motor induc

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Cad. Bras. Ens. Fís., v. 29, n. 1: p. 114-129, abr. 2012. 114 http://dx.doi.org/10.5007/2175-7941.2012v29n1p114 MOTOR ELÉTRICO DE INDUÇÃO: “UMA DAS DEZ MAIORES INVENÇÕES DE TODOS OS TEMPOS” +* Fernando Lang da Silveira Instituto de Física UFRGS Porto Alegre RS Nelson Luiz Reyes Marques Instituto Federal Sul-rio-grandense Pelotas RS Resumo O objetivo deste trabalho é apresentar dois projetos de motores e- létricos de indução efetiváveis em um laboratório de ensino de ele- tromagnetismo. O motor elétrico de indução, cuja patente original é de Nikola Tesla (1888), surpreendentemente está ausente nos li- vros de física geral de Ensino Médio ou Superior e, também, não é encontrado usualmente em laboratórios de ensino de física. Além da inegável importância de tal tipo de motor no cotidiano, seja nos eletrodomésticos, seja em máquinas de alta potência, ele ilustra belamente a Lei de Faraday-Lenz. Palavras-chave: Motor de indução. Lei de Faraday-Lenz. Corren- te alternada. Abstract Two projects for electrical induction motors possible to be produced in electromagnetism teaching laboratory are presented + Electrical induction motor: “one of the 10 greatest discoveries of all times* Recebido: fevereiro de 2012. Aceito: abril de 2012.

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motor trifasico

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  • Cad. Bras. Ens. Fs., v. 29, n. 1: p. 114-129, abr. 2012. 114

    http://dx.doi.org/10.5007/2175-7941.2012v29n1p114

    MOTOR ELTRICO DE INDUO: UMA DAS DEZ MAIORES INVENES DE TODOS OS TEMPOS + *

    Fernando Lang da Silveira Instituto de Fsica UFRGS Porto Alegre RS Nelson Luiz Reyes Marques Instituto Federal Sul-rio-grandense Pelotas RS

    Resumo

    O objetivo deste trabalho apresentar dois projetos de motores e-ltricos de induo efetivveis em um laboratrio de ensino de ele-tromagnetismo. O motor eltrico de induo, cuja patente original de Nikola Tesla (1888), surpreendentemente est ausente nos li-vros de fsica geral de Ensino Mdio ou Superior e, tambm, no encontrado usualmente em laboratrios de ensino de fsica. Alm da inegvel importncia de tal tipo de motor no cotidiano, seja nos eletrodomsticos, seja em mquinas de alta potncia, ele ilustra belamente a Lei de Faraday-Lenz. Palavras-chave: Motor de induo. Lei de Faraday-Lenz. Corren-te alternada. Abstract

    Two projects for electrical induction motors possible to be produced in electromagnetism teaching laboratory are presented

    + Electrical induction motor: one of the 10 greatest discoveries of all times

    * Recebido: fevereiro de 2012. Aceito: abril de 2012.

  • Silveira, F. L. da e Marques, N. L. R. 115

    in this paper. Electrical induction motors, whose the original patent was created by Nikola Tesla (1888), are surprisingly missing in general Physics textbooks for High School or for graduation courses, and are not usually found in Physics teaching laboratories. Besides the unquestionable importance of this kind of engine in everyday life, either in household appliances or in high power machines, it nicely illustrates the Faraday-Lenz law.

    I. Introduo

    Os motores eltricos de induo so usados em equipamentos das mais diversas dimenses: desde os pequenos eletrodomsticos at as grandes mquinas com potncia de muitos quilowatts.

