morfo-anatomia foliar de aphelandra longiflora profice ... iii/19.pdf · as flores muitas vezes...

6
III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 175 Morfo-Anatomia Foliar de Aphelandra Longiflora Profice. (Acanthaceaea) L. Zottele¹*, A. Indriunas¹ & E. M. Aoyama¹ ¹Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas, Centro Universitário Norte do Espírito Santo, Universidade Federal do Espírito Santo, São Mateus, ES *Email para correspondência: [email protected] Introdução Acanthaceae possui distribuição pantropical, consiste de aproximadamente 240 gêneros e 3250 espécies (Wasshausen & Wood, 2004). Os principais centros de diversidade da família são a região Indo-Malásia, África, América Central e Brasil (Cronquist, 1981). No Brasil ocorrem cerca de 40 gêneros e 430 espécies (Profice et al., 2012). Em Acanthaceae as flores muitas vezes apresentam corolas coloridas e, com frequência, brácteas vistosas, tendo grande importância ecológica, pois são polinizadas por abelhas, vespas, mariposas, borboletas e aves. (Judd et al., 2009). Dentre essas espécies, cerca de 190 são do gênero Aphelandra R. Br., distribuídos em regiões neotropicais, ocorrendo a partir do México, em regiões de florestas úmidas e secas até o sudeste do Brasil (Wasshausen & Wood, 2004). O gênero é caracterizado por folhas opostas, brácteas vistosas geralmente coloridas, inflorescência em espiga terminal ou axilar, corolas bilabiadas variando nas cores vermelhas, amarelas ou laranjas (Wasshausen & Wood, 2004). Aphelandra longiflora Profice é conhecida vulgarmente como erva-de-gado, sendo um subarbusto, com inflorescências vistosas, brácteas verdes e corolas avermelhadas (Profice & Andreata, 2011). A espécie apresenta considerável importância ecológica e ornamental, mas carece de estudos mais detalhados. Embora a literatura apresente informações morfo-anatômicas sobre a família e em menor grau sobre o gênero, muitas delas possuem viés predominantemente morfológico direcionando-se principalmente para as questões taxonômicas. Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar a estrutura morfo- anatômica das folhas de Aphelandra longiflora Profice a fim de contribuir para o conhecimento do gênero.

Upload: dohanh

Post on 21-Jan-2019

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 175

Morfo-Anatomia Foliar de Aphelandra Longiflora Profice. (Acanthaceaea)

L. Zottele¹*, A. Indriunas¹ & E. M. Aoyama¹ ¹Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas, Centro Universitário Norte do Espírito Santo, Universidade Federal do Espírito Santo, São Mateus, ES

*Email para correspondência: [email protected]

Introdução

Acanthaceae possui distribuição pantropical, consiste de aproximadamente 240 gêneros e

3250 espécies (Wasshausen & Wood, 2004). Os principais centros de diversidade da

família são a região Indo-Malásia, África, América Central e Brasil (Cronquist, 1981). No

Brasil ocorrem cerca de 40 gêneros e 430 espécies (Profice et al., 2012). Em Acanthaceae

as flores muitas vezes apresentam corolas coloridas e, com frequência, brácteas vistosas,

tendo grande importância ecológica, pois são polinizadas por abelhas, vespas, mariposas,

borboletas e aves. (Judd et al., 2009).

Dentre essas espécies, cerca de 190 são do gênero Aphelandra R. Br., distribuídos em

regiões neotropicais, ocorrendo a partir do México, em regiões de florestas úmidas e secas

até o sudeste do Brasil (Wasshausen & Wood, 2004).

O gênero é caracterizado por folhas opostas, brácteas vistosas geralmente coloridas,

inflorescência em espiga terminal ou axilar, corolas bilabiadas variando nas cores

vermelhas, amarelas ou laranjas (Wasshausen & Wood, 2004). Aphelandra longiflora

Profice é conhecida vulgarmente como erva-de-gado, sendo um subarbusto, com

inflorescências vistosas, brácteas verdes e corolas avermelhadas (Profice & Andreata,

2011). A espécie apresenta considerável importância ecológica e ornamental, mas carece

de estudos mais detalhados. Embora a literatura apresente informações morfo-anatômicas

sobre a família e em menor grau sobre o gênero, muitas delas possuem viés

predominantemente morfológico direcionando-se principalmente para as questões

taxonômicas. Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar a estrutura morfo-

anatômica das folhas de Aphelandra longiflora Profice a fim de contribuir para o

conhecimento do gênero.

