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Da dialética do Esclarecimento à Dialética Negativa: metamorfoses do pensamento adorniano Marcus P. V. Tondato A Dialética do Esclarecimento (1947), de Adorno e Horkheimer, certamente se constitui como a obra emblemática da primeira geração da Escola de Frankfurt, fato pelo qual, não raramente, é retomada para o entendimento das investigações posteriores do pensamento de ambos os autores. Todavia, Horkheimer, após a volta para Alemanha, como sabemos, não tem uma produção tão ampla quanto em sua estadia nos Estados Unidos, sendo o Eclipse da Razão (1956), seu estudo mais contundente neste período. Por sua vez, Adorno, após o retorno da América do Norte, continua suas investigações acerca dos diversos temas filosóficos, como filosofia música, Estética, teoria social, Metafísica e outros. Deste modo – e é isto que procurarei defender -, seu pensamento tardio é marcado por continuidades e rupturas em relação a temas abordados em sua obra em parceria com Horkheimer. Não obstante, esse movimento do pensamento adorniano, justifica-se, já na apresentação de Horkheimer acerca dos fundamentos do pensamento, do comportamento, crítico e sua relação dialética com o núcleo temporal da verdade; como podemos observar no texto de 1937, intitulado Teoria Tradicional e Teoria Crítica. Partindo de uma perspectiva materialista, o escrito horkheimeriano pretende fundar os princípios da teoria crítica em contraposição à história da filosofia que este denominou teoria tradicional, sobretudo a partir de Descartes, o estudo salienta a importância da atenção para com a realidade material na formulação de teorias, a estas, pois, não caberia a mera função de descrever a realidade, baseada em princípios lógicos, formais e abstratos, mas antes, buscar, a partir de diagnósticos de tempo, prognósticos que visassem iluminar, orientar, apresentar, propor, cursos de ação possível para emancipação da humanidade, dessa maneira, possibilitando a existência autêntica do homem. Para tanto, o teórico crítico deveria ter sempre em seu horizonte a relação entre teoria e práxis, que possibilitaria, mediante a crítica da sociedade capitalista e de seus meios de produção, em especial na ciência, se chegar ao entendimento das relações entre os fenômenos da totalidade, neste sentido, “o pensamento crítico não confia de forma alguma nesta diretriz, tal como é posta à mão de cada um pela via social. A separação entre indivíduo e sociedade, em virtude da qual os indivíduos aceitam como naturais as barreiras que são impostas à sua atividade, é eliminada na teoria crítica, na medida em que ela considera ser o contexto condicionado pela cega atuação conjunta das atividades isoladas, isto é, pela divisão dada do trabalho e pelas diferenças de classe, como uma função que advém da ação humana e que poderia estar possivelmente subordinada à decisão planificada e a objetivos racionais. Para os sujeitos do comportamento crítico, o caráter discrepante cindido do todo social, em sua figura atual, passa a ser contradição consciente.” (HORKHEIMER,

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  • Da dialtica doEsclarecimento DialticaNegativa: metamorfoses do

    pensamento adornianoMarcus P. V. Tondato

    A Dialtica do Esclarecimento (1947), de Adorno e Horkheimer, certamente se constitui como a obraemblemtica da primeira gerao da Escola de Frankfurt, fato pelo qual, no raramente, retomada para oentendimento das investigaes posteriores do pensamento de ambos os autores. Todavia, Horkheimer, aps avolta para Alemanha, como sabemos, no tem uma produo to ampla quanto em sua estadia nos EstadosUnidos, sendo o Eclipse da Razo (1956), seu estudo mais contundente neste perodo. Por sua vez, Adorno,aps o retorno da Amrica do Norte, continua suas investigaes acerca dos diversos temas filosficos, comofilosofia msica, Esttica, teoria social, Metafsica e outros. Deste modo e isto que procurarei defender -,seu pensamento tardio marcado por continuidades e rupturas em relao a temas abordados em sua obra emparceria com Horkheimer.

