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ANO VI NOVEMBRO 2002 24 24 100 anos de Drummond U M J O R N A L C O M A C A R A D O B R A S I L U M J O R N A L C O M A C A R A D O B R A S I L

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100 anos de Drummond

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O Jornal Radcal é uma realização da Fundação Athos Bulcão em parceria com o GDF, pelo convênio nº 63/95, com a Fundação Educacional do Distrito Federal, para distribuição gratuita em sala de aula aos 100 mil alunos das escolas de ensino médio.

CAPA • Sabotage, Drummond e Fernanda Montenegro

SAN QUADRA 01, BLOCO “E”

70040-200 BRASÍLIA/DF

http://www.fundathos.org.br

[email protected]

COMISSÃO DOS DIREITOS HUMANOS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS • SECRETARIA DE EDUCAÇÃO/FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO DF • SECRETARIA DE CULTURA DO DF

A P O I O

e d i t o r i a l

S E V E R I N O F R A N C I S C O • E D I T O R D O R A D C A L

de a

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ar

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O escritor francês Roland Barthes dizia que da mesma maneira que existe

um obscurantismo do saber, existe um obscurantismo do prazer. Ou

seja: existem prazeres que ignoramos. Depois de escrever esta frase

eu já ouço uma voz do além sussurrando no meu ouvido: “Mas eu não

tenho saco para ler”. De fato, ler não é um prazer passivo como ver

televisão, em que você aperta o botão e fica exposto a qualquer onda.

Ler é um prazer que exige concentração, inteligência, imaginação:

“Eu quero ensinar os jovens a ter saco de ler” – afirma com veemência

a atriz Fernanda Montenegro, que esteve de passagem por Brasília,

coordenando uma oficina de leitura de textos para atores, no Conjunto

Cultural da Caixa.

Seduzir para o prazer da leitura é um programa permanente do

Radcal. Por isso convocamos para esta edição a atriz carioca Fernanda

Montenegro, o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade e o rapper

paulista Sabotage. Se estivesse vivo, Drummond faria cem anos em 2002.

Ele era um adolescente tímido, desajeitado e angustiado que aprendeu a

rir de suas ridicularias e até a transformar a fragilidade em força através da

poesia: “Quando eu nasci, um anjo torto/Desses que vivem na sombra, disse:

/Vai Carlos, ser gauche na vida”. Gauche é uma palavra francesa que significa

excêntrico, marginal, à esquerda.

O mundo dos livros é tão democrático que nele podemos encontrar até uma

deliciosa crítica ao excesso de intelectualismo como estes versos do poeta português

Fernando Pessoa: ”Ai que prazer/Não cumprir um dever/Ter um livro para ler/E não

o fazer!/Ler é maçada/O sol doira/Sem literatura/O rio corre, bem ou mal/Sem edição

original”. Detalhe: Fernando Pessoa formulou a concepção do poeta como fingidor e lia um

livro por dia. Só conseguiu escrever versos com tanta graça porque leu muito durante

toda a sua vida. Em um país como o Brasil, o poema de Pessoa deve ser lido com

senso de humor e não como programa de vida. Como programa de vida

talvez seja melhor a gente adotar os versos do poeta alemão

Bertold Bretch: “Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma”.

PRESIDENTEAri Cunha

VICE-PRESIDENTESGraça Seligman

Léa Emilia Portugal

SECRETÁRIO-EXECUTIVOIndalécio Martins Dal Secchi

COORDENAÇÃO SOCIOCULTURALValéria Cabral

COORDENAÇÃO EDUCACIONALFrancis Wilker

CONSELHO CURADORBrasil Helou, Christina Jucá, Cláudia Pereira, Douglas Marques de Sá, João Filgueiras Lima, Evandro Vilela Teixeira Salles, Grace Maria Machado de Freitas, Jorge Jardim, Karla Osório, Silvio Zamboni, Sueli Belato, Vanderlei dos Santos, TT Catalão

CONSELHO FISCALAna Przytyk, Frederico Viegas, José Roberto Furquim, Maria Luiza Brum, Murilo Alves Nunes

RADCAL

COORDENADORIndalécio Martins Dal Secchi

EDITORSeverino Francisco

EDITOR-ASSISTENTEGabriel Coaracy

PRODUÇÃO EDITORIALGabriel Coaracy

PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE ARTEMarcelo Terraza <Artwork Design Gráfico>

CONSELHO EDITORIALAntenor Vaz (Aprendiz Comgás) • Carlos Antônio Santiago (DEMTEC) • Geraldinho Vieira (ANDI/AVINA) • José Eurico de Andrade (SEDUC) • Manoel Serrão (FNMA) • Manoel Manrique (UNICEF) • Pamela Nunes (Fundação Athos Bulcão)

VOLUNTÁRIOSAlaíse Beserra, Carolina Mendes e Wanderson

Chaves

COLABORADORESClóvis Henrique, Gabriela Goulart, Ivone de Oliveira, João Rodrigo, Thiago Hexsel, Valdi Bezerra, Wanderson Chave

FOTOGRAFIAMila Petrillo, Paola Antony, Rayssa Coe, Séphora Brilhante

EQUIPE DE APOIOIvone de Oliveira, Marcos Medeiros, Olegário Ribeiro, Rosanalha Maria

FOTOLITOS E IMPRESSÃOWEB Editora, DF

2 R A D C A L

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O R I T M O D A

G A B R I E L C O A R A C Y

Felizes aqueles que estiveram com o Salvador Jah Rastafari!

