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Milton Francisco dos Santos Junior MONOGRAFIA O TÉRMINO DAS CONCESSÕES DE USINAS HIDRELÉTRICAS E A ORDEM CONSTITUCIONAL NO BRASIL CURITIBA 2011

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Milton Francisco dos Santos Junior

MONOGRAFIA

O TÉRMINO DAS CONCESSÕES DE USINAS HIDRELÉTRICAS E A

ORDEM CONSTITUCIONAL NO BRASIL

CURITIBA

2011

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O TÉRMINO DAS CONCESSÕES DE USINAS HIDRELÉTRICAS E A

ORDEM CONSTITUCIONAL NO BRASIL

CURITIBA

2011

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Milton Francisco dos Santos Junior

MONOGRAFIA

O TÉRMINO DAS CONCESSÕES DE USINAS HIDRELÉTRICAS E A

ORDEM CONSTITUCIONAL NO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado no Curso de Direito, da Faculdade de Ciências Jurídicas, da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Profa Orientadora: Dra. Cibele Fernandes Dias Knoerr.

CURITIBA

2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

Milton Francisco dos Santos Junior

MONOGRAFIA

O TÉRMINO DAS CONCESSÕES DE USINAS HIDRELÉTRICAS E A

ORDEM CONSTITUCIONAL NO BRASIL

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de bacharel em Direito, no

Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____ de __________ de 2011.

_____________________________________________

Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Professora Orientadora: Dra. Cibele Fernandes Dias Knoerr.

Universidade Tuiuti do Paraná - Departamento ____________

Banca Examinadora: Professor Dr. ______________________________________

Universidade Tuiuti do Paraná - Departamento ____________

Professor Dr. ______________________________________

Universidade Tuiuti do Paraná - Departamento ____________

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a toda minha família, em especial a duas pessoas: meu pai e minha

mãe, sem as quais não teria superado os desafios impostos pela vida.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que com sua grandeza me propicia força e disposição para enfrentar

os desafios do dia-a-dia.

Aos ilustres Professores da UTP, aos quais agradeço toda a dedicação e maestria nos

ensinamentos jurídicos transmitidos aos colegas de trabalho e de faculdade que com grande

dedicação mostraram-me os caminhos a serem traçados.

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“Diz-se, com razão, que o grau de desenvolvimento e progresso de um país se mede pelo grau de

organização e prestação de seus serviços públicos e a satisfação com que os usuários os utilizam”

Héctor Escola

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RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar o instituto da concessão, em especial da concessão aplicada às atividades de implantação e exploração de usinas hidrelétricas, valendo-se da legislação brasileira em vigor. Discute questões relacionadas à utilização de bens públicos, à prestação de serviços públicos, á titularidade do poder estatal, trazendo à baila seus aspectos constitucionais, legais e jurisprudenciais. Como fontes foram utilizadas bibliografias e periódicos sobre o tema, entrevista com especialistas do setor de energia, bem como consultas à rede mundial de computadores. O estudo revela-se relevante face a imposição constitucional da matéria no âmbito constitucional e administrativo brasileiro.

Palavras-chave: Constituição Federal; Concessão de Serviço Público; Concessão de Uso de Bem Público; Usinas Hidrelétricas; Contratos Administrativos.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Montante de energia proveniente de hidrelétricas com mais de 30MW

outorgadas a Furnas, Chesf, Cemig, Cesp e Copel, cujo término do prazo da

concessão ocorrerá na próxima década. ...........................................................31

Figura 2 - Esquema da disciplina legal atualmente em vigor sobre as concessões

outorgadas antes de 11 de dezembro de 2003................................................191

Figura 3 - Esquema da disciplina legal atualmente em vigor para as concessões

outorgadas após 11 de dezembro de 2003......................................................193

Figura 4 - Disciplina aplicada à prorrogação das concessões com as mudanças do

setor elétrico brasileiro. ....................................................................................194

Figura 5 - Regimes de governo do Brasil e o setor elétrico nacional. .....................216

Figura 6 - Principais marcos históricos do setor elétrico brasileiro..........................217

Figura 7 - Maiores empreendimentos hidrelétricos do Brasil (acima de 100 MW e

exceto Itaipu) e sua respectiva data de concessão..........................................218

Figura 8 - Cronograma de comercialização de energia no Ambiente de Contratação

Regulada..........................................................................................................220

Figura 9 - Resultado dos leilões de energia velha e de energia nova realizados entre

2004 e 2008. ....................................................................................................221

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Relação das usinas hidrelétricas com término do prazo da concessão

previsto para 2015. ............................................................................................29

Tabela 2 - Prazos e disciplina aplicada às prorrogações das concessões segundo o

período de outorga...........................................................................................192

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SUMÁRIO

1. Introdução Geral ...........................................................................................16

2. Procedimentos Metodológicos......................................................................19

3. Introdução, Justificativa e Importância do Tema ..........................................20

4. Lacuna no Corpo do Conhecimento .............................................................23

5. Formulação do Problema .............................................................................25

5.1 A Previsão Constitucional e Infraconstitucional ............................................27

5.2 Os Maiores Impactados pelo Problema........................................................28

5.3 Casos Concretos ..........................................................................................31

5.4 Agravante do Problema (Descontratação da Energia no Final de 2012)......33

5.5 Peculiaridade das Concessões de Usinas Hidrelétricas...............................35

5.6 As Três Principais Opções que se Cogitam para a Solução do Problema e a sua Forma de Operacionalização.................................................................36

5.7 Precedentes, Legalidade, Motivação, Igualdade e Segurança Jurídica .......38

5.8 Abrangência do Escopo do Presente Trabalho ............................................40

5.9 Exclusão do Escopo do Presente Trabalho..................................................41

6. Objetivos.......................................................................................................47

6.1 Objetivo Geral...............................................................................................47

6.2 Objetivos Específicos ...................................................................................47

7. Poder e Energia............................................................................................49

7.1 Poder ............................................................................................................50

7.2 Considerações sobre Poder, Força, Potência, Energia, Eletricidade, Soberania, Estado e Dignidade Humana......................................................52

7.3 Os Tipos de Poder........................................................................................54

7.3.1 O Poder Ideológico.......................................................................................55

7.3.2 Energia e Poder Ideológico ..........................................................................57

7.3.3 Energia e Poder Econômico .........................................................................59

7.3.4 Energia e Poder Político ...............................................................................60

7.4 Considerações acerCa do Poder e da Decisão sobre as Concessões das usinas Hidrelétricas ......................................................................................62

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8. Constituição, Soberania, Estado Social e Democrático de Direito e a

Prestação de Serviços Públicos................................................................................63

8.1 Estado ..........................................................................................................63

8.2 Constituição..................................................................................................63

8.3 Soberania .....................................................................................................65

8.4 Os Atores Envolvidos com o Poder e a Soberania e sua Forma de Organização .................................................................................................67

8.5 Diferenciação entre Estado e Estado-Poder.................................................67

8.6 A Constituição, as Leis e a Separação dos Poderes....................................68

8.7 A Separação dos Poderes no Brasil e a Noção de Estado de Direito ..........70

8.8 O Estado de Direito ......................................................................................72

8.9 O Estado Democrático de Direito .................................................................73

8.10 O Estado Social e Democrático de Direito e a Noção de Serviços Públicos 76

9. Direito Privado, Direito Público e Direito Administrativo ...............................78

9.1 A Diferença entre Direito Privado e Direito Público ......................................78

9.2 O Direito Público e o Direito Administrativo ..................................................79

9.3 O Direito Administrativo ................................................................................80

9.4 A Constitucionalização do Direito Administrativo..........................................81

9.5 O Estado Democrático de Direito Brasileiro e o Direito Administrativo.........83

9.6 O Direito Administrativo e a Negação do Poder Arbitrário............................84

9.7 Aplicabilidade do Direito Administrativo ao Caso das Concessões de Usinas Hidrelétricas..................................................................................................85

10. O Regime Jurídico-Administrativo: Prerrogativas e Sujeições......................87

11. Princípios Aplicados às Concessões de Usinas Hidrelétricas ......................89

11.1 Normas Jurídicas: Regras e Princípios.........................................................89

11.2 A Importância dos Princípios ........................................................................91

11.3 Os Princípios no Direito Administrativo.........................................................91

11.4 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana .................................................93

11.5 Princípio da Democracia Republicana..........................................................96

11.6 Princípio da Livre Iniciativa ...........................................................................98

11.7 Princípio da Livre Concorrência..................................................................101

11.8 Princípio da Impessoalidade ou Finalidade ................................................104

11.9 Princípio da Supremacia do Interesse Público ...........................................105

11.10 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público....................................107

11.11 Princípio da Eficiência ................................................................................108

11.12 Princípio da Modicidade Tarifária ...............................................................109

11.13 Princípio da Licitação para Concessão dos Serviços Públicos...................110

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11.14 Princípio da Continuidade...........................................................................112

11.15 Princípio da Legalidade ..............................................................................113

11.16 Princípio da Segurança Jurídica.................................................................113

12. Bens Públicos.............................................................................................115

12.1 Domínio Público..........................................................................................115

12.2 O Conceito de Bens Públicos .....................................................................117

12.3 Os Potenciais Hidroenergéticos como Bens Públicos ................................118

12.4 Classificação dos Bens Públicos ................................................................120

12.5 Utilização dos Bens Públicos......................................................................123

12.5.1 O Uso de um Bem Público e os Conceitos de Propriedade e de Posse.....124

12.6 Características dos Bens Públicos .............................................................126

12.7 Os Modos de Outorga de Uso dos Bens Públicos......................................128

12.8 A Concessão de Uso dos Bens Públicos e as Concessões de Usinas Hidrelétricas................................................................................................129

13. Serviços Públicos .......................................................................................135

13.1 Conceito de Serviços Públicos ...................................................................135

13.2 A Previsão Constitucional dos Serviços Públicos.......................................138

13.3 A Titularidade dos Serviços Públicos..........................................................140

13.3.1 A Solidariedade da União nos Serviços Públicos Delegados e/ou Outorgados

e a Defesa dos Usuários .........................................................................................142

13.3.2 A Temporariedade da Delegação e/ou da Outorga para Prestação dos

Serviços Públicos ....................................................................................................143

13.4 Classificação dos Serviços Públicos...........................................................144

13.4.1 As Formas de Execução e de Prestação dos Serviços Públicos – Direta ou

Indireta (Delegação ou Outorga) .............................................................................147

13.4.2 Diferença entre Delegação e Outorga ........................................................150

13.4.3 A Delegação ...............................................................................................152

13.4.4 A Outorga ...................................................................................................152

13.5 A Geração de Energia Elétrica como Concessão de Serviço Público ........153

14. Contratos Administrativos...........................................................................160

14.1 Contratos ....................................................................................................160

14.1.1 Contratos Por Prazo Determinado..............................................................162

14.1.2 Prorrogação e Renovação dos Contratos Por Prazo Determinado ............163

14.1.3 A Extinção dos Contratos ...........................................................................163

14.2 Contratos Administrativos...........................................................................164

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14.2.1 Conceito de Contrato Administrativo ..........................................................166

14.2.2 Características dos Contratos Administrativos ...........................................167

14.2.3 A Equação Econômico-Financeira dos Contratos Administrativos .............169

14.2.4 Classificação dos Contratos Administrativos ..............................................171

14.3 As Modalidades de Contratos Administrativos ...........................................172

14.3.1 O Contrato de Concessão ..........................................................................172

14.3.2 O Contrato de Concessão de Obra Pública................................................174

14.3.3 O Contrato de Concessão de Serviço Público............................................178

14.3.4 O Contrato de Concessão de Uso de Bem Público....................................180

14.3.5 O Contrato Administrativo de Concessão mais Adequado à Geração de

Hidreletricidade Através de Usinas Existentes........................................................181

14.4 O Prazo nos Contratos Administrativos de Concessão ..............................183

14.4.1 A Prorrogação de Prazo nos Contratos Administrativos de Concessão .....185

14.5 A Extinção dos Contratos Administrativos de Concessão ..........................197

14.5.1 A Reversão dos Ativos Inerente à Extinção dos Contratos de Concessão.202

15. Conceitos Jurídicos: Prorrogação versus Renovação ................................207

16. Contextualização Histórica, Política e Sócio-Econômica............................213

16.1 Evolução do setor elétrico brasileiro ...........................................................215

17. Os Leilões de Energia ................................................................................219

17.1 Os Leilões de Energia Nova .......................................................................219

17.2 Os Leilões de Energia Existente.................................................................220

18. Reserva Global de Reversão - RGR...........................................................224

19. Os projetos de Lei em Tramitação no Congresso Nacional brasileiro ........225

19.1 Projeto de Lei nº 4.154/2008 ......................................................................225

19.2 Projeto de Lei nº 5.438/2009 ......................................................................227

20. O Regime de Concessões de Potenciais Hidráulicos em Outros Países ...231

21. O Guardião da Constituição - O Supremo Tribunal Federal .......................234

22. As Propostas que se Cogitam Atualmente para Solução da Questão........236

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22.1 Renovação das concessões x Reversão dos ativos e assunção dos serviços públicos pela União ou realização de licitação para definição de um novo concessionário............................................................................................236

22.1.1 Oportunidade para a Devolução de Concessões Indesejadas ...................236

22.2 Renovação (nova Prorrogação) das concessões para os atuais concessionários..........................................................................................238

22.2.1 Uma única prorrogação adicional da concessão para o atual concessionário238

22.2.2 Renovações sucessivas da concessão para o atual concessionário .........238

22.2.3 Critérios possíveis para a renovação das concessões...............................239

22.2.4 Argumentos a favor e contra a renovação - vantagens e desvantagens....241

22.2.5 A prorrogação de concessões que não foram outorgadas através de

processo licitatório...................................................................................................245

22.3 Reversão dos ativos e assunção dos serviços públicos pela União ou realização de licitação para definição de um novo concessionário ............245

22.3.1 A reversão dos ativos .................................................................................249

22.3.2 A necessidade de novos investimentos para reforma e modernização dos

empreendimentos em operação..............................................................................251

22.3.3 Privatização branca ou estatização branca ................................................251

22.3.4 Preferência pelo agente estabelecido.........................................................252

23. Considerações Finais .................................................................................254

24. Conclusão...................................................................................................256

25. Referências Bibliográficas ..........................................................................258

26. Anexos........................................................................................................260

26.1 Anexo 1 – Ficha de Inscrição e Ficha de Cadastro ....................................260

26.2 Anexo 2 – Dados Biográficos .....................................................................261

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16

1. INTRODUÇÃO GERAL

A presente Monografia foi concebida para ser o trabalho de conclusão de

curso, do Curso de Direito, da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade

Tuiuti do Paraná.

É requisito indispensável para a obtenção de formação profissional

específica e para a colação de grau no Curso de Direito, para a obtenção do grau de

Bacharel em Direito pelo autor.

Foi realizada observando-se o estabelecido no Regulamento da Monografia

Final do Curso de Graduação em Direito da Universidade Tuiuti.

A professora escolhida como orientadora para a elaboração do trabalho de

conclusão de curso foi a Dra. Cibele Fernandes Dias Knoerr, que é atua nas áreas

administrativa e constitucional, que são vinculadas ao tema escolhido pelo orientado.

O tema do trabalho foi escolhido pelo autor, tendo em vista a sua

familiaridade e afeiçoamento com o assunto. Está inserido na Linha de Pesquisa de

Direitos Humanos, em sua vertente relacionada ao Direito Constitucional e

Administrativo.

A Ficha de Inscrição e a Ficha de Cadastro foram entregues ao Núcleo de

Monografia observando-se os prazos limites estabelecidos no Cronograma de

Monografia Final para as turmas do 9º Período do 2º Semestre de 2010, publicado

em julho de 2010 no website da Tuiuti. Da mesma forma, o Projeto de Monografia foi

protocolado cumprindo-se todas as exigências cabíveis.

A estrutura do trabalho obedece às disposições do Regulamento da

Monografia Final do Curso de Graduação em Direito e às Normas Técnicas da

Universidade Tuiuti do Paraná – UTP.

No Capítulo 0 da monografia é feita uma introdução geral. São arrolados

alguns detalhes das formalidades necessárias à elaboração da própria monografia,

trabalho final de conclusão do curso de direito.

Os procedimentos metodológicos utilizados na elaboração da monografia

estão apresentados no Capítulo 2.

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17

O Capítulo 3 introduz o tema da monografia. Apresenta a justificativa para a

escolha do tema e a importância do mesmo.

A determinação da lacuna no corpo do conhecimento é apresentada no

Capítulo 4.

O Capítulo 5 adentra na formulação do problema, com sua descrição e a

exposição do agravante que existe em torno da questão, bem como apresenta a

previsão constitucional e infra-constitucional, além de relatar dois casos concretos de

impactados diretamente pelo problema.

Os objetivos almejados com a presente monografia são descritos no

Capítulo 6. Tanto os objetivos gerais quanto os específicos.

Com o objetivo de fazer-se uma fundamentação teórica, aborda-se:

No Capítulo 7 a questão do Poder e da Energia.

No Capítulo 8 a Constituição e Soberania, além de adentrar na conceituação

de um Estado de Direito, Estado Democrático de Direito e, por fim, o conceito de

Estado Social e Democrático de Direito e a sua inter-relação com os serviços

públicos.

No Capítulo 9 é apresentada a diferenciação entre Direito Privado, Direito

Público e Direito Administrativo.

No Capítulo 10 é apresentado o Regime Jurídico-Administrativo, com as

suas características, quais sejam as prerrogativas e as sujeições.

Os princípios aplicados às concessões de usinas hidrelétricas são

brevemente abordados no Capítulo 11.

Os Bens Públicos no Capítulo 12.

No Capítulo 13 são lecionados alguns conceitos referentes aos Serviços

Públicos.

Os Contratos Administrativos são abordados no Capítulo 14.

O Capítulo 15 elucida a diferente entre Prorrogação e Renovação dos

contratos de concessão.

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18

É apresentada uma contextualização histórica, política e sócio-econômica do

Brasil no Capítulo 16.

Os Leilões de Energia são descritos no Capítulo 17.

No Capítulo 18 é apresentada a Reserva Global de Reversão.

São trazidos dois projetos de lei atualmente em tramitação no Congresso

Federal e que tratam do assunto em tela no Capítulo 19.

A abordagem do presente tema em outros países é ilustrada no Capítulo 20.

No Capítulo 21 é apresentado o Supremo Tribunal Federal, que deverá

avaliar a constitucionalidade da solução a ser dada para a presente questão.

No Capítulo 22 são apresentadas as propostas que se cogitam atualmente

para a solução do problema aqui elencado.

As considerações finais sobre o problema, sua solução, o contexto e o

arcabouço legal e regulatório, segundo a visão do autor, são apresentadas no

Capítulo 23.

A conclusão no Capítulo 24.

No Capítulo 25 são apresentadas as referências bibliográficas utilizadas na

presente monografia.

Os anexos encontram-se no Capítulo 26.

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19

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a realização do presente trabalho de conclusão de curso foram

realizadas consultas à bibliografia jurídica, à bibliografia do setor elétrico, à

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e anteriores, à legislação

infra-constitucional, à rede mundial de computadores, em sítios eletrônicos de

empresas do setor elétrico nacional e internacionais, ao sítio eletrônico da Agência

Reguladora dos serviços e energia elétrica do Brasil e a trabalhos já realizados

sobre o assunto, dentre outras fontes. Foram também consultados profissionais do

ramo do direito e do setor elétrico nacional, além de profissionais que trabalham na

área de energia e de concessões em outros países.

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20

3. INTRODUÇÃO, JUSTIFICATIVA E IMPORTÂNCIA DO TEMA

No ano de 2015, no Brasil, terminarão os prazos de vigência de várias

concessões de usinas hidrelétricas atualmente em operação e que suprem grande

parte da demanda nacional por energia elétrica.

Tais concessões são exploradas por diferentes concessionários, estatais e

privados. No entanto, os maiores impactados pela questão, no ano de 2015, serão

as concessionárias estatais, principalmente as federais.

A energia elétrica gerada pelas usinas hidrelétricas cujas concessões

terminam em 2015 representa aproximadamente 20% (vinte por cento) do total da

eletricidade produzida atualmente no Brasil, segundo dados da Agência Nacional de

Energia Elétrica – ANEEL1.

A base do suprimento da matriz de energia elétrica nacional são as grandes

usinas hidrelétricas, que, em sua maioria, tiveram suas concessões outorgadas nas

décadas de 1960, 1970 e 19802.

Destaca-se, desde já, que, por razões históricas e conjunturais, em sintonia

com a ordem constitucional vigente à época, a grande maioria das outorgas destas

concessões não foi realizada através de processo licitatório3.

Fato é que não há, atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão

de disciplina a ser aplicada às referidas concessões com o advento contratual do

término dos seus prazos de vigência, pois o Brasil nunca teve que enfrentar esta

questão, sobretudo sob a vigência de um regime democrático.

O assunto é considerado um grande problema por diversos autores, pelos

especialistas do setor elétrico brasileiro e também pelos operadores do direito que

analisam a questão, pois a descontinuidade da geração de energia elétrica por estes

empreendimentos poderá afetar significativamente o país sob vários aspectos,

dentre outras implicações.

1 Informação obtida através de consulta ao website da ANEEL (www.aneel.gov.br), no Banco de Informações da

Geração – BIG, disponível em janeiro de 2011. 2 Diversas informações sobre o setor elétrico estão apontadas com base na experiência do autor que é engenheiro

eletricista e trabalha na área, com ênfase no planejamento da expansão dos sistemas elétricos (geração, transmissão e distribuição de eletricidade).

3 Lembra-se que nas décadas de 1960, 1970 e 1980 o Brasil viveu sob a vigência de um regime ditatorial, onde a discricionariedade imperava nas decisões da esfera federal.

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Com base nesse discurso (o do medo dos impactos que podem ocorrer),

existem alguns autores que defendem a pura e simples renovação das concessões

para os atuais concessionários, visando à continuidade da prestação dos serviços

públicos de geração de hidreletricidade.

No entanto, na contramão desse entendimento, outros autores defendem a

realização de processo licitatório para a escolha de novo concessionário (podendo

até ser o mesmo, caso vitorioso no processo licitatório), que, desde que vitorioso no

processo licitatório, virá a assumir a exploração do empreendimento de geração de

hidreletricidade a partir do advento contratual da concessão atual. Este discurso é

baseado em uma rígida interpretação constitucional da questão e na defesa

imperiosa dos princípios da modicidade tarifária, livre concorrência e da

impessoalidade.

Estas são, de uma forma geral, as duas correntes mais expressivas na

discussão sobre o problema.

Há ainda uma terceira corrente de autores que defendem a reversão dos

ativos das concessões e a assunção da prestação de tais serviços públicos pela

União, que é, constitucionalmente, pela Carta Magna de 1988, a legítima detentora

dos direitos sobre os bens públicos explorados (os potenciais hidrelétricos).

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Art. 20. São bens da União:

...

VIII - os potenciais de energia hidráulica;

Outros autores defendem ainda linhas de pensamento que nada mais são do

que derivações e/ou combinações das correntes citadas acima.

O que se tem de certeza sobre o assunto é que:

(i) o problema deve ser enfrentado;

(ii) a solução para o problema deve ser alcançada anteriormente a 2015;

(iii) a solução deve ser obtida preferencialmente antes do ano de 2012, pois como será apresentado adiante, neste ano existe um evento previsto que poderá agravar o problema; e

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(ii) a solução deve ser disciplinada legalmente (constitucional e infraconstitucionalmente) para que se garanta a segurança jurídica necessária à exploração das atividades econômicas abrangidas pelo instituto da concessão.

No entanto, atualmente, longe se vê o consenso a respeito do tema e de sua

solução entre os doutrinadores, juristas, legisladores brasileiros e os diversos grupos

interessados e impactados pela questão.

Justifica-se, assim, a escolha do tema como assunto para desenvolvimento

da presente monografia, pois é assunto atual e recorrente, hodiernamente em

estudo e discussão inclusive no Congresso Nacional, como será apresentado.

Importante salientar também que a solução dada à questão será aplicada às

concessões que tem o advento de término previsto para 2015 e, provavelmente,

criará precedente para ser aplicada também em todas as demais concessões de

usinas hidrelétricas, concedidas anterior e posteriormente, que terão os seus prazos

de vigência exauridos nas próximas décadas. Daí a importância do presente trabalho

e do encontro de uma boa solução para a questão em tela.

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4. LACUNA NO CORPO DO CONHECIMENTO

Na próxima década o Brasil terá de enfrentar e estabelecer uma disciplina

jurídica para o problema do término do prazo de vigência das concessões das usinas

hidrelétricas. Disciplina esta que deverá ser aplicada a todas as concessões de

usinas hidrelétricas, atuais e futuras, e influenciará significativamente na garantia do

suprimento de energia elétrica à nação.

O fato de não haver, no ordenamento jurídico brasileiro, disciplina a ser

aplicada ao advento contratual das concessões de usinas hidrelétricas foi o principal

motivador deste trabalho.

No entanto, ao se aprofundar no estudo de tal lacuna no corpo do

conhecimento, deparou-se com um problema muito mais amplo e complexo.

Os conceitos jurídicos dos vários tipos de concessões, constantes da Lei de

Concessões (Lei nº 8.987/95), são apontados como falhos por diversos

doutrinadores jurídicos. Detectou-se realmente haver a necessidade de suprir

lacunas no ordenamento jurídico e no corpo do conhecimento referente aos diversos

tipos e peculiaridades de concessões.

Como veremos adiante, no capítulo da fundamentação teórica, o próprio

conceito de concessão não é bem definido e aceito no ordenamento jurídico

brasileiro.

O tipo de concessão específico a ser aplicado às usinas hidrelétricas

também não é bem estabelecido. As concessões de usinas hidrelétricas já foram

chamadas no Brasil, por exemplo, de Concessões de Serviço Público e de

Concessões de Uso do Bem Público.

Atualmente, as novas concessões para usinas hidrelétricas são outorgadas

a título de Concessão de Uso do Bem Público4, mas existem fortes divergências

doutrinárias a respeito de tal classificação, por não se amoldarem nos conceitos

doutrinários clássicos da classificação de concessão de uso.

Diversas também foram as formas e os processos de outorgas de

concessões de usinas hidrelétricas no Brasil, com peculiaridades decorrentes de

4 Afirmação baseada na análise de concessões outorgadas recentemente, nos anos de 2009 e 2010.

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cada um dos seus respectivos contextos políticos e períodos históricos:

anteriormente ou posteriormente à Constituição de 1988; precedida ou não

precedida de processo licitatório; vigentes com prazo determinado ou não; dentre

outras.

Ademais, a operacionalização prática da destinação das usinas hidrelétricas,

a reversão, a forma de apuração de eventual indenização ao atual concessionário

findo o prazo das concessões, nunca foi tratada pelo ordenamento jurídico brasileiro

e nem é completamente disciplinada, tanto com relação aos aspectos jurídicos,

quanto contábeis e econômico-financeiros.

A geração de energia elétrica5 através da exploração de um bem público

(potencial hidrelétrico) não alcança consenso entre doutrinadores e juristas sobre se

se tratam de serviço público ou de mero uso de bem público. Há ainda, autores que

defendem se consubstanciar em serviço público precedido de obra pública. Enfim,

não existe um consenso. Aqui também se deparou com uma lacuna no corpo do

conhecimento.

Ademais, ao final de uma concessão de serviço público precedida de obra

pública, qual deve ser a destinação da obra pública construída? Deve ser aplicada a

mesma disciplina das concessões de serviços públicos ou de uso de bem público?

O próprio conceito de Serviço Público também não é consenso entre

doutrinadores. O mesmo problema é encontrado em outros ordenamentos jurídicos

ao redor do mundo. Há definição do que é e do que não é serviço público também

se consubstancia em outra lacuna no corpo do conhecimento e que tem reflexos

sobre o tema do presente trabalho.

O serviço público e/ou a utilização do bem público (potencial energético)

deve ser outorgado ou delegado?

Enfim, diversas são as questões que se apresentaram quando do

aprofundamento do estudo em tela, que tiveram que ser abordadas com maior ou

menor profundidade no presente trabalho e que são, concretamente, lacunas

existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

5 Atentar para a diferenciação entre geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica.

Transmissão e distribuição de energia elétrica são consideradas atividades tipicamente enquadradas como serviços públicos por praticamente todos os doutrinadores, no entanto, quanto à atividade de geração, ainda não existe um consenso.

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25

5. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

O Brasil passa atualmente por uma fase de consolidação do modelo do setor

elétrico concebido a partir do final do ano de 20036.

Entre 1995 e 2003 o país já havia passado por um período de transição

entre modelos7, que se iniciou com a implantação de modificações na legislação

sobre concessões, a criação, em 1996, da Agência Reguladora do setor elétrico

nacional, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, e a concretização de

diversas privatizações.

A referida fase de transição teve resultados pouco satisfatórios e resultou,

por diversas causas, no racionamento de energia elétrica que assolou o Brasil

durante o ano de 2001. Tudo isso fez com que se detectasse a necessidade de uma

nova reestruturação. Foi a partir de então que foram lançadas as bases do atual e

novo modelo do setor elétrico nacional. Modelo este ainda recente, mas que vem se

consolidando de forma célere nos últimos anos.

Algumas das usinas hidrelétricas outorgadas entre as décadas de 1960 e

1980 foram privatizadas no final da década de 1990 (no período de transição entre

os modelos do setor elétrico). Essas usinas foram privatizadas com o início da

contagem de um novo prazo de concessão. Algumas concessões prevêem a

possibilidade de prorrogação desse prazo no seu próprio instrumento da outorga (o

contrato de concessão) e algumas não possuem tal previsão nos seus respectivos

contratos. No entanto, fato é que à época existia a previsão legal de prorrogação de

tais concessões ao término do prazo contratual, o que, com certeza, será pleiteado

pelos concessionários oportunamente.

Nas décadas de 1990 e de 2000 a legislação sobre concessões foi

modificada. Na década de 1990 estava prevista infraconstitucionalmente a

possibilidade de prorrogação das concessões de usinas hidrelétricas por uma única

vez e, na década de 2000, tal legislação foi modificada sendo que, atualmente, para

as novas outorgas, não está previsto no ordenamento jurídico brasileiro a

possibilidade de prorrogação das concessões de usinas hidrelétricas.

6 Modelo do setor elétrico concebido no Governo Luiz Inácio Lula da Silva, com base nas Leis nº 10.847/2004 e

10.848/2004. 7 Modelo concebido no Governo Fernando Henrique Cardoso, com base nas Leis nº 8.987/95, 9.074/95 e 9.427/96.

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A renovação de concessões de usinas hidrelétricas nunca foi prevista no

ordenamento jurídico brasileiro, tanto no âmbito constitucional, quanto no

infraconstitucional.

Importante salientar desde logo a diferença existente entre os termos

prorrogação e renovação. De uma forma simplista, prorrogação é apenas estender o

prazo inicialmente previsto, sem a extinção do contrato e mantendo-se as demais

estipulações contratuais. Não se confundindo com a renovação, ou mesmo a

novação. A renovação, grosso modo, significa a pactuação de nova avença, com a

extinção da primeira, e com a vinculação das partes pelas obrigações consensadas

no novo pacto. Tal diferenciação será tratada adiante com mais profundidade e

técnica jurídica.

As concessões outorgadas anteriormente a 1995, que não passaram pelo

processo de privatização, durante o período de transição entre os modelos do setor

elétrico, e que já estavam vencidas na data da publicação da Lei nº 9.0748, em 7 de

julho de 1995, foram prorrogadas por 20 anos a partir de 1995. Por isso, o

vencimento das concessões que já usufruíram do seu direito a uma prorrogação está

concentrado no ano de 2015, quando mais de 18 mil MW de usinas hidrelétricas em

operação terão os prazos de suas concessões, já prorrogadas, terminando.

As concessões oriundas da privatização, assim como as concessões de

novas usinas hidrelétricas outorgadas pelo Poder Concedente após 1995, foram

outorgadas sob o rótulo de concessões de uso de bem público, para produtores

independentes de energia, e têm prazos de vigência com previsão de término a

partir de 2015, momento em que, quiçá, já existirá uma definição sobre o tratamento

a ser dispensado às concessões que terminarão nesse momento de consolidação

do atual modelo do setor elétrico nacional.

O que se quer destacar com o exposto é que: o que for decidido agora9, com

grande probabilidade abrirá precedente para aplicação em todas as futuras outorgas

8 Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras

providências. 9 Decisão sobre a prorrogação ou sobre a renovação das concessões para os atuais concessionários; ou a

reversão dos ativos em prol da União e a assunção da prestação dos serviços públicos pela própria União; ou ainda, a realização de licitação para definição de um novo concessionário para a prestação desse serviço público; dentre outras opções que se cogitam.

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de concessões de empreendimentos hidrelétricos e também para as concessões

vigentes e que terminarão no médio e longo prazo, a partir de 2015.

O presente trabalho de conclusão do curso de direito pretende contribuir

para o estudo do destino a ser dado às concessões de serviço público de geração

de energia elétrica a partir da exploração de potenciais hidráulicos, cujos prazos de

outorga, já considerada a primeira e única prorrogação legalmente prevista10, se

extinguirão a partir de 2015. No entanto, sabe-se, desde já, que o presente trabalho

não será suficiente para esgotar o assunto.

O que se detectou na realização do presente trabalho é que o problema do

término das concessões de usinas hidrelétricas é assunto de grande amplitude e

extremamente complexo, sob os pontos de vista jurídico, econômico, de engenharia,

sócio-econômico, dentre outros. Ainda mais em se considerando a necessidade

pacífica de não se descontinuar o suprimento de energia elétrica nacional. Por estes

e outros motivos, como o de não ser o objeto do presente trabalho, o assunto não

pôde ser esgotado.

5.1 A PREVISÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL

Pela lógica legalmente instituída constitucional e infraconstitucionalmente, as

concessões de usinas hidrelétricas, após serem fruídas pelos seus respectivos

concessionários pelo prazo original previsto no contrato e, adicionalmente, pelo

prazo legalmente previsto de uma prorrogação (para aquelas que possuem essa

prerrogativa), deverão ter suas outorgas extintas e passar por um processo de

reversão de ativos em prol da União e, em seguida, haver a assunção, pela União,

da prestação desses serviços públicos ou passar por processo licitatório para

definição de um novo concessionário, que terá o direito de continuar a prestação do

serviço público mediante a exploração do potencial hidráulico e demais ativos

inerentes à concessão.

Isto, em obediência à Constituição Federal, mais especificamente pelo

estabelecido em seu artigo nº 175 e demais normas infraconstitucionais11.

10 Para aquelas que possuem esta prerrogativa. 11 Principalmente Leis nº 8.666/93, 8.987/95 e 9.074/95.

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

No entanto, tanto o processo de reversão dos ativos em prol da União,

quanto a realização do processo licitatório para a escolha de novo concessionário

não estão claramente disciplinados na legislação infraconstitucional, que também

não prevê outra alternativa para a questão, como por exemplo, como se cogita, de

renovação dos instrumentos de outorga para o mesmo concessionário que

atualmente utiliza o bem público e que explora a prestação do serviço público, para

o fazê-lo por mais um período de tempo.

Em resumo, não há, atualmente, regulamentação a ser aplicada às

concessões de usinas hidrelétricas, após o advento do termo contratual, com o

término do seu prazo de vigência e sua consequente extinção.

5.2 OS MAIORES IMPACTADOS PELO PROBLEMA

A Tabela 1 apresenta a relação das concessões de usinas hidrelétricas que

têm prazo de vigência previsto para terminar em 2015, além de indicar as

respectivas concessionárias detentoras das concessões, dentre outros dados

importantes para o presente estudo.

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TABELA 1 - RELAÇÃO DAS USINAS HIDRELÉTRICAS COM TÉRMINO DO PRAZO DA CONCESSÃO PREVISTO PARA 2015.

Concessionária UsinaPotência

(MW)Já

Prorrogada?Término da Concessão

UHE Boa Esperança 237,30 Sim 10 / out / 2015UHE Luiz Gonzaga 1.479,60 Sim 03 / out / 2015UHE Apolônio Sales (Moxotó) 400,00 Sim 02 / out / 2015UHE Paulo Afonso I 180,00 Sim 02 / out / 2015UHE Paulo Afonso II 443,00 Sim 02 / out / 2015UHE Paulo Afonso III 794,20 Sim 02 / out / 2015UHE Paulo Afonso IV 2.462,40 Sim 02 / out / 2015UHE Xingó 3.162,00 Sim 02 / out / 2015UHE Funil 30,00 Sim 07 / jul / 2015UHE Pedra 20,00 Sim 07 / jul / 2015PCH Araras 4,00 Sim 07 / jul / 2015PCH Piloto 2,00 Sim 07 / jul / 2015

UHE Luiz Carlos Barreto Carvalho 1.050,00 Sim 07 / jul / 2015UHE Funil 216,00 Sim 07 / jul / 2015UHE Furnas 1.216,00 Sim 07 / jul / 2015

ELETRONORTE UHE Coaracy Nunes 76,95 Sim 08 / jul / 2015UHE Ilha Solteira 3.444,00 Sim 07 / jul / 2015UHE Jupiá 1.551,20 Sim 07 / jul / 2015PCH Chopim I 1,98 Sim 07 / jul / 2015PCH Mourão 8,20 Sim 07 / jul / 2015UHE Gov. Parigot de Souza 260,00 Sim 07 / jul / 2015PCH Garcia 8,60 Sim 07 / jul / 2015PCH Ivo Silveira 2,50 Sim 07 / jul / 2015PCH Anil 2,08 Sim 08 / jul / 2015PCH Cajurú 7,20 Sim 08 / jul / 2015UHE Camargos 46,00 Sim 08 / jul / 2015UHE Gafanhanto 14,00 Sim 08 / jul / 2015UHE Itutinga 52,00 Sim 08 / jul / 2015PCH Joasal 8,40 Sim 08 / jul / 2015PCH Marmelos 4,00 Sim 08 / jul / 2015PCH Martins 7,70 Sim 08 / jul / 2015PCH Paciência 4,08 Sim 08 / jul / 2015PCH Peti 9,40 Sim 08 / jul / 2015UHE Piau 18,01 Sim 08 / jul / 2015PCH Poquim 1,41 Sim 08 / jul / 2015UHE Salto Grande 102,00 Sim 08 / jul / 2015PCH Santa Marta 1,00 Sim 08 / jul / 2015PCH Sumidouro 2,12 Sim 08 / jul / 2015UHE Três Marias 396,00 Sim 08 / jul / 2015PCH Tronqueiras 8,50 Sim 08 / jul / 2015UHE Jacuí 180,00 Sim 16 / nov / 2015UHE Passo Real 158,00 Sim 16 / nov / 2015UHE Canastra 44,80 Sim 07 / jul / 2015PCH Bugres 11,70 Sim 07 / jul / 2015PCH Ernestina 4,96 Sim 16 / nov / 2015PCH Capigui 4,47 Sim 16 / nov / 2015PCH Guarita 1,76 Sim 16 / nov / 2015PCH Herval 1,52 Sim 16 / nov / 2015PCH Santa Rosa 1,53 Sim 16 / nov / 2015PCH Passo do Inferno 1,49 Sim 16 / nov / 2015PCH Forquilha 1,12 Sim 16 / nov / 2015PCH Ijuizinho 1,12 Sim 16 / nov / 2015PCH Toca 1,00 Sim 07 / jul / 2015PCH Xavier 6,00 Sim 07 / jul / 2015PCH Catete 2,41 Sim 07 / jul / 2015UHE Paranapanema 31,50 Sim 07 / jul / 2015PCH Rio Novo 1,28 Sim 07 / jul / 2015

PCH Cel. Domiciano 5,04 Sim 07 / jul / 2015PCH Maurício 1,28 Sim 07 / jul / 2015PCH Ervália 6,97 Sim 07 / jul / 2015

Quatiara PCH Quatiara 2,60 Sim 07 / jul / 2015Vale Energ. PCH Pari 1,34 Sim 07 / jul / 2015

Jaguari PCH Macaco Branco 2,36 Sim 07 / jul / 2015DME PCH Antas I 4,78 Sim 07 / jul / 2015CPEE PCH Rio do Peixe 18,06 Sim 07 / jul / 2015

TOTAL 18.230,92

Zona da Mata

CHESF

FURNAS

CESP

COPEL

CELESC

CEMIG

CEEE

CENF

Santa Cruz

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30

Cabe destacar que, além das concessões listadas na Tabela 1, existem

outras usinas hidrelétricas que têm os prazos originais de suas concessões previstos

para terminarem em 2015. No entanto, tais usinas não estão listadas na Tabela 1,

pois ainda não passaram pelo processo da primeira prorrogação de sua concessão,

como por exemplo, a Usina Hidrelétrica - UHE São Simão com 1.710MW de

potência instalada, cuja concessão pertence à Companhia Energética de São Paulo

– CESP e para qual se prevê a obtenção de prorrogação do prazo contratual12.

Logo, 18.231MW de potência instalada a partir de usinas hidrelétricas, que já

tiveram suas concessões prorrogadas uma vez, estão passíveis de terem suas

outorgas extintas em 2015. Nota-se que esse total representa praticamente 20% da

capacidade instalada total do parque gerador de energia elétrica brasileiro13.

Destaca-se que a grande maioria do parque gerador hidrelétrico brasileiro

encontra-se sob controle de empresas estatais, principalmente com as estatais

federais, as empresas do grupo Eletrobrás (Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletrosul), e

com as estatais estaduais Copel, Cemig e Cesp. Tais usinas hidrelétricas foram

outorgadas através de concessões sob o regime de serviço público de geração de

energia elétrica, são não onerosas, e grande parte delas tem prazo de término

previsto para ocorrer a partir do ano de 2015.

A Figura 1 apresenta o montante de energia elétrica proveniente de

empreendimentos hidrelétricos com mais de 30MW de potência instalada

pertencentes à Chesf, Furnas, Copel, Cemig e Cesp cujas concessões, já

prorrogadas, terminarão na próxima década.

12 Acredita-se que a concessão da UHE São Simão seja prorrogada sem maiores dificuldades, por um período

adicional de 20 anos, caso a sua concessionária atenda às exigências regulamentares e cumpra todos os requisitos de fiscalização impostos pela Agência Reguladora. Esta primeira prorrogação é regularmente prevista na legislação pertinente e já foi fruída pelos empreendimentos hidrelétricos que estão apresentados na tabela.

13 Segundo dados da ANEEL, o Brasil possui no total 2.344 empreendimentos de geração de eletricidade em operação, gerando 113.369 MW de potência (ANEEL, 2011).

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31

-

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

18.000

20.000

Pot

ênci

a In

stal

ada

(MW

)

FURNAS 2.482 - 1.916 - - 2.082

CHESF 9.159 - - - - -

CEMIG 596 - - - - -

CESP 4.995 - - - - -

COPEL 260 - - - - -

2015 2016 2017 2018 2019 2020

FIGURA 1 - MONTANTE DE ENERGIA PROVENIENTE DE HIDRELÉTRICAS COM MAIS DE 30MW

OUTORGADAS A FURNAS, CHESF, CEMIG, CESP E COPEL, CUJO TÉRMINO DO PRAZO DA CONCESSÃO OCORRERÁ NA PRÓXIMA DÉCADA.

Nota-se que as maiores impactadas pelo problema, já no ano de 2015, são

as empresas Chesf, Furnas e Cesp.

5.3 CASOS CONCRETOS

A falta de um critério definido de destinação das concessões impacta

significativamente a dinâmica do setor elétrico brasileiro. Um bom exemplo desse

impacto foi a tentativa fracassada do governo de São Paulo em vender o seu

controle acionário na geradora de energia elétrica, a Companhia Energética de São

Paulo - Cesp, em 2008. O leilão de privatização fracassou devido ao risco em torno

das concessões das hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira, que têm sua extinção

prevista para ocorrer em 2015. Essas duas usinas representam aproximadamente

67% da capacidade instalada total da Cesp. O ocorrido destacou a importância de

se chegar a uma solução para esse problema e, desde então, o governo e

associações do setor vêm mobilizando grupos de trabalho para propor critérios

claros a serem aplicados para definição do destino a ser dado para as concessões

em 2015.

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32

Em 22 de junho de 2006, a Agência Nacional de Energia Elétrica, ao analisar

o pleito de prorrogação de algumas concessões de usinas hidrelétricas da

Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG não chegou a um entendimento

uniforme sobre o assunto por seus diretores e publicou documento intitulado “Visão

geral sobre o processo de prorrogação de concessões de geração no setor elétrico”,

que instrui o Processo Administrativo ANEEL sob n° 48500.004705/2000-92 e

encaminhou o processo ao Ministério de Minas e Energia conforme extrato

apresentado a seguir.

