monografia para impressão

100
0 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA – UNIPÊ DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE DIREITO LÍLIAN MACHADO RAIMUNDO DE LIMA MINISTÉRIO PÚBLICO E A EFETIVIDADE DA SUA AUTONOMIA FRENTE ÀS INTERVENÇÕES DO PODER EXECUTIVO

Upload: lilian-lima

Post on 30-Jun-2015

190 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Monografia para impressão

0

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA – UNIPÊDEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE DIREITO

LÍLIAN MACHADO RAIMUNDO DE LIMA

MINISTÉRIO PÚBLICO E A EFETIVIDADE DA SUA AUTONOMIA FRENTE ÀS INTERVENÇÕES DO PODER

EXECUTIVO

JOÃO PESSOA/PB2009.2

Page 2: Monografia para impressão

1

LÍLIAN MACHADO RAIMUNDO DE LIMA

MINISTÉRIO PÚBLICO E A EFETIVIDADE DA SUA AUTONOMIA FRENTE ÀS INTERVENÇÕES DO PODER

EXECUTIVO

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Departamento de Ciências Jurídicas do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Ms. Eduardo Varandas Araruna.

Área: Direito Constitucional.

JOÃO PESSOA/PB2009.2

Page 3: Monografia para impressão

2

L213m LIMA, Lílian Machado Raimundo de

Ministério Público e a efetividade da sua autonomia frente às intervenções do Poder Executivo / Lílian Machado Raimundo de Lima – João Pessoa, 2009.

70f.

Monografia do Curso de Bacharelado em Ciências Jurídicas – Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ.

1. Ministério Público. 2. História. 3. Organização.I. Titulo.

BC/UNIPÊ CDU – 351

Page 4: Monografia para impressão

3

LÍLIAN MACHADO RAIMUNDO DE LIMA

MINISTÉRIO PÚBLICO E EFETIVIDADE DA SUA AUTONOMIA FRENTE ÀS INTERVENÇÕES DO PODER

EXECUTIVO

BANCA EXAMINADORA

______________________________Prof. Ms. Eduardo Varandas Araruna

Orientador

______________________________Membro da Banca Examinadora

______________________________Membro da Banca Examinadora

JOÃO PESSOA/PB2009.2

Page 5: Monografia para impressão

4

Dedico este trabalho ao meu pai, o representante ministerial mais lídimo que a Paraíba já conheceu. E à minha mãe, alicerce inexpugnável, sobrevivente das mais rigorosas intempéries da vida.

Page 6: Monografia para impressão

5

AGRADECIMENTOS

Em primeiro plano, rendo graças à força suprema regente deste universo, Deus, pelas bênçãos derramadas em minha vida, nomeadamente no restabelecimento da minha saúde, sem a qual seria impossível elaborar uma única página desta obra;

Aos meus pais, José Raimundo de Lima e Maria Margarete Machado de Lima, paradigmas irretocáveis de probidade, determinação e coragem, em uma sociedade onde os valores morais foram, há muito tempo, distorcidos em prol das facilidades, por vezes escusas, da era contemporânea;

Aos meus irmãos, Fabiana Machado Raimundo de Lima, Hipólito Machado Raimundo de Lima, José Raimundo de Lima Filho e Vívian Rayssa Machado Raimundo de Lima, pelo incentivo a todos os projetos em que estive envolvida, no âmbito da minha formação jurídica;

Ao meu querido amigo, por coincidência também meu orientador, Dr. Eduardo Varandas Araruna, pelas valorosas considerações, no tocante ao direcionamento deste trabalho e, mais do que isto, pela paixão e excelência com que desempenha suas atividades, tanto as ministeriais quanto o magistério, constituindo-se num verdadeiro exemplo de prodigiosidade acadêmica e vanguardismo funcional, inspirando, deste modo, às futuras gerações de pretensos membros do Parquet a buscarem, efetivamente, dias melhores para a sociedade;

À minha valorosa e indispensável amiga, Isabelle Pereira Lopes, tão presente em todos os momentos decisivos da minha existência, a quem dispenso as maiores estimas e agradecimentos, não só pelo empenho em conduzir-me na produção deste trabalho, mas pelos firmes laços fraternais, edificados em mais de dez anos de convivência, testemunhos reais da não extinção, no globo terrestre, da amizade verdadeira;

A todos os meus professores do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, minha segunda casa por quatorze anos, especialmente à equipe de Língua Portuguesa, verdadeiros incentivadores das minhas paixões adolescentes, hoje transformadas no ofício, por mim escolhido, para a maturidade;

À minha colega de classe, Edna de Lourdes Leite Brasilino, pela abdicação em ajudar quem a ela recorresse, sem se importar com as manifestações mesquinhas das quais, por vezes, foi vítima. Uma mulher forte e destemida, caríssima companheira do convívio universitário, a você minhas mais verdadeiras reverências;

Às minhas chefes, Dra. Dóris Ayalla Anacleto Duarte, Dra. Ivete Leônia Soares de Oliveira Arruda e Dra. Judith Maria de Almeida Lemos Evangelista, pela compreensão com os meus encargos universitários e pelo desprendimento de me liberarem dos afazeres profissionais, nos momentos em que ficou impossível conciliar as atribuições de aluna e de Oficial de Promotoria;

Page 7: Monografia para impressão

6

À minha companheira de cartório, hoje grande amiga, Gilmara Lacerda Dantas de Souza, por suportar, sozinha, as sobrecargas da Infância Infracional, durante os meus afastamentos, sejam por motivo de saúde, sejam em virtude de outras causas, igualmente escusáveis;

Ao meu namorado, Pedro Sérgio Dias de Oliveira Júnior, pela abnegação da nossa convivência, durante todo o tempo dedicado à confecção desta monografia, sem jamais reclamar das minhas ausências, das minhas indisposições ou das minhas oscilações de humor. Obrigado, meu querido, por tudo;

Enfim, a todos os participantes, diretos ou indiretos, da minha trajetória acadêmica, que devem ter a certeza de não jazer no esquecimento qualquer colaboração a mim concedida: Allan Carlos Silva Quintães, Ana Carolina de Araújo Carneiro de Almeida, Anderson Roberto Oliveira de Souza, Bernadete do Valle, Eduardo Ricarte, Ignez Andrade e tantos outros que, infelizmente, não foram aqui nominados.

Page 8: Monografia para impressão

7

“Com o povo asfixiado e espoliado, não há democracia; com as distâncias e abismos sociais, não existe unidade; com dependência econômica, não há soberania; com a exploração do homem pelo homem, não há Justiça, nem Paz.”

Page 9: Monografia para impressão

8

Roberto Lyra

RESUMO

Este trabalho monográfico tem por desiderato precípuo o exame crítico da autonomia do Ministério Público, buscando precisar até onde as ingerências externas são nocivas ao bom desempenho de sua atividade finalística. A inspiração, motivadora do desenvolvimento da monografia em descortino, adveio das indagações formuladas sobre como forças políticas, fulcradas no âmago subjetivo das autoridades que as detêm, têm o condão de desestabilizar a isenção de ânimo necessária aos membros do Parquet, nomeadamente da sua chefia. Através de uma pesquisa preponderantemente bibliográfica, asseverou-se a necessidade de mudar alguns dispositivos normativos, reguladores das questões ministeriais, por ferirem a imparcialidade e, num segundo plano, os direitos de auto-gestão do órgão, tão imprescindíveis às funções confiadas, pela Constituição Federal, à Instituição. No intento de solucionar a problemática ora desposada, o desfecho desta produção textual se dá no sentido de construir alternativas com energia suficiente para reverter o panorama aqui delineado, libertando o Ministério Público por intermédio dos princípios do Estado Democrático de Direitos, cumulados com aqueles que norteiam a Administração Pública, quais sejam: a Democracia, a Impessoalidade e a Moralidade Administrativa.

Palavras-chave: Ministério Público. História. Organização. Autonomia.

Page 10: Monografia para impressão

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 11

CAPÍTULO I EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO............................................................................................................. 14

1.1 Egito Antigo.................................................................................................... 14

1.2 Grécia Antiga.................................................................................................. 15

1.3 Roma Antiga................................................................................................... 16

1.4 Idade Média..................................................................................................... 17

1.5 A Sedimentação Institucional do Ministério Público.................................. 19

1.6 A Etimologia das Expressões: “Ministério Público” e “Parquet”............. 22

1.7 O Desenvolvimento da Instituição em Portugal.......................................... 24

1.8 A Evolução do Parquet em Terras Brasileiras............................................. 27

1.9 A Reinvenção da Democracia Brasileira...................................................... 31

CAPÍTULO II O MINISTÉRIO PÚBLICO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO........................................ 34

2.1 A Nova Ordem Ministerial.............................................................................. 34

2.2 Conceito Formal e Natureza Jurídica do Ministério Público...................... 35

2.3 Disposição Organizacional........................................................................... 38

2.4 Garantias e Prerrogativas Indispensáveis ao Múnus Ministerial.............. 43

2.5 Deveres e Vedações Inerentes aos Membros Integrantes do Parquet..... 51

CAPÍTULO III O MINISTÉRIO PÚBLICO E A NECESSIDADE DE EFETIVA AUTONOMIA ANTE ÀS INTERVENÇÕES DO PODER

Page 11: Monografia para impressão

10

EXECUTIVO........................................................................................55

3.1 A Autonomia e os Princípios Expressos no Art. 127, § 1º, da CF/1988.... 55

3.2 Autonomia Funcional..................................................................................... 57

3.3 Autonomia Administrativa............................................................................. 57

3.4 Autonomia Financeira.................................................................................... 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 65

REFERÊNCIAS................................................................................................. 67

Page 12: Monografia para impressão

11

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como desiderato precípuo cumprir os requisitos

exigidos para a conclusão do curso de Bacharelado em Direito no Centro

Universitário de João Pessoa. Para perfazê-lo com êxito, no entanto, necessária

seria a escolha de uma temática revestida de significação no ambiente jurídico, e,

por tais motivos, optamos por nos debruçar sobre a análise das potenciais

ingerências do Poder Executivo na esfera ministerial e as razões motivadoras desse

tipo de postura.

No correr da evolução histórica da humanidade, existiram algumas

figuras que guardavam similitude com os representantes hodiernos do

Parquet. Não raro, essas funções tinham sua razão de ser na proteção dos

interesses dos monarcas, suscitando, na Idade Medieval, o surgimento do

órgão objeto de nossas considerações.

Essas influências permaneceram arraigadas ao paradigma inicial de

Ministério Público, perdurando até o declínio do absolutismo despótico,

quando a Instituição passou, gradativamente, a se voltar para as pretensões

do povo, que clamava avidamente por mudanças na sistemática vigente à

época.

Transcorrido algum tempo, o órgão em apreço adquiriu contornos

independentes, mas resquícios das antigas intervenções dos chefes de governo

continuaram a existir até os dias atuais. Diante disto, nossa problemática se

consolida quando perquirimos as conseqüências dessa vinculação entre o Parquet,

hoje ostentador de inúmeras funções de fiscalização dos poderes federativos, e os

líderes do Poder Executivo, tanto o Presidente da República quanto os

Governadores de Estado, indagando se essa ligação, de índole subjetiva, não

afetaria a isenção de ânimo necessária à direção do Ministério Público.

Doutra banda, ainda vislumbraremos as outras vertentes da autonomia

revelada pelo órgão sub exame, vislumbrando se, apesar dos mecanismos de

proteção estabelecidos pela Carta-Cidadã e por outras leis, nomeadamente aquelas

Page 13: Monografia para impressão

12

relativas à Responsabilidade Fiscal, são hábeis o suficiente para impedir

intromissões desnecessárias nas questões financeiras da Instituição.

Diante disso, a presente monografia objetiva apontar as implicações desse

tipo de postura à luz dos mandamentos constitucionais vigentes e dos demais

diplomas normativos aplicáveis à matéria. Deste modo, poderemos sopesar os

benefícios e os prejuízos auferidos pela sociedade, caso tal modelo venha a se

perpetuar no ordenamento jurídico brasileiro, por defendermos a necessidade de

extirparmos práticas atentatórias dos primados do Estado Democrático de Direitos.

A justificativa para nossa pesquisa reside na contradição existente no próprio

texto constitucional que, se por um lado assegura autonomia institucional ao

Ministério Público, de outro estabeleceu uma variedade considerável de medidas de

controle externo, comprometendo, desta feita, o regular desenvolvimento das

funções ministeriais.

Tendo em vista a relevância da discussão aqui encampada, recorremos a

grandes estudiosos do assunto ora desposado, quais sejam: Carlos Roberto de

Castro Jatahy, Emerson Garcia, Hugo Nigro Mazzilli, Marcelo Dawalibi, Victor

Roberto Corrêa de Souza, entre outros.

A vertente metodológica escolhida foi a qualitativa, efetivada através de

pesquisa bibliográfica, uma vez que foi procedida uma minuciosa análise de

natureza subjetiva nas informações constantes neste trabalho, por se verificar a

impossibilidade de tratar diversamente o material usado como subsídio desta

monografia.

No tangente aos meios utilizados para subsidiar as nossas investigações,

quando da elaboração desta obra, empregamos o método histórico, ao resgatarmos

a progênie do Ministério Público, traçando uma apertada síntese sobre a evolução

deste órgão, arraigado à própria marcha da humanidade no perpassar das eras,

bem como o procedimento monográfico, ao nos depararmos com a importância do

tema exposto, dissecando-o sob todos os possíveis ângulos de sua extensão,

procurando precisar o alcance dos seus desdobramentos.

No concernente à abordagem, optamos pelo prisma hipotético-dedutivo, por

almejarmos responder às proposições sugeridas em nossa problematização, a partir

das teses preconizadas nas nossas hipóteses, decorrentes das lacunas existentes

no mundo fático relacionado ao Parquet.

Page 14: Monografia para impressão

13

A técnica de estudo empregada foi a indireta, conceituação capaz de definir o

uso de livros, artigos científicos, princípios gerais do Direito, documentos normativos,

doutrina, decisões jurisprudenciais e outros artefatos de índole teórica.

Nosso trabalho está redigido em três capítulos.

O primeiro deles versa sobre o discorrer histórico dos agentes que,

possivelmente, constituíram a origem da Instituição em descortino. Regressamos

aos domínios do Antigo Egito, perpassando pela Roma, Grécia, até atingirmos a

França no século XIV, onde efetivamente nasceu o Ministério Público. Já em seu

berço, constatamos as suas vinculações com o Poder executivo, circunstância

recorrente durante toda sua maturação estrutural, chegando a se estabelecer em

terras brasileiras nesses mesmos moldes.

O Capítulo II esmiúça a estrutura organizacional do órgão no Brasil pós

Constituição de 1988, pormenorizando seu conceito, discutindo sua natureza

jurídica, informando sua composição, que se dá através de quatro ramos distintos,

além de comunicar as garantias e prerrogativas inerentes aos membros da

Instituição, bem como esclarecendo seus deveres e vedações.

No último capítulo, abordamos o cerne das nossas proposições,

esclarecendo o que vem a ser autonomia, elucidando seus vários aspectos,

diferenciando-os de outros conceitos semelhantes. Aqui, trouxemos à baila a

discussão sobre as vinculações subjetivas entre as autoridades máxima do

Executivo e os Procuradores-Gerais da República e os Procuradores-Gerais dos

Estados, alertando para os efeitos dessa ligação no âmbito social.

Page 15: Monografia para impressão

14

CAPÍTULO I

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

1.1 Egito Antigo.

Não é possível entender os desígnios hodiernos que conduziram o Ministério

Público à posição que ostenta na Magna Carta de 1988, sem antes analisarmos

detidamente suas origens remotas e sua evolução histórica, discorrendo sobre o

processo de sedimentação institucional que o tornou órgão indispensável tanto para

o sistema jurídico brasileiro quanto às várias legislações alienígenas que o orientam,

nomeadamente aquelas compostas pelos países de tradição romano-germânica.

