moral estranha quem nÃo odeia seu pa i e sua mÃe · 2017-05-28 · quem não odeia seu pai e sua...

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248 CAPÍTULO XXIII MORAL ESTRANHA Quem não odeia seu pai e sua mãe - Abandonar pai, mãe e filhos – Deixai ao mortos os cuidado de enterrar seus mortos – Não vim trazer a paz, mas a divisão. * QUEM NÃO ODEIA SEU PA I E SUA MÃE 1. Uma grande multidão caminhando com Jesus, ele se volta para eles e lhes diz: Se alguém vem a mim, e não odeia eu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e, mesmo sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E todo aquele que não carrega sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo. Assim, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo. (São Lucas, cap. XIV, v. 25 a 27 e 33). 2. Aquele que ama se ai ou sua mãe mais que a mim, não é digno de mim; aquele que ama seu filho ou filha mais do que a mim não é digno de mim. (São Mateus, cap. X, v. 37). 3. Certas palavras muito raras fazem um contraste tão estranho na boca do Cristo que, instintivamente, se rejeita seu sentido literal, e a sublimidade de sua doutrina não sofre com isso nenhum prejuízo. Escribas depois da sua morte, uma vez que nenhum Evangelho foi descrito durante a sua vida; é lícito crer que, nesse caso, o fundo do seu pensamento não foi bem exprimido, ou o que não é menos provável, o sentido primitivo pôde sofrer a alguma alteração, passando de uma língua para outra. Bastaria que um erro fosse feito uma primeira vez, para que tivesse sido repetido nas reproduções, como se vê, tão frequentemente, nos fatos históricos.

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Page 1: MORAL ESTRANHA QUEM NÃO ODEIA SEU PA I E SUA MÃE · 2017-05-28 · Quem não odeia seu pai e sua mãe - Abandonar pai, mãe ... que ninguém deixara pelo reino de Deus, ou sua casa,

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CAPÍTULO XXIII

MORAL ESTRANHA

Quem não odeia seu pai e sua mãe - Abandonar pai, mãe

e filhos – Deixai ao mortos os cuidado de enterrar seus mortos –

Não vim trazer a paz, mas a divisão.

*

QUEM NÃO ODEIA SEU PA I E SUA MÃE

1. Uma grande multidão caminhando com Jesus, ele se

volta para eles e lhes diz: Se alguém vem a mim, e não odeia eu

pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs

e, mesmo sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E todo

aquele que não carrega sua cruz e não me segue não pode ser

meu discípulo. Assim, todo aquele que dentre vós não renuncia a

tudo o que tem, não pode ser meu discípulo. (São Lucas, cap. XIV,

v. 25 a 27 e 33).

2. Aquele que ama se ai ou sua mãe mais que a mim, não

é digno de mim; aquele que ama seu filho ou filha mais do que a

mim não é digno de mim. (São Mateus, cap. X, v. 37).

3. Certas palavras muito raras fazem um contraste tão

estranho na boca do Cristo que, instintivamente, se rejeita seu

sentido literal, e a sublimidade de sua doutrina não sofre com

isso nenhum prejuízo. Escribas depois da sua morte, uma vez

que nenhum Evangelho foi descrito durante a sua vida; é lícito

crer que, nesse caso, o fundo do seu pensamento não foi bem

exprimido, ou o que não é menos provável, o sentido primitivo

pôde sofrer a alguma alteração, passando de uma língua para

outra. Bastaria que um erro fosse feito uma primeira vez, para

que tivesse sido repetido nas reproduções, como se vê, tão

frequentemente, nos fatos históricos.