A Diretoria, vencido o Diretor Geral Jerson Kelman e o Diretor Romeu Donizete Rufino, decidiu aprovar o encaminhamento ao Ministério de Minas e Energia - MME de um conjunto de alternativas (devidamente instruídas e apontando suas vantagens e desvantagens) para decisão quanto aos Requerimentos de Prorrogação de Concessões formulados pela Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG para as centrais geradoras PCHs Pandeiros, Rio das Pedras, Poço Fundo, São Bernardo, Xicão e Luiz Dias, UHEs Emborcação e Nova Ponte, e CGH Santa Luzia, nos termos das opções a seguir sumarizadas:

I. deferir os Pedidos, prorrogando-se as concessões supra referidas pelo prazo de 20 anos, indistintamente, contados das datas de vencimento das respectivas outorgas, à semelhança do tratamento até aqui dispensado às usinas hidrelétricas destinadas a serviço público e alcançadas pelo art. 19 da Lei n° 9.074/9 5;

II. deferir os Pedidos, prorrogando-se as concessões acima identificadas pelo prazo estimado para a depreciação dos ativos reversíveis, limitado a 20 anos;

III. indeferir os Pedidos (total ou parcialmente, excluídas, se for o caso, as PCHs e a CGH), com a conseqüente reversão dos ativos para a União e posterior realização da(s) licitação(ões) de outorga da(s) respectiva(s) concessão(ões). Nesta hipótese, poderia o Poder Concedente prorrogar as concessões acima identificadas pelo prazo mínimo necessário à operacionalização dos procedimentos licitatórios preconizados no item 4.4 do “Modelo Institucional do Setor Elétrico” aprovado pela Resolução CNPE n° 09/03 (até dezembro /2007, por exemplo), bem assim à definição dos critérios para a reversão e a forma de indenização dos bens reversíveis;

IV. em qualquer das alternativas elencadas nos subitens I e II retro, poderia ainda o MME, adicional e complementarmente:

a) estabelecer que, ao término da vigência dos CCEAR celebrados a partir do leilão de energia existente, realizado em dezembro/2004, a energia assegurada das usinas com prazos de concessão prorrogados seja destinada ao Ambiente de Contratação Regulada - ACR;

b) valendo-se do permissivo constante do §1º do art. 4º da Lei n° 9.074/95, optar pela imputação da cobrança pelo Uso de Bem Público, em valor equivalente ao da Reserva Global de Reversão - RGR apurada para cada usina, a partir da extinção deste encargo, prevista para o final de 2010, conforme art. 8º da Lei n° 9.648/98.

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Nota-se que mesmo já havendo o precedente de terem havido outras

prorrogações de concessões de usinas hidrelétricas (para aquelas que possuíam tal

prerrogativa) e que, mesmo considerando que as usinas hidrelétricas constantes da

referida lista, objeto de análise pela diretoria da ANEEL, possuíam a prerrogativa de

serem prorrogadas, a diretoria da ANEEL cogitou e sugeriu ao Ministério de Minas e

Energia que se procedesse com a reversão dos ativos inerentes às concessões e

que se realizasse processo licitatório para a definição de novo concessionário. O que

esperar para as concessões que não possuem as prerrogativas de prorrogação e;ou

renovação então?

5.4 AGRAVANTE DO PROBLEMA (DESCONTRATAÇÃO DA ENERGIA NO

FINAL DE 2012)

Até o final do ano de 2003 tinha-se no setor elétrico brasileiro a figura dos

contratos de auto-suprimento de energia elétrica, que permitia que as empresas

distribuidoras se utilizassem de sua própria geração de eletricidade ou de contratos

bilaterais de comercialização de energia entre empresas geradoras,

comercializadoras e distribuidoras de eletricidade pertencentes ao mesmo grupo

econômico.

Após a implantação do novo modelo do setor elétrico, com o fim da figura

dos contratos de auto-suprimento de eletricidade, foram estruturados leilões de

energia para contratação do insumo disponível a partir dos empreendimentos de

geração já em operação. Tais leilões foram e são conhecidos como leilões de

energia existente ou leilões de energia velha.

Durante os anos de 2004, 2005 e 2006 foram realizados grandes leilões de

energia proveniente de empreendimentos existentes e em operação naquele

momento. Tais leilões deram origem a contratos de comercialização de energia entre

os concessionários de geração, detentores de concessões de empreendimentos

hidrelétricos em operação, e as diversas concessionárias distribuidoras de energia

elétrica atuantes no país e integrantes do Sistema Interligado Nacional - SIN.

Esse ambiente de contratação de energia, qual seja, aquele que ocorre pela

comercialização de energia através de leilões organizados pela Agência Reguladora,

com os concessionários detentores de empreendimentos de geração já em operação

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de um lado, como vendedores, e do outro lado com as empresas distribuidoras de

energia elétrica, reunidas através de um “pool” comprador, é chamado de Ambiente

de Contratação Regulada - ACR.

Os contratos de comercialização de energia que foram celebrados no ACR a

partir de 2004 têm como prazo de vigência o período de 8 (oito) anos. Portanto, os

contratos assinados em decorrência dos leilões de energia existente (energia velha)

começarão a ter seus prazos exauridos a partir do final do ano de 2012.

Dessa forma, existe hoje no setor elétrico brasileiro a necessidade de

recontratação de energia existente no ACR, a partir de 01 de janeiro de 2013, nas

quantidades aproximadas conforme segue:

- 9.000MW médios14 em 2013;

- 6.800MW médios em 2014; e

- 1.300MW médios em 2015.

Esse montante de energia que será descontratado até o ano de 2015

representa pouco mais de 20% do total da energia elétrica comercializada no Brasil,

sendo que, por óbvio, a maior parte desta energia é proveniente dos

empreendimentos que têm suas concessões com prazo de término previsto para

ocorrer na próxima década.

Praticamente todos os empreendimentos que possuem concessão com

prazo de término previsto para 2015 terão sua energia descontratada em 2012.

As questões que se apresentam para as concessões que terminarão em

2015 com o agravante da recontratação da energia velha a partir de 2012 são: como

os atuais concessionários se comprometerão em comercializar a energia

proveniente das usinas hidrelétricas que exploram se não sabem se continuarão a

serem detentores dos direitos sobre as mesmas após 2015? Caso o atual

concessionário comercialize novamente a energia proveniente das usinas

hidrelétricas que explora, pelo preço que entender conveniente, e caso a sua

concessão não venha a ser renovada e venha a ser licitada a outro concessionário,

o novo concessionário deverá assumir os contratos de comercialização de energia

então celebrados? Se a comercialização da energia proveniente dessas usinas

14 MW médio é unidade de energia e difere de MW, que é unidade de potência. Os 17.100MW médios, se

proveniente de usinas hidrelétricas, correspondem a uma potência de aproximadamente 30.000MW.

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hidrelétricas for realizada com valores não atrativos, em leilões de energia realizados

antes de 2015, a opção pela licitação para definição do novo concessionário não

ficaria prejudicada? A eventual licitação para definição de novo concessionário não

deveria se dar concomitantemente com a definição do novo período de venda da

energia, já em 2012? Se a União proceder à reversão dos ativos de uma usina que

comercializou mal a sua energia, a União assumirá os prejuízos decorrentes? Nesse

último caso, a União poderá requerer indenização do antigo concessionário? Se

houver a possibilidade do atual concessionário celebrar contratos de venda da

energia a ser gerada pelas usinas hidrelétricas no Ambiente de Contratação Livre,

diretamente para Consumidores Livres, a partir do final de 2012, o concessionário

poderá celebrar contratos com prazos que se estendam além de 2015? Em caso

afirmativo e caso haja alteração do concessionário, o novo agente assumirá a

prestação decorrente das obrigações de tais contratos?

Como visto, o montante de energia que está para ser descontratado a partir

do final de 2012 e como se proceder com a contratação desta energia agrava a

situação do problema do prazo final de vigência das concessões de usinas

hidrelétricas em 2015 e reforça a necessidade de uma definição urgente sobre a

destinação de tais concessões, para que se delineie também o destino da respectiva

energia a ser gerada pelos empreendimentos que estão em operação.

5.5 PECULIARIDADE DAS CONCESSÕES DE USINAS HIDRELÉTRICAS

Atualmente, a eletricidade gerada a partir de potenciais hidrelétricos é a que

apresenta os menores custos médios de produção dentre as opções técnica e

comercialmente disponíveis no Brasil.

Ademais, as grandes usinas hidrelétricas são empreendimentos que

possuem ganho de escala e, por conseqüência, são os que proporcionam os

menores valores de energia para o consumidor final.

Cabe salientar também que o menor custo da eletricidade para o consumidor

é obtido também, em especial, através de empreendimentos que já tiveram seus

investimentos amortizados, como é o caso das hidrelétricas que terão os seus

prazos de vigência por terminar em 2015, pois pela filosofia de funcionamento do

instituto da concessão, o prazo de sua vigência e o equilíbrio econômico-financeiro

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do contrato são estabelecidos de forma a se propiciar a amortização dos

investimentos realizados pelo concessionário.

Ocorre que as concessões de prestação de serviço público mediante a

exploração de bens públicos para a geração de eletricidade a partir de potenciais

hidráulicos, que se concretiza pela construção de usinas hidrelétricas, têm uma

peculiaridade, o que faz com que sua análise seja realizada de forma isolada. Esta

peculiaridade reside no fato de que o período de concessão é muito inferior ao

período de vida útil do empreendimento, o que possibilita novos períodos de

concessão para a prestação do serviço público mediante a exploração da mesma

obra pública e, principalmente, da utilização do mesmo bem público.

As questões que se apresentam então são: como operacionalizar esses

novos períodos de concessão? Quem será o concessionário nesses novos

períodos? Qual é o prazo de exploração da prestação do serviço público desse novo

período de concessão? É constitucional que estes bens públicos permaneçam para

sempre na posse de um mesmo concessionário? Qual é o valor justo de venda da

energia proveniente dessas usinas que possuem ganho de escala e que já tiveram

os seus ativos depreciados e seus investimentos amortizados? Como fazer com que

os consumidores e contribuintes, que efetivamente arcaram com o custo da

construção desses empreendimentos no passado e que também são os legítimos

proprietários dos bens públicos explorados usufruam, agora, dos benefícios desses

ativos já depreciados e dos investimentos já amortizados?

Essas peculiaridades influenciam e devem ser levadas em conta na

formulação de uma solução para o problema.

5.6 AS TRÊS PRINCIPAIS OPÇÕES QUE SE COGITAM PARA A SOLUÇÃO DO

PROBLEMA E A SUA FORMA DE OPERACIONALIZAÇÃO

Atualmente, legisladores, doutrinadores e especialistas do setor elétrico

discutem a elaboração de leis que venham a regulamentar e a permitir a renovação

das concessões que irão terminar em 2015 para os seus atuais concessionários por

mais um período de fruição, tendo em vista os interesses públicos envolvidos e o

sopesamento de princípios constitucionais em aparente colisão, mas também

discutem a respeito de leis que venham a disciplinar a reversão dos ativos inerentes

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à tais concessões e a realização de processos licitatórios para definição de novos

concessionários. Ambos os casos, além de outros que se cogitam, necessitam de

elaboração de legislação e de regulamentação que os oficialize.

É primordial que a legislação que venha a oficializar a opção adotada pelo

Poder Concedente para solucionar a questão, seja ela qual for, seja validada pelo

Supremo Tribunal Federal e tida como constitucional para que se assegure a

estabilidade e a continuidade da prestação dos serviços públicos e do uso dos bens

públicos atrelados às concessões (os potenciais hidrelétricos).

É necessário destacar que a solução para essa questão deve se basear no

princípio fundamental que rege as atividades da administração pública e que norteia

também o instituto da concessão, qual seja, o princípio da prevalência do interesse

público.

Há que se deixar claro que a melhor defesa do interesse público não é

aquela realizada de última hora e às pressas, mas sim aquela realizada

conscientemente e de forma planejada.

Por isso, a solução para a questão da renovação das concessões para o

atual detentor, ou não, com a reversão dos ativos e operacionalização de um

processo licitatório para a definição de um novo concessionário para os

empreendimentos existentes de geração de energia hidrelétrica têm que se dar com

antecedência e precedida de amplo debate sobre a questão para, efetivamente, se

alcançar a melhor solução para a questão, solução esta que deve ser aderente aos

princípios constitucionais ora vigentes e com o mais legítimo interesse público da

população brasileira.

Portanto, necessita-se, conforme previsto na Constituição Federal (parágrafo

único do artigo 175) e de forma tempestiva, que a lei disponha sobre a prorrogação,

caducidade, rescisão, e também sobre a reversão de ativos e realização de

licitações para as concessões de prestação de serviço público mediante o uso de

bens públicos por empreendimentos de geração de hidreletricidade já em operação.

Art. 175...

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

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I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

Note-se que a renovação das concessões não é prevista na Constituição

Federal de 1988, que prevê apenas que a lei disciplianará a prorrogação (e não a

renovação) das concessões. O contrário do que acontece para o caso das

concessões de comunicação social, onde a Constituição prevê expressamente a

renovação e os prazos limites de sua duração (artigo 223 e parágrafos).

Título VIII – Da Ordem Social

Capítulo V – Da Comunicação Social

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. (grifo nosso)

Para a opção que se cogita, então, sobre a renovação das concessões para

os atuais concessionários das usinas hidrelétricas, existem autores que defendem

que para sua oficialização será necessário se proceder à emendas Constitucionais.

Sendo assim, a formulação do problema a ser abordado no trabalho de

conclusão de curso é a decisão que o Governo Federal terá de tomar, em sintonia

com a ordem constitucional pós 1988, sobre: i) renovação das concessões das

usinas hidrelétricas para os atuais concessionários (emenda constitucional); ou ii)

reversão dos ativos das usinas hidrelétricas e assunção dos serviços públicos pela

própria União (nova lei); ou iii) reversão dos ativos das usinas hidrelétricas e a

realização de licitação para definição de um novo concessionário (nova lei).

5.7 PRECEDENTES, LEGALIDADE, MOTIVAÇÃO, IGUALDADE E SEGURANÇA

JURÍDICA

Precedentes não vinculam as decisões do Poder Concedente. Não existem

normas determinando que o Poder Concedente deve seguir suas decisões passadas

de maneira vinculante.

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No entanto, tanto as decisões do Poder Concedente, quanto as do Poder

Executivo em geral, em todas as suas esferas, submetem-se à lei (princípio da

legalidade).

A Constituição Federal, por sua vez, dispõe sobre o princípio da isonomia,

que significa que a lei deve ser aplicada igualmente a todos os entes, indivíduos e

organizações.

A Administração Pública não deve tomar decisões arbitrariamente, porque a

ordem jurídica dispõe que ela deve justificar todas suas decisões (princípio da

motivação).

Portanto, o que o Governo Federal decidir sobre o destino das concessões,

findo o prazo contratual, será, ou pelo menos deverá ser aplicado a todas as

concessões de geração de hidreletricidade, independentemente do ano de outorga

ou da figura do concessionário.

O que se acredita poder haver é um tratamento diferenciado para diferentes

tipos de concessões. O tratamento deve ser igualitário, isonômico (tratar igualmente

quem é igual e diferentemente quem é diferente – princípio da igualdade).

Assim, por exemplo, concessões de serviço público podem ter disciplina

diferente das concessões de uso do bem público. As concessões de usinas

hidrelétricas podem ter disciplina diferente das concessões de rodovias. As

concessões para o serviço público de distribuição de energia elétrica podem (e

devem) ter tratamento diferenciado em relação as concessões de geração de

eletricidade. As concessões de geração de eletricidade através de hidrelétricas

podem ter disciplina diferente daquela aplicada à termelétricas a combustível

nuclear. E assim por diante. Devem ser diferenciados os diversos tipos de

concessões.

No entanto, acredita-se que as concessões de mesmo tipo têm,

necessariamente, que ter a mesma disciplina legal para que se garanta a segurança

jurídica do instituto da concessão e dos serviços de eletricidade de uma forma geral

(princípio da segurança jurídica).

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Desta forma, o que for decidido para as concessões de usinas hidrelétricas

que terminam em 2015 deverá ser aplicado também para as demais concessões de

hidrelétricas.

5.8 ABRANGÊNCIA DO ESCOPO DO PRESENTE TRABALHO

No presente trabalho são apresentados estudos referentes ao destino das

concessões para prestação do serviço público mediante o uso de bem público para

geração de eletricidade através da exploração de potenciais hidráulicos localizados

em cursos d’água no Brasil.

São abrangidas as chamadas Concessões de Serviço Público, Concessões

para Prestação de Serviço Público e Concessões de Uso do Bem Público para

geração de hidreletricidade.

O estudo analisa as concessões de usinas hidrelétricas outorgadas para as

figuras de Concessionários de Serviço Público, Produtores Independentes de

Energia Elétrica e para Autoprodutores de Energia Elétrica.

A diferenciação de conceito e a definição desses tipos, formas e regimes de

concessões, bem como das figuras e formas de estruturação dos concessionários

prestadores do serviço público, serão apresentados adiante.

São analisados todos os tipos, formas e regimes de concessões para

prestação do serviço público listadas acima, por se entender que, a princípio, todos

devem ter sua disciplina legal definida, conjuntamente, em um futuro próximo,

quanto ao seu destino, advento do termo contratual, período de vigência,

prorrogação e eventual renovação.

Além disso, cabe destacar que, aparentemente, a legislação publicada após

1995 pretendeu extinguir a figura do Concessionário de Serviço Público na geração

de eletricidade, substituindo-o pela figura do Produtor Independente de Energia

Elétrica. Nesse sentido, acredita-se que a tendência é de que, em um futuro

próximo, caso não ocorram novas mudanças estruturais no modelo do setor elétrico,

somente persistam as figuras do Produtor Independente de Energia Elétrica e a do

Autoprodutor de Energia Elétrica, quanto às figuras dos concessionários detentores

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de direitos de exploração de concessões para prestação do serviço público de

geração de eletricidade no Brasil.

5.9 EXCLUSÃO DO ESCOPO DO PRESENTE TRABALHO

Estão excluídas do escopo deste trabalho as concessões para transmissão e

distribuição de energia elétrica.

Isto, por se entender que as atividades de transmissão e distribuição de

energia elétrica são serviços públicos altamente regulados pela Agência Reguladora

e pelo Poder Concedente, além do fato de se consubstanciarem em atividades

típicas de monopólios naturais, onde a característica da exclusividade pode constar

dos referidos contratos administrativos de concessão.

Diversos autores entendem que as atividades de transmissão e distribuição

de energia elétrica são monopólios naturais, conforme segue.

A distribuição de energia elétrica é um serviço público que tem caráter de monopólio natural, uma vez que não seria conveniente, quer sob o ponto de vista econômico, quer sob ponto de vista de agressão ao meio ambiente urbano ou rural, a construção de redes de distribuição de diversas concessionárias para suprimento de uma mesma área. A Lei 8.987/95 dispõe, em seu art. 16, que a outorga de permissão ou concessão não terá caráter de exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica. A ressalva vale, pelo exposto, para as concessões de distribuição de energia elétrica (CALDAS, 2004, pg. 175).

Ocorre ainda que, nos serviços de transmissão e distribuição de eletricidade,

serviços públicos com características de monopólio natural, a eficiência dos serviços

e a vantajosidade para com o Estado-sociedade, para os usuários, e para a

Administração Pública, obtêm-se através da forte regulamentação e atuação da

Agência Reguladora na fiscalização da prestação de tais serviços, sendo que a

modicidade tarifária não necessariamente será alcançada através de processo

licitatório de escolha de novo concessionário quando do advento do termo contratual

e da inerente extinção da concessão.

No entanto, haverá situações em que a situação do monopólio jurídico, derivada da natureza do serviço público, será acompanhada

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da natureza econômica de monopólio natural (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 179).

O conceito de monopólio natural não é jurídico, mais foi desenvolvido no âmbito da Economia. Configura-se nos casos em que a instauração de concorrência no desenvolvimento de uma certa atividade produziria a inevitável elevação do preço para o consumidor. Tal se passa nos casos em que o oferecimento da utilidade pressupõe a exploração de uma infra-estrutura cuja duplicação é extremamente onerosa (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 179).

Em tese, por tanto, a existência de uma única empresa nos setores de monopólio natural reflete a solução economicamente mais eficiente e mais satisfatória para os usuários –os quais terão acesso às utilidades de que necessitam por preços inferiores aos que seriam praticados se houvesse mais de uma empresa (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 180).

Então, há uma lei econômica que conduz a uma decorrência inafastável: a menor tarifa possível, sob o prisma econômico, será obtida pela prestação do serviço público em regime de exclusividade, quando existente um monopólio natural. Daí derivam inúmeras consequências, ainda no âmbito econômico. Três delas merecem destaque (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 181).

A primeira consiste em que a duplicação de infra-estruturas, na hipótese de monopólio natural, caracteriza alocação ineficiente de recursos. Traduz uma solução inadequada sob o prisma do sistema econômico em seu todo. Acarreta uma espécie de desperdício da riqueza nacional, eis que deixam de ser aplicados recursos escassos em outros setores, os quais poderiam produzir efeitos muito mais satisfatórios (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 181).

Por fim, a situação de ineficiência econômica da solução da competição gera a tendência à monopolização. Há enorme probabilidade de que o funcionamento espontâneo do mercado conduza à situação de monopólio, por meio da exclusão do agente econômico menos eficiente. Enfim, não há forma de assegurar a manutenção de uma situação de desequilíbrio (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 181).

Assim colocada a questão sob o prisma econômico, verifica-se a ausência de alternativa jurídica. Por efeito dos princípios norteadores da atuação do Estado, é imperiosa a adoção da solução que traduza maiores benefícios para a comunidade em seu todo para os usuários em especial. Não é incompatível com a Constituição que o poder concedente resolva configurar uma concessão competitiva num setor de monopólio natural. Isso equivale a infringir o conhecimento técnico-científico e consagrar disciplina jurídica que conduzirá ao desastre, à falha, ao defeito (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 182).

Não é necessário invocar o dito princípio da eficiência para combater alternativa tal como a ora combatida. O princípio da República impede que o Estado realize opção dessa ordem, que propiciará significativo risco de sacrifício das riquezas nacionais e de lesão ao interesse dos usuários (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 182).

Monopólio natural é uma situação econômica em que a duplicação de operadores é incapaz de gerar a redução do custo da utilidade. O monopólio natural envolve, geralmente, as hipóteses de custos fixos (atinentes à infraestrutura necessária à produção da utilidade) muito elevados. A duplicação das infraestruturas conduziria a preços unitários mais elevados do que a exploração por um único agente

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econômico. Ou seja, quanto maior o número de usuários do sistema, menor o custo para fornecer outras prestações (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 713).

Nos casos de monopólio natural, a exploração econômica mais eficiente é aquela desenvolvida por um único operador. A existência de dois operadores conduz à redução da participação de cada um deles no mercado e gera preços mais elevados (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 713).

Os exemplos de monopólios naturais são os serviços prestados em rede, tal como a energia elétrica, a telefonia fixa, a distribuição de água e coleta de esgoto, as ferrovias etc. (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 713).

A conclusão pela natural renovação das concessões para os serviços de

transmissão e de distribuição de energia elétrica é decorrente do entendimento de

que se tratam, essencialmente, da prestação de serviços públicos através do regime

jurídico estrito de uma concessão de serviço público a ser prestado por um

Concessionário de Serviço Público e dado o alto grau de regulação ao qual a

prestação desses serviços está sujeita. Tais serviços públicos poderiam até mesmo

virem a ser delegados (e não outorgados), afirmação que se faz sem um

aprofundamento jurídico, por não ser objeto de estudo no presente trabalho.

Salienta-se apenas que a prestação dos serviços públicos de transmissão e

de distribuição de energia elétrica não se dá em um ambiente competitivo e de livre

exploração, pelo contrário, ocorre em um ambiente altamente regulado, onde

qualquer que seja o agente detentor da concessão para prestação desses serviços

públicos haveria de prestá-los com as mesmas características, principalmente sob a

ótica de fiscalização da Agência Reguladora. O Concessionário de Serviço Público

que presta tais serviços é remunerado através de receita anual permitida para o

caso da transmissão de energia elétrica ou mediante tarifa, para as concessionárias

de distribuição de energia elétrica. A remuneração de ambos concessionários é

fixada e reajustada pela Agência Reguladora e arcada pelos usuários do serviço

público. Tais serviços, ao serem regulados e fiscalizados, seguem um mesmo

protocolo, independentemente do concessionário que presta o serviço público. Não

há competitividade no exercício dessa prestação de serviço. Há mera prestação de

um serviço público regulado.

Há que se destacar também a diferença essencial existente entre as

concessões de transmissão e de distribuição de energia elétrica prestadas por um

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Concessionário de Serviço Público, frente às concessões para prestação do serviço

público de geração de hidreletricidade exploradas sob o mesmo rótulo

(Concessionário de Serviço Público). As concessões para transmissão e distribuição

de energia elétrica são outorgadas para a mera prestação de serviço público, já as

concessões para geração de hidreletricidade, além da prestação do serviço público

de geração de eletricidade, necessitam, essencialmente e de forma assessória, não

apenas da exploração de uma obra pública, mas de um uso de um bem público, a

exploração dos potenciais hidráulicos, que são constitucionalmente considerados

bens de propriedade da União.

As concessões de uso de um bem público são e devem ser diferenciadas

daquelas onde há mera prestação de um serviço público. Da mesma forma, as

concessões para a prestação de serviço público mediante a construção de obra

pública e diferente e uma concessão cumulada com o uso de um bem público. A

concessão para construção de obra pública cumulada com a utilização de um bem

público deve ser e é diferenciada das demais concessões citadas. A diferença

essencial é o fato de haver, na Concessão de Serviço Público de geração de energia

hidrelétrica, a exploração de um bem público como acessória à prestação do serviço

público e inerente à própria obra pública.

Acredita-se que as concessões para prestação de serviço público que se

operacionalizam pela exploração de um bem público devem ter uma disciplina

específica.

Para a prestação dos serviços de transmissão e de distribuição de energia

elétrica não se visualiza a extinção da figura do Concessionário de Serviço Público,

contrariamente ao que se visualiza para as concessões de exploração de usinas

hidrelétricas.

Entende-se que, para os casos das concessões de transmissão e de

distribuição de energia elétrica deve haver um prazo de vigência para a concessão,

em cujo término, a Agência Reguladora deve, a seu exclusivo critério, porém de

forma motivada e justificada, optar discricionariamente pela renovação ou pela

extinção da outorga de concessão, ou mesmo pela delegação da prestação de tais

serviços. Isso, sem prejuízo da possibilidade de serem aplicados os institutos da

rescisão, caducidade, encampação e anulação de tais concessões/delegações.

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Em suma, entende-se que as concessões para prestação dos serviços

públicos de transmissão e de distribuição de energia elétrica outorgadas sob o

regime de prestação de serviço público para Concessionários de Serviço Público

podem ser naturalmente prorrogadas, renovadas, e/ delegadas a critério do Poder

Concedente e estão excluídas da análise realizada no presente estudo.

Acredita-se que esse entendimento é correto tendo em vista que o Conselho

Nacional de Política Energética - CNPE, na Resolução CNPE nº 4, de 13 de maio de

2008, deliberou o que segue: “Determina a criação do Grupo de Trabalho com o

objetivo de elaborar estudos, propor condições e sugerir critérios aplicáveis à

situação das Centrais de Geração Hidrelétricas amortizadas ou depreciadas”. Donde

conclui-se que o real problema das concessões que terão prazo de vigência por

terminar em 2015 está concentrado nas usinas hidrelétricas e não nas outras

concessões, de outros serviços públicos, que também terão prazo de vigência por

terminar, coincidentemente, no mesmo ano.

Pelas características peculiares, portanto, das concessões de usinas

hidrelétricas, em vista das outras concessões para os serviços de eletricidade, é que

se aprofundou, neste trabalho, no estudo apenas deste tipo de concessão.

Não se abordará, desta feita, neste trabalho:

(i) a questão da primeira prorrogação do período de vigência das

concessões para prestação do serviço público de geração de energia elétrica

mediante a construção de usinas hidrelétricas, para aquelas concessões que

possuem esta prerrogativa, por se entender que esse assunto está legalmente

previsto e já está pacificado;

(ii) a destinação das concessões de usinas termelétricas que terão seus

prazos de vigência terminando em data coincidente com a das usinas hidrelétricas

na próxima década. Isto, por se entender que o regime jurídico a que deveriam estar

submetidas essas usinas termelétricas, para a prestação do serviço público de

geração de energia elétrica, é o regime jurídico de autorização, e não o regime

jurídico de concessão, como atualmente são exploradas. Entende-se que, ao final do

prazo de vigência das concessões das usinas termelétricas, o instrumento de

outorga para prestação desse serviço público deverá ser adequado, ou seja, que tais

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empreendimentos devem ter sua concessão extinta e devem ser objeto de outorga

de autorização para a prestação do serviço público. Acredita-se que a referida

autorização para prestação do serviço público de geração de eletricidade pela

exploração de uma usina termelétrica poderia ser outorgada pelo Poder Concedente

para o mesmo agente que explora o respectivo empreendimento atualmente.

Naturalmente, essa outorga de autorização será condicionada ao requerimento pelo

agente interessado. No entanto, para se operacionalizar esse processo, deverá ser

disciplinada a questão da reversão em prol da União, ou não (tendo em vista que,

essencialmente, sempre se tratou de uma autorização, apenas travestida de

concessão, e que seus ativos não são e nunca foram bens públicos), dos ativos

relacionados à concessão a ser extinta. No entanto, se os ativos vierem a ser

revertidos para a União, dever-se-ia proceder à cessão ou arrendamento de tais

ativos para o agente interessado. Destaca-se, entretanto, que tais proposições

referentes ao destino das concessões das usinas termelétricas são apenas

indicativas, visto não serem objeto de análise no presente trabalho.

(iii) as concessões dos serviços públicos de transmissão e de distribuição de

energia elétrica. Isto, por se entender que essas concessões podem ser renovadas

por se tratarem de monopólio natural. Tal renovação deve, obviamente, ser

condicionada à prestação dos serviços a contento e de acordo com os critérios de

fiscalização da Agência Reguladora.

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6. OBJETIVOS

6.1 OBJETIVO GERAL

Com as várias concessões de usinas hidrelétricas com prazos de vigência

previstos para terminar a partir de 2015 existe, atualmente, um impasse em como: (i)

aplicar as determinações constitucionais e infraconstitucionais para a continuidade

do suprimento de energia elétrica à nação; (ii) alcançar-se mais rapidamente à

almejada modicidade tarifária; e (iii) afugentar as incertezas jurídicas que rondam o

instituto das concessões no setor elétrico nacional.

O objetivo geral do trabalho de conclusão do curso é apresentar subsídios e

fomentar o debate em torno do assunto, no sentido de se auxiliar na obtenção de

uma definição para a questão da destinação das concessões de usinas hidrelétricas

após o término do seu prazo de vigência.

Acredita-se que, dentre as opções que existem para solucionar a questão,

aquela que, de forma legítima, estiver mais aderente aos diversos interesses

públicos relacionados, provavelmente será a opção que apresentará maior sintonia

com os preceitos fundamentais constantes da ordem constitucional vigente no Brasil

após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e,

desta forma, poderá ser aplicada de forma a garantir a ordem e o progresso para a

nação brasileira.

6.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O trabalho de conclusão de curso tem os seguintes objetivos específicos:

- levantar os conceitos de bem público;

- levantar os conceitos de serviço público;

- levantar os conceitos de concessões de serviço público e de uso do bem

público;

- levantar os conceitos de concessões de serviço público e de uso do bem

público;

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- avaliar qual o tipo de concessão é o mais indicado para a implantação e

exploração de usinas hidrelétricas;

- analisar as propostas para a solução do problema (renovação das

concessões) atualmente em tramitação no Congresso Nacional;

- avaliar a solução dada à questão por outros países;

- levantar prós e contras de cada uma das soluções que se cogitam;

- auxiliar na decisão que se tomará em um curto prazo de tempo sobre a

destinação das concessões de usinas hidrelétricas no Brasil;

- dar subsídios jurídicos, técnicos, históricos, econômicos e financeiros no

sentido de fomentar a discussão para a adoção da melhor solução para o problema

em pauta;

- defender, com veemência, que a definição para a questão deve se dar de

forma constitucional, sob pena de não se garantir a estabilidade e a segurança

jurídica necessárias à obtenção de ordem e progresso no Brasil.

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7. PODER E ENERGIA

A abordagem sobre o tema das concessões de usinas hidrelétricas nos

remete a uma reflexão sobre o Poder e sobre sua titularidade e exercício.

A primeira vista a afirmação acima pode parecer descabida. Mas se

pensarmos que as usinas hidrelétricas se utilizam de um bem público (os potenciais

hidráulicos), que, em uma República, pertencem a todas as pessoas que a habitam

e que, uma vez organizadas, são as legítimas detentoras do poder existente nesta

República e, por conseguinte, são as legítimas detentoras do poder de decisão

sobre a destinação de tais bens, tal afirmação começa a fazer sentido.

Isto, somado ao fato de que a geração da energia elétrica, neste tipo de

empreendimento, presta-se à disponibilização de um serviço público que visa a

dignidade da pessoa humana, de interesse de toda coletividade, grupo este

praticamente coincidente com o conjunto de pessoas que são as legítimas

proprietárias dos bens públicos explorados, entenda-se, que possuem todos os

poderes sobre os bens públicos em usufruto, a idéia contida na afirmação acima faz,

então, todo o sentido.

Cabe destacar, desde logo, que os legítimos detentores de direitos (povo

brasileiro) sobre os bens públicos explorados nas usinas hidrelétricas do Brasil são

também os destinatários e aqueles que se beneficiam, ou melhor, que deveriam

poder se beneficiar das utilidades geradas pela eletricidade, como usuários deste

serviço público.

No entanto, os legítimos proprietários dos bens públicos explorados nas

usinas hidrelétricas não são os atores políticos que detém a autonomia e o poder de

deliberar em nível legislativo, administrativo e jurisdicional sobre a melhor destinação

a ser dada para tais bens.

Neste sentido, defende-se, com veemência, que aqueles que detêm o poder

de decidir sobre a destinação e utilização dos bens públicos explorados nas usinas

hidrelétricas, o Estado-poder (agentes políticos), devam observar, necessariamente,

a vontade daqueles que são os legítimos proprietários de tais bens públicos no

Brasil, o Estado-sociedade (povo brasileiro), vontade esta que está consagrada nos

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princípios e nas garantias e direitos fundamentais constantes da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988.

Explorar-se-á a idéia de poder aplicada às concessões de usinas

hidrelétricas nos próximos parágrafos, através das lições de doutrinadores já

consagrados no ramo do direito e da filosofia jurídica.

7.1 PODER

Poder. Segundo José Nivaldo Junior, “nada exerce mais atração sobre os

seres humanos do que essa palavra mágica. Nenhuma paixão é mais duradoura,

nenhuma parceria mais estreita” (NIVALDO JUNIOR, 2009, pg. 23).

Segundo Norberto Bobbio, em seu Dicionário de Política, “em seu significado

mais geral, a palavra Poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de

produzir efeitos” (BOBBIO, 1998, pg. 933)

As pessoas, individualmente consideradas, possuem pouco poder quando

em comparação com o maior poder que poderiam ter se fossem consideradas em

sua coletividade.

Afirma-se, tradicionalmente, que determinado Estado tem poder, exatamente

porque é formado pela coletividade das pessoas que o habitam. Mas, como surge

este poder? Vejamos as idéias do ilustre doutrinador Carlos Ari Sundfeld.

Os seres humanos não vivem sós. A convivência, seja dos indivíduos no interior desses grupos; seja de cada grupo com os demais, depende de um fator essencial: da existência das regras estabelecendo como devem ser as relações entre todos. Em uma palavra: a convivência depende da organização (SUNDFELD, 2006, pg. 19).

Para existirem tais regras, alguma força há de produzi-las; para permanecerem, alguma força deve aplicá-las, com a aceitação dos membros do grupo. A essa força, que faz as regras e exige o seu respeito, chama-se poder (SUNDFELD, 2006, pg. 20).

O poder é estudado por diversos autores e há muito tempo.

Marçal Justen Filho, em seu Curso de Direito Administrativo, trabalha a idéia

de poder utilizando-se, também, de estudos prévios de outros autores. Sobre o

poder, este conceituado doutrinador, através de idéias de outros autores, nos dá

uma diretriz:

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Hannah Arendt afirmou que “... é o suporte do povo que produz o poder das instituições de um país, e esse suporte é nada além do que a continuação do consentimento que produziu o surgimento das leis. Todas as instituições políticas são manifestações e materializações de poder; elas se petrificam e entram em decadência tão logo o poder existente do povo cessar de dar-lhes suporte” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 06).

E acrescentou que “Poder corresponde à habilidade humana não apenas de agir, mas de agir em concerto. Poder nunca é a propriedade de um único sujeito; pertence ao grupo e permanece existindo somente enquanto o grupo permanece junto. Quando nós dizemos de alguém que ele está ‘no poder’, nós realmente nos referimos a ele como recebendo o poder de um certo número de pessoas para agir em nome delas...” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 06).

Marçal Justen Filho apresenta um resumo de tais idéias na afirmação de que

“o poder surge sempre quando as pessoas se reúnem e atuam em concerto” e que,

“quanto mais amplo o consenso, tanto maior é o poder gerado” (JUSTEN FILHO,

2010, pgs. 06 e 07).

Norberto Bobbio, no Dicionário de Política, em sua definição de Poder,

acrescenta:

Se o entendermos em sentido especificamente social, ou seja, na sua relação com a vida do homem em sociedade, o Poder torna-se mais preciso, e seu espaço conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, até à capacidade do homem em determinar o comportamento do homem: Poder do homem sobre o homem. O homem é não só o sujeito, mas também o objeto do Poder social... Por outro lado, não é Poder social a capacidade de controle que o homem tem sobre a natureza nem a utilização que faz dos recursos naturais. Naturalmente existem relações significativas entre o Poder sobre o homem e o Poder sobre a natureza ou sobre as coisas inanimadas. Muitas vezes, o primeiro é condição do segundo e vice-versa. Vamos dar um exemplo: uma determinada empresa extrai petróleo de um pedaço do solo terrestre porque tem o Poder de impedir que outros se apropriem ou usem aquele mesmo solo. Da mesma forma, um Governo pode obter concessões de outro Governo, porque tem em seu Poder certos recursos materiais que se tornam instrumentos de pressão econômica ou militar. Todavia, em linha de princípio, o Poder sobre o homem é sempre distinto do Poder sobre as coisas. E este último é relevante no estudo do Poder social, na medida em que pode se converter num recurso para exercer o Poder sobre o homem (BOBBIO, 1998, pgs. 933 e 934).

A definição de Hobbes, tal como se lê no capítulo décimo do Leviatã, é a seguinte: “O poder de um homem... consiste na posse dos meios de alcançar alguma aparente vantagem futura”. Não é diferente, por exemplo, o que Gumplowicz afirmou: que a essência do Poder “consiste na posse dos meios de satisfazer as necessidades humanas e na possibilidade de dispor livremente de tais meios”. Em

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definições como estas o Poder é entendido como algo que se possui: como um objeto ou uma substância — observou alguém — que se guarda num recipiente. Contudo, não existe Poder, se não existe, ao lado do indivíduo ou grupo que o exerce, outro indivíduo ou grupo que é induzido a comportar-se tal como aquele deseja (BOBBIO, 1998, pg. 934).

E Paulo Bonavides, em seu livro intitulado Ciência Política, arremata com a

inter-relação do Poder com a competência para tomada de decisões em nome da

coletividade.

Elemento essencial constitutivo do Estado, o poder representa sumariamente aquela energia básica que anima a existência de uma comunidade humana num determinado território, conservando-a unida, coesa e solidária (BONAVIDES, 2000, pg. 133).

Autores há que preferem defini-lo como “a faculdade de tomar decisões em nome da coletividade” (Afonso Arinos) (BONAVIDES, 2000, pg. 133).

Com o poder se entrelaçam a força e a competência, compreendida esta última como a legitimidade oriunda do consentimento (BONAVIDES, 2000, pg. 133).

7.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE PODER, FORÇA, POTÊNCIA, ENERGIA,

ELETRICIDADE, SOBERANIA, ESTADO E DIGNIDADE HUMANA

Qual é a semelhança ou a inter-relação entre poder estatal e energia? Aliás,

existe alguma relação? Apresentar-se-á, a seguir, algumas idéias tendentes a

relacionar o poder estatal, o domínio da força e dos recursos energéticos de uma

nação e o bem-estar de sua população.

Do Dicionário Brasileiro Contemporâneo Ilustrado, de Francisco Fernandes,

extrai-se que:

O verbo transitivo “poder” significa ter a faculdade ou possibilidade de; ter autorização para; ter capacidade para; ter força bastante para; ter ocasião de; ter calma ou paciência para; ter força bastante para (FERNANDES, 1965, pg. 841).

O verbo intransitivo “poder” significa ter força física ou moral; dispor de valimento, influência (FERNANDES, 1965, pg. 841).

O verbo relativo “poder” significa ter força, robustez, capacidade para suspender, aguentar, suportar (FERNANDES, 1965, pg. 841).

O substantivo masculino “poder” significa possibilidade, faculdade, vigor, capacidade autoridade, soberania, domínio, governo do Estado, posse, eficácia, virtude, recurso, meios, grande quantidade (FERNANDES, 1965, pg. 841).

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É considerado poderoso aquele ou aquilo que tem poder físico ou moral, que tem poderio, que exerce o mando, influente, rico, intenso, que produz grande efeito, que demove (FERNANDES, 1965, pg. 841).

Destaca-se que Deus é considerado Todo-Poderoso (FERNANDES, 1965, pg. 841).

Nota-se que o poder está intimamente relacionado com a força e com a

capacidade de produzir grandes efeitos. Nesse diapasão, mister destacar que a

energia tem esta capacidade de produzir grandes efeitos, em especial a energia

elétrica, que pode ser transformada em trabalho, força, calor, ou qualquer outro

efeito imediata e eficazmente.

Do Dicionário Brasileiro Contemporâneo Ilustrado, de Francisco Fernandes,

também obtemos o conceito da expressão “força”:

O substantivo feminino “força” quer dizer faculdade de operar, de mover-se, poder de ação física. Da mecânica é causa capaz de produzir movimento ou alteração dele, vigor muscular, robustez, energia, impulso, violência, auge, intensidade, abundância, motivo, causa, esforço, necessidade, autoridade, a parte mais numerosa, o grosso, contingente militar, destacamento, energia moral, destreza (FERNANDES, 1965, pg. 523).

Também é colhido do Dicionário Brasileiro Contemporâneo Ilustrado, de

Francisco Fernandes, o conceito de energia:

O substantivo feminino “energia” quer dizer capacidade, que tem um corpo de realizar algum trabalho, maneira como se exerce uma força, atividade, força moral, vigor, força de vontade, firmeza, qualidade do que é enérgico (FERNANDES, 1965, pg. 429).

Na engenharia a capacidade de fornecer energia é medida através da potência (FERNANDES, 1965, pg. 429).

Da mesma obra de Francisco Fernandes, obtêm-se uma definição de

potência:

O substantivo feminino “potência” quer dizer poder, força, vigor, robustez, qualidade do que é potente, energia, autoridade, poderio, conjunto de aptidões ou elementos próprios para pro duzir um ser ou um ato, estado ou nação soberana , vigor genésico, pessoa de grande importância e influência, força aplicada à realização de certo efeito. Da física é força produzida por uma máquina na unidade de tempo (FERNANDES, 1965, pg. 853). (grifo nosso)

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Assim, diz-se que uma nação poderosa é uma potência mundial, por

exemplo. Isto, considerando o referido poder em todas as suas vertentes:

econômica, militar, intelectual, dentre outras.

Segundo Paulo Bonavides:

A soberania, que exprime o mais alto poder do Estado, a qualidade de poder supremo (suprema potestas), apresenta duas faces distintas: a interna e a externa (BONAVIDES, 2000, pg. 138).

A soberania interna significa o imperium que o Estado tem sobre o território e a população, bem como a superioridade do poder político frente aos demais poderes sociais, que lhe ficam sujeitos, de forma mediata ou imediata (BONAVIDES, 2000, pg. 138 e 139).

A soberania externa é a manifestação independente do poder do Estado perante outros Estados (BONAVIDES, 2000, pg. 139).

Temos ainda que, no idioma inglês, a palavra “Power” significa poder, mas

também significa força, potência, energia, dependendo do contexto onde ela é

empregada.

Mesmo no idioma português a palavra energia pode ser utilizada no sentido

de força, potência. De uma forma geral pode-se afirmar que quem tem energia, tem

força, tem poder. A recíproca também é tida como verdadeira, neste sentido, quem

tem poder, tem força, energia. Nota-se que, mesmo sem considerar o estrito sentido

técnico de cada uma das expressões apresentadas, todas se apresentam inter-

relacionadas com a noção de poder.

Neste sentido, conclui-se, desde logo, que o papel que a energia cumpre

perante a sociedade é intimamente relacionado ao papel que o poder cumpre, ou

que deveria cumprir, qual seja, o papel de proporcionar soberania e dignidade

humana. Isto, também porque é através da energia que são colocadas à disposição

do público em geral diversas utilidades e facilidades, que tendem a proporcionar

melhores condições de vida para usuários deste recurso, gerando, por

consequência, dignidade às pessoas humanas.

7.3 OS TIPOS DE PODER

Uma das classificações acerca do poder separa o poder em três grandes

tipos: (i) o poder ideológico; (ii) o poder econômico; e (iii) o poder político.

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A energia (sua posse, exploração e utilização) possui uma intrínseca relação

com o poder ideológico, poder econômico e com o poder político, conforme se

demonstrará.