Os estudiosos da questão não são uníssonos em apontar o marco histórico

que determine a origem do Parquet, recorrendo, muitas vezes, a figuras análogas da

antiguidade. Uma dessas referências, mencionadas como entidade precursora do

órgão, é o Magiaí (procurador do rei), uma espécie de funcionário do antigo Egito

que, quatro milênios atrás, pertencia a uma esfera de agentes públicos responsáveis

pela persecução penal, com discricionariedade para reprimir eventuais atos fora da

lei ou, até mesmo, punir aqueles que desobedecessem a princípios éticos, como os

mentirosos ou os violentos.

Os Magiaí também cuidavam de algo que podemos chamar de Marcha

processual rudimentar, ao empreenderem esforços na busca pela verdade, além de,

fazendo uso das prescrições normativas vigentes, formalizarem as acusações

existentes, situação passível de ser transposta para os tempos hodiernos e

comparada ao oferecimento da denúncia como ora se efetiva.

Outro ponto de similitude é o desempenho de funções equivalentes à defesa

dos interesses individuais indisponíveis, como a proteção a determinadas camadas

da sociedade consideradas hipossuficientes (órfãos, viúvas, cidadãos pacíficos etc.).

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Page 16: Monografia para impressão

15

Por fim, vale salientar que os magiaí “eram tratados como verdadeiros olhos e

língua do Rei, do Faraó1”, circunstância que, indiscutivelmente, evidencia a

submissão desse tipo de agente público à autoridade do monarca, impossibilitando o

estabelecimento de um paralelo com os atuais membros do Ministério Público,

detentores de autonomia e independência funcional.

1.2 Grécia Antiga.

Por volta do século VIII a.C., numa Grécia dominada pelas oligarquias, o

governo passou a ser exercido por um conselho de aristocratas denominado

Arcontado. Essa organização era formada por nove membros, chamados de

Arcontes, a quem incumbia a administração do Estado grego.

Cada arconte tinha uma designação específica. O Rei era responsável pelas

cerimônias religiosas, além da apuração dos crimes de impiedade e da presidência

do Areópago. Epônimo cuidava do calendário. Polemarco comandava o exército,

organizava os funerais dos militares e acautelava os metecos, no que dissesse

respeito ao direito civil. Por fim, os Tesmotetas, que compunham o conselho em

número de seis, eram considerados os guardiões da lei2.

Esses arcontes respondiam pela codificação das normas e, quando

encontravam defeitos na legislação, deveriam apontá-los. Além disso, os

Tesmotetas fixavam o calendário de funcionamento dos tribunais, supervisionavam o

sorteio dos magistrados e apuravam os delitos cometidos contra o Estado.

Outros paradigmas equivalentes ao de custus legis ainda surgiram na Grécia,

em meados do século VII a. C, como os cinco oficiais espartanos, denominados

Éforos, que eram eleitos anualmente, atuando na fiscalização da vida pública,

vigiando, inclusive, as atividades reais.

1 SOUZAa, Victor Roberto Corrêa de. Ministério Público: aspectos históricos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, nº. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4867>. Acesso em: 13 ago. 2009Conselho e corte criminal que tinha seus membros recrutados entre os Arcontes que não mais exerciam o cargo. Seus integrantes eram inamovíveis e julgavam os casos de homicídio premeditado, incêndio e envenenamento.2 SOUZAb, Itamar de. Luzes e sombras da democracia ateniense. R. FARN, Natal, v.2, n.l, p. 149 - 169 Jul./dez.2002.Disponívelem:<http://www.revistafarn.inf.br/revistafarn/index.php/revistafarn/article/viewFile/68/78>. Acesso em: 31 ago. 2009

Page 17: Monografia para impressão

16

Diante dessas peculiaridades, não foi difícil para os historiadores visualizarem

um paralelo entre os Tesmotetas, os Éforos e o Ministério Público, por se verificar

que todas essas instituições tinham como atribuição garantir o regular cumprimento

dos preceitos legais, além de deterem o exercício da acusação penal.

No entanto, os antepassados do Parquet não eram revestidos da

imparcialidade que caracteriza o órgão nos tempos hodiernos. Qualquer desavença,

fosse ela filosófica, política ou religiosa, poderia ensejar uma delação criminal. E,

desde que não se afetasse os interesses do aparato estatal, a responsabilidade para

promover a incriminação recaía sobre a família da vítima.

Desse modo, faz-se pungente a necessidade de se evitar coincidências entre

tais organizações e a gênese de uma instituição como o Ministério Público, que tem

suas bases fincadas na moralidade, na imparcialidade e na sujeição absoluta aos

princípios que regem um estado democrático, diferentemente das estruturas gregas,

impulsionadas pelas paixões daqueles que detinham o poder.

1.3 Roma Antiga.

É entre os romanos a maior concentração de agentes públicos cujas

atividades eram reconhecidas como possível origem da instituição sub exame. Essa

exegese se depreende das digressões realizadas por Souza3 ao indicar “os

irenarcha, os praefectus urbis, os praesides, os curiosi, os frumentarii e os stationarii

como precursores do Ministério Público”.

Todavia, a praxes desses funcionários mais se assemelhava às prerrogativas

de ordem policial, por verificarmos a presença de um esforço conjunto, organizado

de maneira hierárquica, na busca da manutenção da ordem pública, característica

eminentemente militar.

Além desses exemplos, ainda na Roma pregressa é possível encontrar outros

padrões, possuidores de atributos passíveis de equiparação com aqueles

ostentados pelo Parquet moderno. Nesse sentido, são valiosas as elucidações

oferecidas por José Narciso da Cunha Rodrigues4, ex-Procurador-Geral do Ministério 3 SOUZAa, op. cit. nota 1.4 RODRIGUES (1999, apud JATAHY, Carlos Roberto de Castro. O Ministério Público e o Estado

Democrático de Direito: perspectivas constitucionais de atuação funcional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p. 10.)

Page 18: Monografia para impressão

17

Público Português, quando esclarece que, apesar de serem muitas as entidades

antigas detentoras de algum vestígio ministerial, nenhuma reúne as características

que, hoje, são capazes de defini-lo como tal. Senão, vejamos:

São cinco as instituições do direito romano em que a generalidade dos autores vê traços de identidade com o Ministério Público: os censores, vigilantes gerais da moralidade romana; os defensores das cidades, criados para denunciar ao imperador a conduta dos funcionários; os irenarcas, oficiais de polícia; os presidentes das questões perpétuas e os procuradores dos césares, instituídos pelo imperador para gerir os bens dominiais.

Tais afirmações reforçam a necessidade de se acautelar com as eventuais

semelhanças entre as funções desempenhadas pelos indivíduos da antiguidade e

aquelas exercidas pelos representantes ministeriais hodiernos. O que se verifica,

não raro, é uma freqüente confusão entre as práticas utilizadas pelos membros do

Parquet, com o escopo de viabilizarem o fiel cumprimento de seu mister, e as ações

capazes de os identificarem como integrantes do órgão.

Assim, esgotadas as mais relevantes análises históricas realizadas nas

figuras pregressas que apresentaram feições de similitudes com as ministeriais, é

seguro afirmar que nenhum arquétipo antigo somou requisitos suficientes para ser

apresentado como antecessor de uma instituição com um perfil tão idôneo,

independente e fiscalizador como o do Ministério Público contemporâneo.

1.4 Idade Média.

As primeiras referências de prováveis entidades citadas como antecedentes

ministeriais estão ligadas aos visigodos, quando mencionam os saions, servidores

com atribuições preponderantemente fiscais, mas que desempenhavam obrigações

junto à defesa dos direitos individuais indisponíveis, como a tutela dos incapazes e

dos órfãos, além de significativa ingerência na vigilância da execução de sentenças,

no fiel cumprimentos dos regramentos legais, na reparação de injustiças e em

muitos outros atos jurídicos, fossem eles cíveis, comerciais etc.

Ainda, na Alemanha, há registros da invenção de um cargo denominado

Germeiner Anklager, a quem cabia o exercício da acusação penal quando a vítima,

detentora preferencial desse múnus, descuidava-se em efetivá-la.

Page 19: Monografia para impressão

18

No Império Carolíngio, ainda nos tempos medievos, os misci dominici, uma

espécie de supervisores itinerantes dos serviçais de Carlos Magno, também são

candidatos a predecessores do órgão alvo de nossas análises. Eles eram

encarregados de percorrerem todo o território de domínio franco, tomando ciência

das críticas dos súditos aos administradores locais, numa espécie de ouvidoria

arcaica, com escopo de se evitar manifestações excessivas de poder.

Afora essas atividades, respondiam pela continuidade da paz no império, pela

aplicação das leis canônicas, estando diretamente onerados pela repressão ao

“falso testemunho, o perjúrio, os crimes de moeda falsa e os ladrões em geral”5.

Esses inspetores da coroa também protegiam as esferas mais vulneráveis da

sociedade, como as viúvas e os deficientes, além de ofereceram a curatela aos que

dela necessitassem.

Na Itália, mais precisamente nas cidades de Nápoles, Veneza e Florença,

registra-se a existência dos avvocato della gran corte, os avvogadori di comune e os

conservatori della legge, respectivamente, que também reclamam a designação de

antepassados do Ministério Público. No entanto, essas cidades eram dominadas por

regimes totalitários que, embora aparentassem traços democráticos para a época,

jamais permitiriam o florescimento de uma instituição como o Parquet, tendo em

vista que “num quadro político como o da Itália Medieval... havia pouca possibilidade

de vicejar órgãos com as características próprias e o caráter democrático do

Ministério Público”, conforme se pode depreender da primorosa análise de Sauwen

Filho6.

Por fim, alguns doutrinadores citam Portugal como o berço da instituição. O

órgão teria nascido em meados do século XIII, com o surgimento do Estatuto de São

Luís, criado pelo rei Luís IX7. Ainda, no estado português, os Procuradores do Rei

são indicados como membros rudimentares do Parquet, por possuírem algumas

prerrogativas nas causas penais, além de, posteriormente, aparecerem encargos

como os Procuradores de Justiça da Casa de Suplicação8, também indicados como

antecessores ministeriais.

5 SOUZAa, op. cit. nota. 26 SAUWEN FILHO (1999, apud SOUZAa, 2004).7 FILOMENO (1998, apud SOUZAa, 2004).8 SILVA (1981apud SOUZA, 2004.).

Page 20: Monografia para impressão

19

Embora tenham sido muitas as tentativas de se encontrar, entre os povos

supramencionados, o marco histórico que originou o Ministério Público, nenhuma

delas pode ser considerada sólida, uma vez que, para se configurar como tal

instituição, é necessária a congregação de vários princípios, além de uma

estruturação própria e independente de um poder centralizador como aqueles

existentes nos períodos ora analisados. É utilizando essas premissas que se

posiciona Michele-Laure Rassat9, quando declara:

O Ministério Público contemporâneo está relacionado a formas específicas de organização do Estado e, em especial, da administração da Justiça. Os precedentes históricos que marcam seu surgimento são: I. A superação da vingança privada; II. A entrega da ação penal a um órgão público tendente à imparcialidade; III. A distinção entre o acusador e o Juiz; IV. A tutela de interesses da coletividade e não somente do fisco e do soberano; e V. A execução rápida e certa das sentenças dos Juízes.

Portanto, nem os candidatos alemães, nem os italianos, tampouco os

portugueses, são dignos de serem indicados como manifestações primitivas do

Ministério Público, tendo em vista que serviam unicamente aos interesses da Coroa

e, embora respondessem por obrigações que, na atualidade, pertencem à

instituição, não eram revestidos da isenção, da independência e da estruturação que

peculiarizam os membros desse órgão.

1.5 A Sedimentação Institucional do Ministério Público

Não é uma tarefa simplória identificar a verdadeira origem do Parquet, com os

princípios e características que alicerçam seu arcabouço moderno. Como se pode

depreender da pequena explanação histórica realizada nos tópicos anteriores,

muitas civilizações, em diferentes momentos históricos, reivindicam o título de

predecessor ministerial para algumas funções que demonstraram traços de

similitude com as atividades que são inerentes às atribuições ministeriais.

Todavia, a mera semelhança, entre as atribuições desenvolvidas pelos

aspirantes a membros da instituição e aquelas que realmente a delimitam como tal,

não é requisito suficiente para agraciar nenhum dos encargos mencionados aqui

9 RASSAT (1967, apud JATAHY, 2007. p. 11).

Page 21: Monografia para impressão

20

como verdadeiros antepassados do órgão. O primeiro registro que merece essa

designação ocorreu na França, por volta do século XVIII.

É por esse motivo que Cesare Lombroso10, ao preludiar obra de Raoul de La

Grasserie, elogiou o autor quando afirmou que os franceses, desde os

enciclopedistas, presidem todas as inovações, referindo-se, nomeadamente, às

transformações com o condão de transformar as construções jurídicas.

Desta maneira, foi na França que ocorreu a sedimentação do Ministério

Público com o lineamento que apresenta até os dias atuais, tendo a instituição

ostentado, desde aquele tempo, o perfil “independente” que a diferencia das demais

entidades com as quais é comparada.

Entretanto, outra dificuldade se afigura quando partimos para a fixação do

marco evolutivo preciso, por se verificar que existem dissidências entre os

doutrinadores ao tentarem apontar qual ofício ensejou factualmente a formação da

instituição: alguns defendem os “procureur du roi”, expressão traduzida em

vernáculo como Procuradores do Rei, como o encargo que consolidou o MP com os

contornos hodiernos; estando outros estudiosos mais propensos a ratificarem os

“advocat du roi” na posição de verdadeiros ancestrais do Parquet.

Os Procuradores do Rei eram indivíduos que detinham um conjunto de

atribuições bem variado, desempenhando atividades da várias espécies, como o

recrutamento dos marinheiros e o controle dos postos de correio. Entretanto, é no

exercício do múnus fiscal que essa figura ganhará feições ministeriais.

Ao defenderem os interesses financeiros do soberano, esses funcionários da

Coroa passaram a exercer, ainda que de maneira incipiente, a persecução e a

execução penal. Desta forma, garantiam o cumprimento das sentenças proferidas

pelos juízes, certificando-se de que os delitos fossem efetivamente punidos, embora

grande parte das penas possuísse caráter pecuniário e os fundos obtidos

revertessem em proveito do tesouro real.

Já os Advogados do Rei eram causídicos comuns, prestando seus serviços

exclusivamente na esfera cível, com vistas a defender os interesses particulares do

soberano, materializando mais um instrumento de defesa das prioridades daquele

que detinha o poder.

10 LYRA, Roberto. Teoria e prática da Promotoria Pública. 2 ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989, reimpressão, p. 20.

Page 22: Monografia para impressão

21

Desta forma, observou-se a necessidade de unificar essas duas vertentes de

atuação com o escopo de aperfeiçoar os mecanismos de proteção das aspirações

estatais, que em muitos aspectos se confundiam com os desejos pessoais do Rei.

Essas exigências motivaram a simbiose das duas esferas de atividades, quais sejam

cível e criminal, num único mecanismo de ação, possibilitando o nascimento do

Ministério Público tal qual o conhecemos.

A “Ordonnance”, de Felipe IV, datada de 25 de março de 1302, é o

documento que consolida os “procureur du roi” e “advocat du roi” num único tipo de

agente público, também chamado de “les gens du roi”, ratificando o Ministério

Público como instituição incumbida de tutelar os anseios do “Estado e de seu

soberano junto ao Poder Judiciário”11, bem como desempenhar a persecução e

execução penal.

Esse monarca francês fez surgir em seu país, portanto, um grupo de

servidores capazes de proteger suas ambições pessoais, pois no estado absolutista

não existia segregação entre o déspota e o Estado. Esses funcionários também

tinham por obrigação fiscalizar as atividades dos magistrados, possuindo, para

viabilizar o exercício dessa atribuição, as mesmas prerrogativas dos juízes, sendo

defeso aos membros do recém-criado órgão o patrocínio de quaisquer outra

demanda que não fosse estatal.

Infelizmente, não se pôde dissociar o tiranismo, vigente à época, das

atribuições que foram conferidas aos membros do Parquet. No princípio, seus

integrantes eram apenas meros delegados do Poder Central, funcionando como um

instrumento hábil a possibilitar que o Estado arrecadasse os tributos senhoriais,

diminuindo a força dos senhores feudais.

Filipe, o Belo, tinha por objetivo controlar toda a jurisdição francesa para

cercear a influência dos grandes proprietários de terras e fortalecer o seu domínio.