Hailé Hailé!! Jah Rastafari!!!

Muitos lá daquela ilha bradavam com a convicção de que a Babilônia

seria salva pelo Rei dos Reis (Negusa Negast), vindo da Etiópia...

Jamaica, terra de muita musicalidade, religiosidade, sofrimento e his-

tórias que fogem às explicações terrenas. Jamaica, terra onde a lenda

se mistura com a história, berço de um movimento étnico-cultural que

trouxe muita fé, esperança e alegria ao mundo.

Impulsionado pelos ideais de retorno às origens, inicialmente difundi-

dos por Marcus Garvey, um político, empreendedor, líder e grande estu-

dioso da chamada diáspora negra, o povo jamaicano passou a valorizar

o retorno à sua “terra de origem”, a África. Lá, o Salvador chegaria a

todos, representado pelo imperador da Etiópia, Sua Majestade Impe-

rial Hailé Selassié I, o Ras (do aramaico, “príncipe”) Tafari. Foi susten-

tado por esses ideais e crenças que o Reggae surgiu, junto ao Rasta-

farianismo, religião bastante presente na Jamaica.

Nos idos de 1956, um ritmo começava

a ferver a quente ilha jamaicana. Era o

Ska, uma mistura do Jazz e do Rhythm

and Blues, que só se ouvia na Jamaica

através das ondas de rádio americanas,

que conseguiam chegar até lá. Com-

pletando a mistura, toda referência da

música negra e dos ritmos caribenhos.

Era uma batida rápida, com letras de

amor, sensualidade e alegria. Bob Mar-

ley, com seu terninho colorido e cabe-

los comportados, começava a estourar

alguns sucessos.Reza a lenda que um

verão muito quente fez os músicos dimi-

nuírem a cadência da batida. Surgiu,

então, o Rocksteady que, anos depois,

deu origem ao Reggae.

A politização cada vez maior das letras,

junto com o firmamento do Rastafaria-

nismo como religião fizeram do Reggae

não só um ritmo, mas todo um movi-

mento de conscientização e valorização

da cultura negra, que correu o mundo,

principalmente pela figura de Bob Mar-

ley. Já com seus famosos Dreadlocks

(longas e espessas mechas de cabelo

enroscado), o Rasta Bob Marley e sua

banda (os Wailers) conseguiram pro-

jetar um país sofrido para o mundo e

difundir todo um modo de vida.

Apaixonado por futebol, Bob Marley

veio ao Brasil e se encontrou com Gil-

berto Gil, além, é claro, de bater uma

bolinha com os brasileiros. A música

“Tem homem que só lida com informação. Outros que lidam com o conceito da verdade. E os que lidam com a magia. A informação tá em todo lugar, e a verdade vai na sua direção. Já a magia, ela passa por dentro de você.”NERNELLY, CURANDEIRO JAMAICANO, 1982

“Vamos Fugir” foi gravada com os Wai-

lers. Mais do que isso, o negro brasi-

leiro identificou-se muito com a causa

e viu na presença do artista no Brasil

uma inspiração para a valorização de

sua cultura. Tanto que vermelho, ama-

relo e verde, cores da bandeira Etíope

e do Reggae, são as cores que identi-

ficam o Olodum.

Infelizmente, um câncer no dedão do pé

o levou em 11 de maio de 1981. Bob

Marley dizia que o Rasta não concorda

com amputação. Jah, o Deus Vivo, iria

curá-lo com a meditação e a elevação

espiritual ou o levaria mais cedo para o

Seu Reino. A meditação não foi eficaz.

Que ele descanse em paz!

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Aos 72 anos de idade, Fernanda

Montenegro sabe, mais do que ninguém, da importância da

leitura para o ser humano. Sabendo disso e com a intenção de ajudar na formação de jovens atores, ela saiu Brasil afora promovendo oficinas de

leitura dramática. Em entrevista coletiva em Brasília, ela falou

de teatro, cidadania e leitura.

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Fernanda Montenegro, com o amigo e diretor de cinema Walter Salles

• Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis;

• Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles

• O Teatro de Nelson Rodrigues, de Nelson Rodrigues;

• Escola de Mulheres, de Moliére;• A Santa Joana dos Matadouros, de

Bertold Brecht;• Hamlet, de Shakespeare;• Édipo Rei, de Sófocles;• Liberdade Liberdade, de Flávio Rangel e

Millôr Fernandes;• O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues;• Casamento Suspeitoso, de Ariano

Suassuna;• O Noviço, de Martins Pena

• Castro Alves; • Guimarães Rosa;• Carlos Drummond de Andrade;• Dostoievsky;• Tolstoi;• Sthendal;

FERNANDA MONTENEGROSUGERE QUE VOCÊ LEIA:

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MILA PETRILLO

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Você sabe o que é ser polivalente? É mais ou menos como um

jogador de futebol que sabe jogar em todas as posições. E é essa

característica que o novo mercado de trabalho está exigindo.

Uma pessoa dinâmica e capaz de lidar com um pouco de

tudo dentro do seu ambiente de trabalho.

A cultura da trabalhabilidade, apesar do nome pom-

poso e complicado, está voltada especificamente

para desenvolver isso em nós. Hoje em dia,

não basta apenas ter um “canudo” na mão e

achar que nunca mais vai precisar estudar.

Muito menos pensar que você pode traba-

lhar isolado, sem a ajuda de ninguém. A

criatividade e o trabalho em equipe são

palavras-chave no cotidiano de qualquer

profissional.

