo o ramo de “perdas e danos” associados aos efeitos adversos da mudança do clima.

Os formuladores e gestores de políticas públicas tem de explorar, desenvolver e imple-mentar estruturas abrangentes de gestão de risco que incluam a redução de riscos (por exemplo diversificação econômica), a transferência de risco(tais como seguros), ou ainda a retenção de risco (por meio de fundos de contingência). Além disso, é necessária a for-mulação de políticas específicas para questões relativas aos eventos de progresso lento, como de proteção costeira como uma resposta ao aumento do nível do mar.

Um desafio ainda conceitual é o de identificar os limites da adaptação e definir o mo-mento em que a abordagem passa a ser feita sob os aspectos de perdas e danos. Nesse sentido, estudos sobre as causas subjacentes dos eventos extremos e sua inter-relação, ou

pArte iv – sobre AdAptAção, perdAs e dAnos

gestão de risCos & AdAptAção À MUdAnçA do CLiMA

AdAptAção e inFrAestrUtUrA

SUBSíDIOS SAE

reFLeXão no nÚCLeo

1 2 3 4 5

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gestão de risCos & AdAptAção ÀMUdAnçA do CLiMA

Por Subsídios SAE

O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) informa que a frequência e intensidade dos desastres naturais têm aumentado ao longo dos anos (IPCC 2007) o que, por conseguinte, coloca todos os países em situação de maior vulnerabilidade aos impactos da mudança do clima (IPCC 2014).

Até a década de 1970, o número de eventos extremos registrados globalmente não superava mais de 100 ocorrências anuais. Já nos últimos quarenta anos observou-se um crescimento gradual, totalizando mais de 500 ocorrências no ano de 2000 (gráfico 1). A curva que demonstra as perdas financeiras associadas aos extremos climáticos acompa-nhou essa tendência, com picos de prejuízos de US$ 350 bilhões (gráfico 2).

O Brasil não está imune a eventos extremos. No período entre 1980 e 2010, foram regis-tradas cerca de cinco mil mortes em 146 catástrofes naturais que afetaram outras 48 mil pessoas e geraram perdas econômicas aproximadas de US$ 10 bilhões. As inundações são os eventos mais frequentes observados no país, seguidas dos deslizamentos de terra, das tempestades e das secas (gráfico 3) (PREVENTIONWEB 2014).

gráfico 2 – desastres naturais registrados entre 1900 e 2011. (Cred 2014)

Anos

19201910

19301940

19601950

19701980

20001990

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450

Desastres naturais registrados entre 1900 e 2011

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gráfico 3 – perdas estimadas (Us$ bilhões) causadas por desastres naturais registrados entre 1900 e 2011 (Cred 2014)

gráfico 3 – ocorrências de desastres naturais registrados no brasil (1980 – 2010)

Anos

Terremoto KobeFuracão Katrina

Tsunami Honshu

Terremoto Wenchuan

19001920

19101930

19401960

19501970

19802000

19902010

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EM DAT. The OF DANCREED International Disaster Database - Université Catholique de Louvain, Brussels - Belgium

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Desastres naturais e eventos climáticos extremos podem impactar de forma contundente os sistemas socioeconômicos e naturais, e, por essa razão, programar ações de redução dos riscos climáticos é de grande importância. No mais, a ocorrência de desastres naturais geralmente imputa prejuízos na infraestrutura, ativos de alto valor que requerem investi-mentos de longo prazo, e os custos para sua recuperação estão entre os mais elevados.

Em 2011, chuvas torrenciais em sete municípios da Região Serrana do estado do Rio de Janeiro causaram a morte de pelo menos 900 pessoas e afetaram mais de 300 mil. Gran-de parte dos impactos foi causada por deslizamentos de terra devido ao grande volume de chuvas registrado na região. Com relação às perdas e danos, estimativas do Banco Mundial apontam para custos totais da ordem de R$ 4.78 bilhões neste evento.

Um dos piores desastres já vistos no sudeste asiático, o tufão Haiyan destruiu mais de meio milhão de domicílios em 2013, além de ter gerado perdas financeiras superiores a US$ 10 bilhões. O arquipélago das Filipinas foi o mais afetado na região e sofreu com a interrupção do fornecimento de energia, desligamento das infraestruturas de comuni-cação, além da redução do suprimento de alimentos, água, medicamentos e cuidados médicos, deixando seis mil mortos e milhares em situação de vulnerabilidade (MUNICH RE, 2013).

No mesmo ano, as inundações dos rios Elba, Reno e Danúbio na Europa Central impu-taram aproximadamente € 12 bilhões em prejuízos. Para se recuperar, a Alemanha fez uso de um fundo de € 8 bilhões, um dos maiores gastos já registrados em decorrência de perdas e recuperação decorrentes de inundações (KHAZAI et. al. 2013). Em 2012, o furacão Sandy interrompeu o fornecimento de energia em 21 estados nos Estados Unidos, atingindo mais de 8,5 milhões de usuários, e forçou o fechamento da Bolsa de Nova York por dois dias, pela primeira vez desde 1888 (DECONCINI, 2012).

O relatório especial do IPCC sobre “Gerenciamento de Riscos de Eventos Extremos e De-sastres para Promover Adaptação à Mudança do Clima” (SREX) indica que as crescentes perdas econômicas relacionadas à mudança do clima e desastres naturais são causadas, principalmente, por uma exposição cada vez maior de pessoas e de bens econômicos, em parte devido à urbanização não planejada ou ao crescimento da população em áre-as sujeitas a desastres.

Os padrões de desenvolvimento influenciam pesadamente as variáveis de risco - eles determinam o nível de exposição (desenvolvimento urbano em áreas costeiras de baixa elevação) e a vulnerabilidade (pobreza, estruturas econômicas, qualidade ambiental). Para experimentar danos, os elementos expostos devem ser vulneráveis, a exemplo da região serrana no Rio de Janeiro, afetada por chuvas intensas em 2010.

Metodologias que avaliam os custos da ocorrência de desastres naturais sobre a infra-estrutura oferecem informações importantes para a tomada de decisão sobre desenvolvi-mento. Na Jamaica, estudo inédito verificou, inicialmente, a vulnerabilidade do país aos extremos climáticos e, na sequência, identificou os diversos subsetores de infraestrutura, suas características e particularidades que o tornam mais resiliente ou frágil. Estudos simi-lares a este podem contribuir para a melhor compreensão dos riscos de perdas e danos em cada subsetor da infraestrutura de um país (JIE 2014).

Minimizar o risco de catástrofes causadas por extremos climáticos por meio de ações antecipadas de redução de vulnerabilidade, diminuição da exposição ao risco e aumento

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não, com a mudança climática influenciada por ação antropogênica precisam ser apro-fundados (KINDRA, 2013). Essa é uma área de grande complexidade e incerteza, que demanda suporte científico altamente qualificado.

Estudos recentes sobre adaptação e perdas e danos relacionados com a mudança do clima (WARNER et al., 2013; IPCC, 2014) indicam que abordagens “business as usual” para lidar com a mudança do clima são insuficientes. Transformações exigirão “mudanças profundas na maneira como pessoas e organizações se comportam” (PELLING, 2011).

Quadro1. business-as-usual (bAU) de mitigação e de adaptação. Fonte: sAe/pr

A análise dos impactos do aquecimento global é feita em cima de uma trajetória econômica tendencial e que desconsidera cenários de mudan-ças climáticas. Sobre essa trajetória, são aplicados os cenários climáticos. As diferenças entre esses dois caminhos representa as conseqüências eco-nômicas da mudança climática. Neste contexto, os processos de adapta-ção alterar significativamente o resultado final e alguns dos impactos mais importantes da mudança climática são incomensuráveis (quanto custa o desequilíbrio dos oceanos ou da floresta amazônica?).

A análise econômica dos processos de mitigação é baseado no desenho de uma linha de base ou trajetória inercial da economia como um todo ou em determinados setores, resultando em uma trajetória inercial das emissões de efeito estufa estufa (GEE). Subsequentemente, os custos asso-ciados à mitigação dessas emissões são definidos de acordo com algum objetivo quantificado e com uma taxa

$

Dano residual

Tempo

Benefícios da adaptação

Crscimento com mudança do clima

Crescimento sem mudança do clima

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AdAptAção, risCos e gestão de risCos

Não há no texto da UNFCCC uma definição precisa do que seja adaptação às mudanças climáticas ou de como a temática deve ser tratada. A combinação de diversos artigos é o que estabelece o guarda-chuva de medidas em discussão até o presente.

O Artigo 4, que trata das obrigações das Partes da Convenção, informa que:“É obrigação comum a todas as Partes, levando em conta suas responsabilidades co-muns, mas diferenciadas, e suas prioridades de desenvolvimento, objetivos e circunstân-cias específicos, nacionais e regionais”:

A lacuna das emissões

Business as usual59 GtC O e (range 56-60)2

Tota

l anu

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ses

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o es

tufa

(GtC

O e

)2

Diferença restantepara ficar dentro dolimite de 2ºC

Média estimada de nível consistente com 2ºC:44 GtC O e (alcance 41-47)

2

Área sombreada mostra alcanceprovável (da temperatura global abaixo dos 2ºCdurante o século 21

Tempo (anos) 20202010

40

40

10

20

30

45 Pico antes de 2020Declínio rápido em seguida

2000 2020 2040 2060 20802 100-10

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50

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Cooperar nos preparativos para a adaptação aos impactos da mudança do cli-ma; desenvolver e elaborar planos adequados e integrados para a gestão de zonas costeiras, recursos hídricos e agricultura, e para a proteção e recuperação de regiões, particularmente na África, afetadas pela seca e desertificação, bem como por inundações; (Art. 4, inciso I, alínea e).

Levar em conta, na medida do possível, os fatores relacionados com a mudança do clima em suas políticas e medidas sociais, econômicas e ambientais pertinen-tes, bem como empregar métodos adequados, tais como avaliações de impactos, formulados e definidos nacionalmente, com vistas a minimizar os efeitos negativos na economia, na saúde pública e na qualidade do meio ambiente, provocados por projetos ou medidas aplicadas pelas Partes para mitigarem a mudança do clima ou a ela se adaptarem; (Art. 4, inciso I, alínea f)

As alíneas do Artigo 4, inciso I, deixam claro que lidar com adaptação condiciona-se a uma ótica de planejamento, seja de gestão de recursos naturais, seja de medidas de cunho social e/ou econômico (SAE, 2013).

A International Standards Organization (ISO) 31000 (2009) define risco como o efeito da incerteza nos objetivos. O risco é função da capacidade de uma ameaça explorar efetivamente uma determinada vulnerabilidade. A interpretação dada pelo IPCC a res-peito de risco e gestão de risco é sintetizada junto com as definições da ISO no quadro 1 abaixo.

A abordagem para tomada de decisão sobre adaptação recomendada pelo IPCC é a gestão de risco iterativo, principalmente através da adaptação, mas também através da resiliência e do desenvolvimento sustentável informado por uma compreensão dos impac-tos e da vulnerabilidade.

Riscos climáticos simples podem ser avaliados e gerenciados pela metodologia padrão de se identificar o “déficit de adaptação” entre as práticas atuais e os riscos projetados. As avaliações devem ser sensíveis ao contexto, para envolver aqueles que são afetados pela decisão (ou seus representantes), para contemplar o conhecimento tanto de especia-listas quanto de cidadãos afetados, e para mapear um claro caminho entre a geração de conhecimento, tomada de decisão e ação.

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Quadro 1. definições da iso e do ipCC a respeito de riscos e gestão de riscos.

Fonte Risco Gestão de riscos

ISO 31000:2009

IPCC_WGII

Glossary

Chapter 2_ Founda-tions for Decisions Making_page 198

•Oefeitodaincertezasobreosobjetivosde um negócio.•Oriscoécalculadocomoumprodutoda probabilidade de um evento relaciona-do ao clima e suas consequências. •Riscopodeterconsequênciasaomesmotempo positivas (oportunidades) e negati-vas (ameaças).•Todosossetores,públicosouprivados,terão seus objetivos ou planos de negócio afetados pelos impactos climáticos, ou então serão sensíveis aos impactos climáticos.•Probabilidade:chancedealgoacon-tecer;•NíveldeRisco:magnitudedeumrisco,ou combinação de riscos, expressa em termos da combinação das consequências e de suas probabilidades;

Potencial de consequências em que algo de valor está em perigo com um desenla-ce incerto, reconhecendo a diversidade de valores. O risco é representado como a probabilidade de ocorrência de eventos perigosos ou tendência, multiplicado pelos impactos, no caso em que ocorram tais eventos, ou tendências. Os riscos re-sultam da interação entre vulnerabilidade, exposição e perigo/ameaça.

No AR5, o termo risco é utilizado principalmente em relação aos riscos de impactos da mudança climática.

Risco de desastres: A probabilidade de desastres dentro de um período de tempo específico.

Risco emergente: Um risco que surge a partir da interação de fenômenos num complexo sistema, por exemplo, o risco causado quando mudanças geográficas em –resposta à mudança climática afetam a população humana levando a uma maior vulnerabilidade e exposição das populações na região receptora.

