mosteiro de odivelas

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  • O MOSTEIRO

    DE ODIVELLAS

  • O MOSTEIRODE

    ODIVELLASCASOS DE REIS

    E MEMORIAS DE FREIRAS

    POR

    A. C. Borges de Figueiredo

    LISBOA

    LIVRARIA FERREIRA132134, Rua urea, 136138

    1889

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    %

    U BOO .B

  • O real mosteiro cTOdivellas hecom raza estimado pelo de maiormagnificncia que tem o reino.

    Fr. Fran. Brando, Mon. Lus.,V. xvn, 2.

    As Freiras so mais sogeitas sinconstancias que todas as maismolheres

    ;porque o corpo prezo

    faz o corao inquieto.

    Fr. Pedro de S, numa carta.

  • PREFACIO

    Esta monographia do mais clebre mosteiro de frei-ras, que houve em Portugal, no poderia ter sido com-posta devidamente, se o illustre Ministro da Jazendaio sr. Conselheiro Marianno Cyrillo de Carvalho, nohouvesse auctorisado a minha residncia alli durantealgum tempo, pelo que exaro neste logar um publicoe sincero testemunho da minha gratido.

    Durante essa estada em Odivellas, poude eu estudardetidamente o edifcio, o que foi uma das principaes

    bases para a elaborao do presente livro, em que bus-quei, a par da descripo exacta do mosteiro, dar a co-nhecer o que foi em geral um convento feminil, e par-ticularmente este, com sua historia e tradices, seus

    usos e costumes, e suas feies peculiares.

    Haja ou no conseguido o meu fim, tenho a con-scincia de ter sempre dicto a verdade.

    Lisboa, 14. de outubro de 1888.

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    HUli\ s

    CAPITULO I

    Motivo da fundao do mosteiro D. Dinis e o urso de Belmonte S,Luis bispo de Tolosa e S.Dinis bispo de Paris Carta do rei aoabbade de Cister Fundao do mosteiro Pao de Odivellas,Dotao, doaes e legados Constituies e reformas.

    UASI todos os nossos antigos escriptores,que de coisas portuguezas trataram, nos fa-lam do Mosteiro de Odivellas ; mas, entre

    todos, apenas um chronista nos .deixou desenvolvida

    noticia da fundao d'essa casa claustral, que, se por

    vrios motivos foi notvel em seus incios, muito maisnotvel por outras razes se tornou em tempos mais

    prximos de ns. Esse chronista foi fr. Francisco Bran-do. Este bernardo deixou todavia tanto a discutir

    e a apurar nos quatro captulos que dedicou ao mos-

    teiro, que s quem escreve com o fim exclusivo de alar-dear dotes litterarios, poder basear, sem outra averi-guao, suas noticias sobre a narrativa da MonarchiaLusitana. No quero dizer com isto que se ponha departe tudo quanto o monge de Alcobaa diz da funda-o do mosteiro; porm que indispensvel preencher

  • 2 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. I

    muitas lacunas que deixou, corrigir varias informaes

    que ministra, e averiguar melhor alguns factos que men-

    ciona. Ter d'isto provas o leitor, que quizer acompa-nhar-me nas investigaes do motivo que determinou

    el-rei D. Dinis a fundar o mosteiro de Odivellas.

    raro que fundao dum antigo mosteiro, como fundao d'uma monarchia medieval, no andem li-gadas muitas peripcias mais ou menos dignas de nota,

    e algum maravilhoso successo, que enche de consolao

    os beatos e causa admirao aos parvos. fundaoda monarchia portugueza presidiu nosso senhor JesusChristo, o mosteiro de Nossa Senhora de Monserrate

    teve origem num milagre, e a cathedral da Colnia foi

    construda com o auxilio de Satanaz. Na edade media,Deus e o Diabo intromettiam-se sempre a meias nascoisas d'este mundo.

    Foi tambm o mosteiro de S. Dinis de Odivellas,segundo a opinio de vrios escrip^ores, fundado emconsequncia dum milagre. O chronista bernardo refe-re-o; mas, facto curioso por estranho, no parece dar-

    lhe grande credito; antes se inclina a ser outro o mo-

    tivo que moveu o rei lavrador a acrescentar mais uma

    s j muito numerosas casas da regra de S. Bernardo.Eu, porm, que encontro prazer em conservar antigasmemorias, embora no ponto sujeito seja do parecerde fr. Francisco Brando, para o que tenho poderosasrazes, vou referir o milagre.

    Como se sabe, nossos reis, como todos os reis, ti-

  • O I O MOSTEIRO DE OD1VELLAS

    Iveram sempre muita predileco pela caa: a caa doveado, da lebre, do coelho, com regimentos de molos-sos, de galgos, de fures; a caa daltanaria, com umacaterva de gavies, de falces, de nebrs e gerifaltes;a caa dos animaes ferozes, do javardo, do lobo, dourso, com um arsenal de bestas, lanas, chuos, de ve-nabulos de toda a sorte; finalmente a caa d'outro ani-mal, muito mais feroz que todos os restantes, o ho-

    mem, com todos os petrechos das armas, do dinheiro,da malcia e da traio.

    Ora, uma vez o sbio rei D. Dinis andava caa,no se sabe bem de que espcie de bichos, quando nositio de Belmonte, da freguezia de S. Pedro de Poma-res, seguindo a cavallo, subitamente se lhe deparou, ao

    p duns penedos na ribeira de Odiana, um enormeurso, cuja corpulncia e ferocidade era de grande no-meada por aquelles contornos. As proezas do urso deBelmonte haviam-se j tornado lendrias; as comadrescontavam-nas, ao sero, quando alguma vez se cansa-vam de falar na vida alheia. Seguia o rei ao urso por

    largo espao j, quando repentinamente deixou de ver

    a fera, que, escondendo-se numa quebrada, traioeira-

    mente se arremessou sobre o seu perseguidor, quando

    este passava. Foi tal a violncia com que o urso lhe

    lanou as garras, que fez cair o cavalleiro por terra,

    onde, mettendo-o debaixo de si, o segurou com seus

    msculos de ao. Em conjunctura to terrvel esque-ceu-se o rei de que tinha inteiramenete livre o brao

  • 4 O MOSTEIRO DE ODIVEI.LAS C. I

    direito, e de que tinha um punhal cinta; esqueceu-se

    de tudo, vendo escancarada e bafejando-lhe o rostouma hedionda guella d'onde saa um rugido de selv-

    tica alegria. D. Dinis s se lembrou de invocar a S.

    Luis bispo de Tolosa, afim de que intercedesse para

    conseguir de Deus que o livrasse das unhas e dos den-

    tes do urso. Muito depressa, segundo parece, chegamao co as invocaes dos devotos, muito depressavo os santos ter com o Padre Eterno, e muito depressa

    advogam elles a causa do seu cliente ! Se os nossosadvogados imitassem os santos ! Eu admiro profunda-mente a rapidez com que l no co se fazem estascoisas, e sobretudo que o Padre Eterno tenha pacin-cia para aturar tantas maadas. Apenas acabara arogatiua (diz Brando), quando o Santo Bispo lhe ap-pareceu, & animou, dizendo-lhe que tirasse o punhal,& matasse o Vsso. Parece que seria mais simples queo prprio bispo sancto, j que tinha corrido em soc-corro do seu devoto, fizesse a obra por completo ematasse a fera com uma cajadada do seu bculo.D'este modo teria elle todo o mrito da salvao dorei; mas, nota-se, por este grave acontecimento, que S.Luis de Tolosa achou prudente no se approximarmuito do terrvel urso de Belmonte. Talvez, porm, queo sancto ficasse com alguns alanceamentos de remorsopor no haver tomado uma parte mais activa na mortedo bicho que derrubara o seu devoto; e parece isto cri-vei, porque d'outra vez emendou a mo, quando em

  • C. I O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 5

    Beja resuscitou um falco que D. Dinis estimava comoos olhos da cara. por ser o principal instrumentode seu alivio. O que certo que o rei, apenas ou-viu o conselho do seu advogado, desembainhou o pu-nhal, e cravou-o no corpo da fera, que perdeu a vidanum arranco doloroso.

    O pesado chronista cisterciense por mais esforosque empregou no poude conformar a lenda com o factode ser o mosteiro da invocao de S. Dinis, o celebrebispo de Paris. E elle de parecer, em summa, quecomo o aperto foi grande, nelle se lembrou, & valeoelRey de ambos os Santos, Sa Dinis & Sa Luis,hum como patro, & protector seu, & outro por deua-ao mais fresca. Esta fresca conciliao fica por conta

    do monge de Cister, que para isso allega muitas e gra-ves coisas; egualmcnte lhe deixo a honra da ideia dehaver D. Dinis fundado o mosteiro para nelle reco-

    lher as duas filhas bastardas que teve, ponto acerca

    do qual mais ao diante tenho de conversar de espaocom fr. Francisco Brando.

    muito provvel, seno a verdade em toda a simple-za, que D. Dinis fundou Odivellas por mero acto de devo-

    o para com o seu patrono. Como quer, porm, quefosse, o facto que na carta de confirmao do institu-

    to e constituies do mosteiro 1 se declara unicamente

    1 Confirmacam do bispo dom Joham de todas lias cousas hordc-nadas por elRey dom denis acerqua do dicto moesteiro dodivellas.de 27 de fevereiro de 1295. L. II dos Dourados, f. 114-116, Arch. Nac.

  • O O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. I

    ser elle fundado em honra de Deus, da Santssima Vir-

    gem sua me, e de todos os santos, e especialmente dosSantos Dionsio e Bernardo, pelas almas do rei e da rai-

    nha, dos seus pes e successores, e em remisso de

    seus peccados. Se possvel ainda apurar mais al-

    guma coisa, a respeito da fundao, de varias passa-gens das constituies exaradas na carta alludida, ap-

    proximando certos factos e monumentos, no o digoagora; esse apuramento fica para outro logar, com o

    que nada perde o leitor, ganhando muito a disposioda matria.

    O que se sabe que D. Dinis mandou um dia de-clarar a Roberto, abbade de Cister, em Frana, a in-teno que tinha de fundar um convento da regra de

    S. Bernardo, e pedir-lhe a sua cooperao. E isto oque simplesmente se colhe da carta de agradecimentodirigida ao rei por fr. Roberto, a qual tem a data an-

    nual de 1594, mas que se collige ter sido feita no mez

    de setembro, visto determinarem as constituies da or-dem que em tal mez se realisasse o capitulo geral,.

    e

    ter-se feito em capitulo a carta. Nesta dizia o abbade5$er: ha poucos dias que no nosso capitulo geral,

    5 venervel co-abbade de Alcobaa, enviado darte da Vossa Magnificncia por causa d'alguns ne-

    gcios, que expoz com tanta elegncia como fidelida-de, nos deu mais particularmente conhecimento de quea discreta serenidade de Vossa Real Magnificncia de-terminou fundar nesse vosso reino, no logar chamado

  • C. I O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 7

    Odivellas, um mosteiro de religiosas, onde, conformeo estatuto da nossa ordem, possam viver em clausuraperpetua ; e que o necessrio para a obra j se achapela maior parte preparado no dicto logar, com todaa prudncia e fidelidade da vossa parte, segundo af-firmou o abbade, o qual nos pediu segredo neste ne-gocio, por causa da m vontade dos invejosos e da per-versidade dos malignos.

    Da carta de fr. Roberto, como do que se viu da deconfirmao, no se pode inferir outra coisa seno que orei queria praticar um acto de devoo. Fr. FranciscoBrando diz claramente que o rei declarara ao abbadede Alcobaa, Domingos Martins, o seu intento muito emsegredo para que no se erguessem contradictorias aoseu desejo. Isto no exacto: o que a carta diz queDomingos Martins pediu segredo; e, em verdade, eraesse que tinha interesse cm que se no fallasse muito no

    negocio. Como se sabe, entre as ordens religiosas sem-pre reinou discrdia, procurando cada uma elevar-se e

    engrandecer-se, e deprimir as outras. Bem certo orifo, que diz o meu maior inimigo o official domeu officio.