Por isso, ele precisava da atuação de indivíduos de sua confiança, funcionando

como verdadeiras extensões de suas vontades, circunstância que conduziu à

institucionalização de seus procuradores.

Os equívocos na sedimentação do Ministério Público permaneceram

amalgamados em sua estrutura até a total consolidação, por parte da Coroa

11 JATAHY, op. cit., p. 12, nota 4. Felipe IV da França é conhecido na história universal como um monarca tirânico, responsável por inúmeras atrocidades jurídicas com requintes de perversidade.

Page 23: Monografia para impressão

22

Francesa, do monopólio da jurisdição e o firmamento da justice retenue, uma

espécie de poder moderador. Apesar de lamentável, é preciso dizer que,

inicialmente, o verdadeiro papel do órgão era auxiliar o Executivo na concretização

de uma monarquia absolutista.

Nesse ínterim, outros dispositivos legais foram editados objetivando a

regulamentação dos encargos concernentes aos procuradores do rei, embora a

“Ordonnance” de Luís XIV, datada de 10 de agosto de 1670, goze de maior

relevância, uma vez que promoveu significativas mudanças no processo penal

francês, aumentando as atribuições dos membros da instituição na seara criminal,

além de iniciar uma grande guinada na evolução da mesma, incrementando

gradativamente a autonomia de seus integrantes.

Mas, a separação dos interesses reais e o exercício mister de seus

procuradores só viria ocorrer em período posterior à Revolução Francesa de 1789,

favorecida por um movimento de reforma com nítidas feições liberais e

descentralizadoras que, apesar de nunca ter conferido uma desvinculação absoluta

entre o Parquet e o Poder Executivo, motivou a adoção do perfil ostentado pelo

órgão naquele país.

1.6 A Etimologia das Expressões: “Ministério Público” e “Parquet”.

Realizadas as elucidações cabíveis acerca da efetiva formação da instituição

que motiva as reflexões expostas nesse trabalho, outro aspecto merece ser

investigado de forma minuciosa: as origens etimológicas dos vocábulos que a

nomeiam.

A abordagem do aspecto lingüístico completará, sobremaneira, o sentido que

os franceses tentaram imprimir ao Ministério Público, tendo em vista que os nomes

utilizados para designá-lo buscavam expressar a independência organizacional

ostentada por seus procuradores em relação aos demais magistrados.

A palavra “ministério” descende do latim ministerium, minister e significa

cargo, função servil ou qualquer tipo de trabalho que se possa exercer.

Nesse sentido, tem equivalência com mister que, como o substantivo

anterior, exprime toda espécie de serviço ou ocupação, embora um

Page 24: Monografia para impressão

23

substantivo latino arcaico, mester, indicasse mais adequadamente

atividades de caráter mecânico12.

Já o adjetivo “público”, advindo também do idioma vigente no Lácio,

no século VI a.C, refere-se tanto àquilo que é de conhecimento geral, ou

seja, revelando grande notoriedade, quanto manifesta a acepção de

domínio coletivo, podendo referir-se a algo pertencente ao governo de um

país.

A mera sobreposição dos dois vocábulos não traduz, inicialmente, a

força de seu enunciado. Mas, quando o interpretamos sob o prisma

institucional, analisado à luz do contexto histórico no qual os procuradores

do rei desempenhavam suas atribuições, o significado assume a tarefa de

estabelecer uma diferenciação entre os juízes responsáveis pela prolação

de sentenças e a nova categoria de funcionários que responderiam,

inclusive, pela fiscalização.

Aliás, o outro sinônimo, através do qual se pode designar o Ministério

Público, apesar de absolutamente consolidado na terminologia jurídica dos

países com ascendência idiomática de índole latina, advém da maneira

como seus membros manifestavam seus posicionamentos, postando-se de

pé ao se dirigirem aos magistrados franceses.

Com o escopo de trazer à baila uma explanação mais precisa da

matéria em descortino, colacionamos, oportunamente, ilação de Emerson

Garcia13 sobre o uso do substantivo Parquet como léxico hábil a identificar

os agentes públicos que oficiavam nessa magistratura especial:

O Ministério Público é tradicionalmente designado pelo substantivo masculino parquet, de origem francesa, que, no uso comum, indica o ajuntamento de tábuas (lâminas de parquet) que formam o chão de certos cômodos de uma habitação ou mesmo o ajuntamento de chapas que integram uma plataforma ou constituem o chão do compartimento de um navio.

Quando transladamos o vocábulo em análise para o ambiente jurídico,

12 SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. (Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho). Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 917.13 GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p. 7.

Page 25: Monografia para impressão

24

efetivamente referir-se-á aos representantes da Instituição que, ao

permanecerem erguidos enquanto postulavam, desejavam demonstrar as

diferenças entre a magistrature debut (de pé), diante da magistrature

assise (sentada), expressão designadora dos juízes, alojados em seus

assentos.

Desse modo, consolidadas as bases primordiais do órgão ministerial,

não restam dúvidas de que as etapas sucessivas a sua formação tinham

por objetivo ressaltar os caracteres essenciais de sua atuação funcional,

enfatizando, continuadamente, a independência e autonomia que os

diferenciavam dos membros do Poder Judiciário francês.

1.7 O Desenvolvimento da Instituição em Portugal.

Mas, apesar da maioria dos doutrinadores consentir em estabelecer

na França o berço da instituição sobre a qual nos debruçamos, é cediço

que o órgão não permaneceu enclausurado no ordenamento jurídico

daquele país, florescendo, também, em outras regiões da Europa, bem

como manifestando características próprias às legislações que motivaram

seu desenvolvimento.

Por esse motivo, o surgimento do MP em outras localidades do globo

deve ter lugar em nossas elucubrações, uma vez que pode ter exercido

maior ou menor influência na conjuntura brasileira, merecendo este

destaque ao se constituírem em instrumentos capazes de esclarecer as

tendências que nortearam a versão nacional de Ministério Público.

Dito isto, não se poderia olvidar um estudo detalhado das prescrições

normativas lusitanas, por se verificar que as práticas daquele país, até

determinado momento histórico, estiveram amalgamadas às construções

legislativas e judiciais do Brasil, colônia portuguesa desde o seu

descobrimento até o ano de 1822.

A organização do Estado português como nação soberana foi

consolidada apenas no ano de 1139, quando Don Afonso Henriques foi

aclamado Rei de Portugal. Sua subida ao trono ocorreu depois que seu pai,

Afonso VI, unificou a Ibéria, após reunir as casas de Leão, Castela, Galécia e

Page 26: Monografia para impressão

25

Lusitânia, casando-se com a filha mais velha de Henrique de Borgonha,

descendente de uma linhagem real francesa.

Firmada a monarquia portuguesa, uma série de mudanças em suas

bases institucionais começou a se processar, porquanto seria necessário

aparelhar o estado de estruturas que ratificassem sua força, em detrimento

do poder político ostentado pelos senhores feudais àquela época.

Surge, em meados de 1289, uma casta de servidores reais,

intitulados de Procuradores do Rei, que tinham por atribuição precípua a

proteção dos interesses reais, sem ainda constituírem uma magistratura

própria, fato que só viria a se concretizar com a instituição dos tribunais

regulares e a edição de leis com força suficiente para revogar o direito dos

forais que vigorava em cada região.

Como ocorreu com a instituição francesa, a carga absolutista e

despótica atingiu proporções críticas, fomentando entre os súditos lusitanos

que vivenciaram o sucesso na Batalha de Aljubarrota um clamor

generalizado por uma justiça que não servisse apenas aos interesses

régios.

Desse modo, durante as Ordenações Afonsinas, publicadas durante o

lapso temporal iniciado em 1446 e perdurando até o ano de 1447, desponta

a figura do Procurador de Justiça com os seguintes contornos: “... E veja, e

procure bem todos os feitos de justiça, e das viúvas, e dos órfãos, e

miseráveis, pessoas que à nossa Corte vierem”.14

Em 1521, instala-se no reino português o segundo grande

monumento legislativo que vigeu no país: as Ordenações Manuelinas. No

Disputa travada no dia 14 de Agosto de 1385, entre tropas portuguesas com aliados ingleses, comandadas por D. João I de Portugal, e o exército castelhano e seus aliados, liderados por D. Juan I de Castela. O resultado foi uma derrota definitiva dos castelhanos, pondo fim à crise de 1383-1385, e a consolidação de D. João I como rei de Portugal, o primeiro da dinastia de Avis. A vitória representou um dos acontecimentos mais decisivos da história de Portugal, resolvendo a disputa que dividia o Reino de Portugal do Reino de Castela e Leão, e permitindo a afirmação de Portugal como Reino Independente. Tornou possível, também, que se iniciasse umas das épocas mais grandiosas da história de Portugal: a era dos Descobrimentos.14 SAUWEN FILHO (1999, apud LIMA, Ana Maria Borguignon. A formação histórica do Ministério Público: origens do Ministério Público na França, em Portugal e no Brasil. Disponível em: <http://www2.mp.ma.gov.br/Ampem/Artigos2007/ARTIGO%20SOBRE%20MP.pdf.> Acesso em: 13 ago 2009.

Page 27: Monografia para impressão

26

que concerne às questões ministeriais, não foram muitas as modificações

introduzidas pelo novel diploma legislativo, que estabeleceu “as obrigações

relativas aos ofícios dos Procuradores de Feitos do Rei e o Promotor de Justiça da

Casa de Suplicação e dos Promotores da Justiça da Casa Civil”, estando essas

disposições compendiadas entre os Títulos XI e XII do Livro I daquele ordenamento.

Segundo Macedo Júnior15, a edição das Ordenações Manuelinas sofreu

grande influência do direito francês, uma vez que durante o florescimento do Parquet

em seu primeiro berço, as “gentes do rei” abandonaram, paulatinamente, a defesa

dos interesses privativos do monarca ao se ocuparem da tutela das pretensões

estatais, quando estas se segregaram das vontades de seu soberano.

Outro fato que merece anotação é a assunção de atribuições semelhantes às

de custus legis que eram desempenhadas pelo Promotor de Justiça, segundo as

prescrições normativas que vigiam no século XVI. Esses servidores da Coroa

também eram responsáveis pelo oferecimento da acusação criminal, quando esta

fosse pertinente ao caso concreto.

Por fim, sob a égide das Ordenações Filipinas, datadas de 1603, de maneira

mais sistemática, o encargo de Promotor de Justiça, mais ou menos nos termos que

caracterizam um representante do órgão nos domínios lusitanos. As feições exibidas

pela instituição foram, em grande parte, delineadas pelo Decreto nº 24, de 16 de

maio de 1832, conhecido como “decreto sobre as reformas das Justiças”.

Todavia, o nosso interesse no desenvolvimento da instituição em Portugal só

perdura até o ano de 1609, quando o primeiro texto legislativo genuinamente

brasileiro prevê a figura do Promotor de Justiça, demonstrando que o processo

evolutivo do órgão se dará, finalmente, em terras brasileiras, apesar de, à época,

ainda nos encontrarmos sob o controle português.

1.8 A Evolução do Parquet em Terras Brasileiras.

No início do século XVII, só existia na sistemática jurídica vigente no Brasil

uma única instância judicial, que era viabilizada pelas casas de suplicação. No

entanto, a Relação que instituiu o Tribunal da Bahia criou, quando fez consignar que

sua composição fosse distribuída entre 10 (dez) Desembargadores, 01 (um)

15 MACEDO (2006, apud LIMA, 2007).

Page 28: Monografia para impressão

27

Procurador dos Feitos da Coroa e da Fazenda e 01 (um) Promotor de Justiça, o

segundo grau de jurisdição na Colônia.

Tais disposições foram reeditadas em 1751, quando foi fundado o Tribunal da

cidade do Rio de Janeiro, possuindo como principal atribuição julgar os recursos

advindos do seu congênere baiano. A versão carioca, todavia, implementou uma

pequena modificação que repercutiria até os tempos hodiernos: apartou os cargos

de Procurador dos Feitos da Coroa e de Promotor de Justiça, determinando o seu

exercício por titulares distintos. Esse foi “o primeiro passo para a separação total das

funções de Procuradoria da República (que defende o Estado e o Fisco) e o

Ministério Público, somente tornada definitiva com a Constituição Federal de 1988”16.

Findo o período colonial, que perdurou desde o descobrimento, no ano de

1500, até a proclamação da independência, em 07 de setembro de 1822, o Brasil

iniciará uma nova fase política, e com ela, perpetrar-se-ão mudanças em todas as

esferas do ordenamento vigente, inclusive a edição de uma Constituição que em

muito pouco influenciará a formação do Parquet brasileiro.

A Lei Maior de 1824 não trazia, em seu bojo, qualquer referência direta à

instituição, limitando-se a proclamar, no Art. 48, a competência dos Procuradores da

Coroa e Soberania Nacional para a acusação dos crimes comuns. Mas, em 1832, foi

editado o Código de Processo Penal do Império, que continha uma seção específica

para os promotores, com exigências para o provimento desse cargo, além de

enunciar suas principais atribuições.

Alguns anos mais tarde, precisamente em 1841, foi publicada a Lei nº. 261,

regulamentada pelo Decreto nº. 120, consignando em seu texto que a nomeação e a

demissão dos promotores de públicos seriam realizadas pelo Imperador ou pelos

Presidentes de províncias, apesar de, na falta ou impedimento desses, caberia aos

Juízes de Direito a designação de alguém para funcionar interinamente no cargo.

Vale salientar, ainda, que em cada Comarca deveria haver pelo menos um

Promotor, devendo atuar junto ao magistrado por tempo indeterminado, enquanto

conviesse ao serviço público. Note-se que as prescrições editadas acerca dos

representantes do Ministério Público não lhes atribuíam nenhuma obrigação de

caráter social. Tal circunstância só veio modificar-se quase duas décadas depois,

com a edição da Lei do Ventre Livre.

16 LIMA, op. cit. nota 14.

Page 29: Monografia para impressão

28

Esse dispositivo legal, datado de 28 de setembro de 1871, outorgou ao

Ministério Público a função de “protetor dos fracos e indefesos”, determinando que

os membros do Parquet cuidassem em registrar, através de matrícula especial

criada à época, os filhos livres de mulheres escravas. Caso chegasse ao

conhecimento dos representantes ministeriais a notícia de que algum infante se

encontrava em condições contrárias ao que dispunha a Lei do Ventre Livre, era

múnus do órgão diligenciar para que a irregularidade fosse sanada, em similitude de

ação com os hodiernos Promotores da Infância e da Juventude.

Outra grande inovação na estrutura organizacional da instituição ocorreu em

1890, por ocasião da Proclamação da República e a instalação do governo

Provisório. Por intermédio dos Decretos nºs. 848, de 11 de novembro de 1890, e o

1.030, datado de 14 de novembro do mesmo ano, Campos Sales dedicou um

capítulo próprio ao Ministério Público, reconhecendo-o como necessário em toda

estrutura democrática, determinando que o órgão estivesse representado nas duas

esferas da Justiça Federal.

Esses decretos tornaram-se os primeiros textos infraconstitucionais

brasileiros a atribuir, dentro da organização estatal, grande destaque à instituição,

resguardando sua liberdade de ação ante outros Poderes da recém-criada

República, e reafirmando suas obrigações como fiscal do fiel cumprimento da

legislação vigente ao tempo. Por essa postura vanguardista em relação ao órgão,

Campos Sales foi erigido à condição de Patrono do Ministério Público.

Apesar dos avanços notáveis, capazes de ensejar uma expressão

constitucional mais enfática, no que dissesse respeito à posição ministerial no

ordenamento jurídico pátrio, a Lei Maior de 1891 não trouxe grandes disposições

acerca do Parquet, embora o Art. 58, §2º tenha instituído a figura do Procurador-

Geral da República, que seria nomeado pelo Presidente do Brasil, entre os Ministros

do Supremo Tribunal Federal (STF), nada mencionando sobre as atribuições do

novo cargo, que ficaria sob responsabilidade de lei posterior que versasse sobre a

matéria.