176 ZOTTELE ET AL: MORFO-ANATOMIA FOLIAR DE APHELANDRA LONGIFLORA

Material e Métodos

As folhas de A. longiflora foram coletadas na Reserva Natural Vale, localizada ao norte do

estado do Espírito Santo entre os municípios de Linhares e Jaguaré, com cerca de 22.000

ha, altitude variando entre 28-65 m, clima quente e úmido com estação chuvosa no verão e

quente no inverno, vegetação composta por Florestas de Tabuleiros, em seu estado original

(Fundação SOS Mata Atlântica, 2002). As coletas foram realizadas em novembro de 2013

na estrada Guaribú Amarelo (S 19º 011’23.0’’ WO 40º 01’22.3’’). Foram coletadas cerca

de 20 folhas adultas retiradas do 2º a 3º nós. Os caracteres morfológicos das folhas;

contorno, simetria, tipo de ápice, base, margem e venação foram analisados segundo a

metodologia de Hickley (1973). Para as análises biométricas foram avaliados os

parâmetros: comprimento total, comprimento da lâmina foliar, largura, comprimento e

diâmetro do pecíolo, utilizando régua graduada em centímetros e paquímetro digital. Os

resultados foram calculados e obtidos a média e o desvio padrão.

Para o estudo anatômico as folhas foram fixadas em FAA (formaldeído: ácido

acético:álcool etílico 50%, 2:1:18, v/v), de acordo com Johansen (1940), mantidas por 48

horas e posteriormente transferidas para etanol 70%. Secções transversais da porção

mediana do limbo, da nervura central e do pecíolo foram obtidas, à mão livre, com o

auxílio de lâmina de barbear e isopor, e secções paradérmicas da face abaxial e adaxial do

limbo. Posteriormente foram clarificadas com solução de hipoclorito de sódio a 25%,

coradas com azul de astra 1% e safranina 1% (Bukatsch,1972), e montadas em lâminas

semipermanentes com gelatina glicerinada. As lâminas foram analisadas ao microscópio e

as ilustrações obtidas em microscópio Leica DM 750, acoplada à câmera fotográfica Leica

ICC50, com projeção de escalas micrométricas.

Resultados e Discussão

Com base nos dados biométricos, o comprimento total da folha corresponde a 17,19 ± 3,88

cm, o comprimento da lâmina foliar a 19,65± 3,79 cm, a largura a 4,85 ± 0,92 cm, o

comprimento do pecíolo a 1,92 ± 0,68 cm e o diâmetro do pecíolo a 1,93 ± 0,35 mm.

Em relação aos estudos morfológicos, as lâminas foliares são simples, elípticas, simétricas,

ápice acuminado, base decorrente, margem inteira, com venação eucamptódroma,

corroborando com Profice & Andreata (2011).

Em vista frontal, a espécie apresenta células epidérmicas com parede periclinal delgada e

ondulada (Figura 1A), revestidas por uma fina camada de cutícula. Essas características

foram observadas por Aoyama & Indriunas (2013) para Justicia carnea Lindley.

III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 177

As folhas são hipoestomáticas e apresentam estômatos diacíticos (Figura 1B). , Esse

padrão de disposição estomática também foi encontrado para outras espécies da família,

como para Justicia wasshauseniana Profice (Zottele & Aoyama), Odontenema strictum

Kuntze (Larcher & Boeger, 2006) e Ruellia furcata (Nees) Lindau (Monteiro & Aoyama,

2012).