    No obstante, esse movimento do pensamento adorniano, justifica-se, j na apresentao de Horkheimeracerca dos fundamentos do pensamento, do comportamento, crtico e sua relao dialtica com o ncleotemporal da verdade; como podemos observar no texto de 1937, intitulado Teoria Tradicional e Teoria Crtica.Partindo de uma perspectiva materialista, o escrito horkheimeriano pretende fundar os princpios da teoriacrtica em contraposio histria da filosofia que este denominou teoria tradicional, sobretudo a partir deDescartes, o estudo salienta a importncia da ateno para com a realidade material na formulao de teorias,a estas, pois, no caberia a mera funo de descrever a realidade, baseada em princpios lgicos, formais eabstratos, mas antes, buscar, a partir de diagnsticos de tempo, prognsticos que visassem iluminar, orientar,apresentar, propor, cursos de ao possvel para emancipao da humanidade, dessa maneira, possibilitando aexistncia autntica do homem. Para tanto, o terico crtico deveria ter sempre em seu horizonte a relaoentre teoria e prxis, que possibilitaria, mediante a crtica da sociedade capitalista e de seus meios deproduo, em especial na cincia, se chegar ao entendimento das relaes entre os fenmenos da totalidade,neste sentido,

    o pensamento crtico no confia de forma alguma nesta diretriz, tal como posta mo de cada um pela viasocial. A separao entre indivduo e sociedade, em virtude da qual os indivduos aceitam como naturais asbarreiras que so impostas sua atividade, eliminada na teoria crtica, na medida em que ela considera ser ocontexto condicionado pela cega atuao conjunta das atividades isoladas, isto , pela diviso dada do trabalhoe pelas diferenas de classe, como uma funo que advm da ao humana e que poderia estar possivelmentesubordinada deciso planificada e a objetivos racionais. Para os sujeitos do comportamento crtico, o carterdiscrepante cindido do todo social, em sua figura atual, passa a ser contradio consciente. (HORKHEIMER,

  • Max., 1983, p. 130).

    Outro ponto nuclear para o desenvolver da apresentao aparece, no tocante, ao termo utilizado no artigopara denominar os tericos tradicionais, pois, Horkheimer coloca sob uma mesma rubrica, a saber,Positivistas, tericos de diferentes doutrinas filosficas, tais como, racionalistas, empiristas, funcionalistas,dentre outros. O curioso deste fato, perceber que o termo positivista, se coloca, no nos moldes de Comte,mas antes num entendimento da cincia que, proveniente das cincias naturais, portanto, uma cinciadescritiva dos fenmenos, quando transposta para as cincias sociais, acaba por naturalizar fenmenos dombito da cultura. Finalmente, h de se salientar, contudo, que Horkheimer nesta poca, tinha em mente acriao de um campo interdisciplinar de debates envolvendo reas como, economia, filosofia, sociologia epsicanlise, todavia esse projeto primeiro do Instituto foi deixado de lado, devido ao tamanho doempreendimento visado que exigira foras sobre-humanas.

    So, portanto, com esses fundamentos que Horkheimer iniciar o projeto da dialtica que resultou na Dialticade Esclarecimento.

    A obra de 1947 conforme dito acima- escrita em parceria com Adorno, que antes se dedicava a estudos ecrticas acerca de msica e filosofia. Partindo de uma crtica imanente, o estudo procura realizar umadenncia da ambiguidade do conceito de esclarecimento, logo no se trata apenas de uma crtica da razo,mas antes da racionalidade mistificadora do esclarecimento, em outras palavras, o projeto de Adorno eHorkheimer, visava remontar a origem do mito do esclarecimento, ou seja, da busca histrica do homem de,por meio do pensamento, se livrar do julgo da natureza e se colocar na posio de senhor, todavia, a terraesclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal (ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER,Max., 2006, p. 17). Logo de incio, portanto, percebemos a ideia de um continuum temporal, que se estabeleceatravs de rupturas subsumidas, na ideia de Aufhebung.

    essa a ideia que perpassa toda a obra, contudo no captulo chamado O conceito de esclarecimento que sepercebe a crtica realizada pelos autores de forma mais contundente. Segundo esses, j possvel se entrevernas sociedades mais rudimentares, a origem do mito, assim como sua ambiguidade, no entanto, cabe a nsperguntarmos, de que se trata esse mito?; contra o que ele se coloca?, e por fim, qual seria propriamente suaambivalncia?