O poder político está relacionado ao uso da força e à coação física, dentre

outras características. Nesse sentido, veja–se a afirmação de Marçal Justen Filho,

de que “a centralização do poder político produziu a assunção pelo Estado dos

meios de coação física, afirmando-se a sua soberania interna e externa (JUSTEN

FILHO, 2010, pg. 05).

O poder econômico está diretamente ligado à questão monetária e suas

implicações. Assim, por exemplo, nas palavras de Norberto Bobbio:

...o Poder pode ser exercido por meio de instrumentos ou de coisas. Se tenho dinheiro, posso induzir alguém a adotar um certo comportamento que eu desejo, a troco de recompensa monetária. Mas, se me encontro só ou se o outro não está disposto a comportar-se dessa maneira por nenhuma soma de dinheiro, o meu Poder se desvanece (BOBBIO, 1998, pg. 934).

O poder ideológico, por sua vez, leva em consideração o consenso dos que

sofrem a atuação do poder em torno de uma idéia.

Vê-se, modernamente, que as lideranças e nações baseadas em um poder

ideológico possuem mais condições de prosperar do que as baseadas em outro tipo

de poder. Isto, argumenta-se, por terem valores, fundamentos, instituições e bases

mais sólidas e de acordes com o sentimento comum do povo.

Abordaremos, na sequência, brevemente, os três tipos de poder arrolados

(ideológico, econômico e político) e sua interligação com energia e, por

consequência, com a questão das concessões das usinas hidrelétricas.

7.3.1 O Poder Ideológico

Citados na obra de Marçal também se encontram os tipos de legitimação de

poder segundo Max Weber, quais sejam: (i) tradicional (religiosa); (ii) carismática; e

(iii) racional.

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A legitimação religiosa do poder de governo “se funda em motivos de ordem

metafísica”, onde “o povo reconhece a legitimidade do governante por ser ele um

escolhido pela divindade” (JUSTEN FILHO, 2010, pgs. 07 e 08).

A legitimação carismática não se fundamenta em crenças metafísicas, mas na capacidade de um indivíduo para polarizar a esperança de implementar os projetos comuns do povo (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 08).

A liderança carismática também se fundamenta na redução tanto da participação do povo na tomada de decisões quanto do exercício do senso crítico individual (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 08).

A legitimação racional se funda na despersonalização do poder político. Obedece-se não a um deus nem a um líder, mas a um conjunto de instituições construídas como resultado dos esforços comuns do povo (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 08).

A liderança racional tende a eternizar-se, na medida em que independe da identidade dos governantes ou da crença de fiéis (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 09).

Assim, quanto maior a concordância dos governados em relação às leis e às instituições, tanto maior será o poder estatal (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 09).

Num Estado em que vigora a legitimação racional, sempre haverá restrições às decisões dos governantes. Tais limites estarão, usualmente, consolidados em normas gerais e abstratas (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 09).

Lembre-se que normas gerais e abstratas consubstanciam-se em princípios.

Ressalte-se que os princípios relacionados à concepção do Estado e ao

controle do poder normalmente estão, e devem estar, arrolados na Constituição de

um Estado. Ganham relevância, portanto, os princípios constitucionais aplicados em

qualquer decisão que envolva o poder. Isto, para que a decisão adotada seja a mais

correta possível, aceita e entendida como tal pela coletividade.

Assim, um Estado que possui um ordenamento jurídico conhecido e acorde

com o pensamento do povo provavelmente será mais próspero e pacífico.

Se houver um consenso do povo, de forma lógica e racional, em torno da

disciplina aplicada à conversão e utilização de energia, da exploração dos recursos

naturais, e, bem como, sobre o instituto da concessão, maior será a ordem e o

progresso do Brasil.

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7.3.2 Energia e Poder Ideológico

Mesmo antes do advento da forma moderna de transformação, transporte e

utilização de energia, qual seja a energia elétrica, a energia já era fundamental para

os seres humanos. Assim, as necessidades básicas dos serem humanos na

antiguidade eram supridas pela energia solar diretamente, pela energia térmica

proveniente de lenha e carvão, energia luminosa do fogo, da energia gravitacional,

dentre outras formas primitivas e primárias de energia.

Com a evolução da humanidade, o que se tem é que os Estados

organizados têm que investir pesadamente em geração, conversão, transporte e

distribuição de energia se quiser alcançar o seu objetivo primeiro, que é proporcionar

dignidade humana, i.e. de proporcionar felicidade ao seu povo.

Energia é a base de praticamente todas as atividades econômicas. Todos os

benefícios advindos da energia de um país levarão, imediata ou mediatamente, à

felicidade do seu povo. Energia é insumo básico e fundamental no processo de

geração de dignidade humana. Assim também o é o Poder.

Poder é o início e o fim de um Estado. É o início porque é através da

organização das pessoas que surge o poder e, por conseqüência, o Estado,

soberano, e é o fim porque o Estado existe, basicamente, apenas para manejar o

próprio poder que, de forma organizada, lhe deu origem e que deve ser orientado

para se garantir a defesa dos interesses públicos.

A energia só tem razão de existir se for para ser utilizada no sentido de

garantir a felicidade de seus usuários. Proporcionar-lhes melhores condições de

vida, gerar empregos, renda, proporcionar o desenvolvimento de uma nação,

contribuir para a redução das desigualdades sociais e para a erradicação da

pobreza. Exatamente nos termos dos princípios básicos que regem o Estado

brasileiro, conforme leciona a Constituição da República Federativa do Brasil de

1988.

Se a energia for utilizada de forma eficiente e eficaz, objetivando-se o bem

comum e o atendimento do interesse público, psicológica e filosoficamente, ter-se-á

em torno de tal organização, um forte consenso, o que gera um alto poder

ideológico, obtido pelo convencimento do Estado-sociedade de que a exploração de

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seus recursos energéticos está sendo realizada de forma lógica, racional e

proveitosa.

A energia, principalmente na forma de eletricidade, proporciona direta e

efetivamente qualidade de vida aos seus usuários. Proporciona, em última análise,

dignidade àqueles que possuem acesso a ela.

Neste sentido, defende-se, em consenso e com veemência, o acesso à

energia e, em especial, à eletricidade, a todos os brasileiros15, de forma barata,

estável e com qualidade.

Esta afirmação também pode ser expressada em outros termos. Defende-se,

constitucionalmente, o acesso a um efetivo Estado Democrático e Social de Direito a

todos os brasileiros.

Nota-se, claramente, que, aqueles que não são alcançados pelo suprimento

de eletricidade, normalmente também não o são pelos direitos e garantias individuais

e fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Importante salientar também que, não basta o puro acesso de todos à

eletricidade, deve-se buscar, acima de tudo, que o acesso universal à eletricidade se

dê com modicidade de tarifas. A eletricidade não deve apenas estar disponível a

todas as pessoas, deve estar também acessível economicamente a todos.

Se estes ideais forem obtidos, com certeza se obterá um consenso e um

forte poder ideológico em torno da disciplina legal que estabeleceu e proporcionou

tal resultado. O povo, legítimo detentor do poder, se bem atendido pelos serviços

públicos de eletricidade, de forma módica e contínua, fará coro com o ordenamento

jurídico que proporcionou a obtenção de tal condição. Por isso a necessidade de se

estabelecer uma disciplina para as concessões de usinas hidrelétricas que ecoe em

sintonia com os princípios constitucionais e com a garantia dos direitos fundamentais

dos brasileiros.

Os poderes econômicos e políticos também possuem relação com a questão

das concessões de usinas hidrelétricas. Tais relações serão abordadas brevemente

a seguir.

15 Nesse sentido, ver Programa de Universalização do Acesso à eletricidade capitaneado pelo Governo Federal do

Brasil. Note-se que a universalização do acesso à eletricidade é um dos pilares do modelo do setor elétrico atualmente em vigor.

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7.3.3 Energia e Poder Econômico

Considerando-se, agora, o viés econômico, temos outra abordagem sobre a

inter-relação entre o poder e a energia.

Fazendo-se valer do método socrático temos que, se o poder, de uma forma

geral, está ligado ao dinheiro, tendo em vista a noção de poderio econômico, e se, a

energia, através de sua comercialização ou utilização no setor industrial e em outros

ramos da economia é uma grande e importante fonte de dinheiro para uma nação,

por se consubstanciar na base de todo um sistema de geração de riqueza, então, a

energia, em si, é uma importante fonte de poder, principalmente para os países que

dispõem de vasta quantidade de recursos energéticos disponíveis e acessíveis à

utilização.

Aprofundando-se um pouco no estudo do viés econômico da energia,

encontramos as seguintes constatações.

O poderio econômico de um Estado, contemporaneamente, está, também,

intrinsicamente relacionado à energia, pois praticamente todos os ramos da

economia se desenvolvem ou se fundamentam, direta ou indiretamente, com a

utilização e a transformação da energia em trabalho, em produtos, e até mesmo em

serviços, dentre outras utilizações.

Energia é trabalho.

Produtos demandam energia para serem produzidos, fornecidos e

distribuídos.

Serviços também demandam energia, vejam-se os serviços de

acondicionamento e conservação de alimentos em cilos, estufas e refrigeradores,

por exemplo.

Serviços públicos também demandam energia para serem prestados.

Tenha-se em mente os serviços de iluminação, educação, os serviços de

informação, os de saúde (equipamentos de raio-X, ressonância magnética, etc.), o

serviços ligados à alimentação (plantações realizadas através de máquinas e

colheitas através de colheitadeiras) e, também, os serviços públicos de segurança

(câmeras de monitoramento, sistemas de comunicação, etc.) necessários à

convivência harmoniosa, hodiernamente, das pessoas humanas, em comunidade.

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Da mesma forma o comércio é fortemente dependente de energia, seja para

iluminação de produtos, prateleiras, vitrines, lojas, seja para a alimentação de

aparelhos de ar condicionado em lojas e Shopping Centers, ou ainda para a

veiculação de propagandas em rádio, televisão e internet, dentre outros meios

eletrônicos.

Enfim, todos os ramos da atividade econômica dependem ou se utilizam, em

maior ou menor grau, de energia.

Como o poderio econômico está diretamente ligado ao conceito de

propriedade. E como energia se consubstancia em uma forma de se obter poderio

econômico. Não foi por acaso que o poder constituinte estabeleceu como de

propriedade da União, todos os recursos energéticos naturais encontrados dentro do

território nacional.

A propriedade dos potenciais hidrelétricos estando nas mãos da União, tanto

sob o próprio viés patrimonial, quanto sob o viés de seu aproveitamento para

geração de riqueza, ecoa em sintonia com o conceito de soberania nacional,

proporcionando ao Estado maior poderio econômico.

7.3.4 Energia e Poder Político

Uma das relações essenciais para o estudo da geopolítica é a relação de

poder entre os diversos países. Mas, como se medem os poderes de cada um dos

países do mundo?

Verifica-se que, com freqüência, referimo-nos apenas ao poder econômico

(potência econômica), poder industrial (potência industrial) e poder militar (potência

militar) dos países. Note-se que, em uma análise mais profunda, a energia está

relacionada a todas essas medições de poder. Atente-se para a energia como forma

de geração de riqueza, em seu viés de poderio econômico. Energia como

pressuposto básico de um parque industrial de uma nação. E energia como insumo

para transporte e deslocamento em operações militares, e mesmo para a fabricação

de aparelhos, armas e equipamentos bélicos, no viés militar.

Aprofundar-se-á um pouco mais na análise de poder militar, diretamente

ligado à noção de força de uma nação.

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Cabe lembrar que as coisas e os seres vivos têm poder. O poder das coisas

pode ser explicado como o poder da natureza. Pode ser exemplificada através do

poder dos elementos fundamentais, por exemplo, o poder da água, o poder do ar, o

poder da terra e o poder do fogo.

O poder dos seres vivos, por sua vez, pode ser explicado através das

relações de sobrevivência. Pode ser exemplificado, por exemplo, através da lei da

selva, onde quem é mais forte tem mais probabilidade de continuar vivo, ou através

das relações de poder das sociedades humanas, dos diversos Estados.

O poder das coisas normalmente é medido diretamente através da energia,

assim se fala em energia das águas, energia eólica, energia geotérmica, energia

térmica, energia interna, energia bioquímica, etc.

Entre os seres vivos temos que é energia o que as pessoas buscam nos

alimentos quando os comem, por exemplo.

Nas relações dos seres vivos também é possível a utilização da medida de

energia, assim, aquele animal que possui mais energia, isto é, mais força,

provavelmente seja aquele que tenha o maior poder. Assim também o é com relação

aos seres humanos, quando nos referimos ao poder sob a forma física, sendo que,

aquele que tem maior energia, força física, tem maior poder sobre determinado

grupo.

E por que não utilizarmos a mesma noção para a comparação entre

Estados? Desta forma, o Estado mais poderoso seria aquele que tem maior poderio

militar, ou seja, maior força física.

Na antiguidade, isto era perfeitamente aceitável como verdade absoluta,

porém hoje, com o advento e progresso da tecnologia, cita-se, principalmente, da

evolução obtida na área de energia, o poderio de Estados, mesmo na área militar, é

medido através da posse de armamentos e equipamentos, que, em sua grande

maioria, dependem da manipulação e utilização de pura energia. O exemplo clássico

para isso é o fato de que os países que são considerados atualmente como os

detentores do maior poderio militar são aqueles que possuem bombas atômicas, ou

pelo menos, possuem o conhecimento, a técnica e os recursos necessários para

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produzi-las. E saliente-se que uma bomba atômica nada mais é do que a

manipulação de uma grande quantidade de energia concentrada.

Temos hoje, portanto, transformado o poderio militar de um Estado

praticamente em poderio energético. Daí a fundamental importância de uma nação

possuir abundância de energia e, principalmente, de forma módica. Neste sentido é

que encontramos a relação entre poder político, militar, e a obtenção de energia

elétrica de forma módica e abundante no Brasil, o que pode ser obtido ou pelo

menos induzido com uma decisão correta sobre o destino das concessões de usinas

hidrelétricas, por ser este o recurso energético de maior abundância no Brasil.

7.4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PODER E DA DECISÃO SOBRE AS

CONCESSÕES DAS USINAS HIDRELÉTRICAS

A decisão a ser tomada pelo Estado-poder, sobre a disciplina a ser aplicada

no caso do término das concessões de usinas hidrelétricas brasileiras, está

delimitada e será controlada pelas inerentes funções do próprio Estado-poder

(administrativa, legislativa e jurisdicional) e deverá, necessariamente, estar em

sintonia com a garantia dos direitos fundamentais do Estado-sociedade e, em

especial, com os princípios constitucionais da Administração Pública.

Deve-se observar, neste diapasão, dentre os princípios da Administração

Pública, principalmente, os princípios da Supremacia da Constituição e do Interesse

Público, vez que a Constituição arrola os direitos e garantias fundamentais, regula e

limita a atuação do poder em todas as funções do Estado-poder.

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8. CONSTITUIÇÃO, SOBERANIA, ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁ TICO DE

DIREITO E A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

8.1 ESTADO

De uma forma simplificada podemos conceituar Estado como uma pessoa

jurídica de direito público, concebida através de uma Constituição e organizada

através de um ordenamento jurídico, formada por uma sociedade que vive num

determinado território e que se subordina a uma autoridade soberana.

Assim, os principais elementos formadores de um Estado são:

Território: é o espaço físico delimitado por fronteiras naturais ou não. Compreende a superfície, o subsolo, o espaço aéreo correspondente à superfície e o mar territorial (CARVALHO FILHO, 2007, pg. 10).

Povo: é o número determinado ou não de indivíduos que habitam o território unidos por uma mesma língua, objetivos e cultura. Não se confunde com população, que exprime um conceito aritmético, de caráter quantitativo, abrangendo tanto os nacionais quanto os estrangeiros (CARVALHO FILHO, 2007, pg. 10).

Poder soberano: é o poder que tem o Estado de aplicar o Direito dentro de seu território, sem subordinação a outra ordem (CARVALHO FILHO, 2007, pg. 10).

Conjugando estes três elementos, encontramos a feliz afirmação do saudoso

mestre Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:

O Estado, como organização jurídica de um povo em dado território, sob um poder supremo, para realização do bem comum dos seus membros, pressupõe, de um lado, a ordenação jurídica do Estado-poder e, de outro, a do Estado-sociedade (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 27).

8.2 CONSTITUIÇÃO

A Constituição é o diploma que concebe um Estado. Ela é necessária para

disciplinar as relações de poder, a diferenciação e a separação dos poderes, além

de arrolar os valores fundamentais e as garantias e direitos individuais das pessoas

que formam o Estado como tal.

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Entende-se que uma Constituição tenha que existir, disciplinando sobre o

exercício do poder, para se garantir que o poder emanado da coletividade seja

utilizado em prol da mesma coletividade que o dá origem, quando do nascimento de

um Estado.

É na Constituição que devem estar arrolados os princípios e valores

fundamentais da sociedade, além de estarem disciplinados também como devem se

dar as relações de poder dentro do Estado.

A Constituição deve existir para garantir os direitos daqueles que possuem

pouco poder quando considerados individualmente, mas todo o poder de um Estado

quando considerados em sua coletividade nacional. Isto, para garantir, de forma

direta e indireta, a dignidade e a felicidade do povo, verdadeiro e legítimo detentor

de todo o poder estatal.

Não por coincidência, esta é a idéia prelecionada no início da Carta Magna

brasileira.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Título I – Dos Princípios Fundamentais

Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

...

Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

...

Art. 3. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

A defesa da dignidade da pessoa humana e da felicidade dos legítimos

detentores do poder estatal (o povo) é imperativa sob o enfoque constitucional.

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Neste sentido, cabe estudar a constitucionalidade da atuação daqueles que

manuseiam o poder estatal, para se verificar se o fazem com foco no interesse

público da coletividade que dá origem ao Estado concebido pela Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988.

8.3 SOBERANIA

A soberania, o poder e a paz social estão intimamente relacionados.

Há que se considerar que o poder de um Estado deve ser exercido através

do bom senso, a partir do estabelecimento de um ordenamento jurídico lógico e

racional, no sentido de se alcançar um equilíbrio entre os diversos interesses

públicos envolvidos na atuação estatal e na busca de uma perenização da

pacificação social.

Em um Estado existem vários tipos de poder, mas o que mais apresenta

correlação com o conceito de soberania é o poder político lato sensu, que é

reservado com exclusividade para o Estado-poder.

A primeira característica do poder político é a possibilidade do uso da força física contra aqueles que não se comportem de acordo com as regras vigentes. A segunda característica fundamental do poder estatal é a de não reconhecer a ninguém poder semelhante ao seu. Então, a peculiaridade do poder do Estado (poder político) é, de um lado, o basear-se no uso da força física e, de outro, o reservar-se, com exclusividade, o uso dela (SUNDFELD, 2006, pg. 21).

Esta idéia nos remete ao conceito de soberania, que deriva da noção de

poder e de força.

Resumindo, o grupo organizado de pessoas chamado Estado: a) mantém-se com o uso da força; b) reserva para si seu uso exclusivo; c) não reconhece poder interno superior ao seu; e d) não reconhece poder externo superior ao seu (é soberano) (SUNDFELD, 2006, pg. 22).

Importante abordagem sobre soberania, englobando a idéia de domínio

sobre os bens públicos localizados no território nacional, é encontrada na atualizada

obra Direito Administrativo Brasileiro, do saudoso professor Hely Lopes Meirelles, na

afirmação de que “o Estado, como Nação politicamente organizada, exerce poderes

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de Soberania sobre todas as coisas que se encontram em seu território

(MEIRELLES, 2010, pg. 545).

Assim, a propriedade da União sobre os potenciais de energia hidráulica é

pressuposto básico do conceito de soberania nacional. A indisponibilidade de tais

bens decorre de pura lógica racional em torno do conceito de soberania.

Há que se observar ainda os ensinamentos de Norberto Bobbio sobre a

Soberania, nas lições encontradas no Dicionário de Política e transcritas a seguir.

Em sentido lato, o conceito político-jurídico de Soberania indica o poder de mando de última instância, numa sociedade política e, conseqüentemente, a diferença entre esta e as demais associações humanas em cuja organização não se encontra este poder supremo, exclusivo e não derivado. Este conceito está, pois, intimamente ligado ao de poder político: de fato a Soberania pr etende ser a racionalização jurídica do poder, no sentido da tra nsformação da força em poder legítimo, do poder de fato em poder de direito. Obviamente, são diferentes as formas de caracterização da Soberania, de acordo com as diferentes formas de organização do poder que ocorreram na história humana: em todas elas é possível sempre identificar uma autoridade suprema, mesmo que, na prática, esta autoridade se explicite ou venha a ser exercida de modos bastante diferentes (BOBBIO, 1998, pg. 1179). (grifo nosso)

Em sentido restrito, na sua significação moderna, o termo Soberania aparece, no final do século XVI, juntamente com o de Estado, para indicar, em toda sua plenitude, o poder estatal, sujeito único e exclusivo da política. Trata-se do conceito político-jurídico que possibilita ao Estado moderno, mediante sua lógica absolutista interna, impor-se à organização medieval do poder (BOBBIO, 1998, pg. 1179).

Desde o início, as teorias acerca da natureza da Soberania e da Soberania em si estão potencialmente divididas. O jurista Bodin identifica a essência da Soberania unicamente no "poder de fazer e de anular as leis", uma vez que este poder resumiria em si, necessariamente, todos os outros e, enquanto tal, com suas "ordens" se configuraria como a força de coesão capaz de manter unida toda a sociedade. O cientista político Hobbes evidencia, ao contrário, o momento da execução, isto é, o tipo de poder coagente como sendo o único a ter condições de impor determinados comportamentos e que representaria o único meio adequado ao fim, o de se fazer obedecer. De acordo com o primeiro, o soberano tem o monopólio do direito, mediante o poder legislativo; de acordo com o segundo, o monopólio da força ou da coerção f ísica. A unilateralidade destas duas posições, se levada ao extremo, poderia conduzir ou a um direito sem poder ou a um poder sem direito, quebrando assim aquele delicado equilíbrio entre força e direito que continua sendo, em qualquer situação, o objetivo último dos teóricos da Soberania. É nestes diferentes enfoques que tem origem a futura contraposição entre os que entendem a Soberania como a mais alta autoridade do direito, q ue pode emitir — como afirmava Bodin — unicamente ordens "justas" , e os

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que a entendem como o mais alto poder de fato (BOBBIO, 1998, pg. 1180). (grifo nosso)

A identificação da Soberania com o poder legislativo é levada às suas conseqüências extremas por Rousseau, com o conceito da vontade geral; para ele, o soberano pode fazer única e exclusivamente leis gerais e abstratas, e de maneira alguma decretos individuais. Se, do ponto de vista do rigor teórico, isto se torna compreensível, é oportuno lembrar que esquece a existência dos demais poderes ou dos demais, atributos da Soberania (BOBBIO, 1998, pg. 1180).

Importante abordar, desta forma, todos os atores envolvidos com o poder e

todos os poderes existentes em determinado Estado, sua relação e sua separação

(autocontrole).

Todos os poderes do Estado estarão relacionados com a decisão sobre o

destino das concessões das usinas hidrelétricas como se verá, sendo que a

soberania e os princípios constitucionais devem nortear as decisões em todas as

esferas do Estado-poder.

8.4 OS ATORES ENVOLVIDOS COM O PODER E A SOBERANIA E SUA FORMA

DE ORGANIZAÇÃO

A abordagem sobre poder e soberania não pode ser feita sem uma análise

do detentor do poder e daqueles que sofrem as conseqüências de sua utilização.

Em sintonia com os ensinamentos do ilustre doutrinador Carlos Ari Sundfeld,

“chamaremos o detentor do poder político de Estado-poder e seu destinatário de

Estado-sociedade” (SUNDFELD, 2006, pg. 22).

Em uma sociedade, os indivíduos podem ser divididos em dois grupos: o dos que exercem o poder, como agentes do Estado (os governantes), e o dos destinatários do poder (os governados) (SUNDFELD, 2006, pg. 109).

O que regula tudo isso são as normas jurídicas. Existem, portanto, normas jurídicas para reger a relação da pessoa Estado com as demais pessoas (SUNDFELD, 2006, pg. 23).

8.5 DIFERENCIAÇÃO ENTRE ESTADO E ESTADO-PODER

Há, ainda, que se diferenciar, desde logo, o Estado, como tal, e o Estado-

Poder, que, grosso modo, é composto daqueles que possuem autoridade para agir

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em nome do Estado em suas diversas funções (administrativa, legiferante e

jurisdicional).

Importante destacar com clareza que Estado e aqueles que exercem as

atividades inerentes ao Estado-Poder (Poder Público) não podem ser confundidos.

Basicamente, tem-se que ao Estado-Poder são atribuídas as funções

legislativa, administrativa e jurisdicional, dentre outras. Assim, têm-se os Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário, respectivamente. Todos eles, por filosofia,

objetivando-se o interesse público e o bem comum, motivo de ser do Estado.

No entanto, tanto os órgãos com funções administrativas, quanto os com as

funções legiferantes e jurisdicionais não se confundem, individualmente, com o

Estado. Mas devem agir como se Estado fossem, ou seja, devem, necessariamente,

individualmente ou em conjunto, atuarem em sintonia com o interesse público e

buscarem o bem comum.

Acredita-se que, caso não ajam assim, os Poderes Legislativo, Executivo e

Judiciário estarão atuando em desconformidade com sua condição de Estado-poder.

O Estado-poder (Poder Público), em suas funções legiferante, administrativa

e jurisdicional, portanto, deve agir tendo em vista ser a própria representação do

Estado perante a outra face do próprio Estado, o Estado-sociedade (Povo).

Como se verá, a idéia contida nos parágrafos anteriores é que é a

motivadora da existência de uma Constituição em um Estado, é também motivadora

da existência das leis e, principalmente, do princípio da separação dos poderes.

8.6 A CONSTITUIÇÃO, AS LEIS E A SEPARAÇÃO DOS PODERES

Simples e brilhante afirmação é encontrada na obra Fundamentos de Direito

Público, do mestre Carlos Ari Sundfeld, nos seguintes termos: “A Constituição não é

feita pelo Estado. Ao contrário, o Estado é fruto da Constituição” (SUNDFELD, 2006,

pg. 41).

A Constituição, em qualquer Estado, é essencial não apenas pelo fato de o

próprio Estado ter sido criado através dela, mas porque o conteúdo esculpido na

Constituição se reveste de uma fundamental importância para a organização e

perenização do Estado como tal.

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Lembre-se que o poder, e a própria soberania estatal, depende de

organização, e que quanto maior o consenso em torno dessa organização, maior

será o poder por ela criado. Entenda-se, quanto maior o consenso em torno do

conteúdo de uma Constituição, maior será o poder do Estado por ela criado.

Acredita-se que, exatamente por isso, os Estados Democráticos tendem a ser mais

estáveis que os Estados que adotam outros regimes de governo.

Carlos Ari Sundfeld nos ensina que “a Constituição define quem pode fazer

leis, como deve fazê-las e quais os limites da lei. Por isso se diz que a lei tira seu

fundamento de validade da Constituição” (SUNDFELD, 2006, pg. 40).

A lei, destinada a reger a vida dos homens, deve ser feita por eles (SUNDFELD, 2006, pg. 45).

A lei é a expressão da vontade geral (SUNDFELD, 2006, pg. 45).

Sendo expressão da vontade geral, a lei impor-se-á ao próprio Estado, quando este se ocupar do Governo e da Justiça (SUNDFELD, 2006, pg. 45).

Por isso o ordenamento jurídico é uma pirâmide: o ato administrativo e a sentença valem se estiverem de acordo com a lei, que lhes é superior; a lei vale se estiver de acordo com a Constituição, que lhe é superior. Olhando no sentido inverso, verificamos que a Constituição é o fundamento de validade de todas as normas do ordenamento jurídico. Nisso consiste a supremacia da Constituição (SUNDFELD, 2006, pg. 40).

Quanto à submissão dos poderes do Estado, à Constituição e às leis, veja-

se importante citação do mestre Sundfeld: “Não só estarão o Poder Executivo e o

Poder Judiciário submetidos à lei, mas também estará o legislador submetido à

Constituição” (SUNDFELD, 2006, pg. 41).

A idéia de controle do poder, por parte do povo, que é legitimamente o seu

detentor, fica mais próxima de ser garantida através da existência de uma

Constituição e da previsão, neste diploma, do princípio da separação dos poderes.

Percebe-se a importância da separação dos Poderes no controle do exercício do poder político. Cada Poder corresponde a um limite ao exercício das atividades do outro. Assim, o poder freia o poder, evitando a tirania (SUNDFELD, 2006, pg. 43).

A aplicação desta sistemática no ordenamento jurídico brasileiro é

apresentada nos próximos parágrafos.

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8.7 A SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL E A NOÇÃO DE ESTADO DE

DIREITO

O legítimo e originário detentor de poder político, em qualquer Estado, é o

seu povo. Esta idéia está esculpida na Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, no parágrafo único de seu primeiro artigo, conforme segue:

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Art. 1. A República Federativa do Brasil, ...

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

A Constituição, em um Estado de Direito, consubstancia-se em uma forma

de limitação do poder daqueles que estão no poder (Estado-poder, em suas três

vertentes: Poder Executivo, Legislativo e Judiciário), perante aqueles que sofrem a

atuação do poder (Estado-sociedade), o que o faz, principalmente, através do

Princípio da Separação dos Poderes.

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o Princípio da

Separação dos Poderes está previsto expressamente no Título IV – Da Organização

dos Poderes.

Título IV – Da Organização dos Poderes

Capítulo I – Do Poder Legislativo

...

Capítulo II – Do Poder Executivo

...

Capítulo III – Do Poder Judiciário

...

A separação dos poderes, prevista na Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988, é uma inovação em relação ao sistema anteriormente vigente no

país. Tendo havido, na opinião da grande maioria dos brasileiros, uma evolução,

com a mudança do regime e da forma de governo e de sua organização.

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O que há de significativo neste novo período é que os sujeitos incumbidos de exercer o poder político deixarão de apenas impor normas aos outros, passando a dever obediência no momento em que atuam – a certas normas jurídicas cuja finalidade é impor limites ao poder e permitir, em conseqüência, o controle do poder pelos seus destinatários (SUNDFELD, 2006, pg. 35).

Cunha-se, a partir de então, o conceito de Estado de Direito, isto é, de um Estado que realiza suas atividades debaixo da ordem jurídica, contrapondo-se ao superado Estado-Polícia, onde o poder político era exercido sem limitações jurídicas, apenas se valendo de normas jurídicas para se impor aos cidadãos (SUNDFELD, 2006, pg. 36).

Segundo Marçal Justen Filho:

A separação dos Poderes estatais é um mecanismo clássico de organização e limitação do poder político, e consiste em impedir que todas as funções sejam concentradas em uma única estrutura organizacional. Isso produz um sistema de freios e contrapesos e permite que o “poder controle o próprio poder” – ou seja, gera a fragmentação do poder, com uma pluralidade de sujeitos exercitando competências distintas e controle recíproco (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 26).

Como afirmou Monterquieu, “tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 26).

Ainda utilizando-se das palavras do ilustre doutrinador Marçal Justen Filho,

apresentamos a diferenciação básica dos três poderes principais que compõe o

Estado-poder.

Na concepção clássica, a legislação consiste na elaboração de normas gerais e abstratas; a jurisdição é a aplicação das leis para solucionar os litígios; a administração é o atendimento concreto dos interesses coletivos (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 27).

Assim, o Poder Judiciário é investido da competência jurisdicional, o Poder Legislativo é titular da competência legislativa ou legiferante e o Poder Executivo desempenha a competência administrativa ou executiva (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 27).

Sobre a função do Poder Executivo, por estar imediatamente vinculado a

satisfação das necessidades básicas relacionadas à dignidade do povo brasileiro, e

por se submeter ao controle do Poder Judiciário, além da inerente necessidade de

ser exercido nos estritos termos preconizados pelo Poder Legislativo, utilizamo-nos

das palavras de Marçal Justen Filho para esclarecer o porquê de tais controles no

exercício dessa função.

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A função administrativa é o conjunto de poderes jurídicos destinados a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção de direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estável e permanente e que se faz sob regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 39).

A função consiste na atribuição a um sujeito do encargo de perseguir a satisfação de um interesse ou de um direito que ultrapassa sua órbita individual (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 34).

Essa situação jurídica derivada da existência de uma função passou a ser descrita pela doutrina por meio da expressão poder-dever. Tal fórmula verbal destinava-se a destacar que o titular da função recebia do direito certos poderes, por meio dos quais se tornava legítima a restrição da autonomia alheia. Mas a titularidade e o exercício desse poder apenas se justificavam perante o direito em vista do dever de realizar um fim determinado (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 34).

Cunha-se, desta forma, o conceito de Estado de Direito, como melhor

abordado a seguir.

8.8 O ESTADO DE DIREITO

Um conceito objetivo e claro é encontrado nas lições do ilustre doutrinador

Carlos Ari Sundfeld, quando leciona que, “Estado de Direito é o que se subordina ao

Direito, vale dizer, que se sujeita a normas jurídicas reguladoras de sua ação”

(SUNDFELD, 2006, pg. 37).

Segundo mesmo autor “o Estado de Direito não é uma noção secundária e

transcurável, mas essencial, primária, um postulado, um pressuposto teórico do

direito público” (SUNDFELD, 2006, pg. 37).

Carlos Ari Sundfeld arremata afirmando que “o Estado de Direito define e

respeita, através de normas jurídicas, seja os limites de sua atividade, seja a esfera

da liberdade dos indivíduos” (SUNDFELD, 2006, pg. 38).

De um lado, percebemos que a vinculação do Estado à lei, para ser efetiva, exige que, dentro dele, uma mesma autoridade não seja incumbida de fazer a aplicação, poderia alterar a lei anteriormente feita. Ainda: necessária a presença de outra autoridade, também diversa das demais, para julgar as eventuais irregularidades da lei e de sua aplicação. Em outras palavras, as funções de fazer as leis (legislar), aplicá-las (administrar) e resolver os conflitos (julgar) devem pertencer a autoridades distintas e independentes. A isso denominamos separação dos Poderes (SUNDFELD, 2006, pg. 38).

De outro lado, essa separação não pode ser mudada pelo legislador, através de lei, pois, do contrário, bastar-lhe-ia exercer sua atividade

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(legislar) para anular o poder do administrador e do juiz. Também, os indivíduos não teriam direitos oponíveis ao próprio Estado se este pudesse suprimi-los através de lei. Em suma, deve haver uma norma superior à lei (e, em conseqüência, superior ao Estado que a produz) definindo a estrutura do Estado e garantindo direitos aos indivíduos. A essa norma chamamos Constituição (SUNDFELD, 2006, pg. 38).

Assim definimos Estado de Direito como o criado e regulado por uma Constituição (isto é, por norma jurídica superior às demais), onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado (SUNDFELD, 2006, pg. 38).

A separação dos Poderes, a superioridade da lei, a Constituição, não são valores em si mesmos, antes existem para tornar efetiva, permanente e indestrutível a garantia de direitos individuais. A proteção do indivíduo contra o Estado é o objetivo de toda a magistral construção jurídica que percorremos. Nada mais natural, portanto, que o direito público por inteiro esteja embebido desta preocupação última, que exala desde a Constituição até a mais ínfima das normas (SUNDFELD, 2006, pg. 48).

Segundo Marçal, no passado “os atos do governante não comportavam

controle, sob o postulado de que o rei não podia errar ou que o conteúdo do Direito

se identificava com a vontade do príncipe” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 10).

A consagração do Estado de Direito refletiu a tendência a eliminar os critérios religiosos e carismáticos como fundamento da legitimação do poder político. Num Estado de Direito prevalecem as normas jurídicas abstratas e gerais, e não a vontade do governante (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 10).

Acredita-se que, em sintonia com o conceito de Estado de Direito, os

princípios constitucionais e, especificamente os da administração pública devem

imperar nas decisões administrativas, em especial, devem prevalecer os princípios

da Superioridade da Constituição e da Supremacia dos Direitos Fundamentais,

vinculados ao interesse público e à dignidade humana.

8.9 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Para que haja uma maior harmonia e estabilidade em qualquer Estado,

fundamental se torna a participação dos legítimos detentores do poder político, o

Estado-sociedade, na elaboração e execução das leis, atribuições do Estado-poder.

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Carlos Ari Sundfeld resume a idéia contida nesta assertiva, afirmando que “o

cerne da questão radica sempre, como se percebe, em que os direitos individuais

não sejam transgredidos por parte dos poderes públicos” (SUNDFELD, 2006, pg.

49).

Estado de Direito é o criado e regulado por uma Constituição (isto é, por uma norma jurídica superior às demais), onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado (SUNDFELD, 2006, pg. 49).

Estado democrático é aquele onde o povo, sendo o destinatário do poder público, participa, de modo regular e baseado em sua livre convicção, do exercício desse poder (SUNDFELD, 2006, pg. 49).

O primeiro dado cuja consideração é importante – por repercutir sobre toda disciplina da matéria – é que, no Estado Democrático de Direito, os indivíduos não são meros destinatários, isto é meros sujeitos passivos, do poder. São, vistos em conjunto, os verdadeiros titulares do poder político (SUNDFELD, 2006, pg. 109).

Marçal Justen Filho nos ensina que “nas primeiras décadas do século XX,

verificou-se a consagração do sufrágio universal. A cidadania passou a ser um

atributo da humanidade” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 11).

O mesmo autor afirma categoricamente que “antes da difusão do sufrágio

universal, a democracia era uma simples aparência” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 11).

Com a difusão do direito de voto, todos os estratos sociais, mesmo os desprovidos de recursos econômicos, podem influenciar a escolha dos governantes e fazer-se representar nos parlamentos. O exercício do poder político retrata a pluralidade de interesses sociais e a segmentação dos diferentes grupos (JUSTEN FILHO, 2010, pgs. 11 e 12).

Cada “classe” comporta interesses contrapostos (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 12).

Se o direito não encontra seu fundamento de validade numa base religiosa oportunamente moral, e como não pode manter-se por via exclusiva da força, então a única alternativa restante é o consenso dos cidadãos. Esse consenso, na democracia, é obtido por meio do respeito a procedimentos (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 12).

É indispensável o reconhecimento dos direitos fundamentais para haver a possibilidade de consenso (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 12).

Ligando a formação da vontade política do legislador a condições de um procedimento democrático, sob as quais os resultados produzidos conforme o procedimento expressem per se a vontade concordante

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ou o consenso racional de todos os implicados (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 13).

O cidadão não é um súdito, um inferior, um servo do Estado. Os governantes e os governados encontram-se em posição de igualdade, ainda que haja competência dos primeiros de tomarem decisões vinculantes para todos. A competência decisória atribuída aos agentes estatais não se funda na posição de supremacia ou superioridade deles em face dos governados (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 14).

O conceito original de Estado de Direito foi sendo enriquecido pela evolução histórica (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 14).

O Estado Democrático de Direito caracteriza-se não apenas pela supremacia da Constituição, pela incidência do princípio da legalidade e pela universalidade da jurisdição, mas pelo respeito aos direitos fundamentais e pela supremacia da soberania popular (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 14).

Segundo Carlos Ari Sundfeld, “o Estado Democrático de Direito é a soma e o

entrelaçamento de: constitucionalismo, república, participação popular direta,

separação de Poderes, legalidade e direitos individuais e políticos” (SUNDFELD,

2006, pg. 54).

Neste sentido, os direitos fundamentais da população brasileira, tendo em

mente a supremacia de seus interesses, com relação aos princípios basilares do

setor elétrico, no caso concreto das concessões da usinas hidrelétricas, quais sejam,

a universalização do acesso à energia elétrica e a modicidade tarifária, devem ser

considerados para que se obtenha um consenso em torno da decisão do destino a

ser dado às concessões das usinas hidrelétricas findo o seu prazo contratual, o que

deve ser garantido pela própria participação do povo na discussão para solução

desta questão.

Para que se obtenha, então, efetivamente, o Brasil que os brasileiros

querem, vital importância adquire a resposta à seguinte pergunta: como se obterá,

no menor prazo possível, a almejada modicidade tarifária no setor de energia

elétrica? Afinal, um Brasil competitivo, com energia módica e de qualidade, de forma

a proporcionar ordem e progresso, com geração de empregos, renda e qualidade de

vida em sentido amplo é o que todos os brasileiros almejam.

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8.10 O ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A NOÇÃO DE

SERVIÇOS PÚBLICOS

Mesmo considerando-se a noção de Estado de Direito e mais recentemente

a idéia de Estado Democrático de Direito no Brasil, modernamente, o Estado adquire

nova função.

Nas palavras do ilustre professor Carlos Ari Sundfeld, “o Estado deixa seu

papel não intervencionista para assumir nova postura: a de agente do

desenvolvimento e de justiça social” (SUNDFELD, 2006, pg. 55).

O Estado torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a realização de justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto econômico) (SUNDFELD, 2006, pg. 55).

O indivíduo adquire o direito de exigir certas prestações positivas do Estado: o direito à educação, à previdência social, à saúde, ao seguro-desemprego e outros mais (SUNDFELD, 2006, pg. 55).

Em termos sintéticos, o Estado Social e Democrático de Direito é a soma e o entrelaçamento de: constitucionalismo, república, participação popular direta, separação de Poderes, legalidade, direitos ((individuais, políticos e sociais), desenvolvimento e justiça social (SUNDFELD, 2006, pg. 57).

Desta feita, hodiernamente, a prestação de serviços públicos à coletividade,

diretamente pelo Estado, ou através de seus prepostos, é essencial para se atingir o

fim primeiro, o motivo primordial de existência do próprio Estado como organização

do poder, que é a defesa do interesse público e a obtenção do bem comum, da

dignidade humana. As normas jurídicas principiológicas ligadas à satisfação das

necessidades sociais, nesse sentido, tomam uma relevante importância.

Por múltiplas razões, as normas centralizam certas atividades nas mãos do Estado, definindo-as como serviços públicos: para ordenar o aproveitamento de recursos finitos (como os hidroelétricos), controlar a utilização de materiais perigosos (como os potenciais nucleares), favorecer o rápido desenvolvimento nacional, realizar a justiça social, manter a unidade do país e assim por diante (SUNDFELD, 2006, pg. 83).

Fundamental então a atuação estatal, direta ou indiretamente, na garantia da

prestação de serviços públicos adequados ao povo. Entenda-se a expressão

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“adequados” aqui como serviço de qualidade ótima e módico à universalidade do

povo.

Ao longo do século XX, reconheceu-se que a consagração jurídica e política da limitação do poder estatal e a submissão do Estado ao direito eram insuficientes para assegurar a plena realização da pessoa e a fruição dos direitos fundamentais (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 10).

É indispensável que o Estado seja um instrumento de promoção do desenvolvimento econômico e social. Impõe-se a existência de um Estado intervencionista, cuja atuação seja voltada a obter a concretização dos valores fundamentais ... surgindo a expressão Estado Social e Democrático de Direito (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 11).

No caso dos serviços de eletricidade, mesmo que o Estado não preste tais

serviços públicos diretamente, têm, necessariamente, que garantir que a respectiva

prestação se dê adequadamente, em satisfação das necessidades do povo e

objetivando-se a dignidade humana de forma universal e acessível (módica).

Tais prestações também visam a pacificação social, em sintonia com o

conceito de soberania nacional interna e externa.

O bem comum só se consegue, em qualquer sociedade, havendo paz na relação entre seu membros, como elemento primeiro indispensável para a vida comunitária, e, em seguida, efetivando-se as melhores condições de bem-estar coletivo, seja propiciando os elementos para que os componentes do Estado-sociedade, individualmente, contribuam para isso, seja assumido o próprio Estado-poder o encargo de levá-las a bom termo, na falta ou deficiência por parte dos particulares na sua realização, ou ocorrendo inconveniência em relegá-la a eles (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 214).

Para se alcançar esse bem comum, impõe-se o estabelecimento de normas gerais e abstratas prescrevendo o que entende o Estado-poder como desejável para a melhor vida social, tranqüila e próspera, e a atuação individual, concreta, desses preceitos, seja para realizá-los, seja para assegurar a terceiros o direito que deflui daquelas normas, concretizadas em relações entre eles, quando ameaçado ou desrespeitado (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 214).

Daí a definição do Direito Administrativo como ordenamento jurídico da atividade do Estado-poder, enquanto tal, ou de quem faça as suas vezes, de criação de utilidade pública, de maneira direta e imediata (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 217).

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9. DIREITO PRIVADO, DIREITO PÚBLICO E DIREITO ADMIN ISTRATIVO

Antes de adentrar no estudo dos institutos dos Bens Públicos, dos Serviços

Públicos e no da Concessão, acredita-se fazer-se necessário uma breve abordagem

sobre os ramos do direito que apresentam inter-relação com estes temas e que são

dedicados ao estudo destes assuntos.

Encontramos desta forma, nas palavras do ilustre doutrinador Hely Lopes

Meirelles, que “o Direito é dividido, inicialmente, em dois grandes ramos: Direito

Público e Direito Privado, consoante a sua destinação”, sendo que “o Direito

Administrativo é um dos ramos do Direito Público” (MEIRELLES, 2010, pg. 38).