    A inveno do primeiro motor de induo1 aconteceu no vero de 1883

    em Estrasburgo (Frana) pelo cientista e inventor srvio-americano Nikola Tesla (1856-1946). A patente do seu primeiro motor de induo aconteceu em 1888. Segundo o Tesla Memorial Society of New York Tesla's AC Induction Motor is one of the 10 greatest discoveries of all time

    2,3

    ( Acesso em: 08 abr. 2012) Na literatura especializada em eletrotcnica e eletricidade para engenhei-

    ros (por exemplo, GRAY; WALLACE, 1978; GUSSOW, 1997), nos captulos relativos a geradores e motores, os diversos tipos de motores de induo so des-

    1 Em janeiro de 1877, quando Tesla era aluno na cadeira de Fsica Terica e Experimental no Real Gymnasium em Karlstadt, sugeriu ao Prof. Poeschl que deveria ser possvel cons-truir uma mquina eltrica sem escovas e coletor (WHITE, 2003). Apesar de o professor ter Tesla em alta conta, considerou impossvel tal mquina, julgando que se constituiria em um moto-perptuo! 2 O motor AC de induo de Tesla est entre as 10 maiores invenes de todos os tempos. 3 As mquinas de induo (motores e geradores) so consideradas uma das 10 maiores

    invenes de todos os tempos, pois toda a eletrificao mundial acontecida a partir do final do sculo XIX, possibilitando a Segunda Revoluo Industrial, dependeu (e hoje ainda depende) delas. No final da dcada de 80 e incio de 90 do sculo XIX, houve a nada tica guerra das correntes, digladiando-se Thomas Edison (defensor da corrente contnua) e George Westinghouse (defensor da corrente alternada). A corrente alternada preponderou e sem a tecnologia idealizada por Tesla, registrada em quase 300 patentes, no teria sido possvel a era da eletricidade que ento se iniciou. Tesla no usufruiu financeiramente destas patentes como poderia, morrendo com 87 anos, em 1943, na pobreza em um quarto de hotel (WHITE, 2003).

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    critos, privilegiando uma abordagem tcnica do assunto. Entretanto, os motores de induo esto ausentes (sequer so mencionados!) nos livros-texto de fsica geral por ns conhecidos, seja de Ensino Mdio ou Superior, nem tampouco fazem parte dos laboratrios de ensino de fsica. Na literatura especializada em ensino de fsica, encontramos um artigo que trata, entre outros temas, do motor de induo, abor-dando-o atravs de uma matemtica que envolve equaes diferenciais de segunda ordem (SASLOW, 1987), carecendo de uma discusso conceitual e qualitativa.

    O objetivo deste artigo apresentar dois motores de induo que podem ser facilmente construdos em um laboratrio de eletromagnetismo. Os fundamen-tos tericos de tais motores, onde a Lei de Farady-Lenz de capital importncia (alm de outros tantos conhecimentos de eletromagnetismo), tambm sero discu-tidos sucintamente, em nvel acessvel a um estudante de fsica geral em uma dis-ciplina elementar de eletromagnetismo. Deixando, para os apndices, detalhes um pouco mais elaborados do ponto de vista matemtico, privilegiamos, no texto prin-cipal, os aspectos conceituais envolvidos na compreenso destas mquinas.

    II. Um motor de induo

    O nosso motor de induo monofsico em tenso de alimentao. Por-tanto, pode ser conectado a uma fonte com sada em baixa tenso alternada. Utili-zamos efetivamente uma antiga fonte Bender (encontrada em muitos laboratrios de fsica geral at hoje); desta fonte podem-se demandar correntes eltricas com intensidades de at 5 A, valor este que, como veremos adiante, compatvel com o nosso motor.

    Para construir o motor, utilizamos uma bobina Leyboldt com 500 espiras e outra com 250 espiras (dimetro externo da bobina: 7,5 cm; comprimento da bobina: 7,1 cm) e ncleos de ferro laminado com seo reta quadrada (dimenses dos ncleos: 4 cm por 4cm por 15 cm); adicionalmente, tambm fez-se necessrio um capacitor

    4 com capacitncia de 100 F. Da bobina de 250 espiras, foram efeti-

    vamente utilizadas apenas 125 espiras. O rotor (espira rotora) do motor constitui-se em um anel (coroa cilndri-

    ca) de alumnio com dimetro interno de 3,5 cm, espessura da parede de 2 mm e largura de 1 cm (a coroa foi obtida serrando-se um cano de alumnio). O anel

    4 Tal capacitor pode ser facilmente adquirido no comrcio especializado em equipamentos

    eltricos por cerca de R$ 20,00. O capacitor que efetivamente utilizamos um capacitor de partida de mquina de lavar roupa.

