montras e rapazes · gostamos de ver montras e sonhar, e depois ficar um bocado ... de quase metro...

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MONTrAS e rAPAzeS

— Razões para eu querer ficar a viver em casa da minha avó — disse eu, deixando o calor do sol de agosto e entrando juntamente com a Pia pelas portas automáticas da área climatizada da Village, no Centro Comercial de Westfield. — Primeira: de lá posso ir a pé para a escola...

— Queres dizer «a voar». Chegas sempre atrasada — interrompeu a Pia quando nos dirigíamos para a escada rolante e contemplávamos a profusão de lojas que se estendia à nossa frente.

— OK, a voar. Está bem visto. Imagina se eu vivesse mais longe.— Um pesadelo — disse a Pia. — Nunca ias conseguir.— Exatamente. Segunda: a casa da minha avó é na rua a seguir

à tua.A Pia deu -me o braço.— E precisamos de estar perto uma da outra, especialmente

depois de tudo o que te aconteceu no ano passado. Acabou -se a his tória. Têm de te deixar ficar por uma questão de compaixão.

— É verdade. Seria cruel e impiedoso separarem -nos.Entrámos na escada rolante e flutuámos por ali acima, sob o

vasto telhado cor -de -rosa do qual pendia um enorme lustre. Parecia uma explosão de pingos de chuva, a cintilar no espaço. A área da Village do centro comercial é a nossa preferida. Chamamos--lhe «Quinta dos Queques» porque é onde se situam as lojas verdadeiramente de luxo como a Dior, a Tiffany, a Gucci e a Prada. Gostamos de ver montras e sonhar, e depois ficar um bocado numa das áreas de descanso, onde alguém teve a amabilidade de providenciar poltronas e uma mesinha com uma carpete por baixo,

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junto a um grandioso arranjo floral que deve custar uma pipa de massa. Ao sairmos da escada rolante, reparei que hoje estava exposta uma mistura caótica de orquídeas cor -de -rosa com galhos, de quase metro e meio de altura.

A Pia puxou -me para ver uma montra com sapatos incríveis de salto altíssimo.

— Seja como for, preciso de ti ao virar da esquina para podermos continuar a ir juntas para a escola quando as aulas começarem outra vez. Preciso que estejas perto para me emprestares a maquilhagem, para vermos televisão juntas, para passarmos a noite em casa uma da outra. Não. Ires viver para outro lado está fora de questão. Terceira razão?

— A casa da minha avó fica a duas ruas de distância da casa do Tom Robertson, que é o amor da minha vida e guardião do meu coração.

— Claro... O guardião do teu coração?— Sim. Está guardado num frasquinho na secretária dele.A Pia fez uma careta.— Ahah, que porcaria! O que eu estava a dizer era: como é

que ele pode ser o guardião do teu coração se ainda nem falaste com ele?

— Porque ele é O Tal e o facto de ainda não termos falado é um pormenor de somenos. A maior parte da escola ainda não o conhece bem, visto que ele só chegou no fim do último período. Mais uma razão para eu ficar a viver perto, para poder dar de caras com ele por acaso, de propósito. O Josh Tyler disse ao nosso Charlie que a última namorada do Tom era morena, portanto acho que tenho alguma hipótese.

Há uma triste escassez de rapazes jeitosos na nossa escola, por isso quando o Tom chegou com aquele bom aspeto, temperamental, alto e esguio, de cabelo castanho despenteado, causou bastante sensação.

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— Ias ter de qualquer maneira: és de longe a mais bonita do nosso ano — disse a Pia, a minha melhor amiga, totalmente imparcial.

— Eu não sou nada engraçada: tenho os ombros largos demais, as pernas magras demais, as minhas mamocas estão a crescer depressa demais e o meu cabelo é um pesadelo se eu não usar alisadores, além de que a minha boca é grande demais. Nos dias maus pareço uma pata, uma pata com grandes mamocas. — Sei que posso ficar com bom aspeto se me esforçar, mas daí a ser a mais bonita do nosso ano... Claro que não.