Percepção de risco: O julgamento subjetivo que as pessoas fazem sobre as características e gravidade de um risco

•Afinalidade(objetivos,metas,valores)deumsetor, ou de um sistema (humano ou natural), pode ser analisada quanto aos efeitos que fato-res climáticos, ou outros fatores relevantes (por ex., socioeconômicos, sociopolíticos), podem ter na sua realização.

•Aestruturadagestãoderiscosforneceummeio para analisar sistematicamente os riscos: entender como eles são gerados como resul-tado da interação de fatores climáticos e não climáticos; quais as consequências negativas e positivas podem ocorrer; e como podemos ser capazes de intervir para reduzir as ameaças e aproveitar ao máximo todas as oportunidades.

•AnálisedeRisco:processodecompreenderanatureza do risco e determinar o nível de risco;

•AvaliaçãodeRiscos:processodecompararosresultados da análise de riscos com os critérios de risco para determinar se o risco e/ou sua magnitude é aceitável ou tolerável;

•TratamentodeRiscos:processoparamodificaro risco;

•Planos,açõesoupolíticasparareduziraprobabilidade e/ou consequências de riscos ou para responder às consequências.

•Avaliação de risco: A estimativa científica qua-litativa e/ou quantitativa sobre os riscos.

•Transferência do risco: Prática formal ou informal de deslocar o risco de consequências financeiras de determinados eventos negativos de uma parte para outra.

•Gestão de risco iterativa é mais adequada em situações caracterizadas por grandes incertezas, marcos de longo prazo, potencial para a apren-dizagem ao longo do tempo, e a influência de mudanças tanto climáticas como socioeconômicas e biofísicas (evidência robusta, alta de concordân-cia).

•Odesafioresultanteéqueaspessoaseasorganizações apliquem o processo de tomada de decisão CIAV (Climate Impact, Adaptation and Vulnerability) ao lidarem com seus próprios objetivos específicos.

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gestão de risCos – UMA FerrAMentA

O processo de gestão de riscos é apresentado na figura 2. A adaptação à mudança do clima tendo como perspectiva a gestão de risco iterativo possui vários estágios e in-terações. O processo pode não ser linear e, na prática, os passos podem ser feitos em combinação.

Figura 2. esquema da adaptação como um processo de gestão de risco. (Fonte: Adaptado de bowyer et al., 2014, a partir de iso 31000:2009)

O esquema a seguir orienta a aplicação de uma ferramenta de gestão de riscos climáticos e adaptação. Ele pode contemplar uma abordagem descendente ou ascendente. Uma série de ferramentas pode ser adaptada, a partir da norma ISO 31000, para responder ao processo de gestão de riscos com foco em adaptação.

CONTEXTO

Pessoas

Escopo

Conhecimento

Identificar riscos,vunerabilidades e

objetivos

Estabelecer critériode tomada de

decisão

Identificação deopiniões

Análise

Avaliaçãode

riscos

Revisão e aprendizado

Avaliaçãode

compensações

Implementação

Monitoramento

PROCESSO RECISÓRIO

Decisão deimplementação

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72

A seguir são resumidos os passos acima esquematizados.

1. Contexto

Estabelecer o contexto adequado e relevante para o processo de gestão de risco. Pergun-tas que podem guiar essa etapa:

Qual é o risco ou riscos que gostaríamos de analisar?Quem ou o que está em risco?

•Comoconsequênciaseprobabilidadepodemsermedidasouavaliadas?

•Quaissãoosprincipaisfatoresclimáticosenãoclimáticosrelevantesparaumdado risco?

•Sobrequetipodehorizontedetemposequerconsiderarosriscos?

•Quaissãooscritériosderisco?

•Quemsãoosstakeholders(Partesinteressadas)?Comodevemserenvolvidos?

1.1 Avaliação do risco

A avaliação de risco consiste em três etapas, nas quais são identificados, analisados e avaliados os riscos.

AVALIAR O RISCO

2. Identificaro risco

3. Analisaro risco

4. Avaliaro risco

7. Monitorar e revisar os riscos climáticos e as estratégias de adaptação

1. Estabelecer o

contexto

6. Implementar estratégias de adaptação

ENCARAR O RISCO

5. Identificar e avaliar estratégias de adaptação

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73

1.1.1 identificação

A primeira etapa da fase de avaliação do risco é a de identificação do risco, que con-siste em encontrar, identificar e descrever os riscos. Esta etapa envolve a identificação de fontes de risco, áreas de impactos e suas causas e possíveis consequências. Esta fase deve incluir também considerações sobre vulnerabilidade, ameaças e exposição. A chave para esta fase é ser capaz de desenvolver ou identificar as relações causais entre as fontes de risco e as consequências. A identificação pode envolver uma avaliação abrangente de todos os riscos climáticos que uma organização, setor ou sistema enfrenta, ou pode ser a identificação de fontes de risco-chave relevantes para um determinado risco, o que levaria ao desenvolvimento de um modelo causal, ou ajudaria na seleção de um modelo causal que ajude a analisar os riscos. Pode não ser possível identificar todas as fontes de risco e as consequências. No entanto, é importante que este processo seja o mais abrangente possível. Comunicação e consulta a especialistas e Partes interessadas são relevantes nesta fase. A análise das observações do clima passado e registros de even-tos climáticos que levaram a um dado risco, também oferecem uma poderosa fonte de informação. Revisões de literatura e análises, resumindo os tipos de impactos que podem ser prováveis em um determinado setor ou sistema, podem constituir a base de uma fase preliminar de identificação de riscos.

Modelos Causais: Toda avaliação de riscos precisa de modelos causais que conectam fatores climáticos e não climáticos com os quais os riscos são gerados. Estes modelos variam entre modelos conceituais e numéricos. Aumentar as chances de sucesso da adap-tação requer uma forte compreensão de como um dado sistema funciona em reposta à variação de tendências (climáticas e não climáticas) que podem gerar riscos. A compre-ensão desse sistema precisa ser representada sob a forma de um modelo causal que esta-belece as relações e inter-relações entre essas variáveis, e como os riscos são gerados, e, assim, como podemos intervir com ações de adaptação bem escolhidas para minimizar as ameaças e maximizar as oportunidades. Estes modelos causais podem ser modelos conceituais qualitativos relativamente simples, ou modelos quantitativos numéricos das relações causais altamente complexos, mas que representam processos e relações em termos numéricos. É possível que muitos problemas e questões relacionados à adaptação sejam tão complexos que podem não existir dados, ou existirem apenas dados de má qualidade, e então não ser possível desenvolver um modelo numérico quanto à maneira como o risco é gerado para um determinado sistema. Nesse caso, é necessária uma abordagem conceitual qualitativa, e, portanto, gerar um modelo conceitual, em que pen-samos, através da forma, que possíveis mudanças no clima podem afetar um sistema, incluindo indicadores por exemplo. A construção desse modelo conceitual pode se dar através de sessões de brainstorming, workshops e outras atividades, de modo a contar com a experiência, insights e o conhecimento coletivo. As informações assim coletadas desempenham um papel crucial em toda a avaliação do risco climático, e não devem ser vistas como contendo pouco valor. Por outro lado, modelos para entender como funciona um sistema e principalmente relações de dose-resposta não dão todas as respostas e solu-ções para os problemas da adaptação. Em vez disso, fornecem informações que podem ser usadas para informar um processo de tomada de decisão sobre quais riscos climáticos é preciso intervir – durante a fase de avaliação dos riscos – e a eficácia de várias estra-tégias de adaptação que podem ser avaliadas contra uma série de critérios na fase de avaliação da adaptação no processo de gestão de riscos.

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Figura 3. exemplo de modelo conceitual, desenvolvido para compreender relações sob o impacto das mudanças climáticas e gestão florestal. (Fonte: Mcdaniels et al. (2012); bowyer, et al.(2014))

1.1.2 Análise

Com os riscos identificados, a próxima etapa é gerar informações sobre quais dos vários riscos podem ser analisados e compreendidos. Isso envolve considerar as causas e fontes de risco, determinar as suas consequências negativas e positivas, e sua probabilidade. A combinação das consequências e probabilidade determina o nível (ou a importância) do risco em alto, médio ou baixo. A sofisticação da abordagem adotada dependerá de uma série de fatores, incluindo o tamanho e natureza do(s) risco(s) ou problema de adaptação, os recursos disponíveis, experiência, disponibilidade de informações e da-dos. Às vezes faz sentido adotar uma abordagem em camadas para arriscar uma análise na qual o passo preliminar de rastreio do risco é realizado conduzindo-se uma análise rápida dos riscos e, então, alocar mais recursos para uma investigação detalhada dos riscos mais significativos (de acordo com os critérios de risco), identificados na base da análise dos riscos. Os métodos disponíveis variam. Por exemplo, uma análise qualitati-va das informações existentes, um levantamento da literatura científica disponível sobre eventuais mudanças no clima, conselhos profissionais, análise quantitativa com base em modelagens de impactos climáticos (onde existir modelos adequados e aplicáveis). In-dependentemente da abordagem utilizada para gerar as informações sobre as quais as consequências e probabilidades são determinadas, é importante que todas as análises forneçam indicações sobre e considerações quanto às fontes de incerteza, juntamente com quaisquer advertências associadas aos métodos utilizados para gerar a informação,

Estratégias de gerenciamento

florestal

ECOSSITEMAS FLORESTAIS- Classificação de tempo

- Composição de espécies- Produtividade do ecossistema

- Biodiversidade

ObjetivosSociais

Clima

Alteração deprecipitação

Outras influências no sistema

Alteração detemperatura

Mudanças na política florestale nas condiçõesregulamentares

Mercado e preçosde produtos florestais

globais

Estoque de madeiradisponível

Objetivosambientais

Pertubações

Objetivoseconômicos

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e, assim, o nível de confiança que pode ser associado à análise das consequências e probabilidades.

A atribuição de um nível de confiança é também por vezes referida como uma avaliação de segurança (WBGU 1998). A fim de sistematizar, resumir, comparar e priorizar riscos, os resultados de uma análise de risco muitas vezes são classificados de acordo com uma escala de valor a partir de 1-5 (ou baixa, média e alta), e são apresentados na forma de um mapa-de-calor e/ou um perfil de risco. Estes mapas de calor são uma forma útil para se resumir os riscos, mas a decisão de se enfrentar ou não um determinado risco não se toma somente com base nesses mapas de calor ou de perfis de risco, mas como um processo de avaliação quanto às implicações da análise de risco e como o nível de risco determinado se alinha com a atitude de risco de uma organização, de um setor (e quem sabe, um sistema).

Figura 4. Um exemplo de um mapa típico de calor, em que as notas de probabilidade e consequ-ências para um dado risco ou riscos podem ser plotadas. os riscos que aparecem nas quadrículas vermelhas representariam teoricamente a necessidade imediata de tratamento de riscos, nos qua-drados em âmbar esses riscos precisariam de mais informações ou de uma melhor compreensão da geração de risco, e devem ser monitorados para o tratamento do risco, e nas quadrículas verdes representam-se os riscos que não requerem tratamento (adaptação), mas deveriam ser monitora-dos. (Fonte: bowyer, et al., 2014)

Um exemplo típico de um mapa de calor é mostrado na anterior, enquanto que um exem-plo de um perfil de risco é mostrado na tabela seguinte.

11

2

2

3

3

Probabilidade

Consequências

4

4

5

5

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Quadro 2. exemplo de um perfil hipotético de risco. (Fonte: Fonte: bowyer, et al., 2014)

tipo de risco descrição probabilidade Consequência prioridade

Operacional Quebra da cadeia de produção 3 5 1

Operacional Falta de água fresca resultando em perda de produtividade

2 4 2

Quadro similar é utilizado no AR5, quando o WGII apresenta as principais conclusões dos recentes relatórios do IPCC (pgs. 184-186)

Figura 5. Matriz de avaliação. exemplo do Ar5_Wgii_2014a_Figura 1-6 . Confiança nas atribui-ções (quadrados) e projeções para a século 21 de fenômenos relacionados às mudanças no sistema climático (círculos amarelos) plotadas como uma função de confiança na detecção dos dados até à data. Força de confiança é classificada em nove caixas conforme observado nos eixos (sem ava-liação; foi feita uma declaração de atribuição de nenhum nível de confiança formal ou muito baixa confiança; baixo nível de confiança; média confiança; alta confiança (sem quantificação); ou pro-vável; muito provável; extremamente provável; praticamente certo). A atribuição é para qualquer influência humana (quadrados azuis, como o usado por Wgi) ou mudança climática observada local/regional (quadrados vermelhos, tal como utilizado por Wgii).

