movimentos sociais e pós-colonialismo na america latina

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  • 8/6/2019 Movimentos sociais e ps-colonialismo na America latina

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    Cincias Sociais Unisinos46(1):18-27, janeiro/abril 2010 2010 by Unisinos - doi: 10.4013/csu.2010.46.1.03

    Resumo

    Considerando a tradio dos estudos dos movimentos sociais na Amrica Latina, este artigotraz reflexes sobre a emergncia de uma abordagem ps-colonial direcionada ao estudode grupos subalternos em nosso continente. Em vista disso, examinam-se as conexesentre quatro elementos da produo do conhecimento acerca dos movimentos sociaisna atualidade: a relao entre o sujeito estudado e o sujeito produtor do conhecimento;a relao entre experincia vivida, representao e reconhecimento; os direitos humanosna perspectivas dos sujeitos subalternos; e a captao das formaes discursivas quecontemplem a historicidade e o desejo emancipatrio desses sujeitos.

    Palavras-chave: movimentos sociais, ps-colonialismo, produo do conhecimento, direitos

    humanos, aes em rede.

    Abstract

    Considering the tradition of social movement studies in Latin America, the present textbrings some reflections about the emergence of a post-colonial approach directed to thestudy of subaltern groups on our continent. To fulfill this objective, the connections amongfour elements in the production of knowledge about contemporary social movements areexamined: the relation between the subject studied and the subject that produces knowledge;the relation between life experience, representation and recognition; the human rights inthe perspective of subaltern subjects; and discourse formations derived from the historicityand emancipatory desire of these subjects.

    Key words: social movements, post-colonialism, production of knowledge, human rights,network actions.

    Ilse [email protected]

    Movimentos sociais e ps-colonialismona Amrica Latina1

    1 Palestra proferida na Mesa Redonda Aescoletivas, movimentos e redes sociais nacontemporaneidade no XIV Congresso Brasileirode Sociologia, realizado de 28 a 31 de junho de2009, Rio de Janeiro.

    2 Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.Endereo: Campus Universitrio, Trindade,88040-900, Florianpolis, SC, Brasil.

    Social movements and post-colonialism in Latin America

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    Assim como cultura ou civilizao,modernidade mais ou menos beleza(essa coisa intil que esperamos servalorizada pela civilizao), limpeza

    (a sujeira de qualquer espcie parece-nos

    incompatvel com a civilizao)e ordem (Ordem uma espcie de compulso

    repetio que, quando umregulamento foi definitivamente estabelecido,

    decide quando, onde e comouma coisa deve ser feita, de modo queem toda circunstncia semelhante no

    haja hesitao ou indeciso).(Bauman, 1998, p. 7)

    Se partirmos da definio de que existe um movimento

    social quando uma ao coletiva gera um princpio identitriogrupal, define os opositores ou adversrios realizao plenadessa identidade ou identificao e age em nome de um processode mudana societria, cultural ou sistmica3, podemos concluirque os movimentos sociais existem em permanente tensoe conflito com alguns princpios da modernidade, conformerelatado por Bauman, especialmente em relao questo daordem social4. Talvez esta tenso explique a constante tentativade criminalizao dos movimentos sociais ou a dificuldade daselites hegemnicas em aceitar como legtimos os movimentos dossegmentos subalternos em pases como o Brasil, onde os valores damodernidade esto bastante presentes. Tradicionalmente, vriosmovimentos sociais em uma direo conciliatria dialogam com osvalores orientadores da modernidade, numa tentativa de coadunarpermanncia e mudana, face aos conflitos sociais e contradiesque os atingem. Nas ltimas dcadas, porm, alguns movimentospassaram a colocar em questo as interpretaes hegemnicasda modernidade, especialmente a partir das experincias deno-minadas de diaspricas.

    Nas cincias sociais, uma parcela das teorizaes sobre osmovimentos sociais se vale dos referenciais tericos relacionados modernidade e modernizao para sua fundamentao. Noentanto, gradativamente, ocorrem iniciativas de reviso crticaquanto ao alcance temtico dessas anlises por meio de teorias daps-modernidade, dos estudos culturais e ps-coloniais. Logo, no

    almejamos, neste artigo, uma reviso completa e detalhada dasteorizaes sobre os movimentos sociais. Pretendemos, luz dessedebate, considerar a relevncia da transio de alguns enfoques: apassagem das interpretaes sobre os movimentos sociais basea-das num olhar que privilegiava as teorias de classe para enfoquesculturalistas e identitrios dos denominados novos movimentossociais, por um lado; e para enfoques institucionalistas mediante

    as teorias de mobilizao de recursos e dos processos polticos, poroutro; ambas as teorias referenciavam-se aos legados da moder-nidade e da modernizao, ainda que, em muitos casos, com umaviso crtica, definindo-o como legado civilizatrio eurocntrico.Em ltima instncia, pretendemos trazer elementos para a tese de

    que os estudos ps-coloniais comportam contribuies para serepensar o papel de movimentos sociais mais recentes na AmricaLatina, na releitura e na revalorizao das trajetrias de classes, degrupos, de comunidades e de culturas historicamente subalternasem nosso continente. Nosso objetivo tambm verificar em quemedida esses estudos dialogam criticamente com a tradio teri-ca, revendo abordagens clssicas da modernidade e discutindo asestratgias organizativas e discursivas dos movimentos receptivosao pensamento ps-colonial.

    Legados tericos para os estudos

    dos movimentos sociais naatualidade

    As grandes narrativas sobre os movimentos sociais na Am-rica Latina, baseadas nas teorias de classe, da tradio marxista enos princpios discursivos da modernidade, enfatizavam tendnciasuniversalizantes para os comportamentos coletivos. As explicaespara a luta dicotmica entre as classes tornaram-se muitas vezesreducionistas, teleolgicas ou previsveis. Os modelos analticosforam aplicados de forma generalizada em diferentes situaes econtextos histricos. Na atualidade, as questes da previsibilidadehistrica e da centralidade poltica de determinadas classes passa-

    ram a ser questionadas na teoria e na prtica como, por exemplo,enquanto para a classe operria estava claro que aquilo que viriadepois do capitalismo era o socialismo, para os movimentos sociaislatino-americanos da atualidade as respostas no esto claras.Aderem a uma ideia de socialismo mais como um ethos histrico doque como uma resposta concreta s suas agendas (Poletto, 2009),ainda que haja movimentos sociais que continuam repetindo umaortodoxia tradicional sobre os rumos da mudana.