Mister, assim, analisar os principais aspectos do Direito Privado, do Direito

Público e, principalmente, no que se refere ao instituto da concessão e no tocante às

usinas hidrelétricas, do Direito Administrativo.

9.1 A DIFERENÇA ENTRE DIREITO PRIVADO E DIREITO PÚBLICO

O Direito Privado trata, essencialmente, da relação entre os particulares.

Segundo Carlos Ari Sundfeld, “o Direito Privado é formado pelo conjunto de

normas regendo as relações dos indivíduos entre si, dentro do Estado-sociedade”

(SUNDFELD, 2006, pg. 24).

O mesmo autor nos ensina que “o Direito Público é formado pelo conjunto de

normas que regulam as relações entre Estado e indivíduos” (SUNDFELD, 2006, pg.

24).

O objetivo do direito público é o bem comum a ser alcançado pelo Estado, valendo-se para tanto de processos técnicos apropriados, de manifestação de vontade autoritária, de dar a cada um o que lhe é particularmente devido, mas o que lhe é devido como participante do todo social. Já o objeto do direito privado é o bem de cada um, a ser alcançado pelos indivíduos como partes do todo social, utilizando-se de processos técnicos para isso adequados, de livre acordo de vontades, ou ao menos de livre aquiescência de vontades, dentro dos limites impostos pelo Estado, que, assim, de modo mediato, ainda, para o bem comum (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 44).

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Assim, de forma prática, temos que o que é aplicado, na análise das

concessões de usinas hidrelétricas, são apenas o conceito e os ensinamentos do

Direito Público.

9.2 O DIREITO PÚBLICO E O DIREITO ADMINISTRATIVO

O Direito Público não se confunde com o Direito Administrativo, mas este é

contemplado por aquele.

Vejam-se as peculiaridades do Direito Público, nas palavras de Carlos Ari

Sundefeld:

O direito público disciplina as relações entre o Estado (que detém o poder político) e os indivíduos (que sofrem o poder político), organiza a distribuição do poder político dentro da pessoa jurídica Estado (entre os diversos agentes e órgãos) e regula as relações entre os vários Estados (isto é, entre os detentores de poder político) (SUNDFELD, 2006, pg. 26).

O direito público não é um direito autoritário, mas certamente o oposto: um conjunto de normas cuja finalidade primordial é cercear o poder e, como conseqüência, proteger os indivíduos (SUNDFELD, 2006, pg. 28).

No âmbito do Direito Público, além das funções administrativa stricto sensu

(inerente ao Poder Executivo) e da legiferante (inerente ao Poder Legislativo),

encontramos também a função jurisdicional (típica do Poder Judiciário).

Dentro da ordem jurídica vigente e nos regimes democráticos, o órgão representativo, que espelha as diferentes correntes de opinião pública nacional, denomina-se Poder Legislativo, porque se lhe reconhece a prerrogativa principal de fazer as leis, de estabelecer normas de direito, informadoras da ordem jurídica do Estado-sociedade; e o órgão que realiza como especial cometimento, de modo prático, essas normas – efetivando, de moto próprio, como parte, o programa de ação por elas dispostas – denomina-se Poder Executivo; e se nomeia de Poder Judiciário o órgão que objetiva, em posição eminente, a resolução de controvérsias entre as partes, para assegurar essas normas e firmar situação jurídica definitiva (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pgs. 46 e 47).

O Direito Administrativo, basicamente, está ligado ao Poder Executivo do

Estado, tendo também aplicabilidade no âmbito da organização e da gestão dos

demais poderes, o Legislativo e o Judiciário.

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9.3 O DIREITO ADMINISTRATIVO

Um conceito assertivo de Direito Administrativo é encontrado na obra de

Hely Lopes Meirelles, intitulada Direito Administrativo Brasileiro, conforme segue:

O conceito de Direito Administrativo Brasileiro, para nós, sintetiza-se no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado (MEIRELLES, 2010, pg. 40).

O Estado moderno, para o completo atendimento de seus fins, atua em três sentidos - administração, legislação e jurisdição - e em todos eles pede orientação ao Direito Administrativo, no que concerne à organização e funcionamento de seus serviços, à administração de seus bens, à regência de seu pessoal e à formalização dos seus atos de administração. Do funcionamento estatal só se afasta o Direito Administrativo quando em presença das atividades especificamente legislativas (feitura da lei) ou caracteristicamente judiciárias (decisões judiciais típicas) (MEIRELLES, 2010, pg. 41).

O ilustre e saudoso doutrinador Oswaldo Aranha Bandeira de Mello defende

a idéia de que o Direito Administrativo engloba as funções legislativa e executiva do

Poder Público, reduzindo, desta forma, as funções do Estado em apenas duas,

quais sejam: as funções administrativas (administrativa stricto sensu e legiferante) e

jurisdicionais.

Nesse sentido, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello afirma, em sua obra

intitulada Princípios Gerais de Direito Administrativo que, apenas “o Direito

Administrativo e o Judiciário ordenam a atividade do Estado-poder” (BANDEIRA DE

MELLO, 2007, pg. 72).

O Direito Administrativo juridicamente ordena a atividade do Estado quanto à organização, ou seja, quanto aos modos e aos meios da sua ação, e quanto à forma da sua própria ação, ou seja, legislativa e executiva, através de atos jurídicos normativos ou concretos, na consecução do seu fim de criação de utilidade pública, em que participa, de maneira direta e imediata, bem como das pessoas de direito que façam as vezes do Estado-poder (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 72).

Tanto a função administrativa como a jurisdicional do Estado-poder visam, sem dúvida, ao bem comum, à melhor vida do Estado-sociedade, mas o alcançaram por processos diferentes, por métodos diversos (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 51

Portanto, o Estado-poder age por meio de duas faculdades fundamentais, que correspondem as duas funções típicas: administrativa e jurisdicional (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 51).

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Na administrativa, o objeto da ação, tanto legislativa como executiva, é a atualidade pública a ser alcançada mediante a promulgação de normas jurídicas e execução de atos jurídicos concretos, com fundamento naquelas, e atividades materiais complementares, que constituem formas de sua realização efetiva em cada caso. Assim, o direito constitui mero instrumento de efetivação da utilidade pública, processo empregado pelo Estado-poder para atingi-la (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 51).

Na jurisdicional o objetivo é o próprio direito, a resolução de controvérsia ou contestação jurídica, para manter a ordem jurídica normativa vigente, declarando ou decretando em definitivo o direito das partes e determinando seu respeito (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 52).

Segundo Marçal Justen Filho, no entanto, “o direito administrativo disciplina

a atividade de natureza administrativa, o que exclui as funções jurisdicionais e

legislativas” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 02).

Sob esta ótica, verifica-se a necessidade de uma análise do Direito

Constitucional para a perfeita delimitação do Direito Administrativo, pois se acredita

que na Constituição encontrar-se-á a disciplina a ser aplicada tanto para a função

executiva (administrativa), quanto para as funções legislativas e jurisdicionais do

Estado-poder.

9.4 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

No diapasão da idéia de uma análise constitucional do direito administrativo,

importante destacar os ensinamentos do ilustre doutrinador Marçal Justen Filho, de

que “o direito administrativo se vincula à realização dos direitos fundamentais,

definidos especialmente a partir da dignidade humana” (JUSTEN FILHO, 2010, pg.

03).

Devido à inter-relação com os direitos e garantias fundamentais, acredita-se

que realmente o Direito Administrativo Brasileiro deve ser entendido a partir da Carta

Magna nacional.

Segue desta forma, um dos conceitos de Direito Administrativo, encontrado

na doutrina do Curso de Direito Administrativo de Marçal Justen Filho, que é

baseado no princípio constitucional da garantia dos direitos fundamentais.

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O direito administrativo é o conjunto das normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 01).

O direito administrativo visa a evitar que a concentração de poderes políticos e econômicos, relacionados com as atividades de satisfação de interesses coletivos, produza o sacrifício da liberdade e de outros valores fundamentais. Sob esse ângulo, o direito administrativo é um instrumento de limitação do poder (estatal e não estatal) (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 03).

Há valores fundamentais a serem realizados, cuja afirmação é inquestionável e cuja produção não pode ser deixada às escolhas individuais e egoísticas (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 03).

O direito administrativo disciplina a atividade administrativa de satisfação dos direitos fundamentais, seja ela desempenhada pelo Estado ou por entidades não estatais. O relevante, portanto, é a natureza da atividade e os fins a que ela se norteia, não a qualidade do sujeito que a desenvolve (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 04).

Uma alteração relevante dos tempos contemporâneos foi a assunção pela sociedade civil de parcelas significativas de encargos necessários à satisfação dos direitos fundamentais. Tomou-se consciência de que o Estado não dispõe de condições de satisfazer todas as necessidades de cunho geral. A atuação estatal vai sendo subsidiada ou, mesmo, substituída por organizações privadas e esforços individuais (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 04).

A difusão de organizações não estatais orientadas à satisfação de interesses coletivos produz a ampliação dos limites do direito administrativo para alcançar entidades colocadas fora do âmbito puramente estatal (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 04).

Enfim, em que pese divergências doutrinárias, a idéia básica é a de que o

Direito Administrativo deve tratar, essencialmente, do atendimento do interesse

público. E mais, o Direito Administrativo deve tratar da compatibilização do interesse

público com os demais interesses envolvidos em cada caso concreto envolvendo a

garantia dos direitos individuais e fundamentais constitucionalmente previstos.

Nesse sentido, vejam-se também as idéias contidas na doutrina do

respeitável professor Luiz Alberto Blanchet, encontrados em sua obra Curso de

Direito Administrativo.

O Direito Administrativo não é um direito destinado a regular somente as situações jurídicas nas quais se envolve o Estado ou pessoa que atue em seu nome, mas sim, aquelas que envolvem o atendimento de necessidades públicas e, pois, o interesse público na satisfação dessas necessidades (BLANCHET, 2008, pgs. 11 e 12).

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O Direito Administrativo procura, além de preservar o interesse público, evitar ou solver as situações de conflito entre o interesse público e o particular (BLANCHET, 2008, pg. 12).

O Direito Administrativo não rege a defesa dos interesses públicos contra os particulares, mas a compatibilização dos interesses do homem considerado como indivíduo e deste como membro integrante de uma coletividade organizada e em constante evolução (BLANCHET, 2008, pg. 13).

Segundo Marçal Justen Filho, “é necessário constitucionalizar o direito

administrativo, o que significa, então, atualizar o direito administrativo e elevá-lo ao

nível das instituições constitucionais” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 15).

Trata-se de impregnar a atividade administrativa com o espírito da Constituição, de modo a propriciar a realização efetiva dos direitos fundamentais e valores ali consagrados (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 15).

O enfoque constitucionalizante preconizado consiste em submeter a interpretação jurídica de todas as instituições do direito administrativo a uma compreensão fundada concreta e pragmaticamente nos valores constitucionais (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 16).

A supremacia da Constituição não pode ser mero elemento do discurso político. Deve constituir o núcleo concreto e real da atividade administrativa (JUSTEN FILHO, 2010, pg.16).

9.5 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO E O DIREITO

ADMINISTRATIVO

A visão de constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil é, de certa

forma, recente. Por isso, nos valemos das modernas idéias do ilustre doutrinador

Marçal Justen Filho, que brilhantemente leciona sobre o tema.

No Brasil, em especial, é imperioso destacar a nece ssidade de revisão do direito administrativo, que ainda está e ntranhado de concepções não democráticas, provenientes do passad o. A Constituição Federal de 1988 coroou um lento processo de aperfeiçoamento democrático da nação brasileira (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 21). (grifo nosso)

Aqui cabe um destaque para a inter-relação da idéia exposta no parágrafo

acima e do tema do presente trabalho, qual seja o destino a ser dado às concessões

de usinas hidrelétricas outorgadas sob a égide de um regime de governo

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completamente diferente do atual, e que não encontra amparo no atual contexto do

Estado Social e Democrático de Direito que se consubstancia nossa nação, quando

recriada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O Direito Administrativo à época da outorga das concessões de usinas

hidrelétricas nas décadas de 1960, 70 e 80 é completamente diferente do Direito

Administrativo atual, calcado na Constituição de 1988 e nas idéias modernas de

constitucionalização do Direito Administrativo e de um Estado Social e Democrático

de Direito.

A questão que se coloca é que, ainda, no Brasil, o Estado-poder e mesmo o

ordenamento jurídico é profundamente enraizado e ainda possui significativos

resquícios dos regimes e formas de governo passadas.

Nas palavras do conceituado doutrinador Marçal Justen Filho, em que pese

o aperfeiçoamento havido com a promulgação da Carta Magna de 1988:

Apesar disso, a atividade administrativa estatal continua a refletir concepções personalistas de poder, em que o governante pretende imprimir sua vontade pessoal como critério de validade dos atos administrativos e invocar projetos individuais como fundamento de legitimação para a dominação exercitada. A concepção de um Estado Democrático de Direito é muito mais afirmada (semanticamente) na Constituição do que praticada na dimensão governativa. Isso deriva da ausência de incorporação, no âmbito do direito administrativo, de concepções constitucionais fundamentais. É a visão constitucionalizante que se faz necessária para o direito administrativo brasileiro, o que importa a revisão dos conceitos pertinentes ao chamado regime de direito público (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 21).

9.6 O DIREITO ADMINISTRATIVO E A NEGAÇÃO DO PODER ARBITRÁRIO

Lembra-se que as relações jurídicas de direito público são vínculos entre um

sujeito que exerce o poder político, mas não titulariza o poder, e aqueles que sofrem

a atuação do poder político e o titularizam (em conjunto com os demais indivíduos).

Mas, como leciona Carlos Ari Sundfeld, “este último, porém, suporta o poder até

certo limite: o dos direitos que lhe são conferidos pela ordem jurídica (SUNDFELD,

2006, pg. 110).

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O direito administrativo é por excelência a parte da ciência do direito que mais agudamente coloca o conflito permanente entre a autoridade e a liberdade. Estado e indivíduo, ordem e liberdade: a tensão encerrada nestas idéias sintéticas é insolúvel (SUNDFELD, 2006, pg. 110).

Assim, e em síntese, a relação jurídica de direito público entre o Estado e os particulares é uma relação equilibrada por dois fatores:

a) De um lado, o fator autoridade, que confere prerrogativas ao Estado, entre as quais a de impor, unilateralmente, obrigações aos particulares. Com isto, realizar-se a supremacia do interesse público sobre o privado.

b) De outro lado, o fator limite da autoridade, a saber: a competência (definida pela finalidade a ser atingida pelo ato estatal) e o respeito dos direitos dos particulares. Assim, garante-se a efetiva realização do interesse público (visto a competência não poder ser utilizada senão para o fim previsto pelo Direito), ao mesmo tempo em que se preserva a liberdade (SUNDFELD, 2006, pg. 118).

Em uma concepção moderna e em sintonia com a Constituição da República

Federativa de 1988 então “o direito administrativo liga-se a este fundamental

objetivo: o da negação do poder arbitrário” (SUNDFELD, 2006, pg. 107).

Mister destacar, desta feita, que “nenhum ato administrativo é definitivo;

todos podem ser levados ao exame do judiciário, para aferição de sua legalidade”

(SUNDFELD, 2006, pg. 107).

O que se espera, no caso em tela, é que a decisão a ser tomada sobre o

destino das concessões das usinas hidrelétricas findo o prazo contratual, se dê

desprovido de interesses pessoais e/ou particulares e que ecoe em sintonia com os

princípios constitucionais, sob pena de ser revista pelo poder judiciário, no âmbito do

controle de constitucionalidade das leis e dos atos administrativos.

9.7 APLICABILIDADE DO DIREITO ADMINISTRATIVO AO CASO DAS

CONCESSÕES DE USINAS HIDRELÉTRICAS

Pelo exposto, nos parece ficar claro que o caso concreto do término das

concessões das usinas hidrelétricas, por se tratar, basicamente, de um conflito entre

os interesses públicos (dos usuários do serviço público – consumidores de energia,

do povo brasileiro – proprietários dos bens públicos explorados, do Poder Público –

possuidor do direito de exercício dos poderes políticos, etc.) e outros interesses

envolvidos (dos atuais concessionárias e de eventuais novos concessionários, de

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grupos econômicos ligados ao Poder Legislativo e/ou Executivo, dentre outros),

deve ser disciplinado com base no conceito e nos ensinamentos do Direito Público,

em especial, do Direito Administrativo e em sintonia com os seus princípios

norteadores.

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10. O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO: PRERROGATIVAS E SUJEIÇÕES

O regime jurídico-administrativo “é o conjunto de normas de direito público

próprias do direito administrativo e que condicionam a vontade da Administração

(sujeição) e permite-lhe o exercício de prerrogativas exorbitantes do direito privado”

(ROSA, 2010, pg. 21).

As prerrogativas são detidas pela Administração Pública para satisfazer o interesse público, condicionando ou limitando o exercício de direitos e liberdades do indivíduo, denotando a “supremacia do interesse público sobre o particular”. As sujeições restringem a autonomia de vontade da Administração Pública, que somente atua para atender ao interesse público e na forma permitida por lei. Daí o binômio prerrogativas e sujeições típico do regime jurídico aplicável para todos os órgãos e entidades que compõem a Administração Pública brasileira (ROSA, 2010, pg. 21).

Nas palavras da ilustre doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o regime

jurídico-administrativo é concebido para proporcionar à Administração Pública certas

características, afirma, assim, que, “basicamente, pode-se dizer que o regime

administrativo resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas e sujeições” (DI

PIETRO, 2009, pg. 60).

Para assegurar-se a autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins, são-lhe outorgados prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular (DI PIETRO, 2009, pg. 61).

Segundo os ensinamentos de Marçal Justen Filho:

O regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho de atividades e de organizações de interesse coletivo, vinculadas direta ou indiretamente a realização dos direitos fundamentais, caracterizado pela ausência de disponibilidade e pela vinculação à satisfação de determinados fins (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 47).

Uma orientação adotada por parcela relevante da doutrina do direito administrativo brasileiro consiste na tese de que o regime jurídico de direito administrativo se fundamentaria nos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 58).

A supremacia do interesse público significa sua superioridade sobre os demais interesses existentes em sociedade. Os interesses privados não podem prevalecer sobre o interesse público. A

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indisponibilidade indica a impossibilidade de sacrifício ou transigência quanto ao interesse público, e é uma decorrência de sua supremacia (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 59).

Para os defensores desse entendimento, a supremacia e a indisponibilidade do interesse público vinculam-se diretamente ao princípio da República, que impõe a dissociação entre titularidade e exercício do interesse público. Juridicamente, efetivo titular do interesse público é a comunidade, o povo. O direito não faculta ao agente público e poder para escolher entre cumprir e não cumprir o interesse público. O agente é um servo do interesse público – nessa acepção, o interesse público é indisponível (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 59).

A constituicionalização do Direito Administrativo, a Separação dos Poderes,

o conceito de República, a idéia de um Estado Social e Democrático de Direito,

dentre outras, vêm, então, em sintonia com a característica do regime jurídico-

administrativo, dispor certas prerrogativas, mas também impor certas condições e

limites para a atuação do Estado-poder, quando da prática de atos vinculados à

decisões sobre assuntos que impactam as garantias e direitos individuais e

fundamentais dos brasileiros, como é o caso do destino das concessões das usinas

hidrelétricas, findo o seu prazo contratual.

Sobre o enfoque prático, a história brasileira evidencia que a supremacia e a indisponibilidade do interesse público têm sido invocadas, com frequência, para justificar atos incompatíveis com a ordem constitucional democrática. É necessário, por isso, encontrar solução mais satisfatória e mais adequada em face da Constituição de 1988 (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 59).

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11. PRINCÍPIOS APLICADOS ÀS CONCESSÕES DE USINAS HI DRELÉTRICAS

Antes de abordar diretamente os princípios básicos aplicados às concessões

de usinas hidrelétricas, essencial se faz conhecer o significado e a extensão do que

se entende por princípios.

O primeiro passo, nesse sentido, é diferenciarmos as normas jurídicas em:

regras e princípios.

11.1 NORMAS JURÍDICAS: REGRAS E PRINCÍPIOS

Na doutrina clássica encontra-se, com facilidade, um consenso em torno da

idéia de que as normas jurídicas se diferenciam apenas em regras e princípios.

Neste sentido, encontramos a afirmação de Marçal Justen Filho, em seu

Curso de Direito Administrativo, de que “tornou-se pacífico entre os estudiosos o

reconhecimento de que o direito é um conjunto de normas jurídicas configuráveis

como princípios e regras” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 50).

Segundo Carlos Ari Sundfeld, nos ensinamentos encontrados em sua obra

intitulada Fundamentos de Direito Público, “o ordenamento jurídico contém duas

espécies de normas: regras e princípios” (SUNDFELD, 2006, pg. 145).

As regras são normas jurídicas que consagram uma solução determinada.

Na lição de Marçal Justen Filho, “a regra se configura como a imposição de

uma dentre diversas alternativas de conduta”. Acrescenta, ainda, que “a regra se

caracteriza por uma estrutura normativa dúplice, em que há a especificação de uma

hipótese de incidência e de um mandamento” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 53).

Os princípios, por sua vez, são normas abstratas e de observância

obrigatória em qualquer caso concreto, porque apresentam valores jurídicos.

Os princípios refletem valores. Mais ainda, traduzem o modo como uma Nação concebe e vivencia os valores. Portanto, os princípios são produzidos pelas instituições sociais, e é usual estarem explicitamente consagrados na Constituição. (JUSTEN FILHO, 2010, pgs. 52 e 53).

Os valores fundamentais são consagrados por meio de princípios, que refletem as decisões fundamentais da Nação (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 51).

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José Cretella Júnior, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro em sua obra

intitulada Direito Administrativo, leciona que “princípios de uma ciência são as

proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações

subsequentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência” (DI PIETRO,

2009, pg. 62)

Nas palavras do mestre Luiz Alberto Blanchet, “princípios são mandamentos

objetivos e absolutos” (BLANCHET, 2008, pg. 29).

O caráter absoluto dos princípios os diferencia das regras: enquanto o cumprimento destas condiciona-se à ocorrência concreta de situações que coincidam com hipóteses específicas previamente definidas pela lei, fenômeno a que denominamos subsunção, os princípios aplicam-se obrigatoriamente em qualquer hipótese (BLANCHET, 2008, pg. 29).

Encontra-se, ainda, na doutrina, devido à sua importância, autores que

elenquem os princípios como normas superiores às regras.

O princípio jurídico é norma de hierarquia superior à das regras, pois determina o sentido e o alcance destas, que não podem contrariá-lo, sob pena de pôr em risco a globalidade do ordenamento jurídico. Deve haver coerência entre os princípios e as regras, no sentido que vai daqueles para estas (SUNDFELD, 2006, pg. 145).

Carlos Ari Sundfeld ainda vai além, afirma que “conhecer os princípios do

direito é condição essencial para aplicá-lo corretamente” (SUNDFELD, 2006, pg.

145).

Quanto à função dos princípios na interpretação das regras pode-se dizer que:

a) é incorreta a interpretação da regra, quando dela derivar contradição, explícita ou velada, com os princípios;

b) quando a regra admitir logicamente mais de uma interpretação, prevalece a que melhor se afinar com os princípios;

c) quando a regra tiver sido regida de modo tal que resulte mais extensa ou mais restrita que o princípio, justifica-se a interpretação extensiva ou restritiva, respectivamente, para calibrar o alcance da regra com o do princípio (SUNDFELD, 2006, pg. 148).

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A idéia de que a interpretação das normas deve ser feita a partir do

conteúdo dos princípios do direito é o que determina, em seu art. 4º, a Lei de

Introdução ao Código Civil brasileiro.

Decreto-Lei n 4.657/42 – Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro

...

Art. 2. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito . (grifo nosso)

11.2 A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS

Os princípios, como normas abstratas e absolutas de aplicabilidade

obrigatória, trazem em seu bojo os valores consensados e aceitos pela coletividade

organizada que os deu origem, os legítimos detentores de poder em um Estado, o

povo.

Não se encontra, em qualquer ordenamento jurídico, um princípio que não

seja de consenso do povo, pois os princípios são originados desse próprio consenso

popular.

Importante destacar a importância dos princípios no ordenamento jurídico

brasileiro, pois, nas palavras de SUNDFELD, “os princípios são as idéias centrais de

um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a

compreensão de seu modo de organizar-se” (SUNDFELD, 2006, pg. 143).

Desta feita, tem-se que, é através da existência e da aplicação dos

princípios que se torna possível a afirmação de que o ordenamento jurídico de

determinado povo é uno e completo, pois todas as eventuais lacunas aventadas em

um sistema jurídico podem ser preenchidas através da aplicação das normas

principiológicas. Daí a sua fundamental importância.

11.3 OS PRINCÍPIOS NO DIREITO ADMINISTRATIVO

Os princípios apresentam importância fundamental para qualquer

ordenamento jurídico. São essenciais para o direito como um todo. Não o poderia

ser diferente para com o Direito Administrativo.

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Segundo diversos autores, no Direito Administrativo os princípios

apresentam uma importância ainda maior do que para outros ramos do direito. Veja-

se a idéia de alguns autores abaixo.

O direito público é formado por legislação totalmente esparsa, produzida sem método. Disso resulta uma (aparente) desordem, solúvel apenas com a consideração dos princípios (SUNDFELD, 2006, pg. 147).

Os princípios do Direito Administrativo constituem um sistema. Eles se conjugam. Eles convergem para o princípio maior, cuja idéia nuclear é a de “interesse público” (BLANCHET, 2008, pg. 30).

Os princípios apresentam enorme relevância no âmbito do direito administrativo. Tal deriva de que a atividade administrativa traduz o exercício de poderes-deveres, o que significa a vinculação no tocante ao fim a ser atingido (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 52).

Pode-se dizer, então, que os princípios desempenham função normativa extremante relevante no tocante ao regime de direito administrativo. Com algum exagero, poder-se-ia afirmar que os princípios possuem influência mais significativa no direito administrativo do que no direito privado (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 52).

Os princípios básicos da Administração Pública brasileira estão previstos na

Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 37º.

Capítulo VII – Da Administração Pública

Seção I – Disposições Gerais

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência ... (grifo nosso)

Para Márcio Fernando Elias Rosa, “a não observância de qualquer deles

compromete a atuação administrativa e pode impor a responsabilização da

Administração e do agente público” (ROSA, 2010, pg. 39).

Os princípios básicos da Administração, à luz do art. 37 da Constituição Federal, são: legalidade, segundo o qual ao administrador somente é dado realizar o quanto previsto na lei; impessoalidade, por quanto a atuação deve voltar-se ao atendimento impessoal, geral, ainda que venha interessar a pessoas determinadas, não sendo a atuação atribuída ao agente público, mas à entidade estatal; moralidade, que encerra a necessidade de toda a atividade administrativa, bem assim de os atos administrativos atenderem a um só tempo à lei, à moral, à equidade, aos deveres de

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boa administração; publicidade, que torna cogente e obrigatória a divulgação e o fornecimento de informações de todos os atos da Administração, seja de forma interna ou externa; e, por fim, eficiência, que impõe a necessidade de adoção, pelo administrador, de critérios técnicos, ou profissionais, que assegurem o melhor resultado possível, abolindo-se qualquer forma de atuação amadorística, obrigando também a entidade a organizar-se de modo eficiente (ROSA, 2010, pg. 39).

A idéia central de cada um dos princípios esculpidos no caput do artigo 37

da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 está resumida a seguir,

nas palavras do ilustre professor Carlos Ari Sundfeld.

Legalidade: a Administração não desfruta de liberdade; só podendo agir na aplicação de leis;

Impessoalidade: os atos da Administração devem tratar isonomicamente as pessoas e dirigir-se a fins públicos impessoais;

Moralidade: a moralidade administrativa é, ao lado da lei, um padrão de observância obrigatória para os agentes públicos;

Publicidade: a ação administrativa deve desenrolar-se de forma transparente e aberta, sem segredos;

Eficiência: a Administração não pode se limitar a cumprir formalidades; seu compromisso maior é com a realização efetiva dos interesses públicos (SUNDFELD, 2006, pg. 108).

Abordaremos, na sequência, com um pouco mais de profundidade, alguns

dos princípios gerais do direito e dos princípios, básicos ou não, da Administração

Pública que apresentam relação direta com o término das concessões das usinas

hidrelétricas.

11.4 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental

esculpido na Constituição da República Federativa do Brasil de 198816, já em seu

artigo 1º, inciso III.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Título I – Dos Princípios Fundamentais

16 Lembre-se que os princípios constitucionais são um conjunto de normas que fundamentam todas as demais

normas do ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual estão situados em posição de superioridade, pois as normas subordinadas à Constituição não podem contrariar as normas de hierarquia superior.

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Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III – a dignidade da pessoa humana;

O respeitável constitucionalista Alexandre de Moraes conceitua a dignidade

da pessoa humana da seguinte forma:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2005, pg. 128).

O Ministro Celso de Mello, em decisão ao HC 85988-PA/STJ–10.06.2005,

defende ser a dignidade humana o princípio central de nosso ordenamento jurídico,

sendo “significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira

todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país, além de base para a

fundamentação da ordem republicana e democrática”.

O princípio da dignidade da pessoa humana apresenta relação direta com as

concessões de usinas hidrelétricas, pelo fato de a atividade de geração de

eletricidade tratar-se de prestação de um serviço público, de interesse de toda a

coletividade.

O princípio da dignidade da pessoa humana é o direito de acesso a condições mínimas para uma vida digna (moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene), à livre manifestação do pensamento, à liberdade de crença, etc. (CARVALHO FILHO, 2007, pg. 9).

Nesse diapasão, veja-se a lição do professor Marçal Justen Filho, em sua

obra Teoria Geral das Concessões de Serviço Público, quando afirma que “sempre

que uma certa necessidade humana for qualificável como manifestação direta e

imediata da dignidade inerente ao ser humano, sua satisfação tenderá a produzir um

serviço público” (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 30).

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A prestação de serviços públicos pelo Estado ou por seus prepostos

consiste em um dos principais meios de efetivação da garantia dos direitos

fundamentais, que são previstos como cláusula pétrea na Carta Magna brasileira. Os

serviços públicos, por sua vez, são ligados principalmente aos direitos sociais, em

sintonia com o conceito de um Estado Democrático e Social de Direito, como o

criado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e que apresenta

previsão de prestações materiais pelo Estado-poder ao Estado-Sociedade, de forma

a se garantir a dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, em sintonia com o princípio da dignidade da pessoa humana,

destaca-se a previsão constitucional dos direitos sociais do povo brasileiro.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Capítulo II – Dos Direitos Sociais

Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Lembre-se que, além de a eletricidade por si só já proporcionar melhores

condições para que os seus usuários tenham uma vida digna, a prestação de

serviços públicos de educação, saúde e segurança, dentre outros, também passa

pela necessidade de o Estado produzir e disponilbilizar energia de forma universal e

módica, principalmente na forma de eletricidade, que possui maior flexibilidade para

utilização final.

Tem-se, desta forma, que, modernamente, para poder dar condições de

dignidade, o Estado precisa disponibilizar em seu território, de forma módica,

contínua e universal, entenda-se a toda sua população (e não somente ao povo17),

energia elétrica.

Conclui-se que a outorga e a exploração dos potenciais de energia

hidrelétrica pelo Estado são realizados com o objetivo mor de se atender ao

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

17 Lembre-se da diferenciação entre povo e população. Este último engloba não somente os nacionais mais todos

aqueles que vivem em um determinado território.

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11.5 PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA REPUBLICANA

O princípio da democracia republicana, princípio geral do direito e previsto

constitucionalmente, está diretamente vinculado ao conceito de República e de

Democracia.

Cabe apresentar, neste ponto, as previsões constitucionais do regime

republicano, da forma democrática de governo e a respeito da coisa pública, com

ênfase em alguns bens públicos, incluindo a previsão de sua exploração e/ou

utilização.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Título I – Dos Princípios Fundamentais

Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...

...

Título III – Da Organização do Estado

Capítulo II – Da União

Art. 20. São bens da União:

...

VIII – os potenciais de energia hidráulica;

...

Art. 21. Compete à União:

...

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

...

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

República é um regime de governo caracterizado pela investidura temporária

do chefe do Estado e dos integrantes do Poder Legislativo, com provimento por meio

de eleições populares. Vincula-se, também, desta forma, em especial no Brasil, com

a forma de governo democrática, que tem como base a participação do povo.

A palavra República e o seu conteúdo são derivados da expressão em latim

Res Publicae. Segundo informações extraídas da rede mundial de computadores, no

sítio eletrônico da Enciclopédia Livre, Wikipédia, “res publica é uma frase latina,

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composta de res + publica, significando literalmente a ‘coisa do povo’” (WIKIPÉDIA,

2011).

Ainda segundo Wikipédia “o termo normalmente se refere a uma coisa que

não é considerada propriedade privada, mas a qual é em vez disso mantida em

conjunto por muitas pessoas” (WIKIPÉDIA, 2011).

Importante apontar os ensinamentos de Marçal Justen Filho.

Na teoria do Estado, democracia e república são conceitos inconfundíveis. A república e um regime de governo, caracterizado essencialmente pela temporariedade dos mandatos dos governantes. A democracia é uma forma de governo, caracterizada pelo reconhecimento de que todo o poder político se vincula á soberania popular. Então, a república significa o exercício temporário e desinteressado do poder e a democracia, o governo pelo povo (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 124).

Por força da democracia republicana, as decisões estatais devem resultar da participação de todos os possíveis interessados, os quais são tratados como titulares de direitos equivalentes de participação na formação da vontade estatal (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 125).

A democracia republicana gera o governo fundado nas leis e no reconhecimento de direitos mínimos a todos os cidadãos, entre os quais o de participar na formação da vontade estatal (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 125).

Em suma, a democracia republicana contempla mecanismos de controle do poder dos governantes, impedindo que as competências governamentais sejam utilizadas para satisfação dos interesses egoísticos do governante ou de parcelas da população (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 125).

O princípio da democracia republicana apresenta relação direta com as

concessões de usinas hidrelétricas, também pelo fato de a prestação dos serviços

públicos de geração de eletricidade só ser possível através da utilização de

potenciais hidráulicos, que são considerados constitucionalmente como bens

públicos, entenda-se como coisa do povo.

Em sintonia com esse entendimento, importante destacar o conceito de bens

públicos, contido na lição do professor Marçal Justen Filho, em sua obra Curso de

Direito Administrativo: “bens públicos são os bens jurídicos atribuídos à titularidade

do Estado, submetidos a regime jurídico de direito público, necessários ao

desempenho das funções públicas ou merecedores de proteção especial” (JUSTEN

FILHO, 2010, pg. 1044).

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Têm-se então que, a geração de hidreletricidade se dá através da utilização

de uma coisa do povo, uma res publica, o potencial hidroenergético.

Assim, conclui-se que, na outorga e exploração do serviço público de

geração de hidreletricidade e nas decisões do Estado-poder a esse respeito, deve

ser observado, com ênfase, o Princípio da Democracia Republicana.

11.6 PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA

O princípio da livre iniciativa é um princípio constitucional, diretamente

aplicado às concessões de serviços públicos.

A livre iniciativa é um direito fundamental próprio do capitalismo. Consiste na vedação ao Estado de impor compulsoriamente aos particulares a escolha quanto ao modo de exploração econômica. Significa a liberdade de desempenho de atividades econômicas, de modo que os particulares possam aplicar seus recursos econômicos como bem entenderem. A livre iniciativa está referida no art. 170, parágrafo único (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 141).

Lembre-se que a livre iniciativa não impede a existência de serviços públicos (art. 175), nem de monopólios estatais (tal como se vê nos arts. 176 e 177) (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 141).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz o princípio da

livre iniciativa em seus artigos 1º, 170º e 173º, conforme segue.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Título I – Dos Princípios Fundamentais

Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa ; (grifo nosso)

...

Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira

Capítulo I – Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa , tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social... (grifo nosso)

...

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Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica , independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (grifo nosso)

...

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

A ressalva prevista no parágrafo único do artigo 170 da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, para o caso das usinas hidrelétricas, é

superada pela previsão de serem, os serviços de eletricidade, passíveis de

concessão, permissão e/ou autorização.

A idéia exposta no artigo 173 da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 justifica a não assunção da prestação do serviço público de geração

de energia elétrica pela União em caráter de exclusividade, mesmo que tal prestação

se consubstancie em atividade de relevante interesse coletivo. Deve prevalecer aqui

o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, para que se tenham disponíveis

ao povo serviços adequados, principalmente no tocante aos quesitos de qualidade,

eficiência e modicidade tarifária na prestação dos serviços públicos de eletricidade.

Nesse sentido, veja-se a afirmação de Fábio Ulhoa Coelho, de que “o perfil

que a Constituição desenhou para a ordem econômica tem natureza neoliberal”

(COELHO, 2007, pg. 186).

O prestígio que a liberdade de iniciativa recebe da Constituição significa, também, o reconhecimento de um direito titularizado por todos: o de explorarem atividades empresariais. Disso decorre o dever, imposto à generalidade das pessoas, de respeitarem o mesmo direito constitucional, bem como a ilicitude dos atos que impeçam o seu pleno exercício. Em duas direções se projeta a defesa do direito à livre iniciativa: contra o próprio estado, que somente pode ingerir-se na economia nos limites constitucionalmente definidos, e contra os demais particulares (COELHO, 2007, pg. 189).

Os princípios fundamentais e os gerais da atividade econômica

estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 também

não justificam a restrição das iniciativas por parte de empresas públicas e

sociedades de economia mista, nem restringem o direito de competirem, em

igualdade de condições, na disputa pelas concessões para a prestação do serviço

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público de geração de eletricidade, pois são atividades de relevante interesse

coletivo.

Fábio Ulhoa Coelho destaca que:

Ao delinear o perfil da ordem econômica como traço neoliberal, a Constituição, enquanto assegura aos particulares a primazia da produção e circulação dos bens e serviços, baliza a exploração dessa atividade com a afirmação de valores que o interesse egoístico do empresariado comumente desrespeita (COELHO, 2007, pg. 187).

Considera alguma doutrina jurídica, a partir do balizamento constitucional da livre iniciativa por valores de “justiça social e bem-estar coletivo”, que a exploração de atividade econômica com puro objetivo de lucro e de satisfação pessoal do empresário seria, sob o ponto de vista jurídico, ilegítima (COELHO, 2007, pg. 188).

O modelo econômico definido na Constituição se funda na livre iniciativa, mas consagra também outros valores com os quais aquela deve se compatibilizar. A defesa do consumidor, a proteção ao meio ambiente, a função social da propriedade e os demais princípios elencados pelo artigo 170 da Constituição Federal como informadores da ordem econômica (COELHO, 2007, pg. 187).

O conceito da livre iniciativa também deve ser encarado sob o ponto de vista

do usuário dos serviços de eletricidade, ou ao menos sob a ótica do chamdao

Consumidor Livre de energia, que deveria ter livre acesso a um sistema competitivo

para compra de energia diretamente de qualquer gerador de eletricidade que lhe

proporcione vantagem competitiva, mercado este que não pode ter restrições de

acesso a novos agentes.

A Carta Magna, em seu art. 1º, IV, estabelece como fundamentos da República os valores sociais do trabalho e de livre iniciativa, enquanto que o art. 3º, I, define como objetivo do Estado brasileiro a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Assim, a liberdade de iniciativa é conferida a todos aqueles que decidam empreender alguma atividade econômica, por sua conta e risco, admitida ou regulada pela Constituição e pelas leis. Quanto ao consumidor, a liberdade que a Lei Maior lhe confere é a que o Estado tem entre seus objetivos, ou seja, assegurar que a sociedade seja livre. A conseqüência é que o Estado deve intervir na distribuição de produtos e na prestação de serviços de forma a garantir essa liberdade na aquisição de bens, ou de regular aquelas atividades essenciais às pessoas nas quais elas não têm capacidade de escolha. A constituição reconhece a vulnerabilidade do consumidor, ao referir-se à “defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII e art. 170, V), enquanto o Código de Defesa do Consumidor o faz expressamente. Quando a situação real é de necessidade e não de liberdade, o Estado pode e deve intervir, de forma a garantir a prestação dos

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serviços públicos e os direitos dos usuários (CALDAS, 2004, pgs. 101 e 102).

Outra questão que se põe é se a entrada de novos agentes no mercado da

prestação de serviços públicos não poderia proporcionar um ganho de eficiência,

com a utilização de novos métodos ou técnicas, por exemplo.

Parece-nos não fazer sentido, também, a idéia de vedar a entrada de novos

agentes no mercado de geração de energia através da exploração de

empreendimentos já em operação. Se é garantido o livre acesso a novos agentes

para a implantação e exploração de novos empreendimentos de geração de energia,

por que não permitir o acesso à exploração dos empreendimentos já implantados?

Acredita-se que a livre iniciativa não possa encontrar limitações. Assim, se alguns

agentes, públicos e privados, tiveram a oportunidade de acessar tal atividade

econômica no passado, não se pode impedir a entrada de novos agentes

econômicos hodiernamente.

O princípio da livre iniciativa é inter-relacionado com a questão da outorga

das concessões de usinas hidrelétricas, serviço público vinculado à satisfação do

povo e a garantia de seus direitos fundamentais, em especial, o da dignidade da

pessoa humana, além de estar relacionado com a utilização de um bem público, que

deve ser norteada pela idéia da função social da propriedade e da redução das

desigualdades regionais e sociais e na defesa do meio ambiente.

As previsões constitucionais dos princípios da atividade econômica

delineiam as bases de um modelo econômico para o Brasil baseado na liberdade de

iniciativa, que tem por finalidade assegurar a todos os brasileiros a existência digna,

conforme os ditames da justiça social, sem exclusões nem discriminações, e com a

observância de outras questões de igual relevância social, como a função social da

propriedade e a conservação do meio ambiente, como exemplos inerentes ao caso

das concessões de usinas hidrelétricas.

11.7 PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA

O princípio da livre concorrência também é um princípio constitucional e

apresenta características semelhantes a alguns dos princípios básicos da

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Administração Pública, quais sejam os princípios da isonomia e o da

impessoalidade.

O princípio da isonomia (ou da igualdade) determina que o Poder Público,

dentro das mesmas condições, deve tratar todos de forma igual. Tal princípio é

encontrado no caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais

Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos

Art. 5. Todos são iguais perante a lei , sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade , à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifo nosso)

...

O princípio da impessoalidade nos ensina que o Poder Público não pode

prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas. Tal princípio é encontrado no caput

do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Capítulo VII – Da Administração Pública

Seção I – Disposições Gerais

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência... (grifo nosso)

A previsão constitucional do princípio da livre concorrência, em específico, é

encontrada no inciso IV, do artigo 170.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira

Capítulo I – Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

...

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IV – livre concorrência;

Segundo Marçal Justen Filho, em sua obra Curso de Direito Administrativo,

“a livre concorrência significa a vedação à interferência estatal sobre os mecanismos

de competição econômica” (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 142).

A atividade econômica se sujeita aos mecanismos de mercado, os quais influenciam a alocação de recursos e a formação dos preços. De modo direto, a livre concorrência está protegida pelo art. 170, IV, da CF/88. Mas comporta proteção por outras vias, tal como se constata do art. 174, que restringe a interferência estatal no âmbito da competição econômica (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 142).

Por outro lado, há disciplina de extraordinária importância, contemplada no art. 173 e seu § 1º da Constituição. Ali se faculta ao Estado o exercício direto de atividades econômicas, desde que preenchidos determinados pressupostos. Mas se estabelece que, quando assumir diretamente o desempenho de atividades econômicas, o Estado se sujeitará ao regime de direito privado, sendo vedada a atribuição a ele de algum benefício ou vantagem não assegurado igualmente aos demais particulares (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 142).

A livre concorrência não elimina o dever de intervenção estatal para reprimir abusos e desvios (CF/88, art. 173, § 4º) (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 142).

O princípio da livre concorrência, aplicado às concessões de serviços

públicos, deve ser olhado também sob a ótica da eficiência, como nos ensina Marçal

Justen Filho, em seu livro intitulado Teoria Geral das Concessões de Serviço

Público.

Lembre-se que o monopólio é visto como uma disfunção econômica. Num cenário de economia de mercado, o valor primordial consiste na competição, por meio da qual se obtêm ganhos de eficiência – traduzindo-se em prestações de melhor qualidade, com preços mais reduzidos. Por isso, reputa-se que os monopólios são indesejáveis inclusive sob o prisma econômico – ressalvadas as hipóteses do chamado monopólio natural (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 40).

Sobre o princípio da livre concorrência aplicado às concessões de serviços

públicos na Comunidade Européia, Marçal Justen Filho, acrescenta:

O que se admitiu foi a eventual necessidade econômica de regimes de privilégio, sempre que se caracterizasse um monopólio natural. Poderia afastar-se a aplicação das regras da livre concorrência se isso fosse indispensável para viabilizar economicamente o

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desempenho de atividades de interesse geral (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 37).

Apesar de tudo, o perfil do serviço público sofreu inovações significativas nesse percurso comunitário. Como decorrência, vem-se desenvolvendo um processo dialético, em que a configuração do serviço público apresenta novas características. Entre elas, encontra-se a acentuação da importância da extinção de monopólios. Reputa-se que o maior argumento contra o serviço público reside não no desempenho de atividades por parte do Estado, mas na ausência de concorrência. Um monopólio público é tão nocivo quanto um privado e o maior fator para gerar ineficiência e precariedade no âmbito dos serviços públicos reside na ausência de competição entre sujeitos diversos (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 38).