Ass

essm

ent o

f a a

ttri

buti

on o

r pr

ojec

tion

Assessment of the detection os phenomenon

Not

asse

ssed

Very

low

/N

o co

nfid

ence

low

conf

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mco

nfid

ence

Hig

hco

nfid

ence

Like

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ry li

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Virt

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yce

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n

Notassessed

Very low/No confidence

lowconfidence

Mediumconfidence

Highconfidence Likely Very likely

Extremelylikely

Virtuallycertain

9

21 29

76

20

10

2315

24

3

18

4 5

11

16

12 13

22

8

1714

19

1

2

191

9

6

6

181

8

5

5

7

7

1313

29

29

11

11

34

34

121

2

16

16 15

15

27

27

32

32

23

2

32 5

25

28

28

26

2

631

31

33

33

22

22

8

8

21

21

9

9

3

3

24

2

4

181

82

2

4

4

30

30

1

1

14

14

101

0

20

20

17

17

25 26 2827

32

31

333430

Attributed to observed climate change Attributed to human influence Projected to occur in 21

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Ocorrênciano século 21

Atribuível ainfluênciahumana

Atribuível amudança declima observada

Aumentoglobal

Diminuiçãoglobal

Mais regiõesdiminuindoque aumentando

Mais regiões aumentandoque diminuindo Projected

Tendência

Variações regionaisou nenhuma tendênciaclara

Atribuições Avaliação de confiança

Confiança Alta or muito alta

Confiança média

Baixa confiança

Confiança muito baixaNenhum nível de confiançaverificado

Achados atribuídos a um termo deprobabilidade estão associados com umaconfiança alta ou muito baixa

X

Nenhuma avaliação explícita

HC

LC

MC

Avaliação de risco

Praticamente certo 99-100%

Extremamente provável 95-100%

Muito provável 90-100%

Provável 66-100%

****

**

***

*

AR5 1-3, 1-13

AR5 1-3, 1-10,1-11,1-12

(Arctic a) (Southern b)** *

Phenomenon Change

Attribuition

Source

Projected 2050-2100

Y-axis, Figure 1-6Observed to 2010(x-axis, figura 1-6)

Greenhouse gases:CO2, CH4, NO2

Global mean surface airtemperature (GMST)

GMST over all continentsexcept Antartica

Global mean sea level

Artic sea ice cover

Hot days and nights over lan(warmith, frequency)

Cold days and nights over lan(warmith, frequency)

Extreme high sea level(incidence, magnitude)

Heat waves and warm spellsover land (frequency, duration)

Drought(intensity, duration)

Heavy precipitation events

Tropical cyclones (intensity,frequency, some basins)

Global mean precipitation

Contrast between wetand dry regions

Snow cover(Northem Hemisphere, extent)

Permafrost regions (degrade)

Storm tracks (shift poleward)

1

6

11

12

13

14

15

16

2

7

17

3

8

4

9

5

10

****

**

AR5 1-2, 1-10, 1-11, 1-12

AR5 1-2, 1-10, 1-11, 1-12

AR5 1-2, 1-10, 1-11, 1-12

AR5 1-2, 1-10, 1-11, 1-12

AR5 1-2, 1-10, 1-11, 1-12

AR5 1-2, 1-10, 1-12

AR5 SPM-1

AR5 SPM-1

AR5 SPM-1

AR5 SPM-1

AR5 SPM-1

AR5 SPM-1, SREX-4

AR5 1-12

AR5 1-12

AR5 1-4, 1-12

AR5 1-4, 1-10, 1-12

AR5 1-2, 1-10, 1-13

*

****

**

****

***

*

****

**

****

**

**

(RCPs: CO2, N20)****

MC

MC (N. Atlantic)

****

MC (intensity increase,some basins)

MC(some regions)

MC

MC

MC

LC LC

LC LC

LC

HC HC HC

HC

X

XX

X

X

X

****

**

*

****

**

*

**** ****

****

******

**

*

****

**

(since 1970)*

****

**

*

Wave heights (different oceans)

Upper ocean (warming)

18

19

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78

1.1.3 Avaliação

Uma vez analisados os riscos, a próxima etapa é avaliar o que fazer; se houver o que fazer. Perguntas:

•Umaaçãoénecessária?

•Precisamosadaptar?

•Seprecisarmosagir,emquemomentodevemosagir?

A fase de avaliação informará o estágio de tratamento/enfrentamento dos riscos, e con-siste em comparar os resultados da análise de risco e o nível de risco em função dos cri-térios de risco ou de tomada de decisão determinados no início do processo, quando se estabeleceu o contexto para o processo de gestão de risco. Riscos avaliados como sendo significativos não o são simplesmente por uma combinação de dois componentes eleva-dos, consequências e probabilidade. Por exemplo, a análise de risco de um determinado evento pode atribuir uma baixa probabilidade, mas com consequências muito significati-vas, se acontecer. Uma organização ou setor, ou em torno de um sistema, pode-se decidir

Mountain phenomena (slopeinstabilities, mass movementglacial lake outbursts)

Monsoons

Plant and animal species(move poleward or up in altitude)

Mountain phenomena (slopeinstabilities, mass movement, glacial lake outbursts)

Marine/freshwater biological systems (shifts in algal,plankton, and fish ranges)

timing of spring events (earlierleafing, greening,planting, bird migration, etc)

Human health (heat-relatedmortality,infectious diseasevectors)

Water resources

Mountain glaciers

Coral degration, bleaching

Economic losses from weatherand climate related disasters

Annual cosis of climate change

23

28

29

30

31

32

33

24

34

25

26

27

AR4 Syr-SPM

AR4 Syr

SREX-3,AR4,Syr

SREX-3

AR4 II-SPM,AR4-SyR

SREX-3,AR4,Syr

AR4 Syr

AR4 Syr

AR4 II-SPM

AR4 Syr-SPM

SREX-4

AR4 II-SPM, SyR-SPM

HC

LC

HC

HC

LC

HC

HC

HC

MC (intensity increase,some basins)

HC

HC

HC

HC

HC

X

MC MC

HC

HC HC

HC

HC

X

X

HC

X

X

LC

HC

HC (many regions)

HC

**

HC

LC

XX

AR5 1-3, 1-10,1-6

AR5 1-3, 1-10,1-6

SREX-3

MC

LC

**** ****

**

LC

***

MC

LC

Ocean acidification

Oceanic oxygen

Floods (magnitude frequency)

20

21

22

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que este risco é muito grande para ser suportado, e então se decide enfrentá-lo, ou pelo menos explorar formas em que podem ser tratados. Este ponto serve para destacar que os resultados de uma análise precisam ser analisados, interpretados e avaliados com cau-tela. Os resultados de uma análise de risco podem ser usados para se tomar a decisão de que são necessárias mais informações, e que mais pesquisas ou mais recursos devam ser consagrados aos riscos prioritários, e pode até levar a diferentes perguntas. Também é possível que os resultados de uma análise de risco identifiquem novos riscos conectados (Lempert 2012).

estUdos de CAso sobre gestão de risCos e AdAptAçã

América do sul, brasil: Criação do sistema integrado de informações sobre desastres (s2id)

A exemplo do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Eventos Naturais (CE-MADEN), a criação do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) é uma iniciativa exemplar de desenvolvimento de ferramentas para “observação sistemática e coleta de dados sobre impactos da mudança do clima” e de iniciativa empreendida com a finalidade de “ampliar o acesso, o compartilhamento e o uso de dados em âmbitos regional, nacional e subnacional para facilitar a avaliação e gestão de riscos climáticos”. Ambas estão em conformidade com as recomendações dos organismos internacionais para abordagens sobre perdas e danos.

Sob a responsabilidade da Secretaria Nacional de Defesa Civil (SEDEC), o S2ID é a primeira iniciativa brasileira para a construção de um banco de dados oficial, consoli-dado nacionalmente, com informações sobre a ocorrência de desastres naturais no País (SCHADEK et. al., 2013). O sistema tem como objetivo “qualificar e dar transparência à gestão de riscos de desastres no Brasil, já que, além de agilizar o processo, garantirá o acesso a informação sobre desastres em diversos níveis” (MI, 2014). A plataforma do S2ID constitui-se de:

- um banco de dados, incluindo análise espacial, com informações sobre os desas-tres naturais ocorridos no Brasil nos últimos 20 anos.

- um módulo para registro e reconhecimento, que informatiza o processo de reco-nhecimento de emergências e situação de calamidade pública e mantém o banco de dados nacional atualizado;

- um módulo para solicitação e Liberação de recursos, que permite a informatiza-ção desse processo, mantém atualizadas as informações sobre a aplicação dos recursos, e proverá uma ferramenta para facilitar a especificação dos projetos dos Estados e Municípios; e ainda

- um módulo de Fiscalização e prestação de Contas, que permite a informatização desse processo, e mantém atualizados os dados sobre prestação de contas a res-peito de recursos aplicados para minimizar perdas e danos com desastre naturais (MI, 2014). expectativas: Os processos informatizados do S2ID e as informações fornecidas

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pelo sistema fornecerão mais agilidade, segurança e transparência tanto em rela-ção às medidas de resposta aos desastres naturais, como para as ações preven-tivas e de planejamento. Disponíveis para acesso livre de toda a sociedade, os registros históricos do banco de dados serão ainda usados como a fonte primária de informações para a consolidação do Atlas brasileiro de desastres naturais. Ele reúne detalhes específicos sobre as diversas regiões e Estados do País, com análises sobre a frequência, períodos e padrões observados em eventos naturais que resultam em desastres, e prováveis interações desses extremos climáticos com outros fenômenos globais. Finalmente, como complemento ao Atlas, um Relatório Anual de Desastres será também elaborado com o objetivo de aprofundar a aná-lise técnica, com informações quantitativas e características científicas de eventos climáticos extremos ocorridos ano a ano (SCHADEK et. al., 2013).

participação e capacitação: O desenvolvimento do S2ID é fruto de parcerias e convênios com empresas e universidades, sobretudo na identificação e definição de indicadores de vulnerabilidade. O desenvolvimento do banco de dados do S2ID, por exemplo, é resultado de uma pesquisa realizada pelo Centro Universi-tário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres de Santa Catarina (CEPED/UFSC). A UFSC também elaborou um programa para capacitar os gestores de Defesa Civil a utilizar o S2ID (SCHADEK et. al., 2013 e UFSC, 2012).

Cenário político-institucional: A criação do S2ID é parte das ações sob o eixo estruturante “Mapeamento” previsto no Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres (PNGRD), que foi lançado pelo Ministério da Integração Nacional (MI) em 2012. O plano estabelece um marco de diretrizes para a Ges-tão Integral de Risco de Desastres no Brasil, é composto por outros três eixos de ações estruturantes “Prevenção”, “Monitoramento”, e “Alerta e Resposta”, todos eles com o envolvimento de diferentes instâncias políticas e agências governa-mentais para gerir e executar as ações (SCHADEK et. al., 2013). Na Cúpula do Clima das Nações Unidas realizada em Nova Iorque em setembro de 2014, a Presidente da República, Sra. Dilma Rousseff, lembrou-se dos crescentes impactos observados na mudança do clima, em especial sobre populações vulneráveis por situação de pobreza ou por viverem em grandes centros urbanos. A Presidente destacou que está sendo implementada a Política Nacional de Prevenção e Mo-nitoramento de Desastres Naturais com o objetivo de evitar perdas ao patrimônio e ao meio ambiente. Ela declarou que, no marco desta política nacional de pre-venção e monitoramento de desastres naturais, a sociedade brasileira receberia o plano nacional de adaptação, reforçando o vínculo entre as políticas de gestão de riscos e de mudança do clima.

América do sul, brasil - rJ: Avaliação de perdas e danos

Em janeiro de 2011, a região serrana do Estado do Rio de Janeiro foi afetada por um volume de chuvas recorde que resultou no deslizamento de terra de encostas em sete mu-nicípios: Areal, Bom Jardim, Nova Friburgo, São José do Vale do Rio Preto, Sumidouro, Petrópolis e Teresópolis. As chuvas causaram desastres sem precedentes no País, resultan-do na morte de cerca de 900 pessoas e afetando a vida de outras 300 mil. Agentes da Defesa Civil, prefeituras, governos estaduais, e da Força Nacional de Segurança Pública somando cerca de mil pessoas foram envolvidas no resgate e recuperação das áreas.

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Posteriormente, um estudo conduzido pelo Banco Mundial para avaliar o custo das per-das e danos causados por esse evento somou R$ 4,78 bilhões, sendo que:

- o setor de habitação teve perdas superiores aos danos que somaram quase R$ 2 bilhões, incluindo nesse valor as obras de contenção das encostas, o montante para custear despesas de moradia provisória das vítimas desalojadas ou desabri-gadas, etc.- o custo das perdas no setor de transporte foi de R$ 620 milhões. Esse valor foi estimado a partir do orçamento para reconstrução de estradas e ruas destruídas pelas chuvas e pelos deslizamentos, sem incluir custos indiretos da interrupção nas atividades de transporte, custos de limpeza das vias urbanas ou da constru-ção de obras provisórias emergenciais para manter o fluxo de tráfego indispen-sável na região.

- no setor de água e saneamento foram gastos R$ 410 milhões para o reparo e reconstrução de canais e sistemas de drenagem.

- o setor de energia foi impactado com perdas da ordem de R$ 35 milhões. Esse cálculo, porém, deixa de fora perdas de receitas das concessionárias de energia resultado do baixo consumo de energia pós-evento, perdas de infraestrutura do setor de energia, e o custo de pequenas centrais elétricas que foram destruídas.

- o setor de agricultura teve perdas e danos estimados em R$ 214 milhões, com perdas indiretas tais como dificuldades no escoamento da produção, danos às residências das áreas rurais, danos no sistema de captação e abastecimento das áreas rurais, além da destruição e desaparecimento de equipamentos e máqui-nas.

