movimento estudantil - concepção[1]

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MOVIMENTO ESTUDANTIL: PAPEL e CONCEPÇÃO Introdução O grande questionamento que existe hoje na maioria da militância estudantil é: como esse movimento, que já cumpriu tantas batalhas históricas, pode hoje ter um papel secundário? Para não cairmos nem no espontaneísmo, nem no vanguardismo, precisamos fazer um diagnóstico sobre o ME. A partir daí, elaboraremos uma estratégia e uma tática de atuação que não só supere a crise, mas que recoloque o ME à frente das grandes lutas da educação e ao lado da classe trabalhadora. O Movimento Estudantil como Movimento Social O movimento estudantil consiste em uma parcela da sociedade que se organiza a partir de um “lócus”, que é a escola ou universidade. Essa parcela da sociedade não é uma classe social. Os estudantes são uma categoria social que vivencia uma realidade e demandas específicas e gerais dentro de um mesmo local. A partir desta realidade social é que surge a sua organização e sua intervenção na sociedade. Desta maneira, o ME possui suas particularidades. A primeira delas é de ser policlassista, ou seja, existem estudantes e grupos de todas as classes sociais. A segunda, é a sua transitoriedade, ninguém é estudante para sempre. Essas características são fundamentais para debatermos e entendermos a ação do ME como movimento social. Dessa forma, o ME não possui uma origem (e uma formação) classista que o coloque no centro da luta de classes, o que traz e impõe limites à organização estudantil. É através da opção política de parcela dos estudantes, prioritariamente dos seus dirigentes, que o ME se insere, ou não, na disputa geral da sociedade. Compreender esse caráter não-classista é necessário para percebemos a amplitude de sua base social, fruto de um processo histórico de exclusão dos segmentos populares. Estes elementos são fundamentais para se pensar as táticas de organização. Desta maneira, não adianta reproduzirmos métodos de organização do movimento sindical ou campesino para o ME, achando que iremos solucionar os seus problemas. O movimento estudantil deve produzir maneiras próprias de organização, o que não impede a realização de atividades em conjunto com os demais movimentos, visando troca de experiências. Durante a década de 60, o caráter do ME foi exaustivamente debatido. Existiam aqueles que defendiam a linha do ME-Partido, no qual somente os militantes de esquerda e socialista eram considerados militantes do ME. A linha majoritária considerava que o ME tinha que ser um movimento de massas, no qual todos os estudantes podiam fazer parte dele. O que não impossibilitava que aqueles (as) que eram de esquerda e socialista, disputassem as suas concepções e propostas e que o movimento pudesse ser dirigido pelos mesmos o que de fato, o foi em quase toda a história das entidades nacionais. Acreditamos que o ME deva ser de massas, onde todos os estudantes podem propor e construir o movimento. Contudo, não abriremos mão das nossas posições e opções: acreditamos na luta de classes e, frente a ela, temos lado e partido: o dos trabalhadores (as). Disputaremos nossa política em todos os espaços que atuarmos, pois é desta forma que disputamos hegemonia. Não escondemos de ninguém a nossa filiação e opção partidária, construindo a corrente e o partido nos movimentos sociais. É por isso que, apesar de assumirmos ser o movimento policlassista, acreditamos que as entidades devem ter lado, com nítido corte ideológico. Voltemos à segunda particularidade do ME, a transitoriedade. Ela faz com que o movimento seja marcado por uma extrema dificuldade na transmissão de sua história,

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Movimento Estudantil - Concepção[1]

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Page 1: Movimento Estudantil - Concepção[1]

MOVIMENTO ESTUDANTIL:

PAPEL e CONCEPÇÃO

Introdução O grande questionamento que existe hoje na maioria da militância estudantil é: como esse movimento, que já cumpriu tantas batalhas históricas, pode hoje ter um papel secundário? Para não cairmos nem no espontaneísmo, nem no vanguardismo, precisamos fazer um diagnóstico sobre o ME. A partir daí, elaboraremos uma estratégia e uma tática de atuação que não só supere a crise, mas que recoloque o ME à frente das grandes lutas da educação e ao lado da classe trabalhadora. O Movimento Estudantil como Movimento Social O movimento estudantil consiste em uma parcela da sociedade que se organiza a partir de um “lócus”, que é a escola ou universidade. Essa parcela da sociedade não é uma classe social. Os estudantes são uma categoria social que vivencia uma realidade e demandas específicas e gerais dentro de um mesmo local. A partir desta realidade social é que surge a sua organização e sua intervenção na sociedade. Desta maneira, o ME possui suas particularidades. A primeira delas é de ser policlassista, ou seja, existem estudantes e grupos de todas as classes sociais. A segunda, é a sua transitoriedade, ninguém é estudante para sempre. Essas características são fundamentais para debatermos e entendermos a ação do ME como movimento social. Dessa forma, o ME não possui uma origem (e uma formação) classista que o coloque no centro da luta de classes, o que traz e impõe limites à organização estudantil. É através da opção política de parcela dos estudantes, prioritariamente dos seus dirigentes, que o ME se insere, ou não, na disputa geral da sociedade. Compreender esse caráter não-classista é necessário para percebemos a amplitude de sua base social, fruto de um processo histórico de exclusão dos segmentos populares. Estes elementos são fundamentais para se pensar as táticas de organização. Desta maneira, não adianta reproduzirmos métodos de organização do movimento sindical ou campesino para o ME, achando que iremos solucionar os seus problemas. O movimento estudantil deve produzir maneiras próprias de organização, o que não impede a realização de atividades em conjunto com os demais movimentos, visando troca de experiências. Durante a década de 60, o caráter do ME foi exaustivamente debatido. Existiam aqueles que defendiam a linha do ME-Partido, no qual somente os militantes de esquerda e socialista eram considerados militantes do ME. A linha majoritária considerava que o ME tinha que ser um movimento de massas, no qual todos os estudantes podiam fazer parte dele. O que não impossibilitava que aqueles (as) que eram de esquerda e socialista, disputassem as suas concepções e propostas e que o movimento pudesse ser dirigido pelos mesmos – o que de fato, o foi em quase toda a história das entidades nacionais.

Acreditamos que o ME deva ser de massas, onde todos os estudantes podem propor e construir o movimento. Contudo, não abriremos mão das nossas posições e opções: acreditamos na luta de classes e, frente a ela, temos lado e partido: o dos trabalhadores (as). Disputaremos nossa política em todos os espaços que atuarmos, pois é desta forma que disputamos hegemonia. Não escondemos de ninguém a nossa filiação e opção partidária, construindo a corrente e o partido nos movimentos sociais. É por isso que, apesar de assumirmos ser o movimento policlassista, acreditamos que as entidades devem ter lado, com nítido corte ideológico.

Voltemos à segunda particularidade do ME, a transitoriedade. Ela faz com que o movimento seja marcado por uma extrema dificuldade na transmissão de sua história,

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seus métodos de organização, suas pautas e etc. Ao contrário do movimento sindical, campesino ou partidário, nos quais seus militantes têm 10, 20,30 (...) anos de militância, o estudante não fica mais do que quatro ou cinco anos no “lócus”. Desta maneira, muitos saem da universidade sem conseguir transmitir o acúmulo adquirido em seus anos de atuação. Entender essa particularidade é muito importante na caracterização do ME e na posterior organização nas entidades e frente à sociedade. Essas duas características acima levam o ME para uma terceira particularidade, a conjuntural. O ME vem sendo determinado pela conjuntura e pouco consegue intervir e atuar nela para alcançar seus objetivos, como outros movimentos fazem. Ou seja, se a conjuntura é favorável às mobilizações, o ME pode mobilizar. Se não, ele tem pouca capacidade de sair do refluxo.

