morre lentamente quem não viaja

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Morre lentamente quem no viaja

"Morre lentamente quem no viaja,Quem no l, Quem no ouve msica, Quem destri o seu amor-prprio, Quem no se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma escravo do hbito, Repetindo todos os dias o mesmo trajecto, Quem no muda as marcas no supermercado, no arrisca vestir uma cor nova, no conversa com quem no conhece.

Morre lentamente quem evita uma paixo, Quem prefere O "preto no branco" E os "pontos nos is" a um turbilho de emoes indomveis, Justamente as que resgatam brilho nos olhos, Sorrisos e soluos, corao aos tropeos, sentimentos.

Morre lentamente quem no vira a mesa quando est infeliz no trabalho, Quem no arrisca o certo pelo incerto atrs de um sonho, Quem no se permite, Uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da m sorte ou da Chuva incessante, Desistindo de um projecto antes de inici-lo, no perguntando sobre um assunto que desconhece E no respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves, Recordando sempre que estar vivo exige um esforo muito maior do que o Simples acto de respirar. Estejamos vivos, ento!

Pablo Neruda

JOS RGIO - SONETO

Surge Janeiro frio e pardacento,Descem da serra os lobos ao povoado;Assentam-se os fantoches em So BentoE o Decreto da fome publicado.Edita-se a novela do Oramento;Cresce a misria ao povo amordaado;Mas os biltres do novo parlamentoUsufruem seis contos de ordenado.

E enquanto fome o povo se estiola,Certo santo pupilo de Loyola,Mistura de judeu e de vilo,

Tambm faz o pequeno sacrifcio De trinta contos s! por seu ofcioReceber, a bem dele... e da nao.

JOS RGIO

FLORBELA ESPANCA

Charneca em Flor

Enche o meu peito, num encanto mago, O frmito das coisas dolorosas... Sob as urzes queimadas nascem rosas... Nos meus olhos as lgrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago Em mim? Eu oio bocas silenciosas Murmurar-me as palavras misteriosas Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade, Dispo a minha mortalha, o meu burel, E j no sou, Amor, Soror Saudade...

Olhos a arder em xtases de amor, Boca a saber a sol, a fruto, a mel: Sou a charneca rude a abrir em flor!

Mensagens: 541Registado: Quinta Jul 16, 2009 2:47 pm

FLORBELA ESPANCA

Silncio!...

No fadrio que meu, neste penar,Noite alta, noite escura, noite morta,Sou o vento que geme e quer entrar,Sou o vento que vai bater-te porta...

Vivo longe de ti, mas que me importa?Se eu j no vivo em mim! Ando a vaguearEm roda tua casa, a procurarBeber-te a voz, apaixonada, absorta!

Estou junto de ti, e no me vs...Quantas vezes no livro que tu lsMeu olhar se pousou e se perdeu!

Trago-te como um filho nos meus braos!E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...Silncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!...

FLORBELA ESPANCA

SONHOS

Sonhei que era a tua amante querida,A tua amante feliz e invejada ;Sonhei que tinha uma casita branca beira de um regato edificada

Tu vinhas ver-me, misteriosamente,A horas mortas quando a terra mongeQue reza. Eu sentia, doidamente,Bater o corao quando de longe

Te ouvia os passos. E anelante,Estava nos teus braos num instante,Fitando com amor os olhos teus !

E, v tu, meu encanto, a doce mgoa :Acordei com os olhos rasos dgua,Ouvindo a tua voz num longo adeus !

FORBELA ESPANCA

Ser Poeta

Ser poeta ser mais alto, ser maiorDo que os homens! Morder como quem beija! ser mendigo e dar como quem sejaRei do Reino de quem e de Alm Dor!

ter de mil desejos o esplendorE no saber sequer que se deseja! ter c dentro um astro que flameja, ter garras e asas de condor!

ter fome, ter sede de Infinito!Por elmo, as manhs de oiro e de cetim... condensar o mundo num s grito!