    O mito, tal qual, os autores apresentam, o mito do Aufklrung, ou esclarecimento, em outras palavras, omito que se constitui na f do homem na potncia de seu pensamento, na capacidade de transformao danatureza, portanto se d na origem da cultura, na busca pela autopreservao, percebemos, pois, que no setrata apenas de uma crtica da razo nos termos iluministas, mas como ressaltado acima, da racionalidade, i.e.,das justificativas para o curso de ao, em outro termos o sentido que norteia a ao. Essa confiana no pensarhumano, entretanto, em sua origem impulsionada pelo medo, aoitado, melindroso, diante das intempriesda natureza, este sujeito sabe bem o que teme, e, por conseguinte, contra o que se impe, qual seja, contra odesconhecido, o outro, o heterogneo, o diverso o objeto que tenta conformar, enquadrar, no limite eliminar. visando esse ideal que, o esclarecimento teve seu auge na era moderna, principalmente com Kant que tratouem sua filosofia de promover os aspectos positivos da razo, dando humanidade a esperana de, atravs, dopotencial do pensamento, de dar sentido a histria. Adorno e Horkheimer, por sua vez, trataro de demonstrarque a mesma razo de carter progressista, positivo, leva consigo, na mesma proporo, elementosregressivos, perversos e totalitrios. Por conseguinte, na Dialtica do Esclarecimento a tarefa dos autores sed na busca, mediante a relao dialtica desuprassumir a razo colocando, esta agora de forma crtica emrelao a sua face terrvel, para que doravante a razo possa ser empregada na busca pela emancipao.Deste modo, segundo os autores, o mito se encontra imbricado desde o incio na idia da razo, na busca pelapadronizao, classificao, ordenao e domnio da natureza, neste sentido que, na modernidade, a cincia

  • empirista, ganha fora e se configura como modo singular de explicao dos fenmenos naturais, com efeito,se constituindo a expresso mais bem acabada do mito, nas palavras de Perius,

    O prprio mito j interpretado, em sua ontologia da repetio, como uma angstia em relao ao diferente,ao novo. Surge, portanto, como tentativa de dominar as foras cegas da natureza, manifestas no destino. Amodernidade, neste processo, realiza no sujeito racional autnomo esta instncia ontolgica e idntica,perante a qual sucumbe tudo o que lhe heterogneo. (PERIUS, Oneide 2008, pg.83.)

    Como se viu acima, j em Teoria Tradicional e Teoria Crtica, a filosofia moderna, desde Descartes, massobretudo com Bacon, buscar erigir uma cincia voltada no para a compreenso e interpretao dosfenmenos naturais, mas antes, para sua padronizao, classificao, mensurao, para a articulao dosfenmenos buscando sua operation, se concentrando, deste modo, na tcnica. Vale a pena nos determos uminstante neste ponto, pois essa reconstruo, por parte dos autores, nos permitir entender a crtica presenteno diagnstico temporal no qual a Dialtica do Esclarecimento se encontra e os meios que aqueles utilizampara empreend-la. A cincia moderna ao tomar a natureza como objeto de realizaes de seus fins, entendera razo como um meio, um instrumento, para a consecuo desses fins. De acordo com esse raciocnio, anatureza se constituiria num universo catico, difuso, obscuro, opaco, com efeito, sendo preciso instauraode um mtodo para ordenar e classificar seus fenmenos, sendo que esse mtodo, deveria tambm afastar daanlise a parcialidade, a subjetividade do prprio cientista. Dessa maneira, os autores afirmam, ser a cinciamoderna marcada pela tentativa de demarcar, delimitar a distncia entre sujeito e objeto.

    Justamente pelo mtodo utilizado na cincia moderna, e seus pressupostos, as investigaes sobre a naturezaprocuraro objetivar os fenmenos naturais, desta forma que o nmero emerge como cnone da cinciamoderna, nesta, tudo aquilo que se analisa, todo objeto de estudo conformado aos padres, aos mtodostericos que, supostamente, mediariam relao entre sujeito e objeto. Este, por sua vez, se torna algoquantificvel, mensurvel, algo s digno de conhecimento se pode ser enquadrado nas formas. Por outrolado, sua no-identidade com sistema o exclu de qualquer conhecimento que se julgue cientfico e confivel namodernidade. Por conseguinte, a dimenso qualitativa dos objetos deixada margem, negada,menosprezada, pois com ela no se atinge grandes sistemas, o que vale a universalidade da teoria. Por essarazo, a cincia moderna que s capaz de generalizaes que busca a univocidade do conhecimento seafasta da dimenso qualitativa de seu objeto, de sua singularidade, evidenciando de forma patente seutotalitarismo. Por seu turno, este totalitarismo presente no saber, por se constituir de forma irrefletida, comoum meio, um instrumento, se isenta das aplicaes a ele dado no mbito social, assim corroborando para areproduo da dominao do homem pelo homem, nesse sentido que saber e poder se entrelaam permitindoa reificao e reproduo do status quo. Portanto, sendo o saber uma forma de poder, este emerge como podertotalitrio.