Page 2: MORAL ESTRANHA QUEM NÃO ODEIA SEU PA I E SUA MÃE · 2017-05-28 · Quem não odeia seu pai e sua mãe - Abandonar pai, mãe ... que ninguém deixara pelo reino de Deus, ou sua casa,

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A palavra ódio, nesta frase de São Lucas: Se alguém vem

a mim e não odeia seu pai e sua mãe, esta nesse caso; não há

ninguém que tenha tido o pensamento de atribuí-la a Jesus;

seria, pois supérfluo discuti-la, e ainda menos procurar justifica-

la. Seria preciso saber primeiro se ele a pronunciou e, na

afirmação, saber se, na língua em que se exprimia, essa palavra

tinha o mesmo valor que na nossa. Nesta passagem de São João:

“Aquele que odeia sua vida neste mundo, a conserva para a vida

eterna”, é certo que não exprime a ideia que lhe atribuímos.

A língua hebraica não era rica e, havia muitas palavras

com vários significados. Tal é, por exemplo, aquele que, no

Gênese, designa as fases da criação e, serviu a uma só vez para

exprimir um período de tempo qualquer e a revolução diurna;

daí, mais tarde, sua tradução para a palavra dia, e a crença que o

mundo foi obra de seis vezes vinte e quatro horas. Tal é ainda a

palavra que se dizia de um camelo e de um cabo, porque os

cabos eram feito de pelo de camelo e, que foi traduzida por

camelo na alegoria do buraco de agulha. (Cap. XVI, n° 2). ¹

¹ - Non odit em latim, Kai ou misei em grego, não quer dizer odiar, mas

amar menos. O que exprime o verbo grego misein, o verbo hebreu, do qual deve ter

se servido Jesus, o diz ainda melhor; não significa somente odiar, mas amar menos,

não amar tanto quanto, igual a outro. No dialeto siríaco do qual se diz que Jesus

usava mais frequentemente, essa significação é ainda mais acentuada. Foi nesse

sentido que está dito no Gênese (cap. XXIX, v. 30, 31): “E Jacó amou também a Raquel

mais do que a Lia, e Jeová, vendo que Lia era odiada...” É evidente que o verdadeiro

sentido é menos amada; é assim que é preciso traduzir. Em varias outras passagens

hebraicas e, sobretudo siríacas, o mesmo verbo é empregado no sentido de não amar

tanto quanto o outro seria um contra senso traduzir por ódio, que tem outra acepção

bem determinada. O texto de São Mateus afasta toda a dificuldade. (Nota de M.

Pezzani)

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É preciso ter em conta os costumes e o caráter dos povos

que influem sobre o gênio particular de suas línguas. Sem esse

conhecimento, o sentido verdadeiro de certas palavras escapa;

de uma língua a outra, a mesma palavra tem mais ou menos

energia; pode ser uma injúria ou blasfêmia em uma e não

significar em outra, segundo a ideia que a ela se atribuiu; na

mesma língua, certas palavras perdem seu significado, alguns

séculos depois, uma tradução rigorosamente literal não exprime

perfeitamente o pensamento e é preciso por vezes empregar,

não as palavras correspondentes, mas palavras equivalentes ou

perífrases.

Essas advertências encontram uma aplicação especial na

interpretação das Santas Escrituras e, dos Evangelhos em

particular. Se não se leva em conta o meio no qual Jesus viveu,

fica-se exposto a equivocar-se sobre o valor de certas expressões

e de certos fatos, em consequência do habito que se tem de

comprara os outros a si mesmo. Por essa razão, é preciso afastar

da palavra ódio a acepção moderna, como contrária ao espírito

do ensinamento de Jesus. (Ver também o cap. XIV, n° 5 e

seguintes).

DEIXAR PAI, MÃE E FILHOS

4. Todo aquele que tiver deixado, por meu nome, sua

casa, seus irmãos, suas irmãs, seu pai, ou sua mãe, ou sua

mulher, os seus filhos, ou suas terras, por isso receberá o

cêntuplo e terá por herança a vida eterna. (São Mateus, cap. XIX,

V. 29).

5. Então, Pedro lhe disse: Por nós, vedes que tudo

deixamos, e que vos seguimos. Jesus lhes disse: Digo-vos em

verdade, que ninguém deixara pelo reino de Deus, ou sua casa,

seu pai e sua mãe. Seus irmãos, sua mulher ou seus filhos, que

não receba desde este mundo muito mais, e no século futuro, a

vida eterna. (São Lucas, cap. XVIII, v. 28 a 30).