Não seria exagero afirmar que a teoria dos serviços públicos, no âmbito comunitário europeu, orienta-se não propriamente à extinção da figura, mas se volta a produzir a implantação da competição ou de mecanismos equivalentes à competição. O que se pretende é evitar que o Estado (ou agente privado) valha-se da posição de monopólio para prestar atividades mais inadequadas e onerosas do que seria possível. Reputa-se que a intervenção regulatória estatal é insuficiente ou inadequada para gerar a ampliação da eficiência econômica indispensável à prestação de serviços adequados. A melhor alternativa é reduzir a intervenção estatal e ampliar os mecanismos de competição, que são o instrumento mais satisfatório para produzir eficiência (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 38).

Desta feita, sendo uma tendência inclusive na comunidade européia, que é o

Estado que mais profunda e recentemente tem discutido a questão da livre

concorrência relacionada à prestação de serviços públicos, acredita-se que também

no Brasil, a prestação dos serviços públicos de uma forma geral, e, em especial no

tocante à geração de hidreletricidade, deva dar-se em um ambiente competitivo e

com liberdade de acesso (livre iniciativa) e condições de igualdade e isonomia a

todos os agentes econômicos que possuem interesse em atuar nesse segmento da

economia.

11.8 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE OU FINALIDADE

O princípio da impessoalidade, ou princípio da finalidade, é um princípio

constitucional arrolado como um dos princípios básicos da Administração Pública.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

Impessoalidade ou Finalidade – O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para seu fim leal. E o fim leal é unicamente

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aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal (MEIRELLES, 2010, pg. 93).

E a finalidade terá sempre um objetivo certo inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público (MEIRELLES, 2010, pg. 93).

11.9 PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

O princípio da supremacia do interesse público é inerente à vida em

sociedade, que é um apanágio dos seres humanos.

A supremacia do interesse público configura verdadeiro imperativo lógico da vida comunitária. A coexistência em sociedade não seria possível se, nas situações em que conflitassem o interesse público e o particular, não prevalecesse o primeiro (BLANCHET, 2008, pg. 34).

O princípio da supremacia do interesse público nos traz a idéia de que, “no

confronto entre o interesse do particular e o interesse público, prevalecerá o

segundo” (ROSA, 2010, pg. 47).

Agustín A. Gordillo indica que o interesse público apresenta três aspectos a serem considerados: a conveniência, a segurança jurídica e a justiça. O interesse público baseado unicamente na conveniência, que, para beneficiar materialmente a coletividade, destrói o legítimo direito de um indivíduo, é contrario ao interesse público sob o ponto de vista do valor justiça, sendo, portanto, um falso interesse público. Assim, não é direito simplesmente tudo que beneficia a coletividade, mas sim tudo o que beneficia a coletividade, e que se cria com segurança jurídica e que aspira a ser justiça. Admitir que se possa beneficiar a coletividade sobre uma base de aniquilação dos direitos dos indivíduos, resulta numa contradição insanável, pois, ao destruir os direitos individuais em favor da coletividade, também se destrói a base necessária de segurança jurídica e de justiça sobre a qual a coletividade repousa (CALDAS, 2004, pg. 101).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona que a supremacia do interesse público

deve ser levado em consideração não apenas no âmbito do Poder Executivo, mas

também no tocante aos demais poderes.

Esse princípio, também chamado de princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação (DI PIETRO, 2009, pg. 64).

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A mesma conceituada doutrinadora nos elucida ainda a relação deste

princípio com o conceito dos serviços públicos no contexto atual.

O Direito deixou de ser apenas instrumento de garantia dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum, do bem-estar coletivo. (DI PIETRO, 2009, pg. 65).

Em nome do primado do interesse público, inúmeras transformações ocorreram: houve uma ampliação das atividades assumidas pelo Estado para atender às necessidades coletivas, com a consequente ampliação do próprio conceito de serviço público (DI PIETRO, 2009, pg. 64).

O conflito existente entre os interesses particulares e públicos é claramente

identificado na maioria dos serviços públicos. Também o é na utilização de bens

públicos pelos concessionários. Em especial, no caso das atividades inerentes aos

serviços de eletricidade, este conflito é ainda mais claro e evidente, como nos

demonstra o ilustre doutro Geraldo Pereira Caldas, citado a seguir.

Tal é o caso da prestação dos serviços públicos de energia elétrica. Neste ramo de atividade, temos, de um lado, os interesses particulares dos concessionários e de outro, os interesses individuais dos consumidores. O interesse público a ser priorizado pelo Estado é que o serviço seja prestado atendendo os princípios da permanência, generalidade, eficiência, atualidade, modicidade e cortesia (CALDAS, 2004, pg. 102).

Segundo Hely Lopes Meirelles, o princípio do interesse público também

pode ser chamado de princípio da finalidade pública.

O interesse público ou supremacia do interesse público: também chamado de princípio da supremacia do interesse público ou da finalidade pública (MEIRELLES, 2010, pg. 105).

O princípio do interesse público está intimamente ligado a finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente á atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares (MEIRELLES, 2010, pg. 105).

Dele decorre o princípio da indisponibilidade de serviço público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado (MEIRELLES, 2010, pg. 105).

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Em razão destas idéias temos que a supremacia do interesse

consubstancia-se em um poder-dever a ser observado pelo Estado-poder, que deve

agir sempre de acordo com a sua finalidade primeira, a satisfação dos interesses

públicos. Também é decorrente desta idéia a indisponibilidade do interesse público,

como se verá.

11.10 PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO

O interesse público, por ser supremo, e dever sempre ser observado pelos

agentes do Estado-poder, por consequência, racional e lógica, torna-se indisponível.

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, temos que:

Ligado a esse princípio de supremacia do interesse público – também chamado de princípio da finalidade pública – está o da indisponibilidade do interesse público que, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello (2004:69), “significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis”. Mais além, diz que “as pessoas administrativas não têm portanto disponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda e realização (DI PIETRO, 2009, pg. 65).

O princípio do interesse público está expressamente previsto no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, e especificado no parágrafo único, com a exigência de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei” (inciso II). Fica muito claro no dispositivo que o interesse público é irrenunciável pela autoridade administrativa (DI PIETRO, 2009, pgs. 66 e 67).

Importante salientar que não apenas os interesses públicos de forma

genérica são indisponíveis, mas também o são os recursos públicos, materiais e

imateriais, aí incluídos os recursos naturais energéticos, utilizáveis ou não para a

prestação de serviços públicos.

Estreitamente relacionado com o princípio da finalidade, a indisponibilidade dos recursos públicos para fins estranhos aos de interesse da comunidade aponta para a impossibilidade de os agentes da Administração disporem dos bens, meios e quaisquer recursos públicos para satisfação de interesse pessoal seu ou de

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outro particular. Como se vê, o princípio da indisponibilidade do patrimônio público é subsidiário a este, pois a indisponibilidade não se refere apenas a bens, mas a todo recurso público ou meio colocado à disposição da Administração para atendimento das necessidades públicas (BLANCHET, 2008, pg. 35).

Tal é o que acontece com os potenciais hidroenergéticos, que são bens da

união, inapropriáveis, inalienáveis e que não podem ser dispostos pela

Administração Pública, nem mesmo em virtude de lei, por serem propriedades da

União, conforme previsão constitucional. A indisponibilidade sobre tais bens, assim

como sobre o interesse sobre os benefícios que deles podem provir, se mostra

imperativo.

11.11 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

O princípio da eficiência é um princípio constitucional arrolado como um dos

princípios básicos da Administração Pública.

Segundo Hely Lopes Meirelles, “o princípio da eficiência exige que a

atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento

funcional” (MEIRELLES, 2010, pg. 98).

É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros (MEIRELLES, 2010, pg. 98).

Vejamos também as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público (DI PIETRO, 2009, pg. 82).

É com este objetivo que estão sendo idealizados institutos, como os contratos de gestão, as agências autônomas, as organizações sociais e tantas outras inovações com que se depara o administrador a todo momento (DI PIETRO, 2009, pg. 83).

Lembramos, então, o ensinamento de Jesus Leguina Villa (1995:637) a respeito dessa oposição entre os dois princípios quando o autor afirma: “Não há dúvida de que a eficácia é um princípio que não se

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deve subestimar na Administração de um Estado de Direito, pois o que importa aos cidadãos é que os serviços públicos sejam prestados adequadamente. Daí o fato de a Constituição o situar no topo dos princípios que devem conduzir a função administrativa dos interesses gerais” (DI PIETRO, 2009, pg. 83).

A aplicação do princípio da eficiência aos serviços públicos é imperativa e

absolutamente necessária. Tanto nos serviços prestados diretamente pelo Estado,

quanto naqueles delegados e nos objeto de concessão. Nesse sentido, veja-se a

afirmação de Márcio Fernando Elias Rosa, quando se refere à prestação dos

serviços públicos: “o serviço deve ser prestado de modo a atender efetivamente as

necessidades do usuário, do Estado e da sociedade, com baixo custo e maior

aproveitamento possível” (ROSA, 2010, pg. 86).

11.12 PRINCÍPIO DA MODICIDADE TARIFÁRIA

O princípio da modicidade tarifária é um princípio aplicado direta e

irrestritamente aos serviços públicos.

Segundo o mestre Blanchet, “módica é, pois, a tarifa que propicia ao

concessionário condições para prestar serviço adequado e, ao mesmo tempo, lhe

possibilita à justa remuneração dos recursos comprometidos na execução do objeto

da concessão” (BLANCHET, 2008, pg. 66).

Modicidade das tarifas é o princípio relativo ao valor do preço público cobrado do usuário pela utilização do serviço. O vocábulo “módico”, derivado do latim modicu pode ter, entre outros significados, os de exíguo, pequeno, modesto, moderado, limitado. Logicamente a modicidade a que se refere a lei não se limita ao sentido comum, concretamente, do termo, mas ao seu significado jurídico (BLANCHET, 2008, pg. 65).

A amplitude da modicidade da tarifa não pode chegar ao ponto de comprometer a adequação do serviço (BLANCHET, 2008, pg. 66).

Neste sentido, importante verificar a afirmação de Márcio Fernando Elias

Rosa sobre o limite do princípio da modicidade tarifária.

O princípio impede que o fator econômico (custo) se traduza em fato impeditivo para a fruição do serviço público. Associado à acessibilidade, a modicidade exige que a política tarifária observe o poder econômico daqueles que usufruem dos serviços públicos (ROSA, 2010, pg. 87).

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Sobre o princípio da modicidade tarifária, importante considerar as lições de

Marçal Justen Filho:

Observa-se que o princípio da modicidade das tarifas públicas deriva dos princípios constitucionais. A razão de ser de um serviço público ou de uma atividade econômica de interesse geral relaciona-se com a menor tarifa possível. Quando aos arts. 1º, 3º, 37 e 170 da CF/88 impõe a redução das desigualdades, proíbem o desperdício, asseguram a função social da propriedade privada e reconhecem a dignidade da pessoa humana – esse plexo normativo significa que nenhum cidadão poderá ser constrangido a pagar mais do que seria necessário para fruir de utilidades essenciais, mesmo quando a satisfação se fizer sob regime de Direito Privado (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 67).

Em última análise, o que importa para o contribuinte brasileiro ou para o

consumidor final da energia elétrica produzida no Brasil, além da qualidade da

energia, é o baixo preço a ser pago pela utilização da energia proveniente de um

bem público e que pertence a toda a população brasileira.

Nesse sentido, acredita-se que independentemente do agente que vier a

explorar o bem público, o que interessa é que a energia a ser gerada pela

exploração do bem seja módica.

Assim, o princípio que deve prevalecer, quando se compara a modicidade

tarifária de um lado, e a preferência da exploração de um bem nacional por um

concessionário nacional de outro, acredita-se ser o princípio da modicidade tarifária.

11.13 PRINCÍPIO DA LICITAÇÃO PARA CONCESSÃO DOS SERVIÇOS

PÚBLICOS

O princípio da licitação para concessão dos serviços públicos é um princípio

constitucional, encontrado no caput do artigo 175 da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira

...

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Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

O processo de outorga de concessão dos serviços públicos foi idealizado

para ser realizado através de licitação, visando-se a obtenção, de forma mais fácil e

célere possível, da almejada modicidade tarifária, eficiência e vantajosidade para os

usuários dos serviços públicos, para o Estado-sociedade de uma forma geral e

também para a Administração Pública.

Neste sentido, vejam-se as lições de Marçal Justen Filho.

A constituição de 1988 determinou de modo explícito, a obrigatoriedade de concessão e permissão serem concedidas mediante prévia licitação (art. 175 da CF/88). Assinala-se que tal como todo o ato praticado pelo Poder Público, a outorga de concessão e permissão deve ser norteada pelos princípios da vantajosidade e da isonomia. O ente estatal está obrigado a buscar a melhor solução (técnica econômica) para a prestação do serviço por via de concessão. Por outro lado, está constrangido a propiciar a todos os interessados a oportunidade de competir em igualdade de condições para obter a outorga (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 192).

A incidência dos princípios da licitação assimila a concessão (e a permissão) às demais atividades administrativas, no sentido de que nenhuma circunstância justifica privilégios na seleção do particular selecionado. Concessão e permissão não são institutos “especiais”, refratários à licitação. Bem por isso, todas as leis sobre concessões impuseram a obrigatoriedade do procedimento licitatório prévio (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 192).

Dispõe o artigo 124 da Lei de Licitações (Lei n 8.666/1993), em seu caput:

Lei nº 8.666/1993

Art. 124. Aplicam-se às licitações e aos contratos para permissão ou concessão de serviços públicos os dispositivos desta lei que não conflitem com a legislação específica sobre o assunto.

O artigo 14 da Lei Geral de Concessões (Lei 8.987/1995) é explicito no que

se refere à aplicabilidade da Lei de Licitações no processo de outorga de

concessões.

Lei nº 8.987/1995

Art. 14. Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legalidade,

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112

moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório.

No entanto, para o caso dos serviços de geração de energia elétrica, o

monopólio natural não se caracteriza, impondo-se, consequentemente, a aplicação

do princípio da licitação.

Alguns autores defendem ainda a idéia de que a geração de energia elétrica

não se consubstanciaria em um serviço público, por não ser prestada diretamente

para os usuários e não remunerada estritamente por uma tarifa.

No entanto, os geradores de hidreletricidade podem comercializar sua

energia diretamente aos chamados consumidores livres e a remuneração que

recebem pela prestação deste serviço e pela entrega do produto eletricidade é um

tipo de tarifa, caracterizada como preço público.

Existem ainda autores que defendem que a geração de energia elétrica faz

parte da cadeia de atividades necessárias à prestação dos serviços públicos de

eletricidade, consubstanciando-se, desta forma, sim, em um serviço público,

remunerado através de um preço público (entenda-se, uma forma de tarifa), e, desta

forma, adstrito ao princípio da licitação.

Ocorre também que a geração de energia elétrica através da exploração de

um bem público (o potencial hidrelétrico) concretiza-se pela exploração e uso de um

bem público, para o que, a outorga, igualmente, deve ser precedida de processo

licitatório.

Ademais, visualiza-se que com a realização de processos licitatórios para a

exploração de potenciais hidrelétricos obter-se-ão, com mais facilidade, as

almejadas eficiência e vantajosidade para os usuários, Estado-sociedade e

Administração Pública, além da inerente modicidade tarifária.

11.14 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE

O princípio da continuidade também é um princípio aplicado direta e

irrestritamente aos serviços públicos.

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O princípio obriga a prestação ininterrupta da atividade identificada como serviço público, colocando-se à fruição do usuário que dele necessita para satisfação de suas necessidades. O serviço público deve ser acessível e prestado de forma contínua. O princípio não proíbe a interrupção justificada da prestação do serviço e que pode decorrer do não atendimento, pelo usuário, de exigências próprias (não observa as condições impostas para fruição do serviço), do não pagamento de remuneração imposta (taxas, tarifas ou preços públicos, conforme a natureza do serviço) ou ainda, das necessidades próprias do prestador de serviços (ROSA, 2010, pg. 84). (grifo nosso)

Como visto antes, acerca da interrupção no fornecimento ou prestação em razão do não pagamento pelo usuário há grande dissenso. Entre as teses defendidas, há a que não admite a suspensão dos serviços compulsórios, impositivos para o usuário, e há as que admitem a interrupção nos serviços de fruição facultativa, remunerados por preço público e desde que o usuário seja notificado previamente. Se a própria Administração Pública for a usuária do serviço público, não deve ser admitida a interrupção, sob pena de comprometimento de outros serviços públicos (instituições de ensino, correios, repartições públicas etc.). Por vezes, no entanto, noticia-se a interrupção em razão do inadimplemento da Administração-usuária, admitindo-se o corte, por exemplo, de energia elétrica em museus, escolas, hospitais, câmaras municipais. O Superior Tribunal de Justiça, decidindo a questão, fixou a impossibilidade em razão da natureza da atividade exercida pelo órgão ou entidade pública, excluindo, por exemplo, a possibilidade de corte para os serviços essenciais (Resp 460.271-SP) (ROSA, 2010, pg. 85).

11.15 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade é um princípio constitucional arrolado como um dos

princípios básicos da Administração Pública.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

A legalidade, como princípio de Administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso (MEIRELLES, 2010, pg. 89).

11.16 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

O princípio da segurança jurídica é um princípio constitucionalmente

implícito e aplicável aos institutos da Administração Pública e necessário à

estabilidade das atividades econômicas e empresariais.

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Segundo Hely Lopes Meirelles:

Segurança jurídica: O princípio da segurança jurídica é considerado como uma das vigas mestras da ordem jurídica, sendo, segundo J. J. Gomes Canotilho, um dos subprincípios básicos do próprio conceito do Estado de Direito. Para Almiro de Couto e Silva, um “dos temas mais fascinantes do Direito Público neste século é o crescimento da importância do princípio da segurança jurídica, entendido com princípio da boa-fé dos administrados ou da proteção da confiança. A ele está visceralmente ligada a exigência de maior estabilidade das situações jurídicas, mesmo daqueles que na origem apresentam vícios de ilegalidade. A segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito” (MEIRELLES, 2010, pgs. 99 e 100).

O serviço público de geração de energia elétrica no Brasil precisa de uma

segurança jurídica no tocante ao destino a ser dado às concessões findo o seu

prazo contratual.

O que se necessita é que se estabeleça a disciplina a ser aplicada às

concessões que se extinguem em 2015 e que tal disciplina seja genericamente

aplicada a todas as demais extinções de concessões de geração de energia elétrica

que ocorrerão futuramente.

Com a disciplina a ser aplicada com o advento do termo contratual das

concessões de usinas hidrelétricas de forma abstrata e genérica, seja a disciplina

que for, acredita-se que o setor elétrico brasileiro gozará de segurança jurídica.

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12. BENS PÚBLICOS

Os potenciais de energia hidrelétrica são considerados, inclusive com

previsão constitucional (inciso VIII, do artigo 20), como bens públicos da União. A

utilização destes potenciais é condição de existência das usinas hidrelétricas.

O exercício de propriedade sobre os bens públicos de uma determinada

nação, e mesmo as condições e as bases de sua utilização, vinculam-se,

intrinsecamente, à soberania nacional.

O Estado, como Nação politicamente organizada, exerce poderes de Soberania sobre todas as coisas que se encontram em seu território. Alguns bens pertencem ao próprio Estado; outros, embora pertencentes a particulares, ficam sujeitos às limitações administrativas impostas pelo Estado; outros, finalmente, não pertencem a ninguém, por inapropriáveis, mas sua utilização subordina-se às normas estabelecidas pelo Estado. Este conjunto de bens sujeitos ou pertencentes ao Estado constitui o domínio público (MEIRELLES, 2010, pg. 545).

Em sintonia com estas premissas, analisaremos, na sequência, os conceitos

de domínio público e de bem público, as características dos bens públicos e sua

classificação, assim como as formas de utilização de tais bens previstas no

ordenamento jurídico brasileiro.

12.1 DOMÍNIO PÚBLICO

Segundo a Enciclopédia Livre, Wikipédia, “em termos de política ou direito,

domínio é o efeito de dominar, ou seja, exercer autoridade sobre algo ou alguém”

(WIKIPEDIA, 2011).

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a expressão domínio público é

equívoca, no sentido de que admite vários significados” (DI PIETRO, 2009, pg. 668).

O conceito de domínio público não é consenso na doutrina18, mas vejamos

um importante conceito extraído das lições de Hely Lopes Meirelles.

18 Dentre as várias teorias que procuram conceituar o domínio público, assinalem-se a da afetação ao serviço

público, de Duguit; a do uso público, de Berthélemy; a da submissão ao Poder Público, de Jéze; a da propriedade administrativa, de Hauriou; a da propriedade de Direito Público, de Mayer; a do patrimônio fiscal, de Fleiner; a da propriedade jurídico-pública, de Cammeo; a dos bens vinculados aos serviços administrativos, de Pessutti; a da finalidade pública, de D' Alessio; a do uso de direito da coletividade, de Bielsa ; a da utilidade ou comodidade comum, de Spota; a da propriedade “sui generis”,, de Sarría; a do regime jurídico especial, de Basavilbaso (MEIRELLES, 2010, pg. 546).

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O conceito de domínio público não é uniforme na doutrina, mas os administrativistas concordam em que tal domínio, como direito de propriedade, só é exercido sobre os bens pertencentes às entidades públicas e como poder de Soberania interna, alcança tanto os bens públicos como as coisas particulares de interesse coletivo (MEIRELLES, 2010, pg. 546).

A expressão domínio público ora significa o poder que o Estado exerce sobre os bens próprios e alheios, ora designa a condição desses bens. A mesma expressão pode ainda ser tomada como o conjunto de bens destinados ao uso público (direto ou indireto – geral ou especial – uti singuli ou uti universi), como pode designar o regime a que se subordina esse complexo de coisas afetadas de interesse público (MEIRELLES, 2010, pg. 546).

A equivocidade da expressão obriga-nos a conceituar o domínio público em sentido amplo e em seus desdobramentos político (domínio eminente) e jurídico (domínio patrimonial) (MEIRELLES, 2010, pg. 546).

Neste sentido, encontramos a didática explanação a respeito do tema,

exposta pelo mestre Luiz Alberto Blanchet, que, assertivamente, afirma que, “o

domínio público abrange o domínio iminente e o domínio patrimonial. Ele é exercido

pelo Estado mediante limitações administrativas (em nome do domínio iminente) e

no exercício de seu direito de propriedade (em nome do domínio patrimonial)”

(BLANCHET, 2008, pg. 163).

Segundo Hely Lopes Meirelles:

O domínio público em sentido amplo é o poder de dominação ou de regulamentação que o Estado exerce sobre os bens do seu patrimônio (bens públicos), ou sobre os bens do patrimônio privado (bens particulares de interesse público), ou sobre as coisas inapropriáveis individualmente, mas de fruição geral da coletividade (res nullius). Neste sentido amplo e genérico o domínio público abrange não só os bens das pessoas jurídicas de Direito Público Interno como as demais coisas que, por sua utilidade coletiva, merecem a proteção do Poder Público, tais como as águas, as jazidas, as florestas, a fauna, o espaço aéreo e as que interessam ao patrimônio histórico e artístico nacional (MEIRELLES, 2010, pg. 546).

Exterioriza-se, assim, o domínio público em poderes de Soberania e em direitos de propriedade. Aqueles se exercem sobre todas as coisas de interesse público, sob a forma de domínio eminente; estes só incidem sobre os bens pertencentes às entidades públicas, sob a forma de domínio patrimonial (MEIRELLES, 2010, pg. 546).

O domínio eminente é o poder político pelo qual o Estado submete à sua vontade todas as coisas de seu território. É uma das manifestações da Soberania interna; não é direito de propriedade. Como expressão da Soberania Nacional, não encontra limites senão no ordenamento jurídico-constitucional estabelecido pelo próprio

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Estado. Esse domínio alcança não só os bens pertencentes às entidades públicas como a propriedade privada e as coisas inapropriáveis, de interesse público (MEIRELLES, 2010, pgs. 546 e 547).

O domínio patrimonial do Estado sobre seus bens é direito de propriedade, mas direito de propriedade pública, sujeito a um regime administrativo especial. A esse regime subordinam-se todos os bens das pessoas administrativas, assim considerados bens públicos e, como tais, regidos pelo Direito Público, embora supletivamente se lhes apliquem algumas regras da propriedade privada (MEIRELLES, 2010, pg. 547).

Temos assim que, no caso em tela, sobre os potenciais brasileiros de

energia hidrelétrica, além de serem considerados como bens de propriedade da

União, domínio patrimonial, há que se considerar, principalmente, se tratarem de

coisas inapropriáveis e que devem ser usufruídas apenas de acordo com o interesse

público e em sintonia com o conceito de Soberania nacional, vinculadas, portanto,

de acordo com a classificação apresentada, ao domínio público eminente.

12.2 O CONCEITO DE BENS PÚBLICOS

Primeiramente faz-se necessário conceituar a expressão “bem”, de uma

maneira geral.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

Conceituando os bens em geral, o Código Civil os reparte inicialmente em públicos e particulares, esclarecendo que são públicos os do domínio nacional, das pessoas jurídicas de Direito Público Interno, e particulares todos os outros, seja qual for a pessoa a que pertencerem (art. 98) (MEIRELLES, 2010, pg. 549).

Uma definição sucinta de bens públicos é apresentada por Márcio Fernando

Elias Rosa, conforme segue:

É o conjunto de bens pertencentes a pessoas jurídicas de direito público (União, Distrito Federal, Estados-Membros, Municípios, autarquias e fundações), assim como os que estejam destinados à prestação de serviços públicos, equiparando-se a estes o conjunto de bens formadores do patrimônio das pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista) criadas pelas entidades estatais, quando prestadoras de serviços públicos (ROSA, 2010, pg. 181).

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O conceito de bem público não é consenso na doutrina, tanto a nacional,

quanto alienígena. Neste sentido, vejamos alguns dos conceitos de bens públicos

propostos por renomados doutrinadores brasileiros.

Bens públicos, em sentido amplo, são todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais (MEIRELLES, 2010, pg. 549).

Bens públicos são os bens jurídicos atribuídos à titularidade do Estado, submetidos a regime jurídico de direito público, necessários ao desempenho das funções públicas ou merecedores de proteção especial (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 1044).

Segundo a definição de Cretella Júnior (1984:29), bens do domínio público são “o conjunto das coisas móveis e imóveis de que é detentora a Administração, afetados quer a seu próprio uso, quer ao uso direto ou indireto da coletividade, submetidos a regime jurídico de direito público derrogatório e exorbitante do direito comum” (DI PIETRO, 2009, pg. 669).

No entanto, de uma forma geral, e aplicável ao caso das usinas hidrelétricas,

pode-se entender que aqueles bens considerados como públicos pela lei ou pela

própria Constituição, assim o serão considerados, independentemente do seu

enquadramento em um ou alguns dos conceitos doutrinários de bem público. Os

potenciais hidrelétricos, desta feita, são indiscutivelmente bens públicos.

12.3 OS POTENCIAIS HIDROENERGÉTICOS COMO BENS PÚBLICOS

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece que os

potenciais de energia hidrelétrica: (i) são bens públicos; e (ii) de propriedade da

União.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Título III – Da Organização do Estado

Capítulo II – Da União

Art. 20. São bens da União:

...

III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

...

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119

VIII – os potenciais de energia hidráulica;

Na doutrina do Direito Civil também se encontram disposições acerca da

classificação dos potenciais hidráulicos como bens públicos. Apresentam-se a

seguir, nesse sentido, as idéias do ilustre doutrinador do ramo do Direito Civil, o

doutor Sílvio de Salvo Venosa.

As riquezas do subsolo, entre nós, são objeto de propriedade distinta para efeito de exploração e aproveitamento industrial de acordo com o ordenamento (arts. 176 e 177 da Constituição). Nesse sentido dispõe o art. 1.230 do Código de 2002 que “a propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais” (VENOSA, 2009, pg. 170).

Assim também as quedas d’água e outras fontes de energia hidráulica, consideradas bens imóveis distintos da terra onde se encontram pelo Código de Águas (VENOSA, 2009, pg. 170).

Sobre a consideração dos potenciais de energia hidrelétrica como bens

públicos, vejam-se os ensinamentos de Marçal Justen Filho.

A expressão “potencial de energia hidráulica” indica uma manifestação de energia natural, produzida pelo deslocamento físico de massas de água, que comporta transformação em energia elétrica mediante a utilização de equipamentos adequados. Assim, por exemplo, uma queda d’água pode ser utilizada para produzir energia elétrica (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1113).

Sob o prisma natural, o potencial de energia hidráulica é indissociável da existência das águas. Para fins jurídicos, no entanto, o potencial de energia hidráulica não se confunde com a massa de água propriamente dita (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1113).

Essa dissociação é produzida pela própria Constituição, no art. 176 (“... os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União...”). A CF/88 reitera essa orientação nos arts. 20, VII, e 21, XII, b19 (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1114).

A exploração do potencial de energia elétrica pode demandar grandes investimentos, necessários à edificação das obras exigidas para a geração de energia elétrica. Em alguns casos, a União promove diretamente essa atuação, mas é usual a delegação à iniciativa privada. Tem-se difundido a solução de outorga de concessão de direito de uso do potencial, com a obrigação de

19 CR/88- Art. 20, II. São bens da União: os potenciais de energia hidráulica.

CR/88- Art. 21, XII, b. Compete à União: explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos.

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implantação da infraestrutura, combinada com uma autorização para geração de energia (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1114).

Os potenciais de energia hidráulica podem ser consi derados como bens de uso especial. No entanto, aqueles que envolvam potencial de geração de capacidade reduzida são considerados como de uso comum do povo (art. 176, § 4º, da CF/88) (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1114). (grifo nosso)

12.4 CLASSIFICAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS

O mestre Luiz Alberto Blanchet aduz que “a classificação quanto à

destinação distribui os bens públicos em bens de uso comum, de uso especial e

dominiais” (BLANCHET, 2008, pg. 163).

Para Hely Lopes Meirelles:

Segundo o art. 99 do CC, os bens públicos são classificados em três categorias: I – os de uso comum do povo (mares, rios, estradas, ruas e praças); II – os de uso espacial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da Administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de Direito Público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades (MEIRELLES, 2010, pg. 550).

Bens de uso comum do povo ou do domínio público: como exemplifica a própria lei, são os mares, praias, rios, estradas, ruas e praças. Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo (MEIRELLES, 2010, pg. 551).

Bens de uso especial ou do patrimônio administrativo: são os que se destinam especialmente à execução dos serviços públicos e, por isso mesmo, são considerados instrumentos desses serviços; não integram propriamente a Administração, mas constituem o aparelhamento administrativo, tais como os edifícios das repartições públicas, os terrenos aplicados aos serviços públicos, os veículos da Administração, os matadouros, os mercados e outras serventias que o Estado põe à disposição do público, mas com destinação especial. Tais bens, como têm uma finalidade pública permanente, são também chamados bens patrimoniais indisponíveis (MEIRELLES, 2010, pg. 551).

Bens dominiais ou do patrimônio disponível: são aqueles que, embora integrando o domínio público como os demais, deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em qualquer fim ou, mesmo, alienados pela Administração, se assim o desejar. Daí por que recebem também a denominação de bens patrimoniais disponíveis ou de bens do patrimônio fiscal (MEIRELLES, 2010, pg. 551).

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Para Márcio Fernando Elias Rosa, os bens públicos podem ser classificados

como:

a) bens de uso comum - são os de uso de todos indistintamente (ruas, avenidas, praças, rodovias, mares);

b) bens de uso especial – prestam-se à execução de serviços públicos, destinados à fruição exclusiva do Poder Público (repartições públicas) ou à fruição geral (museus, universidades, parques etc.);

c) dominicais (ou dominiais) – constituem o patrimônio disponível exercendo o Poder Público os poderes de proprietário como se particular fosse; não possuem destinação específica, seja porque o uso não é indistintamente permitido, seja porque o Poder Público não necessita de sua fruição (ROSA, 2010, pg. 183).

Para Marçal Justen Filho:

Os bens de uso comum do povo são os bens necessários ou úteis à existência de todos os seres vivos, que não podem ou não devem ser submetidos à fruição privativa de ninguém. Essa espécie também compreende, atualmente, os bens merecedores de proteção diferenciada, em virtude de exigências de preservação ambiental. Lembre-se que a Constituição expressamente determinou que o meio ambiente é qualificado como um bem de uso comum do povo (art. 225) (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1056).

Os bens de uso especial são os bens aplicados ao desempenho das atividades estatais, configurem elas ou não um serviço público. A categoria abrange os edifícios em que se situam repartições estatais e todo o instrumental de bens móveis necessários ao desempenho da atividade administrativa, legislativa ou jurisdicional. Os bens de uso especial são destinados a uma utilização exclusiva, em princípio para o desempenho de funções públicas. Esse bem será qualificado como de uso especial, por ser um instrumento de prestação de serviço público. A titularidade jurídica do bem de uso especial pode ser de uma pessoa privada ou pública. O particular, concessionário de serviço público, aplica seus bens à prestação das utilidades correspondentes. Enquanto esses bens estiverem afetados, haverá a incidência do regime jurídico dos bens públicos (JUTEN FILHO, 2010, pgs. 1062 e 1063).

Os bens dominicais são os bens de titularidade estatal que não se enquadram nas categorias de uso comum do povo nem de uso especial. O bem dominical é aquele que não é nem necessário nem útil à fruição conjunta do povo nem se constitui em instrumento por meio do qual se desenvolve uma atuação estatal (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1065).

Para o ilustre doutrinador Luiz Alberto Blanchet:

Os bens de uso comum, também denominados bens do domínio público, são os mares, os rios, as estradas, as praças, etc. Os de uso

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especial, ou do patrimônio administrativo, são os p rédios públicos, os veículos da administração, as usinas e létricas. São também denominados bens do patrimônio indisponível, pois têm destinação especial. Os bens dominiais, ou do patrimônio disponível, não são destinados ao uso comum, nem a uso especial, e são também denominados bens do patrimônio fiscal (BLANCHET, 2008, pgs. 163 e 164). (grifo nosso)

No entanto, importante salientar a crítica contida nos ensinamentos do

próprio professor Marçal Justen Filho, citado anteriormente.

Mas a classificação dos bens públicos mais difundida funda-se na disciplina do Código Civil, refletindo a diferenciação dos regimes jurídicos aplicáveis. Referida classificação funda-se em critério vinculado ao regime jurídico de direito público (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1055).

Segundo o art. 99 do Código Civil, os bens públicos estão enquadrados em três categorias, que são os bens de uso comum do povo, os bens de uso especial e os bens dominicais (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1055).

Essa classificação apresenta grandes problemas, enc ontrando-se ultrapassada em face do direito positivo brasile iro (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1055). (grifo nosso)

O primeiro problema reside em que o legislador tinh a em mente apenas os bens imóveis, olvidando a existência e a relevância dos bens móveis e direitos. Ademais disso, existe g rande relevância jurídica quanto aos direitos de uso e fr uição de bens públicos de natureza imóvel. O grande exemplo é o d ireito de exploração de potenciais hidráulicos de geração ene rgética (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1055). (grifo nosso)

Nota-se, destarte, que a classificação clássica dos bens públicos deve ser

aplicada com cautela à questão das concessões de usinas hidrelétricas. Há a

necessidade de um aprofundamento doutrinário e jurisprudencial em torno da

questão, que ainda não encontra um porto seguro na doutrina disponível atualmente.

O que se tem que ter em mente, é que:

Os bens de uso especial de titularidade da União es tão indicados em alguns dispositivos da CF/88 , tais como os arts. 20, II (terras devolutas necessárias a certos fins públicos) e VIII (potenciais de energia hidráulica) (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1034). (grifo nosso)

Os bens necessários à prestação de um serviço público não poder ser desafetados e incorporados no patrimônio da Administração indireta como se fossem dominicais (JUTEN FILHO, 2010, pg. 1077).

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O que se tem de certeza, portanto, é que os bens públicos inerentes aos

potenciais hidrelétricos brasileiros (os potenciais em si e as instalações da usinas

hidrelétricas – para aquelas já implantadas e em operação) se tratam de bens de

uso especial e são inalienáveis, irrenunciáveis e indisponíveis pelo Estado, não se

cogitando, também, quanto a eles, afetação ou desafetação.

12.5 UTILIZAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS

Os bens públicos indisponíveis são, basicamente, os de uso comum do povo

e os de uso especial. E são exatamente estes dois tipos de bens que podem ser

objeto de utilização, tanto diretamente pela Administração Pública, quanto por

aqueles que façam as suas vezes, ou mesmo pelos próprios usuários, o povo. Tal

utilização deve se dar, ressalta-se, sempre com prévia disciplina legal e em sintonia

com as características do bem usufruído e com os interesses públicos envolvidos.

Para Marçal Justen Filho:

A natureza funcional do vínculo mantido entre o Estado e os bens públicos norteia sua utilização. Em princípio, os bens devem ser utilizados de acordo com as suas características, em vista da satisfação das necessidades coletivas atribuídas ao Estado. Daí se segue que o regime de uso do bem público pelo particular varia em vista da espécie de bem de que se trate (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 1078).

Sobre os bens passíveis de uso, sua forma e limites de utilização, Hely

Lopes Meirelles nos ensina que:

Os bens públicos ou se destinam ao uso comum do povo ou a uso especial. Em qualquer desses casos o Estado interfere como poder administrador, disciplinando e policiando a conduta do público e dos usuários especiais, a fim de assegurar a conservação dos bens e a possibilitar sua normal utilização, tanto pela coletividade, quanto pelos indivíduos, como, ainda, pelas repartições administrativas (MEIRELLES, 2010, pg. 553).

Uso comum do povo é todo aquele que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou de ordem especial para sua fruição. É o uso que o povo faz das ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais. Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem admite frequência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer

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limitação individual. Para esse uso só se admitem regulamentações gerais de ordem pública, preservadoras da segurança, da higiene, da saúde, da moral e dos bons costumes, sem particularizações de pessoas ou categorias sociais. Qualquer restrição ao direito subjetivo de livre fruição, como a cobrança de pedágio nas rodovias, acarreta a especialização do uso e, quando se tratar de bem realmente necessário à coletividade, só pode ser feita em caráter excepcional (MEIRELLES, 2010, pg. 553).

As formas administrativas para o uso especial de bem público por particulares variam desde as simples e unilaterais autorização de uso e permissão de uso até os formais contratos de concessão de uso e concessão de uso como direito real solúvel, além da imprópria e obsoleta adoção dos institutos civis do comodato, da locação e da enfiteuse (MEIRELLES, 2010, pg. 556).

O que nos interessa neste trabalho, e como se verá adiante, é a utilização

de bens públicos de uso especial, através do instituto da concessão.

12.5.1 O Uso de um Bem Público e os Conceitos de Propriedade e de Posse

Primeiramente faz-se necessário abordar os conceitos dos institutos da

propriedade e da posse, típicos conceitos do direito civil, para então relacioná-los ao

uso de um bem público.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “a posse continua sendo, sem dúvida, o

instituto mais controvertido de todo o Direito, não apenas do Direito Civil” (VENOSA,

2009, pg. 28).

Ius possidendi é o direito de posse fundado na propriedade (em algum título: não só propriedade, mas também outros direitos reais e obrigações com força real). O possuidor tem a posse e também é proprietário. A posse, nessa hipótese, é o conteúdo ou objeto de um direito, qual seja, o direito de propriedade ou direito real limitado. O titular pode perder a posse e nem por isso deixará sistematicamente de ser proprietário (VENOSA, 2009, pg. 28).

Ius possessionis é o direito fundado no fato da posse, nesse aspecto externo. O possuidor, nesse caso, pode não ser o proprietário, não obstante essa aparência encontre proteção jurídica. Essa é uma das razões palas quais nosso Código estatui: “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade” (art. 1.196). Além de a posse, a princípio, merecer proteção por si mesma, ela é base de um direito (VENOSA, 2009, pg. 28).

Domínio é o vocábulo que, em doutrina, refere-se maiormente às coisas incorpóreas. Direito que submete a coisa incorpórea ao poder de seu titular. Propriedade é termo que engloba tanto as coisas corpóreas, como incorpóreas. Contudo, no Direito Romano, as expressões eram sinônimas. Nossa doutrina não se preocupa muito com essa distinção (VENOSA, 2009, pg. 30).

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Posse e propriedade, como se percebe, têm elementos comuns, ou seja, a submissão da coisa à vontade da pessoa (VENOSA, 2009, pg. 30).

O direito de propriedade é o direito mais amplo da pessoa em relação à coisa. Esta fica submetida à senhoria do titular, do dominus, do proprietário, empregando-se esses termos sem maior preocupação semântica. Traduz-se na disposição do art. 524 do Código de 1916: “A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem injustamente os possua.” Ou, como descreve de forma mais atual o novel Código: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha ” (art. 1.228) (VENOSA, 2009, pg. 168). (grifo nosso)

O Código preferiu descrever de forma analítica os poderes do proprietário (ius utendi, fruendi, abutendi) a definir a propriedade (VENOSA, 2009, pg. 169).

A faculdade de usar é colocar a coisa a serviço do titular sem alterar-lhe a substância. O proprietário usa seu imóvel quando nele habita ou permite que terceiro o faça. Esse uso inclui também a conduta estática de manter a coisa em seu poder, sem utilização dinâmica. Usa de seu terreno o proprietário que o mantém cercado sem qualquer utilização. O titular serve-se, de forma geral, da coisa (VENOSA, 2009, pg. 169).

Gozar do bem significa extrair dele benefícios e vantagens. Refere-se à percepção de frutos, tanto naturais como civis (VENOSA, 2009, pg. 170).

A faculdade de dispor envolve o poder de consumir o bem, alterar-lhe sua substância, aliená-lo ou gravá-lo. É o poder mais abrangente, pois quem pode dispor da coisa, dela ta mbém pode usar e gozar. Tal faculdade caracteriza efetivament e o direito de propriedade, pois o poder de usar e gozar pode ser atribuído a quem não seja proprietário. O poder de dispor somen te o proprietário o possui. A expressão abutendi do Direito Romano não pode ser simplesmente entendida como abusar da coisa, que dá idéia de poder limitado, idéia não verdadeira mesmo no direito antigo. Abutendi não possui o sentido nem de abusar nem de destruir, mas de consumir. Daí por que o termo utilizado na lei, disposição, é mais adequado. Não se distancia, contudo, do sentido de destruição da coisa quando o proprietário a aliena, pois o bem desaparece de seu patrimônio (VENOSA, 2009, pg. 170). (grifo nosso)

Como já exposto, decorre da propriedade o direito de seqüela, que legitima o proprietário à ação reivindicatória. A rei vindicatio é efeito fundamental do direito de propriedade (VENOSA, 2009, pg. 170).

Pelo exposto, tem-se, basicamente, que a posse se consubstancia nos

direitos de usar, fruir e resgatar o bem de quem quer o possua injustamente. A

propriedade, por sua vez, basicamente, é a somatória dos direitos inerentes à posse,

adicionado do direito de se dispor da coisa. Grosso modo, a propriedade é mais

ampla que a posse, devido ao inerente direito, que somente o proprietário possui, de

dispor da coisa.

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Eis a ementa do referido acórdão, publicado na antiga Revista de Direito 10/70 e reproduzindo na RDA 9/30: “Na concessão de uma obra ou serviço público, o Governo não transfere propriedade alguma ao concessionário; este obtém, apenas, o uso ou gozo da coisa durante o prazo da exploração concedida (MEIRELLES, 2010, pg. 414).

De posse destes entendimentos, cabe examinar o ensinamento de que com

a concessão de uso, ou mesmo com a concessão de serviço público, o que se

transfere ao outorgado é o direito de posse sobre o bem, nunca o direito de

propriedade. Assim, o concessionário possui os direitos de usar e fruir da coisa

outorgada, além do inerente direito de sequela, mas nunca possuirá o direito de

dispor do bem público que se encontra sob sua posse, até mesmo porque os bens

públicos são inalienáveis e indisponíveis.

A propriedade é um instituto jurídico caracterizado por quatro direitos

existentes sobre um determinado bem. Os direitos de usar, fruir, dispor e o direito de

sequela.

A União detém a propriedade sobre os potenciais hidráulicos e nesse

sentido, possui os direitos de usar, fruir, dispor e resgatar o bem de quem o possua

de forma justa ou injusta.

O que é transferido ao particular através de uma concessão é o direito de

posse, caracterizado pelos direitos de usar e fruir do bem, como também o direito de

sequela.

Ademais, cabe destacar desde já que, conforme preceitos constitucionais, os

bens públicos são inalienáveis, ou seja, não são passíveis de alienação. O direito de

propriedade sobre os bens públicos também não sofre de prescrição ou decadência.

Lembra-se, desta feita, que os bens públicos não podem nem mesmo ser objeto de

usucapião.