  • Silveira, F. L. da e Marques, N. L. R. 117

    teve perfurada a sua parede em dois pontos diametralmente opostos, passando-se por eles um fio de ao fino, permitindo assim a rotao do anel em torno deste eixo, o qual, por sua vez, apoiado em um suporte

    5.

    A Fig. 1 apresenta uma fotografia do motor (duas bobinas, capacitor, espi-ra rotora), bem como a fonte Bender em segundo plano.

    Fig. 1 - O motor de induo monofsico com um capacitor, em srie com

    uma das bobinas. Conforme se observa na Fig. 1, as duas bobinas esto posicionadas de

    maneira que os campos magnticos por elas produzidos estejam cruzados no espa-

    5 O suporte constitudo por um fundo de garrafa pet sobre o qual se apoia o eixo da espira.

    Massa de modelar impede que o eixo desencaixe e gruda o fundo da garrafa no ncleo de ferro.

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    o onde est posicionada a espira rotora. A bobina superior de 500 espiras, junto com o capacitor associado em srie com ela, constituiu o que denominaremos ramo superior, sendo os seus terminais conectados aos terminais da fonte. A bobi-na de 125 espiras constitui o ramo inferior, que tem os seus terminais tambm conectados diretamente fonte. Assim sendo, quando a fonte ligada, ambos os ramos deste circuito (que esto associados em paralelo) so alimentados em tenso alternada no superior a 12 V, e a espira rotora passa a se movimentar, girando, em seguida, em alta rotao. Um vdeo do motor pode ser visto em . (Acesso em: 08 abr.2012).

    No apndice II, apresentamos outro motor, o qual utiliza, no lugar do ca-pacitor, um resistor.

    Nas prximas sees, discutiremos alguns aspectos tericos relacionados ao motor de induo.

    III. O campo magntico girante

    Para efetivar um motor de induo, de capital importncia a produo de um campo magntico que gire. Campos magnticos pulsantes (oscilantes) so facilmente gerados por bobinas alimentadas com corrente eltrica alternada (CA). O campo magntico em um ponto prximo a uma bobina com tal alimentao oscilar em fase com a CA, cuja frequncia 60 Hz. Se considerarmos um ponto sobre o eixo de simetria de uma bobina, haver uma induo magntica orientada segundo o eixo da bobina, que ter sua intensidade e seu sentido variando harmo-nicamente no tempo com perodo de 1/60 s.

    Assim, no ponto em que as retas horizontal e vertical (correspondentes aos eixos das bobinas superior e inferior, respectivamente) se interceptam, haver uma induo magntica resultante B, obtida atravs da soma vetorial das indues magnticas BHorizontal produzida pela bobina superior e BVertical produzida pela bobina inferior. Se ambas as bobinas forem alimentadas em CA, estas componen-tes sero ambas oscilantes.

    A Fig. 2 representa as duas bobinas (supostas idnticas) percorridas pelas correntes eltricas senoidais, cujos grficos em funo do tempo esto traados esquerda: i(t) com fase inicial nula, para a bobina superior, enquanto que, para a bobina inferior, consideramos duas correntes eltricas i1(t) e i2(t) com fases iniciais no nulas e distintas. A fase inicial para i1 corresponde a de ciclo (ou 90); a fase inicial para i2 corresponde a 1/8 de ciclo (ou 45).