Trabalhabilidade significa desenvolver

competências e habilidades. As compe-

tências dizem respeito, primeiramente,

a Aprender a Ser, que significa conhe-

cer melhor seus limites e potenciais e

desenvolvê-los da melhor forma para o

seu lado profissional. Aprender a Conviver

é saber lidar em equipe e trabalhar em con-

junto em prol de alguma coisa. Aprender a

Fazer é quando você tem habilidade para pro-

duzir determinado produto ou bem. Finalmente,

Aprender a Conhecer, que talvez seja o mais impor-

tante de todos, é a capacidade de uma pessoa bus-

car novos conhecimentos a todo momento visando ao

seu crescimento pessoal, social e profissional.

Desenvolver habilidades significa pôr em prática todos esses

quatro itens. Na verdade, pode parecer complicado fazer tudo

isso ao mesmo tempo e ainda agüentar a pressão do patrão

cobrando a todo instante. Mas, dizem nossos economistas, é pre-

ciso criar diferenciais. E usar essas ferramentas em nosso favor

pode fazer a diferença na hora de conseguir um bom emprego.

Principalmente quando se está em busca da primeira oportuni-

dade de trabalho.

Portanto, busque conhecer melhor suas dificuldades e poten-

ciais, desenvolva esses pontos e procure conhecer um pouqui-

nho de cada coisa no lugar onde trabalhar. E, mesmo sendo difí-

cil, procure trabalhar em algo que lhe dê prazer, afinal, não há

nada mais chato do que fazer aquilo que a gente não gosta.

ELÓI MARCELO, 21 ANOS, CONSULTOR DO PROGRAMA LARGADA 2000

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C L Ó V I S H E N R I Q U E | 2 2 A N O S | E S T U D A N T E D E C I Ê N C I A P O L Í T I C A

Uns dizem que o filme de

Fernando Meirelles, Cidade

de Deus, é um retrato da

guerra civil vivida nos morros

cariocas, outros o chamam

de “chacina fashion”. No

entanto, é inegável sua con-

tribuição para a discussão

de uma temática ao mesmo

tempo tão presente e tão dis-

tante: a violência urbana.

Embora há quem diga que

Cidade de Deus tenha se tor-

nado puro entretenimento e

lembre filmes de ação de

Hollywood, acredito que

existam importantes refle-

xões que saltam da tela. O

que há em torno da tão falada

violência? É possível elimi-

nar a violência com grades

altas, carros blindados e polí-

cia nas ruas? O que aconte-

cerá se continuarmos enca-

rando a violência como algo

não afeto a nós?

A Cidade de Deus fica no

Rio de Janeiro. Era para ser

um local isolado, distante da

área nobre do lindo Rio. No

entanto, com o crescimento

do agrupamento urbano, o

OU O RETRATO DA REALIDADE

inferno chegou ao céu ou o

céu chegou ao inferno. O que

interessa é que o conjunto

habitacional criado pela pre-

feitura para abrigar pessoas

pobres, espaço parecido com

o que os governantes do pla-

nalto central chamam de

assentamento, acabou cres-

cendo e tornando-se um incô-

modo. O “depósito” cresceu

e ficou lado a lado com os

arranha-céus.

A cidade par tida entre

asfalto e favela parece que

se juntou e a violência, antes

problema apenas de pobres

e de páginas policiais, come-

çou a tomar conta do notici-

ário e as pessoas mais abas-

tadas começaram a sentir na

pele o problema. O medo pas-

sou a ser senso comum. E o

filme? O filme trouxe o lado

de quem vive no morro e con-

vive com cenas de violência

na porta de casa e não ape-

nas nas telas de cinema. O

problema, em minha opinião,

foi ter apenas mostrado essa

face da Cidade de Deus. A

vida da comunidade, as alter-

nativas ao crime, o povo tra-

balhador e honesto passa

pela tangente do enquadra-

mento da câmera e também

fica fora do mundo fashion

dos festivais e dos prêmios

que o filme recebeu.

MV Bill, rapper da favela

agora famosa, disse que

com a repercussão dada à

obra, a área fica estigmati-

zada e afasta ainda mais as

pessoas. Quem teria, após o

filme, coragem de ir ao local?

Essa pergunta reflete a dis-

tância que queremos dos pro-

blemas sociais e que o filme

pode, infelizmente, ter aju-

dado a perpetuar.

Se o filme banaliza a violên-

cia, talvez seja uma opor-

tunidade para irmos mais

além. Precisamos enxergar

nas entrelinhas, ou melhor,

entre películas. Não é pos-

sível esquecermos este pro-

blema social; está mesmo na

hora dele entrar no shopping

center e fazer os grandes res-

ponsáveis por essa questão

pensarem nisso. Pena que

nem todos querem enxergar

entre películas.

DIVULGAÇÃO

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Reza a história (ou a lenda) que um

parlamentar mineiro teria declarado,

com a intenção de bajular um depu-

tado gaúcho. “Gosto muito dos gaú-

chos. Inclusive, gosto muito daquele

verso do Carlos Drummond de

Andrade: Vai, Carlos! ser gaúcho na

vida.” Evidentemente, o nobre parla-

mentar referia-se ao verso que abre

Alguma Poesia, o primeiro livro de

Carlos Drummond de Andrade (1902-

1987), o mais completo poeta bra-

sileiro: “Quando eu nasci, um anjo

torto/Destes que vive na sombra/

disse: Vai, Carlos! ser gauche na

vida.” Mas gaúcho não é exatamente

gauche. Para quem não sabe, gau-

che é uma palavra francesa que quer

dizer à esquerda, deslocado, desa-

jeitado, excêntrico.