— Tu não pareces uma pata, ó idiota. E o teu peito está ótimo. Os rapazes gostam de raparigas com curvas. Mais alguma razão para não quereres ir viver para outro lado?

A própria Pia é cheia de curvas, embora seja mais pequena do que eu, mas está totalmente na boa com as formas que tem e veste--se sempre de maneira a exibi -las, enquanto eu tento esconder as minhas nas camadas de roupa indie, para grande irritação dela.

— OK, bem, o Dave gosta da casa da minha avó. (O Dave é o meu gato.)

— A melhor razão de todas. Os gatos não gostam de mudar de casa e ele já mudou uma vez este ano.

— Eu sei. Grande transtorno. Levou semanas a adaptar -se. Eu também. Deviam todos era deixar -nos descansar um bocado. A nós os dois.

— Quando é que achas que vais saber? — perguntou a Pia.— Esta semana, talvez hoje até. O meu pai disse que ligava se

houvesse boas notícias, não que sejam boas para mim.— Não, vão ser notícias totalmente trágicas. Espero que ele não

consiga — disse a Pia.O meu pai candidatou -se a um emprego como diretor de um

complexo qualquer de apartamentos na baixa, um tédio para cotas. Se fosse contratado, tinha casa incluída, o que implicava que eu e o meu irmão Charlie mudássemos de casa da avó, onde estávamos

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desde que a nossa mãe morreu, nove meses atrás, para a casa do nosso pai, com quem não vivemos desde que os nossos pais se separaram, há seis anos. Ficámos a viver com a mãe depois do divórcio, embora estivéssemos bastante regularmente com o pai.

A morte da nossa mãe mudou tudo — não só a perdemos a ela, como também perdemos a nossa casa. Não podíamos continuar onde estávamos sem um adulto e, embora nos tenham sugerido que ficássemos com a tia Maddie, ela vive com o namorado num apartamento só de um quarto e não nos queria realmente lá a estorvar (apesar de ultimamente o estorvo ser mais ela). Também não quis ir ela viver para a nossa casa e tomar conta de nós, embora fosse irmã da nossa mãe, um pouco mais nova. Por sorte, a avó avançou logo com a proposta de ficarmos com ela, porque o pai também não tinha condições nenhumas para lhe cairmos em cima. Era diretor de um hotel très queque em Mayfair e vivia lá. Nunca precisou de uma casa normal com cozinha, porque tratam -lhe de tudo em todos os sítios onde tem trabalhado. E mani-festamente não havia espaço para dois adolescentes altos naquele hotel. O Charlie tem um metro e oitenta e eu um metro e setenta e cinco, portanto não dava para nos refundirem num armário de roupa de cama.

Seja como for, gosto de estar em casa da avó. Sinto -me integrada. OK, não é totalmente o ideal. O Charlie tem de dormir num sofá--cama na sala de estar e a minha cama está na sala que a avó dantes usava como ateliê de pintura, mas lá nos safamos. O Dave também gosta daquilo. A avó vive numa rua arborizada e sossegada, portanto ele não tem de andar a fugir muito dos automóveis.

Desde que a minha mãe morreu, o pai andou a estudar todo o tipo de alternativas para que eu e o Charlie pudéssemos ir viver com ele. Até tinha pensado em irmos viver para o campo para podermos ficar juntos, mas depois apareceu este emprego. Diretor -geral de um edifício de apartamentos em Knightsbridge, que inclui uma casa

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com três quartos. «É capaz de ser perfeito», disse o pai. «É capaz de não ser», pensei eu. Dá a sensação de que ultimamente têm acontecido demasiadas coisas demasiado depressa. Demasiadas alterações. Como se o meu mundo se tivesse virado de pernas para o ar. Há dias em que nem percebo o que me aconteceu. Num dia eu estava feliz. A minha mãe estava viva. Eu tinha um quarto. Sentia--me segura. Normal. Sem preocupações. No dia seguinte, descobri que ela tinha cancro e que eu não podia continuar a contar com as coisas como até essa altura.