    Estando assim tudo preparado para a fundao,restava apenas effectuar-se esta. Ningum ignora quedo dizer ao fazer vae grande distancia; pois nem sem-pre, por maior que seja o ardor do desejo e a sua con-stncia, se podem vencer as difficuldades da execuo.

  • O MOSTEIRO DE ODIVELLAS

    Mas, no caso subjeito, tudo correu optimamente; no

    s porque, sem duvida, havia muita gente de impor-

    tncia interessada no negocio, seno tambm porque orei lavrador dispunha de muitos meios para realisar

    seus intentos, como dizia a celebre inscripo da torre

    grande do castello de Sabugal:

    Esta fez elrei Dom Dinis,Que acabou tudo o que quis;Que quem dinheiro tiverFar quanto quizer.

    Approximadamente cinco mezes depois que o ab-bade de Cister redigiu a carta a que alludi, no dia 27de fevereiro do anno de 1295, foi feita a citadacarta de confirmao. Nella apparecem como confir-mantes o rei, a rainha, o infante D. Affonso, a infanta

    D. Constana, D. Joo de Soalhes bispo de Lisboa,o capitulo d'esta cidade representado pelo seu cantor

    D. Pedro Remigio, o abbade de Alcobaa, e a abba-dessa do prprio mosteiro que assim se expressa: Ens a Abbadessa do dicto mosteiro de Odivellas estaconstituio approvamos, concedemos, roboramos econfirmamos, e a fizemos sellar de nosso sello, e assi-gnar em nosso nome por fr. Paschasio, monge de Al-cobaa. Esta ultima declarao demonstra que a ab-badessa, que ento era D. Elvira Fernandes no sabiaescrever. Em seguida logo confirmao da abbades-

  • C. . I O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 9

    sa, l-se: Dada no dicto mosteiro de Odivellas, o queparece indicar que o mosteiro estava j construdo, se-no inteiramente, pelo menos em parte; outra deve com-

    tudo ser a intelligencia d'aquellas palavras, como vere-

    mos. A razo que ha para o no podermos considerar edi-ficado, o declarar-se naquella carta que o rei est

    para lanar a primeira pedra do edifcio. Quer pois di-zer aquella indicao que a carta foi feita no logar em

    que devia ediflcar-se o mosteiro, ou, melhor, na casa

    onde j habitavam as freiras. Que havia convento, ex-pressamente o affirma a carta dizendo: o que

    pois o senhor rei livre e inviolavelmente concedeuem dote e doou ao sobredicto mosteiro, ou ab-badessa, e convento das religiosas tantas vezes j men-cionadas, o seguinte: primeiramente, deu-lhe, confe-

    riu-lhe e assignou-lhe a capefla, as casas de moradia emais edifcios seus, nos quaes est instituido o predicto

    mosteiro.

    Quando se lem os quatro captulos que fr. Fran-cisco Brando dedicou ao mosteiro, no se fica satis-feito, porque se reconhece que existe alli em toda

    aquella narrativa uma grande confuso, embora, para

    muitos, tudo esteja perfeitamente disposto, encadeadoe deduzido. Mas muito cresce o desgosto quando se co-tejam com a narrativa os documentos do appendice.A primeira coisa que se nota, comparando a carta ort-

    Mon. Lusit. V, f. 297

  • IO O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. I

    ginal de fr. Roberto com a verso apresentada no texto, que o monge de Alcobaa, era muito pouco escrupulo-so nas traduces que fazia; e o que se nota tambm,coisa mais grave indubitavelmente, que nem sempre

    interpretou bem os documentos, quer por ingenuidadequer com inteno. Se elle houvesse lido attentamen-

    te a carta de confirmao na passagem acabada detranscrever, no precisava de vir com o ingnuo argu-mento, que, se j algum como Abbadessa assinava,certo he que auia Conuento.

    Se acreditarmos Pedro de Maris, comeou o con-vento com oitenta religiosas. Brando acha excessivoeste numero, por no haver ainda casa prpria; e en-tende que aquelle numero deve referir-se poca emque j estava construida uma parte do mosteiro, o que,segundo elle, succedeu em 1296, em vista do seguinteassento, que se lanou no livro das kalendas do mos-teiro, e que diz: Anno ab Incarnatione Domini CC.nonagessimo vj. prima die Marcij incepit ad seruiciumDei monasterium monialium S. Dionysij de Odiuel-las, sub Dno Rege Dionysio fundatore ipsius monas-terij & vxore eius Regina D. Elisabeth, & Abbatissaipsius monasterij D. Eluira Ferndi, & Episcopus Vlix-bon. tunc temporis Ioannes de Soalhes \ Que as 01-

    1

    "Xo dia 1. de marco do Anno da Encarnao de 1296, comeou aempregar-se no servio de Deus o mosteiro das monjas de S. Dinis deOdivellas, governando el-rei D. Dinis, fundador do mesmo mosteiro,casado com a rainha D. Isabel, sendo abbadessa do sobredicto mos-

  • C. I O MOSTEIRO DE ODIVELLAS I I

    tenta religiosas entrassem logo no tempo da fundao,ou s em princpios de 1296, pouco nos interessa dis-

    cutir; e, quanto declarao acabada de citar, e queparece estar em opposio com o que se sabe j dafundao, deve d'ella colligir-se que foi s no primeirode maro d'aquelle anno.que regularmente comearamos officios divinos no edifcio para esse fim expressa-

    mente construdo.

    As casas, em que na occasio de se instituir o mos-teiro as religiosas habitavam, era uma das muitas vi-

    vendas que os reis de Portugal por aquelle tempo pos-suam nos arredores de Lisboa. Chamavam-lhe Pao ouQuinta de Odivellas, e junto d'elle deslisava esse pe-queno ribeiro que banha o formoso Valle de Flores.

    Apezar das successivas alteraes que o mosteirosoffreu, ainda hoje subsistem restos do antigo pao esuas pertenas. L se encontram, no que se chamaa casa do rei, duas janellas gothicas, uma olhando aosul, outra voltada ao norte; e no cunhal d'essa casa

    umas armas reaes onde as quinas esto cercadas devinte e dois casteilos. E ainda alli subsistem tambm,dos primeiros tempos, vastos casares, primitivamente

    cavallarias pertencentes ao pao, e destinadas depois

    a celleiros e casas de arrecadao. Nem mais resta da

    teiro D. Elvira Fernandes, e por esse tempo bispo de Lisboa Joo deSoalhes. Mon. Lusit. V, f. 223-224.

  • I 2 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. I

    antiga casa real, nem mais noticias cTella temos hoje.O que, porm, se infere de sua construco pelas re-lquias existentes, suggere-nos a ideia de que era edi-

    fcio vasto e excellente. Por isso no creio que devahaver duvida em acceitar lettra a informao dadapor Maris.

    D. Dinis, fundando o mosteiro dotou-o condigna-

    mente. Segundo se v da carta de confirmao, deu-lhenessa occasio, alm das casas j mencionadas, o se-guinte:

    todas as habitaes, vinhas, pomares, hortas, moi-

    nhos, azenhas, todas as herdades que alli tinha e que

    haviam pertencido a Maria Martins, viuva de ArnatasRaimundes, e aos seus herdeiros;

    as herdades e hortas, terras e moinhos que haviamsido de Gonsalo Joannes de Charneca e dos seus her-deiros;

    tudo mais que lhe pertencia no mesmo logar de Odi J

    vellas e no de Pombaes;as hortas, pomares, casas, fontes e pedreiras que ti-

    nha em Enxobregas, com todos os seus direitos e per-tenas;

    uma vinha sua situada em P de Mu, termo de Lis-boa, a qual pertencera a Pedro Fernandes, que fora co-peiro de Affonso III e almoxarife em Lisboa;

    as herdades, possesses, casas, fornos, hortas, po-

    mares, olivedos, azenhas, moinhos, vinhas, lagares e

    adegas que tinha em Alemquer e seu termo, com suas

  • C. I O MOSTEIRO DE ODIVELLAS I 3

    cubas, toneis e tinas, e com todos os direitos e perten-

    as, das quaes havia sido tambm possuidor Pedro Fer-nandes e mulher d'este;

    na Castanheira e em Mascot, termo de Alemquer, to-

    das as herdades, possesses, casas, vinhas, fazendas e

    fornos que haviam sido de Martim Joannes, o qual forairmo de Estevam Joannes chanceller de Affonso III;

    a herdade, tambm no termo de Alemquer, quefora de Martim Silvestre, com todos os seus direitos epertenas, assim como as demais fazendas, possesses,casas, fornos, hortas, pomares, olivaes, azenhas, moi-

    nhos, vinhas, lagares e adegas que haviam pertencidoao mesmo individuo, com todos os direitos e apres-

    tos;

    a herdade, fazendas, fornos, hortas, casas, poma-res, moinhos, vinhas e adegas, com todos os seus direi-tos e pertenas, no mesmo termo de Alemquer, quehaviam sido de Martim Fernandes, chamado Cabea dePulgas

    ;

    a matta e tapada, que o rei possua em Loures,

    com todos os direitos e pertenas

    ;

    o direito de padroado da egreja de Santo Estevamde Alemquer, com o consentimento da rainha D. Bri-tes, que tinha o direito de apresentao nessa egreja

    ;

    o padroado da egreja de S. Julio de Santarm.Afora isso tudo que declarado na carta de con-

    firmao, como na de doao, favoreceu mais D. Dinisao mosteiro, do seguinte modo :

  • 14 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. I

    em 4 de maio de 13 18, doou-lhe o casal de Le-chim, no termo de Cintra, com applicao enferma-ria

    ;

    em 1 de outubro do mesmo anno, instituiu cincocapelles com obrigao de missa quotidiana ; essescapelles deviam ser monges de Alcobaa;

    logo em 5 do mesmo mez e anno, doou-lhe os pa-droados das egrejas de S. Julio de Friellas e de S.Joo do Lumiar; quanto segunda doao, ou no seeffectuou ou deve intender-se que ficou o seu uso fructoao filho bastardo do rei, Affbnso Sanches, pois em

    1334 a sua viuva, D. Thereza, senhora de Albuquerquee de Medelhim, deu ao mosteiro essa egreja com a her-dade do Pao de Lumiar;

    em 4 de novembro de 1324, doou-lhe ainda o ca-sal do Pinheiro, no termo de Lisboa, afim de seremsuas rendas applicadas sacristia'.

    No contente com todas estas doaes, concedeu-lhe mais a faculdade de herdar bens, quebrando as-sim com este privilegio a lei que promulgara prohi-

    bindo aos religiosos o herdarem bens immoveis . E,quando fez seus testamentos, no se esqueceu do seuquerido instituto.

    No primeiro testamento, que tem a data de 8 de

    1 Mon. Lusit. V, f. 224. 225; VI, f. 272, 273, 468.Privilegio dclRey dom denis que o moesteiro Dodivellas her-

    de hos becns das monjas do dicto moesteiro sem embargo da suaordenacam, de 7 de abril de 1295L. II dos Dourados, f. 112. Arch Nac.

  • C. I O MOSTEIRO DE ODIVELLAS I 5

    abril de 1299, deixava-lhe apenas quatro mil libras , *

    que deviam ser empregadas em herdamentos, ondeajo rendas para a vestiaria & para a enfermaria; nou-tro testamento, porm., que foi feito em Lisboa no dia20 de junho de 1322 accrescentou a essa quantia ou-tras muitas coisas, como se vae ver da respectivaclausula

    :

    Item mando ao meu moesteiro de San Denis dOdi-uelas quatro mil libras, as quaes mando que metammeus testamenteyros logo en compra derdamentos, &possissoens que fiquem pra sempre ao dicto moesteiro,& mando que nom embargue esta compra a posturaque ha nos meus Reynos per que os Moesteiros, nemOrdiis nom possam comprar, & rogo, & mando ao If-fante dom Affonso meu filho, ou aaquel que depsmim reynar en Portugal, pola beenom de Deos, & mi-nha, que nom embargue a dieta compra. Outrosi mandoa esse Moesteiro dOdiuelas todalas capas, & mantos,& uestimentas, & dalmaticas que naquel tempo foremachadas na minha Capela, & a minha cruz grandede prata dourada com seu pee que ten com botoensdourados pra seer no altar mayor desse Moesteyro,& pra a tragerem na procissom quando cumprir, aqual cruz anda na minha capela, & nenhuum Aba-

    1 A libra era moeda de conta, cujo valor teve muitas alteraes.Veja-se acerca da libra e suas variedades o que diz Viterbo, no Elu-cidrio, s. v. vol. 1 p. 91 seg.