Figura 1. Vista frontaldas folhas de Aphelandra longiflora Profice. A- Secção paradérmica da face adaxial. B- Secção paradérmica da face abaxial. Seta branca indica o estômato, e a seta preta indica o tricoma glandular multicelular

Na face abaxial foram encontrados tricomas glandulares subsésseis formados por uma

“cabeça” multicelular com quatro células (Figuras 1B e 2C), como descrito por Profice e

Andreata (2011), e tricomas tectores unicelulares (Figura 2D). A presença de tricomas

glandulares é comum nas espécies da família (Ahmad, 1978), sendo os subsésseis

comumente encontrados em outros gêneros, como em Justicia wasshauseniana Profice

(Zottele & Aoyama, 2013) e Ruellia furcata (Ness) Lindau (Monteiro &Aoyama, 2012).

Os tricomas, tanto os tectores unicelulares assim como os glandulares ocorrem apenas na

nervura central e na face abaxial. Em relação aos tectores, a variação do formato, número

de células, ornamentação e espessura pode ser empregada para a identificação das espécies

(Ahmad, 1978).

Em secções transversais, a epiderme é uniestratificada com células de formato retangular e

o mesofilo é dorsiventral, onde internamente à epiderme da face abaxial se destaca um

parênquima paliçádico pouco desenvolvido, formado por uma única camada de células.

Logo abaixo, se destaca o parênquima lacunoso, formado por cerca de quatro a seis

camadas de células com formatos irregulares (Figura 2B). Essa disposição do mesofilo

também foi descrito para Justicia wasshauseniana Profice (Zottele &Aoyama, 2013),

Justicia pectoralis Jacq. E Justicia gendarussa Burm. f. (Aoyama & Indriunas, 2012)

178 ZOTTELE ET AL: MORFO-ANATOMIA FOLIAR DE APHELANDRA LONGIFLORA

sendo esse padrão comum para diversas espécies de Acanthaceae (Metcalfe & Chalk,

1965; Larcher & Boeger, 2006).

. Figura 2. Secções transversais das folhas de Aphelandra longiflora Profice. A-Nervura central; B- Lâmina foliar; C- Tricoma glandular multicelular presente na face abaxial; D- Tricoma tector unicelular presente na face abaxial; E- Pecíolo. A seta indica os dois feixes vasculares presentes próximos às projeções laterais; F- Detalhe do feixe vascular presente no pecíolo. A nervura central se apresenta biconvexa, sendo o arco adaxial mais proeminente em

relação ao abaxial, apresentando de três a quatro camadas de colênquima angular em

ambas as faces (Figura 2A). O parênquima cortical é constituído por células de tamanhos

variados. O sistema vascular é formado por feixe vascular circular e por dois feixes

cilíndricos menores próximos as projeções laterais, no qual estes foram encontrados

também em Ruellia furcata (Nees) Lindau (Monteiro & Aoyama, 2012).

Em secções transversais, o pecíolo apresenta forma plano-convexa, exibindo na porção

distal, alas laterais que correspondem ao início da expansão da lâmina foliar (Figura 2E),

como observado em Justicia kleinii Wassh. E Justicia scheidweilerii V.A.W. Graham

(Aoyama & Indriunas, 2013). A epiderme é uniestratificada com células de formato

quadrangulares, apresentando uma fina cutícula. Internamente à epiderme, ocorre uma

faixa contínua de colênquima angular. Assim como ocorre na nervura central, o sistema

III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 179

vascular é formado por feixe vascular circular (Figura 2F) e por dois feixes cilíndricos

menores próximos às projeções laterais.

Conclusão

Aphelandra longiflora Profice apresenta características peculiares da família que pertence

como: estômato diacítico, ticoma glandular multicelular e mesofilo dorsiventral. O tricoma

tector unicelular pode ser uma característica diagnóstica para identificação da espécie, no

entanto, um maior número de espécies do gênero deverá ser investigado.

Agradecimentos

À Reserva Natura Vale, pelo espaço cedido para realização das coletas, e ao Geovane de

Souza Siqueira curador do herbário CVRD, que colaborou imensamente para identificação

e localização da espécie.

Literatura Citada

Ahmad, K. J. Epidermal hairs of Acanthaceae.1978. Blumea, 24:101-117.