Drummond foi gauche na vida e

na poesia. O maior desafio de um

poeta é encontrar uma voz pró-

pria. E só encontra uma voz origi-

nal quem assume a sua diferença.

Quem é “Maria vai com as outras”

só repete a voz dos outros. Não exis-

tem lances espetaculares na vida de

Carlos Drummond de Andrade. Mas

o que torna interessantes aconteci-

mentos e circunstâncias mínimas de

sua vida é o fato deles serem ilumi-

nados por uma poesia de alta qua-

lidade.

Filho de uma família de fazendeiros

em Minas Gerais, em processo de

decadência econômica, o próprio

Drummond se definiria como um

“fazendeiro do ar”. Com sua poe-

sia, Drummond colocou no mapa do

Brasil (e até do mundo) a cidadezi-

nha de Itabira do Mato Dentro, onde

nasceu, em 1902, perdida entre

montanhas, bananeiras e minas de

ferro: “Alguns anos vivi em Itabira./

Principalmente nasci em Itabira./

Por isso sou triste, orgulhoso: de

ferro./Noventa por cento de ferro

nas calçadas./Oitenta por cento de

ferro nas almas.”

Ele começou a fazer a cabeça quando

tinha dez anos, e passou a ler fas-

cinado as revistas Careta e Fon-

Fon, onde entrou em contato com o

toque moderno de crônicas, poesia

e humor: “Noticiário avariado, tele-

graphia sem alarme, chrônica epidê-

mica” – anunciava o cabeçalho da

revista Fon-Fon. Ainda aos dez anos,

Drummond ganhou de presente do

pai (e devorou) a Biblioteca Interna-

cional de Obras Célebres, uma cole-

ção de 24 volumes de autores clás-

sicos. A coleção veio de trem do

Rio de Janeiro, mas parte do trajeto

foi feito no lombo de um burro: “o

burro de carga levando tamanho uni-

verso”, lembraria Drummond em um

dos poemas de Boitempo. E pensar

que hoje muitas pessoas têm acesso

ao que há de melhor na literatura e

ficam em frente à televisão babando

diante das baboseiras do Gugu!

Drummond quase se tornou padre.

Quando tinha 16 anos, foi estudar

em um colégio interno de padres,

em Nova Friburgo, Rio de Janeiro.

Drummond discutiu com um profes-

sor e foi expulso por “insubordina-

ção mental”. No poema “A Flor e

a Náusea”, ele evoca o episódio:

“Ao menino de 1918 chamavam

de anarquista./Porém, meu ódio

é o melhor de mim./Com ele me

salvo/E dou a poucos uma espe-

rança mínima.”

Desde o primeiro livro, Alguma Poe-

sia, Drummond começou a ampliar

os limites do verso moderno no Bra-

sil. Depois de Drummond, o verso

se tornou muito mais plástico, leve,

maleável. Ele tinha um ouvido fino

como violino para a fala coloquial. Ao

lermos Drummond, temos a impres-

são de que tudo pode se transfor-

mar em poesia.

É impressionante a força desse

mineiro de ferro, com ar de semina-

rista, que sobreviveu como funcio-

nário público durante grande parte

de sua vida. Poeta do finito e da

matéria, sem lágrimas fáceis, sem-

pre arranja uma maneira de esca-

var alguma luz da mais dura reali-

dade: “E por trás do pranto meu riso

trocista/que ri e despreza”. Impren-

sado entre montanhas e toda uma

carga de tradição religiosa, o mineiro

é, antes de tudo, um animal metafí-

sico. Minas é segredo. Ser mineiro

é ser secreto: “Minas não é palavra

montanhosa./É palavra abissal./

Minas é dentro e fundo./As mon-

tanhas escondem o que é Minas”,

escreve Drummond.

O sentimento metafísico não é

incompatível com um agudo senti-

mento do mundo. Drummond sem-

pre travou um corpo a corpo com o

seu tempo: “É tempo de partido/

de homens partidos (...) É tempo

de muletas/Tempo de mortos fala-

doresI”.

Drummond projetou a sua morte inú-

meras vezes na poesia. Ele imagi-

nou um desastre aéreo em que tom-

bava fulminado: “Caio verticalmente

e me transformo em notícia”. Mas

Drummond sucumbiu mesmo foi ful-

minado pela afeição que sentia pela

sua filha Julieta.

“Um infarto fulminante”, pediu Drum-

mond à médica que o examinara, no

dia 13 de agosto de 1987. No dia 17

de agosto de 1987, 12 dias após a

morte da filha, provocada por câncer,

Drummond não resistiu. Ele já havia

antecipado, em sua poesia, a cena

da despedida: “E a matéria se veja

acabar: adeus, composição/que um

dia se chamou Carlos Drummond de

Andrade./Adeus, minha presença,

meu olhar e minhas veias grossas/

meus sulcos no travesseiro, minha

sombra no muro. Sinal meu rosto,

olhos míopes, objeto de uso pes-

soal, idéia de justiça, revolta e sono,

adeus/vida aos outros legada”.

S E V E R I N O F R A N C I S C O • E D I T O R D O R A D C A L

O A N J O T O RT O D A

Poema de sete facesdo livro Alguma Poesia

Quando nasci, um anjo tortoDesses que vive na sombraDisse: vai Carlos! Ser gauche na vida.

As casas espiam os homensQue correm atrás de mulheres.A tarde talvez fosse azul,Não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:Pernas brancas, pretas, amarelas.Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.Porém meus olhosNão perguntam nada.