  • l6 JO MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. I

    de dAlcobaa, nem Abadessa dOdiuellas, nem os Con-uentos desses logares, nem outros nom sejam podero-sos de dar, nem dalhear nenhuma cousa desto que eumando ao dicto moesteyro, nem a outrem de lhas filhar,mays siruhamse hy sempre delas por minha alma.Num testamento citado e transcripto por Brando,

    e que tem a data de 31 de dezembro de 1324, D. Di-nis dizia mais com respeito ao mosteiro ;

    Item tenho por bem, & mando que os meus testa-menteiros faam fazer no meu Moesteiro de Odiuellashua Capella honra de S. Luis em que s o seu ora-go, & ponho hi dous Capellaens que cantem em essaCapella pra sempre honra do dito Santo pella mi-nha alma. E pra se fazer a dita Capella, & se com-prarem herdades per que se mantenho os ditos Capel-laens, & outrossi pra vestimentas, & ornamentos praa dita Capella mando seis mil libras & quero que adita compra nom seja embargada pela postura dos meusReynos per que os Moesteiros, nem Ordens nam pos-sam comprar segundo dito he, & se algua cousa sobe-jar das rendas dessas herdades que pra esto compra-rem, metase em mantimento dos outros meus Capel-laens que eu leixo no dito Moesteiro 1 .

    geralmente sabido que a regra de S. Bernardo

    1 Mon. Lusit. VI, f. 584, 585-586.

  • C. I O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 17

    era das menos apertadas, o que se pode ver das con-stituies da ordem, que correm impressas. Parece to-davia que, comquanto D. Dinis escolhesse esta regra parao seu instituto, entendeu, de concerto com D. Joo deSoalhes, estabelecer nas constituies algumas clau-sulas como medidas preventivas contra fortuitos des-mandos ou desagradveis acontecimentos. Uma dasclausulas era que jamais a abbadessa nem outra religio-sa de maneira nenhuma sassem fora do mosteiro, masalli se conservassem sempre reclusas, isto pela razo

    de que costumavam provir muitos perigos e infmiass religiosas do facto de divagarem fora de suas ca-sas ; e tambm se consignou ser defezo s religiosas opassarem d'um convento para outro. Outra disposiodas constituies era a prohibio expressa de entra-rem no claustro e suas dependncias outras pessoasque no fosem as que vo ennumerar-se: os mongesde Cister para a administrao de sacramentos, e osvisitadores da ordem; o rei, que podia entrar alli comtrs pessoas idneas e honestas; o infante, o bispo, eo abbade de Alcobaa, que podiam entrar sendo pre-ciso, e cada um levar em sua companhia duas pessoashonestas; o medico e o sangrador, em caso de neces-sidade; os carpinteiros e operrios (pedreiros) para a

    reparao do edifcio, os quaes seriam sempre-sempreacompanhados de dois monges ou irmos conversos.Nas constituies se particularisa tambm que entreo coro e o altar (capella mor) houvesse um portal

  • l8 O MOSTEIRO DE ODIVELl AS C. I

    com dois pares de portas de madeira boa e forte,uma almofadada e outra de grades; ficando a primeira

    do lado do coro e a segunda da banda da capella mr,ambas bem fechadas; a chave da de grades estaria namo do monge sacristo, a da outra tel-a-hia a monjasacrist. A porta inteira devia ter pregos grossos eagudos voltados para o altar; s devia abrir-se ele-vao da hstia, ou quando alguma monja quizesse fal-lar com algum, com licena da abbadessa, o que ain-da assim s deveria fazer-se atravez duma cortina.Vinha d'este modo a grade do coro a servir de locut-rio. Era, porm, permittido s religiosas sairem at egreja para commungar, e irem ao cemitrio a enter-rar as sorores.

    A 14 de julho de 1 306 foram modificadas estas consti-tuies, por serem consideradas speras, concordandonisso o rei, o bispo de Lisboa, e D. Fr. Pedro Nunes,abbade de Alcobaa. Era ento abbadessa do mosteiroD. Constana Fernandes, que succedera primeira, D.

    Elvira, j mencionada. Eu na sei em que a mode-rao consistia (diz Brando); porque nas segundas ficao ponto da clausura no mesmo aperto, & ordenadoainda por elRey expressamente, que naquelle mos-

    teiro no houvesse mais, que s huma porta, & essa ada Igreja, Estas segundas constituies foram feitasem Lisboa, em presena de Ferno Paes, porteiro

    do rei, D. Joo Simo, seu mordomo, fr. Estevamd'Evora, Martim Louredo, seu clrigo, fr. Giraldo, fr.

  • C. I O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 19

    Joo de Cintra e fr. Pedro religiosos cistercienses. Omonge bernardo tem razo : o rigor claustral foi au-gmentado e no moderado. Mas parece que as clau-sulas ordenadas ficaram lettra morta, pois a terceira

    abbadessa D. Orraca Paes, no anno de 13 19, resol-

    veu reformar as constituies do convento, voltando aseguir as primeiras, que j estavam dispensadas, no que

    ,

    concordaram todas as religiosas. Fez-se um instrumento,que foi legalisado pelo tabellio de Lisboa, Joo Gon-salves, em presena de testemunhas idneas, no qual asreligiosas se obrigaram a guardar perpetua e voluntria

    clausura, sem alheio constrangimento, ficando todavia

    abbadessa a faculdade de conceder entrada no mos-teiro a algumas damas de qualidade. Nessa obrigaodeclaravam as monjas: prometemos que nunca saya-mos deste moesteiro, nem tiremos o pee pela porta daIgreja, nem por outra porta, nem por outro lugar fora domoesteiro. Accrescentavam porm: E pedimos pormercee ao mui nobre senhor dom denis pella graade deus Rey de portugal, & do algarue, que fondou& fez, & doutou este moesteiro por amor de deus, &por sa alma, & aho abbade de alcobaa, que he nossovisitador, que elles, nem os que deps delles veerem,que pois de nosas vontades prometemos, & outorgamostodas estas cousas, pella maneira que dicto he, & man-teello assi pra sempre, per obra que elles nunca nos po-nham grade, nem roda, nem outro mayor enserramentode parede, nem de madeira, nem doutra cousa por que

  • 20 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. I

    leixemos de ir aa egreja, hu hade estar o moimento dodicto senhor Rei, pra fazermos sobr el nossas ora-

    oes, e rogar a deus por elle 1 .

    Com o decorrer dos tempos outras modificaes na-turalmente houve nas constituies do mosteiro, prin-cipalmente com as reformas do concilio tridentino. Em1724 realisou-se, porm, a ultima reformao, para o quevisitou o mosteiro o dr. fr. Bernardo de Castel Bran-

    co, que se adornava com os pomposos titulos de Mes-tre jubilado na Sagrada Theologia, Caliicador do SantoOfficio, Dom Abbade do Real Mosteyro da Villa de Al-cobaa, Senhor Donatrio, e Capitam mr da mesmaVilla, e das mais dos seus coutos, do Conselho de SuaMagestade, seu Chronista, e Esmoler-mr, Geral e Re-formador da Ordem Cisterciense de S. Bernardo nestesReynos e senhorios de Portugal e Algarves. EssasLeis de visita de reformei1

    ,que teem a data de 1 1 de

    agosto do indicado anno, nem mesmo em extracto sepoderiam aqui apresentar, por sua extenso; mas nempor isso o leitor deixar de ter conhecimento d'algu-mas das suas disposies mais curiosas, como o ter das

    exaradas nas demais visitaes feitas ao mosteiro, sequizer proseguir na leitura d'este livro.

    1 Vej. original noL. 11 da Estremadura, foi. 282, Arch. Nac5 Mss, pertencente^ um particular.

  • CAPITULO II

    O mosteiro O que foi primitivamente? Comea-se a ver como elleera no dia primeiro de agosto do anno de graa de 1887 O alpen-dreO pelouro de OrmuzAs gradesAdios por siempre! quadrode V. Manzano.

    jjROSEGUIU muito rapidamente de certo aconstruco do mosteiro, pois que, segundorefere Ruy de Pina, com o qual so concor-

    des os demais escriptores antigos, elle ficou terminadoem dez annos, o que equivale a dizer que o foi em

    1305. de crer que D. Dinis, o rei queNobres villas de novo edificou,Fortalezas, castellos mui seguros,E quasi o Reino todo reformouCom edifcios grandes, e altos muros,

    de crer, digo, que D. Dinis vigiasse no s pelo an-

    damento da obra, seno tambm por que ella ficasseum monumento digno de quem o fundava. Se o mos-teiro em si correspondia, como natural, egreja, era

    certamente um edificio grandioso. Da egreja s hojeresta a capella-mr e pouco mais; todavia, d'esses mes_

  • 2 2 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. II

    mos restos imperfeitssimos j, e das breves menes,

    que alguns velhos chronistas fazem d'ella, se alcana

    que era sumptuosa.

    Mas como era a primitiva casa claustral? impos-svel sabel-o, em consequncia das successivas recons-

    truces e grandes alteraes que soffreu. As refor-mas seguiram porventura em grande parte a primitiva

    traa ; descobrir, porm, esta sob aquellas sempredifficilimo, e frequentes vezes impossvel. Por isso, bal-

    dados seriam quaesquer esforos de pensamento pararestabelecer o plano primordial do mosteiro, resultandodo que se fizesse nesse sentido meras hypotheses* quetalvez ficassem muito affastadas da verdade, e que emtodo o caso deixariam o leitor na perplexidade ou deseguil-as, acceitando falsas informaes, ou de repel-lil-as, desprezando a verdade. Assim, melhor mostrar-lhe o mosteiro tal qual era ainda nos primeiros dias domez de agosto do anno do nascimento de 1887. Semarco tal epocha, porque desde ento, pouco maisou menos, comearam alli trabalhos preparatrios parao estabelecimento, naquelle edifcio, segundo se diz,dum recolhimento de mulheres arrependidas ou rege-neradas, parecendo ser fado d'aquella casa o perpe-tuar certas tradies. Descrevendo o mosteiro com re-speito quella epocha, direi comtudo opportunamenteo que alli podia lembrar a sua antiguidade, ou, para meexprimir mais exactamente, o que de primitivo alli sepresentia, segundo as presumpes mais plausveis e as

  • C. II O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 23

    mais rigorosas induces. A mo do vndalo j pza sua marca indelvel no antigo mosteiro, apagandomuitas relquias que as convulses da natureza no ha-viam destrudo. Agora o que encontrareis, se l fordes?Quasi nada.

    Retrocedamos pois at o comeo de agosto de 1887.Se infelizmente o tempo no pode retrogradar, podefazel-o a memoria, essa faculdade egualmente adoradae detestada, que ora nos eleva ao cumulo da ventura,

    ora nos lana no barathro da dor.

    Vinde commigo agora: vamos percorrer esse mostei-ro passo a passo. No tenhaes receio de aborreci-mento, que muitas curiosidades e memorias se vos hode deparar.

    Antes de entrarmos, demos, porm, um reclance d'o-lhos ao local em que nos achamos. Este terreno, limitado

    ao norte e ao occidente por aquelle alpendre, alm doqual se elevam construces que teem a carecteristica

    de casa claustral, este terreno o couto. No vos faoa offensa de suppor que ignorais o sentido que estapalavra antigamente exprimia. Se, porm, no tendesd'isso bem clara noo, facillimo vos ser adquiril-a. Ashabitaes, que de levante e sul fecham o couto, fo-ram antigas pertenas do mosteiro : hospedarias, mora-da do abbade, dos capelles, do feitor.