    Na regio contgua a ambas as bobinas (local apropriado para localizar a espira rotora), correspondero, portanto, duas composies distintas,

  • Silveira, F. L. da e Marques, N. L. R. 119

    B1 = BHorizontal + BVertical 1 ou B2 = BHorizontal + BVertical 2, para as indues magnticas resultantes, dependendo se a corrente que circula pela bobina inferior for i1 ou i2 respectivamente. Se o ponto considerado for equidistan-te de ambas as bobinas, a situao ser aquela apresentada na Fig. 2, onde B1 e B2 so ambos girantes, isto , mudam de orientao circulando periodicamente, sendo que o primeiro tem intensidade constante, enquanto que o ltimo tem intensidade varivel.

    Dessa forma, mostramos que um campo magntico girante pode ser obti-do se a diferena de fase inicial entre as correntes eltricas for no nula; entretanto, para que se estabelea um campo girante com intensidade pouco varivel, a dife-rena de fase inicial dever ser de aproximadamente de ciclo (ou 90).

    Fig. 2 - Duas bobinas geram um campo magntico girante caso as cor-

    rentes eltricas que as percorrem tenham fases iniciais diferentes.

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    IV. Como obter correntes eltricas defasadas no tempo

    Como bem sabido, a corrente eltrica e a tenso sobre um particular e-lemento podem no estar em fase: em um elemento puramente resistivo, de fato esto em fase; em um elemento puramente indutivo, a corrente se atrasa um quarto de ciclo em relao tenso no elemento; em um elemento puramente capacitivo, a corrente se adianta um quarto de ciclo em relao tenso no elemento.

    Uma bobina se constitui em um elemento que possui resistncia eltrica e indutncia. Na bobina de 500 espiras que utilizamos, com ncleo de ferro, a sua reatncia indutiva (cerca de 40 ) muito maior do que a sua resistncia eltrica (cerca de 2,5 ). Na bobina de 125 espiras, tambm a reatncia indutiva (cerca de 2,6 ) excede em muito a sua resistncia eltrica (cerca de 0,3 ). De um modo geral, em bobinas com ncleo de ferro, tal situao costuma acontecer. A prepon-derncia da reatncia indutiva sobre a resistncia eltrica determina um grande retardo prximo de de ciclo ou 90 da corrente eltrica em relao tenso de alimentao.

    Se um capacitor for colocado em srie com uma bobina, ambas as reatn-cias se subtraem. Se a sua reatncia capacitiva tiver valor semelhante ao da reatn-cia indutiva, elas quase se anulam, e em consequncia a tenso sobre a associao em srie dos dois elementos ter uma pequena defasagem em relao corrente eltrica

    6. Portanto, possvel alterar a defasagem entre a corrente eltrica e a ten-

    so pela introduo de um capacitor em srie com a bobina, sendo isto efetivado em nosso motor. No ramo onde se encontram a bobina e o capacitor, dado que suas reatncias so semelhantes (de fato a reatncia capacitiva um pouco maior do que a reatncia indutiva em nosso motor

    7), a corrente eltrica e a tenso esto quase em

    fase. O outro ramo, que contm apenas a bobina, apresenta (conforme exposto no pargrafo anterior) uma defasagem de cerca de de ciclo entre a tenso e a cor-rente. Dessa forma, apesar de os dois ramos estarem sendo alimentados com a mesma fase em tenso (dado que eles esto em paralelo e ligados cada um mes-ma fonte), apresentam correntes eltricas com defasagem de cerca de de ciclo ou 90 e, ento, na regio onde se encontra o rotor, produzido o campo magntico

    6 No caso das duas reatncias terem efetivamente o mesmo valor, a defasagem nula e, tecnicamente, diz-se que a bobina e o capacitor esto em ressonncia. 7 Conforme apresentamos no Apndice I, a reatncia indutiva 39 e a reatncia capacitiva 42 .