12.6 CARACTERÍSTICAS DOS BENS PÚBLICOS

Como dito, os bens públicos indisponíveis são, basicamente, os de uso

comum do povo e os de uso especial. E o que nos interessa no presente trabalho

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são apenas os bens públicos de uso especial, figura em que se enquadram os

potenciais de energia hidroenergética. Vejamos, então, as suas características.

Segundo o ilustre doutrinador Luiz Alberto Blanchet, “os bens do Estado são

impenhoráveis e imprescritíveis (insuscetíveis de aquisição pelo particular por meio

de usucapião)” (BLANCHET, 2008, pg. 163).

No que concerne ao regime jurídico dos bens de domínio público (de uso especial e de uso comum) é imprescindível ressaltar a inalienabilidade, a imprescritibilidade, a impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração (BLANCHET, 2008, pg. 164).

A inalienabilidade pode ser absoluta ou relativa. É absoluta em relação aos mares, às praias, aos rios navegáveis, etc. É relativa para os bens suscetíveis de valoração patrimonial, mas dependem de desafetação para serem alienados, pois os bens alienáveis (dominicais, de domínio privado do Estado) podem ser afetados de destinação pública20 (BLANCHET, 2008, pg. 164).

Os bens de uso comum e de uso especial não podem ser objeto de negociação por meio de institutos de direito privado (compra e venda, permuta, doação, locação, comodato etc.) sem a desafetação, por força da qual o bem passa para a categoria de bem dominical (BLANCHET, 2008, pg. 165).

Outra característica dos bens públicos é a imprescritibilidade. Segundo o

mestre Hely Lopes Meirelles:

A imprescritibilidade dos bens públicos decorre como conseqüência lógica de sua inalienabilidade originária. E é fácil demonstrar a assertiva: se os bens públicos são originariamente inalienáveis, segue-se que ninguém os pode adquirir enquanto guardarem essa condição. Daí não ser possível a invocação de usucapião sobre eles (MEIRELLES, 2010, pg. 572).

Cabe destacar, no entanto, que os bens de uso especial consubstanciados

nos potenciais de energia hidrelétrica, bens da União, não podem ser objeto de

desafetação, e também nunca poderão deixar de serem bens públicos. Ao menos

não sob a égide da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

20 Afetar é atribuir destinação pública ao bem. Desafetar é retirar essa destinação. A afetação como também a

desafetação pode ser expressa ou tácita (pode ser praticado ato administrativo específico para instalação de um posto de saúde ou simplesmente construído tal posto). O ato pode ser administrativo ou legislativo (a afetação ou desafetação pode decorrer de ato administrativo ou de lei). A desafetação pode decorrer de um fato, como ocorreria, por exemplo, na hipótese de incêndio do posto de saúde, ou do rio que abandona seu álveo e vem a secar. A desafetação não pode jamais decorrer do não-uso (BLANCHET, 2008, pg. 164).

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As quedas d'água, como potenciais de energia hidráulica, são constitucionalmente consideradas propriedade imóvel distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento industrial (art. 176). Quando localizadas em águas públicas, essas quedas pertencem à União, como propriedade inalienável e imprescritível, ainda que o rio seja estadual (Código de Águas, art. 147, e Dec.-lei 9.760, de 5.9.46, art. 1º, “1”); quando situadas em caudais comuns ou particulares, pertencem aos respectivos proprietários. Em qualquer hipótese, desde que seu potencial não seja reduzido, o aproveitamento ou exploração das quedas d'água depende de autorização ou concessão federal (Cf, art. §§ 1º e 4º) (MEIRELLES, 2010, pg. 592).

Observa-se que, separando a propriedade do potencial de energia hidráulica, como o são as quedas d'água, da do solo, a Constituição não a retira do domínio particular, possibilita apenas sua alienação e aquisição independentemente da dos terrenos marginais e sujeita seu aproveitamento a um regime administrativo especial (MEIRELLES, 2010, pg. 592).

Em resumo, como características dos bens públicos objeto do presente

trabalho, temos que: os potenciais hidroenergéticos, como bens públicos de uso

especial, são inalienáveis, inapropriáveis, impenhoráveis e imprescritíveis, além de

não poderem sofrer desafetação e de se consubstanciarem em propriedade distinta

da do solo e pertencerem sempre à União (que é a sua legítima e constitucional

proprietária), independentemente de estarem delegados ou concessionados, para

uso ou para prestação de serviços públicos.

12.7 OS MODOS DE OUTORGA DE USO DOS BENS PÚBLICOS

Como visto, os bens públicos podem ser utilizados de diversas maneiras.

Abordaremos, agora, os modos como podem ser outorgados esses usos dos bens

públicos.

Segundo Márcio Fernando Elias Rosa, “em regra, constituem modos de uso

privativo de bens públicos: autorização de uso, permissão de uso, concessão de

uso, concessão de direito real de uso, cessão de uso, enfiteuse ou aforamento,

locação, comodato” (ROSA, 2010, pg. 194).

a) autorização de uso: decorre de ato administrativo, discricionário, precário (diz-se que a autorização é simples), e por ele a Administração consente ou apenas permite e faculta o uso do bem pelo particular, de modo a não prejudicar o interesse público e atender ao interesse predominante do particular, prescindindo a requisitos especiais (autorização legislativa e licitação). A autorização, por vezes, é deferida com prazo de duração (diz-se que a autorização é qualificada), conferindo direitos ao particular enquanto vigente. A

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revogação do ato antes do término de seu prazo pode ensejar o direito a indenização (ROSA, 2010, pg. 194);

b) permissão de uso: decorre de ato administrativo discricionário, precário, negocial, e por ele a Administração consente que o particular utilize o bem, satisfazendo interesse de ambos (o interesse público e o interesse privado são convergentes). Enquanto vigente, a permissão confere direitos ao particular, e, em regra, não deve ser deferida com exclusividade (ex: instalações, bancas de jornais e revistas em logradouros públicos). O particular não detém mera faculdade de utilização, mas sim dever de usar o bem, sob pena de caducidade, já que também incide interesse público. A permissão pode ser condicionada a prazo certo de duração (permissão qualificada ou condicionada). Sempre que reunir a natureza de contrato, e não de ato administrativo, deve ser precedida de licitação (ROSA, 2010, pg. 194);

c) concessão de uso: decorre de contrato administrativ o sujeito a prévia licitação, podendo a utilização ser remune rada ou gratuita para o particular (ainda que remunerada nã o equivale a locação, porque regida por normas de direito públic o). Atribui direito pessoal de uso do bem público; é realizada intuitu personae e não admite, em regra, transferência a terceiros. Converge o interesse público e do particular, e quando incidente sobre bens de uso comum há de respeitar a destinação do bem (v.g., mercados municipais, parques de exposição) (ROSA, 2010, pgs. 194 e 195); (grifo nosso)

d) concessão de direito real de uso: igualmente decorre de contrato sujeito a prévia licitação, conferindo direito real (transmissível) e necessitando inscrição no Registro de Imóveis onde o bem estiver matriculado. Pode ser gratuita ou onerosa, operando-se por escritura pública ou termo administrativo, dependentes de registro. É transmissível por ato inter vivos ou causa mortis, revertendo a posse para Administração se não cumprido o fim a que se destina (ROSA, 2010, pg. 195).

O que nos interessa no presente trabalho, por apresentar inter-relação com

as concessões de usinas hidrelétricas é, apenas e tão somente, a concessão de uso

de bem público.

12.8 A CONCESSÃO DE USO DOS BENS PÚBLICOS E AS CONCESSÕES DE

USINAS HIDRELÉTRICAS

A concessão de uso de bem público é o instituto utilizado para a outorga de

direitos de implantação e exploração de usinas hidrelétricas, atualmente, no Brasil.

Vejamos, então, o que dizem os doutrinadores brasileiros sobre este instituto.

O conceito de concessão de uso, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é o

apresentado a seguir.

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Concessão de uso é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a utilização privativa de bem público, para que a exerça conforme a sua destinação (DI PIETRO, 2009, pg. 694).

A concessão de uso é o instituto empregado, preferentemente à permissão, nos casos em que a utilização do bem público objetiva o exercício de atividades de utilidade pública de maior vulto e, por isso mesmo, mais onerosas para o concessionário (DI PIETRO, 2009, pg. 694).

A concessão exige licitação, nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.666/9321, que silencia quanto à modalidade a ser utilizada (DI PIETRO, 2009, pg. 695).

Para o doutor Hely Lopes Meirelles:

Concessão de uso é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que o explore segundo sua destinação específica. O que caracteriza a concessão de uso e a distingue dos demais institutos assemelhados – autorização e permissão de uso – é o caráter contratual e estável da outorga do uso do bem público ao particular, para que o utilize com exclusividade e nas condições convencionadas como a Administração (MEIRELLES, 2010, pg. 558).

Na concessão de uso, como, de resto, em todo contrato administrativo, prevalece o interesse público sobre o particular, razão pela qual é admitida a alteração de cláusulas regulamentares do ajuste e até mesmo sua rescisão antecipada, mediante composição dos prejuízos, quando houver motivo relevante para tanto (MEIRELLES, 2010, pg. 559).

Para o ilustre professor Marçal Justen Filho:

A concessão de uso de bem público é um contrato administrativo por meio do qual um particular é inv estido na faculdade de usar de um bem público durante período de tempo determinado , mediante o cumprimento de requisitos estabelecidos, assegurando-se ao poder concedente as competências próprias do direito público (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 1090). (grifo nosso)

Trata-se de outorga dependente de licitação e que gera direito ao particular exigir ou o respeito do prazo previsto originalmente ou uma indenização por perdas e danos. Tanto pode fazer-se para que o particular se valha do bem para satisfação de seus interesses próprios e egoísticos como também poderá propiciar exploração empresarial, com o desenvolvimento de atividades econômicas lucrativas em face de terceiros (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 1090). (grifo nosso)

21 Lei nº 8.666/1993 - Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões,

permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com te rceiros, serão necessariamente

precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. (grifo nosso)

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Mas também não há impedimento a que a concessão de uso seja uma via para propiciar a implantação de empreendimentos de interesse social ou coletivo (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 1090).

Como regra, não é cabível a concessão de uso de bem público quando o objeto da atividade a ser nele desenvolvid a for a prestação de serviço público. Se a finalidade busca da pela Administração é delegar a prestação do serviço públ ico a um particular, a via adequada é a concessão de serviço público (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 1090). (grifo nosso)

Não se produz a delegação da prestação de serviço p úblico pela mera outorga de concessão de uso de bem público. No entanto, é possível a cumulação dos dois institutos, ainda q ue de modo implícito e inominado. Aliás, é perfeitamente possí vel que a cessão do bem público seja vínculo jurídico acessór io e instrumental para a concessão de serviço público. A situação deve ser explicitamente prevista para evitar dúvidas quanto ao regime jurídico adequado (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 1091). (grifo nosso)

A grande diferença entre concessão de serviço e concessão de uso reside na posição jurídica do concessionário. Em um caso, o concessionário desempenha função pública e assume encargos próprios e típicos do Estado. Já na hipótese da concessão de uso, o particular não assume nenhum interesse público específico e definido, até se admitindo que lhe seja facultado valer-se do bem para satisfação exclusiva e privativa de seus interesses egoísticos. Logo, os deveres impostos aos concessionários de serviço público são extremamente mais sérios e graves do que aqueles que recaem sobre o concessionário de uso (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 1091).

O doutor Geraldo Pereira Caldas afirma que:

Sobre a concessão de uso de bem público, o Prof. Celso Antônio aduz que não se deve confundir concessão de serviço público e concessão de uso de bem público. Para o conceituado administrativista, a concessão de serviço público somente se caracteriza quando o objetivo do ato for o de ensejar uma exploração de atividade a ser prestada universalmente ao público em geral. Por outro lado, a concessão de uso pressupõe um bem público cuja utilização ou exploração não se destina a satisfazer necessidades ou conveniências do público em geral, mas as do próprio interessado ou de alguns indivíduos em particular. É o que sucede, segundo o Prof. Celso Antônio, com os potenciais de energia hidrelétrica, pelo que está previsto na Lei 9.074/95, em seus arts. 5º, II e III, e 13, que expressamente contemplam as ditas hipóteses, tanto sob a forma de concessão de uso de potenciais hidráulicos para a produção de energia elétrica para o consumo próprio como para o que se denominou produção independente (CALDAS, 2004, pg. 90).

No entanto, a idéia do próprio professor Celso Antônio Bandeira da Mello,

citada por CALDAS, conforme mostrado no parágrafo anterior, não é pacífica e, em

seu livro intitulado Curso de Direito Administrativo, Celso Antônio indica haver um

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hibridismo no tocante ao enquadramento do tipo das concessões de usinas

hidrelétricas, conforme segue.

Cumpre, outrossim, não confundir concessão de serviço público e concessão de uso de bem público, com o fito de explorá-lo (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 703).

Só se tem concessão de serviço público - e o próprio nome do instituto já o diz - quando o objetivo do ato for o de ensejar uma exploração de atividade a ser prestada universalmente ao público em geral. Pode ocorrer que, para tanto, o concessionário ancilarmente necessite usar de um bem público, mas o objeto da concessão é o serviço a ser prestado (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 703).

Diversamente, a concessão de uso pressupõe um bem público cuja utilização ou exploração não se preordena a satisfazer necessidades ou conveniências do público em geral, mas as do próprio interessado ou de alguns singulares indivíduos. O objeto da relação não é, pois, a prestação do serviço à universalidade do público, mas, pelo contrário, ensejar um uso do próprio bem ou da exploração que este comporte (como sucede com os potenciais de energia hidroelétrica) para que o próprio concessionário se sacie com o produto extraído em seu proveito ou para que o comercialize limitadamente com alguns interessados. A Lei 9.074, de 7.7.95, no art. 5º, II e III22, expressamente contempla ditas hipóteses, tanto sob a forma de concessão de uso de potenciais hidráulicos para produção de energia elétrica para consumo próprio como para o que denominou produção “independente”, sem, todavia, nesta última hipótese, explicitar que, in casu, trata-se, também, de uma concessão de uso (CELSO ANTÔNIO, 2008, pgs. 703 e 704).

Quando a concessão de uso de bem público destina-se a suprir unicamente interesses específicos do próprio beneficiário da concessão, o proveito captado, a utilidade extraída, o é para ser absorvido pelo próprio concessionário. É bem de ver que, in casu, o que o concessionário pretende e o que o Poder Público acede em conferir-lhe é o uso extraível do bem público, que o próprio interessado explorará para si, normalmente, em caráter exclusivo. A exploração que fará é meio para desfrutar das virtualidades contidas no bem, sendo estas o fim objetivado. É o que se passa quando o Poder Público outorga a uma empresa concessão para exploração de potencial hidráulico para fins de produzir energia elétrica exclusivamente para alimentar a própria ou as próprias indústrias. Em casos deste jaez, sua distinção da concessão de serviço público será particularmente nítida, pois, aí, o bem oferecido ao concessionário o é como base geradora de um bem de consumo seu, ao passo que na concessão de serviço público - quando pressuposta a utilização de um bem público - este aparece como um bem de produção, ou seja, enquanto condição necessária para instrumentá-lo à prestação à coletividade daquele serviço concedido (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 704)

Outras vezes, todavia, a concessão de uso de bem público é outorgada para que o concessionário comercialize o resultado de sua

22 Lei nº 9.074/1995 - Art. 5º São objeto de concessão, mediante licitação: II - o aproveitamento de potenciais

hidráulicos de potência superior a 1.000 kW, destinados à produção independente de energia elétrica; e III - de uso de bem público, o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 10.000 kW, destinados ao uso exclusivo de autoprodutor, resguardado direito adquirido relativo às concessões existentes.

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exploração (e não para que esgote consigo mesmo a utilidade material dela resultante), fazendo-o, contudo, sem o caráter de oferta ao público efetuada com a universalidade característica da concessão de serviço público (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 704).

Neste último caso, tal como está regulada na lei (inciso III do art. 5º da Lei 9.074/95) sob a designação de “produtor independente”, efetivamente há um certo hibridismo na figura compo sta . Isto porque tal concessionário, conforme o art. 1223 da mesma lei, pode vender a energia produzida a (I) concessionário de serviço público de energia elétrica; (II) consumidores com carga igual ou superior a 10.000kW, atendidos em tensão igual ou superior a 69kV, que queiram com ele contratar, bem como novos consumidores, que com ele desejem contratar, cuja carga seja maior ou igual a 3.000kW, em qualquer tensão; (III) consumidores de energia integrantes de complexo industrial ou comercial aos quais o produtor já forneça vapor oriundo de processo de co-geração; (IV) conjunto de consumidores de energia elétrica, independentemente de tensão e carga, nas condições previamente ajustadas com o concessionário local de distribuição e (V) qualquer consumidor que demonstre ao poder concedente não ter o concessionário local assegurado o fornecimento no prazo de até 180 dias contado da respectiva solicitação. É claro que esta última hipótese, sobretudo, aproxi ma a concessão de uso da concessão de serviço público . Nas hipóteses previstas nos ns. I, IV e V a venda se fará a preços obedientes aos critérios gerais fixados pelo concedente (parágrafo único do art. 12) (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 704). (grifo nosso)

Como se verá, a questão do enquadramento das concessões de usinas

hidrelétricas como concessões de uso de bem público ou de concessão de serviço

público é controversa entre os doutrinadores brasileiros.

Não existe um consenso sobre se a concessão de uma usina hidrelétrica se

trata essencial e puramente de uma concessão de uso de bem público ou se se trata

de uma pura concessão de serviços público. Na verdade, o que se sabe, é existir um

hibridismo entre os institutos neste caso concreto.

Para Geraldo Pereira Caldas:

23 Lei nº 9.075/1995:

Art. 12. A venda de energia elétrica por produtor independente poderá ser feita para: I - concessionário de serviço público de energia elétrica; II - consumidor de energia elétrica, nas condições estabelecidas nos arts. 15 e 16; III - consumidores de energia elétrica integrantes de complexo industrial ou comercial, aos quais o produtor independente também forneça vapor oriundo de processo de co-geração; IV - conjunto de consumidores de energia elétrica, independentemente de tensão e carga, nas condições previamente ajustadas com o concessionário local de distribuição; V - qualquer consumidor que demonstre ao poder concedente não ter o concessionário local lhe assegurado o fornecimento no prazo de até cento e oitenta dias contado da respectiva solicitação.

Parágrafo único. A comercialização na forma prevista nos incisos I, IV e V do caput deste artigo deverá ser exercida de acordo com critérios gerais fixados pelo Poder Concedente. (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004)

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Cabe comentar ainda que, segundo o art. 20, VIII, da CF, são bens da União os potenciais de energia hidráulica. Este dispositivo, combinado como o § 1º do art. 176 da Carta Magna, leva alguns autores à conclusão de tratar-se a delegação de exploração destes recursos pelo particular uma concessão de uso de bem público, tanto no caso do autoprodutor como no produtor independente de energia, que não seriam regidos pelo art. 175 da CF, por não se tratar, nestes casos, de serviços públicos. Com relação ao autoprodutor, parece não haver dúvida sobre esta conclusão. Mas a questão é polêmica no caso do produtor independente, pois, se a explor ação dos recursos destina-se à prestação de serviços público s, a aplicação do art. 175 da CF é inevitável (CALDAS, 2004, pg. 114). (grifo nosso)

Tem-se que, para o caso das usinas hidrelétricas puramente destinadas à

autoprodução de energia elétrica, o instituto a ser aplicado é nitidamente o da

concessão de uso do bem público, em caráter temporário e precedido de licitação.

Apenas com a ressalva de que, como a lei permite ao Autoprodutor comercializar o

eventual excesso de energia que porventura venha a gerar, o que, se acontecer, o

aproximará do Produtor Independente de Energia, e o colocará novamente no limbo

jurídico e na discussão doutrinária sobre qual o tipo de concessão seria a ele

aplicado, se a de uso de bem público ou se a de serviço público.

No entanto, existem diversos doutrinadores que elucidam uma solução para

este problema doutrinário, o que se aprofundará quando da abordagem do instituto

do serviço público, mais adiante.

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13. SERVIÇOS PÚBLICOS

Segundo o saudoso doutrinador Hely Lopes Meirelles, “a atribuição

primordial da Administração Pública é oferecer utilidades aos administrados, não se

justificando sua presença senão para prestar serviços à coletividade” (MEIRELLES,

2010, pg. 350).

13.1 CONCEITO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Não existe um consenso entre doutrinadores a respeito do conceito de

serviço público. Isto, tanto no ordenamento brasileiro, quanto nos ordenamentos

jurídicos estrangeiros.

Veja-se a exposição em torno desta questão, brilhantemente proferida pelo

professor Luiz Alberto Blanchet.

No âmbito do Direito Administrativo, ao contrário do que ocorre com outros ramos, como o Direito Civil, por exemplo, a legislação não fornece o conceito da maioria dos institutos. Assim é com o ato administrativo, o abuso de poder, a discricionariedade administrativa e com outras tantas figuras, universo este pelo qual é abrangido também o serviço público (BLANCHET, 2008, pg. 51).

Como a lei não fornece o conceito de serviço público, freqüentemente este instituto é confundido com outras figuras jurídicas que, embora apresentem características de ordem material muito parecidas e sejam também de interesse coletivo, têm natureza jurídica diversa. Tais discrepâncias tornam imprescindível a identificação objetiva e precisa das atividades a que são aplicáveis as leis referentes a serviços públicos, tais como as pertinentes à concessão, por exemplo, uma vez que também estas não definem o que seja serviço público (BLANCHET, 2008, pg. 51).

Consoante estudos desenvolvidos pela doutrina francesa, há pressupostos que são imprescindíveis para a instituição de um serviço público, tais como a carência ou insuficiência da iniciativa privada na execução da atividade considerada e o interesse público a demandar sua prestação (BLANCHET, 2008, pg. 52).

Sobre o que especifica e caracteriza a prestação de um serviço público, um

dos mais respeitados doutrinadores brasileiros do Direito Administrativo, o doutor

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, nos ensina que, no serviço público, “o interesse

coletivo em atender a certa necessidade pública passou a especificá-lo” (BANDEIRA

DE MELLO, 2007, pg. 179).

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O serviço público corresponde, destarte, a processo técnico especial de satisfação de necessidades coletivas de comunidades públicas (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 179).

Ora, o Estado-sociedade tem por objeto o bem comum e é ordenado, juridicamente, como Estado-poder, para alcançá-lo de maneira a dar a cada um dos seus membros a participação que lhe é devida nesse bem. Como direito estatal, o Direito Administrativo deve ordenar o Estado para conseguir esse objetivo (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 214).

Na verdade, não se deve confundir função pública, atividade jurídica do Estado, com serviço público, prestação material de coisa e comodidade (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 187).

Para Márcio Fernando Elias Rosa, “serviço público corresponde a toda

atividade desempenhada direta ou indiretamente pelo Estado, visando solver

necessidades do cidadão, da coletividade ou do próprio Estado” (ROSA, 2010, pg.

82).

A conceituada doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que “não é

fácil definir o serviço público, pois a sua noção sofreu consideráveis transformações

no decurso do tempo, quer no que diz respeito aos seus elementos constitutivos,

quer no que concerne à sua abrangência” (DI PIETRO, 2009, pg. 98).

A mesma autora aduz que diversos doutrinadores apresentam variados

conceitos para o Serviço Público, uns de forma ampla e outros de forma restrita.

No direito brasileiro, exemplo de conceito amplo é o adotado por Mário Masagão,..., ele considera como serviço público “toda atividade que o Estado exerce para cumprir os seus fins” (DI PIETRO, 2009, pg. 98).

Amplo também é o conceito de José Cretella Júnior (1980:55-60), para quem serviço público é “toda atividade que o Estado exerce direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades públicas mediante procedimento típico do direito público” (DI PIETRO, 2009, pg. 99).

Restrito é o conceito de Celso Antonio Bandeira de Mello,..., para ele, “serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo” (DI PIETRO, 2009, pgs. 99 e 100).

Segue o conceito de serviço público lecionado por um dos mais renomados

doutrinadores brasileiros modernos, Marçal Justen Filho:

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Um dos mais tradicionais problemas do direito público reside na determinação do conceito de serviço público, especialmente em face do conceito de atividade econômico (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 16).

O conceito de serviço público deriva do tipo de Estado vigente no momento histórico (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 16).

Sempre que uma certa necessidade humana for qualificável como manifestação direta e imediata da dignidade inerente ao ser humano, sua satisfação tenderá a produz um serviço público (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 30).

A configuração de uma certa atividade como serviço público resulta da presença de certos requisitos e características. O mais essencial consiste no vínculo entre a utilidade a ser fornecida e a satisfação direta de uma necessidade relacionada com o princípio da dignidade da pessoa humana (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 90).

Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, insuscetíveis de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre iniciativa privada, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob regime de direito público (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 692).

Segundo Hely Lopes Meireles:

O conceito de serviço público não é uniforme na doutrina, que ora nos oferece uma noção orgânica, só considerando como tal o que é prestado por órgãos públicos; ora nos apresenta uma conceituação formal, tendente a identificá-lo por características extrínsecas; ora nos expõe um conceito material, visando a defini-lo por seu objeto. Realmente, o conceito de serviço público é variável e flutua ao sabor das necessidades e contingências políticas, econômicas, sociais e culturais de cada comunidade, em cada momento histórico, como acentuam os modernos publicistas (MEIRELLES, 2010, pg. 350).

Eis o nosso conceito: Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado (MEIRELLES, 2010, pgs. 350 e 351).

Fora dessa generalidade não se pode, em doutrina, indicar as atividades que constituem serviço público, porque variam segundo as exigências de cada povo e de cada época (MEIRELLES, 2010, pg. 351).

Então, o que prevalece é a vontade soberana do Estado, qualificando o serviço como público ou de utilidade pública, para sua prestação direta ou indireta (MEIRELLES, 2010, pg. 351).

Essa vontade advém da lei ou da própria Constituição Federal. Nesse sentido, como ensina Eros Grau, “a definição constitucional de determinada atividade econômica em sentido amplo co mo serviço público afasta qualquer dúvida que se pudes se opor à sua caracterização como tal (MEIRELLES, 2010, pg. 351). (grifo nosso)

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No mesmo sentido de Eros Grau, segue o conceito do ilustre mestre Luiz

Alberto Blanchet:

Serviço Público é toda atividade que, considerada c omo serviço público pela Constituição ou pela lei , é executada de forma permanente (ou contínua), submetendo-se ao regime de direito público, prestada de forma concreta e direta pelo Estado, ou por aqueles a quem for delegada a concessão ou permissão para tal prestação, objetivando tal atividade o atendimento de necessidades públicas ou a criação de utilidades de interesse coletivo (BLANCHET, 2008, pgs. 40 e 41). (grifo nosso)

O serviço público, em verdade, carece de uma conceituação legal, mas apresenta características que o tornam inconfundível com outros institutos. Dentre as características conceituais do serviço público, destacam-se as seguintes: configura uma atividade prevista como sendo serviço público pela Constituição ou pela lei , prestada pelo Estado ou por pessoa a quem este delegar (ou outorgar mediante concessão ou permissão) traduzida em utilidades ou comodidades materiais, executada de forma contínua, fruída direta e individualmente pelo usuário, tendo por finalidade a satisfação de necessidades públicas, e sujeitando-se a regime jurídico especial de direito público. Além dos elementos conceituais caracterizadores do serviço público, este ainda se submete aos princípios peculiares da regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia, modicidade das tarifas, mutabilidade do regime jurídico (BLANCHET, 2008, pg. 41). (grifo nosso)

Parece-nos não haver discussão sobre se determinadas atividades são ou

não Serviço Público quando assim o são considerados pela Constituição ou mesmo

pela lei, mesmo quando não estritamente enquadradas nas definições e/ou nos

conceitos doutrinários do instituto Serviço Público.

13.2 A PREVISÃO CONSTITUCIONAL DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

A princípio, têm-se um consenso em torno da idéia de que as atividades

previstas na Constituição como sendo serviços públicos, assim o devem ser

consideradas.

Neste sentido, vejam-se as lições de Antônio Carlos Cintra do Amaral:

Páginas e páginas tem sido escritas na tentativa de identificar a “essência” ou a “natureza” do serviço público. Mera perda de tempo. O conceito de serviço público é um conceito jurídico-positivo. Serviço Público é o que o ordenamento jurídico de um dado país diz que é.

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No Brasil serviço público é o que o Direito Brasileiro define como tal (AMARAL, 2002, pg. 17).

Outro equívoco é falar-se em serviço público essencial. A prestação dos serviços públicos é dever do Poder Público, que pode prestá-los direta ou indiretamente. Se uma determinada atividade foi definida pelo ordenamento jurídico como serviço público, ela é essencial à comunidade. Não há serviços públicos essenciais e serviços públicos não-essenciais. Nem serviços públicos mais essenciais e menos essenciais. O Poder Público tem o dever de prestar, adequada e continuamente, todos os serviços públicos, como tais definidos pelo ordenamento jurídico (AMARAL, 2002, pg. 18).

Nesse mesmo diapasão, os ensinamentos do ilustre mestre Luiz Alberto

Blanchet:

É serviço público somente a atividade assim considerada pela Constituição da República ou pela lei, atividade esta prestada de forma permanente (contínua) ou submetida ao regime de direito público, executada concreta e diretamente pelo Estado, ou por aqueles a quem por tal incumbência for delegada, visando a satisfação de necessidade ou à criação de utilidades, ambas de interesse coletivo (BLANCHET, 2008, pg. 53).

Como apropriadamente observa Celso Antônio Bandeira de Mello, as utilidades criadas pelo exercício de serviços públicos têm natureza material, são desfrutáveis de forma direta e individualizada pelos particulares, e o regime jurídico que lhes é próprio – de Direito Público – consagra “prerrogativas de supremacia e restrições especiais”. A Constituição da República, nos arts. 21, incs. X, XI, XII24 e XV, 25, §2º, e 30, inc. V, enumera alguns serviços públicos, mas o faz apenas exemplificativamente, pois não elimina a possibilidade de serem definidos como públicos pela legislação ordinária outros serviços além dos arrolados constitucionalmente (BLANCHET, 2008, pg. 53).

Da conceituação de serviço público, podemos extrair, para maior clareza, os elementos conceituais: aspecto natural (atividade de prestação contínua); objeto (utilidades ou comodidades materiais); forma de fruição (direta e singular); agente (Estado ou aqueles a quem este delegar); finalidade (satisfação e necessidades públicas); regime jurídico (especial, de direito público); e pressuposto (previsão constitucional ou legal) (BLANCHET, 2008, pg. 53).

Relativamente à forma como atende as necessidades dos usuários, o serviço público pode ser uti singuli ou uti universi. Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, uti singuli, são serviços que visam a satisfação direta e individual do usuário (telefonia, transporte coletivo, eletricidade, ensino, saúde, etc.) e uti universi são aqueles cujo destinatário é a coletividade e não o indivíduo, sendo a eles prestados indiretamente (iluminação pública, tratamento d’água, segurança nacional, saneamento etc.) (BLANCHET, 2008, pg. 55).

24 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - Art. 21. Compete à União: XII – explorar, diretamente

ou mediante autorização, concessão ou permissão: b) os serviços e instalações de energia elétrica e o a proveitamento energético dos cursos de água , em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; (grifo nosso)

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Veja-se, nesse sentido, a previsão constitucional a respeito dos serviços de

energia elétrica, em sintonia com o objeto central do presente estudo, qual seja, a

concessão para o aproveitamento dos potenciais hidroenergéticos.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Art. 21. Compete à União:

...

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

...

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água , em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; (grifo nosso)

Os serviços de eletricidade, então, são previstos na Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 como sendo serviços públicos. Mais a frente,

abordar-se-á a distinção entre as diversas atividades que compõem os serviços

públicos de eletricidade (geração, transmissão, distribuição e comercialização), suas

características e o enquadramento, ou não, de cada um deles no conceito de serviço

público. Antes, examinaremos outros aspectos inerentes aos serviços públicos como

instituto do Direito Administrativo.

13.3 A TITULARIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Os serviços públicos sempre foram, são e serão de titularidade do Estado. O

que se pode ser transferido, através de delegação ou outorga, à outras pessoas, é

apenas a titularidade da prestação dos serviços públicos, mas nunca a titularidade

do próprio serviço em si.

Os serviços delegados, ou mesmo os outorgados mediante autorização,

permissão e concessão, são prestados por agentes que atuam em nome do Estado,

sendo que o próprio Estado continua, em todas as hipóteses, a ser o detentor da

titularidade dos serviços públicos prestados.

Quando não prestado diretamente pelo Estado, o que é transferido à outra

pessoa é apenas o direito-dever de prestação do serviço público.

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Vejam-se as lições que ecoam em sintonia com esta idéia, apresentadas por

diversos doutrinadores jurídicos brasileiros, por ser este um consenso em nossa

doutrina.

Segundo Marçal Justen Filho:

Na concessão, o Estado continua a ser o titular do poder de prestação do serviço. Transfere-se a um particular uma parcela da função pública, mas o núcleo da competência permanece na titularidade do Estado. Assim, o Estado não está renunciando ao poder de prestar o serviço, nem abre mão do poder de disciplinar as condições de sua prestação. O concessionário atua perante terceiros como se fosse o próprio Estado. Justifica-se, desse modo, o poder-dever de o Estado retomar os serviços concedidos, a qualquer tempo e independentemente do prazo previsto para a concessão, sempre que o interesse público o exigir (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 56).

A concessão não retira do Poder Concedente a titularidade do serviço, tal como não afeta o regime jurídico aplicável (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 57).

Para Mário Fernando Elias Rosa:

Os serviços públicos são de titularidade do Poder Público (por suas entidades estatais). O seu exercício, quando admissível, pode ser transferido a outras pessoas jurídicas, sejam as criadas por desejo do próprio Poder (que podem ser públicas ou privadas), sejam as criadas por particulares (sempre privadas) (ROSA, 2010, pg. 88).

De acordo com Antônio Carlos Cintra do Amaral:

Os serviços públicos são de titularidade do Poder Público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Seu exercício pode ser delegado a entidades privadas ou vinculadas ao Poder Público (estas, em regra, sociedades de economia mista ou empresas públicas). A titularidade de um serviço público é sempre do “Poder Público”. Quando se diz que um serviço público é concedido, está-se a dizer que seu exercício foi delegado a uma empresa, estatal ou privada (AMARAL, 2002, pg. 21).

A concessionária é obrigada a prestar o serviço cujo exercício lhe foi atribuído, mas o poder concedente continua com o dever constitucional de prestá-lo, embora escolha a opção de fazê-lo indiretamente sob regime de concessão ou permissão, como lhe é autorizado pelo art. 17525 da Constituição. O inadimplemento pela concessionária gera sua responsabilidade perante o usuário, mas também responsável é, solidariamente, o poder concedente, na

25 CR/88 - Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou

permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

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medida em que mantém a titularidade do serviço concedido (AMARAL, 2002, pg. 115).

O serviço público, cujo exercício é atribuído à concessionária, continua na titularidade e sob responsabilidade do poder concedente. Perante a relação de consumo, diversamente, o Poder Público atua como “protetor” da parte considerada hipossuficiente, que, em regra, é o consumidor (AMARAL, 2002, pg. 115).

A Lei nº 8.987/95, em seu artigo 2º, considera “poder concedente: a União, o

Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o

serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão

ou permissão”.

Para os serviços públicos de geração, transmissão e distribuição de

eletricidade têm-se que o poder concedente é a União. Sobremaneira nos serviços

relacionados à geração de eletricidade através da exploração de usinas

hidrelétricas, por serem os potenciais hidráulicos considerados de forma

constitucional como bens públicos de propriedade da União.

Tem-se que a União é a titular do serviço público de geração de energia

elétrica proveniente do aproveitamento energético de potenciais de energia

hidráulica.

Sobre a transferência dos direitos de exploração dos potenciais

hidroenergéticos, o que é permitido à União é a transferência apenas da titularidade

da prestação de tais serviços para terceiros, repete-se, apenas da prestação do

serviço, mediante delegação, autorização, permissão ou concessão. Nesses casos,

a União continua a ser a titular do serviço público e também a titular da propriedade

sobre o bem público explorado, o que é delegado ou outorgado é apenas a

titularidade da prestação do serviço público e/ou a posse do bem público (direito de

usar e fruir).

13.3.1 A Solidariedade da União nos Serviços Públicos Delegados e/ou Outorgados

e a Defesa dos Usuários

Importante pincelar a sutil diferença entre os usuários de serviços públicos e

os consumidores de uma relação de consumo tradicional.

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143

Nas palavras de Antônio Carlos Cintra do Amaral, encontramos a distinção

básica entre a relação de consumo e a de serviço público.

O fornecedor e a concessionária têm obrigações perante o consumidor e o usuário, respectivamente. O descumprimento dessas obrigações acarreta sua responsabilidade. Mas no caso da concessionária o ordenamento jurídico atribui essa responsabilidade também ao Poder Público (concedente), o que não ocorre quando o fornecedor não cumpre suas obrigações (AMARAL, 2002, pg. 116).

O art. 27 da Emenda Constitucional 19/1998 determinou que o Congresso Nacional deverá elaborar “lei de defesa do usuário de serviços públicos” (AMARAL, 2002, pg. 117).

Salienta-se que essa lei devia ter sido elaborada pelo Congresso Nacional no prazo de 120 dias, a partir de junho de 1998. Até hoje não o foi (AMARAL, 2002, pg. 117).

Disso tudo se conclui que defesa do usuário de serviço público não é atribuição dos órgãos de defesa do consumidor, e sim da respectiva agência reguladora, cujo desafio é organizar-se adequadamente para isso (AMARAL, 2002, pg. 117).

Deve-se ter sempre em mente que o objetivo da concessão de serviço público é a satisfação do interesse do usuário e que o papel principal das agências reguladoras deve ser o de defender esse interesse, quer perante a concessionária, quer perante o poder concedente. Como recorda o jurista argentino Héctor Escola, “diz-se, com razão, que o grau de desenvolvimento e progress o de um país se mede pelo grau de organização e prestação d e seus serviços públicos e a satisfação com que os usuário s os utilizam” . A prestação de “serviço adequado”, controlada por agências reguladoras fortes e independentes, é indispensável para que esse objetivo seja alcançado (AMARAL, 2002, pg. 118). (grifo nosso)

13.3.2 A Temporariedade da Delegação e/ou da Outorga para Prestação dos

Serviços Públicos

Como a titularidade dos serviços públicos são do Estado, tanto quando a

prestação de tais serviços é transferida através de delegação, quanto quando

através de outorga (autorização, permissão ou concessão), dita transferência se dá,

necessária e obrigatoriamente, em caráter temporário.

A temporariedade é característica da transferência de titularidade da

prestação de serviços públicos.

Vejam-se, nesse mesmo sentido, sobre a delegação e/ou concessão, os

ensinamentos de Marçal Justen Filho:

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O prazo da delegação é determinado e desempenha duas funções fundamentais. A primeira é a delimitação do período pelo qual o particular desenvolverá o serviço. Atingido o termo avençado, o serviço retornará ao concedente. A segunda é a garantia de que a extinção antecipada, sem culpa do concessionário, acarretará ampla indenização a ele (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 724).

O regime da concessão importa, necessariamente, a temporariedade da concessão. Não se admitem concessões eternas nem aquelas em que o concedente renuncie definitivamente ao poder de retomar o serviço (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 56) e (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 724).

Aliás não se admite concessão com prazo indeterminado (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 56).

Abordaremos, adiante, mais detidamente, a questão do prazo aplicada

principalmente na outorga de concessão, visto ter íntima relação com o tema central

do presente trabalho.

13.4 CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Segundo Hely Lopes Meirelles, “levando-se em conta a essencialidade, a

adequação, a finalidade e os destinatários dos serviços, podemos classificá-los em:

públicos e de utilidade pública; próprios e impróprios do Estado; administrativos e

industriais; uti universi e uti singuli” (MEIRELLES, 2010, pg. 352).

Sobre a classificação em serviços públicos (stricto sensu) e serviços de

utilidade pública, Hely Lopes Meireles aduz:

Serviços públicos: propriamente ditos, são os que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado. Por isso mesmo, tais serviços são considerados privativos do Poder Público, no sentido de que só a Administração deve prestá-los , sem delegação a terceiros, mesmo porque geralmente exigem atos de império e medidas compulsórias em relação aos administrados. Exemplos desses serviços são os de defesa nacional, os de polícia, os de preservação da saúde pública (MEIRELLES, 2010, pg. 352). (grifo nosso)

Serviços de utilidade pública : são os que a Administração, reconhecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os membros da coletividade, presta-os diretamente ou aquiesce em que sejam prestados por terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), nas condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e risco dos prestadores, mediante remuneração dos usuários. São exemplos

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dessa modalidade os serviços de transporte coletivo, energia elétrica , gás e telefone (MEIRELLES, 2010, pg. 352). (grifo nosso)

No primeiro caso (serviço público), o serviço visa a satisfazer necessidades gerais e essenciais da sociedade, para que ela possa subsistir e desenvolver-se como tal; na segunda hipótese (serviço de utilidade pública), o serviço objetiva facilitar a vida do indivíduo na coletividade, pondo à sua disposição utilidades que lhe proporcionarão mais conforto e bem-estar (MEIRELLES, 2010, pg. 352).

Sobre a classificação em serviços públicos próprios e impróprios do Estado,

Hely Lopes Meireles nos ensina que:

Serviços próprios do Estado: são aqueles que se relacionam intimamente com as atribuições do Poder Público (segurança, polícia, higiene e saúde públicas, etc.) e para a execução dos quais a Administração usa da sua supremacia sobre os administrados. Por esta razão, só devem ser prestados por órgãos ou entidades públicas, sem delegação a particulares (MEIRELLES, 2010, pg. 352).

Tais serviços, por sua essencialidade, geralmente são gratuitos ou de baixa remuneração, para que fiquem ao alcance de todos os membros da coletividade (MEIRELLES, 2010, pg. 352).

Serviços impróprios do Estado: são aqueles que não afetam substancialmente as necessidades da comunidade, mas satisfazem interesses comuns de seus membros, e, por isso, a Administração os presta remuneradamente, por seus ó rgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais), ou delega sua prestação a concessionários, permissioná rios ou autorizatários . Esses serviços, normalmente, são rentáveis e podem ser realizados com ou sem privilégio (não confundir com monopólio), mas sempre sob regulamentação e controle do Poder Público competente (MEIRELLES, 2010, pg. 352). (grifo nosso)

A classificação em serviços públicos administrativos ou industriais é

caracterizada da seguinte forma por Hely Lopes Meireles:

Serviços administrativos: são os que a Administração executa para atender a suas necessidades internas ou preparar outros serviços que serão prestados ao público, tais como os da imprensa oficial, das estações experimentais e outros dessa natureza (MEIRELLES, 2010, pg. 352).

Serviços industriais: são os que produzem renda para quem os presta, mediante a remuneração da utilidade usada o u consumida, remuneração, esta, que, tecnicamente, se denomina tarifa ou preço público , por ser sempre fixada pelo Poder Público, quer quando o serviço é prestado por seus órgãos ou entidades, quer quando por concessionários, permissionários ou autorizatários. Os serviços industriais são impróprios do Estado, por consubstanciarem atividade econômica que só poderá ser explorada diretamente pelo

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poder Público quando “necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei” (CF, art. 173) (MEIRELLES, 2010, pg. 352). (grifo nosso)

A seguinte classificação é apresentada com relação aos serviços públicos uti

singuli (fruídos por usuários determinados) e uti universi (fruídos por usuários

indeterminados, pela coletividade de uma foram geral), também pelo ilustre Hely

Lopes Meirelles:

Serviços uti universi ou gerais: são aqueles que a Administração presta sem ter usuários determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Estes serviços satisfazem indiscriminadamente a população, sem que se erijam em direito subjetivo de qualquer administrado à sua obtenção para seu domicílio, para sua rua ou para seu bairro. Estes serviços são indivisíveis, isto é, não mensuráveis na sua utilização. Daí por que, normalmente, os serviços uti universi devem ser mantidos por imposto (tributo geral), e não por taxa ou tarifa, que é remuneração mensurável e proporcional ao uso individual do serviço (MEIRELLES, 2010, pg. 352).

Serviços uti singuli ou individuais: são os que têm usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica domiciliares. Esses serviços, desde que implantados, geram direito subjetivo à sua obtenção para todos os administrados que se encontrem na área de sua prestação ou fornecimento e satisfaçam as exigências regulamentares. São sempre serviços de utilização individual, facultativa e mensurável, pelo quê devem ser remunerados por taxa (tributo) ou tarifa (preço público), e não por imposto (MEIRELLES, 2010, pg. 352).

Podemos classificar, então, até aqui, os serviços de eletricidade como

serviços industriais, de utilidade pública, impróprios do Estado, que podem ser

delegados ou outorgados, ou ainda prestados diretamente pelo Estado, conforme o

caso, de forma individual26 (uti singuli) e/ou de forma geral27 (uti universi), ou seja,

com ou sem usuários determinados.

Importante destacar aqui que, mesmo sendo considerados serviços de

utilidade pública, e não serviços públicos stricto sensu, os serviços de eletricidade

26 Nas atividades de Geração (quando da comercialização direta para os consumidores livre e distribuidores de

eletricidade), Distribuição e Comercialização de energia elétrica. 27 Nas atividades de Geração, Transmissão e Distribuição de energia elétrica.