    As teorias culturalistas e identitrias dos movimentossociais, tambm denominadas de teorias dos novos movimentossociais, tiveram o mrito de buscar a complexidade simblica ede orientao poltica dos agrupamentos coletivos formadores de

    movimentos sociais, segundo o princpio da diversidade sociocul-tural (de gnero, tnica, ecolgica, pela paz, por diferentes tiposde direitos humanos etc.). Transitava-se assim do pensamento uni-versalista acerca de um sujeito nico e central da transformaosocial para as interpretaes sobre o descentramento das lutas,da multiplicidade e contingncia das identidades etc, de acordocom os pressupostos das teorias ps-modernas. Se houve avanos

    3 Definio baseada nos escritos de Alain Touraine e em outros tericos dos novos movimentos sociais4 Inspirado em Freud (Bauman, 1998, p. 7-8). Trata-se, sem dvida, de uma afirmao provocativa, mas polmica, especialmente em relao beleza,

    j que os movimentos sociais crticos da ordem social valorizam a esttica e a simbologia, valendo-se dessas como formas de lutas.

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    tericos pelo entendimento das opresses e discriminaes queocorrem em torno de diferenas socioculturais, houve perdas pelapouca relevncia atribuda ao problema das desigualdades sociaise s razes histricas dos processos de colonizao, que inclueme articulam dimenses de mltiplas formas de dominao que

    vo do econmico ao social, do social ao cultural, do cultural aoideolgico, do ideolgico ao poltico e vice-versa. Esses so oselementos resgatados pelas teorias ps-coloniais.

    As teorias institucionalistas dos movimentos sociais,especialmente as teorias da mobilizao de recursos e dos pro-cessos polticos, contriburam para a anlise de oportunidades ede formas de participao de atores coletivos na esfera pblicaformal. Tais teorias auxiliaram no entendimento do cotidianodo fazer poltico institucionalizado, a partir da relao entresociedade e Estado, em que se encontra em jogo a relao entreinvestimentos (recursos humanos, simblicos e materiais) e ganhos(polticos, materiais e no plano dos direitos), compreendidos em

    uma multiplicidade de enfoques5

    . Nessas abordagens, os aspec-tos de incluso e integrao social, nos moldes das teorias damodernizao, foram frequentemente privilegiados deixando-setambm, nesses casos, de aprofundar a compreenso sobre asrazes histricas mais densas dos processos de excluso social,tais como os legados do colonialismo, que atingiram e deixarammarcas em amplos segmentos da sociedade mundial e latino-americana. A partir da dcada de 1990, alguns autores, comoKlandermans (1994), Tarrow et al. (1996), Castells (1996), entreoutros, vieram gradativamente aproximando os debates dasteorias da mobilizao de recursos (TMR) com o das teorias dosnovos movimentos sociais (TNMS), visando analisar os processosarticulatrios da diversidade dos atores envolvidos. Esta posturaabriu caminho para um dilogo entre teorias da modernidade eda ps-modernidade, contribuindo para aprofundar o entendi-mento sobre as formas de mobilizaes sociais contempornease as possibilidades polticas de uma sociedade em redes, masnem sempre desvendando o desejo emancipatrio mais arraigadodos sujeitos historicamente discriminados. Embora Klandermans(1994), no incio da dcada de 1990, tenha demarcado a relevnciados movimentos sociais em construrem significados simblicos edesenvolverem processos de conscientizao coletiva, a partir doretorno a suas razes estruturais, histricas.

    Los contextos de la participacin de los movimientos sociales,

    (cf. Klandermans, 1994), se daran en tres niveles: (a) en el dis-curso pblico y su relacin con la formacin y transformacinde identidades colectivas; (b) en los procesos de la comunicacinpersuasiva durante las campaas de movilizacin por parte delas organizaciones de movimientos y contramovimientos, ascomo de sus oponentes; y (c) en los procesos de la concien-ciacin durante los episodios de la protesta. Al reconocer que

    la participacin en los movimientos sociales tiene lugar en unamplio contexto, enfatiza quela concepcin de la protesta comoconstruccin social slo adquiere significado si se justificansus races estructurales (1994, p.185). Es decir, si se le estudiadentro de los contextos en los que se produce y constituye(Valles, 2008, p. 101,grifo nosso).

    Os estudos ps-coloniais ou do ps-colonialismo6, em certamedida, incorporam legados das teorias de classe e das respectivasformas de opresso das elites coloniais e hegemnicas; das teoriasculturalistas, no que diz respeito s mltiplas formas de opres-so e discriminao simblica em relao aos segmentos sociaiscolonizados; e da respectiva excluso e/ou subalternidade destessegmentos no plano do fazer poltico, no cotidiano societrio enas instituies. Portanto, cabe buscar as contribuies que osestudos ps-coloniais incorporam, ainda que criticamente, dasteorias anteriores das aes coletivas e dos movimentos sociais,que se construram sob a gide dos referenciais tericos da moder-

    nidade e da ps-modernidade. Assim, ser possvel analisar o quetrouxeram de novidade para pensar a subalternidade de sujeitossociais na Amrica Latina e de que forma podem contribuir paraa reflexo sobre as novas formas de incluso social no Brasil e naAmrica Latina num sentido mais amplo.