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    girante. O motor dito MONOFSICO8, pois a alimentao em tenso monof-

    sica, sendo bifsico nas correntes eltricas que circulam nas bobinas. No apndice I, apresentamos as medidas realizadas no motor com o obje-

    tivo de testar se a reatncia capacitiva semelhante reatncia indutiva e, tambm, de avaliar, apenas com um multiteste, a defasagem entre as correntes nas duas bobinas. De acordo com aqueles clculos o nosso motor apresenta uma defasagem de 93 entre ambas as correntes eltricas, situao quase ideal para a produo do campo magntico girante.

    No apndice II, apresentamos outra forma de defasar as correntes eltricas nos dois ramos sem a utilizao de um capacitor, usando-se um resistor.

    V. Torque exercido no rotor e o movimento do rotor

    O rotor est imerso em uma regio na qual existe um campo magntico gi-rante e, devido s variaes de fluxo magntico atravs da espira, segundo a Lei de Faraday-Lenz, ocorre uma fora eletromotriz (fem) induzida. Como a espira condutora, estabelecer-se- uma corrente eltrica induzida e, portanto, a espira apresentar um momento de dipolo magntico m (vide Fig. 3). O momento de dipolo magntico um vetor perpendicular ao plano da espira, com orientao obedecendo regra da mo direita, cuja intensidade proporcional rea A delimi-tada pela espira e intensidade i da corrente eltrica nela induzida. Se a espira estiver sujeita a uma induo magntica B externa a ela, ocorrer um torque mag-ntico B igual ao produto vetorial de m por B. Caso a espira possa girar, este tor-que tende a alinhar o vetor m com o vetor B.

    No caso do motor de induo, como o campo magntico no esttico, o alinhamento de m com B somente aconteceria se a espira girasse com a mesma velocidade angular do campo. Logo, a espira rotora persegue o campo, girando cada vez mais rpido; caso o rotor girasse de tal forma que a velocidade do campo em relao a ele fosse nula, no mais haveria variaes de fluxo magntico e, con-sequentemente, a fem e a corrente induzida seriam nulas. Entretanto, mesmo que o rotor gire livre, h necessidade, para manter a sua velocidade angular constante, de um torque magntico que contrabalance a resistncia mecnica rotao. Por-tanto, mesmo livre, o rotor nunca poder girar com a mesma velocidade angular

    8 Motores eltricos POLIFSICOS tm em suas diferentes bobinas (2 ou mais bobinas)

    alimentao em tenso com fases diversas.

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    do campo, embora possa atingir uma rotao com frequncia semelhante9 do

    campo (para o nosso motor, a frequncia de rotao do campo 60 Hz). No caso de aumentar a resistncia mecnica da rotao, diminuindo, ento, a velocidade angular do rotor, aumenta a velocidade do campo magntico em relao ao rotor, crescendo a fem induzida e a corrente eltrica induzida, e, consequentemente, ocorrendo um torque magntico maior.

    Fig. 3 - Espira com corrente eltrica imersa em um campo magntico so-

    fre torque magntico. No apndice III, calculamos o torque magntico sobre o rotor e justifica-

    mos quantitativamente as afirmaes feitas nesta seo.

    VI. Concluso

    O estudo dos motores de induo monofsicos um excelente tema para por em prtica um conjunto de conhecimentos do eletromagnetismo, ilustrando de maneira surpreendente a Lei de Faraday-Lenz

    10. Entretanto, o tema est ausente

    dos livros de fsica geral dos ensinos superior e mdio. Tal tipo de motor pode ser ligado na rede eltrica normalmente disponvel em qualquer residncia, sendo inquestionvel a sua presena e importncia no nosso cotidiano.

    9 Uma medida com luz estroboscpica revelou que o rotor de nosso motor girava livre com frequncia de aproximadamente 50 Hz. 10 Nossos alunos (e alguns colegas professores tambm) demonstraram espanto ao visualiza-rem a espira rotora operando sem condutores que a conectem ao restante do sistema. A surpresa justificvel, pois o nico conhecimento que eles parecem possuir sobre motores de CC, onde so indispensveis as conexes eltricas entre o rotor e a fonte de alimentao.