E amar-te, assim, perdidamente... seres alma, e sangue, e vida em mimE diz-lo cantando a toda a gente!

Autopsicografia

O poeta um fingidor.Finge to completamenteQue chega a fingir que dorA dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,Na dor lida sentem bem,No as duas que ele teve,Mas s a que eles no tm.

E assim nas calhas de rodaGira a entreter a razo,Esse comboio de cordaque se chama o corao.

FERNANDO PESSOA

Liberdade

Ai que prazerNo ***prir um dever,Ter um livro para lerE no o fazer!Ler maada,Estudar nada.O sol doiraSem literatura.

O rio corre, bem ou mal,Sem edio original.E a brisa, essa,De to naturalmente matinal,Como tem tempo no tem pressa...

Livros so papis pintados com tinta.Estudar uma coisa em que est indistintaA distino entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor, quando h bruma,Esperar por D. Sebastio,Quer venha ou no!

Grande a poesia, a bondade e as danas...Mas o melhor do mundo so as crianas,Flores, msica, o luar, e o sol, que pecaS quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto Jesus Cristo,Que no sabia nada de finanasNem consta que tivesse biblioteca...

Mensagens: 541Registado: Quinta Jul 16, 2009 2:47 pmTopo

Re: POESIA - POETAS PORTUGUESESpor em Segunda Abr 12, 2010 6:52 pm SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

O poema

O poema me levar no tempoQuando eu j no for euE passarei sozinhaEntre as mos de quem l

O poema algum o dirs searas

Sua passagem se confundirComo rumor do mar com o passar do vento

O poema habitarO espao mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentesSuas slabas redondas

( antigas longasEternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrarUma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densasDe funda e devorada solidoAlgum seu prprio ser confundirCom o poema no tempo

Mensagens: 541Registado: Quinta Jul 16, 2009 2:47 pmTopo

Re: POESIA - POETAS PORTUGUESESpor em Segunda Abr 12, 2010 6:56 pm SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

CIDADE

Cidade, rumor e vaivm sem paz das ruas, vida suja, hostil, inutilmente gasta,Saber que existe o mar e as praias nuas,Montanhas sem nome e plancies mais vastasQue o mais vasto desejo,E eu estou em ti fechada e apenas vejoOs muros e as paredes, e no vejoNem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vidaE que arrastas pela sombra das paredesA minha alma que fora prometidas ondas brancas e s florestas verdes.

Mensagens: 541Registado: Quinta Jul 16, 2009 2:47 pmTopo

Re: POESIA - POETAS PORTUGUESESpor em Segunda Abr 12, 2010 7:01 pm MANUEL ALEGRE

Lisboa perto e longe

Lisboa chora dentro de LisboaLisboa tem palcios sentinelas.E fecham-se janelas quando voanas praas de Lisboa -- branca e rotaa blusa de seu povo -- essa gaivota.

Lisboa tem casernas catedraismuseus cadeias donos muito velhospalavras de joelhos tribunais.Parada sobre o cais olhando as guasLisboa triste assim cheia de mgoas.

Lisboa tem o sol crucificadonas armas que em Lisboa esto voltadascontra as mos desarmadas -- povo armadode vento revoltado violas astros-- meu povo que ningum ver de rastos.

Lisboa tem o Tejo tem veleirose dentro das prises tem velas riosdentro das mos navios prisioneirosai olhos marinheiros -- mar aberto-- com Lisboa to longe em Lisboa to perto.

Lisba uma palavra dolorosaLisboa so seis letras proibidasseis gaivotas feridas rosa a rosaLisboa a desditosa desfolhadapalavra por palavra espada a espada.

Lisboa tem um cravo em cada motem camisas que abril desabotoamas em maio Lisboa uma canoonde h versos que so cravos vermelhosLisboa que ninguem ver de joelhos.

