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Sem Opção Veículo: O Globo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto: Economia - Página: 30 - Publicação: 17/05/20 URL Original: Mudanças em muitas dimensões MUDANÇAS EM MUITAS DIMENSÕES CRISE COBRA MAIOR ENGAJAMENTO SOCIAL DAS EMPRESAS O Globo 17 May 2020 A crise social e econômica provocada pela pandemia se traduz na vida das pessoas em muitas dimensões, do trabalho à família, passando pelo lazer e a mobilidade. Essas dificuldades mudam relações profissionais e de consumo. Muitas empresas não terão fôlego para atravessar a crise, mas as mais engajadas com a sociedade, da qual dependem, têm mais chance de sobreviver. Num mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (conceito que executivos no meio corporativo resumem na sigla VUCA), as empresas não poderão mais pensar só nos interesses dos acionistas, como reza a cartilha dos conselhos de administração. Terão que cooperar com os outros atores de sua área de influência: clientes, fornecedores, comunidade local e os próprios funcionários, em ação complementar ao Estado. A cobrança tende a crescer, principalmente nas frentes social e ambiental. — A crise é o momento da verdade, quando se percebe se as boas intenções eram de fato verdadeiras —diz a economista Eliane Lustosa, ex-diretora do BNDES e que hoje integra conselhos de grandes empresas. — Os consumidores da nova geração já têm essa preocupação ambiental muito forte.Masquandoosinvestidores institucionais aderem, que é o que está acontecendo agora, você muda o jogo. A Covid-19 pode ser um divisor de águas. Será cada vez mais fácil identificar o que é marketing e o que é compromisso de verdade. Fronteira entre escritório e casa fica menos definida Pandemia consagrou o ‘home office’, mas demanda alterações ambientes corporativos O Globo 17 May 2020 Aquarentena rompeu a barreira do home office. Com funcionários mais produtivos, ou trabalhando o tempo todo, e sem o trânsito para atrasar reuniões, empresas como Twitter e XP gostaram tanto da experiência que já falam em permitir o trabalho de casa para sempre. A volta às empresas vai dar uma certa mão de obra. Testes rápidos de Covid-19 e medição de temperatura devem virar norma, numa indicação de que a saúde dos empregados será um fator de risco cada vez mais sensível. Nas fábricas, já se vê mais equipamentos de proteção individual, distanciamento nas linhas e nos refeitórios. Nos escritórios, a tendência é que uma parcela fique em casa um ou dois dias da semana —o que permitirá mais espaço entre as mesas. —A pandemia vai acelerar mudanças que vinham acontecendo na dinâmica de trabalho, com espaços mais flexíveis e menos hierárquicos — diz o arquiteto Sergio Athie, sócio do Athie Wohnrath, maior escritório de arquitetura especializado em projetos corporativos do país. O conceito de clean desk, sem mesas fixas, deve se disseminar. Se antes a motivação era produtividade, no póspandemia facilitar a higienização falará mais alto. Portaretrato da família agora só no escritório de casa, que os profissionais tendem a montar. Mas o conceito de conforto caseiro também deve invadir os escritórios, com mobiliário mais parecido com o das startups, espera Athie. Salas de cafezinho ganham mesas, geladeira e micro-ondas para se almoçar ali mesmo. As salas de reunião devem ser repaginadas para favorecer a interação com quem está em casa. Sai a mesa tradicional com uma TV na cabeceira, entram poltronas, mesinhas e tecnologias que permitam compartilhar a tela da apresentação sem perder de vista o rosto dos interlocutores. Viagens de avião mais raras, caras e penosas Transporte de massa terá que ganhar eficiência para reconqui

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Page 1: Mudanças em muitas dimensõese fundador do site Caos Planejado, teme um movimento anti-cidade: —Discursos contra o adensamento urbano já justificaram medidas urbanísticas excludentes,

SemOpção

Veículo: O Globo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto:Economia - Página: 30 - Publicação: 17/05/20URL Original:

Mudanças em muitas dimensõesMUDANÇAS EM MUITAS DIMENSÕESCRISE COBRA MAIOR ENGAJAMENTO SOCIAL DAS EMPRESAS