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6. Um outro lhe disse: Senhor eu vos seguirei, mas

permiti-me dispor antes do que tenho em minha casa. Jesus lhe

respondeu: Todo aquele que tendo a mão na charrua, olha para

trás, não está apto par ao reino de Deus. (São Lucas, cap. IX, v.

61, 62).

Sem discutir as palavras, é preciso procurar o

pensamento, que era evidentemente este: “Os interesses e

todas as considerações humanas”, porque está de acordo com o

fundo da doutrina de Jesus, ao passo que a ideia de renuncia à

família seria a sua negação.

Não temos sob nossos olhos, a aplicação dessas máximas

no sacrifício dos interesses e das afeiçoes da família pela pátria?

Censura-se um filho por deixar seu pai, sua mãe, seus irmãos,

sua mulher, seus filhos, para marchar em defesa do seu pais?

Não se lhe reconhece ao contrário, um mérito por se separar do

ambiente domestico e do aconchego da amizade, para cumprir

um dever? Há deveres que se sobrepõem a outros deveres. A lei

não torna uma obrigação à filha deixar seus pais para seguir seu

esposo? O mundo está repleto de casos em que as separações,

as mais penosas, são necessárias; mas as afeiçoes não são

quebradas, por isso, a distancia não diminui nem o respeito,

nem a solicitude que se deve aos pais, nem a ternura pelos

filhos. Vê-se que mesmos tomadas ao pé da letra salvo o termo

odiar, essas palavras não seriam a negação do mandamento que

prescreve honrar pai e mãe, nem do sentimento de ternura

paternal, e com mais forte razão se tomadas quanto ao espírito.

Elas tinham por finalidade mostrar, por uma hipérbole, quanto

era imperioso o dever de se ocupar com a vida futura. Deveriam

ser menos chocantes num povo e numa época em que, em

consequência com dos costumes, os laços de família tinham

menos força do que numa civilização moral mais avançada; esses

laços, mais fracos nos povos primitivos se fortificam com o

desenvolvimento da sensibilidade e do senso moral. A própria

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separação é necessária ao progresso; ocorre nas famílias, como

nas raças. Elas se abastardam não havendo cruzamento, se não

se enxertam umas na outras; é uma lei natural, tanto no

interesse do progresso moral quanto do progresso físico.

Essas coisas não são examinadas aqui senão do ponto de

vista terrestre. O Espiritismo nos faz vê-las de mais alto, em nos

mostrando que os verdadeiros laços de afeição são os do

Espírito e não os do corpo; que esses laços não se rompem, nem

pela separação, nem mesmo pela morte do corpo, que eles se

fortalecem na vida espiritual pela depuração do Espírito.

Verdade consoladora que dá uma grande força para suportar as

vicissitudes da vida. (Cap. IV, n°18, cap. XIV, n°8).

DEIXAI AOS MORTOS O CUIDADO DE ENTERRAR SEUS MORTOS

7. Ele disse a outro: Segui-me; e ele lhe respondeu: Senhor permiti-me

ir antes enterrar meu pai. Jesus lhe respondeu: Deixai aos mortos o cuidado de

enterrar seus mortos, mas por vós ide anunciar o reino de Deus. (São Lucas,

cap. IX, v. 59, 60).

8. Que podem significar estas palavras: “Deixai aos mortos o cuidado

de enterrar os seus mortos?” As considerações precedentes mostram

primeiro que, na circunstância em que foram pronunciadas, não poderiam

exprimir uma censura contra aquele que considera um dever de piedade filial

ir enterrar seu pai; elas encerram, porem, um sentido profundo, que só um

conhecimento mais completo da vida espiritual poderia fazer compreender.