- no setor industrial, as perdas somaram R$ 153, 4 milhões com prejuízos aos es-toques de matéria-prima e dificuldades para recebimento das mesmas, além de re-dução da produção, falta de energia e danos às instalações e parques industriais.

- o setor do comércio e serviços teve perdas totais estimadas em R$ 469 milhões.

O estudo ainda faz uma estimativa das perdas e danos de alguns setores para os quais não havia informações detalhadas sobre a quantificação das perdas:

- o setor de educação recebeu um repasse de R$ 74 milhões do Ministério da Educação para aplicar na recuperação da rede pública de ensino;

- o setor de saúde teve perdas e danos calculados em torno de R$ 11,2 milhões, dos quais R$ 8,7 milhões repassados pelo Ministério da Saúde para ampliar o atendimento hospitalar;

- o setor de turismo teve perdas estimadas em R$ 50,7 milhões, sendo R$ 50 mi-lhões relativos à redução de receitas; e

- os impactos ambientais registraram perdas e danos no total de R$ 71,4 milhões. Segundo a avaliação do Banco Mundial, esse fato evidencia que a região ser-rana no Rio de Janeiro, a despeito de pouco vulnerável, tem baixa capacidade adaptativa, uma vez que os custos totais R$ 4,78 bilhões de perdas e danos re-presentam aproximadamente 40% do PIB total dos sete municípios mais afetados.

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América do sul: sistemas regionais de informações de vulnerabilidade setorial no equador

O Centro Internacional de Pesquisa sobre o El Niño (CIIFEN) é fruto dos esforços de cooperação internacional para a redução dos impactos do fenômeno El Niño. O desen-volvimento de modelos climáticos regionais é um dos focos de trabalho da organização em relação à gestão de ricos de perdas e danos associados aos impactos da mudança do clima (UNFCCC, 2013).

Com o objetivo de implantar um sistema de informação sobre vulnerabilidade setorial da província de Guayas, no Equador, o CIIFEN conduziu um estudo para estimar efeitos da mudança do clima nos próximos 10 a 15 anos, buscando evidências científicas para apoiar a formulação de planejamentos e políticas públicas.

Metodologia: O primeiro passo foi definir e aplicar uma metodologia adequada para analisar a vulnerabilidade social, econômica e ambiental em relação à mu-dança do clima dos diversos setores produtivos que atuam na província. Dessa forma, estimou-se:

- a vulnerabilidade econômica total pela soma agregada das vulnerabilidades do setor produtivo, excluindo as capacidades de adaptação pertinentes aos sistemas econômicos da província;

- a vulnerabilidade social total pela agregação da vulnerabilidade sociocultural, de serviços e da população, e excluindo a capacidade adaptativa desses siste-mas, tais como a infraestrutura para saúde, educação, entre outros;

- a vulnerabilidade ambiental total pela soma da vulnerabilidade de fatores natu-rais e da vulnerabilidade por fatores antropogênicos degenerativos; e

- a vulnerabilidade socioeconômica pela soma da vulnerabilidade econômica e da vulnerabilidade social.

resultados: Os dados obtidos foram empregados para o desenvolvimento de um sistema de informação geográfica que possibilita a visualização espacial das vulnerabilidades se-toriais identificadas em Guayas. Além disso, uma plataforma de informática, com interfa-ce para usuários, foi desenvolvida para inserção de dados no sistema (UNFCCC, 2013).

África: Compartilhando riscos para reduzir as perdas e danos da seca na África

As secas que invariavelmente atingem a África ampliam os riscos de insegurança ali-mentar, com impactos severos para as populações mais vulneráveis. Uma vez que esses extremos climáticos não ocorrem simultaneamente em todos os países do continente, a criação de um pool de riscos de desastres para compartilhar eventuais perdas e danos associados à seca mostrou-se como um mecanismo financeiro promissor para reduzir os custos com fundos de contingência de emergência e diminuir a dependência de ajuda humanitária externa.

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Kenya, Malawi, Moçambique, Nigéria, Senegal e Mauritânia são os países os que inte-gram o primeiro pool de compartilhamento de riscos. A gestão desse processo é feita pela

Africa Risk Capacity (ARC), uma agência especializada da União Africana (UA).Medidas de resposta: O software e satélite de monitoramento climático Africa RiskView (ARV) é uma importante ferramenta de suporte para o pool de compartilhamento de riscos. Por meio de uma combinação de dados climáticos, tais como a projeção de chuvas, além de informações sobre o calendário de colheitas e referências sobre grupos vulneráveis, o ARV é capaz de estimar os custos de medidas de resposta para insegurança alimentar.

Os dados processados pelo software para cada um dos países fornecem informações rele-vantes para a definição dos parâmetros de compartilhamento dos riscos. De posse dessas informações, os riscos de todos os países do pool serão transferidos para a ARC, que res-sarcirá perdas e danos caso haja redução de chuvas e durante a estação de cultivo.

Ásia: o aumento do nível do mar em bangladesh

A elevação do nível do mar é um evento de processo lento resultante, principalmente, da expansão termal dos oceanos e do derretimento das calotas polares. Dessa forma regiões planas costeiras, sobretudo áreas localizadas nas proximidades de deltas de rios, como é caraterístico da topografia de Bangladesh, estão sob o risco de sedimentação e inun-dação (NISHAT et. al 2013).

perdas e danos setoriais: Projeções indicam uma variedade de perdas e danos que ocor-rerão gradualmente em Bangladesh, ao longo dos anos, como consequências da eleva-ção nível do mar:

- a produção agrícola poderá ser afetada pela redução da disponibilidade de água doce, uma vez que a intrusão dos oceanos nos sistemas fluviais de água doce aumenta a salinidade de rios e dos solos;

- o setor de piscicultura sofrerá perdas econômicas com a provável destruição áreas de reprodução e viveiros;

- os ecossistemas passarão por alterações significativas com a inundação de mais de 80% do manguezal Sundarban, na região sudeste de Bangladesh, conforme indicam projeções para o meio do século;

- a sociedade terá que lidar com a redução de áreas para produção de alimentos e para o estabelecimento de residências, além de danos na infraestrutura de já áreas vulneráveis, e perdas de âmbito não econômico – com prejuízos para as formas tradicionais de subsistência e destruição de patrimônios culturais.

Por outro lado, eventos de progresso lento atuam como variáveis importantes, que podem aumentar o grau de exposição de regiões, populações, ecossistemas e infraestruturas já vulneráveis quando atingidos por eventos climáticos extremos. Em situações como esta, as perdas e danos tendem a ser mais imediatas (NISHAT et. al 2013). Medidas de resposta: Uma série de medidas têm sido implementadas em Bangladesh a fim de reduzir as perdas e danos causados por eventos de progresso lento e aumentar a resiliência de sistemas socioeconômicos e ambientais

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- Para evitar riscos potenciais e futuros de inundações, foram construídos extensos aterros nas regiões costeiras de Bangladesh;

- A edificação de represas tem contribuído para aumentar o fluxo de água doce inclusive em rios tributários ao Ganges, o que contribui para a redução dos riscos de salinização dos rios. Além disso, parcerias regionais de cooperação têm sido firmadas a fim de garantir justo acesso e distribuição da água de rios transfron-teiriços;

- O setor de agricultura tem optado pelo uso de variedades de mudas e sementes tolerantes à salinização como forma de reduzir potenciais riscos do excesso de sal no solo para a produtividade agrícola.

- Populações que dependem de setores vulneráveis, tais como a pesca, agricul-tura e recursos florestais para obter seus meios de subsistência, estão recebendo orientações para diversificar sua atividade econômica. Mulheres em situação de vulnerabilidade estão sendo capacitadas para atividades como produção de ar-tesanato e confecção de roupas (NISHAT et. al 2013).

Cenário político-institucional: Em nível nacional existem políticas abrangentes e de longo prazo que abordam adaptação à mudança do clima para Bangladesh, incluindo os ris-cos da elevação do nível do mar e os impactos em setores mais vulneráveis ao risco de salinização da água doce. O desafio do país é desenvolver processos políticos descen-tralizados que levem em consideração a experiência e as necessidades de âmbito local a fim de desenvolver políticas que sejam efetivas e bem planejadas, e colaborem, de fato, na redução das perdas e danos associados à mudança do clima (NISHAT et. al 2013).

ConCLUsão

O Sumário para Tomadores de Decisão15 do Grupo de Trabalho 2 do 5º Relatório de Avaliação do IPCC sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade nota que “opções de adaptação e mitigação no curto prazo afetarão os riscos da mudança do clima ao longo do século 21” (tradução livre).

A gestão efetiva dos riscos supracitados depende de medidas e de planejamento de cur-to, médio e longo prazo em vários níveis, do local ao global, com o envolvimento de ato-res diversos, como sociedade civil, governos nacionais e subnacionais, povos indígenas e comunidades locais (SAE, 2013). Dado que, relativamente a outros aspectos da política climática, a adaptação ainda é tema de menor acúmulo de conhecimento, o bom enten-dimento conceitual se torna fundamental para guiar o avanço de medidas concretas por partes dos vários atores. Por essa razão, o presente texto buscou apresentar os principais conceitos relativos à adaptação e gestão de rsicos, ilustrando os impactos já observados da mudança do clima e suas possíveis consequencias economicas. Uma ferramenta de gestão iterativa de riscos e instrumentos que estão sendo utilizados (ou que possam vir a ser) para apoiar estratégias de adaptação foram apresentados, com vistas a responder ao imperativo da gestão dos riscos imputados à sociedade e ao Estado pelo aquecimento global. No caso brasileiro, um importante sinal de reconhecimento da relevância do tema foi o

15 Disponível em http://ipcc-wg2.gov/AR5/images/uploads/IPCC_WG2AR5_SPM_Approved.pdf

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discurso da Presidente Dilma na Cúpula do Clima, em 2014, lembrando os crescentes impactos, em especial sobre populações vulneráveis por situação de pobreza ou por vi-verem em grandes centros urbanos. A Presidente destacou que está sendo implementada a Política Nacional de Prevenção e Monitoramento de Desastres Naturais com o objetivo de evitar perdas ao patrimônio e ao meio ambiente. Ela declarou que, no marco desta política nacional de prevenção e monitoramento de desastres naturais, a sociedade bra-sileira receberia o plano nacional de adaptação, reforçando o vínculo entre as políticas de gestão de riscos e de mudança do clima.

Sobre isso, embora tenha havido avanços no delineamento de políticas voltadas à gestão de riscos, por exemplo a criação do CEMADEN, a instituição do S2ID e o início do pro-cesso de formulação do Plano Nacional de Adaptação como parte da Política Nacional de Mudança do Clima, ainda é recente a integração entre gestão de riscos e mudança do clima e cada ator participa de acordo com sua própria lógica e prioridades.

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AdAptAção e inFrAestrUtUrA

A infraestrutura é considerada política prioritária do governo brasileiro, já que represen-ta grande gargalo ao desenvolvimento do país, do ponto de vista de sua insuficiência e baixa qualidade. Por infraestrutura16 entendemos os seguintes sistemas: logística e trans-porte (rodoviário, ferroviário, aquaviário, aéreo), energia e infraestrutura social e urbana (água, saneamento e proteção costeira). Atualmente, os investimentos públicos são da or-dem de 2,4% do PIB, abaixo do mínimo necessário para cobrir a depreciação do capital fixo per capita (calculado em 3% do PIB). Já a taxa de formação bruta de capital fixo17 é hoje da ordem de 22% do PIB (R$ 290 bilhões anuais, em média, considerando petróleo e gás), a qual se mostra inferior ao recomendado pela CEPAL (27%) e às economias da OCDE (35%). Ainda assim, o valor atual dessa taxa representa uma boa evolução no tempo, conforme ilustra o gráfico a seguir.

Figura 1 – investimentos do governo brasileiro 1995-2012. (Fonte: ibge/Ministério da Fazenda, 2014)

No aspecto de qualidade da infraestrutura, vale citar o Relatório de Competitividade Global 2013/2014, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, que coloca o Brasil em 111º lugar dentre 148 países, atrás de Namíbia e Trinidad e Tobago. Quando avaliada a qualidade das estradas (120º), das ferrovias (103º), dos portos (131º), do transporte aéreo (123º), o desempenho é igualmente insatisfatório. Apenas nos quesitos ligados às telecomunicações (internet e telefone), o país encontra-se entre os 100 melhores posicio-nados, embora tampouco assuma posição de destaque.

16 Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, quanto ao que o governo federal investe por meio do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

17 Fluxo de acréscimos ao estoque de capital fixo realizados num dado período, visando o aumento da capacidade produtiva do país.

Formação Bruta de Capital Fixo (% do PIB)

19971996

19981999

20012000

20022003

20072006

20052004

20092008

20102012

20111995

24

23

22

21

20

19

17

16

15

14

PAC1

Crise

Programa deInfraestrutura

Crise

15,7

17,0 17,0

16,4

15,316,0

19,3

16,816,1

19,519,1

18,1

16,9

18,3

17,4

17,416,418,1

PAC2

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90

A expectativa é que o investimento em infraestrutura aumente nas próximas décadas, de modo a responder ao aumento da população, à recomposição da infraestrutura existente e à dinamização econômica do país.