    Olhemos o alpendre. Alli, ao meio da columnata

  • 24 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. II

    que lhe sustenta o lano occidental, eis um escudo

    coroado, assentando no entablamento. Basta attentar

    nelle para vermos que aquella casa o real mosteiro

    d'Odivellas da regra de S. Bernardo: o escudo bipar-

    tido vos apresenta direita as quinas, esquerda o

    braso da ordem de Cister; em redor, sete escudetesdas quinas, na orla, e ainda nesta, em baixo, a data

    de 1639.Desamos sob o alpendre e vejamos essa ala do

    poente. No topo do lado do sul, a porta da egreja;fronteira a ella 5 na extremidade opposta, a portaria doconvento.

    A porta do templo como a da clausura esto fecha-das; emquanto nol-as no franqueiam, examinemos oalpendre. Aqui no pedestal d'esta columna, a quarta aa contar da portaria e no desprezada aquella primeirameia embebida na parede, est conservada memoriade quem restaurou este alpendre. Lede; vereis quediz:

    Esta * obra rMDOV - FAZE RA SERA* ' DONA61 OMA R DE rNORONHA - ABBADESTE MOSTrNA ERA DE-IS73'ANOS

  • G. II O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 25

    Comparada a data d'esta inscripo com a que jlemos no escudo, salta-nos aos olhos que a obra doalpendre, comeada em 1573, s se ultimou sessen-ta e seis annos depois, em 1639. Mas a obra, a queuma e outra data se referem a da construco do al-pendre, a obra de pedra, a columnata; os azulejos querevestem a parede no so do mesmo tempo; s cer-ca d um tero de sculo depois alli se collocaram, con-forme o declara o seguinte lettreiro que, pintado noprprio azulejo, se ostenta esquerda da portaria:

    ESTA OBRA E) A3\LEIOS ; E PNTVRAMANDOV FAm A SW GSTA D LRENG E)-MELH>SENB-PRTERA-$ANE)

    iji

    Das inscripes transcriptas, v-se que o alpendre relativamente moderno; mas ha razo para crermos queesta obra intentada e comeada pela abbadessa D.Guiomar de Noronha, foi apenas restaurao ou sub-stituio d'outro alpendre, que desde epocha muito re-mota, talvez desde a primitiva, alli existiu, e que osannos arruinaram. Pelo menos em 14 14 havia alli um

    alpendre. D'isso ha prova num instrumento de renunciae encampao, que comea da maneira seguinte: Sa-bham quantos este estromento de renunciaom e em-campaom birem que na era de mill e quatrocentos e

  • 6 O MOSTEIRO DE OD1VELLAS C. II

    cinquenta e dous anhos; doze dijas do mes doutubro nomoesteiro de sam dinis das donas dodiuellas que hetermho da cidade de lixboa a porta do dicto moestei-ro a soo alpender que est a porta do dicto moesteiroem presena de mym Joham affonso tabelliam delReyem a dieta cidade que hy emtom presente estaua etestemunhas adiiante sam escriptas estando hy de pre-sente dona aldona pimentell abadessa do dicto moes-teiro e costana loueno prioressa e beatryz loureno

    soprioressa do dicto moesteiro e Johana gill e outrasmoytas dona do dicto moesteiro e conuento per cam-paa tanjuda como he de costume todas juntas pareceuhy Justa annes molher viuua. . . 1 .

    Se para a historia econmica do mosteiro o resto dodocumento muito interessante, para o meu propsitobasta o que transcrevi ; esse trecho nos conserva o no-

    me d'algumas religiosas que alli habitavam nos princi-pios do sculo xv.A extremidade meridional da ala, que temos percor-

    rido, do alpendre termina com a decima columna noporto da egreja, do qual a separa um arco da fabricaprimitiva. Entre esse arco e a porta ogival do templo,

    cujos altos e fortes batentes foram construdos em 1567,ha um espao quadrado, o vestbulo, fechado de levante

    pela frontaria duma pequena capella, de que ao dean-te largamente falarei. Do lado do poente fecha o ves-

    1 Documento pertencente a um particular.

  • C. II O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 27

    tibulo a continuao da parede do alpendre, na qualningum faria reparo, se lhe no chamasse a attenoum monumento curiosssimo encravado nella, monu-mento que foi testemunha de glorios feitos. Alli, a quasimeia altura, v-se embebida na parede uma grande bolacom sua lapide por baixo, onde se l em ptimos ca-racteres romanos a seguinte commemorao

    :

    ESTE : PELQRO : MAD : AQ : OFERE&RA . SAN : BERNARDODM : ALWRO : ID NORONHA : POR SV\ IDWCAM QE HE SQOM (v)E LHE TVR(yS : COMBATERAMA FRTALESA DVRVMVX SEM 10) ELE CAPTAM : LANA ERA sISSZ

    O cerco de Ormuz realisou-se effectivamente em1552, como a inscripo diz; e da leitura d'ella s se

    pode intender que a data se refere ao cerco. Mas noo comprehenderam assim at hoje os que teem faladodo pelouro e do lettreiro. Quem primeiro transcreveueste para uma noticia que saiu na antiga revista O

  • 28 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. -I

    Panorama !,vendo uma pequena falha da pedra, que

    partiu pela haste horizontal inferior do Z, no sabendoque muito frequentes vezes apparece esta lettra substi-

    tuindo o algarismo 2 em monumentos epigraphicos dosculo xvi, e nem ainda cuidando em examinar a pedra,onde encontraria vestgios do escopro ou buril, julgouque o ultimo algarismo era um 7, e imaginou que a dataalli expressa era a da collocao do pelouro naquellelogar. Um erro histrico propaga-se sempre com ex-traordinria persistncia, quando os que escrevem accei-tam sem exame o que outros disseram. Se a averigua-

    o impossivel de fazer, nem pelo erro se d muitasvezes. Mas pensar-se que alguns indivduos, depois deirem a Odivellas, depois de se embasbacarem deantedo pelouro e do lettreiro, depois de lerem este ultimocom ares cathedraticos, ainda vem repetir o erro queum dia algum commetteu, faz convencer de que taesindivduos olham sempre as coisas superficialmente; econclue-se que, se so to pouco exactos em pontos

    de to fcil averiguao, nenhum credito merecem suasnoticias, quando desacompanhadas das respectivas no-tas comprovativas. Por vir a propsito direi que todas

    as vezes que vejo obras ou estudos archeologicos e his-tricos, inteiramente desprovidos de annotaes, ou dalista das fontes consultadas para a sua composio, for-mulo as seguintes proposies : ou o auctor deve

    Vol. I, pag. 57.

  • C. II O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 29

    revelao o que refere, ou quer occultar as inexactides

    que commette. E este dillema faz com que eu lhe ne-gue f, embora o auctor seja cathedratico ou acadmico.

    Voltemos ao alpendre, e deixemos esta ala onde,alm do que fica dito, apenas ha uma janella gradeada,simples locutrio permanente, e onde se v a porta dagrade abbadessal. Junto da portaria, comea a ala norte,com sete columnas e formando angulo recto com a pri-meira. Alli est outro portal, ao p da roda, essa rodapor onde se fizeram tantos negcios de gulodices, quetantas vezes gyrou para patentear ao vulgo ignaro a

    famosa marmellada. A esse portal coberto de pregaria,que tem a data de 1691, seguem-se duas portas pe-quenas dando entrada para as grades chamadas dascreadas ; e mais adeante, no extremo do alpendre, umaestreita escada d accsso varanda superior, ondeabrem as portas das grades nobres.

    Na rectaguarda d'esta parte do edificio expressa-mente destinada a locutrios, ha um pequeno largo,cuja entrada vemos ao lado do alpendre. Nada alli nosinteressa a no ser uma singela porta tambm comseu alpendre, a qual foi construda em 1638, e passou

    a ser chamada a porta velha desde que se fez a porta-ria de que j falei. Foi porventura esta entrada umadas mais antigas do mosteiro, muito anterior edi-ficao da casa das grades. Parecem abonar esta opi-

  • 30 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. I

    nio alguns restos de construco, talvez da primitiva,que muito perto d'ella ainda subsistem no interior.

    Deixemos, porm, aporta velha e as questes irre-soluveis que se lhe podem ligar, e subamos varandadas grades. Na parede que separa as duas portas doslocutrios, l-se a seguinte inscripo numa pedra em-bebida a meia altura:

    ESTA OBRA MANDOU FAZER A M RJLIGiOZA ME E S^A D.ROZA-a^>TA M* SENDOPORTEfRAMORE-ABBA AMT0 RLGiOZA ME E SRA D M^BARBORA DE ALCASTRO ANNO

    1760

    E pois relativamente moderna a obra d'aquelleslocutrios, mais amplos do que de ordinrio o costu-mavam ser, e talvez testemunhas de muitos, variados ecuriosos casos, apezar das determinaes a esse respeitoexaradas nas leis da ordem. Na visita de reforma de1724, j citada, no esqueceu ao abbade de Alcobaao legislar sobre as grades; ahi diz fr. Bernardo de CastelBranco : nem Religioza v a grade alguma, nem esteja

  • . C. II O MOSTEIRO DE ODIVELLAS j I

    nella com pessoa algua de fora sem a devida compo-

    siam de habito, toalha, ou capello ; o que tudo as M. s

    Porteyras sob pena de obedincia term obrig. am devigiar, e procurar que se observe; e achando que al-ga Relig. a

    ,ou secular falta a esta observncia, darm

    logo parte a M. e D. Abbadea, e ao P. e D. Abb.e parase proceder contra ella com a privaam de grades, ecom o mais castigo, que for devido sua culpa; etambm lhe darm parte se acharem alguma grade,porta, ou Roda bolida, abalada, ou mal segura, ou quese vse, ou possa vsar de alguma chave falsa, ou deoutra com que se possam abrir as fechaduras da clau-sura, para logo se acudir ao seu reparo, e segu-

    rana ...

    Apezar d'estas determinaes, todos os visitadores

    se viram obrigados a fazer admoestaes a respeito douso das grades.

    Nas Leys que se puseram najunta no anno de IJ2Sa 5 de abril, depara-se-nos a seguinte disposio

    :

    Item e debaixo da mesma pena no consentiro asM. es D.D. Abb.as por nenhu pretexto q se cante o tan-ja nas grades ou locutrios, ainda q nellas asisto pes-soas Nobres, e nem ainda sendo da prim.ra calid. e

    ,e

    nesta ley no poder dispenssar o N. R.mo nem aindacom difinitorio ; e nas leis da junta de 1758, l-se ainda:nem consinta grades festivas com muzicas ou instrum. tos

    ou Danas. Do que tudo se deprehende claramente quenaquellas grades muitas vezes resoaram argentinas vo-

  • 32 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. II

    zes de freiras cantando rias e modinhas, acompanha-nhadas de instrumentos, e que alli se danaram minue-tes e outros passos, o que devia contribuir extraordina-

    riamente ad majorcm Dei gloriam.

    Das scenas que particularmente alli se passaram,

    nada sei. Figurae-vos todavia algumas, succedidas na-quellas grades ou nas d'outras clausuras. Que de collo-quios entre a prima freira e a elegante da corte, collo-quios em que uma ardia em ancis de saber novidades,outra se abrazava em desejos de as contar! Que de fu-tilidades alli formaram o objecto de longos entreteni-mentos! O irmo que partiu para a ndia ou para oBrazil, e que manda dizer que por l ha muita bicharia;a Firmina que vae casar com Fulano ; a Francisca que

    se casou com o filho do primo do commendador Si-crano; a Genoveva que est constipada; a Dorotheaque tinha dado luz um pequerrucho ; o Bernardo quetinha sido agraciado com o habito de Christo; qual aultima moda dos toucados, dos colletes, e das fivellas . .

    .

    Que de palestras ntimas, em que uma confiava a outraalgum segredo, que sem duvida ia deixar de o ser!Que de conversas em que a maledicncia entrava,bem apuradas as contas, na razo de nove dcimos IQue finas anecdotas e historietas! Que de conluiosse no formavam! Quantas reputaes se no arro-javam lama, quantas virtudes no eram menosca-

  • C. II O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 33

    badas ! Quantos vicios se no desculpavam, e se justifi-cavam alli ! Gyrava a pequena roda trazendo s visitas

    o ch, as torradas, os doces; e a conversao prose-

    guia, continuamente, sempre acalorada, como se nuncadevesse terminar.