    Assim, fica claro, o modo pelo qual, o esclarecimento se converte em mito novamente, ou melhor, porque oesclarecimento nunca deixar de ser mito, pois uma vez que, o esclarecimento fundado num sujeito abstratoque no tem acesso natureza seno, por meio, de sua idealidade, suas representaes, que lhe permitemformular juzos sintticos acerca dos objetos da experincia, assegurando-lhes carter de faticidade, alienamduplamente o cientista da realidade, neste sentido que Adorno e Horkheimer, vo afirmar ser a cinciapositivista naquele sentido lato- mais metafsica que a prpria metafsica, dessa maneira conduzindo oconhecimento tal como as sociedades primitivas tinham no mito a reproduo da dominao do homempelo homem.

  • Na Dialtica do Esclarecimento, portanto, percebemos que na anlise dos elementos originrios no mito jse encontrava o esclarecimento da cincia moderna, que numa espcie de continuum foram dialeticamentesubsumidos chegando a cincia moderna, como se percebe na passagem,

    A imprensa no passou de uma inveno grosseira; o canho era uma inveno que j estava praticamenteassegurada; a bussola j era, at certo ponto, conhecida. Mas que mudana essas trs invenes produziram uma na cincia, a outra na guerra, a terceira nas finanas, no comrcio e na navegao! (ADORNO, TheodorW. e HORKHEIMER, Max., 2006, p.17)

    O estudo de 1947, portanto se constitui, acerca das preocupaes dos autores sobre a ambiguidade da razo,sendo antes de tudo uma denncia da radicalizao do esclarecimento como forma singular e privilegiada deentender o mundo desde as civilizaes mais primitivas que no desenrolar da histria tem seu pice na cinciamoderna, com efeito, para escapar desse contexto os autores buscam, mediante uma crtica imanente baseadana apresentao dos aspectos perniciosos do esclarecimento, preserv-la aps uma crtica dialtica.

    No obstante, aps o retorno para a Alemanha na dcada de 1950, Adorno, entre uma de suas atividades, sevolta para a publicao dos textos de Walter Benjamin, interlocutor fundamental no incio da formao de seupensamento nas dcadas de 1920 e 1930, no s, mas sobretudo por esta razo, a obra tardia de Adorno temnovamente um deslocamento daquilo que antes era o centro gravitacional, a saber, na esteira da Dialtica doEsclarecimento, da reconstituio dos elementos totalitrios do esclarecimento, presentes na ratio burguesa.Isto ocorre, sobretudo pela apropriao, no sem modificaes, da crtica benjaminiana ao conceito dehistria, e neste ponto que gostaria de concentrar agora, .

    no estudo chamado Sobre o conceito da Histria (1940) que se encontra no livro O anjo da histria publicadono Brasil em 2012 pela editora Autntica, que Benjamin coloca o problema da leitura da histria baseada noconceito de progresso.

    Tal forma de ler a histria manteria viva a ideia de causalidade da histria em conformidade com a seta doprogresso, desta forma justificando os acontecimentos do passado na imagem do presente, que por sua vez, sejustificava no caminho do futuro, ou seja, uma ideia de causalidade que permitia que se reproduzissem asmazelas da sociedade. A historiografia dominante, pois veria a histria do ponto de vista dos vencedores, queno presente se encontrariam nas camadas dominantes, tendo como mtodo, pois a empatia, que se instauranum tempo homogneo e vazio. Por sua vez, segundo Benjamin, ao historiador materialista, caberia areconstruo da histria dos derrotados, ou seja, daqueles que foram privados dos louros da nova era. Destaforma, o materialismo histrico benjaminiano, se constitui de forma construtiva, buscando se suspender numaconstelao carregada de tenses, que buscaria a redeno daqueles que foram deixados de lado no decursoda histria, logo se tratando de uma redeno do passado no presente, todavia, vale ressaltar, que essaoportunidade, como coloca Benjamin, se apresenta como monadas, em outros termos, a oportunidade deredeno que a histria nos apresenta, deve ser reconhecida pelo materialista histrico como o sinal de umaparagem messinica do acontecer, uma oportunidade revolucionria na luta pelo passado reprimido, que seaproveitada, permitiria que se rompesse com determinada poca em direo a redeno, este movimento dopresente j estaria colocado no passado que traria em si mesmo um ndex secreto que o remeteria para suaredeno.