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devem ser entendidos como essenciais à garantia dos direitos fundamentais28 das

pessoas humanas, pois nota-se que o Estado depende da eletricidade para que

possa prover, ao povo brasileiro, praticamente todos os direitos sociais previstos

constitucionalmente (educação, saúde, segurança, etc.). Isto, porque praticamente

todos os serviços públicos stricto sensu dependem de eletricidade para serem

prestados.

13.4.1 As Formas de Execução e de Prestação dos Serviços Públicos – Direta ou

Indireta (Delegação ou Outorga)

Márcio Fernando Elias Rosa classifica a prestação dos serviços públicos em:

(i) centralizados; (ii) desconcentrados; e (iii) descentralizados, conforme segue:

Serviços centralizados – Prestados diretamente pelo Poder Público, em seu próprio nome e sob sua exclusiva responsabilidade (ROSA, 2010, pg. 88).

Serviços desconcentrados – Prestados pelo Poder Público, por seus órgãos, mantendo para si a responsabilidade na execução (ROSA, 2010, pg. 88).

Serviços descentralizados – Prestados por terceiros, para os quais o Poder Público transferiu a titularidade ou a possibilidade de execução, seja por outorga, seja por delegação (ROSA, 2010, pg. 88).

O mesmo autor ainda acrescenta:

Os serviços públicos são de titularidade do Poder Público (por suas entidades estatais). O seu exercício, quando admissível, pode ser transferido a outras pessoas jurídicas, sejam as criadas por desejo do próprio Poder (que podem ser públicas ou privadas), sejam as criadas por particulares (sempre privadas) (ROSA, 2010, pg. 88).

As pessoas jurídicas de direito público vinculadas ao Poder Público são as autarquias e, via de regra, as fundações. As de direito privado são as empresas públicas e sociedades de economia mista. Quando prestados diretamente pela entidade estatal (União, Distrito Federal, Estados-Membros e Municípios), diz-se que há execução direta do serviço; quando, porém, a entidade se vale de pessoas jurídicas a ela vinculadas ou a pessoas jurídicas de direito privado, diz-se haver descentralização do serviço e, por fim, pode haver a mera distribuição de competência para a prestação do serviço entre órgãos da própria entidade, que recebe a designação de serviço desconcentrado (ROSA, 2010, pg. 88).

28 Direito fundamental consiste em um conjunto de normas jurídicas, previstas primariamente na Constituição e

destinadas a assegurar a dignidade humana em suas diversas manifestações, de que derivam posições jurídicas para os sujeitos privados e estatais (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 94).

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O modo de prestação não se confunde com a forma de execução, que pode ser direta ou indireta:

a) Execução direta: ocorre sempre que o Poder Público emprega meios próprios para a sua prestação, ainda que seja por intermédio de pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado para tal fim instituídas (ROSA, 2010, pgs. 88 e 89).

b) Execução indireta: ocorre sempre que o Poder Público concede a pessoas jurídicas ou pessoas físicas estranhas à Entidade Estatal a possibilidade de virem a executar os serviços, como ocorre com as concessões, permissões e autorizações (ROSA, 2010, pg. 89).

Segundo o mestre Luiz Alberto Blanchet, “os serviços públicos podem ser

executados mediante duas formas: diretamente pelo Poder Público, ou

indiretamente, mediante outorga de concessão ou permissão” (BLANCHET, 2008,

pg. 56).

As formas de execução – direta ou indireta – nos levam à classificação em diretos (prestados pela própria Administração, sem outorga de concessão ou permissão) e indiretos (executados por concessionário ou permissionário) (BLANCHET, 2008, pg. 55).

A outorga de concessão ou permissão para que particulares prestem serviço público exige certas condições:

1) a atividade deve estar definida como serviço público pela Constituição ou por lei;

2) é necessária prévia autorização legislativa, em razão do princípio de legalidade;

3) deve haver possibilidade material da execução por particulares;

4) a prévia licitação é pressuposto de validade da outorga (BLANCHET, 2008, pg. 56).

A forma de execução indireta pode-se dar através de delegação ou de

outorga (autorização, permissão ou concessão).

Interessa-nos, no presente trabalho, o exame sobre o instituto da concessão,

que é uma forma de execução indireta para a prestação dos serviços públicos pelo

Estado.

Ademais, cabe salientar que as concessões de usinas hidrelétricas são

exploradas no Brasil tanto por empresas estatais (sociedades de economia mista),

quanto empresas puramente privadas, sendo que, em todos os casos, a

transferência para a prestação de tais serviços se deu e se dá através de outorgas

de concessão.

Carlos Ari Sundfeld afirma que:

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Apesar de pertencentes ao Estado, serviços públicos podem ser desenvolvidos por particulares no regime de concessão ou permissão, visto produzirem resultados econômicos (SUNDFELD, 2006, pg. 83).

Para Marçal Justen Filho:

A concessão se vincula, primeiramente, à temática do serviço público. Isso significa o compromisso de atendimento a necessidades essenciais, diretamente relacionadas com o princípio da dignidade da pessoa humana, o que conduz usualmente participação estatal (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 11).

Mas a concessão também se relaciona à exploração empresarial das atividades de serviço público, desenvolvida pela iniciativa privada sob a concepção da lucratividade. Daí se segue a aplicação de princípios peculiares ao âmbito não estatal, tais como a tutela à propriedade privada à livre iniciativa e (eventualmente) à livre concorrência (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 11).

Especificamente no tocante ao conceito de concessão, nas palavras de

Antônio Carlos Cintra do Amaral, temos que:

A concessão caracteriza-se, assim, como instrumento jurídico de prestação indireta, pelo Poder público, de serviço público ao usuário. Prestação indireta, essa, que se faz por intermédio de empresa estatal ou privada (AMARAL, 2002, pg. 21).

O serviço público quando prestado diretamente pelo Poder Público, é remunerado pelo usuário, efetivo ou potencial, mediante taxa. A taxa é uma espécie de gênero “tributo” cobrável pelo Poder Público “pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição” (art. 145, II, da CF). Quando o serviço é prestado indiretamente pelo Poder Público ao usuário, mediante concessão, é por este remunerado mediante tarifa. Esta é paga pelo usuário diretamente à concessionária, pela prestação efetiva do serviço. Não há, pois, como confundir taxa e tarifa. Assim como não se podem confundir esses dois tipos de remuneração com o preço. Abstraindo os rótulos e concentrando a atenção nos conceitos, tanto a taxa quanto a tarifa são pagas pelo usuário do serviço público, ao Poder Público (taxa) ou à concessionária (tarifa). Preço é a contraprestação paga por uma das partes contratantes à outra em decorrência de um contrato, quer privado, quer administrativo, que tenha por conteúdo uma obrigação predominante de dar ou de fazer (contratos de compra e venda de bens, prestação de serviços, execução de obras e outros) (AMARAL, 2002, pg. 22).

No entanto, no caso da prestação dos serviços públicos de geração de

eletricidade, a citada tarifa, tem como conteúdo, na verdade, um preço público.

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Assim é o entendimento da interpretação dada ao preço de venda de energia pelos

geradores, segundo o novo modelo do setor elétrico.

Este entendimento está de acordo com o que afirma Antônio Carlos Cintra

do Amaral: “deu a Lei 8.987/1995, portanto, claramente, a conotação de preço

contratual (público) à tarifa” (AMARAL, 2002, pg. 27).

13.4.2 Diferença entre Delegação e Outorga

Os serviços públicos, quando não prestados diretamente pelo Estado,

podem ser prestados, basicamente, através de delegação ou de outorga

(autorização, permissão ou concessão).

Ao se estudar o modo de prestação dos serviços públicos, encontra-se uma

verdadeira confusão realizada mesmo pelos mais conceituados doutrinadores do

ramo do direito administrativo. Em praticamente todas as doutrinas há uma a

confusão quando os autores fazem referência à delegação ou outorga de um serviço

público.

Marçal Justen Filho nos dá uma explicação para a confusão na utilização

indiscriminada da expressão “delegação”:

É usual a expressão “delegação de serviço público” para abranger, em termos amplos, todas as diversas figuras por meio das quais havia a transferência pelo Estado para um terceiro do exercício da função estatal atinente à prestação do serviço (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 720).

Assim, ao mesmo tempo em que os autores tratam do instituto da

concessão, afirmam se tratar de uma “delegação”, o que, segundo a boa técnica

jurídica, é equivocado.

Os próprios conceitos legais de alguns tipos de concessões apresentam

falhas tidas como graves por diversos doutrinadores. Veja-se, nesse sentido, a

crítica de Celso Antônio Bandeira de Mello a respeito dos conceitos legais de

concessão de serviço público e de concessão de serviço público precedida da

execução de obra pública

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Ambos os conceitos (concessão precedida e não precedida de obra pública) padecem de qualidade técnica lastimável. Desde logo, incluem na caracterização das figuras delineadas elementos que são requisitos de sua válida formação (ser realizada mediante licitação na modalidade de concorrência e outorgada à empresa ou consórcio que demonstre capacidade para realização do empreendimento), mas, evidentemente, não são requisitos de existência, isto é, relativos à sua mera composição jurídica (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 702).

Donde, uma vez que, “para os fins do disposto na lei”, considera-se concessão a “delegação” que responda a tais exigências, da literalidade de seus termos adviria, inadmissivelmente, que a “delegação” que as descumprisse não seria concessão e, pois, que estaria à margem da disciplina estabelecida pela sobredita lei; órfã de qualquer disciplina conhecida (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 702).

Observe-se o texto abaixo, do ilustre doutrinador Carlos Ari Sundfeld.

Fundamental perceber, porém que as áreas definidas como de “serviço público” não são franqueadas à atuação dos particulares enquanto tais, mas sempre como substitutos do Estado. Daí o estudo do serviço público estar sempre ligado à figura da delegação (SUNDFELD, 2006, pg. 83).

Note-se que a última afirmação é equivocada, vez que os serviços públicos

podem ser objeto de delegação, ou objeto de outorga, excludentemente, pois são

coisas distintas. Desnecessário falar que, com grande probabilidade, o ilustre

doutrinador tenha se referido à delegação como forma genérica de transferência da

prestação dos serviços, e não nos estritos termos técnicos do próprio instituto da

delegação, mas fato é que, em se mantendo a escrita como está, a confusão

permanece.

Sobre a diferença entre delegação e outorga, vejam-se as lições de Hely

Lopes Meireles.

A distinção entre serviço outorgado e serviço delegado é fundamental, porque aquele é transferido por lei e só por lei pode ser retirado ou modificado, e este tem apenas sua execução traspassada a terceiro, por ato administrativo (bilateral ou unilateral), pelo quê pode ser revogado, modificado e anulado, como são os atos dessa natureza (MEIRELLES, 2010, pg. 365).

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13.4.3 A Delegação

Para uma perfeita diferenciação entre delegação e outorga, importante se

faz a definição do instituto da delegação.

A delegação é o ato administrativo pelo qual a Administração transfere transitoriamente ao particular o exercício do direito à exploração de serviço público. O Poder Público trespassa apenas o exercício da atividade, mantendo sua titularidade. Tal aspecto já prenuncia seu regime jurídico. O Estado nunca aliena os interesses públicos: admite-se apenas que transfira, temporariamente, o exercício das competências voltadas à sua implementação, sem abrir mão delas. Por isso, a delegação instaura vínculo especial entre Administração e administrado, sujeito a rompimento na dependência do apontado pelo interesse público (SUNDFELD, 2006, pg. 83).

Empresas públicas e sociedades de economia mista recebem a titularidade do serviço público (quando constituídas para esse fim), mas também podem ser meras executoras dos serviços que lhes sejam transferidos (quando celebram contrato de concessão, por exemplo). Assim, se uma empresa pública prestadora de serviço público constituída pelo Estado celebrar contrato de concessão com a União, ela não receberá a titularidade (que não se transfere por contrato), mas será mera concessionária ou delegatária da prestação do serviço contratado (ROSA, 2010, pg. 89).

13.4.4 A Outorga

A outorga é o meio pelo qual se transfere o serviço público do Estado à outra

pessoa, que passa a prestá-lo em seu nome. A outorga pode ocorrer através de

autorização, permissão ou concessão.

Quanto às formas de outorga (autorização, permissão ou concessão),

abordaremos aqui unicamente o instituto da concessão, o qual será tratado com

mais profundidade adiante.

Importante destacar desde já que a outorga de concessão, diferentemente

do regramento previsto para a delegação, se faz, obrigatoriamente, mediante prévio

processo licitatório.

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13.5 A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA COMO CONCESSÃO DE SERVIÇO

PÚBLICO

Têm-se, na doutrina, um consenso em torno da idéia de que as atividades

de transmissão e de distribuição de energia elétrica consubstanciam-se em típicos

serviços públicos.

No entanto, sobre a atividade de geração de energia elétrica, tal consenso

não é tão evidente. Vejamos, então, as abordagens disponíveis na doutrina sobre tal

discussão.

Sobre a natureza jurídica da eletricidade, Geraldo Pereira Caldas aduz:

Conforme Agostinho Alvim, “os bens são as coisas materiais ou imateriais que têm valor econômico e que podem servir de objeto a uma relação jurídica”. Orlando Gomes classifica a energia elétrica como bem incorpóreo, isto é, aquele “que não tendo existência material, pode ser objeto de direito” (CALDAS, 2004, pg. 34).

Antônio Carlos Cintra do Amaral apresenta algumas diferenças jurídicas no

tocante às atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de

eletricidade, e sem dizer o porquê, considera que a atividade de geração de

eletricidade não pode ser considerada como um serviço público.

A Lei 9.074/1995 certamente não foi elaborada como o mesmo cuidado técnico-jurídico com que o foi a Lei 8.987/1995. Mais adiante, no art. 4º29, trata como passíveis de concessão ou permissão de serviço público a geração, a transmissão e a distribuição de energia elétrica. No Direito Brasileiro (nunca é demais sublinhar), visto como sistema hierarquizado de normas jurídicas, no topo do qual está a Constituição, geração e transmissão de energia elétrica não se caracterizam como serviço público, embora sejam ati vidades indispensáveis à prestação de um serviço público pa ssível de

29 Lei nº 9.074/1995 - Art. 4º. As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações

de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei no 8.987, e das demais.

...

§ 2º As concessões de geração de energia elétrica anteriores a 11 de dezembro de 2003 terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a 35 (trinta e cinco) anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado por até 20 (vinte) anos, a critério do Poder Concedente, observadas as condições estabelecidas nos contratos. (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004)

§ 3º As concessões de transmissão e de distribuição de energia elétrica, contratadas a partir desta Lei, terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a trinta anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado no máximo por igual período, a critério do poder concedente, nas condições estabelecidas no contrato.

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concessão ou permissão, que é a distribuição da ene rgia gerada e transmitida . Esta, sim – a distribuição -, é atividade específica, divisível e, quando efetivamente prestada, é remunerável pelo usuário mediante pagamento de tarifa (AMARAL, 2002, pg. 20). (grifo nosso)

Sobre a diferenciação existente entre as atividades de geração, transmissão

e distribuição de energia elétrica, vejam-se as lições mais elucidativas de Geraldo

Pereira Caldas.

Sob o ponto de vista comercial, a energia elétrica, entendida como coisa móvel, produzida nas usinas e consumida pelos usuários, é o bem principal, enquanto que a transmissão e a distribuição são serviços acessórios. Esta é a idéia que orientava a modelagem concebida entre 1995 e 1998 para o setor elétrico, segundo a qual a energia elétrica é vista como uma “commodity”, oferecida num mercado competitivo, enquanto a transmissão e a distribuição são serviços públicos com características de monopólio natural (CALDAS, 2004, pg. 36).

Entretanto, isto deve ser visto com cautela, pois, em essência, a energia elétrica não pode ser separada, ou melhor, não existiria sem estes meios físicos que lhe dão sustentação e que constituem um sistema integrado. Para que haja energia elétrica, deve haver circuitos e corrente elétrica. É situação diversa da produção de um bem material qualquer em relação a seu transporte pela rede rodoviária até os consumidores. Esta é a idéia, com fundamento físico, que leva a ver a produção, transmissão e distribuição de energia elétrica como uma verdadeira prestação de serviço integrada. A reformulação do modelo setorial, com a Lei 10.848/04, tende a ir neste sentido (CALDAS, 2004, pg. 36).

Segundo o entendimento de alguns, que teve influência marcante na modelagem setorial construída entre 1995 e 1998, somente a transmissão e a distribuição, que utilizam os sistemas e redes públicas e envolvem o consumidor, é que se caracterizam efetivamente como serviços públicos. A produção e a comercialização, segundo esta visão, seriam atividades econômicas submetidas às leis do mercado (CALDAS, 2004, pg. 55).

O potencial hidráulico é um bem público pertencente, nos termos do art. 20, inc. VIII, da Constituição Federal, à União. Quando o seu aproveitamento é outorgado a quem o explorará para fins, mediatos ou imediatos, de prestar o serviço público de energia elétrica, não há dúvida de que a situação é de concessão de obra pública, conforme a define a Lei 8.987/95, em seu art. 2º, inc. III30. Este art. 1331, porém, seguindo a esteira desenhada pelos demais dispositivos da lei, artificialmente considera que esta concessão quando outorgada ao chamado produtor independente “chamar-se à” concessão de uso de

30 Lei nº 8.987/1995 - Art. 2º. Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: III - concessão de serviço público

precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;

31 Lei nº 9.074/1995 - Art. 13. O aproveitamento de potencial hidráulico, para fins de produção independente, dar-se-á mediante contrato de concessão de uso de bem público, na forma desta Lei.

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bem público. Ora, concessão de uso de bem público é somente aquela outorgada para fins de interesse particular do concessionário, como seria o caso da concessão de uso de um hotel de propriedade do Poder Público, por exemplo. Ainda, nesta hipótese, aliás, convém alertar, é imprescindível o prévio procedimento licitatório. Que razão, sustentável em termos lógicos, poderia ser apropriada para justificar a denominação concessão de uso de bem público para designar situação idêntica (quando a finalidade, imediata ou mediata, é a prestação de serviço público) à da concessão de obra pública, se a única diferença entre ambas é o nome dos envolvidos: respectivamente, ‘ produtor independente’ e concessionário de obra pública” (CALDAS, 2004, pgs. 73 e 74).

Importante verificar também as lições de Marçal Justen Filho:

Diagnosticou-se a possibilidade de diferenciação do serviço público nas várias etapas ou em vista dos objetos específicos considerados. Seja por fatores de cunho tecnológico, seja pela sofisticação da atividade econômica, tornou-se possível (senão necessário) seccionar em vários núcleos autônomos a atuação orientada ao fornecimento das utilidades. No passado, esse conjunto de atuações era compreendido e disciplinado como um todo unitário e incindível, ao menos para fins jurídicos. Com o passar do tempo, constata-se que esse todo é formado por atuações heterogêneas e diferenciadas entre si, que comportam dissociação e tratamento jurídico diverso. Mais ainda, reconhece-se que nem todos os segmentos dessas atividades exigem exploração sob regime monopolístico (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 41).

Daí se segue a imperativa dissociação da atividade, inclusive para evitar que sua exploração conjunta conduza a efeitos de abuso de poder econômico e dominação de mercado (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 41).

O grande exemplo envolve os serviços de fornecimento de energia elétrica, que compreendem as atividades de geração, transporte e distribuição. Anteriormente, essas diversas etapas eram tratadas conjuntamente, de modo inclusive a promover-se outorga unitária de concessão abrangendo o processo econômico na sua integralidade (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 41).

Constatou-se, posteriormente, que a característica de monopólio natural existe precipuamente no tocante às redes de transmissão de energia. Mas não havia imperativo técnico ou econômico para submeter a geração de energia elétrica a regime de monopólio, o que se evidenciou ainda menos sustentável com o aperfeiçoamento dos processos de geração. Logo, tornou-se perfeitamente possível, técnica e economicamente, ampliar a competição no âmbito da geração de energia (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 41).

Reconhece-se ser econômica ou tecnicamente inviável a duplicação de certas estruturas indispensáveis ao desempenho de algumas atividades (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 42).

O reconhecimento de um serviço público depende de instrumentalidade direta e imediata da atividade considerada para realizar ou dignidade da pessoa humana ou fins políticos essenciais da comunidade (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 46).

A exposição de um exemplo prático permite compreender melhor a orientação adotada. Suponha-se o caso tantas vezes já referido da

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energia elétrica. Considerando-se o atual estágio tecnológico e cultural, deve reputar-se como indispensável à dignidade da pessoa humana a ligação de cada residência à rede de energia elétrica, de modo a assegurar o acesso a utilidades fundamentais (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 46).

Portanto, a infra-estrutura necessária ao atendimento a essa exigência e à prestação dessas utilidades configura serviço público. Mas isso não significa que toda e qualquer atividade relacionada à geração ou à oferta de energia elétrica caracterizará necessariamente serviço público. A hipótese fica evidente no caso de autoprodutor. Se um sujeito resolve produzir energia elétrica para o próprio consumo - eis que, por exemplo, utilizar-se-á dessa energia para fins industriais - é evidente que atividade de geração por ele desenvolvida não configurará serviço público. Quando muito, exigir-se-á uma fiscalização da atividade de geração para uso próprio. Essa conclusão é aceita de modo incontroverso por parte da doutrina tradicional, qual afirma que, no caso, estaria ausente um pressuposto do serviço público (consistente no oferecimento de utilidades para pessoas indeterminadas) (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 47).

Imagina-se, porém, que o sujeito realiza grandes investimentos para implantação de uma unidade de produção de energia elétrica e obtenha um excesso de produção que pode ser transferido a terceiros. Ou se considere a hipótese de que circunstâncias supervenientes tornem inviável o prosseguimento da atividade industrial originariamente cogitada. Seria ou não possível que o produtor de energia elétrica pretendesse “comercializar” a energia por ele próprio produzida? A resposta afigura-se como positiva, na medida em que se mantenha a tese de que essa atividade será configurada como atividade econômica em sentido restrito se não estiverem presentes os pressupostos da existência de serviço público (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 47).

Portanto, o ponto central reside em determinar os requisitos de configuração de um serviço público. O que se defende é que não basta a oferta de utilidades a pessoas indeterminadas para surgir um serviço público. O fundamental é a pertinência entre a utilidade ofertada e a necessidade a ser satisfeita. Dito em outras palavras, serviço público não é sinônimo de serviço ao público. Indica serviço indispensável, diretamente relacionado com a satisfação de necessidades essenciais à integridade do ser humano (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 47).

Voltando ao caso da energia elétrica, as considerações acima conduzem a reconhecer a impossibilidade de o Estado omitir a estruturação de um sistema de serviço público de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Mas, uma vez existindo essa estrutura de serviço público, é cabível o aproveitamento de situações marginais sob o regime de direito privado, submetendo-as ao regime da atividade econômica em sentido restrito (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 47).

Desenha-se a idéia, então, de que a atividade de geração de energia

elétrica, através da exploração de um potencial hidroenergético, não é realizado

apenas através de uma concessão de uso de bem público, conforme o nome que se

lhe deu a lei, mas sim, consubstancia-se com parte essencial na prestação de um

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serviço público, integrado, como não pode deixar de ser, junto com as atividades de

transmissão e de distribuição de eletricidade, perfazendo-se, assim, como um todo,

o atendimento à necessidade pública de prestação dos serviços públicos de

eletricidade.

Cabe relembrar também, que a própria constituição atribui à exploração dos

potenciais hidroenergéticos a característica de serviço público. Veja-se o contido na

alínea b, do inciso XII, do artigo 21, da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Art. 21. Compete à União:

...

XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

...

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água , em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; (grifo nosso)

Neste diapasão, Geraldo Pereira Caldas continua a expor sua brilhante

conclusão:

A expressão “serviço público” pode ser empregada em diferentes acepções. Em sentido subjetivo, serviço público é o conjunto de órgãos e agentes que têm por função típica o desempenho de atividade administrativa. Materialmente, corresponde às atividades relevantes que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, presta para a sociedade. Por fim, em sentido formal, significa as atividades desempenhadas sob um regime jurídico especial, ou de direito público (CALDAS, 2004, pg. 83).

Já Léon Duguit, expoente máximo de corrente de pensamento jurídico francês denominada “escola de serviço público”, acolhe a noção material de serviço público. Para ele, o serviço público é toda atividade cuja a realização deve ser assegurada, regulada e controlada pelos governantes, porque tal realização é indispensável à concretização e ao desenvolvimento de independência social, e esta atividade é de tal natureza que só pode ser realizada pela intervenção da força de governo (CALDAS, 2004, pg. 84).

A definição de Luiz Alberto Blanchet destaca este aspecto: “É serviço público somente a atividade assim considerada pela Constituição da República ou pela lei, atividade esta prestada de forma permanente submetida ao regime jurídico de direito público, executada concreta e diretamente pelo Estado, ou por aqueles a quem tal incumbência for

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delegada, visando a satisfação de necessidades ou à criação de utilidades, ambas de interesse coletivo” (CALDAS, 2004, pg. 84).

No caso da eletricidade, a questão perde um pouco a relevância, pois, ainda que materialmente não reste dúvida quan to à necessidade da intervenção governamental para garan tir o interesse público, independente disto, a própria Co nstituição Federal define os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água como s erviços públicos (CALDAS, 2004, pgs. 84 e 85). (grifo nosso)

Marcos Juruena Villela Souto comenta que muitas vezes o uso de bem público é condição para a produção do insumo na prestação do serviço público, como no caso da concessão para aproveitamento de potencial de energia elétrica. Segundo o Prof. de direito constitucional econômico da Fundação Getúlio Vargas: os serviços de energia elétrica compreendem três etapas, a saber: a geração, a transmissão e a distribuição; somente a segunda e terceira etapas, que utilizam os sistemas e redes públicas e envolvem o consumidor é que, inicialmente, seriam considerados serviços públicos. A geração (produção) de energia pode ser feita tanto pelo concessionário de serviço público como pelo produtor independente e pelo autoprodutor de energia elétrica, os quais recebem uma concessão de uso de bem público, com fundamento no art. 20, VIII, c/c 176, 1º parágrafo, e não no art. 175, CF (CALDAS, 2004, pg. 91).

Ainda segundo este entendimento, somente as funções de transmissão e distribuição seriam concessões de serviço público num sentido estrito, cuja remuneração se faz por tarifas reguladas pelo Poder Público. O advento da Lei 10.848/04 atenuou um pouco esta visão, dando mais ênfase à natureza de prestação de serviço público não só às etapas de transmissão e distribui ção, mas também à de geração de energia elétrica (CALDAS, 2004, pg. 92). (grifo nosso)

Assim, o que anteriormente na doutrina se denominava de “concessão de obra pública” é agora designado como “concessão de serviço público precedida da execução de obra pública” (CALDAS, 2004, pg. 94).

Ora como já se mencionou, a previsão constitucional inclui, no art. 21, XII, “b”, “os serviços e instalações de en ergia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em ar ticulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroen ergéticos” como serviços públicos (CALDAS, 2004, pg. 87). (grifo nosso)

E sobre a questão da maior ou menor regulamentação, nas atividades de

geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, e mesmo sobre o caráter

competitivo do ambiente onde cada uma destas atividades é prestada, Geraldo

Pereira Caldas nos ensina:

É importante observar, com relação ao elemento formal, que, conforme a Profª. Maria Sylvia, com propriedade, coloca o regime jurídico pode ser o de direito privado derrogado, ora mais, ora menos, pelo regime de direito público, quando se trata de serviços comerciais e industriais. No caso da energia elétrica, conforme o modelo

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institucional do setor, nas funções de geração e comercialização há uma forte de componente de direito privado, ensejando a competição no oferecimento ao mercado do bem energia. Já nas funções de transmissão e distribuição, essencialmente prestação de serviços é preponderante o regime de direito público, com tarifas reguladas pelo Poder Público. Em qualquer destas funções, entretanto, deverá estar presente o regime de serviço público (CALDAS, 2004, pg. 86). (grifo nosso)

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14. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

As concessões de usinas hidrelétricas, em se tratando tanto de concessão

de uso de bem público, quanto de concessão de serviço público, ficam adstritas aos

termos existentes em seus respectivos contratos de concessão, que em ambos os

casos, consubstanciam-se em contratos administrativos típicos.

Abordaremos, então, com maior profundidade as características dos

referidos contratos administrativos, mas antes faremos uma breve abordagem sobre

o instituto do contrato, sob a ótica da teoria geral dos contratos, do direito civil.

14.1 CONTRATOS

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “como sempre ressaltado, o contrato é

uma modalidade de negócio jurídico” (VENOSA, 2007, pg. 475).

Para Hely Lopes Meirelles:

Contrato é todo acordo de vontades, firmado livremente pelas partes, para criar obrigações e direitos recíprocos. Em princípio, todo contrato é negócio jurídico bilateral e comutativo, isto é, realizado entre pessoas que se obrigam a prestações mútuas e equivalentes em encargos e vantagens. Como pacto consensual, pressupõe liberdade e capacidade jurídica das partes para se obrigarem validamente; como negócio jurídico, requer objeto lícito e forma prescrita ou não vedada em lei (MEIRELLES, 2010, pg. 214).

O aspecto volitivo na formação do negócio jurídico contratual é destacado

por Sílvio de Salvo Venosa, conforme segue:

Em qualquer negócio jurídico, a vontade, muito antes de ser somente um elemento de negócio jurídico, é um seu pressuposto. Esse pressuposto ora interferirá na validade, ora na eficácia do negócio. Importante fixar também quando houve mera aparência de manifestação de vontade. A vontade contratual, que se subsume em consentimento no contrato, é uma vontade negocial: isto é, dirigida para a obtenção de efeitos jurídicos, tutelados e vinculados. O consentimento contratual é o cerne desse negócio jurídico (VENOSA, 2007, pg. 475).

A vontade negocial constitui-se de um elemento interno e de um elemento externo. A vontade externa, ou declaração de vontade propriamente dita, constitui-se naquele elemento material, palpável, do declarante. A vontade interna é aquele elemento psíquico, que deve ser exteriorizado para ganhar efeitos jurídicos (VENOSA, 2007, pg. 475).

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161

Segundo o saudoso mestre Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, “o contrato

corresponde a acordo de vontades entre as partes pelo qual se criam direitos e

obrigações, que tornam seus interesses individuais interdependentes, isto é,

mutuamente vinculados” (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 450).

Sobre o contrato, Oswaldo Aranha acrescenta que:

O essencial nele é a liberdade jurídica de cada um dos contratantes de firmar a relação recíproca e a autoridade do vínculo então formado, ou seja, sua intangibilidade depois de estabelecido, pelo mútuo acordo das vontades. Daí se dizer que equivale à lei feita entre as partes. Não importa que as cláusulas desse acordo sejam estipuladas por um dos contratantes e aceitas pelo outro, e mesmo que sejam estabelecidas por uma das partes em instrumento típico, estereotipado para ser objeto de acordo com vários e diferentes interessados (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 450).

Desde que as partes livremente acordem, cada uma por sua vez, sobre seus termos, aderindo a eles, apesar de oferecidos a indeterminadas pessoas, e, depois de formado o vínculo, obriguem a ambas imperativamente, como se lei fossem entre elas, há contrato (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 450).

Contrato é o acordo de vontades, perfazendo ato jurídico único, entre partes correlatas e contrapostas, sobre objeto jurídico diverso, relativo a direto e obrigações das que nele participam. Esses direitos e obrigações são livremente dispostos pelas partes, ou uma adere livremente ao prefixado pela outra. Estabelecem vínculos entre elas, como se fossem leis, a que se sujeitam suas vontades, por todo o prazo estabelecido para a respectiva vigência (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 682).

O essencial nele é a liberdade de cada um dos contratantes de firmar a relação jurídica e a autoridade do vínculo formado, insuscetível de alteração pelo prazo de sua vigência, seja em virtude de lei conseqüente ou manifestação unilateral de uma das partes, retratando-se (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 683).

Sílvio de Salvo Venosa acrescenta que “numa acepção mais restrita, o

consentimento é a adesão que uma parte dá à outra perante uma oferta” (VENOSA,

2007, pg. 475).

Ao lado do objeto, portanto, posiciona-se a manifestação de vontade como elemento estrutural do negócio jurídico. Quando a vontade é posta em um acordo com outra vontade para obter efeitos jurídicos, estamos diante do consentimento, forma de manifestação de vontade contratual. A vontade contratual, pois, não se apresenta dirigida a esmo, mas vem colimar um fim concreto, em relação a um objeto, um bem economicamente avaliável. Destarte, a vontade contratual deve ser sempre orientada para um fim (VENOSA, 2007, pg. 475).

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Vê-se que os contratos possuem algumas características marcantes, quais

sejam: (i) o seu objeto; e (ii) as manifestações de vontade das partes, as quais, se

acordes, geram o chamado consentimento.

Importante destacar, com efeito no caso concreto, sobre o estudo dos

contratos de concessão, que tais contratos administrativos, via de regra, são

contratos temporários e por prazo certo, sendo que para serem firmados pressupõe-

se que houve um consenso entre as partes sobre a definição do seu prazo de

vigência.

As características e peculiaridades dos contratos administrativos de

concessão serão tratadas em profundidade mais adiante. Nos próximos parágrafos,

dar-se-á apenas uma pincelada sobre os conceitos de prazo, extinção, prorrogação

e renovação dos contratos, sob a ótica da teoria geral dos contratos, do direito civil.

14.1.1 Contratos Por Prazo Determinado

Os contratos por prazo determinado são aqueles em que se identifica a

manifestação de vontade das partes de não se ligarem indefinidamente.

Em um contrato com prazo determinado, o seu termo final de vigência é

conhecido.

Sobre os contratos com prazo determinado, Sílvio de Salvo Venoso aduz:

A obrigação visa a um escopo mais ou menos próximo no tempo. Atingida a finalidade para a qual foi criada, a obrigação extingue-se. Essa é a exata noção presente no contrato. O contrato desempenha importantíssima função social, mas nasce para em determinado momento ser extinto em prazo mais ou menos longo. Essa é a sua nobre e importante função social. Não existem obrigações perenes (VENOSA, 2007, pg. 463).

Prazo é o lapso de termo que decorre da declaração de vontade à superveniência do termo e também o tempo que medeia entre o termo inicial e o termo final. Os termos estão, pois nas extremidades dos prazos (VENOSA, 2007, pg. 120).

Sobre os termos inicial e final nos contratos com prazo determinado, Sílvio

de Salvo Venoso nos ensina que:

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O termo, uma vez posto à obrigação, indica o momento em que sua exigibilidade se inicia ou se extingue. O termo inicial, portanto, indica o momento do início, o termo final indica o momento em que deve cessar o exercício de direito (VENOSA, 2007, pg. 119).

O termo é sempre inexorável. O prazo é que pode ser certo ou incerto, com uma data exata ou prontamente fixável no calendário. O termo é certo, e somente será incerto quando não soubermos a data em que se cumprirá a obrigação (VENOSA, 2007, pg. 120).

Quando as partes estipulam prazo certo, uma data para terminar sua vigência, o negócio é por prazo determinado. O contrato é por prazo indeterminado quando não se fixa uma data, um prazo para seu término (VENOSA, 2007, pg. 387).

14.1.2 Prorrogação e Renovação dos Contratos Por Prazo Determinado

Ocorre que mesmo nos contratos por prazo determinado, as partes podem

acordar por continuar com o pacto avençado.

Sobre a prorrogação e/ou a renovação dos contratos por prazo determinado,

ou mesmo sua transformação em contratos por prazo indeterminado, Sílvio de Salvo

Venoso leciona que:

Quando há prazo determinado, o simples decurso do tempo, o advento da data põe fim ao contrato. Ocorre que, se as partes continuarem no cumprimento das avenças contratuais após o decurso do prazo determinado, o contrato passará a ter vigência por prazo indeterminado e como tal será tratado. Como regra geral, o contrato a prazo determinado transforma-se em prazo indeterminado (VENOSA, 2007, pg. 387).

As partes ou a lei podem fixar uma duração mínima para o contrato, após a qual a vontade contratual reduz-se taticamente. A prorrogação será tácita se continuarem os contraentes a cumprir o contrato sem qualquer manifestação de vontade específica. Poderão prorrogar o contrato por manifestação expressa, realizando um aditamento ao contrato. Haverá uma renovação do contrato se na prorrogação as partes agregarem novas cláusulas. Aí existirá um novo contrato (Gomes, 1983:146) (VENOSA, 2007, pg. 388).

14.1.3 A Extinção dos Contratos

O destino natural do contrato é a sua extinção, quando do cumprimento das

obrigações pactuadas.

Sobre a extinção dos contratos em geral, vejamos as lições de Sílvio de

Salvo Venosa:

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Ao contrair uma obrigação, ao engendrar um contrato, as partes têm em mira, desde o início, a possibilidade de seu término, ainda que não se fixe a priori um prazo para o cumprimento. O vínculo contratual, quando o bojo de suas obrigações atinge o desiderato, desfaz-se (VENOSA, 2007, pg. 463).

Como não existe concordância na doutrina acerca dos termos extinção, resolução, resilição, rescisão, revogação, melhor que partamos da noção de desfazimento, que vai englobar todos esses institutos, qualquer que seja a compreensão jurídica a eles outorgada. A dificuldade terminológica surge entre nós por não estar a questão totalmente disciplinada na lei. O vínculo chega a um final, termina, desfaz-se, de várias maneiras (VENOSA, 2007, pg. 464).

Contudo, quer-nos parecer que o termo extinção apresenta noção mais clara para os contratos que tiveram vida normal e por qualquer razão vieram a ser extintos, seja porque o contrato foi cumprido, seja porque o vínculo extinguiu-se a meio caminho de seu cumprimento. Parece mais apropriado reservar o termo extinção para essas hipóteses (VENOSA, 2007, pg. 464).

14.2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Como visto, os contratos são uma instituição típica do direito civil, mas de

aplicação ampla. Ocorre que a Administração Pública, e o Estado-poder de uma

forma geral, têm, necessariamente, de se valer de tal instituto para exercer as suas

mais variadas funções e atividades. Quando aplicados no âmbito da Administração

Pública, os contratos adquirem um caráter especial, e, desta feita, são normalmente

denominados contratos administrativos.

Neste sentido, veja-se a afirmação do mestre Luiz Alberto Blanchet:

Na concepção de Hely Lopes Meirelles, o contrato administrativo pressupõe necessariamente a Administração Pública, “agindo nessa qualidade”, como uma das partes contratantes, e exige como condições a persecução de “objetivos de interesse público” e a definição, pela própria Administração, das cláusulas que regerão o vínculo (BLANCHET, 2008, pg. 109).

Importante examinar, então, as lições de Hely Lopes Meirelles, acerca do

contrato administrativo.

Embora típica do Direito Privado, a instituição do contrato é utilizada pela Administração Pública na sua pureza originária (contratos privados realizados pela Administração) ou com as adaptações necessárias aos negócios públicos (contratos administrativos

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propriamente ditos). Daí por que a teoria geral do contrato é a mesma tanto para contratos privados como para contratos públicos, de que são espécies os contratos administrativos e os acordos internacionais (MEIRELLES, 2010, pg. 214).

Todo contrato - privado ou público - é dominado por dois princípios: o da lei entre as partes (lex inter partes). E o da observância do pactuado (pacta sunt servanda). O primeiro impede a alteração do que as partes convencionaram; o segundo obriga-as a cumprir fielmente o que avençaram e prometeram reciprocamente (MEIRELLES, 2010, pg. 214).

No Direito Privado a liberdade de contratar é ampla e informal, salvo as restrições da lei e as exigências especiais de forma para certos ajustes, ao passo que no Direito Público a Administração está sujeita a limitações de conteúdo e a requisitos formais rígidos, mas, em contrapartida, dispõe sempre dos privilégios administrativos para a fixação e alteração das cláusulas de interesse público e até mesmo para pôr fim ao contrato em meio de sua execução (MEIRELLES, 2010, pg. 215).

O ilustre doutrinador de direito civil, o doutor Sílvio de Salvo Venosa,

também leciona sobre os contratos administrativos, conforme segue:

Se o contrato faz lei entre as partes e se os pactos devem ser cumpridos (pacta sunt servanda), esses princípios não podem deixar de ser seguidos pelo próprio estado, quando se utiliza de tal instituto, sob pena de negar sua própria razão de existir como entidade de Direito. No contrato administrativo, o Estado submete-se à estrita legalidade; o negócio reverte-se de princípios rígidos, que não podem vir em prejuízo do particular que com ele contrata, mas devem ser harmonizados com a finalidade pública do Estado (VENOSA, 2007, pg. 527).

A Administração pode celebrar contratos que são tipicamente de direito privado, como a compra e venda, troca, comodato, locação, etc., cujos princípios se vêem mesclados com disposições de direito público, bem como contratos administrativos propriamente ditos, que não encontram paralelo no campo privado: concessão de serviço público, contrato de obra pública, de uso de bem público etc. (VENOSA, 2007, pg. 528).

Os contratos administrativos, como regra geral, são formais, onerosos, comutativos e pessoais. Eventualmente, podem faltar algumas dessas características. São formais porque exigem a forma escrita. Normalmente, são intuitu personae porque somente o contratado pode executá-los, vedado o subcontrato ou a cessão de posição contratual (VENOSA, 2007, pg. 528).

Característica fundamental do contrato administrativo é a necessidade de prévia licitação, somente dispensável quando autorizado por lei. Licitação é um procedimento pelo qual a Administração seleciona a proposta mais vantajosa para um contrato de seu interesse (VENOSA, 2007, pg. 528).

O que de fato, porém, diferencia o contrato administrativo do contrato de direito privado são as chamadas cláusulas exorbitantes. São elas reflexos da preponderância do interesse público nesses contratos.

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Por elas, o Estado assegura certas vantagens. Essas disposições favorecem apenas o ente estatal, exorbitam da esfera do direito privado. Marcam-se não só pelo fato de permitir à Administração o que ao particular é vedado, mas também por submeter o administrado contratante a um regime de sujeição mais ou menos ampla no negócio (VENOSA, 2007, pg. 528).

Entre as cláusulas exorbitantes, é costume enunciar a exigência de garantia, a alteração unilateral, a anulação, além de restrições à exceção de contrato não cumprido. Não é necessário que essas cláusulas estejam no bojo do contrato; podem decorrer diretamente da lei, de ato administrativo, ou podem vir implícitas como princípios gerais de direito público (VENOSA, 2007, pg. 529).

14.2.1 Conceito de Contrato Administrativo

Hely Lopes Meirelles nos apresenta um conceito para o contrato

administrativo.

Contrato Administrativo é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração (MEIRELLES, 2010, pg. 215).

Para Márcio Fernando Elias Rosa:

O contrato administrativo corresponde, pois, ao contrato firmado pela Administração, segundo normas de direito público, com o propósito de solver sua necessidade, sendo, em regra, precedido de licitação (ROSA, 2010, pg. 55).

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

A expressão contrato administrativo é reservada para designar tão-somente os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público (DI PIETRO, 2009, pg. 251).

Marçal Justen Filho apresenta duas definições: uma em sentido amplo e

outra em sentido restrito.

Prefere-se definir contrato administrativo, em sentido amplo, como o acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e

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obrigações, tal como facultado legislativamente e em que pelo menos uma das partes atua no exercício da função administrativa (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 403).

O contrato administrativo em sentido restrito é um acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, tal como facultado legislativamente e em que uma das partes, atuando no exercício da função administrativa, é investida de competências para inovar unilateralmente as condições contratuais e em que se assegura a intangibilidade da equação econômico-financeira original (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 408).

Outros conceitos nos são lecionados pelo mestre Luiz Alberto Blanchet:

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua contrato administrativo como sendo “um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objetivo, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesses patrimoniais do contratante privado” (BLANCHET, 2008, pg. 110).

Pode-se dizer que o contrato Administrativo é o acordo de vontades celebrado pela Administração com particular ou com outra entidade da Administração (de qualquer esfera) objetivando a execução indireta de atividade destinada a atender determinada necessidade pública (BLANCHET, 2008, pg. 111).

A Lei 8.666/93 conceitua de forma um pouco diferente: “considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particularidades, em que haja um acordo de vontade para formação de vínculo e estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada” (BLANCHET, 2008, pg. 111).

14.2.2 Características dos Contratos Administrativos

Sobre as características do contrato administrativo, Hely Lopes Meirelles

leciona que:

O contrato administrativo é sempre consensual e, em regra, formal, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae. É consensual porque consubstancia um acordo de vontades, e não um ato unilateral e impositivo da Administração; é formal porque se expressa por escrito e por requisitos especiais; é oneroso porque remunerado na forma convencionada; é comutativo porque estabelece compensações recíprocas e equivalentes para as partes; é intuitu personae porque deve ser executado pelo próprio contratado, vedadas, em princípio, a sua substituição por outrem ou a transferência do ajuste (MEIRELLES, 2010, pg. 215).

Além dessas características substanciais, o contrato administrativo possui uma outra que lhe é própria, embora externa, qual seja, a

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exigência de prévia licitação, só dispensável nos casos expressamente previstos em lei, valendo notar que, em face da legislação ambiental, a contratação com base em projeto básico só pode ocorrer após a obtenção da licença prévia ambiental. Mas o que realmente o tipifica e o distingue do contrato privado é a participação da Administração na relação jurídica com supremacia de poder para fixar as condições iniciais do ajuste. Desse privilégio administrativo na relação contratual decorre para a Administração a faculdade de impor as chamadas cláusulas exorbitantes do Direito Comum (MEIRELLES, 2010, pg. 216).