Esse diploma legal tardaria em ser editado, embora os avanços na ampliação

dos encargos ministeriais continuassem a ocorrer. Em 1916, com a publicação do

Código Civil, a instituição ganhou inúmeras funções, destacando-se, dentre o novo

rol de atribuições, a obrigação de velar pelas Fundações, “a legitimidade para

Page 30: Monografia para impressão

29

propositura da ação de nulidade do casamento e a defesa dos interesses de

menores”17.

A Constituição de 1934 foi a mais inovadora no tocante ao tratamento

consignado ao Ministério Público brasileiro. Inspirada pela Magna Carta alemã, que

preconizava o Welfare State, a Lei Maior pátria foi pioneira ao consignar as

disposições institucionais em capítulo próprio, absolutamente independente dos

poderes estatais, situando entre os “Órgãos de Cooperação nas Actividades

Governamentaes”, no Capítulo VI, Seção I18.

Além da ênfase no aspecto social, o texto constitucional fincou os alicerces da

instituição ao dispor que o órgão seria o mesmo em todas as esferas de

organização. Os membros da instituição também não foram excluídos da Carta de

1934, estabelecendo-se garantias e prerrogativas para os integrantes do Parquet,

entre as quais se encontrava a estabilidade funcional, bem como determinou que a

investidura na carreira se processasse através de concurso público, cingindo a

ingerência do Poder Executivo, a quem competia nomear e demitir livremente os

Promotores de Justiça.

Ainda sobre a égide legal supramencionada, o Ministério Público passou a ter

competência para oficiar na Justiça Eleitoral e Militar, permanecendo, na esfera

criminal, com as obrigações que lhe competiam anteriormente. Ressalte-se, por fim,

a natureza inovadora da Constituição de 1934, quando, em suas disposições,

atribuiu ao Parquet mecanismos tão vanguardistas que se mantiveram registrados

em prescrições normativas até a contemporaneidade.

Infelizmente, quando há reveses na democracia de um país, o Ministério

Público passa a existir sem um delineamento mais marcante no ordenamento

vigente. Foi assim durante a ditadura de Vargas, época em que a instituição

padeceu de dispositivos que favorecessem uma atuação mais efetiva.

As escassas referências na Constituição de 1937 versavam sobre o

Procurador-Geral da República, concedendo-lhe, por exemplo, atribuição para atuar

no Supremo Tribunal Federal, bem como informando que essa Corte era

competente para o seu julgamento (Art. 101, I, “b”). Outro regramento que

mencionava o órgão tratava sobre o quinto constitucional, forma de provimento

derivado na magistratura de segunda instância.17 JATAHY, op. cit. p. 20, nota 4.18 CAMPANHOLE (1994, apud JATAHY, 2007, p. 18).

Page 31: Monografia para impressão

30

No âmbito processual civil, ocorreu a solidificação do múnus de custus legis,

ao se verificar que o Digesto Processual de 1939 impôs a intervenção ministerial na

tutela de alguns interesses interpretados pelo legislador como indispensáveis à

harmonia social, como o Direito de Família e o amparo dos incapazes.

Nesse documento, iniciou-se o fenômeno da emissão de pareceres quanto ao

mérito das contendas, por parte dos representantes do órgão, situação que

modificou as feições da prestação jurisdicional, porquanto incorria em momentos

anteriores, tendo em vista a omissão das legislações estaduais ao não se

preocuparem em regular nada em relação ao Ministério Público19.

No entanto, mesmo durante o Estado Novo, o Ministério Público, através da

edição do Código de Processo Penal de 1941, com forte ascendência italiana,

conquistou algumas prerrogativas, como o poder de requisitar o inquérito policial ou

requerer diligências para melhor instruí-lo, além de adquirir a titularidade da ação

penal pública.

Na vigência da Lei Maior de 1946, a instituição volta a ser tratada na esfera

constitucional, estando regulamentada nos Art. 125 a 128, determinando sua

organização tanto no âmbito federal quanto no estadual, bem como estabeleceu a

instalação de suas atividades junto às Justiças Comum, Militar, Eleitoral e do

Trabalho.

Foi nessa conjuntura histórica que importantes conquistas funcionais voltaram

a ser inscritas no texto da Norma Suprema do ordenamento pátrio, tais como a

estabilidade e a inamovibilidade dos integrantes do Ministério Público em todas as

suas vertentes de atuação.

Em 1967, as prescrições da novel Constituição inseriram órgão dentro do

Judiciário. Essa medida fomentou a obtenção da autonomia e independência do

Parquet, dissociando-o do Poder Executivo, além de assemelhar os membros da

Instituição aos magistrados. No aspecto estrutural, mencionou a existência de dois

ramos, quais sejam o Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados.

Em 1969 houve nova ruptura com os ideais democráticos que vigoravam no

país. Os militares assumiram o governo e mantiveram um regime totalitário,

determinando o retorno do órgão aos domínios do Poder Executivo, embora tenham

19 JATAHY, op. cit., p.21, nota 4.

Page 32: Monografia para impressão

31

mantido, segundo Carlos Roberto de Castro Jatahy20, a autonomia de organização e

a carreira em consonância com os preceitos da ordenação anterior.

Com arrimo na Emenda nº. 1/69, foi publicado o Código de Processo Civil de

1973, sendo o Ministério Público consolidado, dentro das prescrições processuais,

nas funções de Autor (órgão agente) e fiscal da lei (órgão interveniente),

permanecendo com esse status até os tempos hodiernos.

Também foi durante a Ditadura Militar que aconteceu a edição da LC nº. 40,

de 14 de dezembro de 1981, tornando-se o primeiro enunciado legal a ordenar, em

níveis nacionais, os Ministérios Públicos estaduais. Essa lei lançou os alicerces

gerais da Instituição em todo o país, criando colegiados internos e dispensando

tratamento orgânico a todos os órgãos ministeriais compreendidos em esferas

estaduais.

1.9 A Reinvenção da Democracia Brasileira.

As atrocidades cometidas pelos militares durante sua estadia no poder

fomentaram no povo um desejo de reassumir os desígnios do país, por meio da

convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Em 1984, com o escopo de

gerar um novo e legítimo ordenamento jurídico à nação, uma Comissão de Notáveis

formulou o “Anteprojeto Afonso Arinos”, enviando-o à chefia do governo.

Nesse ínterim, vários segmentos da sociedade iniciaram uma discussão

sobre suas atribuições numa nova conjuntura constitucional. Os membros do

Parquet, não se furtando a integrar os movimentos por mudanças, realizaram o VI

Congresso Nacional do Ministério Público, realizado na cidade de São Paulo, no ano

de 1985, que objetivava elaborar propostas capazes de orientar a reforma

porvindoura sobre a situação do órgão na Constituição.

Durante o encontro, a classe ratificou a necessidade de incorporar uma

vertente social bem definida, revertendo, através de suas ações, benefícios para a

coletividade, consoante os preceitos do Estado Democrático de Direitos. Todavia, o

órgão deveria possuir “estrutura e princípios definidos”21, liberando-o da excessiva

subserviência ao Poder Executivo.

20 (Ibidem, p. 21).21 JATAHY, op. cit., p. 24, nota 4.

Page 33: Monografia para impressão

32

Esse entendimento foi corroborado no 1º Encontro Nacional dos Procuradores

e Promotores de Justiça, ocorrido em meados de 1986, corroborando-se o pendor

social do Ministério Público, no sentido de firmá-lo como “defensor do povo”. O

consenso obtido nesse evento foi reduzido a um documento conhecido como “Carta

de Curitiba”, responsável pelo balizamento da Constituinte no que concernia ao

órgão.

Os passos subseqüentes tiveram início em 1987, segundo excelente dicção

de Carlos Roberto de Castro Jatahy22, quando historia os acontecimentos

predecessores à publicação da Magna Carta de 1988. Senão, vejamos:

Os trabalhos relativos ao Ministério Público na Assembléia Nacional Constituinte iniciaram-se em 1987, na Subcomissão da Organização do Poder Judiciário e do Ministério público. O relator da matéria foi o constituinte Plínio Arruda Sampaio, que, em seu trabalho, assentou os princípios e garantias essenciais à nova vocação social da Instituição, nos termos da Carta de Curitiba. A seguir, o texto foi encaminhado à Comissão de Organização dos Poderes, que reduziu os avanços sociais. Entretanto, na Comissão de Sistematização, o relator da Assembléia Nacional Constituinte, Deputado Bernardo Cabral, consolidou, em linhas gerais, as teses ministeriais, apresentando texto favorável ao Ministério Público. Forças retrógradas aos avanços sociais idealizados, conhecidas na época como "Centrão", inviabilizaram o texto elaborado pela Relatoria, aprovando substitutivo que não continha as modificações necessárias à consolidação do Parquet como defensor da sociedade. Finalmente, em acirrada sessão realizada em 12 de abril de 1988, foram aprovados inúmeros destaques ao texto então prevalente, consolidando-se, em definitivo, o novo perfil constitucional do Ministério Público Brasileiro.

Portanto, a promulgação da Constituição Federal de 1988, em conjunto com o

surgimento da Lei Complementar nº. 75/93 e a Lei nº. 8.625/93, formalizaram o perfil

institucional consolidado atualmente no mundo jurídico-político brasileiro. Contudo,

apreciada a relevância da temática em descortino, além da necessidade de abordá-

la minuciosamente, discorreremos sobre essa matéria em capítulo próprio.

22 JATAHY, op. cit., p.25, nota 4.

Page 34: Monografia para impressão

33

CAPÍTULO II

O MINISTÉRIO PÚBLICO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

2.1 A Nova Ordem Ministerial.

O Ministério Público brasileiro, até a Constituição de 1988, era uma instituição

amalgamada ao Poder Executivo, corroborando o modelo originário de boa parte

das nações européias, seu berço natural. Ainda que sua previsão constitucional

tenha ocupado algumas seções das diferentes cartas magnas republicanas,

Page 35: Monografia para impressão

34

comandos legais como a faculdade, concedida ao Presidente do Brasil, de indicar e

destituir livremente o Procurador-Geral da República, confirmavam a vinculação do

Parquet ao governo.

Os constituintes de 1987/88, não obstante, resolveram afiançar mais

autonomia à Instituição, não apenas do ponto de vista formal, insculpindo as

prerrogativas relativas ao órgão em capítulo diverso daquele responsável pelo

tratamento do Poder Executivo, mas buscando, efetivamente, criar mecanismos

capazes de conferir ao Ministério Público liberdade suficiente para resguardá-lo das

interferências escusas dos chefes de governo.

A Lei Suprema do nosso ordenamento jurídico também não olvidou a vertente

social do órgão em apreço, descrevendo um leque de atribuições tão vasto, no

intento de assegurar, deste modo, a existência de poucas matérias, atinentes à

defesa dos interesses da sociedade, que não possam ser defendidas pela Instituição

na esfera judicial.

Nos tempos atuais, quase todos os males com potencialidade para afetar o

equilíbrio das relações sociais são passíveis de ingerência ministerial que abrange

desde o oferecimento da denúncia, pela prática de crime comum, até a reparação de

danos causados ao meio ambiente, em virtude da poluição de um rio, por exemplo.

Tecidos esses comentários acerca das mudanças implementadas pela Lei

Maior em vigência no território brasileiro, cuidaremos de traçar um arcabouço mais

pormenorizado das feições jurídicas norteadoras do órgão ministerial, tanto no

tangente à estrutura organizacional da instituição em si como analisando as

prescrições diretivas da atuação dos representantes do Ministério Público pátrio.

2.2 Conceito Formal e Natureza Jurídica do Ministério Público

O art. 127 do texto constitucional traz, em seu bojo, a definição legal

encarregada de informar os precisos contornos do Parquet, aduzindo, em suma,

que se trata de uma “... instituição permanente, essencial à função jurisdicional do

Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Todavia, o enunciado objeto de nossas análises não exauriu satisfatoriamente

a discussão sobre as características hábeis a peculiarizar o órgão ministerial. Essa

Page 36: Monografia para impressão

35

constatação nos conduz à necessidade de conhecer o significado isolado de cada

uma das expressões que compõem o conceito ora desposado, no escopo de

alcançar uma exegese aceitável dos desígnios do Parquet, na conjuntura jurídico-

social que permeia o Brasil hodierno.

O primeiro conjunto de palavras a ser interpretado individualmente será a

justaposição de “instituição” e “permanente”. Segundo John Rawls23, o primeiro

dos vocábulos retrocitados é um substantivo apto a designar um “sistema

público de regras que define cargos e posições com seus direitos e deveres,

poderes e imunidades etc”. Já o adjetivo subseqüente busca atribuir um valor

semântico de inalterabilidade ao léxico ao qual se conecta.

Assim, seria apropriado concluir que o Legislador Maior objetivou

acautelar-se de emendas capazes de perturbar a essencialidade ostentada pelo

Ministério Público, ante a função Judicante estatal, impedindo, desse modo, o

próprio Poder Reformador de extrair o órgão da esfera constitucional.

Discorrendo sobre a temática em descortino, o Ministro do STF, Carlos Ayres24,

em palestra intitulada “O MP enquanto cláusula pétrea da Constituição”,

reverberou de maneira enfática:

As cláusulas pétreas da constituição não são conservadoras, mas impeditivas do retrocesso. São a salvaguarda da vanguarda constitucional... a democracia é o mais pétreo dos valores, E quem é o supremo garantidor e fiador da democracia? O Ministério Público. Isto está dito com todas as letras no artigo 127 da Constituição. Se o MP foi erigido à condição de garantidor da democracia, o garantidor é tão pétreo quanto ela, não se pode fragilizar, desnaturar uma cláusula pétrea. O MP pode ser objeto de emenda constitucional? Pode. Desde que para reforçar, encorpar, adensar as suas prerrogativas, as suas destinações e funções constitucionais.25

Faz-se necessário, ainda, refletir sobre as frases remanescentes do

conceito de Parquet, tendo em vista que elas carregam importantes diretrizes

para o órgão. Essa afirmativa pode ser confirmada quando encontramos o

significado exato da expressão “defesa da ordem jurídica”, responsável por

ratificar, no âmbito da Lex Fundamentalis, a já tradicional posição de custus

23 RAWLS (1997, apud GARCIA,2008).24 O texto da palestra, proferida em 04.06.2004, foi reproduzido parcialmente na revista do Ministério Público nº 20, jul/dez, 2004. pp. 476-478.25 JATAHY, Carlos Roberto de Castro. Curso de princípios institucionais do Ministério Público. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 18.

Page 37: Monografia para impressão

36

legis atribuída à instituição, nas ações em que seus representantes funcionam

como agentes intervenientes.

No intento de continuar avançando no exame crítico da descrição

positivada do Parquet, não podemos deixar de mencionar sua vinculação à

defesa do regime democrático. Nessa vertente de atuação, o Ministério Público

está indissociavelmente conectado aos princípios norteadores do Estado de

Direitos, predicativo qualificador das nações politicamente organizadas que

sujeitam o exercício da gestão governamental aos limites impostos pelos

preceitos legais de seu sistema normativo, respeitando as garantias outorgadas

à esfera individual de auto-gestão.

Para finalizar as elucidações didáticas construídas no intento de melhor

explicitar os lineamentos conceituais do órgão alvo de nossas atenções,

devemos ressaltar o desejo da Magna Carta de amparar, de modo satisfatório,

os direitos sociais e individuais homogêneos, confiando a sua proteção ao MP.

Esses interesses são indisponíveis, uma vez que sua natureza é dotada de

valores tão imprescindíveis a uma sobrevivência digna da pessoa humana ou,

noutro prisma, ao bem-estar da coletividade, que não poderão ser objeto de

renúncia ou transação.

Ao tentarmos precisar a natureza jurídica da instituição em apreço,

deparamo-nos, de pronto, com dificuldades consideráveis. Os estudiosos da matéria

classificam-na em uma posição intermediária entre as teorias do órgão e da pessoa

jurídica26.

Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, órgãos públicos "são unidades

abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado”, ou, na

concepção de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é "uma unidade que congrega

atribuições exercidas pelos agentes públicos que o integram com o objetivo de

expressar a vontade do Estado".