    a partir de tal concepo de histria, assim como de algumas figuras do pensamento benjaminiano, queAdorno deslocar sua obra tardia. Todavia, comecemos pela Dialtica do Esclarecimento em sua nota a edio

  • de 1969 nela j se consegue entrever que o diagnstico de 1947 mudara,

    O livro que s a pouco a pouco se difundiu, est h muito esgotado, Ao reedit-lo agora decorridos mais devinte anos, no somos movidos apenas pelas mltiplas solicitaes, mas pela crena de que no pouco dospensamentos ainda so atuais e tm determinado em larga medida nossos esforos ulteriores [] No nosagarramos sem modificaes a tudo o que est dito no livro. Isso seria incompatvel com uma teoria queatribui verdade um ncleo temporal, em vez de op-la ao movimento histrico como algo imutvel [] E, noentanto, no se pode dizer que, mesmo naquela poca, tenhamos avaliado de maneira incua o processo detransio para o mundo administrado. [] O desenvolvimento que diagnosticamos neste livro em direo integrao total est suspenso, mas no interrompido (ADORNO, Theodor W, HORKHEIMER, Max, 2006, p.11).

    Assim na Dialtica Negativa, Adorno da continuidade a sua investigaes, contudo, na esteira de Benjamin,procurar reconstituir a histria do ponto de vista de suas descontinuidades, diferente, pois do mtodoadotado pela Dialtica do Esclarecimento, que preservou um continuum da histria; outro ponto a se salientar a mudana do alvo a crtica, no se trata mais do esclarecimento como mito e sua principal caracterstica acincia moderna, mas agora o idealismo e sua filosofia da identidade, sobretudo no sistema hegeliano queinteressam a Adorno. Neste sentido, a Dialtica Negativa aponta impossibilidade do pensar a totalidade. Destemodo, se na Dialtica do Esclarecimento, Horkheimer, na esteira de Lukcs, tentou preservar em sua teoria oconceito de totalidade, se distanciando daquele, quanto ao lcus do partido, buscando, pois, dentro do fluxo,resguardar a capacidade emancipatria do progresso cientfico, com a ressalva da totalidade, onde a divisocientfica no teria lugar nos momentos da totalidade. Para o Adorno da Dialtica Negativa, o princpio datotalidade emerge como impossvel de ser pensado, pois este partiria do pressuposto da identificao totalentre conceito e conceituado. No se trata mais de buscar a subsuno, mas antes de preservar o momento detenso entre conceito e conceituado.

    Na Dialtica Negativa, portanto, h uma ciso com certos aspectos da Dialtica do Esclarecimento, entretanto,no que isso resulta? Sendo crtica da filosofia idealista, a obra de 1969, busca reformular o conceito dedialtica, tal quais os moldes do pensamento hegeliano, segundo Adorno, a filosofia hegeliana afasta-se dametafsica tradicional ao quebrar com o carter esttico dos conceitos, por outro lado, mantm a mesmaargumentao metafsica, pois, toma o princpio metafsico de determinada viso de mundo e reconstitui ahistria como sua efetivao e desdobramentos em nveis mais complexos deste princpio, num sentido amploa filosofia de Hegel, aponta para trs momentos; a Lgica (ideia em si); Natureza (ideia sai de si para sealienar em seu outro); Esprito (ideia em si e para si). Percebe-se, com isso, que h uma espcie dedeterminao que levaria at o esprito, um sentido imanente para histria que justificaria cada etapa histrica e assim do sofrimento humano em via de sua efetivao. Adorno no pode aceitar isso, depois deAuschiwitz, o sofrimento tornou-se injustificvel, a conscincia da insuficincia, do abismo, que se coloca entreo pensar e a coisa pensada, entre conceito e conceituado, entre sujeito e objeto, mostrou a impossibilidade depensar a realidade em sua totalidade.

    Com efeito, Adorno se coloca a tarefa de reformular, reconstituir, ou no limite, salvar o pensamentofilosfico. Desse modo, se Kant em sua filosofia realiza o giro copernicano, Adorno na Dialtica Negativa,prope um duplo giro copernicano, em outras palavras se a filosofia kantiana foi responsvel por, tornar osujeito consciente do abismo que separava suas representaes da realidade, fundando o sujeitotranscendental, como lcus constitutivo do conhecimento, causando um decisivo deslocamento da noo deverdade como adeaquatio, nas primeiras pginas da DialticaNegativa, Adorno ressalta a importncia de umsegundo giro em relao ao movimento kantiano. Sendo o pensamento adorniano de cunho dialtico, a verdadede um objeto particular depende de sua relao com aquilo que ele nega, ou seja, o que no esse algo, logo