    Consideramos que uma tarefa inicial relevante recuperara contribuio de alguns pensadores clssicos para o entendimentodos processos de colonizao e de seu impacto sobre os povos colo-nizados. Frantz Fanon e Enrique Dussel so lembrados pela academiae por movimentos sociais como precursores relevantes dos estudosps-coloniais na Amrica Latina. Esses autores interpretaram a mo-dernidade a partir de um outro lugar, o lugar do sujeito colonizado

    e, especialmente, possibilitaram a elaborao de uma nova leiturado processo histrico da colonizao, a partir desse lugar.Fanon (1925-1961), psiquiatra e militante poltico, aborda

    os processos de subjetivao, construdos pelo colonialismo eintrojetados pelo colonizado em relao ao corpo do dominado, desvalorizao devido cor das peles negras e indgenas es-cravizadas. O autor prev que a libertao dessas mentes s sedar mediante os processos de desconstruo dessas formaesdiscursivas e da construo de novas subjetividades dos sujeitoshistoricamente oprimidos e discriminados. Fanon, nome bastan-te utilizado durante os processos de independncia na frica,foi militante da Frente de Libertao Nacional da Arglia (FLN),publicou obras que se tornaram clssicas em vrios pases7 e re-

    ferenciadas recentemente pelos estudos culturais e da disporaefetuados por Hall (2003) e Bhabha (1998), dentre outros, bemcomo por intelectuais e militantes dos movimentos negros noBrasil e na Amrica Latina.

    Enrique Dussel (1934-...) inicia suas contribuies pararepensar o processo de colonizao e de dominao a partir da

    5 Uma ampla exposio sobre est abordagem encontra-se em Gohn (1997).6 Preferimos fazer referncias a estudos ps-coloniais que a teorias, pois esses estudos no possuem uma matriz terica nica, tratam-se de umaabordagem e, s vezes, de um pensamento do ps-colonianismo. Veja uma sntese interpretativa destas distintas abordagens em Costa (2006).7Pele Negra, Mscaras Brancas (Fanon, 1983) e Os Condenados da Terra (Fanon, 1968).

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    8 Vrios estudos de intelectuais do Norte tm contribudo para o desenvolvimento recente de um pensamento ps-colonial na Amrica Latina,dentre os quais se destacam os de Bhabha (1998), Hall (2003), Gilroy (2007), Sousa Santos (2004, 2006, 2007, 2009) e merece ainda ser lembrada acontribuio recente de Costa (2006).

    reflexo de uma nova epistemologia: a Filosofia ou Teologia daLibertao na Amrica Latina. Argentino, exilado e radicado noMxico, possui uma das mais extensas obras sobre os processosde subjetivao dos pobres e busca construir uma pedagogia dooprimido. Mais recentemente (Dussel, 2005), desenvolve uma te-

    orizao crtica ainda mais contundente sobre uma interpretaoeurocntrica da modernidade mundial, considerada como ummito que poderia ser assim descrito:

    (i) A civilizao moderna se autodescreve como maisdesenvolvida e superior (o que significa sustentar incons-cientemente uma posio eurocntrica).(ii) A superioridade obriga a desenvolver os mais primitivos,brbaros, rudes, como exigncia moral.(iii) O caminho de tal processo educativo de desenvolvi-mento deve ser aquele seguido pela Europa (, de fato,um desenvolvimento unilinear e para a europeia o que

    determina, novamente de modo inconsciente, a falciadesenvolvimentista).(iv) Como o brbaro se ope ao processo civilizador, aprxis moderna deve exercer em ltimo caso a violncia,se necessrio for, para destruir os obstculos dessa mo-dernizao (justifica a guerra justa colonial).(v) Esta dominao produz vtimas (de muitas e variadasmaneiras), violncia que interpretada como um ato ine-vitvel, e com o sentido quase ritual de sacrifcio; o hericivilizador reveste as suas prprias vtimas da condiode serem holocaustos de um sacrifcio salvador (o ndiocolonizado, o escravo africano, a mulher, a destruio

    ecolgica etc).(vi) Para o moderno, o brbaro tem uma culpa (por opor-se ao processo civilizador) que permite Modernidadeapresentar-se no apenas como inocente, mas comoemancipadora dessa culpa de suas prprias vtimas.(vii) Por ltimo, e pelo carter civilizatrio da Moder-nidade, interpretam-se como inevitveis os sofrimentos

    ou sacrifcios (os custos) da modernizao dos outrospovos atrasados(imaturos), das outras raas escraviz-veis, do outro sexo por ser frgil, etcetera (Dussel, 2005,grifos nossos).

    Dussel (2005) conclui que, para superar as formaesdiscursivas discriminatrias e opressivas da modernidade,ser necessrio negar a negao do mito da modernidade,isto , des-cobrir pela primeira vez a outra-face oculta eessencial modernidade: o mundo perifrico colonial, o ndiosacrificado, o negro escravizado, a mulher oprimida, a crianae a cultura popular alienadas etc. (as vtimas da moderni-

    dade) como vtimas de um ato irracional (como contradiodo ideal racional da prpria modernidade). Portanto, paraele, no se trata de negar o princpio de racionalidade, centralpara a modernidade, mas, a partir de um outro olhar, aplic-los necessidades e s utopias dos subalternos em relao aos

    processos de mudana social.A partir dessas ideias que influenciaram os estudos

    ps-coloniais, complementadas por outras contribuies con-temporneas8, refletimos sobre alguns princpios para a inves-tigao e anlise de prticas dialgicas dos movimentos sociaislatino-americanos, contemplando questionamentos em tornodos seguintes pontos:

    o posicionamento do intelectual em relao aos sujeitosde seus estudos;

    a relao entre experincia, representao e reconhe-cimento;

    a construo de plataforma de direitos humanos quecomportem necessidades dos sujeitos subalternos;

    a construo de formaes discursivas, por meio deprticas articulatrias em rede que contemplem a his-toricidade dos sujeitos subalternos.