Aoyama, E. M. & Indriunas, A. Anatomia foliar de duas espécies de “anador”: Justicia

pectoralis Jacq. e Justicia gendarussa Burm. f. (Acanthaceae). In: VI Simpósio

Iberoamericano de Plantas medicinais, 2012, Ponta Grossa.

Aoyama, E. M. & Indriunas, A. Anatomia foliar de três espécies de Justicia

L.(Acanthaceae) da mata atlântica. In: I Simpósio sobre biodiversidade de Mata

Atlântica: conservação e sustentabilidade, 2012, Santa Teresa.

Aoyama, E. M. & Indriunas, A. 2013. Morfoanatomia foliar de três espécies de Justicia L.

(Acanthaceae). Enciclopédia Biosfera, 9(17): 2833-2844.

Bukatsch, F. Bemerkungenzum Doppelfarbung Astrablau-Safranin. 1972. Mickrokosmos,

61: 255.

Cronquist, A. 1981. An Integrated System of Classification of Flowering Plants. New

York, Columbia Univ. Press. 1262 p.

Fundação Sos Mata Atlântica. 2002. Atlas dos remanescentes florestais da Mata Atlântica

1995-2000. Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto Nacional de Pesquisas

espaciais. Relatório Final. São Paulo. 46 p.

Hickey, L. J. Classification of the Architecture of Dicotyledonous Leaves. 1973. American

Journal of Botany, 60(1):17-33.

Johansen, D. A. 1940. Plant Microtechniche. New York: Mc Graw Hill.

180 ZOTTELE ET AL: MORFO-ANATOMIA FOLIAR DE APHELANDRA LONGIFLORA

Judd, W. S.; Campbell, C. S.; Kellogg, E. A. & Stevens, P. F. 2009. Sistemática Vegetal:

um enfoque filogenético. 3. ed. Porto Alegre: Artmed. 632 p.

Larcher, L. & Boerger, R. M. 2006. Anatomia foliar de Odontonema strictum (Nees) O.

Kuntze (Acanthaceae). Curitiba: Biotemas, 19 (4): 23-31.

Mcdade, L.A. Systematic and reprodutive biology of the Central American species of

Aphelandra pulcherrima complex (Acanthaceae).1984.Ann. Missouri Bot. Gard,

71:104-165.

Metcalfe, C. R. & Chalk, L.1965. Anatomy of the dicotiledons,leaves, steam, and woodin

relations to taxonomy whit notes on economic uses. Clarendon Press, Oxford,UK,

560pp.

Monteiro M. M. & Aoyama E.M. 2012. Morfoanatomia foliar de Ruellia furcata (Nees)

Lindau (Acanthaceae). Enciclopédia Biosfera, 8(14):735-750.

Profice, S. R.& Andreata, R. H. P. 2011. Revisão taxonômica de Aphelandra R. Br.

(Acanthaceae) de corola curto-bilabiada. Instituto Anchietano de Pesquisas. São

Leopoldo. 62: 7-70.

Profice, S. R.; Kameyama, C.; Côrtes, A.L.A.; Braz, D. M.; Indriunas, A.; Vilar, T.;

Pessoa,C., Ezcurra, C. & Wasshausen, D. 2012. Acanthaceae in Lista de Espécies

da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em:

http://floradobrasil.jbrj.gov.br/2012/FB000033 (18/03/2014).

Smith, W. K.; Vogelmann, T. C.; Delucia, E. H.; Bell & Shepherd, K. A. 1997. Leaf form

and photosynthesis: Do leaf structure and orientation interact to regulate internal

light and carbon dioxide? Bioscience, 47:785-793. Wasshausen, D. C. & Wood, J. R. I.2004. Acanthaceae of Bolivia. Contributions from the

United States National Herbarium.Washington, 49:1-152.

Zottele, L. & Aoyama, E. M. Morfo-anatomia foliar de Justicia wasshauseniana Profice

(Acanthaceae). In: II Simpósio sobre a biodiversidade de Mata Atlântica, 2012,

Santa Teresa.