  • pressupondo uma totalidade. Todavia, Adorno afirma que o todo no o verdadeiro, ao passo que tambmafirma ser impossvel de se pensar dialeticamente sem esta categoria, assim, afirmar o todo como verdadeiro uma contradio, na medida em que o torna objeto justamente a crtica que enderea a Hegel logo a ideiada totalidade emerge como uma iluso necessria, ou seja, uma categoria da qual o pensamento no podeprescindir nem tampouco se fixar. neste ponto que o materialismo de Adorno ganha contornos mais claros. Oidealismo ao postular o sujeito como portador de verdade do objeto, desconsidera o no-idntico. A verdade doidealismo, portanto, se revela artificial, permanece no crculo tautolgico do pensamento, se perdendo de seuobjeto, o idealismo, portanto desconsideraria a profunda mediao presente na relao entre sujeito e objeto.Para Adorno, o sujeito ao experienciar a realidade no intencional que o cerca, interpreta e agrupa seusconceitos em constelaes, esta seria uma forma de iluminao sobre momentos de verdade, ou seja, umconjunto de conceitos que permitiria se pensar modelos crticos, assim a constelao permitiria pensar o queno processo de constituio do objeto nele se decantou. O conhecimento, pois, seria, um escutar o objeto,um estar atento a potencialidade interna do material, para no processo de interpretao, agrup-lo, semviolent-lo, em constelaes. (PERIUS, Oneide, 2008, p. 111). Deste modo, na Dialtica Negativa, Adorno, temcomo projeto a crtica imanente do conceito, este, por sua vez, se estende da insuficincia de um princpiometafsico para apreenso da realidade encontrada na concepo idealista do eu constitutivo do mundo, logopositivo.

    A negatividade sobrevive no interior do prprio conceito. Este por sua vez, a cada tentativa de definio,aponta para fora de si, para o alm do conceito, este antes de tudo devir, alteridade, com efeito, h umadiferenciao imanente a ele que lhe constitutiva e fundamental. nesse sentido, que Adorno postula aprimazia do objeto, esta, enquanto pressuposto ontolgico materialista caracterizaria a relao recproca desujeito entre objeto de forma que o objeto assumisse uma posio de primazia, na constituio impositiva daverdade. Dessa forma, o sujeito colocado numa posio de dependncia em relao ao objeto, pois seuprocesso de constituio seria moldado pelo objeto, em outros termos, a identidade da autoconscincia construda segundo o modelo de persistncia/estabilidade material do objeto, esta propriedade, portanto, nopertence ao sujeito, mas tampouco copertence. Todavia, a teoria do primado do objeto no exclui aparticipao do sujeito, mas antes exige um mais sujeito.

    A presente investigao, buscou no decorrer de sua exposio apresentar o deslocamento do pensamentoadorniano, no entanto, como dito anteriormente, trata-se ainda de um balano provisrio, sendo assim, oestudo se caracteriza especialmente por apontar lacunas do que propriamente preenche-las, entretantotentou-se delinear a movimento da obra adorniana, em sua fase madura e tardia, se na Dialtica doEsclarecimento, Adorno tratou de forma pormenorizada da ambivalncia do esclarecimento e suacaracterstica totalizante, na Dialtica Negativa o foco se desloca para a formulao de um novo princpiodialtico centrado no momento de tenso entre sujeito e objeto, na oposio dialtica entre momento esistema, no obstante h continuidades, tal qual, pois esta oposio deve ser continuamente corrigida pelodiagnstico de tempo. Outro ponto que tentei demonstrar foi a diferena no teor continuista da Dialtica doEsclarecimento e a proposta descontinuada da obra de 1969, fato que teve a importante influncia dos escritosde Walter Benjamin.

    Finalmente, h se ressaltar que a filosofia de Adorno, no se afasta em nenhum momento da noo decorrespondncia entre teoria social e teoria do conhecimento, e da busca, por meio da crtica imanente aambas, de se buscar modelos tericos que possibilitem a emancipao da humanidade do julgo que seencontra.

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    NOBRE, Marcos. A dialetica negativa de Theodor W. Adorno: a ontologia do estado falso. So Paulo:FAPESP: Iluminuras, 1998. 190 p

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    Dados: Instituio: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

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    rea temtica escolhida: Teora crtica, balances y perspectivas.