Sabe-se que infraestrutura tem vida útil tipicamente longa. No caso das hidrelétricas, em média, a operação é centenária; a Usina Binacional de Itaipu, por exemplo, foi projeta-da para operar durante 300 anos e, por conta do bom programa de gestão territorial--ambiental do seu entorno, essa central hidrelétrica duplicou sua vida útil (600 anos). Isso implica exposição aos impactos da mudança do clima ao longo do tempo e no longo prazo, quando se esperam efeitos mais intensos. A eficiência do desempenho dependerá do bom ou mau gerenciamento de riscos associados à mudança do clima. Eles podem encurtar a vida útil dos empreendimentos e acarretar desperdício de recursos. Abaixo, na Tabela 1, são enumerados os principais riscos climáticos sob os quais estão sujeitas as infraestruturas de energia e transportes no país.

tabela 1 - riscos climáticos e implicações para infraestrutura de energia e transporte (Fonte: ela-boração própria sAe, com base em Margulis (2009), priceWaterHouseCoopers (2010), giz (2011) e pbMC (2013).

setor impactos climáticos possível implicação para infraestrutura

energia

Hidroelétricas Brasil: 15% da matriz Mundo : 2% da matriz (2009)

transmissão edistribuição de eletricidade

•Modificaçãononívelenavariabilidadedas vazões naturais que fornecem água aos reservatórios

•Temperaturasmaisaltaseondasdecalor•Aumento/intensificaçãodeprecipitação•Inundaçõesdeáguadesuperfície,marése fluvial•Ventosfortes

•Quedadaconfiabilidadedosistemahidrelétrico•Dependênciadecapacidadeinstala-da maior e/ou maior capacidade de reservação

•Capacidadereduzidadaredeelétrica•Riscosdeinundaçãoparasubesta-ções•Danoscausadosportempestadesalinhas de alta tensão•Desgastedemateriaisemenorvidaútil das linhas de transmissão

transporte

rodoviasBrasil: 1,75 mi km (88,8% de estradas de chão e 11,1% de rod. pavimentadas)Rússia: 600 mil km asfaltadosíndia e china: 1,5 mi km asfaltados cada uma.

FerroviasBrasil: 30 mil kmRússia: 87 mil kmíndia: 63 mil kmChina: 77 mil km

•Aumento/intensificaçãodeprecipitação•Invernosmaisúmidoseverõesmaissecos•Ondasdecalormaisintensas/maisfrequentes•Temperaturasmaiselevadas

•Riscosdeinundaçãoparaasestradas•Aumentodeáreasdepontes(scourbridges)•Oaumentodainstabilidadedeaterros (taludes)•Aumentodedanosàssuperfíciesdeestrada e menor tempo de vida útil das estradas•Riscosdeinundaçãoparalinhasferroviárias•Aumentodasareasdepontes•Aumentodainstabilidadedeaterros(taludes)•Aumentodadeformaçãodostrilhos

Hidrovias e portosBrasil: 14 mil kmRússia: 102 mil kmíndia: 15 mil kmChina: 110 mil km

•Secasprolongadas•Assoreamentoderios•Elevaçãodoníveldomar•Aumentodetempestadeseventossuperiores

•Interrupçãodoserviço•Riscosdeinundaçãoparaosportos•Aumentodainterrupçãodasopera-ções

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AbordAgeM MULtiesCALAr

Compreender-se o quanto a infraestrutura é robusta, em termos de materiais, projeto, sistemas e políticas públicas, por meio de avaliação de padrões, planejamento e regula-ção, é imperativo para se determinarem níveis adequados e qualidade de investimento. Pelo menos 4 dimensões são de interesse para avaliação dos impactos climáticos sobre infraestruturas, conforme ilustrado na figura 2 a seguir.

Figura 2 – Abordagem Multiescalar sobre Mudanças Climáticas e as infraestruturas. (Fonte: Wang, X, 2014)

esCALA MiCro: os MAteriAis e As estrUtUrAs

As mudanças climáticas podem alterar alguns parâmetros físicos e consequentemente o meio ambiente, portanto estabelece-se aqui a relação entre mudanças climáticas e infraestruturas, sobretudo no que tange a uma abordagem sobre o material. Estudos vêm demonstrando que, se estabelecidas por um longo período, as mudanças climáticas instauram processos de deterioração das estruturas e da resistência dos materiais empre-gados, com implicações em segurança e serviços.

deterioração das estruturas de Concreto

No Brasil, o concreto armado é o material predominante nas grandes infraestruturas de grande porte que provêm serviços essenciais e cuja performance é dependente dos ma-teriais que compõem a infraestrutura. Portanto, para garantia e expansão da prestação dos serviços pelas infraestruturas de grande porte é fundamental que se considere: (i)

O q

ue p

erm

ite

a ad

apta

ção

a m

udan

ça c

limát

ica

Construção de ativos

Engenharia

Políticas regulatórias

Planejamento

Normas

Prioridade nacionais

Materiais

Sistemas

Sistemas de OS

Estruturas

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arquitetura, (ii) manutenção das estruturas e (iii) a durabilidade, uma vez que o processo de deterioração é função dos processos construtivos, da composição do material e do meio ambiente em que se insere.

A deterioração do concreto decorre de fatores físicos (ciclos de incompatibilidade termal entre cimento e agregado), fatores mecânicos (abrasividade) e fatores químicos que ocor-rem ao longo da estrutura de concreto. (Wang et al., 2010)

Segundo Wang et al. (2010) a deterioração por fatores químicos pode ocorrer pela pe-netração de compostos químicos, como por exemplo o CO2 e íons reativos, por exemplo os cloretos juntamente com água e oxigênio. Oportuno ressaltar que nas zonas costeiras a interação entre os íons cloreto junto o concreto e a estrutura armada tem representado grande ameaça à durabilidade de tais infraestruturas, pois o processo de carbonatação (ocorre quando o CO2 penetra no concreto) reduz o pH e aumenta a vulnerabilidade do aço ao fenômeno da despassivação (período de tempo para que a frente de carbonata-ção ou a frente de cloretos atinja a armadura). A Figura 2 ilustra a questão explorada pela ação da frente de cloreto sobre a infraestrutura.

Figura 2 – Comportamento do material em zona costeira (Fonte: Wang, X, 2014)

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93

As MUdAnçAs CLiMÁtiCAs e A deteriorAção dAs inFrAestrUtUrAs

O processo de carbonatação e os seus efeitos na deterioração das infraestruturas são fun-ção de fatores como temperatura, umidade e concentração de CO2 (Wang et al, 2010) e sua atuação pontuada a seguir:

•AelevaçãodaconcentraçãodeCO2aceleraoprocessodeavançodafrentede cloretos até a armação aumentando mais rapidamente o processo de corrosão da estrutura de aço.

•Aelevaçãodatemperaturaaceleraoprocessodecarbonataçãoeconsequente-mente a velocidade de expansão da frente de cloreto até a armadura propiciando danos corrosivos.

•Avariaçãodaumidade(positivaounegativa)podeocasionaremambososcasos, a depender da umidade de projeto, o avanço da frente de cloretos além de possibilitar a redução da resistência inicial de cura do concreto.

No Brasil, segundo Barbosa, M. (2009) a grande incidência de casos de obras deterioradas tem, inclusive, levado ao enrigecimento das normas nos aspectos relacionados à durabilidade e a vida útil das estruturas. A previsão da vida útil das estruturas está sendo objeto de investigações devido aos seguintes fatores:

•Aumentodoempregodo concretoemambientesagressivos (comopontes eestruturas off-shore);

•Elevadoscustosdeconstruçãoemanutençãodasestruturas;

•Desenvolvimentocontínuodeconcretoscomcaracterísticasdiferenciadas(altodesempenho, coloridos, entre outros) e materiais de recuperação, não estando disponíveis dados relacionados ao seu desempenho, devido ao seu curto período de exposição nas condições de utilização.

Modelos de deterioração e a relação com parâmetros ambientais associados às variá-veis climáticas

Muitos são os modelos de deterioração do concreto, entretanto não se pretende aqui uma discussão sobre tais ferramentas, mas identificar ou sinalizar que dentre os modelos utili-zados para tanto se verificam parâmetros ambientais, sobretudo os destacados inerentes ao clima, por exemplo. Para fins de exemplificação, serão apresentadas duas referências no tema.

No trabalho de Barbosa, M. (2009) foram testados vários modelos. Para o caso em ques-tão chamo atenção para o modelo de Morinaga (1990), sobretudo de seus parâmetros, pois segundo Da Silva (1998, apud M. Barbosa, 2009), cuja base é a série de experi-mentos orientados ao estudo da velocidade de carbonatacão e as seguintes equações são propostas para estimar a profundidade de carbonatação:

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para W ≤ 60 %

para W > 60%

onde:

xc = é a profundidade de carbonatacão (mm)W = relação água / cimento (kg/kg)C = concentração de CO2 na atmosfera (%)Hr = umidade relativa (%)t = temperatura ambiental (ºC);t = tempo (dias).r = parâmetro para considerar o tipo de revestimento na velocidade de carbonatação. Da Silva (1998, apud Barbosa, M. 2009) apresenta ainda, graficamente, a influência que cada variável tem no modelo desenvolvido por Moringa que pode ser visto na Figura 3.

Figura 3 – influência das variáveis na carbonatação no modelo de Morinaga (Fonte: barbosa, M. (2009))

No trabalho de Andrade J, J O (2001) “Contribuição à previsão da vida útil das estrutu-ras de concreto armado atacadas pela corrosão de armaduras: iniciação por cloretos”, sobretudo no que tange ao desenvolvimento do modelo para estabelecimento do proces-so de penetração de cloretos no concreto, foram considerados os seguintes parâmetros interessantes ao tema deste texto em contento: (i) Umidade relativa média do ambiente, em % e (ii) Temperatura média ambiental em 0C. Para tanto, disponibilizam-se um conjun-to de relações das variáveis mencionadas, respectivamente em relação à profundidade de penetração e ao tempo, conforme Figuras 4 a 7.

X = (C/5) x 2,44 x (1,391-0,174 HR+0,0217 T) x (4,6 W - 1,76) x 6c1/2

1/2

X = (C/5) x 2,44 x (1,391-0,174 HR+0,0217 T) x [(4,9 x (W - 0,25)/(1,15 + 3 W) ] x tc1/2

K

T

T

2

4

71 04

1

58 113

3

69 12

5

53 53020 251510

c( x10 )4

c( x10 )4

K

W

HR

W

HR

2

4

0,60 ,8

1

0,50,4

3

0,70 ,9

5

999070 806050

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95

Figura 4 – influência da umidade relativa na penetração (Fonte: Andrade, J, J, o (2001))

Figura 5 – efeito da umidade relativa na penetração Fonte: Andrade, J, J, o (2001)

Figura 6 – influência da temperatura na penetração Fonte: Andrade, J, J, o (2001)

40.0

80.0

20.0

0.0

60.0

100.0

10 70 80 90 1006040 503520

Pro

fund

idad

e de

pen

etra

ção

(mm

) par

a t =

20

anos

Umidade Relativa (9%)

80

120

60

40

20

0

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140

503 54 04 55 05 56 03020 251510

Pro

fund

idad

e de

pen

etra

ção

(Ccr

= 0

,4%

(mm

)

Tempo (anos)

UR = 50

UR = 90

UR = 70

Fonte: Andrade, J, J, O (2001)

40.0

80.0

20.0

0.0

60.0

100.0

63 54 04 55 03020 251510

Pro

fund

idad

e de

pen

etra

ção

(mm

) par

a t =

20

anos

Temperatura (°C )

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Figura 7 – efeito da temperatura ambiental no modelo proposto pelo autor - Fonte: Andrade, J, J, o (2001)

As mudanças do clima podem contribuir de maneira significativa no desempenho dos serviços prestados pelas infraestruturas existentes. Portanto, a universalização de serviços públicos e a garantia da qualidade estão sujeitas, num futuro não muito distante, ao com-portamento de determinadas variáveis climáticas não somente num determinado período, mas ao longo dele.

Umidade relativa, temperatura e concentração de CO2 são insumos a estimativa de vida útil das infraestruturas por meio da profundidade de penetração e podem reduzir sobremaneira a vida útil total da infraestrutura e, consequentemente, a interrupção total ou parcial dos ser-viços prestados com significativos impactos econômicos, sociais e ambientais.

Dado o exposto acima, torna indispensável ao planejamento e análise dos investimentos em infraestrutura, a inclusão de novos parâmetros que irão ditar o comportamento de sua vida útil permitindo ampliação dos benefícios no horizonte do projeto além de torná-lo mais atrativos em uma eventual mudança da intervenção estatal para o modelo de con-cessões ou Parcerias-Público Privadas (PPPs).

esCALA MACro: o pLAneJAMento de poLÍtiCAs e sisteMAs

A adaptação pode ser alcançada pela modificação de infraestrutura física já existente (retrofitting), como a localização ou a altura de empreendimentos em relação aos trechos inundáveis (pontos de captura de água, portos, etc.), integração de reservatórios, alar-gamento de canais, remoção de sedimentos de reservatórios, entre outras. Em termos de infraestrutura nova, pode-se investir em tecnologias melhor adaptadas (climate proofing, leap frogging). Segundo estudo do Banco Mundial, o custo líquido global de adaptação da infraestrutura à mudança do clima não é maior que 1-2% do custo total do investimen-to. O custo de adaptação é também pequeno em relação a outros fatores que poderiam influenciar custos futuros da infraestrutura.