Transcrevendo dicção de Emerson Garcia, muito pertinente à defesa da

similitude do Parquet com as definições supramencionadas, a comparação

estabelecida com os órgãos administrativos encontra substância “nas múltiplas

vertentes de sua autonomia, permitindo que a instituição esteja desvinculada de

26 GARCIA, Emerson, op. cit. p. 41, nota 13.

Page 38: Monografia para impressão

37

qualquer estrutura hierárquica, inexistindo subordinação em relação à autoridade

estranha aos seus quadros”.

A falta de controle externo também é preconizada pelos defensores da

corrente que considera o Ministério uma pessoa jurídica. Infelizmente, para ambos

os lados desse debate, o surgimento do Conselho Nacional do Ministério Público

(CNMP) fragilizou o argumento da inexistência de ingerências alheias à instituição,

tendo em vista que o referido colegiado possui verdadeiros poderes correicionais

sobre o órgão.

Ressalte-se, por oportuno, a ausência de personalidade jurídica dentre os

atributos ostentados pelo órgão. Esse desfalque, entrementes, não cria obstáculos

desempenho de suas atribuições em juízo, nem tão pouco cria embaraços ao bom

andamento das demais funções, sejam típicas ou atípicas, desenvolvidas pelo

Ministério Público.

O CNMP possui não prerrogativas ilimitadas, sendo impossível ferir a

independência funcional, caracterizadora dos representantes ministeriais. Sua

interferência em qualquer segmento do Parquet, todavia, corrobora o nascimento de

uma porção mínima de sujeição administrativa, pois o referido Conselho pode

intervir, dentro de sua área de competência, em quaisquer ramos do Ministério

Público, sugerindo a formação de um corpo único sob supervisão de uma

“autoridade maior”.

Desse modo, são muitos e até relativamente justificados os argumentos das

duas mais sólidas correntes que buscam atribuir uma natureza jurídica ao MP.

Entretanto, todas as alegações devem ser sopesadas, à luz das peculiaridades

ministeriais já consolidadas pela doutrina majoritária, sob pena de desnaturar os

paradigmas exclusivos desse órgão. Por todo o exposto, filiamo-nos aos defensores

da classificação de órgão sui generis para a instituição ora analisada.

2.3 Disposição Organizacional.

A Constituição da República, ao consignar a estrutura ministerial em seu Art.

128, I e II, não deixou de delinear detalhadamente o arcabouço do Parquet

O Ministério Público abrange: I - o Ministério Público da União, que compreende: a) o Ministério Público Federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério Público Militar; d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; II - os Ministérios Públicos dos Estados.

Page 39: Monografia para impressão

38

brasileiro. Assim, a primeira impressão fornecida pelo Diploma Maior, dirimente do

nosso ordenamento, sugere uma subdivisão do órgão em Ministério Público da

União (MPU) e Ministério Público dos Estados (MPE).

O MPU engloba o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do

Trabalho (MPT), o Ministério Público Militar (MPM) e o Ministério Público do Distrito

Federal e Territórios (MPDFT), não existindo enquanto instituição27, como alguns

operadores do direito preconizam erroneamente, um Ministério Público Eleitoral.

Esse equívoco teratológico não pode prosperar entre os profissionais da área

jurídica, tendo em vista a necessidade dos juristas de adotarem apenas

posicionamentos mais técnicos. Seguindo-se essa recomendação, norteamo-nos

pela classificação das atribuições eleitorais apenas como funções, acometidas ao

Parquet Federal, pois ele, segundo se depreende da Lei Orgânica do Ministério

Público da União (LOMPU), tem o dever de atuar junto à Justiça Eleitoral, embora a

obrigação de oficiar em parceria com os juízes e juntas desse tipo de justiça

especializada pertença ao promotor local, membro do MPE.

Aprofundando ainda mais nossas reflexões sobre o MPF, torna-se

imperioso dissecar sua composição, perfeita através da aglutinação de três

carreiras, a saber: os Procuradores da República, atuantes nas Varas

Federais de primeira instância; os Procuradores Regionais da República,

oficiando em segunda instância, perante os Tribunais Regionais Federais

(TRF’s) e, os Subprocuradores-Gerais da República, exercendo suas

atividades junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de

Justiça (STJ) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), embora ajam na

primeira e última Corte retromencionada por delegação do Procurador -

Geral da República (PGR).

Incumbe, também, ao MPF atuar junto a qualquer juiz ou tribunal

“para a defesa de direitos e interesses dos índios e das populações

indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de valor artístico, estético,

histórico, turístico e paisagístico integrantes do patrimônio nacional” ou

perante a Justiça Estadual, a fim de “interpor recurso extraordinário das

decisões da Justiça dos Estados nas representações de

inconstitucionalidade28”.27 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2007,p. 155.28 Art. 37 da Lei Complementar Nº. 75/1993.

Page 40: Monografia para impressão

39

O PGR acumula as funções de chefe do MPF, de direção superior do MPU e

ainda executa o múnus de Procurador-Geral Eleitoral. É escolhido livremente pelo

Presidente da República, que deve fazê-lo dentre os integrantes da carreira, maiores

de 35 anos, com a aprovação do Senado Federal, para mandato de dois anos,

admitida sua recondução ao cargo, desde que respeitado o mesmo processo.

Saliente-se que a indicação pode ser feita entre os membros de qualquer uma

das quatro carreiras formadoras do MPU, obedecendo apenas à determinação de

selecionar um Procurador em exercício de suas atividades, por se verificar a

impossibilidade de um aposentado ocupar o referido assento, não pertencendo mais

à classe em descortino.

Há, ainda, a possibilidade de inúmeras reconduções ao cargo, pois a

Constituição da República não estabeleceu nenhuma limitação, diferentemente do

que ocorre com os MPE’s, onde os Procuradores-Gerais só podem ser reinvestidos

uma única vez na chefia institucional dos Parquet’s estaduais.

O MPT tem sua organização regulada pela Lei Complementar nº. 75/1993,

nos artigos 83 até 115, devendo atuar nas causas de competência da Justiça do

Trabalho, bem como outras controvérsias decorrentes desse tipo de relação, na

forma do Art. 114, IX da CF/88. A chefia da Instituição pertence ao Procurador-Geral

do Trabalho (PGT), nomeado pelo PGR, escolhido em consonância com os ditames

legais.

Existe ainda o MPM, responsável pelo desempenho de funções

ministeriais junto à Justiça Militar, com jurisdição nas ações, nomeadamente

na esfera criminal, que processem e julguem integrantes das Forças

Armadas e assemelhados. Sua carreira é composta pelos Promotores da

Justiça Militar, Procuradores da Justiça Militar e pelos Subprocuradores-

CR. Art. 128, §1º - O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.Art. 88 da Lei Complementar Nº. 75/1993. O Procurador-Geral do Trabalho será nomeado pelo Procurador-Geral da República, dentre integrantes da instituição, com mais de trinta e cinco anos de idade e de cinco anos na carreira, integrante de lista tríplice escolhida mediante voto plurinominal, facultativo e secreto, pelo Colégio de Procuradores, para um mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo processo. Caso não haja número suficiente de candidatos com mais de cinco anos na carreira, poderá concorrer à lista tríplice quem contar mais de dois anos na carreira. Parágrafo único. A exoneração do Procurador-Geral do Trabalho, antes do término do mandato, será proposta ao Procurador-Geral da República pelo Conselho Superior, mediante deliberação obtida com base em voto secreto de dois terços de seus integrantes.

Page 41: Monografia para impressão

40

Gerais da Justiça Militar, com ofício perante o Superior Tribunal Militar

(STM).

A escolha de sua chefia maior, o Procurador-Geral de Justiça Militar, é

procedida pelo PGR, obedecendo, mutatus mutandis, aos mesmos requisitos e

prerrogativas informadores da indicação do PGT, consoante se pode depreender da

dicção do Art. 121 da Lei Complementar Nº. 75/1993, redigido com a mesma

estrutura do Art. 88 do estatuto legal em comento.

Já o MPDFT ostenta peculiaridades e, apesar de integrar o Ministério Público

da União, possui uma natureza híbrida. A primeira de suas diferenças reside na

escolha de seu Procurador-Geral. Enquanto nas demais carreiras do MPU os

respectivos chefes são nomeados pelo PGR, seu diretor-geral, por assim dizer;

nesse ramo, esse ato é da competência do Presidente da República, o que também

difere dos órgãos estaduais, pois o Distrito Federal possui um Governador e essa

prerrogativa não pertence a ele.

Outra disparidade existente na Instituição em análise pode ser diagnosticada

nos enunciados norteadores do foro por prerrogativa da função de seus membros. A

totalidade dos integrantes do MPU é julgada por tribunais federais, enquanto os

integrantes do MPDFT seriam julgados pelo Tribunal de Justiça. Se o STF não

tivesse intervido na questão e decidido, com supedâneo no princípio da

especialidade, pela prevalência do TRF nessa matéria, a controvérsia ainda

ensejaria acalorados debates.

Some-se a tudo isso o surgimento de mais uma polêmica, durante a

abordagem do âmbito de atuação do MPDF. Apesar de fazer parte do Ministério

Público da União, o órgão em discussão deve, em tese, ser submetido a preceitos

normativos idênticos aos que orientam os Parquet’s estaduais.

Assim, goza a referida instituição de autonomia absoluta, em relação ao MPU,

como se processa nos órgãos ministeriais de abrangência circunscrita à unidade

federativa respectiva, ou se submete ele à autoridade do Procurador-Geral da

República?

A resposta está nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli29, quando interpreta os

comandos constitucionais imprecisos acerca do MPDFT, lecionando sobre possíveis

maneiras de se harmonizar as dissonâncias que cercam a temática em debate:

29 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit. p. 158-159, nota 27.

Page 42: Monografia para impressão

41

Do texto constitucional vigente resultou o absurdo lógico: um dos Ministérios Públicos que compõem o Ministério Público da União tem procurador-geral próprio, diverso do chefe do Ministério Público da União. Então, não seria este o chefe efetivo de todas as carreiras do Ministério Público da União, a despeito da dicção em contrário contida no § 1º do Art. 128 da Constituição... Por fim, a rigor, não cabe falar sequer em unidade institucional entre os vários ramos do mesmo Ministério Público da União: cada qual tem autonomia funcional. Como antecipado, acreditamos que a chefia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - chefia para fins administrativos, em vista dos limites do princípio da unidade e indivisibilidade - há de ser exercida, diante do princípio da especialidade, pelo procurador-geral respectivo. Trata-se, pois, de verdadeira exceção à chefia própria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, apesar de estar compreendido pelo Ministério Público da União.

No intento de oferecer um desfecho satisfatório ao debate, também é válido

transcrever a dicção de Emerson Garcia30, no sentido de advertir que a autonomia do

MPDFT é relativa. Senão, vejamos:

A disciplina básica da Instituição está traçada nos art. 149 usque 181 da Lei Complementar nº. 75/1993, sendo um ramo do Ministério Público da União (art. 128, I, d, da CR/1988). Por conta disso, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios não goza de ampla autonomia administrativa e financeira, devendo, por exemplo, encaminhar a sua proposta orçamentária ao Procurador-Geral da República (art. 159, XVIII, da LC nº. 75/1993), bem como propor a ele a criação e a extinção de cargos da carreira e dos ofícios em que devam ser exercidas suas funções (art. 159, XVI, da LC nº. 75/1993).

Discutidos os principais pontos controversos acerca do MPDFT, gostaríamos

de finalizar nossa exposição sobre esse ramo tão especial do MPU, informando a

composição de sua carreira, composta por três classes: os Promotores de Justiça

Adjuntos e os Promotores de Justiça, incumbidos de oficiarem junto à primeira

instância, além dos Procuradores de Justiça, responsáveis pela atuação da

Instituição perante o Tribunal de Justiça respectivo, bem como ante as Câmaras de

Coordenação e Revisão, órgãos setoriais de integração do exercício funcional da

instituição31.

Delineados os contornos de MPU, sob todas as suas perspectivas, passamos

a dissertar a respeito do Parquet’s Estaduais, a outra grande fatia, composta por

integralizadora do Ministério Público brasileiro. Deste modo, em razão da obediência

30 GARCIA, Emerson, op. cit. p. 85, nota 13.31 Lei Complementar Nº. 75/1993, Art. 167 e 175.

Page 43: Monografia para impressão

42

ao princípio da simetria constitucional, preconizador de um tratamento harmônico,

proporcional e regular conferido às estruturas jurídicas reguladas nas Constituições

Estaduais, em relação ao disposto no texto da Magna Carta, não existem grandes

novidades para se acrescentar a este trabalho, embora seja imperioso transladar as

elucidações produzidas por Carlos Roberto de Castro Jatahy, em seu Curso de

Princípios Institucionais do Ministério Público32:

... uma das grandes vertentes do Ministério Público brasileiro é o Ministério Público dos Estados, regidos, cada qual, por duas ordens jurídicas: a primeira correspondente à Lei Orgânica Nacional (Lei 8.625/93 - LONMP), que estabelece parâmetros, balizas e preceitos que devem ser obrigatoriamente obedecidos pelos diversos Ministérios Públicos locais, respeitada, é claro, a autonomia estadual em decorrência do pacto federativo. A segunda, específica para cada Ministério Público estadual, consubstanciada em Lei Complementar Estadual, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais de Justiça (CF, art. 128. § 5º). A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público tem por objetivo estabelecer normas gerais e princípios que devem ser seguidos por todos os Ministérios Públicos Estaduais, sendo vedado a qualquer Ministério Público estadual dispor, em sua Lei Orgânica, de modo diferente. Determina ainda a estrutura dos Órgãos da Administração Superior do Ministério Público, fixando-lhes a competência e os mecanismos de controle interno da Instituição, além das atribuições dos seus membros e dispositivos acerca da autonomia do Parquet. Ressalte-se, por oportuno, que o artigo 80 da LONMP autoriza a aplicação subsidiária, aos Ministérios Públicos Estaduais, das normas previstas na Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC nº. 75/93)”.

Desta maneira, encerramos as nossas ponderações, proferidas com o

desiderato precípuo de esclarecer a estrutura organizacional do Parquet dentro das

diretrizes traçadas pela própria Constituição da República e pela legislação

infraconstitucional hábil a dirimir esta matéria. Necessário, contudo, será analisar o

aspecto humano da Instituição, tendo em vista ser através do desempenho das

atividades de seus membros que ela ganha voz e força.

2.4 Garantias e Prerrogativas Indispensáveis ao Múnus Ministerial.

Já afirmamos, em um momento anterior desta obra, que o Ministério Público

floresceu, inicialmente, no intuito de resguardar os monarcas despóticos das eras

medievas. Entretanto, o clamor generalizado das grandes massas por condições

mínimas de subsistência fez este órgão transferir seu foco de atuação, voltando-se 32 JATAHY, op. cit. p. 88, nota 25.

Page 44: Monografia para impressão

43

para a seara social, e, por esse motivo, colidindo, no mais das vezes, com os

interesses daqueles poderosos que outrora protegeu.

Esse tipo de embate gera descontentamento de camadas influentes da

sociedade. Então, na esperança de possibilitar o fiel desempenho de suas funções

como defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis, o texto constitucional deferiu, tanto à Instituição quanto aos

seus integrantes, uma lista considerável de garantias e prerrogativas. Neste tópico,

esmiuçaremos aquelas relativas aos membros do Parquet, ao passo que,

ulteriormente, por uma questão de estratégia metodológica, esquadrinharemos as

vinculadas com feições orgânicas.

Num primeiro plano, imperiosa se consagra a necessidade de estabelecer a

precisa conceituação tanto de garantia quanto de prerrogativa. A primeira se

materializa através de três modalidades (vitaliciedade, inamovibilidade e

irredutibilidade de subsídios), configurando-se em verdadeiro consectário

assecuratório da independência funcional, caracterizadora do órgão.

As prerrogativas são vantagens, instituídas em favor do interesse público,

com vistas a possibilitar segurança suficiente aos membros, viabilizando um

exercício corajoso e intrépido de suas atividades, não podendo ser confundidas com

privilégios indiscriminados, substantivo que sugere a auferição de benefício

injustificado por parte da carreira, despertando, assim, verdadeiras manifestações de

fúrias no seio da população, diante das manipulações irresponsáveis dessa

definição por parte dos meios de formação da opinião pública.