Ficar em casa da avó permitiu -me recuperar um bocadinho o fôlego, além de que a avó entende o que eu sinto. O meu avô morreu há uns anos e agora a filha mais velha também tinha desa-parecido, por isso ela sabe exatamente o que se sente quando se perde as pessoas de quem se gosta muito. Às vezes dá uma can-ção na rádio e ela fica com os olhos marejados de lágrimas, ou então alguém me diz, a mim, qualquer coisa que me faz lembrar a mãe e eu engasgo -me. Nessas alturas eu e a avó damos um abraço e pronto. Sabemos que não há nada que possamos dizer que os traga de volta. Damos muitos abraços uma à outra. Por isso, não, realmente não quero que, para cúmulo, o meu pai fique com aquele novo emprego. Quero continuar onde estou.

Eu e a Pia passeámos ao longo do corredor de lojas, como fazíamos quase todos os dias nas férias de verão, parando de vez em quando para ver uma montra. Andámos a poupar uma eter-nidade para aquela vez em particular e tínhamos no bolso vinte e cinco libras cada uma e autorização para as gastar. Maravilha. Eu queria comprar um top para levar a uma receção que, conforme nos informaram, ia ter lugar pouco depois de regressarmos às aulas. É para angariar fundos para construir uma biblioteca nova. Convidaram alguns de nós como representantes: uns megacérebros de ciências e de línguas, delegados, alguns de nós do desporto. Eu

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sou a melhor nadadora da escola, motivo pelo qual fui convidada. A Pia é uma barra em Teatro e no Canto, portanto vai, e consta que, como o Tom é uma estrela no futebol — já faz parte da equipa da escola —, provavelmente também lá vai estar.

— Esta coisa da angariação de dinheiro é capaz de ser a melhor oportunidade para eu conhecer o Tom — disse eu, enquanto esprei-tava o preço de um par de ténis prateados. — OK, eu e todas as outras raparigas que lá estiverem... é por isso que tenho de ir vestida de maneira a que ele repare em mim. É essa primeira impressão que fica. Vai ser o sítio perfeito. Peço a alguém da nossa equipa que faça as honras e nos apresente. Estou mesmo a imaginar aquilo tudo. Levo uma roupa fabulosa que me torne graciosa, elegante e sofis-ticada. Alguém vai dizer: «Ah, Tom, já conheces a Jess? É a nossa maior candidata a campeã de natação júnior, sabes?». Eu sorrio com modéstia. Ele olha -me nos olhos. Eu olho -o a ele. Há um momento de magia e ele já é meu. Mal posso esperar. Depois digo qualquer coisa espirituosa e saio.

— Acho que devias ignorá -lo, fazer como se nem sequer tivesses reparado nele — disse a Pia. — Li não sei onde que, na arte de sedu-zir, a rapariga tem de deixá -los sempre a chorar por mais.

— Talvez. Ele tem muito estilo, não tem?— Então trata de ter ainda mais estilo do que ele. Os rapazes

como ele têm raparigas a cair -lhes aos pés constantemente, por isso tens de parecer indisponível, glacial até. Dá uma de «sei lá, não estou mesmo nada interessada». Os rapazes como ele gostam da perseguição, do desafio; daquilo que não podem ter, não daquilo que podem.

— Tens toda a razão, P. Seja como for, ele pode gostar de ti — disse eu.

E pode mesmo. Os rapazes parecem gostar sempre da Pia. Não só por ela ser bonita, como de facto é, naquele género maria -rapaz e anjo descarado, com cabelo escuro, curto e escadeado, grandes

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olhos cor de avelã, ótimas maçãs do rosto e uma boca grande que está sempre a sorrir. Não, os rapazes gostam dela, porque é DIVERTIDA.

— Ná. Ele tem um ar arrogante, de bonitão que sabe que podia namorar com qualquer uma.

— É por isso que quero fazer com que ele se lembre de mim — disse eu. — Somos mais ou menos da mesma altura, o que é bom. Sei disso, porque fiquei atrás dele na fila do almoço, pouco antes das férias de verão. Ele levava uma sandes de ovo e agrião.

— Ah! Foi por isso que mudaste da tua habitual sandes de queijo e tomate?

— Sim. É para ser uma coisa nossa — respondi. — Se ele me vir a comer isso, vai pensar que temos uma coisa em comum.