Lisboa a desditosa a violadaa exilada dentro de Lisboa.E h um brao que voa h uma espada.E h uma madrugada azul e tristeLisboa que no morre e que resiste.

Mensagens: 541Registado: Quinta Jul 16, 2009 2:47 pmTopo

Re: POESIA - POETAS PORTUGUESESpor em Segunda Abr 12, 2010 7:03 pm MANUEL ALEGRE

Trova do vento que passa

Pergunto ao vento que passanotcias do meu pase o vento cala a desgraao vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levamtanto sonho flor das guase os rios no me sossegamlevam sonhos deixam mgoas.

Levam sonhos deixam mgoasai rios do meu pasminha ptria flor das guaspara onde vais? Ningum diz.

Se o verde trevo desfolhaspede notcias e dizao trevo de quatro folhasque morro por meu pas.

Pergunto gente que passapor que vai de olhos no cho.Silncio -- tudo o que temquem vive na servido.

Vi florir os verdes ramosdireitos e ao cu voltados.E a quem gosta de ter amosvi sempre os ombros curvados.

E o vento no me diz nadaningum diz nada de novo.Vi minha ptria pregadanos braos em cruz do povo.

Vi minha ptria na margemdos rios que vo pr marcomo quem ama a viagemmas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir(minha ptria flor das guas)vi minha ptria florir(verdes folhas verdes mgoas).

H quem te queira ignoradae fale ptria em teu nome.Eu vi-te crucificadanos braos negros da fome.

E o vento no me diz nadas o silncio persiste.Vi minha ptria parada beira de um rio triste.

Ningum diz nada de novose notcias vou pedindonas mos vazias do povovi minha ptria florindo.

E a noite cresce por dentrodos homens do meu pas.Peo notcias ao ventoe o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevoliberdade quatro slabas.No sabem ler verdadeaqueles pra quem eu escrevo.

Mas h sempre uma candeiadentro da prpria desgraah sempre algum que semeiacanes no vento que passa.

Mesmo na noite mais tristeem tempo de sevidoh sempre algum que resisteh sempre algum que diz no.

Mensagens: 541Registado: Quinta Jul 16, 2009 2:47 pmTopo

Re: POESIA - POETAS PORTUGUESESpor em Segunda Abr 12, 2010 7:07 pm MRIO DE S-CARNEIRO

ltimo Soneto

Que rosas fugitivas foste ali!Requeriam-te os tapetes, e vieste...--- Se me di hoje o bem que me fizeste, justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolviQuando entraste, nas tardes que apareceste!Como fui de percal quando me desteTua boca a beijar, que remordi...

Pensei que fosse o meu o teu cansao ---Que seria entre ns um longo abraoO tdio que, to esbelta, te curvava...

E fugiste... Que importa? Se deixasteA lembrana violeta que animaste,Onde a minha saudade a Cor se trava?...

Mensagens: 541Registado: Quinta Jul 16, 2009 2:47 pmTopo

Re: POESIA - POETAS PORTUGUESESpor em Tera Abr 13, 2010 11:45 am NATLIA CORREIA

Poema destinado a haver domingo

Bastam-me as cinco pontas de uma estrelaE a cor dum navio em movimentoE como ave, ficar parada a v-laE como flor, qualquer odor no vento.

Basta-me a lua ter aqui deixadoUm luminoso fio de cabeloPara levar o cu todo enroladoNa discreta ambio do meu novelo.

S h espigas a crescer comigoNuma seara para passear a pEsta distncia achada pelo trigoQue me d s o po daquilo que .

Deixem ao dia a cama de um domingoPara deitar um lrio que lhe sobre.E a tarde cor-de-rosa de um flamingoSeja o tecto da casa que me cobre

Baste o que o tempo traz na sua anilhaComo uma rosa traz Abril no seio.E que o mar d o fruto duma ilha Onde o Amor por fim tenha recreio.

Mensagens: 541Registado: Quinta Jul 16, 2009 2:47 pm---------Topo

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