Como as garantias são decorrência lógica da independência funcional,

imprescindível se torna desenhar os contornos desse preceito basilar, orientador da

atividade ministerial. É um atributo ostentado somente pelos integrantes do

Ministério Público e da Magistratura. As demais carreiras jurídicas não têm. A

independência funcional significa que os membros da instituição, no desempenho de

suas atividades, não estão subordinados a nenhum órgão ou poder, devendo

sempre fundamentar suas manifestações.

O primeiro corolário da liberdade funcional é a vitaliciedade,

significando a efetiva permanência no cargo até a aposentadoria, a não ser

por condenação criminal expressa por sentença judicial transitada em

Page 45: Monografia para impressão

44

julgado, ou através de ação civil específica33. Existe a hipótese de demissão

de integrante do Parquet por meio de processo administrativo, desde que o

mesmo ainda não tenha alcançado a garantia em descortino34.

É adquirida após aprovação do candidato em concurso público e

depois da transcorridos dois anos de efetivo exercício, além de ter sido

considerado apto no estágio probatório. O órgão competente para decidir

sobre o vitaliciamento é o Conselho Superior35 da respectiva esfera

ministerial, possuindo também atribuições para indicar os critérios

informadores da avaliação dos membros ainda sob análise.

Assentados os conhecimentos elementares para a compreensão do

significado de vitaliciedade, passamos as nossas atenções para a discussão

da acepção de inamovibilidade. Essa garantia assegura a impossibilidade

de transferir ou afastar injustificadamente um membro do Ministério Público,

salvo com a sua aquiescência ou por inconteste proveito da coletividade.

Não se deve confundir, todavia, a inamovibilidade, consistente na

inexistência de permissivo legal para remover compulsoriamente um

integrante do Ministério Público, salvo por relevante interesse público, com o

Princípio do Promotor Natural, que veda o afastamento arbitrário de

Promotor de Justiça do caso no qual deva atuar.

Mas, ao realizarmos a exegese da Lex Fundamentalis, pudemos

inferir a previsão de duas exceções aos mandamentos anteriormente

ventilados. Desta forma, existem duas hipóteses em que os componentes

da classe ministerial podem ser removidos de sua titularidade original, a

saber: a disponibilidade e a remoção compulsória.

No primeiro caso, a Administração, excepcionalmente, pode extinguir

determinada Comarca, órgão de execução ou mudar-lhe a sede, sendo

facultado ao promotor remover-se para Promotoria de igual entrância, ou

ficar em disponibilidade, percebendo vencimentos integrais e computando

tempo de serviço como se em exercício estivesse36.

33 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6 ed. São Paulo: Saraiva , 2007, p. 96.34 Ibidem. p. 96.35 Art. 57 da Lei Complementar 75/1993.36 Art. 39 da Lei 8.625/1993.

Page 46: Monografia para impressão

45

Já a remoção compulsória encontra supedâneo no art. 128, §5º, I, “b”

da CF, segundo o qual, restando patente a configuração de relevante

interesse público, mediante decisão tomada com base na maioria absoluta

do órgão colegiado competente, poderá se proceder à remoção ou ao

afastamento de um membro do Ministério Público e, mesmo não

constituindo uma punição disciplinar, será sempre assegurada a ampla

defesa.37

Por sua vez, a irredutibilidade de vencimentos veda a diminuição da

remuneração paga aos membros do Parquet. Todavia, após a publicação da

Emenda Constitucional nº. 41, de 04 de junho de 1998, substituiu-se o termo

vencimento por subsídio, significando, conforme leciona o §4º do Art. 39 da Magna

Carta brasileira, uma retribuição pecuniária fixa face aos serviços prestados pelos

integrantes da instituição objeto de nosso trabalho.

A mudança desencadeada pela referida emenda acabou por determinar a

retirada das gratificações incorporadas e demais vantagens auferidas, desde que

excedentes do limite estabelecido pelo dispositivo em comento, do cálculo hábil a

indicar o teto remuneratório dos servidores públicos por ela compreendidos, tendo

por base apenas o valor recebido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Embora o nascimento dessa determinação para o mundo jurídico tenha

mantido a regra da irredutibilidade, é impossível não perceber a mitigação que essas

alterações introduziram no alcance da garantia em comento. Esta conclusão decorre

da interpretação literal dos artigos reguladores da matéria, tendo em vista a

necessidade de se cumular a exegese do Art. 9º da emenda em apreço, com a

dicção do Art. 17 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT),

37 MAZZILLI, op. cit. p 95, nota 33. Art. 9º da Emenda Constitucional Nº. 41, de 19 de dezembro de 2003. Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza. Art. 17 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórios. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição, serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.

Page 47: Monografia para impressão

46

ambos advindos do texto constitucional. É neste sentido o pronunciamento de

Marcelo Dawalibi38, ao comentar a polêmica instalada após essa reforma:

O segundo corolário da Emenda Constitucional nº 41 é fonte de certa polêmica: uma pretensa mitigação do princípio da irredutibilidade dos vencimentos. Afinal, se mantém a regra da irredutibilidade (art. 37, inc. xv da CF), a EC nº. 41, por outro lado, faz remissão ao art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual, por sua vez, determina a redução dos vencimentos que ultrapassem os limites traçados na Constituição Federal. E, então, que direito se aplica?

A resposta para essa indagação foi encontrada nas palavras de Celso

Antônio Bandeira de Melo, em parecer intitulado “Reforma da Previdência”, quando

adverte impossibilidade de se aplicar o Art. 17 do ADCT , uma vez que tal enunciado

só poderia ser infligido aos vencimentos dissonantes “com os limites impostos pela

Constituição Federal quando de sua promulgação (05.10.1988)”39.

O argumento do doutrinador supramencionado tem procedência por estar

embasado em: “poder constituinte originário é o único que não pode ser contrastado

pelo direito adquirido”. No concernente à emenda constitucional, afirma não ter ela

“fundamento de validade em si mesma, mas na Constituição Federal, razão pela

qual, a exemplo das leis, deve se submeter aos limites impostos pelo constituinte

originário”.

Infelizmente, os conselhos de controle externo, tanto o Conselho Nacional de

Justiça (CNJ), através da Resolução Nº 14, de 21.03.2006, quanto o Conselho

Nacional do Ministério Público (CNMP), na decisão do Processo CNMP nº.

0.00.000.000021/2006-29, de relatoria do Conselheiro Francisco Maurício Rabelo de

Albuquerque Silva, posicionaram-se de maneira a corroborar a aplicabilidade do teto

constitucional sugerido pela emenda constitucional em descortino. Esse permissivo

acabou por relativizar o princípio da irredutibilidade de vencimentos, abrindo

verdadeira exceção ao disposto no bojo da Carta Primaveril.

Apesar de lançadas as observações cabíveis acerca das garantias

constitucionais protetoras da atividade ministerial, resta-nos, ainda, analisar as

principais prerrogativas pertencentes a essa carreira. As primeiras a serem aqui

38 DAWALIBI, Marcelo. Ministério Público: fundamentos constitucionais e legais, estrutura e organização. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 19.39 MELLO(2003. apud DAWALIBI,2006).

Page 48: Monografia para impressão

47

tratadas serão aquelas classificadas pelos estudiosos como pessoais, por

decorrerem exclusivamente da investidura no cargo.

Algumas dessas vantagens estão insculpidas na LONMP, que não teve a

intenção de exauri-las, fazendo constar, no seu Art. 40, de um rol exemplificativo,

viabilizando a hipótese de outras legislações específicas, tais como as leis orgânicas

estaduais.

Não se pode olvidar a existência de prerrogativas de ordem funcional

destinadas à proteção do membro no exercício de suas atribuições institucionais.

Tais prescrições estão agasalhadas no cerne do Art. 41 da Lei 8.625/1993 e, em

níveis de legislação infraconstitucional, parte da sua análise o entendimento pacífico

da paridade existente entre os membros do Poder Judiciário e os integrantes da

carreira ministerial.

Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, além de outras previstas na Lei Orgânica: I - ser ouvido, como testemunha ou ofendido, em qualquer processo ou inquérito, em dia, hora e local previamente ajustados com o Juiz ou a autoridade competente; II - estar sujeito à intimação ou convocação para comparecimento, somente se expedida pela autoridade judiciária ou por órgão da Administração Superior do Ministério Público competente, ressalvadas as hipóteses constitucionais; III - ser preso somente por ordem judicial escrita, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará, no prazo máximo de vinte e quatro horas, a comunicação e a apresentação do membro do Ministério Público ao Procurador-Geral de Justiça; IV - ser processado e julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça de seu Estado, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada exceção de ordem constitucional; V - ser custodiado ou recolhido à prisão domiciliar ou à sala especial de Estado Maior, por ordem e à disposição do Tribunal competente, quando sujeito à prisão antes do julgamento final; VI - ter assegurado o direito de acesso, retificação e complementação dos dados e informações relativos à sua pessoa, existentes nos órgãos da instituição, na forma da Lei Orgânica. Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: I - receber o mesmo tratamento jurídico e protocolar dispensado aos membros do Poder Judiciário junto aos quais oficiem; II - não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no parágrafo único deste artigo; III - ter vista dos autos após distribuição às Turmas ou Câmaras e intervir nas sessões de julgamento, para sustentação oral ou esclarecimento de matéria de fato; IV - receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, através da entrega dos autos com vista; V - gozar de inviolabilidade pelas opiniões que externar ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional; VI - ingressar e transitar livremente: a) nas salas de sessões de Tribunais, mesmo além dos limites que separam a parte reservada aos Magistrados; b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, tabelionatos, ofícios da justiça, inclusive dos registros públicos, delegacias de polícia e estabelecimento de internação coletiva; c) em qualquer recinto público ou privado, ressalvada a garantia constitucional de inviolabilidade de domicílio; VII examinar, em qualquer Juízo ou Tribunal, autos de processos findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos; VIII - examinar, em qualquer repartição policial, autos de flagrante ou inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos; IX - ter acesso ao indiciado preso, a qualquer momento, mesmo quando decretada a sua incomunicabilidade; X - usar as vestes talares e as insígnias privativas do Ministério Público; XI - tomar assento à direita dos Juízes de primeira instância ou do Presidente do Tribunal, Câmara ou Turma. Parágrafo único. Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração.

Page 49: Monografia para impressão

48

Progredindo no exame crítico das prerrogativas inerentes aos

membros do Ministério Público, vislumbraremos a tolerância relativa ao

porte de armas. O art.42 da LONMP não colide, em momento algum, com o

Estatuto do Desarmamento, tendo em vista que este prevê a flexibilização

de suas próprias proibições, quando da existência de previsão específica

em diplomas especiais.

É de se alertar, todavia, a impossibilidade, por parte dos integrantes

da referida Instituição, de portar armas de uso restrito, em obediência à

decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, especificamente em sua

5ª Turma, datada de 29.09.2003, constante nos autos da REsp. nº.

4761/SP, sob relatoria do Ministro Gilson Dipp.

Por fim, objetivando desfechar o colóquio acerca das prerrogativas

outorgadas ao Parquet, focalizaremos nossas atenções naquelas referentes

ao foro. Neste ínterim, pode-se verificar uma verdadeira desagregação

constitucional no tocante à competência para julgamento dos crimes

comuns ou de responsabilidade.

Crime comum pode ser classificado como aquele cometido por

qualquer agente, tendo a justiça comum competência para processar e

julgá-lo. Já os crimes de responsabilidade dizem respeito às infrações

político-administrativas cometidos no desempenho de encargos públicos

capazes de ensejar a desqualificação profissional por período determinado.

Esse tipo de delito está tipificado em alguns diplomas extravagantes,

verbi gratia, a Lei 1.079, de 10.04.1950, na qual se encontram descritas

várias condutas dessa natureza, podendo figurar como sujeito ativo o

Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo

Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República. Os prefeitos municipais

também são indicados como potenciais indivíduos a praticarem essa

modalidade de ilícitos, por expressa consignação do Decreto-Lei nº.

201/1967.

Os membros do Ministério Público terão carteira funcional, expedida na forma da Lei Orgânica, valendo em todo o território nacional como cédula de identidade, e porte de arma, independentemente, neste caso, de qualquer ato formal de licença ou autorização. Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

Page 50: Monografia para impressão

49

Contudo, das informações supraoferecidas pode-se influir que, em se

tratando dos integrantes da classe ministerial, não existem, com exclusão

apenas do Procurador-Geral da República, diplomas legais que incluam

esses agentes dentro do rol de carreiras abarcadas pela tipificação dessa

categoria de crime, havendo mero comando constitucional de caráter

programático, padecendo de regulação para ser munido de efetividade.

Esta interpretação decorre do Princípio da Legalidade Estrita, preceito

basilar do Direito Penal, enunciando, em apertada síntese, a impossibilidade

em tipificar como crime, conduta que não tenha sido descrita anteriormente,

em texto de lei, como tal.

É vedada, da mesma forma, a qualificação de uma prática como

criminosa apenas tendo por base a analogia. Desta forma, filiamo-nos às

vozes defensoras da elaboração de uma lei própria para narrar os crimes de

responsabilidade aplicáveis aos membros do Ministério Público.

Dito isto, cabe-nos, agora, delinear os contornos do foro especial,

traçado pelo art. 96, III, CF/1988, cumulado com as prescrições do art. 40,

IV, LONMP. Segundo esses dispositivos, os integrantes do Parquet

possuem, por expressa disposição normativa, o chamado foro especial por

prerrogativa de função, significando que os representantes dos Ministérios

Públicos Estaduais e do Distrito Federal e Território têm direito de serem

processados e julgados pelo Tribunal de Justiça de seu estado. Saliente-se,

todavia, a exceção relativa aos crimes eleitorais, competindo a essa justiça

especializada o deslinde desse tipo de demanda, caso um componente

dessa classe venha a perpetrar ilícitos eleitorais.

O art. 105 da Carta da República trata dos membros do MPU,

atuantes na primeira instância, determinando seu julgamento perante o TRF

de sua região; enquanto aqueles que oficiam junto à segunda instância,

serão julgados Superior Tribunal de Justiça.

No caso da prática de crime doloso contra a vida, em se tratando de

ocupante de posto ministerial, será ele julgado perante o Tribunal de Justiça

da unidade federativa respectiva, tendo em vista que, embora a

competência do Júri seja de natureza constitucional, o foro especial por

prerrogativa de função desses indivíduos pertence à mesma hierarquia

Page 51: Monografia para impressão

50

normativa, além de ser preceito especial, prevalecendo sobre regramento de

cunho geral40.

O Procurador-Geral da República, se cometer crime comum, será

julgado pelo Supremo Tribunal Federal, de acordo com o art. 102, inciso I,

alínea b do Texto Maior. Praticada infração político-administrativa, será

submetido ao crivo do Senado Federal, em obediência ao art. 52, inciso II da

CF/1988.

Mas, é preciso advertir que o foro por prerrogativa de função diz

respeito ao cargo e não à pessoa detentora dele. Findo o exercício

funcional, ultima-se, igualmente, o direito a essa concessão, não sendo

extensível a membro aposentado ou exonerado, mesmo depois de

instaurado o processo41.

2.5 Deveres e Vedações Inerentes aos Membros Integrantes do Parquet.

As legislações hábeis a dirimir os aspectos que perfazem a carreira

ora analisada não lhe concederam apenas vantagens e glórias. Os membros

do Ministério Público têm obrigação de manter o mais lídimo proceder, seja

na esfera privada ou na vida pública, entre outros muitos deveres.

No exercício de seu mister profissional, os membros do Ministério

Público devem se identificar e fundamentar seus atos com carga decisória,

sendo este último mandamento um dos corolários do Estado Democrático

de Direitos, além de garantir que nem mesmo os fiscais da lei exacerbem de

suas competências e de suas prerrogativas.

Além das imposições de ordem processual, os representantes desse

órgão possuem o encargo de atenderem a quaisquer indivíduos que os

procurem, encaminhando-os para o órgão adequado, bem como devem

tomar as providências cabíveis, caso seja necessário.

Por fim, gostaríamos de acrescentar o compromisso, consignado em

lei, dos membros do Ministério Público de residirem na comarca de sua

lotação, apesar de poucos cumprirem essa determinação, que só comporta

exceção quando o Procurador-Geral autorizar.

