monteiro lobato e o politicamente correto

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É da natureza do debate público que ele seja centrado em questões e controvérsias. É claro que em sociedades complexas, como a nos- sa, que dependem em grande medida dos meios de comunicação para informar a opinião pública, a escolha das questões mais candentes não é independente do poder de agendamento da grande mídia, assim como o grau de controvérsia e o clima de opiniões não se dá à revelia dos enquadramentos propugnados por ela. Contudo, para compreen- dermos o processo de formação de opinião e especialmente as justifica- tivas que sustentam a tomada de decisão acerca de uma política públi- ca, é necessário irmos além dos vieses do debate midiático e estudar- mos os discursos produzidos pelo Estado e suas agências e por especi- alistas dotados de saberes socialmente reconhecidos. O diagnóstico de que a condição contemporânea é marcada por uma proliferação de linguagens mais ou menos especializadas, e muitas vezes mutuamente ininteligíveis, aparece já em autores como Jean François Lyotard (1984), que identificou tal condição como o signo do advento de uma nova era, para além da modernidade, a pós-moderni- dade 1 . O enfraquecimento do debate pós-modernista já a partir do fi- nal dos anos 1980 não transformou totalmente o diagnóstico, mas tro- cou o pessimismo que marcava a atitude pós-modernista por um reno- vado otimismo acerca da possibilidade desse estado de coisas ser me- 69 DADOS – Revista de Ciências Sociais , Rio de Janeiro, vol. 56, n o 1, 2013, pp. 69 a 108. Monteiro Lobato e o Politicamente Correto João Feres Júnior 1 Leonardo Fernandes Nascimento 2 Zena Winona Eisenberg 3 1 Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: [email protected] 2 Doutorando em Sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: [email protected] 3 Professora-assistente no Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: [email protected]

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Texto Monteiro Lobato e o Politicamente Correto

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  • da natureza do debate pblico que ele seja centrado em questes econtrovrsias. claro que em sociedades complexas, como a nos-sa, que dependem em grande medida dos meios de comunicao parainformar a opinio pblica, a escolha das questes mais candentes no independente do poder de agendamento da grande mdia, assimcomo o grau de controvrsia e o clima de opinies no se d reveliados enquadramentos propugnados por ela. Contudo, para compreen-dermos o processo de formao de opinio e especialmente as justifica-tivas que sustentam a tomada de deciso acerca de uma poltica pbli-ca, necessrio irmos alm dos vieses do debate miditico e estudar-mos os discursos produzidos pelo Estado e suas agncias e por especi-alistas dotados de saberes socialmente reconhecidos.

    O diagnstico de que a condio contempornea marcada por umaproliferao de linguagens mais ou menos especializadas, e muitasvezes mutuamente ininteligveis, aparece j em autores como JeanFranois Lyotard (1984), que identificou tal condio como o signo doadvento de uma nova era, para alm da modernidade, a ps-moderni-dade1. O enfraquecimento do debate ps-modernista j a partir do fi-nal dos anos 1980 no transformou totalmente o diagnstico, mas tro-cou o pessimismo que marcava a atitude ps-modernista por um reno-vado otimismo acerca da possibilidade desse estado de coisas ser me-

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    DADOS Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, vol. 56, no 1, 2013, pp. 69 a 108.

    Monteiro Lobato e o Politicamente Correto

    Joo Feres Jnior1

    Leonardo Fernandes Nascimento2

    Zena Winona Eisenberg31Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Polticos (IESP), da Universidadedo Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: [email protected] em Sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Polticos (IESP), daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: [email protected] no Departamento de Educao da Pontifcia Universidade Catlica doRio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: [email protected]

  • diado e resolvido pelas instituies e prticas da democracia liberal.Jrgen Habermas talvez seja o principal ator intelectual desse projeto,particularmente por resgatar o papel da esfera pblica na produo dalegitimidade das instituies democrticas2.

    Mas em um texto menos conhecido, intitulado Philosophy as stand-inand interpreter (Habermas, 1990), que o autor aborda assunto que de sumo interesse para o presente esforo, que o papel do intelectualcrtico na democracia contempornea. Distanciando-se dos extremosrepresentados por Kant, que pretendia dar ao filsofo o papel de arqui-teto de todo o edifcio do conhecimento, e por Richard Rorty, que en-xerga no carter pr-paradigmtico das Cincias Sociais a razo de suafuno meramente teraputica, Habermas defende que o intelectualcrtico tem a capacidade de traduzir para a linguagem comum do mun-do da vida as questes de importncia pblica que so formuladas pri-meiramente na linguagem dos especialistas, permitindo que o pblicose informe sobre essas questes e possa assim formar opinio acercadelas. Tal formao de opinio seria, na viso do autor, elemento fun-damental para a legitimao das decises coletivas e das instituiesque as produzem. Assim, Habermas confere ao intelectual crtico pa-pel fundamental no funcionamento da democracia contempornea,papel esse que funcionaria como um antdoto contra o pessimismops-moderno, que enxerga a impossibilidade do exerccio da razouma vez que ela se encontra fragmentada em uma mirade de lingua-gens tcnicas3.

    Sem esposar completamente o otimismo de Habermas acerca da demo-cracia liberal, partilhamos aqui o sentido crtico do esforo do autor, in-clusive no que ele tem de herdeiro do esprito iluminista de crena narazo como antdoto aos abusos da prpria razo esprito esse queno estranho a autores adeptos da hermenutica da suspeita, comoKarl Marx, Sigmund Freud, Michel Foucault (1984), entre outros. Emtermos mais concretos, o presente trabalho um estudo de caso de umacontrovrsia pblica recente que envolveu mdia, especialistas e go-verno acerca do suposto racismo contido na obra de Monteiro Lobato,mais especificamente em seu livro Caadas de Pedrinho (Lobato, 2008).No texto que segue, aps um relato dos fatos que constituram o caso,identificaremos os argumentos de justificao das posies assumidaspor diferentes agentes (ou atores), dando particular ateno para a po-sio do Estado, representado pelo Ministrio da Educao, e da gran-de mdia. Pretendemos mostrar que, a despeito de fazer uso aqui e ali

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  • da opinio de especialistas, a mdia optou por enquadrar o caso dentroda questo mais ampla do valor do politicamente correto na sociedadecontempornea, assumindo uma posio normativa e militante posi-o que inclusive contribuiu para a m compreenso da questo do ra-cismo na obra de Lobato. Em seguida, argumentamos que a posiomajoritria da mdia factualmente equivocada no que diz respeito dinmica moral da sociedade contempornea e sua relao com a lin-guagem, alm de normativamente reacionria. Passamos ento a exa-minar a posio do governo que, apesar de mais sensvel e nuanada,peca por no levar em conta aspectos fundamentais da adequao dosargumentos crticos recomendados pelos pareceres do MEC ao nvelde desenvolvimento das crianas com quem o livro ser trabalhado.Na concluso resgatamos a reflexo acerca do papel do intelectual cr-tico apontando para a necessidade de adotarmos uma postura prag-mtica ao lidar com casos como esse e com a justificao de polticaspblicas em geral.

    A posio estatal est explicitada nos dois pareceres produzidos pelaCmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao(CEB/CNE), e homologados pelo Ministro da Educao. J no caso damdia, nossa anlise baseia-se na leitura e codificao de todos os tex-tos sobre o assunto publicados pelos jornais e revistas de maior circula-o do pas: Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo, Estado deMi-nas, Correio Braziliense, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio, Zero Hora,Brasil Econmico, Veja, Isto e poca4.

    O HISTRICO DO CASO

    Em 30 de junho de 2010 a Cmara de Educao Bsica do Conselho Na-cional de Educao (CEB/CNE) acatou solicitao encaminhada pelaOuvidoria da Secretaria de Polticas de Promoo da Igualdade Racial(SEPPIR) que dizia respeito a uma denncia feita Ouvidoria daSEPPIR por Antnio Gomes da Costa Neto questionando a utilizao,pela Secretaria de Estado da Educao do Distrito Federal, de livro queveicularia preconceitos e esteretipos contra grupos tnico-raciais.A denncia logo ganhou visibilidade, pois o mesmo livro, da EditoraGlobo, distribudo pelo Programa Nacional de Biblioteca na Escola(PNBE) e tido h muitas dcadas como obra de referncia em escolaspblicas e particulares de todo Brasil. Diante disso, a CEB/CNE pro-duziu dois pareceres5 que foram objeto de grande controvrsia midi-tica. A denncia tinha como objeto o clssico infantil Caadas de Pedri-

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  • nho do escritor paulista Monteiro Lobato (2008) e identificava, comexemplos textuais, a presena no livro de expresses de racismo e este-reotipias em relao aos negros, sobretudo nas referncias persona-gem Tia Nastcia. Entre as passagens do livro citadas no texto dadenncia esto:

    Pedrinho pediu boneca que repetisse a sua conversa com os besourosespies. Emlia repetiu-a, terminando assim:

    guerra e das boas. No vai escapar ningum nem Tia Nastcia,que tem carne preta. As onas esto preparando as goelas para devorartodos os bpedes do stio, exceto os de pena (Lobato, 2008).

    Sim, era o nico jeito e Tia Nastcia, esquecida dos seus numerososreumatismos, trepou que nem uma macaca de carvo pelo mastro deSo Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outracoisa na vida seno trepar em mastros (Lobato, 2008).

    A partir da denncia, a CEB/CNE produziu em 1o de setembro de 2010um primeiro parecer. Baseado em fontes como uma nota tcnica pro-duzida no mbito da Secretaria de Educao Continuada, Alfabetiza-o e Diversidade (SECAD/MEC); uma nota da Coordenao Geral deMaterial Didtico do MEC; a legislao federal que regula tanto as pr-ticas de racismo quanto a educao; diretrizes internas do MEC queestabelecem diretrizes curriculares em mbito nacional e critrios paraa educao das relaes tnico-raciais; e a opinio de especialistas, oparecer recomenda algumas medidas. Primeiramente, (a) o desenvol-vimento de um programa de capacitao de professores para lidar pe-dagogicamente e criticamente com o tipo de situao narrada, a saber,obras consideradas clssicas presentes na biblioteca das escolas quecontm esteretipos raciais; (b) o cumprimento por parte da Coorde-nao Geral de Material Didtico do MEC dos critrios por ela mesmaestabelecidos na avaliao dos livros indicados para o PNBE; ou seja,que neles haja ausncia de preconceitos, esteretipos, no selecionan-do obras clssicas ou contemporneas com tal teor crtico com a ques-to do racismo dentro das salas de aula; e, logo em seguida, como res-salva recomendao anterior, (c) que, caso algumas das obras sele-cionadas pelos especialistas, e que componham o acervo do PNBE, ain-da apresentem preconceitos e esteretipos, a editora responsvel pelapublicao deve ser instada pela Coordenao Geral de Material Did-tico e a Secretaria de Educao Bsica do MEC a adicionar uma notaexplicativa e de esclarecimentos ao leitor sobre os estudos atuais e crti-

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  • cos que discutam a presena de esteretipos raciais na literatura. Estaltima recomendao ainda explicita que a medida deve ser tomadaem relao ao livro Caadas de Pedrinho e estendida a todas as obrasliterrias que se encontrem em situao semelhante (Gomes,2010:5-6).