O homem atrás do bigodeÉ sério, simples e forte.Quase não conversa.Tem poucos, raros amigosO homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonasteSe sabias que eu não era DeusSe sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,Se eu me chamasse RaimundoSeria uma rima, não uma solução.Mundo mundo vasto mundo,Mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizerMas essa luaMas esse conhaque

Deixam a gente comovido como o diabo.

Há 100 anos, nascia em Itabira, Minas Gerais, o maior poeta brasileiro de todos os tempos

O mundo é grandedo livro Lição de Coisas

O mundo é grande e cabeNesta janela sobre o mar.O mar é grande e cabeNa cama e no colchão de amar.O amor é grande e cabeNo breve espaço de beijar.

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“E c

omo

ficou

cha

to se

r moderno, serei eterno.”

Amardo livro A Falta que Ama

Que pode uma criatura senão,Entre criaturas, amar?Amar e esquecer,Amar e malamar,Amar, desamar, amar?Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,Sozinho, em rotação universal, senãoRodar também, e amar?Amar o que o mar traz à praia,O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,É sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,O que é entrega ou adoração expectante,E amar o inóspito, o áspero,Um vaso sem flor, um chão de ferro,E o peito inerte, e a rua vista em sonho,e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,Doação ilimitada a uma completa ingratidão,E na concha vazia do amor a procura medrosa,Paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossaAmar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Canção amigafragmento do livro Novos Poemas

Minha vida, nossas vidasFormam um só diamante.

Nosso tempofragmento do livro A Rosa do Povo

As coisas talvez melhorem.São tão fortes as coisas!Mas eu não sou as coisas e me revolto.Tenho palavras em mim buscando um canal,São roucas e duras,Irritadas, enérgicas,Comprimidas há tanto tempo,Perderam o sentido, apenas querem explodir.

Sentimentaldo livro Alguma Poesia

Ponho-me a escrever teu nomeCom letras de macarrão.No prato, a sopa esfria, cheia de escamasE debruçados na mesa todos contemplamEsse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,Uma letra somentePara acabar teu nome!

- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando....E há em todas as consciências um cartaz amarelo:“Neste país é proibido sonhar”

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PROFESSOR WILLIAM CARSON NA ENTRADA DA ESCOLA

RELEITURAS, FEITAS POR ALUNOS, DAS MÁSCARAS DE ATHOS BULCÃO

GRACIELLE, Mª DE FÁTIMA E LOURRANA, PINTARAM A ENTRADA DA ESCOLA

... E “NELSON ENCONTRA ATHOS”

Já não é de hoje que o pessoal do Cen-

tro de Ensino Médio 01 do Gama, mais

conhecido como CG, faz acontecer.

Depois do agitado Cabaré Voltaire do

ano passado, o colégio novamente nos

chamou a atenção: misturar Athos Bul-

cão com Nelson Rodrigues? A Blitz Rad-

cal não podia deixar de comparecer.

Trazendo consigo a tradição de promo-

ver eventos de qualidade, a escola reali-

zou, neste ano, mais uma Feira de Ciên-

cias e Cultura, a Feicicult do CG. Lá,

o professor de artes plásticas, William

Carson, teve mais uma de suas idéias

mirabolantes: levar os jovens a fazer

réplicas dos trabalhos de Athos Bulcão

e apropriar-se da linguagem do artista

para criar suas próprias obras. Assim,

dividiu os 26 alunos que participaram

de seu projeto em grupos para soltar a

imaginação.

Paralelamente, a professora Lúcia

Corrêa já pensava em trabalhar Nel-

son Rodrigues em suas aulas de artes

cênicas. Por que não juntar as duas

idéias? Foi aí que nasceu “Nelson

Encontra Athos”, uma alquimia artís-

tica de grande impacto.

Ao estudar, junto com seus alunos, a

obra de Athos Bulcão, William ficou fas-

cinado com a forma do artista trabalhar

a razão e a emoção, ora fazendo um

trabalho racional, aleatoriamente per-

feito, ora apropriando-se da assimetria,

do caos visual. Isso o deixou bastante

intrigado.

Presença Radcal na Escola:

G A B R I E L C O A R A C Y

Jovens do Gama reproduzem e recriam a obra de Athos Bulcão e fazem dela cená-rio para adaptação teatral de textos de Nelson Rodrigues

A entrada da escola adquiriu personali-

dade. As alunas Maria de Fátima, Gra-

cielle e Lourrana se encarregaram de

decorá-la com suas interpretações da

obra do Artista. Enquanto isso, outro

grupo calculava as proporções e repro-

duzia, no chão inclinado da escola, a

parede do Teatro Nacional. Já Fran-

cisco Wallas, Tiago Siqueira e seu

grupo encantavam-se com a integração

da arte com a arquitetura presente na

Igrejinha.

O grupo de deficientes auditivos impres-

sionou com suas garrafas coloridas

compondo figuras inspiradas nos azu-

lejos de Athos. Hellen Pereira da Silva,

de 18 anos, não conhecia o artista e

ficou encantada com a grandiosidade,

com o tipo de visão espacial e com as

cores fortes por ele utilizadas. A par-

tir daí, idealizou todo o trabalho com

as garrafas.

O conjunto de obras dos jovens artis-

tas foi o palco perfeito para contrastar

essa grandiosidade, esse eixo razão-

emoção de Athos Bulcão com a visão

ríspida, visceral e cativante de Nelson

Rodrigues. Assim, foram adaptados per-

sonagens de vários livros do autor, tais

como Álbum de Família, Viúva, porém

honesta e Os Sete Gatinhos numa

autêntica trama Rodriguiana. O resul-

tado foi uma fusão experimental que

agradou. Quem assistiu ao espetáculo

saiu carregado de referências e sensa-

ções atordoantes. Valeu a pena!