]a vida espiritual, com efeito, é a verdadeira vida; é a vida normal do

Espírito; sua existência terrestre não é transitória e passageira; é uma espécie

de morte comparada ao esplendor e à atividade da vida espiritual. O corpo é

uma veste grosseira que reveste momentaneamente o Espírito, verdadeira

cadeia que o prende à gleba Terrestre, da qual se sente feliz por estar livre. O

respeito que se tem pelos mortos não se prende à matéria, mas, pela

lembrança, ao Espírito ausente; é análogo àquele que se tem pelos objetos

que lhe pertenceram, que tocou, e que aqueles que o amam guardam como

relíquias. É o que esse homem não poderia compreender por si mesmo; Jesus

ensina-lhe dizendo: Não vos inquieteis com o corpo, mas pensai antes no

Espírito; ide ensinar o reino de Deus; ide dizer aos homens que sua pátria não

está na Terra, mas no céu, porque lá somente está a verdadeira vida.

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NÃO VIM TRAZER A PAZ, MAS A DIVISÃO

9. Não penseis que eu vim trazer a paz sobre a Terra; eu na vim trazer

a paz, mas a espada; porque eu vim separar o homem de seu pai, a filha de

sua mãe e nora de sua sogra; e o homem terá por inimigos os de sua casa.

(São Mateus, cap. X, v. 34 a 36).

10. eu vim lançar o fogo sobre a Terra; e que desejo senão que ele se

acenda? Eu devo ser batizado com um batismo, e quando me sinto apressado

que se cumpra!

Credes que eu vim trazer a paz sobre a Terra? Não, eu vos asseguro,

mas, ao contraio, a divisão; porque de hoje em diante, se se encontram cinco

pessoas numa casa, elas estarão divididas umas contra as outras; três contra

duas e duas contra três. O pai estará em divisão com o seu filho e o filho com

seu pai; a mãe com a filha e, a filha com a mãe. A sogra com a nora e a nora

com a sogra. (São Lucas, cap. XII, v. de 49 a 53).

11. Foi Jesus a personificação da doçura e da bondade, ele que não

cessou de pregar o amor ao próximo, quem pôde dizer: Eu não vim trazer a

paz, mas a espada. Eu vim separar o filho d pai, o esposo da esposa; eu vim

lançar o fogo sobre a Terra. Tenho pressa que ele se acenda! Essas palavras

não estão em contradição flagrante com o seu ensinamento? Não há

blasfêmia em lhe atribuir à linguagem de um conquistador sanguinário e

devastador? Não há nem blasfêmia nem contradição nessas palavras, porque

foi ele mesmo quem as pronunciou, e elas testemunham a sua alta sabedoria;

somente a forma, um pouco equívoca não exprime exatamente o seu

pensamento, o que fez com que se desprezasse seu sentido verdadeiro;

tomadas ao pé da letra, tenderiam a transformar sua missão, toda pacífica,

numa missão de perturbações e de discórdias, consequência absurda que o

bom senso faz afastar, porque Jesus não poderia se contra dizer. (Cap. XIV,

n°6).

12. Toda ideia nova encontra forçosamente oposição, e não há uma

única que tenha se estabelecido sem lutas; ora, em semelhante caso, a

resistência está sempre em razão da importância dos resultados previstos,

porque quanto maior, mas fere interesses. Se é notoriamente falsa, se julgada

sem consequência, ninguém com ela se preocupa e deixam-na passas,

sabendo que não tem vitalidade. Mas se é verdadeira, se repousa sobre base

sólida, se se entrevê futuro para ela, um secreto pressentimento adverte seus

antagonistas de que é um perigo para eles e para a ordem das coisas em cuja

manutenção estão interessados; por isso, caem sobre ela e seus partidários.

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A medida da importância e dos resultados de uma ideia nova se

encontra assim, na emoção que causa e seu aparecimento, na violência da

oposição que levanta e, no grau e persistência da cólera dos adversários.