    Para o presente propsito, necessrio notar que os especialistas no-meados no primeiro parecer pertencem todos rea de estudos liter-rios. Ademais, a maneira como a segunda e a terceira recomendaesso apresentadas do a entender que, a despeito de pedir que a Coor-denao Geral de Material Didtico do MEC respeite os critrios, o pa-recer concede que algumas obras com preconceitos e esteretipos se-jam selecionadas para o PNBE, desde que contenham nota explicativadiscutindo o estado da arte da crtica acerca da presena de estereti-pos raciais na literatura.

    No decorrer da segunda quinzena do ms de outubro de 2010, o pri-meiro parecer foi assunto de vrias matrias jornalsticas. As matriasse referiam s duas pessoas diretamente envolvidas no caso: o autor dadenncia SEPPIR, Antnio Gomes da Costa Neto, e a relatora daCEB/CNE, a professora Nilma Lino Gomes, expondo inclusive seuscurrculos e filiaes poltico-partidrias. Tais matrias eram franca-mente contrrias ao parecer, acusando-o de censurar ou vetar a litera-tura e o prprio escritor Monteiro Lobato. Ainda necessitando de san-o por parte do Ministro da Educao, o primeiro parecer foi, por con-ta do forte clamor na mdia, devolvido para o CEB/CNE para umanova avaliao. Dez meses depois, um segundo parecer, mais detalha-do, foi produzido. Antes que um recuo por parte do MEC de sua posi-o primeira, tal documento parece ter sido uma tentativa de esclare-cer ao pblico o contedo do parecer anterior.

    O segundo parecer, de junho de 2011, na verdade muito similar aoprimeiro. O nmero de especialistas citados aumentou, agora incorpo-rando dois livros de pedagogia (Cavalleiro, 2001; Rosemberg, 1985).Mas as recomendaes continuaram praticamente as mesmas: (a) trei-namento de professores para lidar com o assunto; (b) reiterao doscritrios para seleo de livros do PNBE; e (c) insero, no texto deapresentao das novas edies, de contextualizao crtica do autor eda obra, a fim de informar o leitor sobre os estudos atuais e crticos quediscutem a presena de esteretipos na literatura, entre eles os raciais(Gomes, 2011:6-7). Alm do desaparecimento da expresso nota ex-

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  • plicativa, nota-se no texto um esforo reiterado de esclarecer que nose tratava de veto obra de Monteiro Lobato.

    Diante desse novo documento, os jornais retornaram ao assunto repe-tindo as acusaes de censura em relao ao livro de Monteiro Lobato.Alm disso, em colunas e editoriais, jornalistas e colaboradores passa-ram a desqualificar reiteradamente argumentos subjacentes ao debatetachando-os pejorativamente de politicamente corretos. O assuntoobteve grande visibilidade ao ponto de no carnaval do Rio de Janeirode 2011 membros de um tradicional bloco de folies desfilarem com ca-misa estampada com um desenho do cartunista Ziraldo retratandoMonteiro Lobato abraado a uma mulher negra de biquni, acompa-nhados por um gato empunhando um porrete de madeira e um vasocom uma rosa6. Vide imagem abaixo:

    No mesmo momento do desfile do bloco, distante apenas um quartei-ro da concentrao, um grupo organizado protestava distribuindouma cpia do parecer da CEB/CNE aos folies que passavam. Almdisso, foi publicada uma Carta Aberta ao Ziraldo7, atravs da qual aautora expe sua indignao em relao charge, reiterando a presen-a de aluses racistas na obra de Monteiro Lobato.

    Por fim, em 26 de agosto de 2011, o ento ministro da Educao, Fer-nando Haddad, homologou o segundo parecer, reiterando o argumen-to contido na denncia SEPPIR, com orientaes para que o materialutilizado na Educao Bsica se coadune com as polticas pblicaspara uma educao antirracista. Desde ento, as matrias sobre o as-sunto se tornaram rarefeitas, persistindo apenas algumas aluses aocaso em notcias que tratam de questes semelhantes. Passemos agora anlise mais detalhada da cobertura da mdia sobre o assunto.

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    Gravura do cartunista Ziraldo

  • A MDIA IMPRESSA E O CASO LOBATO

    Nossa base de dados composta de todas as matrias publicadas nosprincipais jornais e revistas do pas que trataram ou fizeram refernciaaos pareceres da CEB/CNE sobre Monteiro Lobato ou, ainda, que con-tinham alguma referncia ao affair Caadas de Pedrinho. Em seguida, fi-zemos uma anlise do contedo das matrias identificando os argu-mentos e algumas estratgias retricas nelas utilizados. Por fim, esta-belecemos a valncia (positiva, negativa ou informativa/neutra) decada matria. O perodo pesquisado foi de 1o de setembro de 2010 ms em que foi produzido o primeiro parecer at 30 de maro de 2012 momento em que finalizamos o artigo. Obtivemos um total de 84 ma-trias, distribudas percentualmente segundo o Grfico 1 abaixo.

    No Grfico 2, podemos ver a frequncia mensal das matrias publica-das sobre os pareceres da CEB/CNE:

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    BrasilEconmico

    1

    CorreioBraziliense

    8

    Revista poca

    4

    Estado deMinas

    6

    O Estado de S.Paulo

    8

    Folha de S.Paulo

    16

    O Globo

    15

    Revista Isto

    2

    Jornal do Brasil

    4

    Jornal doCommercio

    9

    Revista Veja

    6

    Zero Hora

    5

    0

    16

    Grfico 1Quantidade de Matrias no Perodo por Jornal/Revista

    Elaborao dos autores.Obs.: Os grficos elaborados pelos autores baseiam-se em pesquisa realizada pelo Grupo de EstudosMultidisciplinares da Ao Afirmativa (GEMAA).

    Outubro 2010 10Novembro 2010 40Dezembro 2010 2Janeiro 2011 1Fevereiro 2011 2Maro 2011 3Abril 2011 2Maio 2011 9Junho 2011 6Agosto 2011 1Outubro 2011 2Novembro 2011 1Janeiro 2012 1Fevereiro 2012 2Maro 2012 2

    Grfico 2Frequncia Mensal de Matrias sobre os Pareceres CEB/CNE

    Elaborao dos autores.

  • Embora o formato de uma matria de jornal (editoriais, entrevistas, co-lunas, cartas de leitores etc.) esteja relacionado ao seu contedo, estru-tura retrica (por exemplo, editoriais e cartas de leitores so aberta-mente opinativas, enquanto reportagens tendem a ter um tom maisdescritivo e neutro) e sua potencial recepo por parte dos leitores(cartas de leitores so menos lidas que matrias principais), no fize-mos distino entre formatos, pois nosso objetivo aqui apenas apre-sentar uma descrio geral dos principais argumentos e enquadra-mentos, e no uma anlise a fundo do tratamento que a mdia dispen-sou ao caso.

    Como mostra o Grfico 3, 68% das matrias pesquisadas sobre o assun-to apresentam posies contrrias aos pareceres. Se descontarmos asmatrias meramente informativas (26%), e tomarmos somente as opi-nativas, vemos esta proporo aumentar para 92%, enquanto meros6% expressam opinio favorvel. Importante tambm notar que qua-se metade das matrias opinativas (42%) abordam a questo do politi-camente correto para comentar o caso. Dessas, todas menos uma socrticas ao que identificam como politicamente correto, e esta nicamatria neutra.

    Mas o que seria o politicamente correto, segundo esse conjunto de ma-trias? Quem seriam seus agentes? Comecemos pela segunda questo.Os agentes do politicamente correto variam de texto para texto. Obvia-mente, o CEB/CNE, o CNE e o MEC so identificados mais frequente-mente, por razes bvias. H tambm, ainda que mais raras, atribui-

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    Grfico 3

    Proporo de Valncias acerca dos Pareceres

    Elaborao dos autores.

  • es do politicamente correto a um Zeitgeist, o que dilui na prtica aideia de que h um agente dotado de propsito e intenes por trsdele (Martins, 29/10/2010). Por outro lado, h uma forte tendncia nasmatrias de atribuir a responsabilidade do politicamente correto dire-tamente linha ideolgica do PT (Editorial, 5/4/2011) e ao gover-no Lula (Fiuza, 19/3/2011), ou ao Lulaworld (De olhos bem fecha-dos, 11/11/2010), como quer um articulista. Essa tendncia se identi-fica de maneira mais ou menos implcita tambm nas referncias pro-fusas ideologia que pautou os pareceres do CEB/CNE 10 matri-as fazem explicitamente essa associao. digno de nota nas passa-gens abaixo que portam a acusao de ideologizao, o emprego de lin-guagem forte que beira o insulto (nfases nossas):

    O parecer que indica o perigo de incentivar preconceito e pede a retira-da do livro das escolas um exemplo de leitura viciada pela ideologia, queperde em dimenso esttica e humana para bater continncia ao politi-camente correto. Para a Abrale, o avaliador extrapolou seu papel, ca-racterizando um policiamento pedaggico e ideolgico (Werneck etalii, 30/10/2010).

    Depois que Dilma Rousseff virou smbolo meterico de afirmao fe-minina, ningum mais segura os gigols da ideologia (Fiuza, 14/5/2011).

    Reduzir um clssico da literatura a uma pinimba ideolgica no crime.Segundo os valores do Brasil de hoje, o que cada um faz ou pensa podeno ser to importante quanto a cor da sua pele (Fiuza, 19/3/2011).

    Isso patrulha ideolgica (Moreira, 28/2/2011).