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    A utilizao do motor de induo monofsico, no laboratrio de ensino de uma disciplina elementar de eletromagnetismo, permite discutir de uma forma atraente vrios tpicos, tais como: aplicaes da Lei de Faraday-Lenz, a ocorrncia de torque magntico sobre uma espira ou sobre uma bobina com corrente eltrica imersa em campo magntico, a defasagem usualmente existente entre a corrente eltrica e a tenso de alimentao em sistemas reativos, a composio de campos oscilantes para se produzir um campo girante, e a utilizao de capacitores ou de resistores associados com bobinas para alterar a fase da corrente eltrica. Medidas eltricas nos diversos elementos dos motores que construmos ensejam a demons-trao de aparentes violaes das Leis de Kirchoff para circuitos eltricos e a ne-cessidade de tratar tais medidas no como escalares, mas como fasores.

    Nas sees principais deste texto, procuramos uma abordagem conceitual para o funcionamento dos motores propostos, remetendo para os apndices os detalhes tericos e matemticos necessrios ao aprofundamento um pouco maior dos assuntos envolvidos. A nossa expectativa, ao tratarmos de maneira prtica e conceitual estes temas, a de facilitar aos estudantes a apreenso de tais tpicos, mostrando a sua relevncia para a tecnologia, auxiliando no esclarecimento de certas dvidas que costumeiramente ocorrem na aprendizagem do eletromagnetis-mo.

    Visto que o tema dos motores eltricos de induo de extrema relevn-cia terica e prtica, encontrando-se agora ausente no ensino de fsica, acreditamos que este trabalho possa despertar o interesse para ele

    11, introduzindo-o na nossa

    discusso acadmica.

    Agradecimento

    Agradecemos Profa Maria Cristina Varriale, do IM-UFRGS, pela leitura criteriosa e pelas importantes contribuies. Aos rbitros do CBEF, somos gratos pelas sugestes que permitiram aprimorar o artigo.

    Referncias bibliogrficas

    GRAY, A.; WALLACE, G. A. Princpios Eletrotcnica. Rio de Janeiro: LTC, 1978.

    11

    Enviamos para a CIDEPE ( Acesso em: 08 abr. 2012) o projeto do motor de induo. Segundo os responsveis pela produo dos materiais, em breve, tal motor far parte dos seus equipamentos de eletromagnetismo.

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    GUSSOW, M. Eletricidade Bsica. So Paulo: Pearson Education, 1997.

    HALLIDAY, D.; RESNICK, R.; WALKER, J. Fundamentos de Fsica. Rio de Janeiro: LTC, 2009. v. 3

    NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Fsica Bsica 3 - Eletromagnetismo. So Paulo: Edgard Blucher, 1997.

    SASLOW, W. M. Eletromechanical implications of Faradays law: A problem collection. Am. J. Phys., v. 55, n. 11, p. 986-996, 1987.

    WHITE, M. Rivalidades produtivas. Rio de Janeiro: Record, 2003.

    Apndice I - Avaliando a quase ressonncia da bobina com o capacitor e a defasagem entre as correntes eltricas nas duas bobinas

    Conforme exposto na seo 4, deseja-se uma pequena defasagem entre a tenso eltrica sobre a associao em srie da bobina com o capacitor e a corrente eltrica que acontece nesta associao, ou seja, a bobina e o capacitor devem estar em regime de (quase) ressonncia. Apenas com um multiteste possvel fazer as medidas necessrias para investigar se est ou no ocorrendo o comportamento desejado; para efetivar os clculos que completam a investigao, necessita-se de uma teoria elementar sobre circuitos de CA, especialmente o tratamento fasorial para tais medidas, conforme encontrado em textos de fsica geral (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 2009; NUSSENZVEIG, 1997). O resultado da investiga-o pode conduzir a que se utilize outro capacitor em srie com a bobina, caso seja verificado que o sistema est longe da ressonncia. Exemplificaremos com o nosso motor.