    Mas nem s estas scenas. Alli, uma me chora amar-gamente a separao da filha, que por uma aberrao danatureza foi dedicar a absurdas contemplaes o tempoque devia empregar na coadjuvao dos trabalhos do-msticos, ou que por uma supposta vocao foi dispen-

    sar a uma idealidade os affectos, os carinhos, que devia

    ao amor maternal. Alli, uma creana chora dolorosa-

    mente a solido, a que a votaram os preconceitos pa-

    ternos, sem que suas lagrymas possam mover da reso-luo inabalvel a quem conscientemente abusa da suaauctoridade contra todas as leis da natureza . . .

    Alli, V. Manzano vol-o mostra alli, uma mulher,

    uma donzella, l dentro, numa penumbra temerosa, de-solada, acabrunhada, vergando sob o peso d'um infor-tnio enorme, inclina dolorosamente a cabea. Os seusformosos cabellos, que tanta vez engrinaldou de floresnos dias felizes da vida, cairam aos golpes tremendosduma implacvel tesoura, e vejetam agora sob um vo,que lhe cinge a fronte como um circulo de fogo ; as co-res vivas d'aquelle rosto to mimoso e suave, aquellasrosas pudibundas que se ostentavam, to lindas, to me-lindrosas, s auras benficas da liberdade, desbotaram,perderam as tintas, fanaram-se com o perfume do incen-

    3

  • J>4 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. II

    so queimado na sua profisso ; esto immoveis os lbios,esses lbios que dantes se entreabriam num sorriso deventura, esto immoveis como se o gelo da morte oshouvesse invadido; aquelles olhos onde brilhava umaluz purssima, onde transparecia outrora a paz, a ale-gria, a felicidade, que trasbordava do seu corao, es-to agora embaciados pelas lagrymas, nem ousam er-guer-se, como se houvessem perdido inteiramente a fa-culdade de ver. As foras vo abandonando a victima;uma das mos apoia-se-lhe num d'esses vares de ferroque a separam do mundo, a outra meia aberta mostracom gesto triste o desairoso habito, a mortalha que a

    involve, e exprime o que a voz se recusa a dizer: Sou freira!

    E c fora, em plena luz, quem d'essas grades hor-rveis, vede esse homem, esse mancebo, cujos gestosdesordenados bem mostram o desespero que o do-mina. Que multido de pensamentos lhe acodem caho-ticamente ideia! Elle amava e era amado; mas o de-ver de servir a ptria arrojou-o para longe delia. Natravessia martima, confiou s auras que enfunavam asvelas os seus ntimos segredos, e s tormentas que agi-tavam a embarcao as maguas da sua saudade; nasolido da terra alheia sentiu as dores do apartamento,e no mais ferido dos combates conservou sempre a es-perana de possuir aquella cuja imagem estava retra-tada em seu corao. Illuses dos humanos! Emquantotaes sonhos o enebriavam, emquanto era embalado por

  • C. II O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 35

    to doces pensamentos, consummava-se o sacrifcio.Aquella que seria a sua companheira, que partilharia

    as suas alegrias e os seus pezares, aquella que desa-

    nuvearia a sua fronte com um sorriso, que tornaria

    um paraiso a sua existncia, foi arremessada brutal-

    mente, por uma prepotncia desmedida, para o fundod'um claustro sombrio; foi obrigada a mentir ao mundoe divindade, foi coagida a calcar aos ps o seu affe-cto e a sua felicidade, laceraram-lhe o corao, mata-

    ram-lhe todo o sentimento do bem.Elle chegou. Onde est o seu idolo ? Na clausura.

    Recusa credito noticia, mas corre l febrilmente. Con-

    fiana e desespero, amor e dio, luctam profiadamente

    por dominar seu pensamento; , porm, o presenti-mento da desgraa que prevalece. Ainda um vislumbrede esperana bruxola nas trevas que lhe inundam a al-ma. Louco esperar ! Duas palavras que mal foram pro-feridas pela outra victima, duas palavras, cujo significadoa sua razo se recusa a comprehender, duas palavras ofazem descrer da paz, do bem, de Deus

    :

    Sou freira !

    Que pincel poderia apresentar as commoes diver-sas, o conjuncto de dor, de afflico, de desespero quese reflectem no seu rosto ? Arfa-lhe o peito, como pres-

    tes a romper-se pelo violento palpitar do corao; ocrebro est em fogo pela affluencia do sangue abra-zeado; paralisou-se-lhe a garganta, s um rouco e tre-

    mendo som d'ella sae ; as mos crispadas tentam agar-

  • JO O MOSTEIRO DE ODIVEI.LAS C. II

    rar essas grades maldictas, abalal-as, torcel-as, arran-

    cal-as. Esforos impotentes! As foras physicas mor-rem-lhe d'encontro ao ferro, como a fora moral lhe

    morre perante o sacrifcio consummado. E, venha ou noo blsamo das lagrymas minorar a primeira agudeza. dador, s tem direito a proferir trs palavras, que encerram

    um cumulo de pensamentos, em que se manifesta todoo seu amor, todo o seu desespero, todo o dio que lhevae no corao lacerado, toda desgraa da sua existn-cia :

    Adeus para sempre !

    Se o quadro de V. Manzano no representa um fa-cto histrico definido, foi certamente inspirado pela con-

    siderao dum infortnio de que muitssimos exemplosse conhecem.

  • "M"r s * 5S

    0 IO M N g

    o> 05 S S2 ti

    ai a 5 s

    [$&-ITeco //o Refeitrio

    1Tumulo de D. Dinis.2-Tumulo de D. Maria Affonso.3Sepultura de D. Filippa.4Altar de S. Bernardo5 deN. S. do.6 de S. Umbellina.7 de SS. Sancha, Thereza e Mafalda.8 de N. S. do .9 de N. S. da Assumpo.10-Capella de N. S. da Conceio.11 de S. Joo Baptista.12 de S. Joo Evangelista.13 de N. S. dos Remdios.14Altar de N. S. do Rosrio.15 de N. S. da Apresentao.16Capella de N. S. dos Passos.17-Altar de N. S. do Populo.18 do Calvrio.19 de N. S. da Encarnao.20 de Santo Antnio.21 de N. S. do Pilar,

    de N. S. da Purificao,de S. Bernardo.deN. S. da Paz.

    25Capella da SS. Trindade.26- de S. Izabel.27Cisterna.28Torre.29Pelouro.30Roda.31Cisterna.32Fonte pequena.33Capella da Enfermaria.34 do Cemitrio.35Cruzeiro do Cemitrio.36Saguo.37Passadio dos dormitrios.38- Capella das Menezes.39Capella de D. Filippa.

    Bosquejo ichnographico do Mosteiro de Odivellas, em agosto dji8

  • CAPITULO III

    A rodaA portariaO claustro da MoiraD. Luiza Maria de Moira eo seu epitaphioOfficinas variasA cosinhaDoarias e pitanasO refeitrioO tecto do refeitrioA refeio em communidade.

    AMOS entrar agora no mosteiro. Fal-o-hemospor essa porta, construda em 1691, que temao lado direito a roda, pertena indispens-

    vel de portaria de convento. Esta roda de Odivellas,destinada para a troca de recadinhos, para a entregade cartas, e venda de doarias, serviu tambm durantemuito tempo de estanco. Quem o affirma o abbadede Alcobaa, fr. Francisco Xavier, na visitao que fezem 23 de janeiro de 1747. Com grande escndalonosso (diz elle) pelo que toca ao credito deste Mos-

    teiro, ouvimos que nas portarias delle se vendia tabaco,e sabo, a papelinhos como nos estanquos de balanci-nha. As freiras no fizeram caso da lei posta nessa vi-sitao e noutras muitas, de modo que ainda em 18 defevereiro de 1780, o abbade geral, dr. fr. Antnio Cal-deira, diz na sua visitao: Por nos constar a pouca

  • 38 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C III

    observncia da Ley da Visita prxima passada respe-ctiva venda ao Tabaco, q.com tanto escndalo se pra-tica neste Mosteiro, e por ser tambm contra as deter-minaoens Regias, mandamos com pena de obedincia,q. nenhuma Religioza per si emediatam te . nem por inter-posta Pessoa, possa daqui em diante vender tabaco

    pa

    . fora.

    Transponhamos os hombraes da portaria. Se nshoje o fazemos com toda a tranquillidade de espirito,no deixemos de reflectir nas diversas commoes queagitaram muitas d'aquellas mulheres que passaram clausura. A ns, a quem s domina a curiosidade, snos impressiona alli a solido. No vemos a madre Por-teira, nem a madre Rodeira; no vemos nenhuma irmconversa, nenhuma d'entre as numerosas servies, queiam, vinham, passavam, divagavam por aquellas qua-dras e corredores. L mais no interior, a mesma soli-do. Essas casas, esses dormitrios, essas officinas, es-

    ses claustros, esto vasios, esto ermos. Nenhuma vozhumana alli soa; nenhum rumor se sente, a no ser ozunido do vento, que se escoa pelas fendas das por-tas e janellas partidas, ou que varre as varandas dosclaustros. Estamos numa povoao cujos habitantesmorreram todos, estamos numa necropole, onde se su-miram milhares de vidas, levando comsigo muitos se-gredos, muitas memorias.

    No vos detenhaes na contemplao d'esse painel,que ahi cobre a parede junto da porta, e onde se v

  • C. Ill O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 3o,

    representado S. Bernardo; j sabemos que estamos nummosteiro da ordem de Cister. Olhemos, antes, paraeste formoso azulejo, que reveste as paredes inteira-mente, azulejo todo cheio de arabescos caprichosos,de que se destacam no arco, que sustenta o pavimentosuperior das grades, que j mencionei, direita um cor-deiro paschal com a competente bandeira, esquerdaas armas dos condes de Valle de Reis, que so, segundoa linguagem herldica,escudo franchado de verde eoiro; nos de oiro AVE MARIA. Estas armas indicam-nosque fez aquella obra de azulejo uma abbadessa quepertencia casa de Valle de Reis ou dos Mendonas.Quem fosse no est apurado. Entre as memorias quenos restam do mosteiro, e que consultei, encontro : emmeiados do sculo xvn, duas senhoras pertencentesquella casa D. Maria e D. Brites, filhas de Lopo Fur-tado de Mendona e D. Isabel de Moura, em fins domesmo sculo D. Joanna, filha de Pedro Furtado deMendona. D'estas, a nica abbadessa foi D. Brites, quedirigiu o convento no triennio de 12 maro de 1697 a11 de janeiro de 1700. Encontrei tambm como abba-dessa. pelos annos de 1727 a 1730 e de 1746 a 1749,D. Eufrsia Antnia de Mendona, filha de Joo deMesquita e Mattos Teixeira e de D. Joanna de Men-

    dona, que teve por companheira no claustro a suairm D. Filippa Catharina; as quaes por linha feminina

    pertenceram talvez alludida famlia. Creio, porm, queaquelle escudo d'armas foi mandado pr por D. Brites

  • 40 MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. III

    de Mendona, a qual durante o seu triennio j indicado(1697- 1700) ultimaria os trabalhos de revestimento deazulejo, encetados em 1683 pela hospedeira D. GuiomarGarcia de Bivar, conforme reza o seguinte lettreiro quepintado no azulejo se v sobre a porta, e pela parteinterna, do corredor que conduz da portaria para o in-terior do mosteiro

    :

    ESTA OBRA DE AZULEIODE PINTVRA MANDOVFAZER DONA GVJMAR GRASA DE VIVAR CENDO OSPODERA A SVA CVSTA

    NO AN NO DE 1683

    O desenho e a qualidade do azulejo, combinados coma data d'esta inscripo, parecem precisar-nos que foi

    D. Brites de Mendona quem levou a cabo o embelle-zamento iniciado pela hospedeira mencionada no let-treiro. Para vermos este, atravessamos rapidamentedois recintos contguos : um que estabelecia ligao

    entre a porta nova e a porta velha ; outro onde abriaa porta, a que alludi como existente no topo norte doprimeiro lano do alpendre.