    Tal conexo do agente PT-governo Lula com a ideologizao j parteda resposta primeira questo, acerca da natureza do politicamentecorreto. Pelo menos do ponto de vista mais externo, ele corresponderia imposio da ideologia de um grupo de militantes de esquerda au-toritria sobre toda a sociedade. No caso em pauta, essa imposio sefaria por meio de instituies pblicas de governo. O uso de palavrasfortes como patrulha e policiamento, nas citaes acima, indica aassociao do politicamente correto a mtodos repressivos de cercea-mento da liberdade. Reforando a estratgia retrica de desacreditar ooutro lado, o do governo, as passagens carregam no uso de expressesinsultantes como gigols da ideologia, leitura viciada e pinimbaideolgica. Mas, para ganharmos uma compreenso maior do signifi-cado em si atribudo ao politicamente correto, necessrio examinarseu emprego farto no material pesquisado (nfases nossas):

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  • Na Constituio dos politicamente corretos assim como nas militares, liberdade de expresso tem limite (Fiuza, 2/4/2011).

    O vrus da intolerncia teve tambm seu lado risvel no carnaval desteano no Rio, com militantes defendendo a censura a um bloco que ousa-ra citar em seu enredo Monteiro Lobato, por sinal outra vtima da sanhapersecutria das baterias politicamente corretas (Editorial, 5/4/2011).

    E a chegamos a uma questo que me parece muito representativa dosequvocos do debate ao redor da questo gay (um belo exemplo dofascismo do politicamente correto) (Pond, 30/5/2011).

    O politicamente correto pode ser perigoso e hipcrita (Luft, 6/11/2010).

    Ao lado do avano nos direitos dos gays, legtimo e importante, a inds-tria do politicamente correto vai criando um monstro (Fiuza, 14/5/2011).

    Quem pede a suspenso de uma obra por ela conter um termo consi-derado discriminatrio est assassinando a cultura brasileira, que a cadadia torpedeada por novas empreitadas da patrulha do politicamente cor-reto, diz o imortal Evanildo Bechara, membro da comisso de lexic-grafos como so chamados os fazedores de dicionrios da AcademiaBrasileira de Letras (Barrucho, 3/3/2012).

    Essa mais uma amostra das panes mentais que a obsesso com aespoliticamente corretas costuma produzir (Editorial, 5/11/2010).

    Se a escola fundamental fracassa em suas tarefas elementares, como po-der incluir no currculo as disciplinas inventadas pelos luminares poli-ticamente corretos? (Kuntz, 15/6/2011).

    Trata-se de uma atitude politicamente correta de galinheiro, como diriaNelson Rodrigues (Moreira, 28/2/2011).

    O uso de linguagem pejorativa ainda mais abundante quando as refe-rncias tm o politicamente correto como objeto explcito. Novamenteassociaes represso militar e ao policiamento aparecem, mas a ri-queza de termos amplificada. O politicamente correto ligado a umvrus da intolerncia, e suas baterias mais uma metfora militar dotadas de sanha persecutria. Ele igualado ao fascismo, chamadode perigoso e hipcrita, dito progenitor de um monstro e assassino dacultura brasileira. Associaes da atitude politicamente correta com oautoritarismo e mesmo totalitarismo so feitas explicitamente em setematrias.

    Se fssemos arriscar um argumento geral, ele teria a seguinte forma: acensura a Monteiro Lobato, produto de aes do governo capitaneado

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  • por radicais de esquerda avessos liberdade, se faz em nome do politi-camente correto. Outras imprecaes preferem, ao invs do catastrofis-mo da retrica da ameaa (Hirschman, 1991), a desclassificao do po-liticamente correto e de seus agentes, acusando-o de produzir panesmentais, de ser operado por luminares referncia obviamente ir-nica e de ser uma atitude de galinheiro. Mas o sentido geral o mes-mo, como expresso nas seguintes citaes lapidares (nfases nossas):

    O Estado politicamente correto sabe o que bom para voc. Em nomeda modernizao dos costumes, assiste-se a uma escalada medieval deproibio da propaganda de produtos que fazem mal, e de obrigatorie-dade de mensagens que fazem bem (Fiuza, 14/5/2011).

    Mas o extenso histrico de medidas com o vis do politicamente corre-to, em obedincia linha ideolgica de reas do PT e adotadas desde oprimeiro governo Lula, recomenda prudncia e boa dose de ceticismoem relao ao desmentido. Afinal, no a primeira vez que o governofederal tenta empurrar goela abaixo da sociedade uma plula suposta-mente progressista, que, na realidade, um composto no qual mal sedisfara o DNA do autoritarismo e da intolerncia (Editorial, 5/4/2011).

    Outra caracterstica da representao do politicamente correto nas p-ginas da grande mdia sua associao aos Estados Unidos. Pelo me-nos cinco matrias opinativas acusam o politicamente correto de seruma imitao dos Estados Unidos. Uma delas propugna que o CNEimpe realidade brasileira a viso tosca e simplista dos defensoresdo politicamente correto nos Estados Unidos (Gurovitz, 6/11/2010).Um texto de autoria do deputado Aldo Rebelo nico poltico repre-sentado em nosso corpus diz que o caso reproduz uma imitao ser-vil dos Estados Unidos, pas por sculos institucionalmente racista quehoje procura maquiar sua bipolaridade tnica com aes ditas afirma-tivas. Segundo o autor parlamentar, trata-se de patacoada retricaque no serve ao Brasil, pas mestio por excelncia (Rebelo,7/11/2010). Tanto uma como outra matria empregam linguagem pe-jorativa, cabe notar.

    A mesma expresso pas mestio e o mesmo argumento so repeti-dos por Anna Ramalho nas pginas eletrnicas do Jornal do Brasil (Ra-malho, 10/11/2010). J Ruy Castro diz, no tocante ao caso Lobato, quemacaqueamos aquilo que os norte-americanos tm de pior (Castro,8/1/2011). Para completar, um editorial de OGlobo postula que a lgi-ca do politicamente correto a mesma daquela por trs das cotas ra-

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  • ciais, as polticas de ao afirmativa: tanto o politicamente corretocomo as cotas raciais so importaes dos EUA que no se adequam realidade brasileira. Tal argumento acerca da ao afirmativa frequen-ta as matrias sobre o tema publicadas pelo jornal, que no agregadotem vis claramente contrrio (Feres Jnior, 2009).

    LOBATO RACISTA?

    A cobertura jornalstica do affair Caadas de Pedrinho tambm caracte-rizada por uma relativa abundncia de textos, 21 no total, que contmalguma passagem na qual o carter racista da obra e da figura de Loba-to descontado, relativizado, quando no inteiramente descartado.Um desses textos cita o hipottico racismo de Monteiro Lobato(Niskier, 11/2/2012). Matria do Estado de Minas diz que aquilo queest em seu livro no significa racismo e preconceito (Paulo,30/10/2010). Reportagem da Revista poca declara que ao contrriodo preconceito flagrante em Cline ou Pound, o racismo de Lobato bastante discutvel (Masson et alii, 6/11/2010). Texto assinado porRolf Kuntz diz que o racismo uma estranhssima acusao a Montei-ro Lobato (Kuntz, 15/6/2011). Em artigo para OGlobo, Martha NeivaMoreira cita o especialista Ricardo Cravo Albin dizendo: - Isso pa-trulha ideolgica. Cresci lendo Lobato e acho injusto dizer que ele eraracista (Moreira, 28/2/2011). Mas a afirmao mais peremptria vemde comentrio do escritor Ruy Castro, reproduzido por Martha NeivaMoreira na mesma matria: As pessoas que acusam Monteiro Lobatode racismo e de querer extinguir a raa negra certamente nunca leramuma linha do que ele escreveu (Barrucho, 3/3/2012).

    Muitas vezes, a relativizao ou mesmo negao do carter racista doescritor vem acompanhada de uma apologia ao seu lugar de destaqueno panteo dos heris literrios da ptria, como na passagem de Hum-berto Viana Guimares:

    Lobato, que alm de escritor foi um grande entusiasta na criao da Pe-trobras, de heri, agora querem transform-lo e a sua brilhante obra emracistas, com chaves do tipo esteretipos raciais... Agora Lobatoque taxado de racista, e, amanh quem ser? Jorge Amado, Machadode Assis, Castro Alves ou Gilberto Freyre? (Guimares, 21/11/2010)

    A figura do especialista tem funo fundamental na cobertura jornals-tica do caso. Suas opinies, supostamente doutas, so frequentementeusadas para abonar as posies do articulista ou do texto. Quase sem

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  • exceo, os especialistas consultados pelos jornalistas e colunistas soliteratos ou acadmicos da rea de literatura, muitos deles apresenta-dos como experts na obra de Monteiro Lobato. H uma abundncia dereferncias nos textos ao fato de o parecer ter recebido crticas de espe-cialistas, as quais so inclusive mencionadas pelo ento ministro daEducao, Fernando Haddad, em entrevista (Leite, 6/11/2010; Weber,4/11/2010). Quando a voz dada nas matrias a esses especialistas,suas opinies so consonantes com os enquadramentos do politica-mente correto. Por exemplo, Marisa Lajolo, citada noCorreio Braziliensecomo organizadora da obra de Lobato, livro a livro, diz que a litera-tura no pode vir com instruo de uso ... Essa posio autoritria(Leite, 6/11/2010). Vladimir Sacchetta, apresentado em matria de OEstado de S. Paulo como o principal historiador da obra de MonteiroLobato e autor de uma de suas biografias, chama o parecer de estrei-to e preconceituoso (Editorial, 5/11/2010).

    Segundo coluna assinada por Srgio Augusto para OEstado de S. Paulo,o escritor Joo Ubaldo se refere ao parecer como essa estupidez,esse atraso mascarado de progresso e condena com veemncia aadoo de certificados e bulas nos livros aceitos na rede pblica (Au-gusto, 6/11/2010). Outro escritor e jornalista com participao ativano caso Ruy Castro, cujas posies j anotamos acima em mais deuma passagem. Marcia Camargos, que matria de O Estado de S. Pauloidentifica como especialista em Monteiro Lobato, acusa o parecer deser perigoso precedente rumo ao obscurantismo (Camargos,7/11/2010). Artigo da Folha de S. Paulo cita a mesma especialista classi-ficando o parecer como censura (Paulo, 30/10/2010). O historiadorda MPB, produtor musical e produtor de rdio e televiso, RicardoCravo Albin, rotula o parecer de patrulha ideolgica (Moreira,28/2/2011). Outros especialistas nomeados pela mdia tambm eco-am os mesmos enquadramentos, como o secretrio-geral da AcademiaMineira de Letras (AML) e a diretora de Aes de Incentivo Leiturada Biblioteca Pblica Estadual Luiz de Bessa, de Belo Horizonte. Umafonte importante de especialistas no corpus das matrias a AcademiaBrasileira de Letras, que citada 14 vezes. A ABL publicou no dia 5 denovembro de 2011, em seu site, uma carta na qual acusa o CNE de ten-tativa de censura ao livro de Lobato.