A Pia fez uma careta.— Ovo e agrião? Ovo e agrião? Ouve, que falta de estilo!Eu acenei com a cabeça.— Não, os outros que fiquem com os corações e as rosas, que

para nós é ovo e agrião. Não deixes ninguém dizer que eu não sei do que falo em matéria de romantismo.

A Pia desatou à gargalhada. É uma das coisas de que gosto nela. Ri -se das minhas piadas disparatadas.

— És um caso perdido — disse ela.

Ao fim de meia hora à procura, dei com um top prateado na montra de uma boutique impecável. A loja ficava numa extremidade da «Quinta dos Queques» e tinha a montra cheia de cartazes a anunciar que estava tudo com cinquenta por cento de desconto nos saldos de verão. Tem de ir TUDO. Preços de arrasar. Excelente.

Estávamos prestes a entrar quando vi uma rapariga mais ou menos da minha idade com a mãe. Iam na conversa, de braço

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dado. Fiquei logo com um nó na garganta. Ir às compras com a minha mãe era uma das coisas de que eu tinha mais saudades. Era o nosso passeio de raparigas, víamos umas montras, depois ela comprava -me sempre qualquer coisa, mesmo quando estáva-mos sem dinheiro — como um gancho de cabelo da Claire’s ou da Acessorize, ou um batom da The Body Shop, a seguir eram os chocolates quentes no café mais próximo e depois casa. Era ótimo andar às compras com ela. Sabia tudo o que havia para saber sobre moda, porque, antes de adoecer gravemente, trabalhava como personal shopper* para o Selfridges e, antes disso, para um website especializado em previsões de tendências da moda. Ia a todos os desfiles da Semana da Moda e tínhamos sempre em casa as revistas de luxo mais atuais: a Vogue, a In ‑Style, a Harper’s Bazaar, a Marie Claire, a Grazia. Eu gostava de folhear com ela as páginas que mostravam as coleções mais recentes dos estilistas, pois deixava -me ajudá -la a escolher o que havia de comprar para os clientes.

Às vezes custava -me tanto ela ter desaparecido que nem sabia onde me havia de meter. Não conseguia lidar com o sofrimento, era como um buraco sem fundo que se tinha aberto dentro de mim e que me ia absorver. E não havia nada que eu pudesse tomar para aquilo, nem uma pomada para esfregar, nem um comprimido para engolir. O Charlie, numa das poucas ocasiões em que falou comigo acerca da morte da mãe, disse que tentava sempre pensar noutra coisa para ultrapassar esses momentos. Põe -se a fazer uma atividade qualquer para tirar da ideia aquilo que está a sentir, acelera mais ou menos para uma coisa qualquer que o distraia. Ultimamente também tenho tentado fazer isso.

* Profissional, independente ou contratado por um estabelecimento comercial, que proporciona assessoria de imagem aos clientes que o pretendam, sugerindo ou adquirindo -lhes os produtos mais adequados. (NT)

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«Não fiques a remoer, anda para a frente», disse eu a mim mesma, enquanto inspirava fundo e puxava a Pia para dentro da loja.

Uma funcionária que era um pau de virar tripas levantou os olhos de soslaio, mirou -nos rapidamente de cima a baixo, reparando nas nossas calças de ganga e nos ténis Converse (os meus, coral, os da Pia, de retalhos cinzentos), depois ergueu o sobrolho, como quem diz: «Têm a certeza de que devem entrar aqui?»

Eu não ia deixar que ela me intimidasse. Sempre que ia às compras com a minha mãe, ela dizia: «Lembra -te sempre de que nós é que somos clientes.» Apontei para o manequim que tinha o meu top na montra.

— Qual é o preço daquele top? — perguntei. — Está em saldo?— O prateado?Acenei que sim.— Está com sorte. Está em saldo — disse ela, esboçando um

sorriso.Cinquenta por cento de desconto, pensei. Ótimo. Não pode ser

muito caro. E o Tom vai ser obrigado a reparar em mim, se eu o levar. Vai ficar perfeito com as minhas calças de ganga pretas. Todas as revistas dizem que o prateado é uma cor boa para raparigas com cabelo acastanhado e olhos azuis como os meus. Azul--violáceos, dizia sempre a minha mãe. Tom, fofinho, prepara ‑te para te apaixonares, pensei.