F O T O S D E P A O L A A N T O N Y

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WAGNER ‘TROPEÇO’, MARCELO VASCONCELOS E RICARDO ‘PIPOCA’, PARTICIPANTES DO PROJETO NÚCLEO RADCAL PISTA DE SKATE

Mea-

dos de

uma tarde

qualquer, um outu-

bro avermelhado e ras-

cante dois anos atrás. As tri-

bos urbanas apresentavam suas

armas, sua indumentária: camisetão,

tênis “cachorrão” maltratado, um remendo

com silvertape. Desliza o skate (aquele ruído

áspero no solo). Um silêncio apreensivo... a mano-

bra... a queda seca no chão. No útero dessa cena cheia de

reticências, manobras de velocidade e técnica em torno de

uma rampa improvisada de madeira. Foi assim que, em 2000,

João, Jaqueline, Pipoca e Marcelo, integrantes de um grupo

de 12 pessoas participantes do Núcleo Radcal de Skate,

mobilizaram-se em Planaltina no desejo de viabilizarem uma

pista de Skate na cidade. Eles utilizavam um espaço ocioso

atrás do Centro de Ensino 2, que passou a ser chamado de

Só Rock, onde, além de praticarem no mini-ramp de madeira,

promoviam eventos musicais. O movimento foi crescendo, e,

então, o grupo organizou-se por conta e risco e montou um

projeto detalhado para a construção do Skate Park. Corre-

ram atrás da Administração Regional, do patrocínio e apoio

W A N D E R S O N C H A V E S

Jovens da cidade de Planaltina desenvolvem projeto elaborado a partir dos Núcleos Radcais e conseguem construir pista de

Planaltina mais

de

ONGs, mas

receberam mui-

tas portas na cara,

o que causou grande

desânimo e esvaziamento do

grupo. Mas, mesmo assim, os mem-

bros remanescentes nunca desistiram,

e continuaram correndo atrás. Henrique, um

dos integrantes do grupo, conseguiu parceiros

que rapidamente viabilizaram a construção do Skate

Park, recentemente inaugurado. Deste longo período, sobra-

ram lições. Segundo João, a maior dificuldade nesses dois

anos foi quebrar grandes resistências dentro de um certo

tipo de pensamento político, que encara como desneces-

sária qualquer coisa que fuja ao binômio pão-e-leite. Como

disse Arnaldo Antunes, ainda nos Titãs, “a gente não quer só

comida, a gente quer comida, diversão e arte”. João ensina

que é necessário atitude para resistir, dedicação para viabi-

lizar os projetos e jogo de cintura para ir contra o sistema e

saber utilizar-se de suas brechas. A pista de Skate foi inau-

gurada e, diz-se, é a melhor do DF. A equipe é formada atu-

almente por Henrique, Marcelo, João e Pipoca.

O projeto Núcleos Radcais foi um projeto-piloto realizado pela Fundação Athos Bulcão/Jornal

Radcal, em parceria com o Unicef, que surgiu em agosto de 1999. O projeto foi uma res-

posta à demanda de professores e alunos de escolas públicas de ensino médio do DF, que

recebem o Jornal Radcal gratuitamente e que demonstravam interesse em receber apoio

para transformar as informações do jornal em atitude. A partir dos Núcleos Radcais, alguns

grupos que se formaram estão na ativa até hoje, como o Grupo de Teatro Rã, o GTRã, que

apresenta um espetáculo teatral de conscientização em relação à AIDS e às DST.

F O T O S D E P A O L A A N T O N Y

R A D C A L 11

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J O Ã O R O D R I G O

Entrevista com

é compromisso

“chegando devagar lá de Sampa, tipo assim, um intruso, um inva-sor, tipo tenebroso eu vou chegar”.

F O T O G R A F I A S R A Y S S A C O E

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Tu tá na corrida há

quanto tempo?

No Rap faz 15 anos, mas

profissionalmente eu vivo

da música há dois anos.

Sempre falei para a minha

mãe antes dela morrer “um

dia eu vou comer o que

eu cantar”. Eu faço um

showzinho aqui, outro ali,

às vezes tomo uns pelés,

mas vivo disso.

E estudar, você foi até

que série?

Lá na periferia faculdade é

quinta série. Para ganhar

dinheiro com o Rap eu tive

que abandonar tudo. Era o

crime, a escola, ou o rap.

Eu falei “vou pelo rap”. Tô

aí até hoje.

E a quebrada de onde

você veio, o Canão?

O Brooklin? Ali é o lugar onde

eu nasci, o berço. Lá estão

os amigos que eu tive ontem

e que eu tenho hoje, eu não

consigo ficar sem os caras.

E a aliança entre você

e o RZO, como é que

pintou?