    Conclumos aqui nossa anlise dos argumentos dos pareceres, do con-tedo da cobertura jornalstica, na qual identificamos a proeminnciado enquadramento do politicamente correto, a negao do racismo na

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  • obra e na figura de Lobato e a voz da autoridade conferida aos especia-listas. Passamos agora parte propositiva desse ensaio na qual mostra-mos, em desacordo com a opinio dominante na grande mdia, (1) o ca-rter inegavelmente racista da obra e do autor, (2) a necessidade fticada existncia do politicamente correto em qualquer sociedade, princi-palmente nas sociedades democrticas contemporneas, e sua positi-vidade moral, e, levando em conta os dados mais slidos acerca do de-senvolvimento cognitivo e moral humano, (3) a inadequao da posi-o dominante na mdia e, em parte, dos pareceres do MEC, no quetoca questo do uso didtico do referido livro.

    O RACISMO EM MONTEIRO LOBATO

    A interpretao de obras e autores do passado envolve questes de or-dem epistemolgica e moral. As questes de ordem epistemolgicaconstituem o fulcro da disciplina chamada hermenutica, desde suafundao na Alemanha do sculo XIX (Rabinow e Sullivan, 1979). Ahermenutica moderna surgiu da constatao do problema de que ossignificados das palavras de textos antigos, originalmente a Bblia, nocorrespondiam a seus significados atuais, da a necessidade de inter-pretar, de traduzir o texto original para a linguagem do presente. Po-sies diferentes acerca da possibilidade do resgate dos significadosdo passado pelos leitores do presente foram esposadas por autores de-dicados a essa disciplina8. H, contudo, um certo consenso na literatu-ra de que o entendimento de um conceito ou linguagem do passado re-quer contextualizao, isto , ele s possvel por meio do estudo dosoutros conceitos, linguagens e obras que lhe foram contemporneas, etambm dos referentes no mundo aos quais aquele conceito ou lingua-gem se reportava (Ricoeur, 1981).

    No h espao aqui para uma anlise detalhada acerca da questo doracismo de Lobato em sua prpria poca, tema que mereceria um en-saio bem mais longo para ser desenvolvido9. Como nosso objetivo discutir a questo relativa ao uso de sua literatura na Educao Infantile nos anos iniciais do Ensino Fundamental no presente, muito maisimportante saber o que suas ideias e linguagem significam para ns,seres desse presente.

    Veremos a seguir que h evidncias suficientes para afirmar de manei-ra qualificada que, ao contrrio da opinio de alguns especialistas re-tratada na mdia, Monteiro Lobato era de fato racista. De passagem,

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  • no podemos deixar de mencionar que Lobato foi membro da Socieda-de Eugnica de So Paulo e amigo pessoal de expoentes da eugenia noBrasil, como os mdicos Renato Kehl (1889-1974) e Arthur Neiva(1880-1943), dados que apenas ilustram sua imagem de adepto fervo-roso dos ideais eugnicos10 de melhoramento da raa, refletidos plena-mente em seus textos, privados e pblicos. Vejamos um trecho de cartaendereada ao mdico baiano Arthur Neiva (1880-1943):

    Deversos amigos me dizem: porque no escreve suas impresses? E eurespondo: porque intil e seria cahir no ridculo. Escrever apparecerno tablado de um circo muito mambembe, chamado imprensa, e exhi-bir-se deante de uma assistncia de moleque feeble-minded e despidosda menor noo de seriedade. Mulatada, em summa. Paiz de mestiosonde o branco no tem fora para organizar uma Kux-Klan, paiz per-dido para altos destinos. Andr Siegfried resume numa phrase as duasattitudes. Ns defendemos o front da raa branca diz o Sul e gra-as a ns que os Estados Unidos no se tornaram um segundo Brazil.Um dia se far justia ao Klux Klan; tivssemos ahi uma defeza destaordem, que mantem o negro no seu lugar, e estariamos hoje livres dapeste da imprensa carioca mulatinho fazendo o jogo do gallego, esempre demolidor porque a mestiagem do negro destre a capacidadeconstructiva11.

    muito improvvel que um intelectual com vasta cultura, que haviamorado nos Estados Unidos por quase quatro anos, ligado ao consula-do brasileiro de Nova York, ignorasse que esse grupo racista nor-te-americano, apologista da pureza racial branca, praticasse lincha-mentos, assassinatos, incndios criminosos e toda sorte de atrocidadescontra negros daquele pas. Devemos notar tambm que a despeito dodesprezo pela miscigenao, a pureza defendida por Lobato a da raabranca e no a da negra, tida por ele como fonte dos males da miscige-nao: a mestiagem do negro[que] destre a capacidade constructi-va.

    Somente para exemplificar os muitos reflexos das ideias do autor emsua fico, tomemos o livro O Presidente Negro (Lobato, 2008), publica-do pela primeira vez em 1926, no qual o autor de Taubat narra a elei-o de um presidente negro nos EUA no ano de 2228. O personagemprincipal, um alter ego de Lobato, declara ao final do livro em carterconclusivo, ao se concretizar o desaparecimento da raa negra pormeio da esterilizao de seus membros:

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  • Pela primeira vez na vida dos povos realizava-se uma operao cirrgi-ca de tamanha envergadura. O frio bisturi de um grupo humano fizeraa ablao do futuro de um outro grupo de cento e oito milhes sem queo paciente nada percebesse. A raa branca, afeita guerra como a lti-ma ratio da sua majestade, desviava-se da velha trilha e impunha ummanso ponto final tnico ao grupo que a ajudara a criar a Amrica, mascom o qual no mais podia viver em comum. (Lobato, 2008:196)

    Mas, como dissemos, no nos ocupa agora o exame detalhado do dis-curso racial de Lobato em seu contexto histrico. importante salien-tar, contudo, alguns pontos de sua biografia pessoal e intelectual. Lo-bato esposa um tipo de determinismo racial que altamente pessimis-ta quanto condio do negro e do mestio. Tal determinismo em suapoca j era muito contestado, por exemplo, por figuras como o escri-tor Graa Aranha, o mdico Joo Batista de Lacerda, e mesmo expoen-tes do Sanitarismo, como Belisrio Pena, alm do antroplogo EdgardRoquete Pinto, do escritor Manuel Bonfim e de Alberto Torres(Skidmore, 1976). A ideologia defendida pelo autor, a eugenia, foi o es-tofo do nazismo, grande causador da Segunda Guerra Mundial, damorte de mais de 20 milhes de pessoas e do genocdio de judeus, ciga-nos, homossexuais e outros grupos. A missiva acima, assim como mui-tas outras de teor similar, foi republicada emABarca de Gleyre, livro quesaiu em 1944, j nos estertores da Guerra, e organizado pelo prprioLobato ao final de sua vida com a inteno explcita de constituir ummonumento de sua prpria atividade intelectual para as geraes fu-turas12.

    Nosso interesse aqui pela literatura infantil de Lobato e pelo presen-te, ou seja, pela maneira como que esse corpus textual pode ser compre-endido no presente, particularmente no tocante questo da raa. Ain-da que de maneira no tanto eugenista militante, a literatura infantilde Lobato eivada de referncias pejorativas Tia Nastcia, e a outrospersonagens negros. Caadas de Pedrinho contm os trechos supracita-dos, nos quais ela chamada de macaca de carvo, e o fato de tercarne preta tomado claramente como sendo uma caracterstica deinferioridade. Mas isso no tudo. Em Caadas, Lobato refere-se Nas-tcia frequentemente de maneira pejorativa e desmoralizante, como,por exemplo: resmungou a preta, pendurando o beio; dizia a pre-ta; tornou a preta; a pobre preta; ou quando a descreve assustada,de olhos arregalados do tamanho de xcaras de ch.

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  • Esse no o nico livro da srie do Pica-pau Amarelo que contm taisimprecaes contra Nastcia. O livro que d incio coleo13, Reina-es de Narizinho, de 1931, abre a primeira pgina apresentando todosos personagens. Nastcia cabe o epteto de negra de estimao.Nesse livro Lobato refere-se personagem 56 vezes usando o termo anegra, ao invs de seu nome. Pelo menos 13 vezes tal chamamento acompanhado de aluses pejorativas aos seus beios, ou s vezesbeiaria, ao tamanho avantajado de sua boca, a maior boca do mun-do, de caber dentro uma laranja, ou ainda a sua ignorncia tudoque ela no entendia era [para ela] ingls.

    No livro Histrias de tia Nastcia, no qual personagem principal, Nas-tcia, mais uma vez fartamente tratada pelo epteto a negra, ofen-dida repetidamente por Emlia, que considera suas histrias, extradasda tradio oral, irracionais e mal articuladas. Diz a boneca: Essashistrias folclricas so bastante bobas (...) Por isso que no sou de-mocrtica! Acho o povo muito idiota. Em outro trecho declara: Tudobobagens de negra velha... Nessa histria vejo uma fieira de negras ve-lhas, cada qual mais boba que a outra que vo passando a histriapara diante, cada vez mais atrapalhada.

    Mesmo Pedrinho, que inicia o livro dizendo que as negras velhas sosempre muito sabidas, logo adota uma postura mais ctica: Bem sev que histria contada por negras velhas, cozinheiras fazendoaluso inverosimilhana da narrativa. Logo depois Narizinho jun-ta-se conversa e se mostra em sintonia com a boneca na censura shistrias de Nastcia. O trecho vale a pena ser reproduzido:

    Na verso de Andersen disse Narizinho no h negro nenhum,nem nada de trs ces. O povo aqui no Brasil misturou a velha histriade Joozinho e Maria com outra qualquer, formando uma coisa diferen-te. A verso de Andersen muito mais delicada e chama-se Hansel eGretel.

    O tal negro entrou a disse Pedrinho porque no Brasil as histri-as so contadas pelas negras, que gostam de enxertar personagens pre-tos como elas. L na Dinamarca Andersen nunca se lembraria de enxer-tar um preto porque no h pretos. Tudo gente loura.