    Percorrendo at o fim o estreito corredor do lettreiro,eis-nos num recinto semicircular, revestido de azulejo,como tudo que temos visto, campeando no azulejo aomeio da parede curva um calvrio, nica coisa que

  • C. III O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 41

    pode deter por momentos a nossa atteno. Alm daarcada por que entrmos, ha aqui duas portas; uma dingresso ao claustro novo, outra ao claustro velho \ o

    segundo ao norte do primeiro. Deixemos este; e, subindoesses poucos degraus gastos pela contnua passagem,

    entremos no claustro velho.

    Mas, antes de seguir, um pequeno parenthesis : (Em-bora eu confie muito no leitor, que tem a benevoln-cia de acompanhar-me nesta viagem, seno to philo-sophica, sem duvida um pouco mais complicada doque a de Xavier de Maistre; ainda assim, chamoa sua atteno para o plano do mosteiro. No umaplanta, pois que se no traou segundo as regras datopographia; apenas um bosquejo, onde apresento adisposio relativa dos logares principaes, que j per-corremos, e dos que temos ainda a visitar).

    Eis-nos no claustro velho.

    Se pelos absides, que restam da fabrica primitiva,se pde em parte reconstituir o que foi o templo, comoveremos adeante, no succede o mesmo quanto ao mos-teiro que vemos ser um conjuncto de successivas cons-truces ou reedificaes, que fizeram desapparecer o

    seu primitivo caracter. O que da primeira edificaosubsiste ainda so as columnatas, tanto superior como

    inferior, d'este claustro.

    As columnas do pavimento superior so elegantes,

  • 42 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. II

    e teem em si exarada a epocha a que pertencem. Osseus delgados fustes, pela maior parte lisos, mas muitos

    d'elles torcidos ou imitando troncos, so rematados decapiteis cujo feitio varia de columna para columna. A es-tas correspondem em baixo outras maiores, mas elegan-tes como as de cima, e apresentando a mesma variedade

    em seus capiteis. Da primitiva, nada mais, a no serum friso torcido que corre entre as columnas inferiores

    e as de cima. Passe a vista das columnatas p,ara o cen-tro do claustro e alli vereis uma fonte no destituida deelegncia, contrastando, porm, pelo seu estylo com oque da primitiva encontrastes. Junto do angulo nor-deste do mesmo claustro outra fonte mais pequena, in-significante. Attentae na fonte do centro : ao meio dumabacia quadrada, mas em cada um de cujos lados ha umsemicrculo reintrante, eleva-se um reservatrio circu-

    lar com quatro carrancas para a saida da agua. Sobreo reservatrio levanta-se uma figura representando uma

    mulher trajando moirisca, com seu turbante, e no pes-

    .

    coo um fio de prolas. O brao esquerdo da figurasustenta um escudo bipartido, tendo direita as quinas

    e esquerda as armas da ordem de Cister. A orla docartucho, que lateralmente excede o escudo, tem a lettra

    VLA//////D//II|RANAMORA

    cujo sentido no pude apurar, por estarem as lettras,meio apagadas umas, outras de todo desapparecidas.

  • CLAUSTRO DA MOIRA

  • C III O MOSTEIRO DE ODiVELLAS \t>

    No socco onde a estatua assenta, l-se a seguinte ins-cripo que um primor de orthographia

    :

    NO ANO D 1707 CE COLLOCOV

    Aquella figura allusiva ao nome de quem fez re-formar o claustro e que foi uma das mais clebres ab-

    badessas do mosteiro, pelas muitas obras que execu-tou. Lembra alli o seu nome a seguinte inscripo quese l em azulejo por cima da principal porta do mesmoclaustro, do lado interior

    :

    Csta obra

    se fe^ no terce=

    iro trien. daEx.ma S.DLui^a Mariad e Mo ira sendoAlo rdoma a M. D.M. a da Lu$ Cout =inha 2l4

    D. Luiza Maria de Moura foi filha de Gil Vaz Loboe de D. Isabel de Sequeira ; tomou o habito de noviaa 17 de maio de 1686 e professou a 19 de egual mez(dia da Asceno) do anno de 1689. No respectivo as-sento de bito, diz a cantora mor : A 24 de abril namesma era (1765) Faleceo a Il.

    mae ex.

    ma Snr.a D. Luiza

    M. a de Moura com qm

    . a prouidencia diuina foy to li-

  • 44 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. III

    beral nos seus dons, q na ouve algia na ordem dagraa, e natureza q na participace, empenhandose napratica das uirtudes mais excelentes, vnindose a fortunaao merecimento. Nacendo Iiustre, e viuendo 93 naopulncia de Riquezas q soube dispender no exerccioda caride . p\ lograr os bens eternos; trs uezes foyAbba . emprego q desempenhou com a mayor exacopa

    . os asertos a q. A guiaua o seu grde . emtendimt0 . deq foy dotada o qual na pode destruir o largo tempodos Ans . conseruando a mesma perfeio e todas asmais de q se ornaua. Est emterrada no cap.

    Effectivamente na casa capitular se pode ver aindao seu epitaphio, que diz assim

    :

    N

    Q. TUDO LOGROV NA UDAAqU SE UE SEPULTADAA MOURA MAIS ELEUADAJAS A CINZAS REDUZIDAA 24 DE ABRL DE 1765

    Por este, como por muitos outros epitaphios em ver-

    so, que opportunamente sero mencionados, se v que

    em Odivellas se cultivavam as bellas-lettras.

    Na ala norte do claustro da Moira (conservemos-lhea denominao que o reconhecimento lhe applicou), naque fica mo direita de quem nella entra, abrem-se

  • C. III O MOSTEIRO DE ODIVELLAS ^5

    varias portas dando accsso a diversas officnas. Allise acham as portas de varias casas de arrecadao, apassagem para um dos celleiros, e a entrada da cosinhaabbadessal. Nesta cosinha, ampla e bem disposta, varia-das doarias se manipularam : a famosa marmellada, osapreciados fartens, os saborosos esquecidos-, a deliciosa

    compota de variadas fructas, os elevados penhascos, ocelebrado tabefe ; ao que se juntavam os mimos de as-sucar rosado, e de cidra, as turinas, os cuvilhetes deabbora.

    Esses armrios, que ladeiam o corredor que conduz cosinha, estavam de ordinrio replectos de todas es-sas gulodices e de muitas outras, que iam passar na rodada portaria com grande satisfao de quem as compravae de quem as vendia.

    Pois que estamos tratando da cosinha, vem a prop-sito mencionar aqui alguns curiosos artigos dos Regimen-tos da Mordomia e da Tulha. No fallarei do que de-via ser dado a cada religiosa para as refeies, o quetudo se acha minuciosamente prescripto, nos dias decarne. . . ovo de ca, como he costume, nos diasde peixe . . . dois ovos ao jentar e ca se daro ou-tros dois ovos, etc; tudo isso ainda conforme as epo-chas do anno. Mas creio que no desagradar o saber-se o que em certos dias festivos se manipulava, e o que

    competia a cada uma das religiosas :No regimento da Tulha (anterior a 1727) l-se :37. Para os Bollos do Natal quarenta alqueires de

  • 46 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C III

    trigo, e a mesma quantia se dar para os bollos da Ps-coa da ressurreio, e outros tantos alqueires para osbollos do N. Pe . S. Bernardo e de cada alqueire se fa-ro vinte bollos, ou padas.

    38. Para as empadas do dia de N. Pe . S. Bento sedespendero doze alqueires de trigo

    . . .quatro se re-

    partiro Me . D. Abb a ., duas Me . Prioreza, e s quefora Abb as . e primeira ancea, e huma a cada humadas religiosas professas, Novias, e converas, seculla-

    res, recolhidas, e educandas. . .

    39. Para os Foliares da Pscoa se dispendera oitoalqueires de trigo . . .

    40. Para o bodo do Dia do Sir. D. Diniz se des-pender como he costume hum moyo de trigo, que sefar em paens, dos quaes se dara aos pobres e se

    mandaro aos presos, os que parecer necessrios, e serepartiro pela communidade.

    No regimento da Mordomia (de 1724), encontro

    :

    41. Em dia de Anno bom se dar Me . D. Abb a .huma torta de duzentos, e quarenta ris de peyxe, oucarne conforme o dia em que cahir, e meio cento defruta, e a cada huma das mais religiozas hum pastel devintm, e huma dzia de maans, ou outra fruta.

    42. Para a offerta de S. Braz no seu dia se darda tulha como he costume . . . hum alqueire de trigo,hum de milho, e outro de cevada, e meio selamim decada hum dos legumes que houver, e da mordomia sedar huma vella de meio aratel de cera branca, dois

  • G. III O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 47

    bacalhaos, huma cabea de porco, huma mao de papel,seis pennas de escrever, hum papelio de areia, hummao de obreas, e duzentos e quarenta ris em dinhei-ro, tudo na forma do costume antigo, a que se nosabe origem, e conforme a elle dar a M. e Mordomapara as talhadas, ou pastilhas, que se fazem na botica

    para a mesma offerta, outenta ris de amendo, cincoentaris de assucar cande, quarenta ris de alfenim, e doisarates de asucar fino.

    Pesado seria, decerto, desenvolver mais este assum-pto culinrio.

    Na ala norte e na Occidental, outras pertenas : allia adega, alm a casa da fructa. Para que percorremosagora essas casas vasias, e em ruinas, algumas meio en-tulhadas ? Deixemos at aquella porta, no topo da alameridional, dando ingresso a vastos casares, que haven-do sido primordialmente cavallarias pertencentes aopao real, passaram depois a servir de celeiros e outras

    casas de arrecadao.Examinemos a ala meridional. Aqui, apenas duas

    portas rasgam a parede, uma contigua outra. A pri-meira a da cosinha do refeitrio, a outra a d'este ul-timo.

    A cosinha, quadra trrea e ampla, conserva ain-da Uma enorme chamin, verdadeira chamin ou lareira

  • 4-0 O MOSTEIRO DE OD1VELLAS C. Ill

    de communidade bernarda. Veem-nos ideia as proe-minncias abdominaes e as tmidas cachaceiras dos mon-ges cisterciences ; lembram-nos as dimenses e as pro-priedades, adiposas da tremenda celebrada pelo Garrettna Dona Branca.

    Para commodidade de transporte, mesmo em frenteda lareira havia um postigo, por onde as iguarias pas-savam da cosinha para o refeitrio, no qual tempo deentrarmos, no pelo postigo mas pela porta.

    Era uma vasta quadra o refeitrio, digna da cosinha,digna de freiras bernardas e digna dum mosteiro quechegou a conter mais de tresentas monjas. As longasmezas e bancadas que a adereavam desappareceram

    ;

    esto despidas as paredes dos ricos azulejos de relevoque as revestiam, e que foram vendidos no sei a quempela espoliadora-mr do mosteiro, a abbadessa D. Ma-ria Carlota Anchieta, que governou a communidade p'ormuito tempo, no meiado d'este sculo, e qual hei demais d'uma vez referir-me. Se os azulejos faltam, res-ta-nos alli ao menos o tecto, cujo apainelado se estendepela parte superior das paredes, formando um largofriso. Esse apainelado, com a Sua pintura, est- nos in-

    dicando a segunda metade do sculo dezesete. Pai-nis com arabescos alternam com outros, onde se vemrepresentandas varias passagens biblicas ou religiosas,

    tendo cada uma sotoposta a lettra a que allude a figu-rao.

    Eis o que conteem esses painis, com a indica-

  • C. III O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 49

    o, entre parenthesis, das passagens bblicas citadas (a

    transcripo dos lettreiros rigorosamente exacta)

    :

    i multiplicao dos pes

    EX QVNQVE PANIBVS ET DVOBVS PSCBVSSATIAVT DOMNVS QVNQVE MLLIA HOMNV.C.