    Posicionamento do intelectual em

    relao aos sujeitos de seus estudos

    Na filosofia da libertao de Dussel (2005), um dos ele-mentos fundamentais de sua construo a aproximao com

    o Outro, em seu espao e tempo, na experincia cotidiana e nahistria. O Outro refere-se aos empobrecidos, aos oprimidos, aosdiscriminados e aos marginalizados pelas prticas e pelos mitosda modernidade. Para Fanon (1983), a histria da colonizao temque ser reescrita e reinterpretada, mas, acima de tudo, necessriodescolonizar as mentes para que cesse para sempre a servidode homem para homem. Quer dizer, de mim para outro. Segun-do Fanon e Dussel, h uma tica de posicionamento e de compro-metimento com a cultura e com o conhecimento que influencia oscaminhos da histria. Achgar (1998), poeta e ensasta uruguaio,contribui para a reflexo a respeito desse comprometimento apartir do seguinte relato literrio:

    Hay un proverbio africano que dice: Hasta que los leonestengan sus propios historiadores, las historias de caceraseguirn glorificando al cazador [...]. El proverbio escenificaun conflicto permanente mediante tres personajes: leones, ca-zadores e historiadores, o dicho de otra manera, los oprimidos,los opresores y los intelectuales. Al mismo tiempo que aludea una historia, disea dos lugares y dos prcticas intelectu-

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    ales: el lugar y la accin de los leones y el lugar y la accinde los cazadores. Hay otra historia, de origen brasileo, queofrece una variante de inters: un hombre narra a un amigosu aventura con una onza. A medida que avanza el relato,el oyente interfiere reiteradamente en el relato, lo que obligaal fastidiado narrador a preguntar: Voc amigo meu ouda ona?. La historia de la onza agrega un personaje o unasituacin al escenario del proverbio africano: se trata delintelectual que sin ser onza o len, es sin embargo amigo dela onza. Lo que se agrega es la posicionalidad del intelectualque, sin pertenecer al mbito de los oprimidos leones, se ubicaa su lado y toma, si no una identidad prestada, al menos suna conciencia de onza prestada.

    Portanto, o intelectual deve fazer uma anlise crtica sobreo lugar de sua fala. Assim, dever estar ciente de que h uma me-mria oficial hegemnica e uma memria coletiva daqueles queesto situados abaixo na pirmide social, uma memria a partirdos centros de poder e uma memria a partir dos oprimidos, umamemria intelectual hegemnica e uma memria de saberes his-toricamente subalternos. Dessa forma, podemos considerar que oposicionamento, a localizao e a memria so centros relevantes dodebate poltico e intelectual contemporneo. Em ltima instncia,isso significa desenvolver tambm um debate crtico em torno dadiversidade e das contradies das experincias vividas, dos poderesde representao social e das lutas por reconhecimento.

    A relao entre experincia,

    representao e reconhecimento

    A representao do social relaciona-se com a memriae a experincia, alm da reflexividade, enquanto enunciado damodernidade, e tem implicaes na produo nas formas de reco-nhecimento nos planos social, cultural e poltico. Nas sociedadesps-coloniais so encontradas representaes que expressam ladosdistintos do processo de colonizao, tanto no plano dos mitos oude reproduo da cultura, como na produo de novos saberes.Alm disso, na produo dos saberes h poderes e legitimidadesdiferenciadas, frutos da supervalorizao do saber cientfico noprocesso de modernizao, conforme foi lembrado pela tericafeminista Richard (1998):

    La oposicin entre representacin (abstraccin, teora, discursi-vidad) y experiencia (concrecin, prctica, vivencialidad) afirmala desigualdad de poderes trazada entre quienes patentan loscdigos de figuracin terica que dotarn a sus objetos deestudio de legitimidad acadmica, y los sujetos representadospor dichos cdigos hablados por su teorizacin de la otredad sin mucho acceso a los beneficios institucionales de la teorametropolitana ni derecho a ser consultados sobre la validez delas categoras que los describen o interpretan.

    Esta diferena do poder de representao da fala, decor-rente da legitimidade atribuda pelo lugar de enunciao do co-nhecimento, criticada pelos prprios movimentos ps-coloniais

    latino-americanos, conforme podemos observar no discurso deFernando Huanacuni (Brasil de Fato, 2009), lder e intelectual dosaymara na Bolvia, o qual defende que a retomada de culturasoriginrias deve estar contemplada nos processos de mudanano pas e que esta retomada, muitas vezes, mais difcil de ser

    aceita pela prpria intelectualidade local do que pela externa.

    Primeiro, eu diria que os latino-americanos tm que se encontrarcom os indgenas, para depois poder dialogar com a Europa.O seu pensamento no est relacionado com o movimentoindgena, tornaram o movimento indgena invisvel porquepensavam que ele era inferior. Eles simplesmente imitaram aEuropa. Dizem Amrica Latina, percebe? Para ns, somos AbyaYala, assim chamamos nosso continente h milhares de anos. Ete digo mais: temos mais dilogos com os europeus do que comos latino-americanos. Porque os latino-americanos querem sercomo os suos, os alemes, os ingleses, os italianos, seguemno processo de colonizao. O indgena amaznico ainda brigacom os garimpeiros. Estes destroem florestas, destruram arvoresme, rvores pai, rvores de milhares de anos, as cortaram paramandar para o mundo ocidental.

    Huanacuni (in Brasil de Fato, 2009) esclarece tambmsobre o modelo indgena boliviano para pensar a transformao:

    Agora est havendo uma confuso entre socialistas e povosindgenas. Quando Evo Morales ascendeu, Chvez disse que eraseu irmo indgena, com seu discurso do socialismo do sculoXXI, com seu pensamento de esquerda, que ocidental. Mas, naVenezuela, recm esto descobrindo os povos indgenas. Muitosesto pensando que o movimento boliviano socialista, mas um movimento indgena. Nosso modelo no comunista, mas

    comunitrio.