    A associao do povo brasileiro com o negro e desse com a distoro, airracionalidade e a falta de delicadeza, como sugerido por Narizinho,se contrasta com a bela forma da histria de Andersen, onde s hgente loura. A fala de Pedrinho chega a ser cruel. Ou no?

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  • Lembramos que a questo que se coloca aqui se esse tratamento dado Nastcia e aos negros em geral na literatura infantil de Lobato podeser tido como racista e, portanto, considerado moralmente recrimin-vel nos dias de hoje. Para responder a essa pergunta de maneira satisfa-tria necessrio debruar-nos sobre a questo central do presenteartigo, que a do politicamente correto.

    O QUE O POLITICAMENTE CORRETO?

    Em passagem acima declaramos que a linguagem que Lobato usa parase referir Nastcia pejorativa e desmoralizante. Em um primeiromomento, podemos afirmar que tal linguagem desmoralizante mes-mo sem necessidade de fazer uma interpretao histrica da dinmicada mudana lingustica em nossa sociedade e suas consequncias pol-ticas e institucionais interpretao essa necessria para se discutiradequadamente a questo do politicamente correto. Parece-nos queessa distino inicial importante e tem um papel heurstico na conse-cuo de nosso objetivo. Esse primeiro momento corresponderia auma interpretao da linguagem de Lobato dentro de uma perspectivakantiana, ou seja, assumindo somente a racionalidade do indivduocomo precondio de sua autonomia moral14. Basta uma leitura rpidapelas passagens para notar que Nastcia retratada como racional-mente inferior, seja pela postura apatetada ou por sua ignorncia pro-funda, faltando-lhe inclusive a virtude da coragem e da phronesis (ca-pacidade de tomar decises no calor da ao) como quando acossadapelas onas (Lobato, 1933). A mesma leitura mostra claramente quesua inferioridade racional, que em termos kantianos se traduz em inca-pacidade moral, associada cor de sua pele e a caractersticas fenot-picas ancoradas na sua negritude, de maneira extremamente estereoti-pada. Parece-nos razovel atribuir a palavra racismo, ainda que pro-visoriamente, associao entre caractersticas fenotpicas e morais, jnesse plano.

    Mas o ponto de vista kantiano, por ser radicalmente idealista, trata alinguagem como se fosse um meio transparente, em outras palavras, incapaz de capturar o desenvolvimento moral de um povo, de uma co-munidade, que se expressa na mudana lingustica. Na verdade taispreocupaes tericas surgiram em grande medida no sculo XX, como movimento que ficou conhecido como virada lingustica. Na filoso-fia, a contribuio de Martin Heidegger foi fundamental para tal movi-mento, particularmente a noo de que a prpria terminologia filosfi-

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  • ca se transforma com o tempo (Heidegger e Stambaugh, 1996). Com oconceito de linguisticidade (Sprachlichkeit), seu discpulo Hans GeorgGadamer coloca a linguagem como elemento inescapvel da condiohumana (Gadamer, 1975). Tal tradio angariou vrios adeptos emambos os lados do Atlntico, entre eles Richard Rorty (1967), QuentinSkinner (1969), Jacques Derrida (1976) e mesmo o Foucault do mtodoarqueolgico (1972).

    A virada lingustica se espalhou por outros campos de investigao,inclusive pela teoria poltica, que lida com assuntos mais pertinentes anossa reflexo presente15. Se a linguagem se altera com o tempo e se acondio humana est inextricavelmente imersa nela, ento as pr-prias noes morais que baseiam nossas instituies polticas, noesessas necessariamente expressas pela linguagem, tambm mudam aolongo da histria. Essa hiptese, a princpio terica, foi verificada em-piricamente por um sem nmero de estudos, entre eles os de NorbertElias (1982), Reinhard Koselleck (1973, 1975) e de grande parte da his-tria conceitual16. Em outras palavras, as noes do que constitui bem emal, virtude e vcio e suas aplicaes s coisas do mundo mudam como passar do tempo, assim como mudam as instituies que sedimen-tam e estabilizam tais noes.

    Para cumprir o objetivo de estudar o advento da identidade moderna,da concepo moderna de indivduo, Charles Taylor recorre a uma re-construo histrica das ricas linguagens sobre as quais assenta-mos os alicerces e o sentido das obrigaes morais que reconhecemos(Taylor, 1997:16). O ponto de Taylor que todas as concepes moraisque temos, e mesmo o aspecto cognitivo das relaes sociais, so ex-pressas por meio da linguagem, a qual est em processo de constantetransformao histrica. Esse processo de transformao, como indicaKoselleck, no aleatrio, mas guiado pela prpria dinmica do con-flito poltico e social em uma determinada comunidade (Koselleck,1985). No possvel estabelecer uma relao estrita de determinaoentre histria social e histria semntica do tipo infraestrutura sobrea superestrutura mas possvel identificar, em perspectiva histrica,sua evoluo conjunta (Koselleck, 1996).

    Taylor resgata o conceito de reconhecimento exatamente para dar sen-tido a esse processo histrico de desenvolvimento moral, que ao mes-mo tempo individual e coletivo. Ahonra do ancien regime estrutura devalores hierrquicos que determinavam tanto as instituies como a

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  • expectativa que cada um tinha acerca de suas chances de vida foisubstituda pela dignidade igual com o advento das revolues, digni-dade essa que tambm passou a estruturar tanto as instituies, pormeio do constitucionalismo liberal, quanto as expectativas de todos deserem tratados como iguais. Mas mesmo o contedo dessa dignidade,o significado do que ser igual e o rol de indivduos que so includosnessa igualdade mudaram com o passar do tempo, isto , com o trans-curso da vida social e poltica, sempre conflituosa, gerao aps gera-o (Taylor, 1992).

    A teoria do reconhecimento de Honneth (1995) avana ainda mais nes-ta linha de pensamento, mas concorda com todos esses elementos bsi-cos. Para ele, a linguagem fundamental para que o indivduo e os gru-pos e movimentos sociais formem a sua identidade por meio da intera-o social; em outras palavras, percebam seu valor moral reconhecidopor seus parceiros de interao social. Os significados portados pelalinguagem so coletivamente partilhados e se transformam historica-mente, isto , o contedo do que reconhecido e do que se demandapor reconhecer tambm evolui (Honneth, 1995). Essas transformaesplasmam instituies. A srie marshalliana da conquista de direitosexpe pedagogicamente esse processo: primeiro foram conquistadosdireitos civis, depois polticos, e depois sociais (Marshall, 1964). Hojeh quem fale de direitos de quarta e quinta ordem: culturais, reprodu-tivos, de gnero, raciais etc.

    Como bem observa Honneth, os direitos se expandem no somentepela diferenciao, como na srie acima, mas tambm por sua aplica-o a novos grupos de pessoas antes excludas da cidadania plena(Honneth, 1992). Por exemplo, foi somente no sculo XX que as mulhe-res conquistaram o direito de voto na maioria dos pases ocidentais.Um exame rpido dos debates acerca do voto feminino mostra que aoposio a ele frequentemente se valia do argumento de que as mulhe-res no eram inteiramente racionais, e portanto no tinham autonomiamoral para escolher um candidato (Phillips, 2003). Mutatis mutandipara os trabalhadores assalariados durante o processo de expanso dosufrgio no sculo XIX, e para os negros em vrios pases onde a escra-vido foi praticada (Azevedo, 1987).

    Ora, se essa interpretao lingustica e histrica est correta, ento so-mos obrigados a concluir que em um dado momento da vida de umasociedade h um conjunto de usos e significados lingusticos que so

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  • aceitos pelos parceiros de interao social, os cidados, e outro conjun-to de usos e significados proscritos, por serem considerados ofensivos,pejorativos, estereotipantes etc., seja para grupos especficos ou para ocidado em geral. Assim, por exemplo, o termo donzela, que antesera fartamente usado para nomear mulheres jovens, caiu em desusopor carregar a associao entre retido moral e virgindade, algo inacei-tvel segundo os padres contemporneos dominantes de maiorigualdade entre os sexos e liberalidade. O mesmo se deu com termospejorativos endereados aos negros, os quais eram usados em abun-dncia no passado no muito remoto, mas aos poucos foram sendoproscritos das interaes cotidianas e dos usos pblicos da linguagem.Referncias a caractersticas fenotpicas exageradas, com o intuito demarcar animalidade e falta de racionalidade, como faz Lobato; redu-o da pessoa cor da pele, como na substituio de seu nome pela re-ferncia a negra ou a preta; esses so usos lingusticos no maisaceitos pelo sistema de valores democrticos de nossa sociedade. E noso aceitos porque denotam claramente a associao entre fentipo einferioridade moral, ou seja, por ser uma prtica racista, no somenteem termos kantianos abstratos, mas segundo os padres atuais.

    Mas ser que h de fato um padro atual dominante, que determina oque aceito e o que no ? Argumentamos, contrafactualmente, quesim, caso contrrio tais termos e expresses no teriam seu uso proscri-to ou teriam seu significado tornado extremamente pejorativo. Hmuito conflito acerca do significado de termos e conceitos em qualquersociedade, mas esse conflito se d por sobre uma base mais ou menosconsensual do significado possvel de outras palavras e tambm de suaaceitabilidade moral. Ou seja, nem todo o vocabulrio igualmenteconflituoso, pelo contrrio, o conflito se concentra em alguns concei-tos-chave enquanto que outros conceitos mais decantados so toma-dos como plenamente inteligveis e moralmente aceitos. Tal base existeno plano cultural. Mas a prova mais eloquente de sua existncia suacristalizao tambm no plano institucional.

    Isso particularmente verdadeiro para a questo do racismo no Brasil.A Constituio Federal de 1988 prev em seu artigo 5o, inciso XLII, quea prtica do racismo crime inafianvel e imprescritvel. A Lei no

    7.716, de 1989, tipifica como racismo uma srie de aes de privao dedireitos que tenham como objeto pessoas vtimas de preconceitos deraa ou de cor. No bastasse tal lei, ainda foi aprovada uma lei especi-al, a no 9.459, de 1997, focada exclusivamente no insulto verbal racista.

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  • O cdigo penal j tinha lei tipificando a injria, mas a Lei no 9.459 faz dainjria racial um tipo qualificado do delito, impondo penas de reclu-so de um a trs anos e multa, se a injria cometida mediante utiliza-o de elementos referentes raa, cor, religio ou origem.