    (Titulo, na Vulgata, do 6. cap. do Ev. de S.Joo)

    2 a mulher sareptana, ajoelhada, offerecendo a Eliasfarinha num prato, e aceite numa bilha

    HYDRIA FARNE non defcetNE LECYTHVS OLE MNVETVRoR-

    (iii Reis, 17, 14)

    3 o filho prdigo, apascentando um rebanho

    In domo? PATrS ME ABVNDANT PANBVS(S. Lucas, 15, 17)

    4 saneto de habito negro com um clix na moFratv est acsprosgno lapdem dedsset

    ;

    5 Christo abrindo uma porta

    APER MH QW CAPVT MEVM PIeNVM EST RORE

    (Cant.dos Cant.,5, 2)

    6 Abraho ajoelhado ante os trs anjos

    PONAM BVCEILAM PANS ET CONFORTATE COR VESTRVM

    (Gnesis, 18, 5)

  • 50 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. III

    7 S. Joo Baptista

    ETENM MANVS domn ERAT CVMLLO

    (Act. dos Ap., 11, 21)

    8 Job, com os seus companheiros, apartando avista d'itma mulher

    em cujo hombro est uma figura do diabo

    Manvs domn tetgt mequare perseqvmn me; iob;

    (Job, 19, 21-22)

    9 o seraphim cerrando com uma tencvos beios de Isaias

    AVFERETVR NQVTAS TVA ET PEGGATVM TVVM MVNDABTVR; ISA; i6-

    (Isaas, 6, 7)

    io os irmos de Jos, ajoelhados ante elle,em attitude supplicantc

    DA NOBS ALIMENTA VT VVEREPOSSMVS; GENES; G. 4%

    (Paraphase do cap. 43 do Gen.)

    1

    1

    jui^o de Salomo

    NON DVDATVR 1NFANS.PROVERBIOR

    (III Reis, 3, paraphase dos vers. 2527)

    12 S.Joo Evangelista escrevendo

    discipiuVS LLE QV SCRPST HiEGverum esT TESTMONVM EVS, Ioan, c. i

    (Evang. de S. Joo, 21, 24)

  • C. III O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 5l

    i3 bodas de Cana

    GVSTAVT ARCHTELNVS ETNON SCEBAT VNDE ESSET : Io,c. 2

    (Evang. de S. Joo, 2, 9)

    14 resarreio

    VTAM RESVRGENDO reparavti5 chuva do man; Moyses no meio d'um campo

    com a vara erguida

    PLVT MAN ADEMANDVCAN sicDVM

    (Ps. 77, 24)

    16 ChristOy mesa, com dois apstolos

    COGNOVERVNT EVM IN FRATONEPANS, LVC- 24

    (Evang-. de S. Lucas, 24, 35)

    17 Jos mandando mettcr a taa no sacco de BenjaminSCYPHUM MEVM ARGENTEVMPONE IN ORE SACC VNORIS; GNES- 44 sic

    (Gnesis, 44, 2)

    18 varias personagens adorando a Virgemcom o menino ao collo

    N MANIBVS TVIS SORTES ME.E;

    (Ps. 30, 16)

    19 rei, com squito, ajoelhado ante o summo sacerdote

    MELGHSEDECH, REX SALEM PROFERENS PANEM ET VNVM; GENES; c.14

    (Gnesis, 14, 18)

  • 5l O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. III

    20 o anjo apresentando um livro a Ezequiel

    Comede volvmen istvd

    (Ezequiel, 3, 1)

    21 a noiva dos cnticos com um clix na mo,onde espreme um cacho

    botrvs cypr dlectvsdlectvs me mh.

    (Cant. dos Cant. 1, 13)

    22 mulher (devera ser Isaac) curvada ante Jacob sentado

    DET TiBI DVS D RORE CvEE Et PINGVErDNETERR.E

    (Gnesis, 27, 28)

    23 frade no plpito; em baixo, frente do povo,cestos com pes

    COMEDTE VT IL.VMNENTVROCVLI VESTR

    :

    (Paraphrase do Gnesis, 3, 5)

    24 Achab adormecido ; atra^ um anjo (devera ser Jesbel)com dois pes

    SVRGE ET COMEDE-REG-5-

    (III Reis, 21, 7)

    25 Sanso abrindo a bocca do leo prostrado

    D FORT EGRESSA EST DVLCEDO(Juizes, 14, 14)

  • C. III O MOSTEIRO DE OD1VELLAS 53

    Examinando o tecto do refeitrio, nada mais ha quever, nada mais allumiado pela claridade que se escoaatravez d'esses poucos vidros de Bohemia, que aindasubsistem nos deteriorados caixilhos das janellas.

    Desde epocha impossivel de determinar com preci-ciso, mas que talvez no passe alm dos meados dosculo dezesete algumas religiosas, comeando a viverparticularmente em casa prpria, deixaram de ir comerao refeitrio. O que de interessante encontro concer-nente refeio em commum, o que passo a apontar.Primeiro, um paragrapho da visitao 15 de fevereirode 1744, que diz: Por nos constar, que todas as ren-das do Refeitrio lhe fora consinadas s com o fim deque as religiosas fossem comer a elle, por se no per-

    der este louvauel acto tanto da nossa criassao, e esta-do; e sabermos, que muitas religiosas, que comem dodicto Refeitrio, na va a elle, o que na verdade sefaz estranho

    ;por isso mandamos, que d'aqui em diante

    se na d cousa alguma do dicto Refeitrio s religiosas,que na forem comer a elle, excepto se estiverem actual-

    mente doentes, ou deixarem de hir por constante ou le-gitima causa. Noutra visita antecedentemente feita, em

    17 de fevereiro de 1727, o abbade fr. Bento de Melloexpressava-se d'este modo: Ordenamos que na mezado refeitrio, como acto de comunidade, se sentem etenhao lugar as relijiosas pelos gros de sua ancianida-

    de ; e a M. R. M. D. Abbadessa detremine que pellamesma serie se d a cada huma das religiosas que fo-

  • ?4 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. Ill

    rem ao refeitrio a chave da gaveta que lhe competir,as quaes gavetas se na vendero daqui em diante ; masvagando alguma se dar a quem pertencer pella sua an-cianidade.E da mesma sorte ordenamos que as Novias,que na tiverem impedimento por alguma queixa ou mo-lstia, va todas ao refeitrio contribuindo com os dozetostoens cada mez ; como dao as mai^ religiosas que alycomem; e se lhe dar a mesma poro que se d smais religiosas.

    Mais citaes podia fazer ; mas parece-me ser tempode sair do refeitrio.

  • n^^^k^^^^ir^^^^w^^f^^Uf ' dbW$lPPIS^i^^^^^p^^^fj&JSa

    CAPITULO IV

    A varanda do claustro da MoiraA enfermaria e a sua capellaA bo-ticaA casa do rei O CascalhoGrades falsas e falseadasO dor-mitrio de Corte Real e a sua inscripo Duas cellas interessantes O dormitrio pequeno e o grandeAs cavallarias reaesA casado trabalho As casas de habitao.

    SUBAMOS varanda ou pavimento superior doclaustro da Moira, cujo tecto se apoia d'umJlado sobre as delgadas columnas que j vimos,

    do outro na parede, sobre cachorros de variada forma.Na ala norte e oriental, varias portas de habitaes

    particulares de monjas. Na ala sul duas portas apenas

    :

    uma, aqui no angulo sudeste que d passagem para ou-tras casas;' outra, ao meio da varanda, estreita entradado plpito do refeitrio, onde uma freira ia fazer a lei-tura regulamentar emquanto as outras tomavam a re-feio. Quasi em frente d'esta pequena porta, v-se,num capitel, a banda de Cister, e na face opposta asinsgnias abbadessaes : o bculo e a mitra.

    Na ala do poente ha trs portas : duas aos cantos,uma ao centro com sua sineta ao lado. A do cantosudoeste d'um pequeno recinto com oratrio, que d

  • 56 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. IV

    passagem para os antigos dormitrios (chamados o ve-lho e o pequeno) e casa do trabalho

    ;pela do centro e

    pela outra penetra-se numa vasta casa rectangular. En-

    tremos pela porta central, cuja volta interior testemu-nha de sua antiguidade, e que tem na verga, pela partede fora, em caracteres gothicos, esta palavra

    Stktttttf

    Estamos na enfermaria, cujas cellas eram destinadas,como diz a visita de reforma para milhor cmodo, ehabitaam das entrevadas, que padecem achaques ha-bituaes, e contnuos. No a vemos como era antiga-mente, que um incndio a destruiu por occasio do ter-remoto de 1755; sendo tradico do convento que sescapara o retbulo da capella

    . .. milagrosamente, bem

    entendido. O que existe data do ultimo tero do sculopassado. Encostadas parede fronteira s portas men-cionadas, subsistem em complecta ruina algumas cellas.

    ISo topo meridional est a capella particular da enfer-maria, que foi restaurada em 1766, custa de D. The-reza Ludovici, conforme a seguinte inscripo pintada,

    em lettras doiradas sobre fundo verde, na longa verga

    do prtico :

    ESTA % OBRA * MANDOV x FAZER xA M 6 X D X THEREZA x DELVVISE * SENDO * IMFERM

    ERA*NO TRANOxDALXA,*SA,DxLVlZA CARDIM*DE MIRANDA * ABBA,* NA ERA 1766

  • C. IV O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 5j

    Paredes meias com a enfermaria ficava a botica; aqual, segundo o regimento respectivo, devia estar sem-pre provida dos medicamentos precisos.

    Na cosinha da botica ainda se v, gravado na vergada porta, da banda de dentro, o seguinte iettreiro :

    ESTA OBRA MA1NDOV FAZER DONA FRCA DE SOVZA SEM) EMFERMEIRA

    ERA 1676

    D. Francisca de Sousa, filha de Domingos Alvaresde Serpa, tinha apenas dois annos de habito quandomandou fazer aquella obra.

    Subindo-se uma estreita escada, que principia na en-fermaria, prximo da sua extremidade septentrional,ve-se ter a varias casas de habitao, compondo umedificio quadrado de vrios andares, sem belleza e semcaracter tanto interior como exteriormente. As nicascoisas que se notam na fachada, que olha para o clau-

    stro, so a arcada ogival d'uma janella meia tapada pelacobertura do claustro, e um escudo das armas reaesnum cunhal e a grande altura. J atraz alludi a esteescudo e a esta janella, bem como a outra egual quepode ser vista da cerca do mosteiro. Estas casas mo-dernas, forradas interiormente de azulejo, em cujas qua-tro faces se abrem irregularmente algumas janellas de

  • 5S O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. IV

    diverso tamanho, so ainda pomposamente chamadasa casa do rei.

    A casa do rei ! O pao que D. Dinis deu s freiras,e que constituiu a primeira habitao d'ellas, emquanto

    o mosteiro propriamente dicto se edificava ! Se o rei

    trovador podesse reviver, s reconheceria o seu antigo

    pao por aquelle escudo d'armas e por aquellas janel-las, e murmuraria

    :

    Quantum mutatus ab tilo

    !

    como Eneas exclamara ao recordar-se da sombra deHeitor.

    *

    Junto da porta que leva casa do rei (continuemosa designal-a d'este modo), passa-se da enfermaria parauma vasta construco que se estende ria direco donorte e que conhecida por esta curiosa denominaoO Cascalho. Visitemol-o.Tem dois pavimentos, no contando o trreo que s

    em parte existe pela disposio do terreno, e que eraoceupado por adegas e outras pertenas. O andar in-ferior consta dum largo corredor, onde, d'um lado va-rias janellas do para a cerca, d'outro se abrem as por-tas de varias habitaes, todas amplas, cada uma del-ias com a competente alcova, cosinha, dispensa, etc.

    Todas as janellas d'estas casas tinham as grades respe-ctivas, mas algumas eram com tal arte feitas que, tirado

  • C IV O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 5o,

    um dos vares, se abriam ou proporcionavam passa-gem. No sei se a estas grades, se a outras, se referemos visitadores geraes que alli foram em 10 de outubrode 1744, quando dizem : as grades. . . sera de ferrobastantemente grossas.