80

120

60

40

20

0

100

140

503 54 04 55 05 56 03020 251510

T = 10ºC

T = 25 ºC

T = 40°C

Pro

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(mm

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Tempo (anos)

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O uso de projeções climáticas de longo prazo ainda é incipiente no governo brasileiro18 . Por outro lado, os cenários climáticos apontam aumento das chuvas principalmente no Sul e no Sudeste e diminuição da precipitação na Amazônia e no Nordeste. Presume-se que esses cenários tendam a afetar negativamente a malha rodoviária e a funcionalidade do sistema hidrelétrico. Cenários de aumento do nível do mar, ainda escassos em âmbito regional/nacional, também apontam prejuízos para infraestrutura costeira e portuária. No Brasil, há referências de que somente para o porto de Suape já tenha buscado com-preender possíveis impactos do aumento do nível do mar para o futuro.

No que toca os impactos observados, vale mencionar que o setor energético brasileiro já é vulnerável, pois depende do regime de chuvas e das hidrelétricas. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios é o menor em dez anos e caiu para menos da metade nas principais hidrelétricas do país, o que cria o risco de desabastecimento elétrico.

No que toca os impactos observados, vale mencionar que o setor energético brasileiro já é vulnerável, pois depende do regime de chuvas e das hidrelétricas. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios é o menor em dez anos e caiu para menos da metade nas principais hidrelétricas do país, o que cria o risco de desabastecimento elétrico.

Há quem afirme que o principal desafio são as incertezas associadas aos modelos cli-máticos: como tratá-las no âmbito do planejamento de oferta e demanda de serviços tão caros à população como energia e água? É inerentemente difícil que um governo pres-creva cenários climáticos específicos ou níveis desejados de adaptação para cada tipo de infraestrutura. Alguns países, como o Reino Unido, resolveram estabelecer resultados desejados de adaptação e definiram níveis aceitáveis de riscos climáticos. Os governos podem oferecer “sinais claros” sobre a necessidade de adaptação e o papel esperado do setor privado em gerenciar e reduzir riscos climáticos. O gerenciamento compartilhado de riscos dependerá da estrutura do setor e sua forma de regulação (vide Tabela 2).

tabela 2 - estrutura setorial e implicação para adaptação - Fonte: sAe

Provido pelo governo Regulação econômica Sem regulação

setores RodoviasFerroviasAeroportosTransporte urbanoSaneamento

PortosGeração de energiaTransmissão e distribuição de energiaTelecomunicação

HidroviasTecnologia da informação

estrutura de Mercado Estatais Monopólios ou oligopólios Competitiva

Fontes de financiamento Orçamento Orçamento Misto, com grande participação pública (BN-DES)

Misto, com grande participa-ção pública (BNDES) Privado, com participação pública (BNDES)

implicações paraadaptação

Implicações para adaptação Papel direto do gover-no

Papel direto do governo Potencial papel de reguladores no incentivo à adaptação

Incentivos à adaptação via mercado ou intervenção pública

18 Plano Nacional de Energia 2030 (PNE 2030), Plano de Logística Integrada (PIL) e Programa de Aceleração do Cres-cimento (PAC 2).

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No Brasil, há diferentes níveis de conhecimento sobre riscos climáticos no âmbito dos reguladores e tomadores de decisão. A avaliação de risco de enchentes, por exemplo, é bem conhecida pelos planejadores de infraestrutura de transporte, que consideram ana-lises hidrológicas em projetos de rodovia, ferrovia e outros. Entretanto, essa avaliação se baseia apenas em series históricas, não havendo ainda a consideração de projeções futuras, que incorporem funções de dose-resposta associadas a mudança do clima. Por outro lado, a política nacional de mudança do clima não contempla diretrizes específicas sobre infraestrutura resiliente.

No âmbito do Legislativo federal brasileiro, tramita Projeto de Lei do Senado (32/2008), fruto dos trabalhos da Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas, que se re-fere à necessidade dos empreendimentos públicos e privados que possuem horizonte de operação longo considerarem os efeitos da mudança do clima na elaboração do projeto. Além disso, existem recomendações públicas (quadro a seguir) quanto à necessidade de adaptar a infraestrutura.

reCoMendAções eXistentes QUAnto À AdAptAção e inFrAestrUtUrA

Rio Climate Challenge – recomendações para adaptação, 2012

Estabelecer critérios para a resiliência em comunidades e no financiamento aos investimentos em infra estrutura.

É importante redirecionar as tendências atuais de financiamento dos inves-timentos em infraestrutura, evitando aqueles que não adotem algum tipo de critério clima-resiliente. A adaptação às mudanças climáticas deverá ser in-corporada como elemento central no que tange aos fluxos financeiros de instituições multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial ou o IDB. Eles deverão verificar a redução da vulnerabilidade e resiliência às mudanças climáticas em toda e qualquer projeto de desenvolvimento de infraestrutura. Isto poderia crescer bastante em escopo e eficácia caso se tornasse uma dire-tiva do FMI para o exame dos investimentos dos governos de diversos países. Instituições privadas, como bancos, menos sujeitos a regulamentações, deve-riam ser “convencidos” nessa mesma direção, no que diz respeito ao finan-ciamento de projetos do setor privado. Essa recomendação, no que concerne às agências multilaterais, pode vir a ganhar maior expressão se trazida aos fóruns de discussão com poder de influenciar entidades como o FMI e o BIRD. Além desses organismos, o G20 é um outro fórum que talvez tenha essa mes-ma capacidade. O processo da COP pode produzir um compromisso geral das políticas públicas voltadas para todos os investimentos governamentais em infraestrutura.

painel brasileiro de Mudanças Climáticas – relatório do grupo de trabalho ii, 2013

É importante uma integração das políticas de clima, transporte e desenvolvi-mento, bem como o monitoramento de dados climáticos e uma reavaliação das políticas e padrões atuais para transportes. Com relação às medidas de

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adaptação em transportes, algumas experiências foram identificadas: realo-cação de estradas e vias; mudanças nos projetos e substituição e adequação de estruturas como pontes, estradas e pavimentos, de forma a suportar os possíveis efeitos que as condições meteorológicas e a mudança do clima poderão acarretar para o setor. As oportunidades de adaptação para o setor de transporte podem estar associadas às ações de mitigação. Todavia, inves-timentos na infraestrutura necessária e adequada ao contexto das mudanças climáticas e em novos modais de transporte, também serão essenciais. Em termos de oferta de energia, praticamente todas as opções estão expostas a algum grau de vulnerabilidade às mudanças do clima. A infraestrutura de transporte e transferência de energia pode se estender por milhares de qui-lômetros, podem ser, portanto, expostas a uma série de eventos climáticos extremos.

observatório do Clima – recomendações ao plano nacional de Mudança do Clima, 2014

Resiliência da infraestrutura e infraestrutura para a resiliência humana

Os desastres naturais de origem climática que se intensificarão requerem que a infraestrutura do país seja adaptada, o que pode ser feito em dois estágios. Um primeiro estágio deve ser a incorporação de padrões de resiliência climá-tica à toda a nova infraestrutura construída no país. Num segundo estágio, a infraestrutura já existente no país deverá incorporar estes mesmos padrões de resiliência, o que poderia ser feito no momento em que a infraestrutura exis-tente passe por processos de manutenção preventiva ou quando da necessi-dade de reparos em decorrência de danos causados pelos eventos climáticos extremos decorrentes da mudança do clima. Deve ser também incorporado ao plano em consulta a previsão de avaliação e desenvolvimento de um con-junto de soluções de infraestrutura “verde”, isto é, soluções de infraestrutura baseadas na restauração de ambientes naturais. Os benefícios são inúmeros, entre os quais vale destacar a ausência de arrependimento, a geração de co-benefícios que vão além da ampliação da resiliência e bem estar para a população. Entre os co-benefícios da adaptação baseada em ecossistemas destaca-se também o menor custo em relação à adoção de soluções clássicas baseadas em engenharia civil, a escalabilidade no processo de implantação, o que permite o escalonamento da adoção de soluções ao longo do tempo e em coordenação com a disponibilidade orçamentária, possibilitando menor grau de endividamento do setor público.

ConCLUsão

A adaptação à mudança do clima envolve grandes e variadas incertezas. Poucos países em desenvolvimento tem capacidade de projetar os impactos das mudanças climáticas e, menos ainda, de propor e implementar medidas de adaptação. Essas medidas envolvem infraestruturas caras, cuja construção e correção já devem ser pensadas agora, dado que sua vida útil supera 50 anos. Para exemplificar, a necessidade de adaptação no setor de energia brasileiro até 2050, somada à necessidade de expansão do sistema, poderá superar R$ 100 bilhões em investimento, além de R$ 10 bilhões anuais em custos operacionais.

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Uma maneira de minimizar essas incertezas e acionar a adaptação é analisar o espectro possível de cenários climáticos para o Brasil. Projeções regionalizadas pelo INPE em 2014 apontam um inequívoco aumento de temperatura em todo o Brasil, chegando a aumento de cerca de 3º C em 2040 e de 7ºC em 2100 na região Centro-Sul do país. O padrão de chuvas deve ser alterado, com aumento projetado da precipitação na região Sul e no litoral do Nordeste, e diferentes projeções de redução das chuvas na região Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Alguns dos possíveis impactos dessas altera-ções são altas taxas de evaporação e dias secos consecutivos, com condições favoráveis para o desbalanço hídrico, o que pode afetar a produção de energia, o abastecimento e a qualidade da água para a população. Além disso, a produção de grãos e frutas, principalmente no Sul do país, pode ser comprometida pelas altas temperaturas e chuvas intensas fora de época, provocando efeitos no fornecimento e nos preços dos alimentos. Também maior frequência de inundações e deslizamentos de terra.

Tais projeções climáticas estão sendo usadas para embasar o plano nacional de adapta-ção e em um estudo estratégico da SAE, denominado Brasil 2040, que iniciou buscando esses cenários, e que avalia opções de adaptação de setores críticos aos impactos do aquecimento global – água, agricultura, energia, cidades, zonas costeiras, transportes e saúde pública. Também o MCTI está se valendo deles para a 3ª Comunicação Nacional do Brasil, a ser submetida neste ano à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Uma ampla articulação de governo, envolvendo essas frentes de tra-balho, busca avaliar os cenários e oferecer interpretações. As análises e conclusões finais dos especialistas aumentarão nosso grau de conhecimento técnico-científico e econômico e o respaldo à consideração dos riscos climáticos no desenvolvimento do nosso país.

A adaptação permitirá que o Brasil dê um passo fundamental para a segurança climática de seus cidadãos, principalmente aqueles mais vulneráveis, que são tipicamente os bra-sileiros mais pobres. Esta maior segurança também poderá ser dada a toda a economia e a todo capital instalado no país, principalmente no que se refere a investimentos em infraestrutura.

reFerÊnCiAs bibLiogrÁFiCAs

Andrade, J. J. O. (2001). Contribuição à previsão da vida útil das estruturas de concreto arado atacadas pela corrosão de armaduras: iniciação por cloretos. Tese de Doutorado do Programa de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Brasil;

Barbosa, M. C. (2009) Estimativa da vida útil de estrutura de concreto armado imediata-mente após sua execução. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil / Mauro Cesar Barbosa. Uberlândia, Brasil;

GIZ (2011). Integrating climate change adaptation into development planning. http://www.oecd.org/dac/environment-development/46905379.pdf

Margulis et al (2010). Economia da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunida-des – São Paulo: IBEP Gráfica, 2010. 82 p.

PriceWaterHouseCoopers (2010). Adapting to climate change in the infrastructure sec-

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101

tors. https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/183493/infrastructure-pwc-full.pdf

PBMC, 2013: Contribuição do Grupo de Trabalho 2 ao Primeiro Relatório de Avaliação Nacionaldo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Sumário Executivo do GT2.PBMC, Rio de Janeiro, Brasil.28 p. ISBN: 978-85-285-0208-4

Wang, X.; Nguyen, M.; Stewart, M.G.; Syme, M.; Leitch, A. (2010). Analysis of Climate Change Impacts on the Deterioration of Concrete Infrastructure. Synthesis Report. CSIRO. Canberra;

Wang, X. e Smith, S. M.(2014). A Multi-Scale Adaptation Nexus for Resilient National Built Assets to Reduce Climate Risks and Mitigate Disasters. Adaptation Futures 2014. Fortaleza. Brasil.

teXto 3 - reFLeXões no nÚCLeo

Para o debate sobre adaptação à mudança do clima e infraestrutura, é central conside-rar que os parâmetros ambientais não são mais estacionários. Essa premissa é bastante inovadora para quem desenvolve infraestrutura e há de se entender a cultura desses profissionais. Existe uma pequena aceitação da não estacionariedade, mas ainda não se incorporou plenamente a noção de que, dado que estamos em transição de um regime climático para outro, essas séries podem ser violentamente não estacionárias, procurando um novo equilíbrio.