    Tal reflexo da base lingustico-moral de uma sociedade em um deter-minado momento histrico em suas instituies foi notada porHonneth ao argumentar que a diferenciao dos direitos produto dorebatimento no Estado das lutas pelo reconhecimento (Honneth,1992). Tal base lingustico-moral, que tambm chamamos de padreslingusticos contemporneos dominantes, define o politicamente cor-reto. Fica claro que nenhuma sociedade real existe sem uma medidado que seja o politicamente correto, isto , da linguagem que ou noaceita, de padres do que ou no ofensivo. Durante a escravido,quando os negros sequer gozavam de direitos bsicos da cidadania, ouso de linguagem derrogatria no constitua problema moral e muitomenos legal. Mesmo na poca em que Lobato escreveu, comeo do s-culo XX, os negros encontravam-se em tal estado de marginalidade so-cial que poucas condies tinham de vir a pblico de maneira organi-zada criticar tais prticas. O primeiro movimento social negro de car-ter nacional, a Frente Negra, surgiu somente em 1931, e j tinha comoobjetivo principal lutar contra o racismo e a discriminao (Moura,1989). natural que nos dias de hoje, aps quase trs dcadas de nor-malidade democrtica e de um avano contnuo dos direitos da cida-dania em nosso pas, o uso de linguagem racista se torne uma questode relevncia pblica, pois ele contradiz exatamente a evoluo morale institucional de nossa sociedade.

    importante fazer a ressalva de que a constatao da existncia de pa-dres lingusticos dominantes em uma sociedade no redunda em suapositividade moral do ponto de vista do observador externo. Aindaque para o pblico situado em dada sociedade em um determinadomomento histrico necessariamente invista tais padres dominantesde positividade moral, pois ela a coleo do que correto, observado-res de outras pocas ou outras sociedades podem achar tais padresopressivos ou imorais. Por exemplo, a pederastia ateniense da pocaclssica era socialmente aceita, inclusive pelo pai do jovem, que apro-vava a relao com o amante mais velho, mas hoje corresponderia prtica criminosa da pedofilia, mesmo que fosse aprovada pelo pai davtima.

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  • Assim, os argumentos que vimos no incio deste artigo contra o politi-camente correto em si so equivocados do ponto de vista factual. Noh registro de sociedade histrica em que tais padres no tenham seimposto pela fora da cultura e das instituies. Os argumentos corre-latos de que ele violaria o direito de livre expresso e de que seria deri-vado de uma posio autoritria so tambm esprios. O Supremo Tri-bunal Federal condenou, em 17 de setembro de 2003, o editor gachoSiegfried Ellwanger por crime de racismo, por ter publicado materialantissemita. Ora, proscrever expresses e ideologia antissemita umexerccio do politicamente correto. E a imposio do Estado, na figurado STF, no um ato de autoritarismo, mas sim de exerccio das insti-tuies democrticas, tornando o que moralmente condenvel em in-terdito real. Os EUA, por exemplo, baniram do uso comum uma vastasrie de termos pejorativos usados em um passado no muito remotopara designar italianos, judeus, negros, poloneses, hispano-america-nos, homossexuais etc. Isso foi feito sem recurso ao autoritarismo ouatentado liberdade de expresso. Fica claro aqui que a liberdade deexpresso no pode ser tomada como um valor absoluto, que permitainclusive que crimes, como o racismo e a injria racial, sejam pratica-dos em seu nome. Nesse ponto a opinio no somente nossa, mastambm da Suprema Corte do Brasil.

    Assim, conclumos que, para os padres contemporneos, a lingua-gem que Lobato usa em seus livros infantis para se referir Nastcia sim racista e que h de fato um politicamente correto, que se espelha nacultura e nas instituies, em processo histrico de constante atualiza-o.

    Mas no chegamos ainda no plano da poltica pblica, ou seja, naqueleem que poderemos concluir se seus livros devem ou no ser adquiridospelo Estado para distribuio no sistema pblico de ensino fundamen-tal. Essa a questo principal que detonou todo o debate, ainda que elatenha sido distorcida pela mdia, pois o fato de o parecer ter por objetosomente o programa de aquisio de livros do MEC foi esquecido e aao da comisso do MEC foi tomada como censura estatal e atentado livre expresso de ideais. Outra distoro fundamental cometida pelosmeios de comunicao, e que diz respeito a um dos pontos do presenteartigo, foi ter nomeado como especialistas para opinar sobre o assuntoexclusivamente acadmicos da rea de literatura e escritores, particu-larmente especialistas na obra de Lobato, como se para resolver a ques-to bastasse determinar se Lobato era ou no racista. A maioria dos es-

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  • pecialistas afirmou que no passado os padres do aceitvel eram dife-rentes daqueles que temos no presente argumento que de fato corro-bora a existncia concreta do politicamente correto. Dessa maneira,deixaram de lado a questo principal que seria avaliar se aqueles pa-dres passados seriam aceitveis no presente. Mas isso no tudo.Alm de determinar se o texto de Lobato era ou no racista aos olhos dopresente, o que j fizemos, preciso saber se no h problema em usaresse texto, em sua redao original, na Educao Infantil ou nos anosiniciais do Ensino Fundamental. Mas para isso seria preciso ouvir es-pecialistas da Educao e da Psicologia do Desenvolvimento, e noprofessores de literatura e escritores.

    J que a grande mdia no discutiu o assunto nessa perspectiva, quenos parece fundamental, ns o faremos.

    A QUESTO DA LINGUAGEM, DO PENSAMENTO E DO COMPORTAMENTO

    Para melhor empreendermos a tarefa proposta preciso retornar questo da linguagem, agora no no plano histrico e sociolgico,como nas sees anteriores, mas no plano psicolgico e sociolgico,com o intuito de entender como a linguagem organiza o pensamentoque leva a comportamentos consistentes com o mesmo.

    Em A Construo do Pensamento e da Linguagem, Leo S. Vygotsky(2009[1934]) argumenta que a linguagem se origina nas interaes so-ciais e aos poucos internalizada na forma de significados e palavras.Neste processo, a linguagem entra em dilogo com o pensamento orga-nizando-o em conceitos, concepes de mundo etc. Vygotsky enfatizaque a compreenso do mundo pela criana mediada pela linguageme pelos instrumentos que foram criados pelas geraes anteriores eatuais. Deste modo, a criana no tem acesso direto a um mundopuro e atemporal, mas o entende dentro dos limites e das mediaesimpostas pelos materiais que o constituem, da histria que o formou eda linguagem que o organiza.

    Paralelamente, Benjamin Lee Whorf (1956 [1939]), linguista norte-americano, examinou a questo do papel da linguagem no pensamen-to e no comportamento humano. Para ilustrar seu ponto, Whorf cita oexemplo de um armazm estocado com vasilhames de gasolina. Aque-les com a etiqueta tambor de gasolina provocam um tipo de compor-tamento de cuidado com o perigo de exploso, ao passo que aquelescom a etiqueta tambor de gasolina vazio provocaro um comporta-

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  • mento de descuido, j que o tambor est vazio. Este ltimo comporta-mento no leva em conta o risco real que constitui um tambor de gaso-lina vazio, muito mais perigoso que o cheio, pois est repleto de gs doproduto. Whorf explica que a palavra vazio conduz o ser humano aoerro, pois engana seu pensamento sugerindo um significado oposto aodo correto para o tambor. Ou seja, a linguagem engana tanto o pensa-mento como o comportamento daquele que l a mensagem.

    Whorf critica ainda o fato de linguistas e antroplogos analisarem ou-tras culturas ou lnguas de acordo com a sua. Ele se prope a anali-sar a lngua dos Hopi dentro de seus prprios parmetros, isto , asso-ciando o que a lngua diz a como seus falantes pensam. Ele mostra, porexemplo, como no ingls padro a experincia subjetiva da passagemdo tempo transformada em algo objetivo dividido matematicamen-te em nmeros. Assim o tempo passa em segundos, minutos, horas, se-manas, meses e assim por diante. Para os falantes de Hopi a situao bem outra. Nmeros so usados de forma diferente, para denominarcoisas que podem formar um grupo no para elementos imaginrios,como o tempo. Assim, no existe nessa lngua a expresso dez dias.Para os Hopi, a passagem de tempo seria expressa com relao a umepisdio como ele ficou at o dcimo dia, ou seja, eles usam o ordi-nal, sequenciando os dias ao invs de cont-los. Para Whorf, esta dife-rena reflete formas distintas de conceber a experincia temporal, queno caso dos Hopi privilegia o evento no tempo, mais do que o prpriotempo.

    Segundo aquela que ficou conhecida como a Hiptese Sapir-Whorf,nosso contato com o mundo se d atravs dos hbitos de linguagem,estes constrangem e delineiam as possibilidades de pensamento e decomportamento para os indivduos pertencentes quele grupo.

    Uma vez determinada a centralidade da linguagem na cognio e com-portamento da criana, cabe agora focar o desenvolvimento da noode tempo e a compreenso do tempo histrico. Mais especificamente,interessa saber como a criana passa a entender o tempo linear e cclicoque caracteriza nossa cultura. Pois somente pela compreenso da for-ma como nossa sociedade organiza o tempo que a criana ter condi-es de compreender o racismo do passado, que podia ser abertamenteexpressado sem cuidado com o respeito ao outro; compreender o tem-po presente e como o racismo existe nele; finalmente, compreender asdiferenas entre passado e presente, tornando-se assim capaz de relati-

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  • vizar e colocar em perspectiva contedos lingusticos e prticas. Ora, oteor preconceituoso, humilhante e de desprezo que Monteiro Lobatocoloca nas falas de Emlia, Dona Benta ou Pedrinho s poder ser rela-tivizado pela criana (como deseja a recomendao feita pelo MEC) seela tiver as noes temporais essenciais para esta tarefa.

    O conceito mais bvio que a criana precisa ter o de tempo histrico.Ela precisa entender que passado e presente no so a mesma coisa;que as coisas que existem hoje, num outro tempo no existiram; que aspessoas tm crenas e valores morais que se alteram com o passar dotempo e que a histria pode ser pensada em termos de sculos atrs, dedcadas atrs ou at mesmo de anos atrs. A partir dessa premissa,partimos ento para a tarefa de esmiuar os conceitos que precedemesse tempo histrico e que aliceram seu aprendizado.