    .. e do mesmo modo sera todas

    as que se puzerem nas janellas, que ainda as na tem,ou forem taes, que na bastem para segurar a clausura:as outras podero ser de pau, com tanto que seja for-tes, midas, e fixas, e que na tenha janella, ou porta,como tem huma das que ns vimos. Ainda noutra vi-sitao, feita pelo Abbade de Alcobaa fr. P^dro deMendoa em 8 de abril de 1753, ha questo de grades.Essa visitao est incompleta, existindo s o final ; tal-

    vez ella contivesse artigos que as freiras julgaram con-veniente fazer desapparecer. No que resta l-se ...D.Francisca de Mello, he preciso recolherce mais paradentro uma grade ; o que parece indicar que era to

    saliente a grade da janella, que esta parecia balco. Eprosegue logo o abbade : Huma janella por cima dehum tilhado, que he da Madre D. Mariana Cabral tems huma crus, de sorte que se pode entrar, e sair porella: necessita de mais ferros. Exarado isto aqui, con-tinuemos a vossa visita ; e, porque nada mais temos aver neste pavimento, subamos pela ampla escadaria aoandar superior do Cascalho.No topo do segundo lano um lettreiro: interessante

    por commemorar a obra, curioso pelo modo como foigravado. Formaram no alto da parede uma espcie de

  • 00 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. IV

    caixilho de estuque e pintaram com almagre todo o in-terior d'elle ; sobre essa pintura deram algumas mos decal, e finalmente recortaram as lettras nessa ultima crosta

    branca, de modo a apparecer o fundo vermelho. Ape-zar das dificuldades que se me contrapunham, consegui

    tirar um calco da inscripo, commemorativa da feiturada obra, por ordem de D. Guiomarde Sousa e Mello,filha de Jeronymo de Mello de Castro e de sua mulherD. Maria Corte Real.

    Esta obra de cazas e dormtoro mandov levantar desde os alcercessendo abbadeca na erade 1677 a snr donna gvmar de sovza e mello cvio animo se conhese nagrandeza della e sevnome merece estares

    CRITO NOS ASTROS

    A maneira como executaram o lettreiro no corres-ponde na verdade vastido do dormitrio, compostode numerosas cellas, dispostas a um e outro lado dumamplo e extenso corredor. Cada uma d'essas claras ecommodas cellas contm um armrio, e algum ha comseu segredo. Todas ellas so semelhantes e nada maisha a acrescentar para descrevel-as.

  • C. IV O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 6l

    Duas, porm, nos prendem a atteno. Aqui nestaresidiu uma religiosa artista: No apainellado do tectopintou ella talvez essas figuras de santos, mas com cer-teza foi obra sua essa tira de papel, que como frisoacompanha toda a cimalha da parede, e onde desenhoucuidadosa mas pouco habilmente as palavras que com-pem o Magniftcat. Nesta cella reinou a virtude ou,antes, a hypocrisia. A mim apraz-me crer que foi avirtude. Mais alguns passos adeante, quasi ao fim dodormitrio, a outra cella. Nesta agora, certamente,

    nem a virtude nem a hypocrisia habitaram. Olhae asparedes. Reveste-as at meia altura um ptimo azulejoa cinco cores, branco, verde, azul, amarello.e roxo.

    Representa elle algumas paisagens, algumas scenas b-blicas, alguns passos da vida dum asceta, algumas ale-gorias destinadas a chamar meditao, a incutir af? No. Representa Neptuno e Amphitrite passean-do sobre as aguas, no seu carro de concha puxadopelos cavallps marinhos ; representa danas lbricas debacchantes ; representa a Galatha ou talvez melhor anympha gle, que num coche sumptuoso, cujas bor-las da trazeira segura um fauno, se dirige para o velhoSileno coroado de parras e brio, assentado entre can-

    nios beira d'agua ; representa . . . Que pinturas maisprprias se poderiam escolher para uma cella de freira?Que doces pensamentos suggeririam aquelles painis sua contempladora ! Quando por acaso recolhida cella,como devia comprazer-se-lhe a vista nessas scenas my-

  • 62 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. VI

    thologicas, que por uma serie de ideias associadas afariam lembrar do cntico dos cnticos I

    Nada mais temos a ver na casa de cima do dormit-rio de Corte Real, nome porque tambm era conheci-da esta parte do mosteiro, e allusivo ao appellido dame da edificadora.

    *

    Voltemos enfermaria e percorramol-a em toda asua extenso. No topo sul, um estreito corredor nosconduz ao pequeno recinto, com oratrio, que, comose disse no comeo d'este capitulo, d passagem paraos dormitrios antigos. Uma pequena escada leva casa do trabalho que fica sobre o refeitrio. Logo su-biremos por ella. Agora, entremos por esta porta fron-teira ao oratrio. Eis-nos numa das duas partes em que

    o dormitrio velho se divide, e que s dum lado temcellas ; o chamado pequeno.

    Todos os dormitrios de conventos eram na traageral semelhantes, e os trez de Odivellas no se afas-tam d'essa regra. Parece pois, que, tendo sido exami-

    nado um, poderiam deixar de ver-se os outros. No assim, todavia, para quem deseja estudar os costumese as epochas, que as particularidades quasi sempre re-

    velam com toda a exactido.

    O tecto d'esta parte do dormitrio velho, em quenos achamos, apainellado, com varias pinturas a el-

    ia, pela maior parte arabescos e outros caprichos. Aocentro campa um painel representando a Annuncia-

  • C. IV O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 63

    o, entre dois lettreiros; um reproduz o versculo bi-blico allusivo ao assumpto; outro, relativo obra dodormitrio mandada executar por D. Isabel de Mene-zes, de quem no encontrei mais noticias:

    nvenst grati

    apvd devmannun-

    ciao

    D-ELSABETHA MENEZES +

    6I

    Ainda no tecto, mais prximo da porta, um painelonde se v Joo Evangelista escrevendo; em volta,num cartucho arqueado e em forma de fita, a lettra

    :

    SVFICIT MIHIC ANGELVS MEVS IOANES

    Esta metade do dormitrio velho liga por um pas-sadio com i outra egual, correndo entre ambas um es-treito e longo saguo. D'est'outra metade, que tem

    aposentos d'um e outro lado, o que decerto lhe valeua designao de dormitrio grande, j o tecto desap-pareceu. As cellas, esto em complecta ruina. Que diffe-rena entre estas e aquellas que vimos no dormitrio deCorte Real. L, so ellas altas, claras, commodas, con-fortables; aqui so baixas, humildes, mal allumiadas deestreitas janellinhas. L, revestem quasi meia paredevistosos azulejos, l, armrios de boa madeira; portas

  • 04 MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. IV

    inteiras interceptavam os olhares indiscretos e os curio-sos ouvidos; aqui, apenas estreitas fachas de modestosazulejos, pequenos vos nas paredes para midos obje-ctos, portas de ralo de madeira forradas de lona, comoo resto da fachada de cada cella.

    Estabelecida esta comparao, vejamos o que dizemestes lettreiros pintados nas cimalEas das frontarias das

    cellas. Na maior parte, l-se melhor ou peior orthogra-phado

    :

    LOVVADO SEIA O ^g* SANTISIMO SACRAMENTO

    Numa cella, a nica que tem o duplo do tamanhodas restantes, l-se numa s linha :

    LOVVACIO SE7A N.Snr ^EZU chrispto T P^ SeIVPR CEM FlM-^MEP

    Noutra, apparecem as palavras Maria, Jesus, Joseph yem monogramma ou abreviatura

    :

    "M^iSMSPHtFinalmente, veem-se noutra cimalha, trez pinturas

    muito damnificadas, cada uma acompanhada de sualettra, na disposio seguinte

    :

    paisagem frontaria de pao ou convento; ave voandocom runas ade ante, uma praa com cruzeiro? entre nuvens?

    NFLOREARVIT SNE DEOvOMNAtNhL SIC TRANZEAT*

  • C. IV O MOSTEIRO DE ODIVELLAS 65

    Eis o que o dormitrio velho. Sob as duas partesd'elle ha vastos casares com suas abobadas sustenta-das ao centro por columnas, cuja forma no deixa du-vidar de sua antiguidade. Diz-se que foram alli as ca-vallarias reaes (ao que j atraz alludi), adequadas pe-las freiras a celleiros e outras casas de arrecadao. Osaguo, que divide os dois corpos, tem na extremida-

    dade sul uma porta que d saida para a cerca; ena ex-tremidade norte v-se uma escada de pedra em com-pleta ruina, que dava ingresso a varias casarias do mos-teiro, de que s existem insignificantes restos. Foi pro-vavelmente aquella a parte incendiada no primeii o tero

    d'este sculo pelas filhas dum certo capito-mr, cujonome ignoro. Estas meninas, recolhidas em Odivellas

    pelo pae, que as queria apartar inteiramente de seusnamorados, tomaram a resoluo de produzir um in-cndio, para no momento da confuso, que natural-mente sobreviesse, abandonarem o mosteiro. E com ef-feito aquellas aves bateram as azas, e consta que fu-giram para Inglaterra.

    Subindo agora a pequena escada, que principia napassagem do oratrio, depara-se-nos mo esquerda,a casa do trabalho construda sobre o refeitrio. Aquinada ha que ver, exceptuados os caixilhos de chum-bo das pequenas janellas, que parece subsistem paranos indicar com grande probabilidade que aquella cons-

    truco ascende aos incios do xvn sculo. As cellas, que5

  • 66 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C. IV

    vemos aqui, so ainda mais humildes que as do dormi-trio velho. Os ralos que as dividiam esto em derro-cada; e d'alguns cVelles ainda pendem meio arranca-das as lonas que os cobriam. Se attentardes bem nel-las, ahi encontrareis, tapando alguns buraquinhos feitospela traa ou devidos a indiscretas intenes, algumas

    cartas de jogarum az, um terno, Tim rei, um cavallo(conde ou valete), etc; e certamente ponderareis queas freiras n as mandaram comprar para lhes daraquella nica applicao.

    Da casa do trabalho passa-se para a varanda doclaustro novo, atravessando alguns corredores e casas,

    e descendo uma estreita escada de poucos degraus.

    Est ultimada a nossa visita aos dormitrios, ondeas freiras deviam, segundo a regra, recolher-se todasas noites. Elias tinham a liberdade de habitar nas ca-sas que no mosteiro possuam, quer por ellas manda-das construir, quer adquiridas por herana, por com-

    pra ou arrendamento; mas essas casas eram destinadas

    unicamente a ser habitadas durante o dia. O abbadede Alcobaa, D. Manuel de Mendona, na visitaoque fez em 22 de maro de 177 1, exprime -se a talrespeito da maneira seguinte: E como para este San-to Exerccio concorre m. t0 o silencio, por ser hum dospontos mais ecenciaes, e mais Louvveis da nossaProfisso, tantas vezes recomendado na nossa S.ma

  • C. IV O MOSTEIRO DE OD1VELLAS 6j

    Regra, principalmente dipois das completas, e este na

    pode ser exactamente praticado, sem que todas as Re-ligiosas durma nas suas cellas: E sabemos que de tem-pos a esta parte tem a relaxao adoptado o reprehen-civel, e estranho costume de durmirem nas casas, semconsiderarem que lhe sa unicamente permitidas para asna assistncia de dia, e para mais commodamente seempregarem no trabalho, ou no que lhes for precisopara o seu temporal governo Ordenamos e mandamosque todas as Religiosas dipois de principiadas as Oras

    do Silencio se recolha aos Durmitorios, e q. em todoo tempo durma nas suas respectivas cellas.O abuso de ficarem de noite nas casas vinha de

    longa data, como naturalmente se comprehende e sededuz de muitas passagens das visitaes e de tradi-es conhecidas.

    As freiras pouco ou nada se importavam com asdeterminaes dos visitadores; aquellas que recolhiam

    s cellas, faziam-no muito tarde. Na visitao de 23 dejaneiro de 1747, j mencionada, dizia fr. FranciscoXavier; com esta mesma brandura lhes rogamos, que

    ao menos s ds horas da noute se recolha.A quantidade de casas particulares, que no mostei-

    ro se nota, no deve todavia causar extranheza vista asua grande populao, composta de freiras, novias e

    conversas, como de recolhidas, educandas e serviaes.

    Quasi todas essas moradas so irregulares, e pela maiorparte formando grupos, em que umas esto como que

  • 68 O MOSTEIRO DE ODIVELLAS C IV

    encravadas nas outras, com um ddalo de quadras, cor-redores e escadas. Quando o espao faltou, comearama construir umas casas sobre outras, contra o que, jem 1749, legislara o abbade de Alcobaa.Uma das particularidades mais notveis de mu