    O que este lder indgena cobra o conhecimento e oreconhecimento da cultura e da histria dos povos indgenas.Gadea (2007), em sua pesquisa junto ao movimento indgenaneozapatista do Mxico, chega a uma concluso semelhante:

    [...] em nenhum momento possvel o abandono da prpriahistria, j que o prvio sentido do conhecimento, da lngua edas identificaes indgenas, seu legado especfico, no podemser expulsos da histria, no podem se apagar. Aquilo que osindgenas tm herdado (como cultura, histria, tradio, sentidoda identidade) no se destri, apenas se desloca, se abre ao

    questionamento, a um reencausamento (Gadea, 2007, p. 56).

    [...] A reivindicao pela diferena cultural, que nos movimen-tos indgenas pode traduzir-se em demandas por espaos deautonomia poltica e cultural, parece realizar uma estreitaaliana com uma poltica de campanhas, ou tambm com umapoltica de experincias, em oposio a um modelo emanci-patrio universalizante, muitas vezes redutor da especificidadesociocultural indgena categoria abstrata de cidado (Gadea,2007, p. 59)

    Portanto, uma poltica de experincias at pode renovar asformas de representao, mas esta s ter um cunho libertador

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    se for acompanhada de uma poltica de reconhecimento, e, porsua vez, o reconhecimento s se efetiva na prxis poltica se foracompanhado de uma poltica de autorepresentao. O movimen-to feminista, em sua chamada terceira fase, comea a entenderessa necessidade, conforme as palavras de Fraser (2007,p. 306):

    [...] feministas esto se aliando a outros atores transnacionaisprogressistas, incluindo ambientalistas, ativistas do desenvol-vimento e povos indgenas para confrontar as injustias de mdistribuio, no-reconhecimento e m representao [...] essapoltica tridimensional no nem um pouco fcil. Contudo, elacontm em si uma grande promessa para a terceira fase dofeminismo. De um lado, essa abordagem pode ultrapassar asmaiores fraquezas da fase dois, ao reequilibrar as polticas deredistribuio e reconhecimento. Por outro lado, pode superaro ponto cego de ambas as fases anteriores do feminismo, aoexplicitamente contestar as injustias desse mau enquadra-mento. Acima de tudo, tal poltica talvez nos permita colocare, quem sabe, responder questo poltica-chave de nossa

    poca: como podemos integrar demandas por redistribuio,reconhecimento e representao de forma a contestar o amploespectro de injustias de gnero em um mundo que se globaliza?

    Isso nos remete ao ponto seguinte: como construir umaplataforma de direitos humanos que respeite ou consolide os di-reitos originrios das populaes subalternas e que inclua medidasreparadoras de suas condies histricas de sujeitos discriminados,sem que se utilize de polticas meramente assistencialistas ouclientelistas, mas recupere a histria, a cultura, as vozes, os desejose os projetos desses sujeitos?

    Da construo de novas plataformasde direitos humanos

    Em contextos latino-americanos de profunda subalterni-dade de amplos segmentos populacionais (os indgenas e negros -herdeiros do escravismo colonial; os sem tudo - terra, teto, trabalhoformal, educao etc.), possvel combater essas mltiplas formasde excluso social e pensar a universalidade dos direitos humanos?A resposta ser negativa, se for pensada a partir do universalismorelativamente abstrato da modernidade estrito senso. Mas serpositiva, se for pensada a partir de um universalismo que contempleas diferenas, vinculado a uma plataforma de direitos humanos em

    constante construo, que incorpore valores e demandas das co-munidades diaspricas a partir de dinmicas e atuais configuraes,cotidianas e receptivas a discursos emancipatrios que, conformeRifiotis (2008), comportam discursos, retricas, mas igualmente leis,pactos e convenes internacionais e polticas sociais, tornando-seuma experincia cada vez mais cotidiana.

    As comunidades subalternas e diaspricas no mundoglobalizado no esto restritas apenas ao localismo, mas soconstantemente atravessadas pelos valores e pelas relaescom atores globalizados, estando sujeitas a processos de des-territorializao e reterritorializao, ressignificando-se social

    e culturalmente, o que traz novos desafios para a construode plataformas mais inclusivas de direitos humanos e para umcivismo que no reduza esses povos a uma cidadania genricada modernidade. Segundo Marramao (2009), nessa situao, oproblema fundamental que os ps-colonialistas apontam aexistncia na nossa modernidade-mundo de uma proliferaode comunidades imaginrias, nem sempre redutveis a sen-tidos minimamente comuns. Como, ento, construir agendasde negociao de direitos que contemplem uma incluso nocolonizada dessas populaes diaspricas. Segundo o autor, necessrio repensar em um ser-em-comum composto de his-trias diversas e de diferenas inassimilveis: em uma civitas

    como comunidade paradoxal suscetvel de acolher as existncias(e experincias) singulares [...] (Marramao, 2009).

    Consideramos que uma universalidade contingente e emconstante processo de atualizao, com incluso das diferenasidentitrias e de valores no contexto de uma formao discursivaps-colonial, pode ser atingida pelos movimentos sociais pormeio da construo de redes de significados para uma cidadaniainclusiva. Todavia, os avanos so demorados e reduzidos se os in-telectuais e as lideranas polticas no apoiarem e acompanhareminiciativas de polticas sociais, como as aes afirmativas, repara-doras de sculos de excluso social. Os valores da modernidadeocidental foram incorporados em nosso pas com uma herana

    histrica, que, segundo Sousa Santos (2006), compreende: co-lonialismo, racismo, genocdio, escravatura, destruio cultural,impunidade, no tica da guerra. Em termos mais concretos,enquanto imigrantes europeus tiveram terras, mercados para seusprodutos, trabalho e acolhimento, nos primrdios da colonizao,estendendo-se em muitos casos contemporaneidade9, negros,indgenas e seus descendentes no tiveram nem terra, nem possibi-lidade concreta de trabalho livre e, menos ainda, reconhecimentosocial e poltico, com implicaes na autoestima.