O RZO é o meu resgate

do crime para o Rap. Eu

estava parado lá com um

rapaz soldado do morro

e disseram “ó, tem uns

caras dentro de um carro

aí que estão procurando

você” Quando eu fui ver

era o Sandrão (RZO) e o

Rap’n’Hood e um cara

que estudava na USP,

me procurando para eu

entrar no Rap. Há 15

anos eu cantava para os

meus amigos de colégio e

achava que ninguém estava

reparando. Mas o RZO já

vinha reparando em mim

fazia tempo. Eu era um

cara que tinha perdido a

mãe, o irmão, os parentes

todos. Eu andava com os

parentes que sobraram,

que era do movimento do

ácido. Então os caras me

fizeram uma proposta para

fazer um ensaio. Só que eu

sempre gostei de fazer as

minhas músicas e nunca

consegui ensaiar o rap. Eu

chego no estúdio e faço na

hora. Imagina que essas

músicas que você ouviu no

CD, nenhuma está do jeito

que eu escrevi. Eu sempre

mudo alguma coisa. Fui

bater uma aposta com os

caras lá em Pirituba e deu

certo. Comecei a cantar

com os caras, fui na MTV

uma vez, fiz um som ao

vivo. O cara falou “e aí, vai

mandar um som?” Eu falei

vou e comecei a cantar.

Onde você acha que a

valorização do negro

deveria começar, na

escola?

Acho que o negro tem que

dar valor para ele mesmo.

Não adianta ele pensar

“coitadinho de mim”.

Coitado do meu tataravô,

que tomava chicotada. O

cara que se faz de coitado,

tanto o preto, como o

branco, é um limitado. O

valor tem de vir da pessoa.

Eu me espelho nos caras

que querem o meu bem.

Tem de andar para frente. É

o maior xaveco o cara que

fala “coitado de mim”.

E ler, você lê muito?

Já li todos esses papéis que

estão aí em cima. Eu até

peço para não tirar daí não.

Leio até embalagem de

creme da Avon.

Você já diz no som “Rap

é compromisso”. Qual é

o compromisso do Rap?

Não adianta ficar ali

“batatinha quando nasce”,

o cara tem de escrever,

procurar ler. Eu procuro ler.

Você vai falar “o Sabotage

é meio gardenal”. Mas

não é, eu leio tudo. É isso,

mano, quem lê vai saber

sempre escrever mais.

Se ele assistir bastante

filme por aí, também vai

ter a mente mais aberta

para fazer tudo o que ele

quiser. É igual ao cara que

canta, tem de procurar

se aperfeiçoar. Eu não

tenho aula de canto, mas

procuro ouvir quem é meu

chegado e quer o meu

bem. Eu escuto Caetano

Veloso, Tom Jobim, Nelson

Gonçalves, o rapper não

costuma escutar isso. Eu

gosto de escutar coisas

bem antigas para eu pegar

hoje e pôr na mente dos

caras mais novos. No “Rap

é compromisso” eu falo

da minha vida, falo que eu

conheci um cara, que a

área dele era tumultuada,

mas ele leva a vida dele

e se cria sem falha. Para

você se criar sem falha

você tem de ser um

sobrevivente, né meu?

Tem de andar no meio

do bem e do mal

todo dia.

Quais as suas

influências?

Eu curtia o Michael

Jackson, o Cazuza, e

entendia tudo o que

eles falavam na música,

mesmo sendo analfabetão.

Nas minhas músicas nunca

tinha aquilo ali. “Segredos

de liquidificador”, eu

demorei muito pensando

nisso. Minha influência veio

daí. Vê se hoje dão valor

para os caras?

Você realiza algum

trabalho social lá na tua

quebrada?

Tantos... os caras que

trabalham comigo eram

todos soldados do

movimento. Eu cheguei

para eles: “mano, quer

ganhar cemzão, vamos

ali comigo, vou fazer um

show de R$ 1.500, são

cem para você, 50 para

ela, pára de vender droga,

pára de dar tiro nos caras

e vamos lá”. Então, o

pouco que eu ganho eu

divido com os caras para

eles não voltarem para o

crime de novo, porque eu

já passei por isso. É até

meio constrangedor de

falar porque é uns bagulhos

cabulosos que acontecem e

se você for falar de tristeza

o seu tempo não dá, você

vai lembrar de tanta coisa.

O brasileiro tem mania de

improvisar rápido.

Durante o Festival de Cinema

de Brasília, o Radcal teve o

prazer de encontrar o rapper

Sabotage, da periferia de

São Paulo. No filme O Inva-

sor, o diretor Beto Brant

trouxe para a telona o jeitão

de Sabotage, que inspirou a

composição do personagem

interpretado pelo titã Paulo

Miklos (ganhador do prê-

mio de melhor ator no fes-

tival de 2001), trouxe, tam-

bém, sua música e o próprio

rapper, que faz uma participa-

ção no filme como ator. João

Rodrigo, que do Planalto Cen-

tral acompanha o movimento

hip-hop em todo o Brasil, foi

trocar uma idéia com ele.

Acompanhe esta conexão

Capão Redondo – Brasília

via Radcal

SABOTAGE E JOÃO RODRIGO, FAZENDO UM FREE STYLE

R A D C A L 13

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Confissãodo livro Claro Enigma

Não amei bastante meu semelhanteNão catei o verme nem curei a sarna.Só proferi algumas palavras,Melodiosas, tarde, ao voltar da festa.

Dei sem dar e beijei sem beijo.(Cego é talvez quem esconde os olhosembaixo do catre.) E na meia-luztesouros fanam-se, os mais excelentes.

Do que restou, como compor um homemE tudo que ele implica de suave,De concordâncias vegetais, murmúriosDe riso, entrega, amor e piedade?

Não amei bastante sequer a mim mesmo,Contudo próximo. Não amei ninguém.Salvo aquele pássaro– vinha azul e doido –Que se espatifou na asa do avião.