13. Jesus vinha proclamar uma doutrina que solapava pelas bases e

os abusos nos quais viviam os Fariseus, os Escribas e os sacerdotes do seu

tempo; assim o fizeram morrer, crendo matar a ideia matando o homem; mas

a ideia sobreviveu, porque era verdadeira; cresceu porque estava nos

designíos de Deus. Saída de um obscuro burgo da Judéia foi plantar sua

bandeira na própria capital do mundo pagão, em frente dos seus inimigos

mais obstinados, daqueles que tinham maior interesse em combatê-la,

porque ela derrubava as crenças seculares, que muitos tinham, mais por

interesse que por convicção. Aí as lutas mais terríveis esperavam seus

apóstolos; as vítimas foram inumeráveis, mas a ideia cresceu sempre e saiu

triunfante, porque se sobrepunha como verdadeira, sobre as suas

predecessoras.

14. Há a observar-se que o Cristianismo chegou quando o Paganismo

estava em seu declínio e, se debatia contra as luzes da razão. Era praticado

ainda quanto à forma, mas a crença tinha desaparecido só o interesse pessoal

o sustentava. Ora, o interesse é tenaz; não cede jamais à evidencia; e irrita

tanto mais quanto os raciocínios que se lhe opõem. São mais peremptórios e

lhe demonstram melhor seu erro; ele bem sabe que está em erro, mas isso

não lhe toca porque a verdadeira fé não está em sua alma; o que mais teme é

a luz que abre os olhos aos cegos; esse erro lhe tem proveito e, por isso, se

agarra a ele e o defende.

Sócrates não tinha emitido uma doutrina análoga, até certo ponto, à

do Cristo? Por que não prevaleceu nessa época entre um dos povos mais

inteligentes da Terra? É que o tempo não havia chegado. Ele semeou em terra

não trabalhada. O Paganismo não estava ainda gasto. Cristo recebeu sua

missão providencial no tempo próprio. Todos os homens do seu tempo não

estavam, tanto quanto quando era preciso, à altura das ideias cristãs, mas

havia uma aptidão geral para assimilá-la, porque se começava a sentir o vazio

que as crenças vulgares deixam na alma. Sócrates e Platão tinham aberto o

caminho e predisposto os espíritos. (Ver na introdução, parágrafo IV, Sócrates

e Platão, precursores da ideia crista e do Espiritismo).

15. Infelizmente os adeptos da nova doutrina não se entenderam

sobre a interpretação das palavras do Mestre, a maior parte veladas sob

alegoria e a figura; daí nascerem desde o início, as seitas numerosas que

pretendiam, todas, terem a verdade exclusiva e, que dezoito séculos não

puderam pôr de acordo. Esquecendo o mais importante dos divinos

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preceitos, aquele do qual Jesus havia feito a pedra angular de seu edifício e a

condição expressa de salvação; a caridade, a fraternidade e o amor ao

próximo, essas seitas trocavam anátemas e se arrojaram umas sobre as

outras, as mais forte esmagando as mais fracas, abafando-as no sangue, nas

torturas e nas chamas das fogueiras. Os cristãos, vencedores do Paganismo,

de perseguidos se fizeram perseguidores; foi com o ferro e o fogo que

plantaram a cruz do cordeio sem mácula nos dois mundos. É um fato

constatado que as guerras religiosas foram as mais cruéis e fizeram mais

vítimas que as guerras politicas e, em nenhuma se cometeram mais atos de

atrocidade e de barbárie.

Isso foi culpa da doutrina do Cristo? Não, certamente porque ela

condena formalmente toda violência. Ele disse alguma vez a seus discípulos:

Ide matar, massacrar, queimar aqueles que não crêem como vós? Não,

porque lhes disse, ao contrario: Todos os homens são irmãos, e Deus é

soberanamente misericordioso; amai o vosso próximo; amai os vossos

inimigos, fazei o bem àqueles que vos perseguem. E lhes disse ainda: Quem

matar pela espada perecerá pela espada. A responsabilidade não é da

doutrina de Jesus, mas daqueles que a interpretaram falsamente e, dela

fizeram um instrumento para servi à suas paixões; daqueles que ignoraram

estas palavras: Meu reino não é deste mundo.