A empregada foi buscar o top à montra. Não tinha etiqueta com o preço.

— A senhora deseja experimentá -lo?Acenei que sim. Outra indicação útil das revistas. Nunca se sabe

como uma coisa nos fica até a termos vestida. Segui a Menina Cue-quinha Afetada até aos vestiários e a Pia foi comigo. No compartimento ao lado do nosso estava a entrar uma rapariga loura mais ou menos da nossa idade. Ia carregadinha de peças para experimentar. Eu corri a cortina do nosso compartimento e enfiei o top prateado.

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— Fica fabuloso — declarou a Pia. — Cabelo solto pelas costas abaixo, um bocadinho de batom e o Tom fica de rastos.

Fizemos as duas um «dá cá mais cinco», depois eu troquei de roupa e levei o top para o balcão.

— São duzentas e cinquenta libras — disse a empregada.— Eu... o qu... — balbuciei.— Duzentas e cinquenta libras — repetiu ela, com um ar enfa-

dado.— Pensei que tinha dito que estava em saldo.— E está. Era quinhentas.Eu via que a empregada estava a ter prazer com o meu descon-

forto. Está bem, pensei. Também posso entrar no jogo.— Que é que achas, Pia? — perguntei. — Só duzentas e cinquenta.

É mesmo lindinho. Levo dois?A Pia percebeu logo o que eu estava a fazer.— Sim. Se calhar. Tem noutras cores? — perguntou à empre gada.A empregada abriu e fechou a boca como um peixe.— Eu... sim... Lá dentro. Em preto.— Ótimo — disse eu. — Não tenho aqui dinheiro que chegue para

os dois, mas vou ao multibanco. Dez minutinhos e voltamos.Empertiguei -me toda e saí da loja com a Pia logo atrás.— Jess Hall — disse a Pia. — Que grandessíssima peta.— Não, não foi. Ali eu não tinha realmente dinheiro suficiente, era

verdade.A Pia riu. Por detrás dela, vi que a rapariga que estava a expe-

rimentar coisas ao nosso lado tinha levado as peças para o balcão, umas cinco, pelo que eu conseguia ver, e a empregada começara a embalá -las em papel de seda e sacos muito giros.

— Deve ser bom ter assim tanta massa para gastar — disse eu.— O dinheiro não compra o estilo — disse a Pia, mas eu sabia

que ela estava só a tentar animar -me, porque acrescentou num tom monocórdico de zombie: — Não -somos -escravas -da -moda.

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— Ai, isso é que somos! — exclamei. Despi o meu blusão e vesti -o pela frente. Estendi os braços para a frente, como uma zombie, e comecei a cambalear em direção à loja ao lado. — Tenho -de--arranjar -roupa -nova -a -a — disse em tom monótono. A Pia fez o mesmo com o blusão dela, de braços estendidos para a frente, e seguiu -me, a arrastar os pés, muito hirta.

— Ei, Hall! — disse uma voz masculina atrás de nós.Virei -me e vi que era o Roy Mason, do 11.º Colega do Tom.

Vinha com o Josh Tyler e estavam ambos a olhar para nós como se fôssemos completamente doidas. Dei uma rápida vista de olhos a toda a volta. Felizmente nem sinal do Tom. Ufa! Não queria mesmo nada que ele me visse a fazer figuras idiotas. Andar à zombie não é técnica de engate que eu recomende. Não fazia mal que o Roy e o Josh me tivessem visto. Nenhum deles estava na minha lista de desejos em matéria de rapazes. O Roy era louro e suficientemente bonito, mas cheirava a biscoitos velhos e o Josh era moreno, entroncado e demasiado peganhento, como se estivesse sempre ansioso por dar um apalpão. Fiz a minha melhor representação de snobeira e olhei -os bem de cima.

— Rainha dos zombies, queres tu dizer — disse eu. — Ajoelhem--se e obedeçam.