    Face a este legado, o compromisso de intelectuais com aao movimentalista busca resultados concretos de aes repara-doras, como no caso das aes afirmativas10. Contudo, para que o

    trabalho intelectual contribua para um processo emancipatrioinclusivo dos sujeitos subalternos de nossa Amrica, no s terque consider-los como cidados de direito, mas contemplar emsuas reflexes as experincias e saberes desses povos, bem comoas novas formaes discursivas que so elaboradas em sua prticaspolticas em rede.

    9 Como no trabalho escravo, nas dificuldades de realizao de uma ampla reforma agrria e da legalizao de terras dos quilombos etc.10 Referimo-nos ao aumento de aes afirmativas para negros, indgenas, mulheres e outros segmentos sujeitos a desigualdades histricas, nasociedade brasileira e em outros pases da Amrica Latina.

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    Movimentos sociais e ps-colonialismo na Amrica Latina

    Formaes discursivas construdas

    atravs de prticas articulatrias

    em rede

    O comunitarismo histrico dos grupos subalternos na Am-rica Latina est dando incio a uma transio de uma situao demarginalidade quase absoluta na esfera pblica para uma outracondio em que as vozes de camadas subalternas comeam, aindaque com dificuldades, a ter algum eco para alm de seus territrios.Os direitos originrios, como os dos indgenas, quilombolas, sem-terra e posseiros, passam a ser legitimados, mesmo que sujeitos aconflitos sociais profundos, e os direitos educao (cotas tnicas,raciais e sociais) passam a ser implementados, mesmo enfrentandovrias formas de resistncia. Como bem concluiu a antroplogaIlka Boaventura Leite, em seus estudos sobre os quilombolas, paradestravar a chave do racismo, seriam necessrios no somente a

    permanncia nas terras de seus antepassados, mas tambm ga-rantir o seu ingresso no mundo letrado. Talvez isto explique porque territorialidade e escolaridade so os dois polos centrais daslutas atuais dos negros no Brasil (Leite, 2008, p. 104).

    Em outros momentos11, discutiram-se como as articulaesem redes tm empoderado os movimentos sociais, na medida emque aproximam e criam espaos interorganizacionais, de trocasmateriais e simblicas, comunicao e debate, entre as basesdas aes coletivas (incluindo-se a os espaos comunitrios docotidiano dos grupos subalternos), contando com a mediao deagentes polticos articulatrios (fruns e redes interorganizacio-nais diversas), com a possibilidade de participao em mobilizaesna esfera pblica (marchas, protestos e campanhas), formandoassim as redes de movimentos sociais.

    Nesse momento, cabe a reflexo sobre o papel das redes demovimentos para a ressignificao dos processos de colonizaona Amrica Latina e para a criao de significados em-comum paraa superao dos legados histricos opressores, observando algunscasos empricos. Ser na intercomunicao entre grupos sociaisdistintos, mas conectados por redes, que a relao entre a tradioe as razes culturais, por um lado, e as opes polticas e as utopias,por outro, podero ser revistas criticamente atribuindo-se novossignificados s situaes de opresso e discriminaes histricas.

    Gadea (2004, 2007), em prolongado estudo sobre o Movi-mento Neozapatista de Chiapas, ajuda-nos a compreender para

    alm dos rumos da modernidade o desenrolar desse movimento,o qual conseguiu resgatar valores culturais milenares associando-os a novos iderios ps-modernos e difundindo-os em temporeal. Estava se criando, assim, na histria latino-americana, umpotencial para uma relao dialgica entre culturas com razeshistricas diversificadas e a emergncia de um laboratrio para aconstruo de relaes interculturais de reconhecimento, respeitoe solidariedade entre o tradicional e o moderno.

    Isso possvel porque apesar do avano tecnolgico nomundo da informao ser um dos carros-chefe da globalizaohegemnica, tambm serve como um mecanismo para a constru-o de uma globalizao contra-hegemnica, por meio da ao emrede dos movimentos sociais. Abdel-Moneim (2002, p. 55), sobre

    o caso do neozapatismo, observa como o uso da comunicaoinformatizada foi uma ferramenta estratgica para a construode redes de solidariedade e de resignificao simblica, numaescala mundial e multi-identitria12.

    O Ciborgue Neo-Zapatista capaz de nos deslocar aonos convidar a atravessar fronteiras geogrficas, tnicas, e declasse, e a participar, na qualidade de leitores(as)/escritores(as)espectadores(as)/atores(atrizes) de textos/performances de umaguerrilha multimdia, de esforos de resistncia virtual contraprojetos globais neoliberais. O Ciborgue Zapatista mais eficien-te na sua habilidade para nos deslocar: para incitar a afirmar etransgredir diferenas, e para entrever novas unies radicais na

    busca de solidariedade com outros indivduos e grupos.Outro exemplo emblemtico de construo de uma crtica herana colonial e respectiva hegemonia poltica de representantesbrancos, mesmo no seio dos movimentos sociais, ocorreu por ocasioda Primeira Conferncia Nacional de Polticas para as Mulheres,realizada em 2004, em Braslia. Durante a Conferncia, as mulheresnegras e indgenas, observando a fraca visibilidade temtica de suasquestes, apesar da sua ampla presena, resolveram elaborar umdocumento, que passou a ser utilizado tambm em momentos articu-latrios posteriores, denominado de Cartade Aliana de Parentescoentre ndias e Negras, com o seguinte contedo:

    considerando a semelhana da opresso colonial sofridapelos povos indgenas e afrodescendentes, em especialas mulheres;

    considerando que esses dois povos foram igualmentesubmetidos a processos de genocdio e/ou extermnio;

    considerando o estupro colonial, perpetrado contrandias e negras;

    considerando a expoliao e expropriao das terras, dasculturas, dos saberes desses dois povos;

    considerando a perpetuao da excluso histrica dessespovos desde o trmino do perodo colonial at os nossosdias, que vitima especialmente as mulheres, distorcendoe desvalorizando suas imagens;

    considerando a necessidade da reparao histrica queo Estado brasileiro tem para com esses povos em geral eas mulheres em particular;

    Decidimos:

    firmar o nosso parentesco atravs de uma aliana pol-tica na busca conjunta de superao das desigualdades

    11 Ver detalhamentos em Scherer-Warren (2006, 2007, 2008a, 2008b).12 Outros desdobramentos em Scherer-Warren (2005a).

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    econmicas, polticas, sociais, culturais e de poder; firmar uma aliana estratgica para a conquista da igual-

    dade de oportunidades para mulheres ndias e negras nasociedade brasileira;

    firmar uma aliana estratgica que d visibilidade a ndias

    e negras como sujeitos de direito. Doravante ndias e negras consideram-se parentes.