40 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit. p. 190, nota 27.41 DAWALIBI, Marcelo, op. cit. p. 67. nota 38.

Page 52: Monografia para impressão

51

Existem, no Art. 43 da LONMP outras prescrições no sentido de

enunciar outros deveres aos integrantes desta Instituição, mas não nos

convém analisar todos os incisos do dispositivo retromencionado, tendo em

vista a fácil compreensão conquistada através da leitura do texto legal.

No tocante às vedações, todavia, será necessário estabelecer

posicionamentos mais dirigentes. Embora a Norma Suprema tenha

determinado a existência de paridade entre a Magistratura e o Ministério

Público, as vedações inerentes ao exercício de ambas as carreiras não

eram iguais, tendo em vista o rigor mais exacerbado deferido aos

magistrados. Entretanto, após a vigência da EC nº. 45/04, conhecida como

o diploma edificador da Reforma do Judiciário, o complexo de vedações,

concernente às duas classes, tornaram-se praticamente idênticos. Dito isto,

leciona Hugo Nigro Mazzilli42:

O regime jurídico ora em vigor veda aos membros do Ministério Público: a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer a advocacia; c) participar de sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; e) exercer atividade político-partidária; j) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; 169 g) exercer a advocacia no juízo ou tribunal junto ao qual oficiavam, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Não é permitido aos componentes do MP, em qualquer de suas

vertentes, receberem qualquer tipo de contraprestação pecuniária ou

oferenda que tenha por escopo remunerá-los por alguma atividade

LONMP,. Art. 43. São deveres dos membros do Ministério Público, além de outros previstos em lei: I - manter ilibada conduta pública e particular; II - zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções; III - indicar os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos processuais, elaborando relatório em sua manifestação final ou recursal; IV - obedecer aos prazos processuais; V - assistir aos atos judiciais, quando obrigatória ou conveniente a sua presença; VI - desempenhar, com zelo e presteza, as suas funções; VII - declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei; VIII - adotar, nos limites de suas atribuições, as providências cabíveis em face da irregularidade de que tenha conhecimento ou que ocorra nos serviços a seu cargo; IX - tratar com urbanidade as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares da Justiça; X - residir, se titular, na respectiva Comarca; XI - prestar informações solicitadas pelos órgãos da instituição; XII - identificar-se em suas manifestações funcionais; XIII - atender aos interessados, a qualquer momento, nos casos urgentes; XIV - acatar, no plano administrativo, as decisões dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público.42 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit. pp. 112-113, nota 33.

Page 53: Monografia para impressão

52

realizada, ou, em virtude de algum pronunciamento efetuado, seja como

órgão agente ou interveniente, seja como substituto processual ou órgão

estatal independente43.

O mesmo raciocínio se aplica ao recebimento de auxílio ou

contribuições, a qualquer título ou pretexto, de pessoas físicas, entidades

públicas ou privadas. Caso fosse possível esse tipo “mimo”, poderiam existir

lob’s ou toda sorte de pressões tendentes a influenciar a parcialidade dos

defensores da ordem jurídica.

Quanto ao desempenho de funções advocatícias, a vedação não é

absoluta, por hora. Foi excepcionado, no § 3° do art. 29 do ADCT, o

exercício da Advocacia aos Promotores e Procuradores do Ministério

Público que, à data da promulgação da CF/88, já haviam ingressado nessa

carreira e, desde então, permanecem regulares ante Ordem dos Advogados

do Brasil (OAB). Todavia, não poderão oficiar nos processos em que

estejam previstos a atuação do Ministério Público, por qualquer de seus

órgãos ou ramos.44

Aos ingressos posteriormente à Carta da República, fica vedado o

exercício da advocacia, só sendo possível o seu desempenho no juízo ou

tribunal onde atuavam como membros do Parquet, decorridos três anos de

afastamento do cargo, seja por aposentadoria ou por exoneração.

O Art. 44, inciso III da LONMP, regula as disposições atinentes à

participação em sociedade comercial. Segundo a referida ordem legal, as

proibições só atingem a permanência em empresas pessoais, ou seja,

aquelas onde se realiza a gestão dos negócios de maneira pessoal, através

da pessoa dos sócios. Não há óbice, todavia, em participar de sociedades

de capital na qualidade de cotista ou acionista.

A Resolução nº 03/2005 foi bastante restritiva ao regimentar a hipótese

do magistério que os representantes ministeriais podem exercer,

determinando seu desempenho dentro de uma carga-horária não prejudicial

às atividades da Instituição. Doutra banda, o Conselho Nacional do Ministério

Público, através da Res. nº. 5/06, vetou a prática de outros cargos ou funções

43 Ibidem, p. 113.44 Essa afirmativa tem por base a Res. nº. 8/06-CNMP.

Page 54: Monografia para impressão

53

na Administração, incluídos, nessa proibição, a participação em conselhos,

comissões ou organismos estatais externos ao órgão em apreço45.

A atividade político-partidária é outro impedimento enfrentado pelos

integrantes do órgão objeto de nossas atenções. Não pode um promotor de

Justiça, por exemplo, filiar-se à agremiação política, registrar candidatura,

fundar partido ou qualquer outro ato que denote caráter de ativismo político.

Isso não significa a impossibilidade de possuir, na condição de cidadãos, uma

acepção nesta seara.

Mais uma vez, entretanto, estão excetuados dessa vedação os

membros detentores da prerrogativa insculpida no art. 29, §3º, do ADCT, ou

seja, os optantes pelo regime anterior. Entretanto, esses indivíduos precisam

licenciar-se do cargo, quando desejarem efetuar esse tipo de prática e,

quando retornarem às atribuições ministeriais, necessitam cancelar sua

filiação partidária.

45 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit. p. 115, nota 33.

Page 55: Monografia para impressão

54

CAPÍTULO III

O MINISTÉRIO PÚBLICO E A NECESSIDADE DE EFETIVA AUTONOMIA, ANTE AS INTERVENÇÕES DO PODER

EXECUTIVO

3.1 A Autonomia e os Princípios Expressos no Art. 127, § 1º, da CF/1988.

No capitulo anterior, abordamos as garantias, princípios e balizamentos

assecuratórios da atividade ministerial, sob a ótica do contingente humano, ou seja,

de seus integrantes. A partir deste momento, deter-nos-emos nas defesas

orientadoras da vertente institucional, com ênfase especial na autonomia, epicentro

axiológico desta obra. Deste modo, é indispensável a conceituação dos enunciados

basilares da atuação do Parquet brasileiro, quais sejam: unidade, indivisibilidade e

independência funcional.

A unidade informa a existência de um só corpo, diante de uma chefia

exclusiva. Esse entendimento, todavia, aplica-se a cada ramo do Ministério Público,

em dissociado, uma vez que não é possível a ocorrência de uma única direção para

todas as classes ministeriais, tendo em vista as próprias disposições constitucionais

e infraconstitucionais, escritas nos diplomas reguladores deste órgão.

Page 56: Monografia para impressão

55

A indivisibilidade significa a viabilidade absoluta de substituição de uns

integrantes por outros, desde que sejam todos membros do mesmo ramo da

Instituição, além de obedecidos os critérios legais. Assim, não poderia, verbi gratia,

um Procurador do Trabalho fazer as vezes de Promotor de Justiça Estadual, por se

verificar que essas duas figuras não comungam da mesma subdivisão

organizacional. Assim, influi-se deste exemplo a limitação de aplicabilidade da

unidade e indivisibilidade entre carreiras distintas do órgão, sendo esses preceitos,

porém, amplamente empregados no interior de cada subdivisão do Ministério

Público.

Respeitante a independência, contudo, tecemos nossas considerações no

tópico relativo às garantias e prerrogativas indispensáveis ao múnus ministerial, por

entendermos que, apesar de princípio institucional, o impacto de seus prescritivos é

maior na esfera humana do órgão, tendo em vista sua projeção externa nas

atribuições do mesmo, pois dotou seus agentes com tanta liberdade, em relação aos

desígnios assumidos durante o perfazimento de suas atribuições, que não estão

eles adstritos a nenhum tipo de hierarquia, a não ser aquela relativa ao Procurador-

Geral e, ainda assim, em casos específicos, como nas designações legais, na

disciplina funcional ou na solução de conflitos de atribuições46.

Entretanto, não se deve confundir independência com autonomia, por se

verificar que esses substantivos não exprimem significação idêntica. Neste sentido,

vale a pena reproduzir as lições de Hely Lopes Meirelles47 no parecer emitido em

Justicia nº. 123/185. Examinemos:

Independência e autonomia, do ponto de vista jurídico-administrativo, são conceitos diversos e com efeitos diferentes. A independência é de caráter absoluto; a autonomia é relativa a outro órgão, agente ou Poder. Ora, no que concerne ao desempenho da função ministerial, pelo órgão (Ministério Público) e seus agentes (Promotores, Procuradores), há independência de atuação e não apenas “autonomia funcional”. Os membros do Ministério Público quando desempenham as suas atribuições institucionais não estão sujeitos a qualquer subordinação hierárquica ou supervisão orgânica do Estado a que pertencem. Seus atos funcionais só se submetem ao controle do Poder Judiciário, quando praticados com excesso ou abuso de poder, lesivo de direito individual ou infringente das normas legais que regem a sua conduta. Essa submissão ao controle judicial não descaracteriza a sua independência funcional, pois tem sede

46 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit. p. 71, nota 33.47 MEIRELLES (1985, apud GARCIA, 2008).

Page 57: Monografia para impressão

56

constitucional no mandamento universal do artigo 153, § 4º, da Lei Maior (EC nº. 1/1969) abrangente de toda conduta humana abusiva ou ilegal.

Sem embargos das palavras do autor supracitado, gostaríamos de completar

a noção de autonomia, acrescentando que esta dirime as feições orgânicas do

órgão, atribuindo-lhe capacidade de auto-gestão e decidindo, em tese, seus destinos

estruturais, na esfera funcional, administrativa e financeira.

Essa afirmativa, contudo, não confere super poderes à Instituição em

descortino. Ao contrário. O Ministério Público está submetido a uma complexa

sistemática de controle externo de suas atividades e, nem sempre, essa mitigação

de sua autonomia é benéfica para a concretização das funções que a Constituição

lhe confiou.

Em momento oportuno, discutiremos os excessos existentes no concernente

às amarras da faculdade de se auto-gerir do Ministério Público, revelando que, por

vezes, os resquícios de absolutismo despótico ressurgem da Idade Média e, diante

do medo de uma fiscalização mais efetiva por parte da Instituição, os governantes

atravancam o aparelhamento do mesmo, chegando até a garantir a dependência

dos Procuradores-Gerais, vinculada ao bel-prazer dos governadores de estado.

3.2 Autonomia Funcional.

Essa face da autonomia, prevista no art. 3º da Lei nº. 8.625/1993, indica

que a Instituição está isenta de pressões externas, no exercício de sua

atividade finalística. Assim, tem o agente político, investido do múnus

ministerial, o direito de filiar-se a qualquer tipo de posicionamento não defeso

pelas prescrições normativas e agir perante quaisquer sujeitos, órgãos ou

Instituições, de caráter público ou privado, toda vez que esse tipo de atitude

for imprescindível.

Vale ratificar aqui a diferença de autonomia e independência funcional,

já traçada em pontos anteriores deste trabalho. Esta está conectada com a

liberdade característica dos integrantes do Ministério Público, existente,

inclusive, diante da administração superior do órgão. Aquela, por seu turno, é

respeitante à incontestável desvinculação desta Instituição, quando

Page 58: Monografia para impressão

57

desempenha suas atividades típicas, com qualquer outra existente no poder

público, embora todos estejam submetidos à soberania estatal.

Deste modo, esperamos restar absolutamente claros os contornos de

um e de outro instituto jurídico, sob pena de se recair em definições

tautológicas, caso não se domine a abrangência desses dois mandamentos

ministeriais, tão significativos para o regular andamento do Parquet brasileiro,

nos moldes em que hoje opera.

3.3 Autonomia Administrativa

Neste prisma, é permitido ao Ministério Público realizar atos com vistas a

administrar seus quadros de pessoal, a saber: a determinação da oportunidade e da

conveniência da realização de concurso público para provimento de vagas,

exoneração, aposentadoria, disponibilidade etc.

Já, aqui, vislumbramos as primeiras possibilidades de interferência externa.

Como é cediço, no ordenamento jurídico vigente existem os conselhos de controle e,

no âmbito ministerial, não ocorre de maneira diversa. O Conselho Superior do

Ministério Público tem poder para rever atos de caráter administrativo, segundo se

influi da dicção de Carlos Roberto Jatahy48, ao comentar o alcance desse colegiado

na estrutura do Ministério Público Brasileiro.

O referido autor, analisando o rol de atribuições insculpidos no art. 130-A, §

2º, da Carta da República, ratifica a autorização concedida ao CNMP para analisar,

através de iniciativa própria ou motivado por provocação, a legalidade dos atos

administrativos praticados em qualquer dos ramos do Ministério Público brasileiro,

possuindo até poder para desconstituí-los ou revê-los.

Há, dentro do conjunto de atribuições do conselho ora examinado, a

aceitabilidade da prática de atos censórios, além de poderes cognitivos, no tocante à

reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público, sem prejuízo da

atividade correcional institucional. Existe, ainda, o permissivo legal de avocar

processos disciplinares em curso, determinando remoção, disponibilidade ou

aposentadoria, com proventos proporcionais, incluindo-se, aqui os processos

48 JATAHY, Carlos Roberto de Catro, op. cit. p. 467, nota 25.

Page 59: Monografia para impressão

58

disciplinares de membros do Ministério Público julgados há menos de um ano, bem

como outras sanções administrativas, assegurada, sempre, a ampla defesa.

Percebe-se, desta feita, a enormidade das faculdades conferidas ao CNMP,

tendo este um nível de ingerência tão grande sobre os ramos do Ministério Público

que, em algumas situações, chega a macular a autonomia constitucional possuída

pelo órgão. Não é razoável afirmar, diante de tudo o que foi exposto, que existe uma

versão distorcida do sistema constitucional de freios e contrapesos?

Pois bem. A resposta para essa pergunta é afirmativa, uma vez que, à

exceção do Poder Judiciário, nenhum dos outros órgãos indispensáveis ao bom

funcionamento do aparelhamento estatal é tão fiscalizado. Será isto mera

coincidência ou resquícios de épocas longínquas, quando a voz do governante era a

lei regente do estado?

Infelizmente, o Poder Executivo procura manter, ainda que de maneira

indireta, sob o pretexto de obediência aos preceitos constitucionais das “checks and

balances”, algumas pequenas, mas significativas, ingerências nas questões

atinentes ao Ministério Público.

Outra excepcionalidade à autonomia reside na opção discricionária,

pertencente ao chefe da Administração Federal, de escolher dentre os integrantes

de carreira, com mais de trinta e cinco anos, o Procurador-Geral da República, cujo

nome será submetido ao Senado Federal, devendo este aprovar a indicação por

maioria absoluta. Vale salientar, também, a inexistência de limitação à recondução,

podendo ocorrer diversas vezes, segundo o próprio texto da Carta Cidadã49.

Na esfera estadual, as coisas não são muito diferentes. O Governador

indicará o Procurador-Geral de Justiça, dentre os componentes de uma lista tríplice,

formada pelos três integrantes mais votados pela classe, em eleição secreta. A

Constituição50 delega à legislação específica a tarefa de pormenorizar essa matéria.

Necessário dizer que, em se tratando de composição do Conselho Superior

do Ministério Público, o PGR é membro nato, cabendo-lhe a presidência do

49Art. 128, §1º. O Procurador-Geral da República é o chefe do Ministério Público da União, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, permitida a recondução precedida de nova decisão do Senado Federal.50§ 3º. Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.

Page 60: Monografia para impressão

59

respectivo colegiado. Infelizmente, é forçoso admitir que o Presidente da República

acaba por possuir ingerência também no CNMP.

Sem nenhum demérito da Norma Suprema de nossa ordenação legal, não é

possível vislumbrar a benesse dessa determinação para a coletividade. Ao inverso.