O Globo17 May 2020

A crise social e econômica provocada pela pandemia se traduz na vida das pessoas em muitas dimensões, do trabalho à família,passando pelo lazer e a mobilidade. Essas dificuldades mudam relações profissionais e de consumo. Muitas empresas não terãofôlego para atravessar a crise, mas as mais engajadas com a sociedade, da qual dependem, têm mais chance de sobreviver.Num mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (conceito que executivos no meio corporativo resumem na siglaVUCA), as empresas não poderão mais pensar só nos interesses dos acionistas, como reza a cartilha dos conselhos deadministração. Terão que cooperar com os outros atores de sua área de influência: clientes, fornecedores, comunidade local e ospróprios funcionários, em ação complementar ao Estado. A cobrança tende a crescer, principalmente nas frentes social eambiental. — A crise é o momento da verdade, quando se percebe se as boas intenções eram de fato verdadeiras —diz aeconomista Eliane Lustosa, ex-diretora do BNDES e que hoje integra conselhos de grandes empresas. — Os consumidores danova geração já têm essa preocupação ambiental muito forte.Masquandoosinvestidores institucionais aderem, que é o que estáacontecendo agora, você muda o jogo. A Covid-19 pode ser um divisor de águas. Será cada vez mais fácil identificar o que émarketing e o que é compromisso de verdade.

Fronteira entre escritório e casa fica menos definidaPandemia consagrou o ‘home office’, mas demanda alterações nosambientes corporativos

O Globo17 May 2020

Aquarentena rompeu a barreira do home office. Com funcionários mais produtivos, ou trabalhando o tempo todo, e sem otrânsito para atrasar reuniões, empresas como Twitter e XP gostaram tanto da experiência que já falam em permitir o trabalhode casa para sempre. A volta às empresas vai dar uma certa mão de obra. Testes rápidos de Covid-19 e medição detemperatura devem virar norma, numa indicação de que a saúde dos empregados será um fator de risco cada vez mais sensível.Nas fábricas, já se vê mais equipamentos de proteção individual, distanciamento nas linhas e nos refeitórios. Nos escritórios, atendência é que uma parcela fique em casa um ou dois dias da semana —o que permitirá mais espaço entre as mesas. —Apandemia vai acelerar mudanças que vinham acontecendo na dinâmica de trabalho, com espaços mais flexíveis e menoshierárquicos — diz o arquiteto Sergio Athie, sócio do Athie Wohnrath, maior escritório de arquitetura especializado em projetoscorporativos do país. O conceito de clean desk, sem mesas fixas, deve se disseminar. Se antes a motivação era produtividade,no póspandemia facilitar a higienização falará mais alto. Portaretrato da família agora só no escritório de casa, que osprofissionais tendem a montar. Mas o conceito de conforto caseiro também deve invadir os escritórios, com mobiliário maisparecido com o das startups, espera Athie. Salas de cafezinho ganham mesas, geladeira e micro-ondas para se almoçar alimesmo. As salas de reunião devem ser repaginadas para favorecer a interação com quem está em casa. Sai a mesa tradicionalcom uma TV na cabeceira, entram poltronas, mesinhas e tecnologias que permitam compartilhar a tela da apresentação semperder de vista o rosto dos interlocutores.

Viagens de avião mais raras, caras e penosasTransporte de massa terá que ganhar eficiência para reconquistar

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passageiros desconfiadosO Globo17 May 2020

Aaviação pós-Covid-19 será para poucos, eminentemente doméstica e ainda mais penosa. Até que surja uma vacina, voosinternacionais serão raros e caros. Se os atentados de 11 de setembro de 2001 trouxeram filas intermináveis com a obrigaçãode descalçar sapatos e abrir bagagens no aeroporto, a partir de agora os passageiros terão que lidar ainda com medições detemperatura e máscaras. Aeroportos devem adotar tecnologias de higienização hospitalar e combater aglomerações, commarcações para espaçar as filas. Dentro do avião, comissários vestirão indumentárias de UTI. —Será preciso dar maisflexibilidade. Ninguém vai comprar passagem pra voar daqui a seis meses sem ter a chance de alterar o bilhete se houver umsegundo surto —afirma o presidente da Latam, Jerome Cadier. A pandemia também terá consequências no chão. Com apreocupação sanitária e facilidades como o home office, passageiros temerão os transportes de massa. Logo, os sistemasprecisarão ser redesenhados para serem mais eficientes, mas precisarão de novas fontes de recursos, prevê Joubert Flores, queatuou por décadas no MetrôRio e hoje preside o conselho da ANT-Trilhos.Para reduzir o estímulo ao carro, a taxação do transporte individual ganha força, como nos pedágios de Londres e Cingapura.Algumas cidades já estão aproveitando as ruas vazias para readequar o espaço público. Paris ampliou ciclovias e subsidiou oconserto de bicicletas. Embora ache que o impacto de mudanças como o home office é superestimado, Anthony Ling, urbanistae fundador do site Caos Planejado, teme um movimento anti-cidade: —Discursos contra o adensamento urbano já justificarammedidas urbanísticas excludentes, como a demolição dos cortiços no Rio.