    Observamos, em outros fruns posteriores13, o uso polticoe estratgico desta noo de aliana de parentesco, no sentido deconstruir um empoderamento das etnias oprimidas pelo processode colonizao, que se consideram credoras de reparao histricano que diz respeito diminuio da desigualdade, conquistade direitos, visibilidade e ao reconhecimento social e poltico.O dilogo intertnico no interior do movimento das mulheresrepercutiu tambm na prpria Articulao das Mulheres Brasi-leiras, uma rede nacional de Fruns de mulheres, que adicionou

    a sua denominao o seguinte subttulo, segundo uma de suaslideranas: AMB - uma articulao feminista e antirracista. Issose definiu afirmando o feminino e tambm afirmando o antirra-cismo como uma questo central. Isso tudo fruto das mulheresnegras dentro da AMB14.

    Por fim, merece ser mencionado o caso das articulaesde lutas territoriais, nas quais tm participado em diferentesmomentos organizaes de base, como a dos sem-terra, sem-teto,quilombolas, indgenas, mulheres camponesas, os atingidos porbarragens etc., e articulaes de representao como o Frum Na-cional de Reforma Agrria (FNRA), o Frum Nacional de ReformaUrbana (FNRU), a Via Campesina e outras redes nacionais e trans-

    nacionais da sociedade civil organizada. Apesar da diversidade deorigem e, s vezes, de concepes dos sujeitos desses movimentos,h identificaes polticas possveis e possibilidades de constru-o de pautas ancoradas em significados simblicos e polticossimilares, como a do princpio da funo social da propriedade. Aarticulao em torno desse princpio se d a partir de um lugar defala comum dos sujeitos envolvidos, de uma crtica aos processosde colonizao e da ocupao da terra rural ou urbana no Brasil,com consequncias histricas para as populaes excludas desseprocesso. Portanto, quando essas organizaes defendem a Cartada Terra, que visa democratizao da propriedade a partir de umlimite em seu tamanho e pela observao de sua funo social, o

    que pretendem a reparao de um processo de colonizao quedeixou um legado estrutural no desenvolvimento das desigualda-des sociais. Os fruns da sociedade civil so os atores estratgicospara a construo e a consolidao de novos significados sobre odireito a terra produtiva, moradia e a um territrio comunitriopara populaes historicamente excludas no Brasil.

    Os fruns da sociedade civil no so organizaes formal-mente localizadas, mas espaos estratgicos de debate polticoentre atores diversificados, de formulao de objetivos comunsde luta, de elaborao de princpios e de encaminhamento deaes concretas de impacto poltico. Dessa forma, observamos

    que a busca de consenso cada vez mais confrontada com oprincpio de respeito diversidade e s diferenas, deixando-separa os espaos prprios de cada organizao as lutas especficasou no consensuais. Naturalmente, as controvrsias geram ten-ses, conflitos e ambiguidades dentro dos fruns, mas seus elosde mediao na rede buscam as conciliaes possveis, conformenos foi relatado por um entrevistado do FNRA15:

    Ns s agimos como Frum quando h unidade. Na diversidadee na compreenso das diferenas. Quando no h, no se briga.Cada um age da sua maneira, mas respeitando as diferenas.Ento vamos fazer tudo o que possvel dentro do frum paraque tenha unidade, que tenha ao conjunta...

    Quando falo em terra, entra a questo da luta pela reformaagrria, a questo da demarcao das terras indgenas, dos qui-lombolas, ribeirinhas, dos fundos de pastos, dos pescadores. Tudoque entra na questo da terra entra a, a luta pelo meio ambiente,recursos naturais, a biodiversidade... Ns tentamos unificar essesvrios pensamentos em torno de algumas aes concretas...O Frum cresce e se consolida como espao de todo mundo.Porque um dos grandes problemas dos movimentos do campoe da esquerda como um todo, tanto sindical quanto popular,era a chamada de defesa das teses: vocs esto somente paradefender ideias, concepes, e voc no discutia alternativasde aes concretas em conjunto, por qu?Se ns no nos acertamos do ponto de vista das ideias, vamostentar na prtica ento o que possvel. Esta concepo

    (da defesa de teses) foi perdendo espao historicamente,tambm no meio rural brasileiro. Enquanto aqueles sindi-calistas, aquelas lideranas populares ficavam eternamenteestressados defendendo suas teses nos centros, nas escolas,nos seminrios,ns descobrimos que o melhor jeito de vocdefender suas ideias fazendo. Paulo Freire j explicavaisso, no ? Ns aprendemos, que temos que mudar o nossomtodo, vamos discutir as ideias, vamos aflorar o debate,vamos colocar as diferenas na mesa, mas vamos ver quedessas diferenas todas, o que possvel fazermos juntos, evamos tentar fazer. O que ns descobrimos nesses anos deexperincia coletiva, que o que determina ao concretade cada um, no o discurso. Estamos descobrindo meto-dologicamente e pedagogicamente, que a melhor maneira de

    voc construir unidade na ao concreta e no no discurso(Representante da coordenao do FNRA, 2005).