    Mediu-se a tenso eltrica eficaz sobre a bobina com um multiteste, sobre o capacitor e sobre a associao de ambos, resultando, respectivamente, 76,3 V, 71,0 V e 10,8 V. A figura 4 representa a associao em srie da bobina de 500 espiras com o capacitor (ramo superior), em paralelo com a bobina de 125 espiras (ramo inferior), ambos os ramos excitados pela fonte CA de 10,8 V, 60 Hz. Alm das medidas de tenso eficaz, apresentamos, tambm, as medidas de corrente efi-caz na fonte (4,4 A), no ramo superior (1,8 A) e no ramo inferior (4,1 A).

  • Silveira, F. L. da e Marques, N. L. R. 125

    Fig. 4 - Medidas de tenso eficaz e intensidade da corrente eltrica eficaz

    em diversos componentes do motor. Os valores explicitados na Fig. 4 aparentemente violam as Leis de Kir-

    choff. De fato, as Leis de Kirchoff so aplicveis aos valores instantneos de cor-rente e tenso. Como nossas medidas so de valores mdios (valores rms ou efica-zes), estes devem ser tratados no como escalares, mas como fasores. A Fig. 5 representa, no lado esquerdo, o diagrama de fasores para as tenses no ramo supe-rior. O fasor de tenso eficaz no capacitor

    12 (76,3 V) est quase em oposio

    13 ao

    fasor de tenso eficaz na bobina14

    (71,0 V) e a soma vetorial de ambos resulta no

    12 Dividindo-se a tenso eficaz no capacitor pela corrente eficaz se obtm a reatncia capaci-tiva (42 ). 13

    A no oposio perfeita de ambos os fasores se d devido existncia de resistncia eltrica na bobina. 14

    Dividindo-se a tenso eficaz na bobina pela corrente eficaz, obtemos a sua impedn-cia (37 ). O quadrado da impedncia igual soma do quadrado da resistncia de bobina com o quadrado da sua reatncia indutiva. Como a resistncia da bobina 2,5 , a sua reatncia indutiva resulta em 37 (aproximadamente igual impedncia da bobina).

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    fasor de tenso total sobre a associao em srie (tenso eficaz na fonte que vale 10,8 V). Como os valores de tenso eficaz na bobina e no capacitor so semelhan-tes, est configurada a quase ressonncia deste ramo, conforme era desejado.

    Fig. 5 - Diagrama de fasores para as tenses eltricas eficazes e as inten-

    sidades das correntes eltricas eficazes. A Fig. 5 tambm representa, no lado direito, os fasores para as correntes

    eltricas eficazes nas duas bobinas e na fonte. Calculando-se o ngulo entre os fasores que representam as intensidades das correntes eficazes nas duas bobinas, encontra-se 93, caracterizando a desejada defasagem de cerca de de ciclo.

    Apndice II - Defasando as correntes eltricas nos dois ramos com um resistor

    Outra maneira de produzir a defasagem entre as correntes eltricas nas duas bobinas associar, em srie com uma das bobinas, um resistor com resistn-cia eltrica suficientemente grande (adiante esclareceremos mais sobre o valor da resistncia). Conforme exposto na seo 4, a defasagem entre a corrente eltrica e a tenso em bobinas com ncleo de ferro usualmente prxima de de ciclo. En-to, se um resistor com resistncia maior do que a reatncia indutiva da bobina for associado em srie com a bobina, ocorrer uma reduo da defasagem entre a cor-rente eltrica e a tenso sobre toda a associao. A foto da Fig. 6 mostra o motor com uma bobina com 250 espiras (reatncia indutiva cerca de 10 ) associada em

  • Silveira, F. L. da e Marques, N. L. R. 127

    srie com um aquecedor eltrico15

    de gua (resistncia eltrica de aproximadamen-te 30 que, quando banhada em gua, pode dissipar a potncia de 400 W). A outra bobina tem 500 espiras, e ligada diretamente fonte que alimenta os dois ramos com tenso alternada de 80 V. Um vdeo do motor em funcionamento pode ser visto em . (Acesso em: 08 abr. 2012).