Como a escolha, tanto no âmbito federal quando no estadual, é discricionária do

Chefe do Executivo, pode-se garantir que essa faculdade gerará conchavos

políticos. De um lado, estão as vaidades pessoais daqueles pleiteadores da

ostentação de ocupar o posto máximo de uma carreira. É cediço, no correr de toda

de nossa evolução histórica, a índole ambiciosa dos seres humanos, capazes de

ceifar vidas para conquistarem suas aspirações.

Doutra banda, estará o governador do estado, possuindo na direção dos

fiscais da lei, verdadeiro aliado. E, na feira das vaidades, estará em jogo a

possibilidade de recondução, se o Procurador-Geral escolhido não contrariar

nenhum interesse da classe, nem do dirigente da Administração que poderá

reconduzi-lo, uma vez mais, ao ápice da carreira ministerial.

Desventuradamente, porém, as implicações não permanecerão apenas no

âmago subjetivo dos envolvidos na questão. Os PGJ’s não funcionam apenas no

prisma administrativo dos Ministérios Públicos que dirigem. Atuam como os demais

membros do Parquet, órgão de execução, segundo prescritivo do Art. 29 da Lei

8.625, de 12 de fevereiro de 1993.

O inciso VIII do aludido dispositivo determina o exercício das atribuições do

art. 129, II e III, da Constituição Federal, quando a autoridade reclamada for o

Governador do Estado, o Presidente da Assembléia Legislativa ou os Presidentes

Art. 29. Além das atribuições previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, compete ao Procurador-Geral de Justiça: I - representar aos Tribunais locais por inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual; II - representar para fins de intervenção do Estado no Município, com o objetivo de assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual ou prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial; III - representar o Ministério Público nas sessões plenárias dos Tribunais; IV - (Vetado); V - ajuizar ação penal de competência originária dos Tribunais, nela oficiando; VI - oficiar nos processos de competência originária dos Tribunais, nos limites estabelecidos na Lei Orgânica; VII - determinar o arquivamento de representação, notícia de crime, peças de informação, conclusão de comissões parlamentares de inquérito ou inquérito policial, nas hipóteses de suas atribuições legais; VIII - exercer as atribuições do art. 129, II e III, da Constituição Federal, quando a autoridade reclamada for o Governador do Estado, o Presidente da Assembléia Legislativa ou os Presidentes de Tribunais, bem como quando contra estes, por ato praticado em razão de suas funções, deva ser ajuizada a competente ação; IX - delegar a membro do Ministério Público suas funções de órgão de execução.

Page 61: Monografia para impressão

60

de Tribunais, bem como quando contra estes, por ato praticado em razão de suas

funções, deva ser ajuizada a competente ação. (Grifos nossos).

O art. 129, II e III, da CF/88 atribui ao Ministério Público a incumbência de

zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública

aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a

sua garantia, encarregando-lhe também da promoção do inquérito civil e da ação

civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de

outros interesses difusos e coletivos.

Como garantir a isenção de ânimo necessária, por parte dos Procuradores-

Gerais, quando necessitarem atuar nas situações acima elencadas, ou seja, quando

a autoridade questionada for o Governador que, tanto os conduziram ao cargo

ocupado quanto podem, se assim desejarem, repetir a mesma decisão? Isso não

garantiria, em tese, certa inércia do órgão ministerial? Esse tipo de

discricionariedade fere, a nosso sentir, os princípios norteadores da Administração

Pública, quais sejam: a moralidade e a impessoalidade.

Não há como garantir o norteamento dessa decisão por critérios objetivos,

nem como evitar a incidência de forças subjetivas, por vezes pautadas em

favorecimento pessoal, nesta escolha. Ora, no sistema processual vigente, a

configuração de vício, quanto à parcialidade do prolator, enseja sua nulibilidade da

decisão, em tese. Na esfera governamental, também deveríamos avançar e munir o

sistema de determinações mitigadoras de práticas politiqueiras, em que os únicos

lesados, por um Ministério Público inerte e conivente, seria a sociedade.

Desta forma, encerramos as considerações acerca da autonomia

administrativa do Parquet brasileiro, na expectativa de assistirmos, em tempos

futuros e não muito distantes, aos avanços ainda maiores do que os atualmente

presenciados, com a esperança de vivenciarmos normas de controle absolutamente

isentas de qualquer influência contrária ao Estado Democrático de Direitos e, em

última instância, fulcradas nos mais lídimos e justos critérios de limitação e

fiscalização de poder.

3.4 Autonomia Financeira.

Page 62: Monografia para impressão

61

Diferentemente do que ocorreu em relação aos outros campos da

autonomia, não existiu expressa menção do constituinte, em relação à

autonomia financeira do órgão, quando discorreu sobre o Parquet, mas o fez

com o Poder Judiciário.

Esse fato ensejou verdade incontroversa no tangente à existência

dessa prerrogativa ao Ministério Público, tendo em vista, em primeiro plano,

a necessidade de submissão aos ditames da paridade entre a Magistratura e

o Ministério Público.

Numa segunda análise, através do mandamento advindo do art. 127, §

3º, estende-se igual permissão ao Ministério Público, dispondo sobre a

possibilidade efetiva de elaboração de sua proposta orçamentária, dentro

dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. Não havendo

dúvidas sobre a existência da autonomia financeira, convém-nos defini-la,

colacionando, mais uma vez, basilar ensinamento de Hely Lopes Meirelles51,

no sentido de estabelecer que a “autonomia financeira é a capacidade de

elaboração da proposta orçamentária e de gestão e aplicação dos recursos

destinados a prover as atividades e serviços do órgão titular da dotação”.

Ora, todos os centros de atribuições integrantes da esfera pública têm suas

expensas custeadas pelos créditos consignados nas leis orçamentárias

competentes. Desta forma, a mera designação de créditos não configura, por si só,

autonomia financeira. Para fazer jus à qualidade de autônomo, necessária será a

existência da faculdade de administrar, dentro dos limites normativos, as verbas

reservadas para a unidade orçamentária respectiva.

Essas observações, somadas à exegese do Art. 127, §3º da Lex

Fundamentalis, asseveram a ocorrência de autonomia financeira e orçamentária, por

parte do Parquet, ao se verificar a liberalidade ostentada pelo órgão no tocante à

disposição das somas pecuniárias a ele afetadas, desde o momento da formulação

da proposta orçamentária, encargo da Instituição.

Transposta a elaboração do orçamento ministerial, deve o Procurador-Geral

enviá-la ao Poder Executivo, para fins de consolidação do projeto de lei

51 MEIRELLES (1985, apud MAZZILLI, 2007). O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.

Page 63: Monografia para impressão

62

orçamentária, que deverá ser submetido ao crivo da respectiva Assembléia

Legislativa, com vista à aprovação.

Não encaminhando sua proposta orçamentária dentro do prazo estabelecido

na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de

consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei

orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do

Art. 127,§ 3º da CF/88.

Ressalte-se, por oportuno, a impossibilidade de o Governador alterar a

proposição advinda do Ministério Público, salvo nos casos de desacordo com a lei

de diretrizes orçamentárias. A esfera legislativa, porém, pode proceder às alterações

que entender adequadas.

Infelizmente, esse permissivo legal vem sendo mal interpretado por alguns

chefes de Executivo e, por esse motivo, andou ensejando interferências ilegais na

autonomia financeira do MP. Alguns governantes investiram no direito de mitigar os

valores consignados ao órgão, numa clara afronta aos primados constitucionais

dirimentes do assunto. Esse tipo de prática, contudo, foi absolutamente rechaçada

pelo Pretório Excelso52, que se posicionou no sentido de impedir à procedência

dessa categoria de limitação à liberalidade econômica do Parquet:

Grave lesão à ordem pública e administrativa e às finanças estaduais, imputável à decisão liminar, em mandado de segurança, por meio do qual se atribuiu a disponibilidade das dotações orçamentárias do Ministério Público, por outrem, que não a legítima ocupante do cargo de Procurador-Geral de Justiça de Tocantins.

Outro posicionamento dessa mesma corte se deu quando, em dezembro de

1993, o Procurador-Geral da República impetrou Mandado de Segurança no intuito

de vedar ingerências negativas nas verbas atinentes ao orçamento do órgão, tendo

assim se pronunciado o então Ministro Carlos Velloso:53, no momento da concessão

de liminar:

... a Constituição confere ao Ministério Público autonomia funcional e administrativa (CF, art. 129, § 2º) e estabelece que 'o Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias”. Isto quer dizer que ao Poder Executivo não é facultado, de forma unilateral, fazer

52 GARCIA, Emerson, op. cit. nota 13, p. 100.53 Ibidem, p. 106.

Page 64: Monografia para impressão

63

cortes na proposta orçamentária do Ministério Público, desde que esta haja sido elaborada, tal como ocorre com os Tribunais, “dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias” (CF, art. 99, § 1º; art. 127, § 3º). O Supremo Tribunal Federal, aliás, na sessão administrativa de 02/08/1989, interpretando os dispositivos constitucionais referentes à autonomia financeira do Poder Judiciário, prerrogativa estendida ao MP, entendeu que incumbe aos Tribunais inscritos no § 2º do art. 99, da Constituição, aprovar o respectivo orçamento, que será remetido, pelo Presidente da Corte, ao Chefe do Poder Executivo, a fim de ser incorporado, nos próprios termos que,aprovado, ao projeto de lei orçamentária de iniciativa do Presidente da República. No caso, o impetrante dá notícia de que, por ordem do Chefe do Poder Executivo, a proposta orçamentária do MP sofreu drástica redução, “que compromete a realização das atividades essenciais do Ministério Público da União”, por isso mesmo “ofensiva à sua autonomia administrativa, funcional e financeira, enunciada no art. 127, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal”, além de atentar “contra a própria sobrevivência da instituição, essencial à Justiça”. Tenho como ocorrentes, portanto, no caso, os requisitos do fumus bani juris e do periculum in mora. Por tal razão, defiro a medida liminar, para que não seja efetuada a redução, pelo Executivo, de forma unilateral, da programação orçamentária do Ministério Público da União. Poderá o Chefe do Poder Executivo Federal solicitar ao Congresso a redução pretendida, ficando o Congresso como árbitro da questão. Com esta decisão, o Supremo Tribunal não está contrário ao Plano Econômico formulado pelo Governo. Está, sim, cumprindo a Constituição, devendo o Congresso Nacional dar a última palavra.

Nota-se, mais uma vez, a tentativa escusa de garantir a permanência das

pratica do antigo regime. O Brasil ainda ostenta níveis alarmantes de corrupção e,

inobstantes os avanços conquistados, no sentido de conferir mais transparência na

Administração Pública latu sensu, a velha guarda da política ainda busca assegurar

impunidade para seus desmandos de outrora. Uma forma de fugir das penas

aplicáveis seria impedir a chegada da fiscalização, ou seja, obstacular o bom

aparelhamento do Ministério Público, atribuindo-lhe uma condição financeira pouco

confortável e, em razão disto, inoperante.

Mas ações obscuras não ficam apenas no plano das conjecturas. O

Executivo, a despeito de não poder restringir os limites das propostas orçamentárias

advindas do Parquet, a não ser que estejam em desacordo com os ditames legais,

possuem a prerrogativa do veto. Isto significa a possibilidade de, durante o curso do

processo legislativo, o Presidente da República ou os Governadores de estado

discordarem de eventual propositura originária da órbita ministerial, por exemplo,

reajuste salarial dos membros da Instituição e não sancioná-la.

Page 65: Monografia para impressão

64

Vale ressaltar, oportunamente, que nada impede esse tipo de ação, ainda

que o conteúdo proposto esteja dentro dos limites orçamentários. Embora muitos

entendam ser essa modalidade de controle inerente ao Poder Executivo, o vínculo

subjetivo, decorrente da escolha do Procurador-Geral pelo Governador, conduz o

Ministério Público a uma posição “subserviente”, em relação às vontades da

autoridade executiva, que, em algumas situações, desconta sua insatisfação com

ações no Parquet, mitigando-lhe as somas pecuniárias ou os benefícios dessa

natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer da confecção deste trabalho, verificamos a impossibilidade de se

conceder ao chefe do Executivo a indicação da direção maior dos órgãos

ministeriais. Deste modo, esse precedente cria uma abertura perigosa entre as

vontades das autoridades de gestão governamental e o Ministério Público,

porquanto submete a instituição ao bel alvedrio das intempéries políticas próprias da

nossa nação.

Ademais, a natureza sui generis do Parquet, somada as suas atribuições

fiscalizatórias como defensor maior da ordem jurídica, são incompatíveis com

ingerências politiqueiras, comprometendo, em última instância, a atuação do órgão

junto à sociedade.

O guardião da democracia deveria ser a expressão mais lídima da boa

aplicação desta. Qual o empecilho para que a escolha do Procurador-Geral da

República ou dos Procuradores-Gerais dos estados ou do Distrito Federal se dê pela

própria categoria, entre os candidatos ostentadores dos requisitos exigidos para

concorrerem em pleito?

Doutra banda, o Executivo já cumpre os preceitos do sistema de freios e

contrapesos, preconizados pelo texto constitucional, quando possui o poder de

Page 66: Monografia para impressão

65

consolidar as proposta orçamentárias, restringido os valores em desconformidade

com os ditames normativos.

O próprio legislador que o concebeu adotou as check and balances para

coibir práticas espúrias e as manifestações exacerbadas de poder. As circunstâncias

que se encontram em consonância com os regramentos normativos prescindem da

necessidade de controle externo, competência deferida, a propósito, ao Conselho

Nacional do Ministério Público, não demonstrando, desta forma, a pretensão de

tornar a Instituição um órgão com “super poderes”.

De toda sorte, a continuidade deste paradigma demonstra similitudes com as

transgressões do passado, quando o governante tinha discricionariedade para

decidir quase todas as questões concernentes à administração do Estado,

colocando na direção das outros centros de competência estatal indivíduos

incapazes de contrariar quaisquer de seus interesses, além de retaliar severamente

aqueles que o fizessem.

Por todo o exposto, filiamo-nos às vozes defensoras da escolha da chefia do

Parquet por seus próprios membros, obedecendo a mais límpida vertente da

democracia, para entregar às futuras gerações, um país desenvolvido através de

práticas probas e responsáveis, longe da politicagem que tanto retardou o

crescimento efetivo da nação brasileira.

Page 67: Monografia para impressão

66

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/contitui%C3%A7ao .htm>. Acesso em: 13 ago 2009.

_______, Lei Complementar Nº 75, de 20 de maio de 1993. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp75.htm.> Acesso em: 13 ago 2009.

_______, Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8625.htm.> Acesso em: 13 ago 2009.

DAWALIBI, Marcelo. Ministério Público: fundamentos constitucionais e legais, estrutura e organização. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2006.

GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

JATAHY, Carlos Roberto de Castro. O Ministério Público e o Estado Democrático de Direito: perspectivas constitucionais de atuação funcional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.

______. Curso de princípios institucionais do Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2009.

Page 68: Monografia para impressão

67

LIMA, Ana Maria Borguignon. A formação histórica do Ministério Público: origens do Ministério Público na França, em Portugal e no Brasil. 04 abri. 07. Disponível em: <http://www2.mp.ma.gov.br/Ampem/Artigos2007/ARTIGO%20SOBRE%20MP.pdf.> Acesso em: 13 ago 2009.

LYRA, Roberto. Teoria e prática da Promotoria Pública. 2 ed. reimp. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1989.

LUCENA, Socorro; BRITO, Adjalmira. Regras de metodologia científica para produção de trabalhos acadêmicos. João Pessoa: UNIPÊ, 2006.

MAZZILI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6 ed. ver. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.

______. Regime Jurídico do Ministério Público. 6 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva. 2007.

SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. (Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho). Rio de Janeiro: Forense, 2005.

SOUZA, Itamar de. Luzes e sombras da democracia ateniense. R. FARN, Natal, v.2, n.l, p. 149 - 169 JuL/dez. 2002. Disponível em: <http://www.revistafarn.inf.br/revistafarn/index.php/revistafarn/article/viewFile/68/78.> Acesso em: 31 ago. 2009.

SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. Ministério Público: aspectos históricos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4867.> Acesso em: 13 ago. 2009.