Beijo-flordo livro Menino Antigo

O beijo é florNo canteiroOu desejo na boca?Tanto beijo nascendoE colhidoNa calma do jardimNenhum beijo beijado(como beijar o beijo)na boca das meninase é lá que eles estão suspensosinvisíveis.

Iniciação literáriado livro Menino Antigo

Leituras! Leituras!Como quem diz: Navios...Sair pelo mundoVoando na capa vermelha de Júlio Verne.

Mas por que me deram para livro escolarA Cultura dos Campos de Assis Brasil?O mundo é só fosfatos – lotes de 25 hectares – soja – fumo – alfafa – batata-doce – mandioca –– pastos de cria – pastos de engorda.

Se algum dia eu for rei, baixarei um decretoCondenando este Assis a ler a sua obra.

REP

RO

DU

ÇÃ

O

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Teatrar! Acharam estranho? Que estou equivocada? Que esse verbo não existe? Existe sim! Teatrar, verbo transitivo direto. Definição: amor, união, criatividade, res-peito, crescimento, compartilhar, ami-zade, doar-se, ter fé... é assim o teatro em minha vida.

Não imaginamos que o que acha-mos chato é capaz de nos encorajar para superar nossos desafios. O que pode ser chato quando somos adolescentes? Rela-ções familiares, de amizade, de convivên-cia, relações íntimas, particulares, com a natureza, com a cidade, com a socie-dade... Lidar com isso nem sempre é fácil, principalmente quando estamos nessa fase de transformação. É nessa época que estamos cheios de ânsia, querendo o saber com uma força tal, que nem nós mesmos sabemos ao certo seu tamanho, e temos medo do desconhecido.

É nesse medo que o teatro entra. Por exemplo, o último espetáculo que eu e meu grupo (Filhos do Beco, de São Sebas-tião, DF) montamos foi sobre cultura popu-lar, foi pesquisando o assunto que descobri um novo Brasil. Um Brasil de fé, de união, de respeito e de uma diversidade cultu-ral enorme.

O teatro pode e deve ser desenvol-vido por todos os que desejem se expres-sar, sejam eles profissionais, amadores ou crianças. A sua ação é indireta, exerce sobre a consciência dos que vão atuar na vida real. Lembro-me bem de um dos colegas do grupo, dizendo como foi importante para ele saber mais sobre a cultura dos orixás, porque até então ele tinha pre-conceito. É por essas coisas que escolhi essa arte para a minha vida.

Estar convivendo com a arte é desenvol-ver competência, humildade e capacidade de amar. A educação, muitos esquecem, é um ato amoroso, assim como a vida o é.

S A Í D A P E L A A R T E

G A B R I E L A G O U L A R T E T H I A G O H E X S E L | F O T O G R A F I A S D E S É P H O R A B R I L H A N T E IVO

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ES

TU

DA

NT

E

PRODUZIDO PELA

MILA PETRILLO

Miséria é miséria em qualquer canto, já diziam

os Titãs. Mas a luta contra a pobreza requer

ingredientes muito diversos. Em Natal, onze

organizações não-governamentais uniram-se à

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN) para organizar um verdadeiro arrastão

contra a pobreza chamado Fórum Engenho de

Sonhos. Com a força motriz do protagonismo

juvenil, foi possível mobilizar cinco bairros da

zona oeste da capital. As comunidades desen-

volvem atividades nas áreas de saúde e meio

ambiente, arte e cultura, educação e comuni-

cação, trabalho e renda.

Para o coordenador do Fórum, Raimundo Mello,

a educação é o meio mais eficaz de interrom-

per o ciclo de pobreza que se perpetua a cada

geração. “Cerca de 30% da população da região

oeste é analfabeta. Se os filhos desses analfa-

betos permanecerem na mesma condição, difi-

cilmente conseguirão elevar o nível socioeco-

nômico da família”, explica.

Qual o seu sonho? Essa foi a pergunta-chave

para que os jovens diagnosticassem as ques-

tões mais importantes de cada bairro. Ao invés

de definirem os problemas, foram identificadas

as principais dificuldades para a realização de

seus desejos.

A partir da definição dos sonhos, cada bairro

começou a se articular para transformá-los em

realidade. Os moradores se envolveram em ati-

vidades como a produção de vídeos, fotogra-

fia, rádio comunitária, capoeira, skate, teatro,

hip-hop; alfabetização, cursinho pré-vestibu-

lar, reciclagem de papel e uma rede de econo-

mia solidária que busca sustentabilidade para

a comunidade. As atividades são articuladas

entre os jovens, os educadores e as mais diver-

sas instituições da cidade: Igreja, secretarias

de estado, associações comunitárias, e quem

mais puder contribuir.

ENGENHO DE SONHOS FABRICA SOLUÇÕES

Nota: A visita ao projeto Engenho

de Sonhos faz parte do intercâmbio

promovido pela Fundação Kellogg

entre as instituições que integram o

Projeto Redes e Juventude

TRUPE DO ENGENHO, GRUPO TEATRAL FORMADO PELO FÓRUM, APRESENTA A PEÇA SONHOS

ENTREVISTA COM TOMÁZIA ISABEL,COORDENADORA-EXECUTIVA DO FÓRUM

JOVENS PARTICIPAM DA1ª GINCANA ESPORTIVA CULTURAL

JOVEM DO BAIRRO CIDADE DA ESPERANÇA PINTA MURAL CONSTRUÍDO POR JOVENS DA REGIÃO OESTE DE NATAL

R A D C A L 15

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de cada diaQual o tamanho do pênis ideal?

O tamanho que o seu tem!

O pênis nosso

16 R A D C A L