    Fig. 6 - Motor de induo monofsico com resistor em srie com uma das bobinas.

    Avaliamos a defasagem entre as correntes nas duas bobinas pelo mesmo procedimento utilizado no apndice I, resultando em 77. Apndice III - Calculando o torque magntico exercido no rotor

    Para calcularmos o torque magntico na espira, admitiremos que ela gire com velocidade angular constante E menor do que a velocidade angular da

    15 O aquecedor eltrico est oculto, no interior da latinha de cerveja, imerso em gua.

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    induo magntica B. Assim sendo, no sistema de referncia da espira, o campo magntico gira com uma velocidade angular relativa espira rel igual a ( - E). Adicionalmente, usaremos um modelo para a espira rotora que desconsidera sua autoindutncia e, portanto, negligencia a sua reatncia indutiva16.

    De acordo com a situao descrita no incio da Seo 5, e ilustrada na Fig. 3, o torque magntico B exercido sobre o momento de dipolo magntico m na espira, em resposta a uma induo magntica externa B, obtido por

    B, m = B (1) cujo mdulo dado por

    sen.B.mB , (2) onde o ngulo entre B e a normal ao plano da espira.

    Por outro lado, representando por i a intensidade da corrente eltrica indu-zida na espira que delimita uma rea A, tem-se que

    ,.R. = m A Ai

    (3)

    onde R a resistncia eltrica da espira (estamos desprezando a sua reatncia indu-tora), e a fora eletromotriz (fem) induzida na espira.

    Substituindo este resultado na eq. (2), obtemos que

    .R

    sen.B..BA

    (4)

    A fora eletromotriz (fem) induzida na espira dada pela Lei de Fara-day-Lenz:

    Bdtd , (5)

    onde B o fluxo magntico atravs da espira que depende de B, A e atravs de cos.B.B A ,

    donde

    16

    Pelas dimenses da espira rotora, e dado que ela constituda por alumnio, podemos estimar a sua resistncia eltrica R em 1,5.10-4 e a sua autoindutncia L em 3,2.10-8 H. A reatncia indutiva XL em 60 Hz , portanto, 1,2.10-5 . Dessa forma, mesmo na partida do rotor, quando a frequncia do campo magntico girante em relao espira mxima, tem-se R>> XL, e, portanto, um modelo que desconsidere a autoindutncia do rotor adequado para o nosso motor.

  • Silveira, F. L. da e Marques, N. L. R. 129

    dtd.sen..B A . (7)

    Assim, substituindo (7) em (4), escrevemos o mdulo B do torque mag-ntico, sob a forma

    dtd.

    RsenB

    222

    BA

    . (8)

    Mas a derivada de em t a velocidade angular relativa rel, ou seja,

    reldtd

    (9)

    donde (t) = (0) + rel t. (10)

    Finalmente, supondo que em t = 0 a induo magntica B seja perpendicu-lar ao plano das espiras, tem-se que (0) = 0, e a expresso (8) pode ser reescrita como

    ,t.sen.R

    .B.A rel2rel

    22

    B

    (11)

    ou, ainda, ,t.sen. rel

    2mxBB (12)

    onde

    .R

    .B.A rel22

    mxB (13)

    A expresso (12) implica que o torque magntico no rotor, apesar de ser varivel em intensidade, sempre positivo, isto , ocorre sempre no mesmo senti-do; tal sentido o da rotao do campo magntico.

    A expresso (13) mostra que, quanto menor for a velocidade angular rela-tiva rel, isto , quanto mais prxima a velocidade de rotao da espira E da velocidade de rotao do campo magntico , tanto menor o torque magntico exercido na espira.

    As afirmaes feitas na seo 5 esto, assim, justificadas quantitativamen-te.