O Josh e o Roy estenderam os braços para a frente e começaram a caminhar à mortos -vivos na nossa direção. O Josh até desatou a babar -se. Ui! Típico. Os rapazes exageram sempre. O Josh arrastou--se pesadamente para o pé de mim.

— Os mortos -vivos precisam de carne quentinha — disse ele, de uma maneira estúpida e a babar -se. — Dá cá o braço.

Inclinou -se para me morder o braço, espetando o nariz demasiado perto do meu peito.

— Estás a sonhar, Tyler — disse eu e dei -lhe um empurrão.Logo por azar ele desequilibrou -se, cambaleou para o lado do

Roy, caiu e aterrou com um baque precisamente no momento

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em que o Tom, o meu amor, guardião do meu coração, saía das escadas rolantes. Vinha com o cabelo despenteado pelo vento, de blusão preto e calças de ganga, tal e qual uma estrela de cinema adolescente. Viu o Josh a cair, olhou -me de relance e correu para nós.

— Estás bem, pá? — perguntou ao Josh, que ficou com um ar envergonhado e tratou de se levantar depressa.

— Sim, sim — disse ele. — Estava só aqui a dizer à Jess que não estou interessado nela. Há raparigas que não lidam nada bem com a rejeição.

— Até parece! — exclamei. — Não és nem um bocadinho o meu género. — Virei -me para o Tom. Era a primeira vez que o via de perto e reparei então que tinha uns belos olhos cor de jade com pestanas espessas e uma boca linda com um lábio inferior carnudo. Tive de fazer um esforço para desviar o olhar. — Eu não queria empurrá -lo. Estávamos a fazer de zombies. Já agora, eu sou a Jess. — Passou--me pela cabeça como um relâmpago a fantasia do meu encontro com ele. O que é que eu ia dizer ‑lhe? Ah, sim. — Sou a melhor nadadora da escola — disse bruscamente. Oh, não, pensei, assim que aquelas palavras me saíram pela boca fora. O que é que eu disse? Sou uma idiota. Melhor nadadora! Ele vai pensar que sou uma convencida... E o que é que eu estava a fazer? A fazer de zombie. Ele vai pensar que sou doida. E o Josh a cair! O Tom vai pensar que sou uma bruta...

A Pia fez um risinho nervoso e deu -me o braço para me tirar dali. Estava a pressentir um desastre com letra grande.

O Tom olhou para mim como se eu tivesse acabado de sair do manicómio. Deu uma palmada no ombro do Josh e levou -o embora com o Roy, que estava a rir à socapa. Quando iam a afastar -se, sem olhar para trás, o Josh levantou o braço direito e espetou no ar o dedo médio.

— Igualmente — gritei eu e fiz -lhe o mesmo gesto grosseiro.

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Por azar, foi o Tom que se virou e o viu, não o Josh. Lançou -me um olhar terrível.

— Ai! — exclamei, sorri como uma idiota e a seguir disse--lhe adeus com a mão. Disse ‑lhe adeus! Em que é que eu estava a pensar?

O Tom abanou a cabeça, como se não acreditasse que pudesse existir alguém tão horrível como eu.

— Bem, hum... pelo menos já falaste com o Tom — disse a Pia, na altura em que os rapazes desapareceram ao virar da esquina.

— Pois. Grande apresentação. Lá se foi a boa primeira impressão. Consigo finalmente conhecer o rapaz mais estiloso da escola e ele vê -me a fazer de morta -viva. Pelas alminhas, eu estava com o blusão vestido pela frente! Meu Deus! E nós a falarmos em roupa para impressionar. Ao contrário. Não podia ter corrido pior se tivesse sido intencional.

A Pia apertou -me o braço.— Bem, tu disseste que querias que ele reparasse em ti e hum...

bem, ele reparou. E hum... vai de certeza ver que tu és diferente. — Deu uma risadinha. — Não vai esquecer -te tão cedo.

— Não. Provavelmente vou aparecer -lhe em pesadelos a comer carne quentinha e a roer globos oculares. Bolas! Que mais irá acontecer?

O meu telemóvel começou a tocar. Olhei para o ecrã. O meu pai.