    A criana quando nasce forma representaes gerais de eventos (Nel-son e Gruendel, 1986) que contm mini-sequncias temporais, seme-lhantes aos esquemas de Piaget (2002[1946]). A partir de esquemas quese repetem, como por exemplo a amamentao, a criana extrai noestemporais do tipo sequncia, durao e simultaneidade. Nelson argu-menta que so essas representaes gerais de eventos que geram osscripts: formas mais elaboradas de sequenciamento de eventos que du-ram algumas horas ou um dia inteiro. Uma criana de 2 ou 3 anos podeter um script de uma ida ao restaurante ou do seu dia na escola. Osscripts, que se realizam atravs da linguagem, permitem que a crianaextraia conceitos de ordem, durao e simultaneidade, assim comoaprenda a linguagem que representa e organiza o tempo, como, antes,depois, enquanto, durante etc.

    Nesse perodo da vida, a criana vive mormente no presente. Ela temnoes rudimentares de um pouco antes, um pouco depois, do aqui-agora. Somente aps os 3 ou 4 anos que ela comea a expandir seu co-nhecimento para um passado ou um futuro mais distantes, ainda quede forma assimtrica: o passado se amplia mais rpido que o futuro,pois encontra suporte na memria. O planejamento do futuro requerlevantamento de hipteses e abstraes que esto alm da capacidadecognitiva da criana pequena (Eisenberg, 2011).

    Em sua descrio do desenvolvimento da inteligncia, Piaget indicaincapacidade da criana menor de 7 anos de reverter aes ou manipu-lar em pensamento mais de um objeto. Assim, a irreversibilidade quecaracteriza o pensamento da criana pequena impede que ela possa

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  • navegar num tempo histrico e voltar ao presente. Isso est intima-mente ligado ao desenvolvimento de noes temporais, que, segundoapontam os estudos de Friedman (2000), lento. A noo de calendrios se solidifica aos 9 ou 10 anos, ou seja, no 3o ao 5o ano do Ensino Fun-damental. O desenvolvimento da noo de tempo histrico aindamais tardia, acontecendo, segundo Piaget, entre os 10 e 13 anos de ida-de (Piaget, 2002 [1946]). E isso em situaes mais ou menos ideais dedesenvolvimento.

    Se tomarmos a realidade da Educao Fundamental pblica em nossopas veremos um quadro certamente diferente. Por exemplo, um estu-do recente mostra que crianas no 5o ano em escolas rurais sequer sa-bem ler as horas fracionadas no relgio analgico (Eisenberg et alii, noprelo). Corroborando a tese de que na realidade da educao brasileiraesse desenvolvimento ainda mais tardio, Arajo (1998) conclui, empesquisa com alunos da 5a srie (atual 6o ano) com idades entre 10 e 14anos, da regio metropolitana do Rio de Janeiro, que suas noes detempo eram vazias de referncias socio-histricas. No mesmo sentidovo os argumentos de Nadai e Bittencourt (1992/1988) que relacionama dificuldade de ensinar histria com a dificuldade da apreenso danoo de tempo. As autoras discutem a tese de que difcil ensinar his-tria nos anos iniciais do Ensino Fundamental e que essa disciplina sdeveria entrar de fato a partir do 7o ou 8o anos. Para tal, compararam asnoes de tempo histrico de crianas do 6o ano (5a srie) em duas esco-las uma de aplicao da Universidade de So Paulo (USP) (cujascrianas tinham entre 10 e 11 anos de idade) e outra pblica (cujas ida-des variavam entre 10 e 18 anos). Seus resultados mostram que ascrianas da escola de aplicao conseguiam navegar no tempo cronol-gico, mas as da escola pblica apresentaram maiores dificuldades. Asautoras concluem que possvel pensar o tempo histrico a partir do 6o

    ano do Ensino Fundamental, mas que este trabalho deve ser intencio-nal e cuidadosamente elaborado.

    Tal realidade parece no ser uma exclusividade do Brasil, pois em estu-do com crianas do 4o ao 8o ano do Ensino Fundamental da Turquia,Safran e Simsek (2006) constatam que as crianas turcas no tm no-es de tempo histrico e cronolgico completamente desenvolvidase que sua compreenso de tempo cronolgico est associada ao seuconhecimento de matemtica e ao desenvolvimento da linguagem.

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  • Portanto, conclui-se que a noo de calendrio e de tempo histrico,assim como outras noes mais bsicas como hora no relgio, dias dasemana etc., ainda no esto totalmente formadas em crianas cursan-do os anos iniciais do Ensino Fundamental, e o que dir da EducaoInfantil. Mas se os alunos tm, quando muito, uma compreenso defi-ciente de tempo histrico, como poderia um professor problemati-zar o texto de Lobato, usando-o assim para discutir uma poca em queo racismo era aberto em comparao a outra, em que ele ofensa e cri-me? Fica claro que a recomendao do MEC, por mais bem intenciona-da que seja, no resolve o problema, pois o treinamento para que pro-fessores sejam capazes de interpretar a nota explicativa e contextuali-zar as expresses racistas do texto s parte da soluo, a outra, o de-senvolvimento necessrio para tal tarefa cognitiva est fora do alcancedessa medida. Dado que a literatura infantil de Lobato tradicional-mente usada nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental, entoo problema mais srio do que originalmente imaginado pelo parecerdo CNE ou pela austera crtica miditica.

    CONCLUSO

    O presente artigo pretende ser uma contribuio ao estudo do espaopblico, uma disciplina ainda informe nos currculos acadmicos, masque est aos poucos sendo consolidada a partir da interface entre teoriademocrtica, anlise do discurso, estudos de mdia e estudo das polti-cas pblicas17. Trata-se aqui de estudo de caso de uma controvrsia de-flagrada pela grande mdia a partir de uma deciso governamental.Em tal controvrsia a mdia produziu um espao pblico caracteri-zado por um forte desequilbrio entre posies favorveis e contrrias deciso do governo, com larga vantagem para as contrrias. Aanlisedo corpus composto por todas as matrias sobre o assunto publicadasnos jornais e revistas de maior circulao no pas mostra a proeminn-cia do enquadramento do assunto como decorrncia da imposio dopoliticamente correto por parte de um governo liderado por radicaisde esquerda autoritrios. Ademais, a cobertura fez amplo uso da opi-nio de especialistas do campo da literatura para referendar tal posi-o crtica, chegando at em muitas instncias a relativizar ou mesmonegar o carter racista da obra e da figura de Lobato.

    At esse ponto nossa contribuio foi mormente analtica. Contudo,trata-se aqui de ir alm e propor snteses de carter normativo, aindaque baseadas em firmes evidncias empricas. Assim, na segunda par-

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  • te do trabalho argumentamos que a questo do racismo na obra de Lo-bato tem que ser tomada da perspectiva do presente, isto , devemosresponder seguinte questo: nos dias de hoje, devem as referncias Tia Nastcia contidas em Caadas de Pedrinho e alhures ser considera-das racistas? A resposta definitivamente afirmativa. Tal resposta in-controversa mesmo se usarmos um critrio kantiano de respeito, base-ado na premissa abstrata e universal da racionalidade do sujeito. Ora,na obra do autor, Nastcia tem seu comportamento apatetado, medro-so, tradicional e supersticioso, em uma palavra, irracional, associado acaractersticas fenotpicas que marcam a negritude, com requintes deexageros estereotpicos.

    Mas o modelo kantiano, por ser idealista e abstrato, no descreve bema realidade histrica da evoluo moral e institucional das sociedades,que se d em grande medida na e por meio da linguagem. Foi e assimem nossa sociedade, e tambm em outros lugares do mundo, dada acondio eminentemente lingustica da existncia humana, as lutas emovimentos sociais sempre se do em torno e por meio da linguagem ecausam no somente sua transformao, mas tambm a transformaoda cultura e das instituies de uma sociedade. Assim, a existncia dopoliticamente correto um dado da vida comunal de qualquer socie-dade, principalmente nas sociedades democrticas contemporneas.Sua positividade moral se afirma tanto no mbito da cultura, naquiloque Habermas chamou mundo da vida, quanto nas instituies so-ciais; nas pblicas e mesmo nas privadas. claro que a expresso poli-ticamente correto usada, muitas vezes, com carter derrogatrio, ouseja, ela se tornou um termo de guerra da batalha ideolgica. Mas issono diminui sua propriedade como conceito analtico sociolgico e po-ltico: ela descreve um fato social concreto.

    O exame contrafactual da questo revela o quo distorcido esse ata-que barato ao politicamente correto. Se no houvesse padro para oque aceitvel do ponto de vista moral e tambm ftico, ento seriapraticamente impossvel compor um currculo escolar, escolher livrospara tal currculo, planejar aulas etc. somente pela adoo de crit-rios do que aceitvel, tanto do ponto de vista moral quanto ftico, queatividades como essas podem ser empreendidas pelo estado e tambmpor instituies privadas. Se no temos critrios, ento por que banirdo currculo escolar temas como a pedofilia, o tratamento humilhantedas mulheres, a tortura sdica de animais, sacrifcios humanos etc.?

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  • Assim, fica claro que temos e devemos ter critrios, e parece-nos bemrazovel hoje incluirmos o racismo entre as coisas abjetas que no de-vem ser ensinadas a nossos filhos.

    A ideia de que essa uma controvrsia ou polmica entre a proibioda prtica do racismo, que um crime, e o exerccio da liberdade de ex-presso tambm mal formulada. Segundo tal interpretao possvel,estaramos em face de um dilema de pesar dois valores, de um lado ocombate ao racismo e de outro a liberdade de expresso, com vanta-gens para o segundo, pois a sociedade estaria melhor se todos pudes-sem abertamente expressar suas opinies e crticas. A falcia aqui con-siste em uma m compreenso do valor da liberdade de expresso. Ve-jamos, esse valor liberal tem como premissa a autonomia moral dos ci-dados para escolher o que bem entendem, ou melhor, o que conside-ram um maior bem para si mesmos e para a coletividade. Mas no hautonomia moral quando a pessoa no tem a capacidade cognitivapara entender os significados das alternativas colocadas para a esco-lha. o caso nesse affair Lobato, pois, como mostramos, as crianassimplesmente no esto equipadas para estabelecer uma distncia cr-tica entre prticas abertamente racistas do passado e sua rejeio nopresente. Assim, falar de liberdade de expresso aqui j em si umadistoro, uma falsa representao das questes envolvidas.