Hoje, isso torna o ME refém da realidade, dificultando que ele seja um dos sujeitos dela. Contudo, ao contrário das condições e das conseqüências de ser policlassista e transitório, a questão conjuntural pode ser superada com uma eficaz pauta e uma (re)organização das entidades estudantis, principalmente no que diz respeito a combater a falta de transmissão de sua história e experiência entre as gerações e as direções do Movimento Estudantil.

Um diagnóstico atual do Movimento Estudantil Que fatores perversos são esses, que fazem hoje as entidades nacionais, patrimônios da história, viverem uma crise que a muito deixou de ser uma crise de representatividade, chegando a ser uma crise de legitimidade? Os estudantes não só não vêem seus interesses representados, como a maioria não sabe o que é ou não reconhece UNE/UBES enquanto suas entidades, e instrumentos coletivos de organização. A sociedade não tem mais estas entidades como referências de rebeldia e contestação. Muitos acham que as entidades estudantis e o movimento como um todo, são propriedades de alguns, “os que mexem com política” ou “os estudantes profissionais” e que, portanto, não devem se aproximar nem se envolver, já que não é coisa sua. Ou passam a fazer parte das entidades para torná-las em clubes de amigos ou simplesmente entidades festivas. Mas, qual é o diagnóstico dessa crise? Ou melhor, que fatores determinam essa crise? Atribuímos, então, à crise, quatro fatores: * as especificidades próprias do ME; * a conjuntura desfavorável à organização coletiva; * a estrutura anacrônica, verticalizada, centralizada e burocrática e; * a sua atual direção imobilista e antidemocrática. Sobre as especificidades do ME, tratamos em suas características como movimento social. Salientamos que o costume da transmissão da experiência é uma das condições objetivas para evolução da organização estudantil. Além das dificuldades intrínsecas à sua lógica, o movimento enfrenta um problema comum a todos os movimentos sociais: a conjuntura desfavorável à organização coletiva. Todos os movimentos sociais sofrem, cotidianamente, a dificuldade de organizar as pessoas numa sociedade impregnada pela ideologia neoliberal, baseada na lógica do individualismo, do consumismo, do imediatismo e da competição. Nos anos 90, o único movimento que não sofreu do mal do refluxo foi o MST, que absorveu o desempregado das grandes cidades. O terceiro motivo é a estrutura da maioria das entidades, baseada no tripé assembléia-conselho-diretoria verticalizada. Essa estrutura remonta aos sindicatos pelegos da década de 50. Além de ser antiga, foi uma mera transposição do modelo sindical para o estudantil. Este tripé é importante e deve ser usado, mas enquanto único método de organização coletiva é insuficiente, pois a participação dos estudantes se restringe basicamente à decisão do voto e da maioria. Assim, não incorpora, neste

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processo, a lógica das construções permanentes, de responsabilidade com as decisões e com o acúmulo coletivo, o que acaba sobrecarregando algumas diretorias. Os GT’s – Grupos de Trabalhos - adotados por inúmeras entidades sindicais, são modelos de trabalho permanente e de acúmulo coletivo da entidade, representando formas positivas de organização. Dessa forma, UNE/UBES muito pouco evoluíram e muito pouco sua atual direção majoritária faz para mudá-las. Cabe ressaltar que a última mudança real na estrutura da UNE foi a proporcionalidade criada nas gestões Petistas. A estrutura verticalizada atual incute a lógica autoritária de poder e de responsabilidade individual com as pastas/diretorias. Nada temos contra direção e hierarquia, contudo, ela deve ser democrática. As experiências de outras entidades do movimento estudantil e da própria FASUBRA – Federação Nacional dos Técnico-administrativos nos mostra que o modelo organizativo por coordenadorias e GT’s concretiza mais eficácia, elaboração e compromisso coletivo. Existem entidades presidencialistas que adotam estruturas que visam uma descentralização do poder. O certo é que, da forma que está a estrutura, ela impede um processo de organização coletiva e plural. O ME precisa fazer este debate sobre suas estruturas. Além do debate a respeito da estrutura em si, existe o problema dos fóruns do ME. Nos últimos sete anos, somente um Conselho Nacional de Entidades de Base (CA’s/DA’s) ocorreu. Enfim, a crise estrutural da UNE é profunda. A análise mais profunda da crise de estrutura nos leva ao último diagnóstico, da crise: a atual direção majoritária da UNE/UBES e hegemônica no movimento (UJS/PCdoB). Essa estrutura reflete uma política que é encaminhada na entidade durante os últimos quinze anos. A política é a seguinte: manter o aparelho é meta prioritária e de maior importância, antes mesmo da própria mobilização estudantil. Desta maneira, a direção majoritária permanece encastelada e pouco pode influenciar nos rumos e decisões do movimento. O papel do movimento estudantil nas lutas sociais