Figura 1. elaboração sAe, 2014.

Cone de futuro a ser projetadoobservado nos novos dimensionamentos

Observado IP rojetado IP rojetado II Tempo

f (p)

Dimensionamentodo projeto

Vida do projeto Iconsiderando PII

Vida do projeto I-PI

Vida do projeto I -OI

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É imperativo um trabalho de educação, pedagógica e política, associado às séries não estacionárias no currículo de engenharias no país, daí a importância integrativa que é uma característica da SAE.

Carlos Nobre: “A ciência é baseada em evidências, e não em ´beliefs´”.

As mudanças médias de temperatura, e não apenas as mudanças extremas, vão requerer investimentos enormes em adaptação. Com relação a Nova Iorque, há quem imagine que o maior desafio para aquela cidade seja o aumento do nível do mar. Entretanto, estudos apontam que o maior custo de adaptação não está associado a conforto térmico ou aumen-to do nível do mar, mas ao acesso à água em um cenário de maior temperatura média. De acordo com estimativas, um aumento de 4o Celsius na temperatura em Nova York acarre-tará significativa evaporação de água e consequentemente secamento dos reservatórios. Nesse cenário não haveria mais água disponível em 2050 e a opção seria buscar outros mananciais superficiais a saída. Ressaltou-se que os aumentos de temperatura possuem efeito exponencial (o efeito é muito maior para um aumento de temperatura de 35o para 40o do que de 25o para 30o.).

Outro exemplo ressaltado foi o aumento de dias secos: em 2070 é de cerca de 20 a 30 dias, segundo artigo publicado na PNAS (nº9, volume 111 de 2014), ainda que se espere um aumento global do volume de chuvas em 5%. Requerer-se-á um novo arranjo de agricul-tura, novas safras, alcoolduto, enfim, um a nova infraestrutura para um novo zoneamento agrícola. A Embrapa, ainda que referência absoluta no tema da mudança do clima no Brasil, não conseguiu avançar consideravelmente na questão de adaptação quando com-parado com os avanços que tem obtido em outras temáticas, demonstrando a dificuldade em trabalhar com uma visão integrativa.

Quando se ilustrou conceitualmente as a relação entre impactos e adaptação (figura ao lado), foi lembrado que, do AR4 para o AR5 do IPCC, há uma diferença no que se refere a vulnerabilidade e exposição terem sido separados, já que antes exposição era colocada dentro de vulnerabilidade. Um exemplo dessa diferenciação seria a região serrana do Rio Janeiro, altamente exposta a eventos extremos e com baixa vulnerabilidade social.

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103

Também foi mostrado um gráfico ilustrativo do efeito de decisões de investimento, associando vida útil de empreendimentos e efeitos de cenários de aumento de 2º C e 4º C ao longo de 100 anos. Outro ponto levantado foi quando se deve fazer um investimento de adaptação: melhor antecipar ou retardar?

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2010 30 40 50 60 8070 90 100

Provável aquecimento de 2°C

Possibilidade de 4°C de aquecimento

Provável aumento do nível do mar de 1 m

Decisões de hoje devem levar em conta quanto tempo os seus efeitos serão sentidos

Stafford Smith et al, Phil TransRoy soc 2011 (after Jones & Mcinnes 2004)

Risco

Vulnerabilidade

Exposição

Ameaças

TrajetóriaSocioeconômica

Adaptaçãoe mitigação

Governança

VariabilidadeNatural

Mudança do climaantropogência

PROCESSOSSOCIOECONÔMICOS

CLIMA

EMISSÕESe mudança no uso da terra

IMPACTOS

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104

Exemplificou-se que, na Austrália, identificou-se que seria mais barato antecipar a cons-trução de pontes e atualização do código de construção do que esperar a intensificação dos extremos. Tal avaliação deve ser feita setor a setor, caso a caso. No Brasil, dada a diversidade de infraestrutura, é preciso incutir tais critérios nas decisões do planejamento. Nobre citou o programa Minha Casa Minha Vida, bem sucedido na diminuição do déficit habitacional, que conta com um pequeno elemento de mitigação de gases de efeito estufa (aquecimento termovoltaico) em uma parte de seus projetos. Levan-tou a seguinte questão: a localização dessas novas moradias foi objeto de planejamento em relação a desastres ou extremos climáticos?

Sobre o exemplo de eventos extremos recentes no Acre e em Rondônia, mencionou-se a estrada que ficou submersa, dado que sua elevação se mostrou insuficiente frente a inun-dação. Qual seria o custo de recuperação dessa estrada se considerado o cenário posto (novo) para esse empreendimento? Qual seria o custo de recuperação se este cenário já não fosse o extremo? A reconstrução da infraestrutura e estradas, portos fluviais, etc., deve levar em conta o nível alcançado pelo rio em 2014?

Mesmo eclipsado no sumário para tomadores de decisão do 5º relatório do IPCC, há uma importante conclusão do Painel apontando a vulnerabilidade na Amazônia decorrente de mudanças climáticas, isto é, a Amazônia já estaria vivendo em um novo regime. Nobre citou que há evidencias abundantes dessa nova condição estar associada não somente a variabilidade natural e citou que há uma intensificação da sazonalidade.

O termo “mudanças climáticas” deve ser usado no plural, visto que existem várias origens das mudanças para além do aquecimento global. São Paulo é um exemplo disso, dado que teve um aumento de 3.5º Celsius desde o início do século passado. Citaram-se tam-bém os problemas de desabastecimento enfrentados pelo Sistema Cantareira, que provê a captação e tratamento de água para 8,8 milhões de pessoas na Grande São Paulo. O problema está associado a um aumento das chuvas na Grande São Paulo acompanhado por uma diminuição das mesmas na região da Cantareira, e não necessariamente a mu-danças climáticas. Devido às sucessivas baixas no início de 2014 chegou-se a um nível alto de criticidade no abastecimento de água. Destacou ainda que a água de superfície está se reduzindo com o aumento da temperatura em função da evaporação. Nobre citou que há um grupo de cientistas do INPE, CEMADEN e INPA monitorando quinzenal-mente o nível dos reservatórios do país. O setor de recursos hídricos é o mais refratário à consideração de séries não estacionárias. Estudo do Professor Enéas Salatti aponta que num cenário de 4º Celsius de aumento da temperatura e também com aumento de precipitação, haveria uma queda de 30% da água de superfície nos reservatórios. Foram elencadas soluções, pelo grupo, para essa possível situação, como a interligação de re-servatórios e de açudes no Nordeste, a interligação Amazônia-Nordeste (por meio de um tributário na divida do Tocantins com a Bahia), aumento da refletividade de reservatórios por meio de forragens, entre outras. Artigo recente de Carlos Nobre em jornal de grande circulação, em que aponta que a vocação do Nordeste é a produção de energia, solar e eólica.

Quanto à Amazônia, foi levantada a seguinte questão: a construção de mais reservató-rios para Amazônia é recomendável, considerando os impactos socioambientais? Men-cionaram-se impactos na saúde, para além de outros, citando-se exemplo de Rondônia, onde houve surto de malária por causa de lago da hidrelétrica.

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O debate sobre infraestrutura e adaptação à mudança do clima passa também por ques-tões conceituais, como definição e medição de adaptação e as dificuldades de lidar com o déficit de adaptação no contexto de países ainda em desenvolvimento. Enfatizou-se no debate que temos familiaridade com a avaliação de impactos, mas não necessariamente com adaptação à mudança do clima e menos ainda com infraestrutura. Algumas lições do estudo “Economia da Adaptação à Mudança do Clima” do Banco Mundial, que to-cou na questão da infraestrutura, apontam para o fato de que adaptação deve começar com a adoção de medidas relativas a impactos que os países já enfrentam e considerar soluções com baixo ou nenhum arrependimento. As estimativas de custos de adaptação de infraestrutura, principalmente de zonas costeiras, mas também de água e transportes, são elevadíssimas em relação a outros setores.

Por fim, ressaltou-se que a incerteza não pode servir de desculpa a inação. Já houve redução brutal das incertezas desde o primeiro relatório do IPCC. As curvas dos ARs são idênticas, no que se refere em nível de confiança. Isso porque se reduziram incertezas para um modelo ao passo que houve uma sofisticação dos modelos novos, com a inser-ção de processos e ciclos antes não considerados. A ciência tem reduzido essa incerteza e é necessário que se sejam utilizadas as teorias de risco e as probabilidades de aconte-cimentos nos investimentos em infraestrutura, assim como um seguro que se paga mesmo com o baixo risco de ocorrência.

perguntas estratégicas e soluções ambiciosas

•Aincertezapresentenosistemaclimáticotambémépresentenosistemasociale no sistema internacional. Há uma aceleração da complexidade da sociedade humana e a incerteza é notória em vários campos (não só para clima, mas tam-bém sistemas sociais, de política internacional, econômicos, etc.). Há dificuldade de internalização da complexidade dos sistemas de forma consciente, o que tem gerado um estado de pessimismo sobre a capacidade de participar, planejar e antecipar soluções frente às incertezas. Importante não confundir um sistema complexo com o caos – o caminho possível é o intermediário, com adoção de mudanças incrementais, tais como: incorporação de padrões de mudanças climá-ticas em Programas como “Minha Casa, Minha Vida”, discutir hidrelétricas a fio d’água (negociação política e não científica) etc.

•Diferençasentreostomadoresdedecisãotécnicaepolíticaeadesarticulaçãoentre esses dois universos. Medidas pertinentes tecnicamente, não se viabilizam politicamente e nessa direção alerta para a importância de se mapear as intera-ções técnicas e políticas. A adaptação se combinada com seus possíveis efeitos colaterais sociais e políticos podem ganhar mais força sendo necessário identifi-car quais são esses “elementos aliados”. Importância de um mapeamento do con-texto político de curto, médio e longo prazo em relação às mudanças climáticas que considere:

•Economiadeenergia; •Redescomresiliêncialocal(smartgridnacional–menosvulnerável);

•Educaçãoparamelhorusodaáguaparadesdeascriançasaosgover-nantes – existência de uma cultura de desperdício de água, aliada ao fato de o Brasil ser

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•paísnúmeroumemáguadomundo; •Reservatóriosnos tetosdoRJ: tentativade fazercomqueosedifícioseconomizassem água, de redução de inundações, etc. para criar comuni-dades mais resilientes dentro de um espaço geográfico determinado – de-creto ficou inócuo, pois foram colocadas dificuldades quanto à tecnologia para a implantação.

•Énecessáriaconstruçãodecenáriosdereferênciaconsistentescomosimpactosda mudança do clima, dado que a realidade já está modificada. Como intro-duzir os impactos? Se não o fizer, já há uma decisão (o não fazer). Tomando a estrada em Rondônia como exemplo, poderíamos nada fazer, recuperar segundo os níveis observados em 2014, recuperar considerando níveis ainda mais con-servadores do que os observados em 2014, ou então pensar em tecnologias que sobreviveriam a esse tipo de eventos (películas, etc).

•Nãoestamostrabalhandocomproblemadeterminístico.Discutiroquesefazere quando, evitando “lock-ins”. Trazer para dentro da decisão política os efeitos ao longo do tempo. Qual seria a melhor estratégia para introduzir isso aos toma-dores de decisão? Como trazer para dentro do planejamento esses horizontes?

•Oprocessodegeraçãodoconhecimentoprecisasermelhorado;nãosetrataapenas de criar pontes entre ciência e tomadores de decisão; em alguns países estão nascendo processos de co-desenho e co-criação de conhecimentos, em que cientistas, empresas, policy makers e stakeholders se debruçam sobre problemas e buscam a geração de soluções concretas com foco específico. Sugeriu que o grupo reflita sobre a oportunidade de embarcar num processo como esse.

•SobreincertezasassociadasaosmodelosqueestãosendousadosnoBrasil,avariação entre modelos é importante, devido à complexidade dos sistemas climá-ticos - necessidade de se trabalhar com faixas de alterações. No caso dos mode-los em uso ou em processo de downscaling no Brasil, há um modelo clássico do HadGen, que aponta menor precipitação no Norte e Nordeste, e os dois outros modelos, que ainda serão analisados.

•AinfraestruturaéumapolíticaprioritáriaparaestegovernoeorecorteéEner-gia; Logística e transporte; e infraestrutura social e urbana. As políticas de mudan-ça do clima e de investimentos do governo não incutem riscos climáticos associa-dos à infraestrutura e pouco conversam entre si (a Política Nacional de Logística e Transporte e a Política Nacional de Energia não levam em conta cenários de referência consistentes com os impactos projetados da mudança do clima, já o Plano Nacional de Mudança do Clima não trata de infraestrutura resiliente). Ne-cessidade de se tratar das incertezas, algumas vezes apontadas como “desculpa” para cenários de referência inconsistentes com a mudança do clima para o Brasil.