Tecnologia se impõe na saúde e na educaçãoAs telas ajudam quem está confinado a continuar aprendendo ou a ouvir ummédico. Elas vão ficar

O Globo17 May 2020

Em vez de shows de cantores sertanejos, milhões de jovens indianos têm consumido 100 minutos diários vidrados em lives de…matemática. Com as escolas fechadas, foram forçados a migrar para plataformas virtuais de ensino como a BYJU’s, mais valiosastart-up de educação a distância do mundo. Avaliada em US$ 10 bilhões, a empresa de Bangalore liberou seu conteúdogratuitamente na pandemia, triplicando o número de novos alunos em suas aulas de apoio on-line filmadas com a destreza deBollywood. Embora a maior experiência global de ensino remoto já feita abra um debate sobre sua efetividade e a desigualdadede acesso, há um consenso: a “geração coronavírus” aprenderá cada vez mais com telas. E com maior envolvimento dasfamílias em casa. —A educação mudou nos últimos cinco meses o que não havia mudado em dois milênios. Ela será híbrida —diz Virgílio Gibbon, líder daAfya, maior grupo de faculdades de medicina do Brasil. A Afya prepara a adoção de palestras com holografia. Na Universidadeda Carolina do Norte, nos EUA, um professor enviou óculos de realidade virtual para que os alunos assistissem à classe imersosem um simulacro de sala de aula. A empresa Victory XR experimenta levar a experiência às crianças dos EUA. Na pandemia,muitas famílias tiveram sua primeira consulta médica virtual e tendem a incorporá-la. Na França, a Doctolib fez mais de doismilhões de atendimentos remotos. A start-up chinesa WeDoctor consulta pacientes com suspeita de Covid-19 de todo o mundoem inglês e chinês, via WeChat. No Brasil, a telemedicina só foi permitida em caráter provisório na pandemia, mas tende a seimpôr, prevê Gibbon: —Com a concentração enorme de médicos no Sul e Sudeste, já deveria ter sido adotada há muito tempo.

Limpeza ostensiva e menos contato com garçons no barEstabelecimentos que concentram muita gente no mesmo ambiente vão setornar mais seletivos

O Globo17 May 2020

Quando a quarentena acabar, quem correr para um bar ou restaurante vai encontrar menos mesas, separadas por ao menosdois metros. Não haverá espera na calçada (só entra quem tem hora marcada) nem paquera no balcão. Menos garçons circulam.Funcionários da limpeza passam à linha de frente, paramentados com máscara, luva e muito álcool em gel. A presença delesserá realçada como um fator tranquilizador. —As pessoas estão com desejo de sair, mas estão com medo. E para mitigar isso, a

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assepsia vai ser o novo denominador comum —diz Facundo Guerra, fundador do grupo Vegas, que reúne casas noturnasbadaladas de São Paulo como Bar dos Arcos, Riviera e Blue Note. — O garçom que sempre foi vendedor, a cara do bar, nestemomento representa perigo. Mesmo superada a atual pandemia, o contato entre as pessoas seguirá cercado pela ameaça docontágio, elevando riscos de negócios ligados ao lazer, com reunião de pessoas num mesmo ambiente. Guerra tem aproveitadoa quarentena para pensar nesse futuro. No Bar dos Arcos, o planejamento do retorno prevê o uso intensivo de QR code. Nada decardápio rodando de mão em mão. O cliente acessa o menu pelo celular e manda o pedido diretamente para a cozinha com umclique. O controle de temperatura de funcionários e clientes também deve se tornar padrão, mais pelo efeito psicológico. Umatendência forte será a reserva em turnos, entre os quais salão e banheiros passam por desinfecção. Com renda abatida pelacrise e dólar nas alturas, os cardápios também vão se adequar à uma realidade mais austera: menos pratos, mais ingredienteslocais, preços mais contidos.NO SEGUNDO CADERNO: OS SHOWS NO PÓS-COVID-19

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