    Nos exemplos citados, podemos observar que as polticasemancipatrias no interior dos prprios movimentos, bem comono contexto de suas articulaes externas, s sobrevivem se esti-

    13 Durante o trabalho de campo do Projeto AMFES (Scherer-Warren, 2005b).14 Entrevista com Guacira, ex-coordenadora da AMB, para o Projeto AMFES (Scherer-Warren, 2005b).15 Para o Projeto AMFES (Scherer-Warren, 2005b). Projeto As mltiplas faces da excluso social/AMFES, financiado pelo CNPq no perodo de 2004-09, e desenvolvido na UFSC e na UNB (de 2004-05) na condio de Pesquisadora Visitante CNPq.

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    Movimentos sociais e ps-colonialismo na Amrica Latina

    verem acompanhadas de pragmatismo, de resoluo de problemasconcretos, de uma poltica de experincias associadas s polticasde autorepresentao e de reconhecimento de si e do outro comosujeitos com diferenas.

    Ser, portanto, mediante aes e relaes sociais no isentas

    de conflitos que os atores em rede constroem suas novas platafor-mas polticas e significados simblicos para as lutas, observando-se,por um lado, o direito diferena, dentro de determinados limitesideolgicos e ticos e, por outro, a unidade possvel na ao, nonecessariamente homognea, mas complementar e solidria.

    Consideraes finais

    Neste artigo, discutimos o nexo entre quatro elementos daproduo do conhecimento acerca dos movimentos sociais quepodem contribuir para a construo de uma sociologia polticanuma perspectiva ps-colonial e para uma respectiva autoreflexo

    crtica de atores coletivos no cenrio latino-americano. Contudo,esses procedimentos tambm podem comportar armadilhas cog-nitivas, se no forem submetidos constantemente a uma reflexivi-dade crtica (o que no deixa de ser um legado da modernidade).

    Quanto ao posicionamento do intelectual em relao aossujeitos de seus estudos, no se trata de negar a contribuio deconhecimento acumulado das cincias humanas no campo dasaes coletivas, mas de apreciar sua validade em cada contextohistrico e territorial; nem tampouco de ser um mero reprodutorda fala dos sujeitos das pesquisas, como foi bastante comum nasegunda metade do sculo passado nos chamados estudos sobreos movimentos populares na Amrica Latina. necessrio

    abrir-se para compreender o significado do pensar e do fazer dooutro, mas no apenas enquanto outro e sim como parceirode uma prtica e de uma utopia de transformao em direo auma sociedade mais justa social e culturalmente. Ainda que essasparcerias tenham sido palco de diversidades culturais e polticas, asredes e os fruns de sociedade civil buscam construir aes com-plementares e emancipatrias em torno de objetivos em comum.

    Essas parcerias numa prtica de movimento comportamnecessariamente uma dimenso tica e uma dimenso poltica.Portanto, exigem um reconhecimento do sujeito, que vive umacondio de subalternidade, como sujeito de direitos em suasdemandas por mais igualdade (ou redistribuio) e por respeito

    s diferenas culturais. Fraser (2007) referiu-se necessidade deintegrar demandas por redistribuio, reconhecimento e represen-tao na contestao s injustias de gnero num mundo que seglobaliza. necessrio acrescentar que na situao de um mundops-colonial, uma poltica que transcenda os condicionamentoscolonizados dos sujeitos subalternos dever se dirigir a um espec-tro mais amplo de injustias, tais como as vinculadas aos processoshistricos e ainda cotidianamente rotineiros de discriminaotnica, racial, religiosa, sexual e de outras minorias sociais.

    Essas demandas legitimam novas formas de convivnciasocial e possibilitam a criao de novos contratos sociais quepermitem uma aplicao mais ampla de direitos estabelecidosou a criao de novos direitos. O dilema que ocorre de comocoadunar os ditos valores ou direitos universais, frequentemente

    criados no esprito da modernidade ocidental com novos direitosadvindos da diversidade e da subalternidade de povos colonizados?Segundo Wallerstein (2007, p. 84), preciso universalizar valoresparticulares e particularizar valores universais, em que umaalternativa possvel uma multiplicidade de universalismos, quelembraria uma rede de universalismos universais (Wallerstein,2007, p. 124). Mas como no cair nas armadilhas da colonizaona poltica e na construo do conhecimento? Grosfoguel (2008),de acordo com Mignole (2000), prope um apelo a um universalque seja um pluriversal, em outra palavras um universal concretoque h de incluir todas as particularidades epistmicas rumo a umasocializao transmoderna e descolonial do poder. Encontramos

    no seguinte dizer dos neozapatistas um exemplo dessa dinmica:luchar por um mundo donde otros mundos sean possibles (Gros-foguel, 2008, p. 144). O que, em ltima anlise, o autor, sugere um pensamento de fronteira que seja capaz de produzir umaredefinio/subsuno da cidadania e da democracia, dos direitoshumanos, da humanidade e das relaes econmicas para l dasdefinies impostas pela modernidade europeia. Essa construo,por meio de um dilogo crtico, deve contemplar os lugares geo-polticos das falas, dos saberes e das utopias tanto dos subalternose de suas lideranas como do prprio intelectual da academia, demodo a situar o conhecimento e trazer transparncia s opesticas e polticas assumidas nessa parceria.

    Trata-se, enfim, de defender uma proposta de ao quecontribua para que direitos universais consolidados se estendamaos amplos segmentos de subcidados e que brotem novos direitosque atendam s demandas por igualdade e por reconhecimentodas diferenas, criando universalismos pluriversais e contingentes.Mas essa dinmica exige um modo de se relacionar, que, paraalm da escuta recproca, exija solidariedade e horizontalidadenos compartilhamentos. Vemos a emergncia dessa dinmicanas prticas concretas e discursivas produzidas por mltiplossujeitos coletivos atuando por meio de redes de movimentos16que congregam organizaes civis de base, mediadores polticosoriundos de organizaes articuladoras, movimentos sociaispopulares propriamente ditos e a participao e contribuio deoutras lideranas polticas e intelectuais no trabalho de traduoentre os diversos saberes e iderios comuns.

    Referncias

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    16 Outros desdobramento sobre essa forma de ser movimento encontram-se em Scherer-Warren (2005a, 2006, 2008a).

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