Como movimento social organizado, a partir de uma realidade social limitada e concreta, o ME tem como seu palco principal a intervenção na educação. A disputa entre os diferentes projetos e concepções de educação guarda estreita relação com a disputa de projetos de Estado e sociedade. Dentro das instituições de ensino é possível perceber, embora muitas vezes silenciosa e camuflada pela “neutralidade educacional”, a disputa de projetos de sociedade. É importante o Movimento Estudantil elaborar e construir bandeiras e ações concretas para que possa impulsionar a unidade dos movimentos sociais, afirmando nossa pauta específica atrelada à pauta geral que aglutina os Movimentos Sociais. A luta contra a mercantilização da educação está vinculada ao combate à ALCA, o debate acerca da reforma dos currículos e do processo de formação profissional não ocorre deslocado da discussão sobre as condições de trabalho e, consequentemente, das discussões sobre a reforma trabalhista.

É dentro das escolas e universidades, através de suas realidades objetivas, que se formam e se organizam os grupos estudantis para a intervenção coletiva nos espaços. Existem grupos de estudantes que atuam em diversas outras áreas, como ONG's, sindicatos, mov. campesino e outros. Ainda assim, a maioria não se organiza. Como a própria definição de movimentos sociais coloca, é através da sua luta específica que os grupos sociais se inserem na disputa de sociedade. É a partir da disputa na sociedade com interesses em comum, que estes movimentos se tornam aliados na defesa de um projeto de sociedade. Esses aliados dependem, na maioria das vezes, das opções políticas de cada movimento.

Isso não impede que o ME seja sujeito nas grandes mobilizações sociais, nas quais todos os movimentos sociais podem cumprir um papel protagonista. Mas é inicialmente através da organização e agitação de sua pauta específica, que estes

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garantem sua capacidade de mobilização e de disputa de sociedade, pois toda pauta específica passa pelo debate sobre o modelo de sociedade pretendido.

Não podemos deixar que os debates das pautas específicas caiam na miopia política, onde as questões da educação não estão interligadas com as condições gerais da sociedade. É por isso que combatemos o “economicismo sindical”. Segundo a definição gramsciniana, a educação consiste em um aparelho privado de hegemonia. Desta forma, a disputa desse aparelho está diretamente ligada à disputa de hegemonia da sociedade.

Todos os movimentos sociais disputam parcela da sociedade. Essas disputas, em seus respectivos “lócus” de atuação, devem estar diretamente interligadas a suas concepções de sociedade. Cabe aos movimentos sociais que lutam pelo mesmo modelo de sociedade se aliarem para as disputas específicas e para as disputas gerais. Nenhum movimento social será vitorioso se carregar somente sua pauta corporativa. Dessa maneira, acreditamos que o ME deva se aliar aos trabalhadores e aos oprimidos pela superação do modo de produção capitalista. Deve ser aliado do MST pela reforma agrária, do movimento sindical na defesa dos direitos trabalhistas e sindicais, como os demais movimentos e entidades populares devem ser nossos aliados na luta pela educação pública e gratuita. O ME não pode se fechar dentro das universidades, mas não pode se esquecer das lutas específicas, pois é através da luta naquele espaço que este pode se inserir nas lutas gerais.

Rafael Pops – Vice Presidente da UNE

Mauricio Piccin – Executiva da UNE