Jesus, em sua profunda sabedoria, previa o que deveria ocorrer; mas

essas coisas eram inevitáveis, porque se prendiam à inferioridade da natureza

humana, que não podia se transformar de repente. Seri aprecio que o

Cristianismo passasse por essa longa e cruel prova de dezoito séculos, para

mostrar toda a sua força; porque, malgrado todo o mal cometido em seu

nome, saiu dela puro; jamais foi posto em causa; a censura sempre recaiu

sobre aqueles que dele abusaram; a cada ato de intolerância, sempre se

disse: Se o Cristianismo fosse melhor compreendido e melhor praticado, isso

não teria ocorrido.

16. Quando Jesus disse: Não creiais que eu vim trazer a paz, mas a

divisão, seu pensamento era este:

“Não creiais que a minha doutrina se estabeleça pacificamente. Ela

conduzirá a lutas sangrentas, das quais meu nome será o pretexto porque os

homens não me terão com prendido, ou não terão querido me compreender;

os irmãos, separados por sua crença, tirarão a espada um contra o outro, e a

divisão reinará entre os membros de uma mesma família que não tiverem a

mesma fé. Eu vim lançar o fogo sobe a Terra para limpá-la dos erros e dos

preconceitos, como se coloca fogo num campo para nele destruir as más

ervas e, tenho pressa que ele se acenda para que a depuração seja mais

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pronta, porque desse conflito a verdade sairá triunfante; à guerra, sucederá a

paz; o ódio dos partidos, a fraternidade universal; às trevas do fanatismo, a

luz da fé esclarecida. Então, quando o campo estiver preparado eu vos

enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade, que virá restabelecer todas as

coisas; quer dizer, em fazendo conhecer o verdadeiro sentido das minhas

palavras, os homens mais esclarecidos poderão enfim, compreender e, por

fim à luta fratricida que divide os filhos de um mesmo Deus. Cansados, enfim,

de um combate sem resultado, que não arrasta atrás de si senão a desolação

e, leva a perturbação até o seio das famílias, os homens reconhecerão onde

estão os seus verdadeiros interesses para este mundo e para o outro. Verão

de que lado estão os amigos e os inimigos da sua tranquilidade. Todos então

virão se abrigar sob a mesma bandeira; a da caridade e, as coisas serão

restabelecidas sobre a Terra, segundo a verdade e os princípios que vos

ensinei.”

17. O Espiritismo vem realizar no tempo certo as promessas do

Cristo; entretanto, não pode fazê-lo sem destruí os abusos; como Jesus,

encontra sobre seus passos o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o

fanatismo cego que, batidos em suas últimas trincheiras, tentam lhe barrar o

caminho e lhe suscitam entraves e perseguições; por isso, lhe é preciso

também combater; mas o tempo das lutas e das perseguições sangrentas

passou; as que se tem a suportar são todas morais e, o seu termo se

aproxima; as primeiras duraram séculos; estas durarão apenas alguns anos

porque a luz, em lugar de partir de um só foco, jorra sobre todos os pontos do

globo, e abrirá mais cedo os olhos aos cegos.

18. Essas palavras de Jesus devem entender-se como as cóleras que

ele previa que sua doutrina iria levantar, os conflitos momentâneos que lhe

iriam ser a consequência, as lutas que teria que sustentar antes de se

estabelecer, como ocorreu com os Hebreus antes da sua entrada na Terra

Prometida e, não como um desígnio premeditado, da sua parte, de semear a

desordem e a confusão. O mal deveria vir dos homens e não dele. Era como

o medico que veio curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar,

movimentado os humores perigosos do doente.