    Restou, contudo, o argumento presente no prprio parecer do MEC deque a linguagem racista do texto de Lobato deveria ser usada comooportunidade para professores trabalharem com seus alunos a questoda discriminao racial e do racismo em nossa sociedade, colocando olinguajar de Lobato em perspectiva histrica. Para tal, o parecer inclu-sive sugere um programa de formao para os professores e recomen-da que as editoras passem a incluir uma nota explicativa contendo ava-liaes crticas acerca da presena de esteretipos raciais na literatura.Infelizmente, como pretendemos ter mostrado, essa recomendao ig-nora o fato de que as crianas em idade de consumo da literatura infan-til de Lobato, isto , os primeiros cinco anos do Ensino Fundamental,ainda no desenvolveram a noo de tempo histrico necessria paratal compreenso, o que torna a empreitada toda, a despeito de suasboas intenes, improvvel, seno impossvel. Por mais bem treinadosque sejam, os professores sozinhos no podem resolver o problema.

    Como explicar para crianas de 6, 7, 8 ou 9 anos que Monteiro Lobato,este escritor infantil magnfico, com histrias que nos levam a viajar na

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  • imaginao por tempos e espaos to distantes da nossa realidade, eraao mesmo tempo extremamente racista? Que tinha desprezo pelos ne-gros, atribuindo-lhes inferioridade moral, o que fica claro no seu trata-mento da Tia Nastcia? Como relativizar o racismo para crianas cujacompreenso difere da nossa e cuja experincia e repertrio so bemdiferentes dos nossos? Isso nos leva pergunta final: o que fazer com aobra de Lobato? Devemos releg-la ao esquecimento?

    A soluo na verdade simples, e j largamente praticada com a obrade outros autores clssicos. Se a escritora infantil Ruth Rocha simplifi-ca a Odisseia para permitir que crianas possam se deleitar com suashistrias fantsticas, sem terem que se deter na cena do Livro XXII, porexemplo quando a seta de Odisseus entra pela garganta de Antinos,pretendente de Penlope, atravessando-lhe o pescoo, e fazendo-overter sangue abundantemente pelas narinas enquanto cai morto porsobre a mesa de repasto , por que no permitir tambm que simplifi-quem Monteiro Lobato, excluindo trechos que esto alm de umacompreenso contextualizada para aquele determinado pblico-alvo?H um sem nmero de livros e colees infantis e infanto-juvenis emque textos de autores clssicos como Alexandre Dumas, Herman Mel-ville, Charles Dickens, Mark Twain e o prprio Homero so adaptadospara a idade desse pblico; ento por que Monteiro Lobato seria into-cvel? Que preciosidade h nos seus escritos que no podem ser altera-dos, em nenhuma vrgula, para contribuir para o processo pedaggicoe, ao mesmo tempo, evitar que esse mesmo processo sirva de meio paradisseminao de preconceitos que hoje repudiamos veementemente,como esse que Lobato coloca na voz da boneca Emlia?

    Mentira de Narizinho! Essa negra no fada nenhuma, nem nuncafoi branca. Nasceu preta e ainda mais preta h de morrer. (Lobato, 1946)

    Com esse esforo pretendemos mostrar que a compreenso dessaquesto pblica, assim como de muitas outras, s possvel se adotar-mos uma abordagem multidisciplinar, que leva em considerao os v-rios aspectos de uma poltica ou deciso pblica e de sua implantaoe, a partir deles, produz uma sntese articulada. Tal tarefa digna dointelectual pblico idealizado por Habermas, sobre o qual falamos naIntroduo, mas para que vozes desse tipo tornem-se de fato pblicas preciso que tenham meios de expresso, isto , mdias. Como vimos, nocaso em questo, a grande mdia operou de maneira politizada e envie-sada, preocupando-se em usar o episdio para atacar o governo, ta-chando-o de arauto autoritrio do politicamente correto e autorizando

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  • especialistas que nada tinham a ver com a educao bsica, verdadeiroassunto que deveria estar em pauta. Assim, o espao pblico foi cor-rompido, e a falha que havia no parecer do MEC, de tambm no levarem conta em detalhe aspectos da educao ligados ao desenvolvimen-to infantil, ficou sem ser notada. Com esse tipo de liberdade de ex-presso perdemos todos, ou quase todos.

    (Recebido para publicao em setembro de 2012)(Reapresentado em maro de 2013)

    (Aprovado para publicao em maro de 2013)

    NOTAS

    1. Tal diagnstico um pouco exagerado visto que Kant, j no sculo XVIII, havia pro-posto uma diviso da razo em trs modalidades, pura, prtica e esttica, e nada maiscaracteristicamente moderno, pelo menos do ponto de vista da teoria moral, do que opensamento desse autor. A proliferao de linguagens intraduzveis mutuamente fato de grande importncia sociolgica e politolgica, j a questo de se isso moder-nidade, ps-modernidade ou ainda algo distinto algo muito difcil de estabelecer,em grande parte devido natureza polissmica e muito pouco clara do prprio con-ceito de modernidade. Sobre o tpico da crtica ao conceito de modernidade verFeres Jnior (2010).

    2. Habermas opera essa faanha em trs momentos que seguem uma sequncia decrescente otimismo: The Structural Transformation of the Public Sphere (Habermas,1989), no qual ainda partilha do pessimismo frankfurtiano frente sociedade demassas que se desenvolveu a partir do sculo XIX;The Theory of Communicative Action(Habermas, 1989), no qual ainda v o Estado e a lei como elementos de um sistemaque coloniza o mundo da vida; e Between Facts and Norms (Habermas, 1996), em quefinalmente Estado, direito e ao comunicativa so plenamente integrados em um re-gime democrtico liberal estvel.

    3. Anthony Giddens tem uma interpretao mais pessimista do papel dos especialistasna sociedade moderna. Para ele o questionamento da autoridade tradicional trazidopela cincia corri inclusive a legitimidade do saber cientfico frente ao pblico e afragmentao dos discursos racionais se d inclusive dentro de cada especialidade,pois comum vermos experts que divergem sobre o mesmo assunto (Beck, 1997).Entretanto, Giddens no traa claramente as consequncias polticas de tal situaopara as instituies da democracia representativa contempornea, como faz Haber-mas. Ademais, tal leitura das coisas no cancela ou contradiz o esquema propostopelo filsofo alemo. Aautoridade dos especialistas cientficos pode ser mais fugidia

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  • do que a autoridade das fontes tradicionais de especializao, como quer Giddens,mas ela existe em nossa sociedade e de maneira pronunciada.

    4. Alm desse material amplo a maioria dos trabalhos dessa natureza se restringem adois ou trs jornais fizemos um levantamento de reportagens de TV, mas esse tevecarter mais incompleto, pois contm matrias veiculadas somente pela Rede Globoe pelo SBT. Assim, deixaremos a anlise desse material para uma futura oportu-nidade.

    5. Parecer CNE/CEB no 15/2010 e no 06/2011.

    6. Essas so aluses s alteraes feitas nas letras de duas canes infantis muito popu-lares, Atirei o pau no gato e O cravo e a rosa. Tais alteraes, feitas supostamentepor obra do politicamente correto, tm por objetivo debelar as referncias ao tratoviolento de animais e ao machismo nas letras das respectivas canes.

    7. Disponvel em: http://www.idelberavelar.com/archives/2011/02/carta_aber-ta_ao_ziraldo_por_ana_maria_goncalves.php. Acessado em 18/4/2012.

    8. Veja, por exemplo, o debate em torno da posio de Quentin Skinner no tocante in-terpretao de textos de teoria poltica do passado (Tully, 1988).

    9. Sobre o assunto ver Lajolo (1998), Azevedo et alii (1997) e Vasconcellos (1982).

    10. Eugenia, palavra que em grego significa bem nascer, uma ideologia que temcomo base o projeto do melhoramento racial da espcie ou de grupos humanos pormeio de seu controle reprodutivo, manipulando caractersticas fenotpicas, genti-cas e psicolgicas para tal fim. Historicamente influenciada pelo evolucionismo sur-gido na segunda metade do sculo XIX, particularmente o darwinismo social, tal ide-ologia atingiu grande popularidade na Europa e nos Estados Unidos nas primeirasdcadas do sculo XX, e foi tambm recebida no Brasil. Com o advento da SegundaGuerra Mundial, e a derrota do projeto eugenista nazista, perdeu grande parte deseu apelo. Para a histria geral dessa doutrina ver Carlson (2001). Para sua recepono Brasil, ver Stepan (1991).

    11. Carta de Monteiro Lobato enviada a Arthur Neiva em 10 de abril de 1928.

    12. Em seu estudo sobre o uso de categorias raciais nos censos brasileiros, Loveman ar-gumenta, ao examinar a introduo de Oliveira Viana ao relatrio de Censo de 1920,que por volta dos anos 1920, o determinismo racial cru que informava a anlise deViana tinha perdido espao para uma viso cientfica alternativa que apontavampara a doena, o analfabetismo e o abandono governamental como os principais aoprogresso brasileiro (Loveman, 2009:466). Viana foi firme defensor da tese do bran-queamento por meio da miscigenao. Lobato, ainda que tenha acabado por apoiar omovimento sanitarista, fortemente influenciado pela tese do branqueamento, man-teve uma concepo racial ainda mais determinista que a de Viana.

    13. Na verdade livros como AMenina do Narizinho Arrebitado (1920), Fbulas de Narizinho(1921) e vrios outros foram publicados anteriormente mas depois coligidos no volu-me Reinaes de Narizinho (1932) que apresentado de maneira a parecer o primeirolivro da srie.

    14. Para uma distino clara entre teoria moral kantiana e hegeliana ver Rorty (1993). E,para a teoria moral do autor alemo, Kant (1964). Kant de fato adiciona a boa vontadecomo outra precondio, alm da racionalidade, para se chegar lei moral, mas isso de se supor que Nastcia, a boa negra, tivesse.

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  • 15. Para um bom apanhado resumido do movimento ver Rorty (1984) e para um mais de-talhado Rorty (1967).

    16. Ver, por exemplo, os ensaios coligidos nos mltiplos volumes do GeschichtlicheGrundbegriffe (Brunner et alii, 1972), entre outras obras de referncia de contedo si-milar.

    17. Entre outros, o livro ShapingAbortionDiscourse (Feree et alii, 2004) um bom exemplodessa preocupao interdisciplinar.

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    Joo Feres Jnior, Leonardo Fernandes Nascimento e Zena Winona Eisenberg

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