•Aincertezanãoénecessariamenteumproblema,maséclaroqueémaiscon-fortável tomar decisões em cima do que se sabe. Estratégia é ciência e não arte, portanto é necessário fazer uma análise de convergências e fazer apostas. Há possibilidade de se surpreender mesmo utilizando os melhores modelos.

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•Incertezaspodemapontaremdireçõesopostasounamesmadireção.Nocasode opostas, é necessário se fazer apostas, buscando a liderança ou a sobrevivên-cia. Como queremos que o Brasil e o mundo sejam? Para se fazer uma aposta considerando um cenário é preciso saber se vamos querer liderar ou ir a reboque. O Brasil não vem apostando na liderança em um cenário futuro de baixo carbo-no, enquanto os países ricos costumam apostar na liderança sempre. O que isso significa para o país? Como as cidades respondem? Entramos em energia solar e eólica? Sair da postura de perdedor?

•ConsiderandoqueaapostadoBrasiléopré-sal,atualmente,devemosapostarna sua liderança como economia de baixo carbono e entrar com uma postura mais proativa em termos de propostas tecnológicas.

•Exercerliderançanãoéapenasumaquestãodevontade,masdecapacidade.Não se pode propagar um discurso voluntarista e se pautar em polaridade (líder ou não líder), mas procurar uma posição mais equilibrada. A construção de ca-pacidade leva tempo e não se chega ao topo de um dia para o outro. Para ser líder é preciso apostar e saber aonde se quer chegar (ter uma visão clara) par começar a agir.

•Avaliarapostasdebaixoarrependimento,alémdefazerummapeamentodetecnologias (opções que independem de cenários). As apostas tem um custo po-lítico (por exemplo: o INPE já demonstrou o potencial solar brasileiro, no entanto isso ainda não deslanchou). •Comoasenchentesestãoafetandoaeconomia local?Alguns indicadores jápoderiam estar sendo estabelecidos para medir o que vem acontecendo em Ron-dônia. É necessário ter um modelo de governança para os subsolos das cidades - existem setores mais ou menos estatizados e atores que puxam para frente

•ProjetodeleinoCongressobuscaconsiderarefeitosdemudançasclimáticassobre infraestrutura no Senado e comentou sobre setores de infraestrutura em que o governo pode ter um papel direto no que se refere a adaptação e outros setores em que o setor privado “puxa” o setor público.

ConCLUsões

Em 2014, o Núcleo de Pensamento Estratégico foi criado e esteve reunido em quatro oportunidades para identificar e debater as interfaces principais da mudança do clima com a agenda de desenvolvimento. Esses temas estratégicos, que emergiram naturalmen-te nas discussões do grupo com a equipe da SAE e convidados de outros órgãos de go-verno além de participantes externos, permearam os debates que foram se acumulando e dialogando, ao longo do ano, e se encontram sumarizadas nas seções de Reflexão desta publicação.

Embora com um conteúdo denso, esta publicação não esgota os debates na sua plenitu-de. O objetivo foi compilar os vários momentos de debate, de modo a socializar as prin-cipais questões levantadas e também permitir uma reflexão coletiva sobre os próximos passos do que vem a ser uma “visão de longo prazo sobre mudança do clima” para o Brasil, missão que coaduna com a competência institucional da SAE.

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Na Parte I, pontuamos desafios da trajetória climática brasileira para as próximas déca-das, contando com os aportes do texto de Viola e Franchini. Nessa parte, refletimos sobre o papel dos grandes atores da governança do clima para as próximas duas décadas, sob a premissa de que é esse o foco analítico para avaliar o rumo da descarbonização glo-bal, e não as negociações no âmbito do regime formal. Um dos grandes obstáculos para essa transição é a existência de um sistema internacional de hegemonia conservadora, conforme argumentado pelos autores.

Na Parte II, diante da janela de oportunidade de se limitar o aquecimento global em níveis seguros, e ao mesmo tempo do alto risco envolvido em não fazê-lo, a questão da divisão global de responsabilidades apareceu com força. Como pontuado no texto que abre a seção, isso envolve, ao menos, três dimensões: a individual (quanto um país quer se desenvolver e como isso se traduz em intensidade de carbono), a comparativa (como as políticas de um país afetam as dos demais) e a coletiva (levando em conta uma distribuição global de esforços para o objetivo de 2 graus). A depender das métricas uti-lizadas para determinar compromissos de mitigação, pode prevalecer uma abordagem mais ou menos restritiva às trajetórias de emissões dos países emergentes, ou de maior ou menor incentivo à transição deles para uma economia de baixo carbono. Uma conclusão é que “olhar para trás”, isto é, somente para a responsabilidade histórica pode não ser tão boa ideia para o Brasil. Além do mais, olhar quanto para trás, dado que o problema era desconhecido até cerca de 40 anos?

Ligando essa segunda parte à primeira do trabalho, as possibilidades da humanidade conseguir estabilizar o sistema climático dependem do nível de compromisso climático das superpotências – EUA, UE e China – e das grandes potências – Brasil, índia, Rússia, Japão e Coreia do Sul. Se todas, ou a maioria delas, fizerem a transição para o campo reformista, isto é, mitigarem os impulsos soberanistas e de curto prazo para construir bens universais de longo prazo, uma eficiente governança global do clima se tornaria provável.

Nesse ponto, colocou-se firmemente o desafio para o mundo lidar com as mudanças físicas previstas, mas igualmente a oportunidade sem igual para se buscar e desenvolver tecnologias e adotar políticas que garantam os países manter e mesmo aumentar seus ritmos de desenvolvimento.

Uma das medidas discutidas para promover essa transição rumo a economias de baixo carbono e alta resiliência foi a criação de uma “moeda do clima” ou uma “moeda do carbono”. Sobre isso, artigo do Deputado Alfredo Sirkis, na parte III desta publicação, foi objeto de discussão em diversas ocasiões no Núcleo de Pensamento Estratégico. Em novembro de 2014, o Brasil apresentou proposta de reconhecimento do valor social do carbono, de modo a incentivar ações de mitigação adicionais (ou seja, que ultrapassem as próprias metas futuras) e antecipadas (a serem realizadas antes de 2020). Isso pode gerar um sinal de longo prazo importante para o setor privado e ligar a Convenção do Clima ao sistema financeiro internacional.

Com o crescimento contínuo das emissões de gases de efeito estufa, a rota tendencial é um aumento de temperatura em nível acima dos 2 graus Celsius considerado como limite seguro para a humanidade, antes do final do século.

Nesse quadro, os impactos associados à mudança do clima devem ser intensificados. Esses impactos são tanto de natureza extrema e imprevisível (como as chuvas torrenciais

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vistas na região serrana do Rio de Janeiro em 2010) quanto de progresso lento (como o aumento do nível do mar).

A estimativa desses possíveis impactos vem sendo avançada por meio da avaliação com base em cenários, com especial relevância para esforços de regionalização da modela-gem climática (ou downscaling, no termo em inglês), que permitem projetar variáveis em escalas mais próximas àquelas de tomada de decisão sobre políticas públicas (microba-cias, municípios, microregiões agrícolas, etc). Esses avanços e suas implicações foram sin-tetizados no texto dos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) na Parte IV.

As projeções apontam um inequívoco aumento de temperatura em todo o Brasil, chegan-do a aumento de cerca de 3º C em 2040 e de 7ºC em 2100 na região Centro-Sul do país. O padrão de chuvas deve ser alterado, com aumento projetado da precipitação na região Sul e no litoral do Nordeste, e diferentes projeções de redução das chuvas na região Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Alguns dos possíveis impactos dessas alterações são altas taxas de evaporação e dias secos consecutivos, com condições fa-voráveis para o desbalanço hídrico, o que pode afetar a produção de energia e o abas-tecimento e a qualidade da água para a população. Além disso, a produção de grãos e frutas, principalmente no Sul do país, pode ser comprometida pelas altas temperaturas e chuvas intensas fora de época, provocando efeitos no fornecimento e nos preços dos alimentos. Também maior frequência de inundações e deslizamentos de terra.Os cenários estão sendo usados para embasar o plano nacional de adaptação e em um estudo estratégico da SAE, denominado Brasil 2040, que iniciou buscando esses cená-rios, e que avalia opções de adaptação de setores críticos aos impactos do aquecimento global – água, agricultura, energia, cidades, zonas costeiras, transportes e saúde huma-na. Também o MCTI está se valendo deles para a 3ª Comunicação Nacional do Brasil, a ser submetida neste ano à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Uma ampla articulação de governo, envolvendo essas frentes de trabalho, busca avaliar os cenários e oferecer interpretações. As análises e conclusões finais dos especialistas aumentarão nosso grau de conhecimento técnico-científico e econômico e o respaldo à consideração dos riscos climáticos no desenvolvimento do nosso país.

Na perspectiva internacional, já que os cenários abrangem América do Sul, América Central e Caribe, há um potencial de uso por países vizinhos, todos com capacidade bem mais limitada que o Brasil.

Os impactos em questão imputam uma série de riscos, tanto de cunho social quanto eco-nômico e ambiental. Tais riscos podem ser gerenciados e essa é a principal recomenda-ção dada pelo mais recente e quinto relatório do IPCC. Entendendo que uma população que vive em zonas costeiras não é somente vulnerável a impactos associados à mudança do clima, mas também é “tomadora de riscos”, parece importante considerar medidas adaptativas de cunho ativo e também assistidas pelo Estado. Portanto, isso significa con-siderar que há populações vulneráveis, de modo dinâmico e não estático. Porém, ainda há um conjunto desses mencionados riscos que pode ser considerado irreversível, pois ultrapassa os limites de sustentação ou existência de regimes socioecológicos. Extensa literatura tem debatido esses possíveis pontos de inversão (chamados, tipping points em inglês) e no caso do Brasil, em específico, a possibilidade de savanização do ecossistema da Amazônia é particularmente preocupante e tem sido objeto de análises minuciosas pela academia nacional e internacional, com destaque para o trabalho de Nobre et al.

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Portanto, além de populações vulneráveis, há ecossistemas particularmente vulneráveis, o que resulta, nos termos da Convenção Quadro sobre Mudança do Clima, em classificar países particularmente vulneráveis, como aqueles onde há florestas (como o nosso) ou que são insulares. Os países insulares foram os responsáveis por alçar a temática dos limites de adaptação na UNFCCC. Em 1997, eles já propunham um sofisticado mecanis-mo de compensação por perdas e danos associados aos cenários de emissões. Interna-cionalmente, esse debate vem se acumulando (como ilustrado na Parte IV, em artigo de Fernanda Carvalho sobre o contexto internacional da adaptação), tendo sido criado um Comitê de Adaptação em 2010, sob a Convenção. Importante mencionar que a reflexão sobre o que são perdas e danos no nosso contexto se mostra fundamental para ações nacionais e regionais como o Plano Nacional de Prevenção de Desastres Naturais e Ge-renciamento de Riscos instituído em 2011 e para a formulação de instrumentos como o Plano Nacional de Adaptação em curso. Sobre isso, o artigo de Emerson Rezende jogou luz sobre possíveis mecanismos de perdas e danos nos países em desenvolvimento.

Não há duvida de que compensar financeiramente a perda de um ecossistema como a Amazônia seria inconcebível. Há mais perdas do que as econômicas, quando tratamos de uma mudança integral de características de um ecossistema ou regime físico-biológico-social. Assim, o ponto de partida para o Brasil não é o mesmo que o os países-ilha, ávidos por garantir suas existências no curto prazo dado pelo aumento do nível do mar.

Nosso desafio passa por articular o arcabouço da gestão de riscos com aquele da mu-dança do clima, buscando soluções a altura dos desafios de adaptar a infraestrutura (como apontado pelo Núcleo de Pensamento Estratégico e detalhado em artigo sobre me-todologias de gestão iterativa de risco na parte IV) e de ter instrumentos de gerenciamento direto e indireto. Há exemplos ilustrativos do que se pode fazer e do quanto podemos adaptar, se assim quisermos. Contudo, essas medidas envolvem infraestruturas caras, cuja construção e correção já devem ser pensadas agora, dado que sua vida útil supera 50 anos. Para exemplificar, a necessidade de adaptação no setor de energia brasileiro até 2050, somada à necessidade de expansão do sistema, poderá superar R$ 100 bi-lhões de investimento, além de R$ 10 bilhões anuais de custos operacionais.

A integração de adaptação e gestão de riscos foi destacada pela Presidente da Repú-blica, Sra. Dilma Rousseff, na Cúpula do Clima das Nações Unidas, realizada em Nova Iorque, em setembro de 2014. A expectativa concreta dos cidadãos é saber se o acordo climático global em negociação nas Nações Unidas os protegerá dos impactos adversos da mudança do clima. Porém, como sabemos, a gestão dos riscos climáticos e a resposta a desastres competem aos governos e sociedades nacionais. Ações que fortaleçam a nos-sa capacidade no campo da gestão de riscos e da adaptação são, portanto, de interesse nacional.

Resta então criar espaços que reúnam, disseminem, promovam trocas e estimulem ação concreta, reconhecendo que esse é um desafio de desenvolvimento e que requer ação do Estado brasileiro para agora e sempre. Uma governança para transversalizar a mudança do clima tanto em termos territoriais quanto inter-setorialmente é fundamental.