Da sua característica essencial, consubstanciada na participação da Administração com supremacia de poder, resultam para o contrato administrativo certas peculiaridades que os contratos comuns, sujeitos à normas do Direito Privado, não ostentam. Tais peculiaridades constituem, genericamente, as chamadas cláusulas exorbitantes, explícitas ou implícitas em todo contrato administrativo (MEIRELLES, 2010, pg. 217).

Cláusulas exorbitantes são, pois, as que excedem do Direito Comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contratado (MEIRELLES, 2010, pg. 217).

Sobre as características dos contratos administrativos, Márcio Fernando

Elias Rosa, nos ensina:

Os contratos administrativos são revelados pela presença de algumas características que lhes são fundamentais:

a) a contratante deve ser a Administração Pública, como expressão do Poder Público;

b) o objeto deve corresponder ao interesse público (como ocorre em todas as atividades estatais);

c) obediência à forma imposta em lei (as partes não convencionam a forma);

d) segue-se o rito procedimental imposto em lei (antecedido por licitação, reserva de recursos orçamentários, etc.);

e) presença de cláusulas exorbitantes (alteração unilateral, rescisão unilateral, aplicação de penalidades);

f) exigência de garantias (indicadas em lei);

g) mutabilidade do regime contratual (ROSA, 2010, pgs. 55 e 56).

Nos contratos administrativos são contempladas hipóteses e cláusulas que asseguram a desigualdade entre os contratantes. Para uma das partes são deferidas prerrogativas incomuns, que extrapolam o direito comum - direito privado -, colocando-a em posição de supremacia. Recebem o nome de “cláusulas exorbitantes”, porque exorbitam o direito privado, sendo ilegais se previstas em contratos firmados exclusivamente por particulares. A integração da Administração Pública num dos pólos de relação contratual é que autoriza a imposição dessas cláusulas. São cláusulas exorbitantes as que traduzem o poder de alteração e rescisão unilateral do contrato; as que impõem a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro; a possibilidade de revisão de

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preços e de tarifas contratualmente fixadas; a inoponibilidade da execução de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus); o controle da avença por estranho à relação; a possibilidade de aplicação de penalidades e exigência de garantias (ROSA, 2010, pg. 60).

O regime jurídico-administrativo admite a presença de cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos, consideradas incidentes ainda que não escritas (ROSA, 2010, pg. 56).

A principal característica dos contratos administrativos, desta feita, como nos

ensina Luiz Alberto Blanchet, é a possibilidade de existirem neles e/ou de serem

aplicadas à eles, as chamadas cláusulas exorbitantes.

A principal característica do contrato administrativo se dá pela existência de cláusulas exorbitantes (alteração unilateral, rescisão unilateral, inoponibilidade de exceção do contrato não cumprido, controle do contrato, ocupação provisória, aplicação de penalidades, etc.) (BLANCHET, 2008, pg. 116).

Por fim, cabe destacar que outra característica fundamental dos contratos

administrativos é o fato de eles terem, necessariamente, que ser precedidos de

processo licitatório. Tal processo obedecerá aos ditames da Lei Geral de Licitações,

conforme nos ensina Antônio Carlos Cintra do Amaral:

A Lei 8.666/1993 (Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos) aplica-se a obras, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública (art. 2º). Particularmente em relação às concessões e permissões de serviço público ele se aplica naquilo que não conflite com a legislação específica (art. 124). Essa legislação específica é constituída, basicamente, pelas Leis 8.987/1995 e 9.074/1995 (AMARAL, 2002, pg. 113).

14.2.3 A Equação Econômico-Financeira dos Contratos Administrativos

O saudoso doutrinador Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, faz uma crítica à

denominação dos Contratos Administrativos e aduz a idéia de que a única avença

tida neste tipo de negócio jurídico é o consenso em torno de uma equação

econômico-financeira estipulada quando da formalização de tais instrumentos.

Acredita-se ser importante conhecer as idéias de Oswaldo Aranha Bandeira

de Mello, mas antes se faz necessário esclarecer o que seja a referida equação

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econômico-financeira do contrato administrativo, o que faremos através das palavras

do ilustre professor Celso Antônio Bandeira de Mello.

Entende-se por equilíbrio ou equação econômico-financeira, conforme conceituação feliz de Marcel Waline: "... a relação que foi estabelecida pelas próprias partes contratantes no momento da conclusão do contrato, entre um conjunto de direitos do contratado e um conjunto de encargos deste, que pareceram equivalentes, donde o nome de equação; desde então esta equivalência não mais pode ser alterada (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 697).

Segue, então, a idéia em torno da equação econômico-financeira do contrato

administrativo lecionada por Oswaldo Aranha:

O contrato administrativo, bosquejado pela jurisprudência do Conselho de Estado da França, aceito pela doutrina e legislação desse país, e que recebeu guarida na Espanha e Portugal e nos países latino-americanos, rege-se por dois princípios: (a) criação da relação jurídica mediante livre acordo de vontades, com fixação das suas cláusulas sobre a prestação de dada obra, serviço ou bem, e a contraprestação econômico-financeira a respeito; (b) possibilidade de alteração unilateral, no interesse coletivo, pela Administração Pública, das cláusulas contratuais relativas ao regime jurídico da prestação de obra, serviço ou bem, desde que assegurada a equação econômico-financeira ajustada, mediante atos normativos ou decisões executórias (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 685).

Acontece - como ensinam os juristas franceses - esses contratos são análogos aos firmados por particulares e se consideram administrativos tão somente porque se incluem cláusulas exorbitantes do regime comum de ditos contratos, embora por mútuo acordo de vontades (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 686).

O contrato administrativo consiste, em última análise, em acordo de vontades em que o administrado ajusta, por tempo aprazado, com a Administração Pública condições econômico-financeira para prestação de obra ou de serviço e de bem, segundo as determinações, tendo em vista o interesse público. Portanto, o contrato quanto à sua execução se faz na conformidade da regulamentação da Administração Pública, servindo de critério o interesse coletivo, pertinente à prestação a que a outra parte se obrigou em caráter genérico, assegurando-se-lhe integral equação econômico-financeira prefixada, fundamento para aquiescência da sua vontade (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 687).

Quanto à equação econômico-financeira, se não reconhece à Administração Pública a prerrogativa de modificar suas cláusulas. Portanto, só aí se configura o instituto jurídico do contrato (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 688).

Contratual, destarte, não é o ato jurídico-administrativo da concessão, pelo qual a Administração Pública delega ao administrado a execução de obra ou prestação de serviço público, sujeito à sua regulamentação. Contratual é tão somente o acordo de vontades sobre a equação econômico-financeira desses atos jurídicos, porque

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inalterável pelas partes, que se obrigam a respeitar o ajustado a respeito. Mas aquele é o ato jurídico administrativo principal, este apenas envolve cláusula adjeta. Jamais especifica o ato administrativo, simplesmente o completa, na regência do seu aspecto patrimonial, como ato jurídico complementar. Só aí se configura a relação jurídica contratual (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 689).

Não se pode confundir o ato jurídico típico, que configura determinada forma de execução de obra pública, de prestação de serviço público ou de utilização de bem público, com o ato jurídico complementar que regula o aspecto simplesmente econômico-financeiro dessa relação jurídica (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 689).

Daí a conclusão: inexiste contrato administrativo. Alguns atos administrativos são complementados por contratos sobre equação econômico-financeira a eles pertencente (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 689).

Poderá haver contrato tão somente quanto à equação econômico-financeira da concessão, como ato jurídico complementar e adjeto ao ato unilateral ou união de concessão (cf. Itens 45.3 e 45.5) (BANDEIRA DE MELLO, 2007, pg. 685).

14.2.4 Classificação dos Contratos Administrativos

Segundo Márcio Fernando Elias Rosa, “a doutrina classifica os contratos,

ainda, como sendo de colaboração e de atribuição, conforme o interesse

predominante” (ROSA, 2010, pg. 68).

Sobre a classificação dos contratos administrativos, Hely Lopes Meirelles

nos ensina que:

Os contratos administrativos podem ser de colaboração e de atribuição. Contrato de colaboração é todo aquele em que o particular se obriga a prestar ou realizar algo para a Administração, como ocorre nos ajustes de obras, serviços ou fornecimentos; contrato de atribuição é o que a Administração confere determinadas vantagens ou certos direitos ao particular, tal como o uso especial de bem público. O primeiro é firmado no interesse precípuo da Administração; o segundo é realizado no do particular, desde que não contrarie o interesse público (MEIRELLES, 2010, pg. 216).

Nesse diapasão, os contratos de serviços públicos seriam contratos de

colaboração, enquanto que os de uso de bem público, seriam contratos de

atribuição. O contrato de concessão de serviço público precedido da execução de

obra pública é também considerado um contrato de colaboração.

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14.3 AS MODALIDADES DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Segundo Márcio Fernando Elias Rosa, “as principais modalidades de

contratos administrativos são: contrato de obra pública, contrato de serviço, contrato

de fornecimento, contrato de concessão, contato de gerenciamento, contato de

gestão” (ROSA, 2010, pg. 68).

As modalidades de contratos administrativos que nos interessam no

presente trabalho, são basicamente os contratos de concessão de serviço público e

o de concessão de uso de bem público. No entanto, analisaremos, a seguir: (i) os

contratos de concessão (de uma forma geral); (ii) os contratos de concessão de obra

pública; (iii) os contratos de concessão de serviço público; e (iv) os contratos de

concessão de uso de bem público.

14.3.1 O Contrato de Concessão

Vejamos algumas definições de contrato de concessão encontradas na

doutrina brasileira.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Não existe uniformidade de pensamento entre os doutrinadores na definição do instituto da concessão. Para fins de sistematização da matéria, pode-se separá-los em três grupos:

1) os que, seguindo a doutrina italiana, atribuem acepção muito ampla ao vocábulo concessão de modo a abranger qualquer tipo de ato, unilateral ou bilateral, pelo qual a Administração outorga direitos ou poderes ao particular; não tem muita aceitação no direito brasileiro que, em matéria de contrato, se influenciou mais pelo direito francês;

2) os que lhe dão acepção menos ampla, distinguindo a concessão translativa da constitutiva, e admitindo três tipos de concessão: a de serviço público, a de obra pública e a de uso de bem público;

3) os que lhe dão acepção restrita, só considerando como concessão a delegação de poderes para prestação de serviços públicos, ou seja, a concessão de serviços públicos (DI PIETRO, 2009, pgs. 286 e 287).

À segunda corrente, que distingue três modalidades de concessão, pertence a maioria dos doutrinadores brasileiros(DI PIETRO, 2009, pg. 287).

Para Geraldo Pereira Caldas:

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Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribuiu o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta em risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço (CALDAS, 2004, pg. 89).

Segundo o ilustre doutor Hely Lopes Meireles:

Contrato de concessão é o ajuste pelo qual a Administração delega ao particular a execução remunerada de serviço ou de obra pública ou lhe cede o uso de um bem público, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais. Daí a tripartição da concessão em concessão de serviço público, concessão de obra pública e concessão de uso de bem público, consubstanciadas em contrato administrativo bilateral, comutativo, remunerado e realizado intuitu personae (MEIRELLES, 2010, pg. 267).

A concessão, em regra, deve ser conferida sem exclusividade, para que seja possível sempre a competição entre os interessados, favorecendo, assim, os usuários com serviços melhores e tarifas mais baratas. Apenas quando houver inviabilidade técnica ou econômica de concorrência na prestação do serviço, devidamente justificada, admite-se a concessão com exclusividade (Lei 8.987/95, art. 16) (MEIRELLES, 2010, pg. 410).

Findo o prazo da concessão, devem reverter ao poder concedente os direitos e bens vinculados à prestação do serviço, nas condições estabelecidas no contrato (MEIRELLES, 2010, pg. 411).

Segundo Márcio Fernando Elias Rosa, “a concessão pode ser de obra

pública, de serviço público e de uso de bem público” (ROSA, 2010, pg. 70).

Vejamos, então, os conceitos de cada um destes tipos de contratos

administrativos de concessão.

14.3.1.1 A Dimensão Constitucional do Contrato Administrativo de Concessão

Importante destacar a submissão da concessão aos princípios

constitucionais fundamentais.

Segundo Marçal Justen Filho:

É imperioso conhecer a impossibilidade de ignorar a dimensão constitucional em que se insere o instituto da concessão. Não são casuais as inúmeras e explícitas referências à concessão de serviço público contidas na Constituição de 1988. Daí decorre a impossibilidade de compreender o instituto da concessão sem tomar em vista a sistemática constitucional (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 58).

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Assim colocada a questão torna-se evidente a necessidade de conjugar o regime efetivo da concessão com os princípios jurídicos fundamentais. Ou seja, a definição da concessão tem de ser compatibilizada com os valores fundamentais consagrados na CF/88 (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 72).

Não é defensável adotar definições rígidas e rigorosas que conduzam à frustração da função do serviço publico. A concessão não pode ser uma via de obstaculização da implementação dos valores constitucionais. Essa postulação se relaciona não apenas com a temática da qualidade do serviço. Nem se vincula apenas com a modicidade da tarifa. Entranha-se diretamente com a sistemática de distribuição de renda na comunidade (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 72).

Dito diretamente, a concessão não pode ser concebida como instrumento de transferência da riqueza dos extratos mais pobres da população em benefício dos outros segmentos sociais ou do próprio Estado. O princípio da capacidade contributiva tem de informar a estrutura da concessão, de modo a impedir que a delegação da prestação do serviço público seja uma forma de agravamento das diferenças sociais existentes ou de frustração das garantias constitucionalmente reconhecidas aos cidadãos usuários e não-usuários (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 72).

Isso significa que, em primeiro lugar, o serviço público concedido deve respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 91).

14.3.2 O Contrato de Concessão de Obra Pública

Os contratos de concessão de obra pública também podem ser chamados

de contratos de concessão de serviço público precedido da execução de obra

pública32.

Segundo o ilustre mestre Luiz Alberto Blanchet, “quando se fala em

concessão, pensa-se logo e, não raro, somente, em concessão de serviço público,

mas ao particular pode ser concedido o direito de construir, reformar, ampliar,

melhorar ou conservar obra pública e explorá-la” (BLANCHET, 2008, pg. 56).

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Concessão de obra pública é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público transfere a outrem a execução de uma obra pública, para que a execute por sua conta e risco, mediante remuneração paga pelos beneficiários da obra ou obtida em decorrência da

32 Veja-se a previsão legal, contida no art. 2º da Lei nº 8.987/1995, conforme segue: Art. 2º. Para os fins do

disposto nesta Lei, considera-se: III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;

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exploração dos serviços ou utilidades que a obra proporciona (DI PIETRO, 2009, pg. 326).

Segundo Hely Lopes Meirelles:

Contrato de concessão de obra pública, ou, simplesmente, concessão de obra pública, é o ajuste administrativo que tem por objetivo a delegação a um particular da execução e exploração de uma obra pública ou de interesse público, para uso da coletividade, mediante remuneração ao concessionário, por tarifa (Lei 8.987/95) (MEIRELLES, 2010, pg. 268).

Essa concessão, que obedece aos mesmos princípios da concessão de serviço público, é comumente usada nos Estados Unidos para a construção de pontes, viadutos, estradas e demais obras necessárias à coletividade, constituindo empreendimento rentável para o construtor, que explora durante o tempo da concessão, entregando-as ao seu término sem ônus para a Administração. Infelizmente, é de pouco uso entre nós, pois, devidamente regulamentada e realizada com critério, muito contribuiria para a execução de obras públicas sem maiores encargos para a Administração (MEIRELLES, 2010, pg. 269).

O art. 1º da Lei 8.98733, de 13.2.95, refere-se à concessão de obra pública, mais em seus demais dispositivos, inclusive no art. 2º, que define os conceitos, não há referência a essa concessão. Todo o texto da lei regulamenta a “concessão de serviço público precedida da execução de obra pública” (MEIRELLES, 2010, pg. 270).

Para Márcio Fernando Elias Rosa, contrato de concessão de obra pública:

É o contrato pelo qual a Administração transfere, mediante remuneração indireta e por prazo certo, ao particular a execução de uma obra pública, a fim de que seja executada por conta e risco do contratado. A remuneração será paga pelos beneficiários da obra ou pelos usuários dos serviços dela decorrentes, como ocorre com as praças de pedágio. Exige a realização de licitação, na modalidade de concorrência, e depende de lei autorizativa (ROSA, 2010, pg. 71).

Na obra intitulada Concessão de Serviço Público, de Antônio Carlos Cintra

do Amaral, também encontramos ensinamentos sobre as concessões de obra

pública, conforme segue:

André de Laubadère já escrevia em seu Traite Élémentaire de Droit Administratif sobre a evolução da teoria da concessão de serviço público: “No final do século XIX, com o desenvolvimento das

33 Lei nº 8.987/1995 - Art. 1º. As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços

públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.

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ferrovias, tramways, distribuições do gás e da eletricidade, a concessão aparece mais facilmente como podendo ter por objeto, simultaneamente, a construção da obra e sua exploração (serviço público). Enfim, no início do século XX compreendeu-se que podia existir concessão de serviço público sem o suporte de uma obra pública (p. 589) (AMARAL, 2002, pg. 40).

Mais recentemente, encontramos no Traité des Contrats Administratifs, do próprio André de Laubadère, com Frank Moderne e Pierre Delvolvé, a afirmação de que a jurisprudência francesa tem tratado as concessões de auto-estradas e parques de estacionamento como concessões simultaneamente de serviço e de obra pública, englobando-as na categoria, ampla, de concessão de serviço público (t. I, p. 292) (AMARAL, 2002, pg. 40).

Franck Moderne e Pierre Delvolvé voltam ao tema em seu Droit Administratif. “As concessões de distribuição de água, de eletricidade, de tramways, de ferrovias, são concessões de obras públicas. Isto não é contraditório com sua qualidade de concessões de serviços públicos, a concessão de obra pública sendo simplesmente uma concessão de serviço público na qual o concessionário se engaja na construção de certas obras necessárias ao funcionamento do serviço público” (12ª ed., v. 2, p. 769) (AMARAL, 2002, pg. 40).

Antonio Cianflone (L'Appalto di Opere Pubbliche, 7ª ed.) deixa clara a noção de concessão de obra pública. Escreve o autor italiano: “É necessário deixar claras agora as diferenças entre a empreitada e a concessão. (…) (AMARAL, 2002, pgs. 40 e 41).

Isto é, o concessionário põe-se no posto da Administração no adimplemento de um serviço público, provendo quanto seja necessário para a sua implantação e seu exercício. Ele é um “substituto” da Administração, que, perseguindo um fim de lucro e agindo em nome próprio, atua ao mesmo tempo um fim da Administração (p. 174-175) (AMARAL, 2002, pg. 41).

Acrescenta ele: “(...) a construção não é senão o meio para o exercício do serviço, ao qual tende em definitivo a autoridade concedente enquanto é só com o exercício que se atua o serviço público. (…). Na concessão, o elemento típico é construído pela atribuição ao particular de poderes e faculdades próprias da Administração (…) e a imposição da obrigação da construção das obras necessárias tem valor apenas instrumental, e vem juridicamente em segundo plano” (p. 176) (AMARAL, 2002, pg. 40).

Há que se examinar ainda a categórica afirmação de Antônio Carlos Cintra

do Amaral:

A concessão de obra pública é simultaneamente uma c oncessão de serviço público . Certamente foi a percepção desse fato que levou o legislador brasileiro a distinguir dois tipos de concessão de serviço público, passando a discipliná-los, a seguir, de uma maneira uniforme (AMARAL, 2002, pg. 40). (grifo nosso)

Assim, imagina-se, de posse desse mesmo entendimento é que foram

concebidas as previsões legais de concessão de serviço público e de concessão de

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serviço público precedido da execução de obra pública encontrados na Lei Geral de

Concessões.

Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995

Art. 2º. Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

...

III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado;

Veja-se a interessante abordagem de Marçal Justen Filho:

A segunda hipótese consiste na concessão de serviço público antecedida da execução de obra pública, a implantação de um determinado serviço público depende da realização de certos investimentos para construir obra. Sem dita obra, será impossível o fornecimento das utilidades em que consiste o serviço público. Assim, suponha-se a hipótese de concessão para a geração d e energia elétrica a partir de um certo potencial hidroelétri co. Existe uma queda d’água de domínio público e a energia hidrául ica correspondente será utilizada para gerar energia el étrica. Mas somente será possível gerar energia depois de edifi car a usina (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 97). (grifo nosso)

Portanto, o particular assumirá o dever edificar a usina hidroelétrica (uma obra pública) como pressuposto d o desenvolvimento do serviço público objeto propriame nte dito da concessão. Ao final do prazo da concessão, a obra r everterá ao patrimônio público (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 97). (grifo nosso)

14.3.2.1 Contrato de Concessão de Obras Pública já Existente

Mesmo considerando que o instituto da concessão de obra pública já

existente recai sobre a mesma disciplina aplicada à concessão de obra pública,

acredita-se ser relevante sua exposição no presente trabalho, visto apresentar

semelhanças ao objeto do presente estudo, que é a destinação a ser dada à obras

já existentes das usinas hidrelétricas cujas concessões terminarão em 2015.

Examinaremos, então, as lições de Marçal Justen Filho:

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Não é inútil formular considerações sobre outra hipótese, cuja configuração pode ser reduzida à anterior (concessão de obra pública). Trata-se da hipótese em que se outorga ao particular a faculdade de exploração de bens públicos já existentes, impondo a ele o dever de sua reforma, manutenção ou ampliação e atribuindo-lhe a faculdade de cobrança de tarifa (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 99).

A distinção existente é econômica e se reflete no custo do desembolso e na tarifa a ser cobrada. Quanto maior o investimento a ser realizado pelo particular, tanto mais elevada será a tarifa a ser cobrada dos usuários. Se o particular for obrigado a executar a obra previamente à sua exploração, isso significará encargos mais elevados. Logo, a tarifa será mais alta. Se já existir a obra e o encargo do particular for de sua conservação e ampliação, o custo econômico será mais reduzido, do que derivará tarifa mais reduzida (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 99).

Nota-se que o instituto resta muito semelhante não somente ao de

concessão de obra pública, mas principalmente ao do contrato de concessão de uso

de bem público.

14.3.3 O Contrato de Concessão de Serviço Público

Os contratos de concessão de serviço público também podem ser chamados

apenas de contratos de serviço público, ou então apenas de concessão de serviço

público.

A previsão legal da concessão de serviço público é encontrada no inciso II,

do artigo 2º, da Lei nº 8.987/1995.

Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995

Art. 2º. Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

...

II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

Segundo Hely Lopes Meirelles:

Contrato de concessão de serviço público, ou, simplesmente, concessão de serviço público, é o que tem por objeto a transferência da execução de um serviço do Poder Público ao particular, que se remunerará dos gastos com o empreendimento, aí incluídos os ganhos normais do negócio, através de uma tarifa cobrada aos

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usuários. É comum, ainda, nos contratos de concessão de serviço público a fixação de um preço, devido pelo concessionário ao concedente a título de remuneração dos serviços de supervisão, fiscalização e controle da execução do ajuste, a cargo deste último (MEIRELLES, 2010, pg. 268).

A concessão de serviço público está prevista na Constituição Federal (art. 175), tendo a União editado a Lei 8.987, de 13.2.95, dispondo sobre a matéria, com base no art. 22, XXVII, do texto constitucional. Apesar de suas falhas e omissões, essa lei veio preencher uma lacuna em nosso sistema jurídico, visto que o instituto das concessões se ressentia da sistematização da matéria, apoiando-se quase que inteiramente nos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais existentes. Posteriormente, nova lei federal foi promulgada, modificando alguns aspectos da norma anterior e regulando as concessões e permissões dos serviços de energia elétrica, de competência federal (Lei 9.074, de 7.7.95) (MEIRELLES, 2010, pgs. 268 e 269).

Assinala-se, ainda, que o contrato de concessão de serviço público ou de obra pública é de colaboração (MEIRELLES, 2010, pg. 269).

O contrato de concessão é o documento escrito que encerra a delegação do poder concedente, define o objeto da concessão, delimita a área, forma e tempo da exploração, estabelece os direitos e deveres das partes e dos usuários do serviço (MEIRELLES, 2010, pg. 416).

Para Márcio Fernando Elias Rosa, contrato de concessão de serviço público

é o:

Contrato pelo qual a Administração transfere ao particular a prestação de serviço a ela cometido, a fim de que o preste em seu nome, por sua conta em risco, mediante remuneração paga pelo usuário. Apenas a execução do serviço é transferida à pessoa jurídica, ou consórcio de empresas, permanecendo a titularidade com o Poder Público. Exige licitação segundo a modalidade concorrência. As concessões recebem tratamento e previsão constitucional (CF, art. 175), sendo reguladas pela Lei n. 8.987/95, que traça normas gerais. Sobre a matéria, apenas a União pode legislar fixando normas gerais (CF, art. 22, XXVII). As concessões e permissões dos serviços de energia elétrica estão reguladas pela Lei n. 9.074/95; as concessões de serviço de radiodifusão sonora e de sons, pela Lei n. 8.977/95; os serviços de telecomunicações estão regidos pela Lei n. 9.472/97 (ROSA, 2010, pg. 71).

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço (DI PIETRO, 2009, pg. 293).

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Nas palavras de Marçal Justen Filho:

A hipótese mais simples de concessão é aquela que tem por objeto a delegação ao particular da prestação exclusivamente do serviço público. O particular assume o dever de promover o fornecimento de utilidades determinadas que dão identidade a um serviço público (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 97).

Geralmente, costuma-se definir a concessão de serviço público como a delegação temporária da prestação de serviço público a um terceiro, o qual assume seu desempenho por conta e risco próprios. Essa fórmula verbal, que reflete a opinião da maioria da doutrina, não é rigorosamente correta, eis que acaba dizendo mais do que se pretende (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 50).

Concessão de serviço público é um contrato plurilateral, por meio do qual a prestação de um serviço público é temporariamente delegada pelo Estado a um sujeito privado que assume seu desempenho diretamente em face dos usuários, mas sob controle estatal e da sociedade civil, mediante remuneração extraída do empreendimento, ainda eu custeada parcialmente por recursos públicos (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 96).

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:

Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 696)

14.3.4 O Contrato de Concessão de Uso de Bem Público

Os contratos de concessão de uso de bem público também são chamados

de concessão de uso.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

Contrato de concessão de uso de bem público, concessão de uso de bem público, ou, simplesmente, concessão de uso, é o destinado a outorgar ao particular a faculdade de utilizar um bem da Administração segundo a sua destinação específica, tal como um hotel, um restaurante, um logradouro turístico ou uma área de mercado pertencente ao Poder Público concedente. É um típico contrato de atribuição, pois visa mais o interesse do concessionário que ao da coletividade (MEIRELLES, 2010, pg. 270).

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Para Marçal Justen Filho:

A concessão de uso de bem público consiste na atribuição temporária a um particular do direito de uso e fruição exclusivos de certos bens públicos. Essa transferência tanto pode fazer-se para que o particular valha-se do bem para satisfação de seus interesses próprios e egoísticos como também poderá propiciar exploração empresarial, com o desenvolvimento de atividades econômicas lucrativas em face de terceiros. De modo genérico, a concessão de uso de bem público não exige, necessariamente, a instrumentalização do bem objeto da concessão para a realização do interesse público, ainda que tal não possa ser excluído de modo absoluto. Assim, é possível que a concessão de uso recaia sobre bens ociosos para a Administração, os quais não teriam qualquer outra destinação mais apropriada para satisfação de necessidades coletivas. Nesse caso, a Administração poderá obter uma remuneração a ser paga pelo o concessionário, o que legitimará a decisão de atribuir o bem à utilização privativa de um certo particular, o qual se valerá do bem para intentos próprios. Mas também não haverá impedimento a que a concessão de uso seja uma via para propiciar a implantação de empreendimentos de interesse social coletivo (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 1078)

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, concessão de uso:

É o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta a terceiros a utilização privativa de bem público, par que a exerça conforme a sua destinação (DI PIETRO, 2009, pg. 327).

14.3.5 O Contrato Administrativo de Concessão mais Adequado à Geração de

Hidreletricidade Através de Usinas Existentes

Já analisamos aqui os conceitos e definições de bens públicos e de serviços

públicos. Também já analisamos todas as modalidades de contratos de concessão

encontrados na doutrina brasileira. O desafio que se apresenta agora é delinear as

bases de qual o contrato administrativo seria o mais indicado para o caso das usinas

hidrelétricas.

Para Marçal Justen Filho:

Como dito, o instituto da concessão não apresenta configuração unitária e homogênea. Ademais disso, o universo jurídico comporta outras figuras, que exibem algumas características similares à concessão (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 105).

A manifestação mais simples e superficial de diferenciação entre concessão de serviço público e concessão de uso de bem público

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refere-se ao objeto sobre o qual versam, traduzido nas próprias denominações. Enquanto uma tem como objeto o serviço público, a outra envolve o uso de bem público. Mas a diferença entre os institutos é muito mais extensa, talvez a ponto de inviabilizar a recondução de ambos a um único gênero (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 105).

Considere-se, para melhor compreender, a questão da evolução das concessões de geração de energia elétrica. Na sua origem, a geração de energia elétrica fazia-se por meio do aproveitamento de potenciais hidráulicos, de propriedade pública. Por outro lado, o transporte e distribuição da energia elétrica pressupunham a utilização de vias públicas para a locação de postes e outros aparatos. Era usual, então, que a situação jurídica do concessionário fosse traduzida numa concessão de uso de bens públicos. Mesmo na atualidade, tem sido usual promover-se a concessão de uso de bens públicos para hipóteses em que o particular assumirá o dever de gerar energia elétrica a partir de potenciais hidráulicos públicos. Rigorosamente, a cessão de uso de bem público é mera condição para o desempenho do serviço público. O vínculo jurídico existente, nesses casos, deve ser qualificado corretamente, ignorando-se a denominação formal adotada (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 106).

Veja-se que a grande diferença entre concessão do serviço e concessão de uso reside na posição jurídica do concessionário. Em um caso, o concessionário desempenha função pública e assume encargos próprios e típicos do Estado. Já na hipótese da concessão de uso, o particular não prossegue nenhum interesse público específico e definido, nada impedindo que lhe seja facultado valer-se do bem para a satisfação exclusiva e privativa de seus interesses egoísticos. Logo, os deveres impostos ao concessionário de serviço público são extremamente mais sérios e graves do que aqueles que recaem sobre o concessionário de uso (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 106).

Do exposto, aqui e nos itens referentes aos bens públicos e aos serviços

públicos, conclui-se que o contrato administrativo que mais se coaduna com a

prestação do serviço público de geração de eletricidade através da exploração de

um potencial hidráulico, bem público e de propriedade da União, é o Contrato de

Concessão para Prestação de Serviço Público Mediante Uso de Bem Público, uso

este que é acessório à prestação do serviço público e que se dá em um bem que

apresenta utilidade e interesse públicos e que possuem destinação apropriada à

satisfação de necessidades e de interesses coletivos e difusos. Destaca-se que não

existe formalmente no atual ordenamento jurídico brasileiro contrato administrativo

com tal denominação. Existem sim, contratos com outras denominações (uso de

bem público ou de prestação de serviço público), mas que na prática se

operacionalizam como um Contrato de Concessão para Prestação de Serviço

Público Mediante Uso de Bem Público.

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14.4 O PRAZO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS DE CONCESSÃO

A temporariedade é característica fundamental do instituto da concessão.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “a obrigatoriedade de ‘prazo

determinado’, desde logo, já resultaria até mesmo - relembre-se - do conceito legal

de concessão (art. 2º, II e III34, da Lei nº 8.987/95, em suas partes finais)” (CELSO

ANTÔNIO, 2008, pg. 720).

Segundo Márcio Fernando Elias Rosa:

A lei que autoriza a concessão deve fixar o prazo de sua duração. As normas gerais (Lei n. 8.987/95) silenciam, mas a Lei n. 9.074/95 fixa em trinta e cinco anos o prazo para a concessão de geração de energia elétrica , e em trinta anos para os serviços de distribuição de energia elétrica, admitindo-se uma prorrogação por idêntico período. Já as concessões para exploração e em a concessão de serviços de TV a cabo devem ser contratadas por um ano, admitindo a Lei n. 8.987/95 (art. 6º) sucessivas e iguais prorrogações. O vencimento do prazo leva à reversão de bens do concessionário (ROSA, 2010, pg. 92). (grifo nosso)

Para Antônio Carlos Cintra do Amaral:

O prazo da concessão de serviço público não pode ser livremente estipulado. Ele deve resultar de sólidos estudos de viabilidade econômico-financeira. Deve ser estabelecido em função da equação econômica do contrato, que é composta de custos, mais lucro, mais amortização de investimentos, menos receitas alternativas e acessórias. O prazo da concessão não deve ser superior nem inferior ao necessário à amortização dos investimen tos previstos, considerada a equação econômica do contr ato em sua totalidade (AMARAL, 2002, pg. 86). (grifo nosso)

Sobre o prazo dos contratos de concessão, Celso Antônio Bandeira de

Mello, leciona que:

A lei, entretanto, é silente quanto à duração máxima admissível, sendo certo, outrossim, que descaberia reputar aplicável à espécie o disposto no caput do art. 57 da Lei nº 8.666, de 21.6.9335 (reguladora

34 Lei nº 8.987/1995 - Art. 2º. Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: II - concessão de serviço público: a

delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, ... e por prazo determinado ; III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, ... de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado ; (grifo nosso)

35 Lei nº 8.666/1993 – Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

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de licitações e contratos), pois a limitação ali estabelecida (vigência dos respectivos créditos orçamentários) tem em vista contratos que acarretam dispêndios, necessitando, pois, dos sobreditos créditos para acobertá-los, situação que, obviamente, não se propõe em relação à concessão. Tampouco seria de imaginar invocável o prazo máximo de 60 meses estabelecido para os contratos de prestação de serviços executados de forma contínua, referido no inciso II do mesmo art. 57 da Lei nº 8.666. Seria evidente sua inadaptabilidade à concessão, que demanda período de vigência muito maior para a amortização dos investimentos, sobreposse quando precedida de obra pública (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 720).

À falta de disposição legal, a matéria restou entregue à discrição do Legislativo dos diversos poderes concedentes, os quais, em norma específica ou ao concederem autorização para os respectivos Executivos outorgarem concessão de tal ou tais serviços, fixarão o prazo máximo ou específico que reputem adequado. É claro que, nos casos em que já exista lei fixando o prazo máximo em relação à concessão de determinado serviço, este permanece em vigor (CELSO ANTÔNIO, 2008, pgs. 720 e 721).

É o que ocorre com os de energia elétrica. O Código de Águas - Decreto nº 24.643, de 10.7.34 -, em seu art. 15736, estabelece para ditas concessões um prazo normal de 30 anos, admitindo, entretanto, que, excepcionalmente, seja mais amplo, quando - dado o vulto dos investimentos - necessário para a amortização das obras e instalações a custos razoáveis para os consumidores. Dito prazo, todavia, jamais poderá exceder 50 anos. O decreto em questão tem força de lei, pois foi editado em plena Ditadura e em época na qual os atos com tal força jurídica eram veiculados por este instrumento, posto que ainda não se disseminara o uso dos decretos-leis. Entretanto, as concessões de geração de energia elétrica contratadas a partir da Lei nº 9.074 terão, como prevê seu art. 4º. § 2º, o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado, entretanto, a 35 anos, prorrogáveis por igual período nos termos contratuais, e nas de transmissão e distribuição de energia elétrica o limite é de 30 anos (conforme § 3º do mesmo artigo) (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 721).

Neste mesmo sentido, vejam-se as lições do mestre Luiz Alberto Blanchet:

O art. 57 da Lei 8.666/93, que limita prazos de vigência dos contratos administrativos, é inaplicável a concessões e permissões, por serem estes “contratos sem desembolso”. Por previsão da Lei 9.074/95, art. 4º, § 2º, concessões para geração de energia elétrica não podem ter prazo superior a 35 anos e, consoante estabelece o § 3º, concessões

...

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)

36 Código de Águas - Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934 - Art. 157. As concessões, para produção, transmissão e distribuição da energia hidro-elétrica, para quaisquer fins, serão dadas pelo prazo normal de 30 anos.

Parágrafo único. Excepcionalmente, se as obras e instalações, pelo seu vulto, não comportarem amortização do capital no prazo estipulado neste artigo, com o fornecimento de energia por preço razoável, ao consumidor, a juízo do Governo, ouvidos os órgãos técnicos e administrativos competentes, a concessão poderá ser outorgada por prazo superior, não excedente, porém, em hipótese alguma, de 50 anos.

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para transmissão e distribuição de energia elétrica não podem ter prazo superior a 30 anos (BLANCHET, 2008, pgs. 58 e 59).

Estes prazos contam-se a partir da assinatura do co ntrato, devem coincidir com os prazos necessários à amortiz ação do investimento e podem ser prorrogados (BLANCHET, 2008, pg. 59). (grifo nosso)

Destaca-se que, quanto aos prazos originais de vigência das concessões, a

disciplina legal que vigora no Brasil é a de que devem ter a duração máxima

equivalente ao tempo necessário para a amortização dos investimentos a serem

realizados pelo concessionário.

Antes da reestruturação do setor elétrico, ou seja, antes do ano de 1996, os

contratos de concessão para a prestação de serviço público mediante a exploração

de um bem público para geração de hidreletricidade previam um prazo original para

exploração do serviço e a possibilidade de sua prorrogação de prazo. A maioria dos

contratos de concessão tinha cláusulas específicas com tais previsões. No entanto,

nem o próprio instrumento do contrato, nem a legislação em vigor naquela época

estipulava quantas vezes esses contratos poderiam ser prorrogados e nem mesmo

por quanto tempo o poderiam ser.

14.4.1 A Prorrogação de Prazo nos Contratos Administrativos de Concessão

Segundo Antônio Carlos Cintra do Amaral, “o prazo da concessão pode ser

prorrogado, desde que previsto no edital e no contrato (art. 23, XII, da Lei

8.987/199537). Mas não pode ser prorrogado arbitrariamente” (AMARAL, 2002, pg.

88).

A regra é que o prazo do contrato administrativo de concessão já deve

prever o tempo suficiente para o concessionário amortizar os investimentos

necessários e inerentes à atividade da concessão. Por isso, a prorrogação não é

desejável e é encarada como uma exceção, sendo possível somente quando

prevista pelo edital de convocação da licitação e pelo próprio contrato administrativo.

No entanto, a questão da prorrogação é prerrogativa do Estado, que tem

poder para decidir a respeito de tal assunto discricionariamente. Igualmente no que

37 Lei nº 8.987/1995 - Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: XII - às condições

para prorrogação do contrato;

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se refere às alterações que se fizerem necessárias para se preservar o equilíbrio

econômico-financeiro do contrato de concessão em vigor. Mas crê-se que tal

discricionariedade tem de estar adstrita a certos princípios. Analisaremos o que a

doutrina nos apresenta sobre este assunto, então.

Tendo em vista o prazo originalmente pactuado no contrato administrativo de

concessão, Antônio Carlos Cintra do Amaral leciona que:

Ao final desse prazo poder-se-á estar diante de duas hipóteses: a) os investimentos efetuados no curso da execução do contrato estarão totalmente amortizados; ou b) haverá parcela dos investimentos ainda a amortizar (AMARAL, 2002, pg. 89).

Na primeira hipótese a concessão não poderá, pelo menos em princípio, ser prorrogada. Na segunda a concessão poderá ser prorrogada pelo prazo necessário à amortização da parcela dos investimentos ainda não amortizada, ou declarada extinta com base nos arts. 35 e 36 da Lei 8.987/1995, mediante pagamento de indenização (AMARAL, 2002, pg. 89).

Em princípio, porém, na primeira hipótese a concessão deve ser considerada extinta e o exercício do serviço voltar ao poder concedente ou, a critério deste, ser transferido para uma nova concessionária, mediante licitação realizada em obediência ao art. 175 da Constituição (AMARAL, 2002, pg. 89).

A doutrina não tem sido favorável à prorrogação da concessão. Marçal Justen Filho, por exemplo, escreve: “Enfim, a prorrogação do contrato produz efeitos similares a uma contrata ção direta. Se, encerrado o prazo contratual, houver manutenção do antigo contratado, o novo contrato pode ser enfocado como uma contratação autônoma, realizada sem licitação. Além de frustar a possibilidade de outros particulares disputarem o c ontrato, a prorrogação inviabiliza a constatação objetiva da v antagem do Estado. É impossível negar que a realização de nova licitação poderia conduzir a uma nova proposta mais vantajosa . Então, a prorrogação do contrato é incompatível com o princí pio da indisponibilidade do interesse público, tanto quant o com o princípio da isonomia” (Concessões de Serviços Públicos, p. 270) (AMARAL, 2002, pg. 90). (grifo nosso)

Acrescenta que ela é, “em última análise, um estímulo à imoralidade”, mas a admite “em situações excepcionais, sujeitas a pressupostos objetivamente estabelecidos” (p. 271) (AMARAL, 2002, pg. 90).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que “a prorrogação somente se justifica em situações excepcionais” (Parcerias na Administração Pública, 3ª ed., p. 109). Diz, mais: “De outro modo, a prestação do serviço poderá ficar indefinidamente nas mãos da mesma empresa, burlando realmente o princípio da licitação” (AMARAL, 2002, pg. 90).

Por sua vez, Eurico de Andrade Azevedo e Maria Lúcia Mazzei de Alencar observam que “(...) a prorrogação quase automática das concessões ainda é um resquício da influência das p oderosas empresas estatais, antigas concessionárias dos prin cipais serviços públicos em nosso país” (Concessão de Serviços Públicos, p. 101-102) (AMARAL, 2002, pg. 90). (grifo nosso)

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187

Ao se referir à possibilidade de existir previsão de prorrogação de prazo nos

contratos administrativos de concessão, Marçal Justen Filho afirma:

Mantém-se a interpretação anterior, no sentido da inconstitucionalidade da previsão genérica e abstrata, introduzida aprioristicamente no edital, proporcionando a prorrogação do prazo da concessão. Essa solução deve ser reputada como inconstitucional, não sendo albergada sequer pela alusão explícita existente no art. 175, parágrafo único, inc. I (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 268).

Marçal Justen Filho, aduz, ainda, sobre a fixação das condições necessárias

à amortização do investimento:

Ao promover-se a concessão, devem ser fixadas as condições que propiciam a amortização do investimento realizado pelo licitante. Isso significa a impossibilidade de licitar-se uma concessão (ou permissão) sem identificação dos encargos e das vantagens assegurados ao licitante. Tem de configurar-se a outorga de modo a assegurar que, ao longo do prazo do contrato, sejam realizados determinados desembolsos e se disponha de condições para recuperação de inversão e obtenção de lucro razoável (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 268).

Nesse diapasão, Marçal Justen Filho, discursa sobre o descabimento

jurídico da prorrogação:

Isso significa que assegurar ao concessionário a prorrogação do prazo da concessão equivale a atribuir-lhe uma vantagem incompatível com o princípio da isonomia. O particular obtém a concessão em vista da vitória numa licitação, a qual se orientou à contratação por prazo determinado. Não há fundamento jurídico para que se assegure a um sujeito, por ter vencido licitação para outorga por prazo determinado, manter a delegação por prazo superior a ele (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 268).

Discursa também, Marçal Justen Filho, sobre o descabimento econômico da

prorrogação:

Mas há também um fundamento econômico excludente da prorrogação. As tarifas são fixadas segundo critérios que permitam a recuperação dos investimentos realizados ao longo do prazo da concessão. Ora, como calcular as tarifas depois de encerrado referido prazo? Se o licitante já cumpriu as obrigações que lhe incumbiam e já foi recompensado por meio das tarifas durante o período previsto, a

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manutenção inalterada das tarifas depois do termo final não apresentaria fundamento técnico-econômico. A única solução seria readequar cronogramas e programas de investimento, mas essa questão pressupõe uma outra concessão, a ser outorgada mediante nova licitação (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 269).

Categoricamente contra a possibilidade de prorrogação do contrato de

concessão, Marçal Justen Filho, trabalha o descabimento do argumento da

satisfatoriedade da atuação:

Nem se pode contrapor o argumento de que o concessionário está apresentando o serviço de modo satisfatório para os usuários. Tal corresponde precisamente ao dever a ele imposto. O concessionário que fornece um serviço adequado, da mais elevada qualidade, está cumprido seus deveres e tal não lhe assegura qualquer vantagem ou benefício jurídico peculiar (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 269).

Por fim, Marçal Justen Filho, sintetiza sua idéia contra a prorrogação dos

contratos administrativos de concessão:

Assim considerada a questão, evidencia-se a impossibilidade de previsão da prorrogação da concessão no edital de licitação (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 270).

A prorrogação é uma eventualidade (ao menos, teoricamente), derivada da infração pelo poder concedente a seus deveres. O dever infringido pelo poder concedente é o de promover todas as medidas destinadas a assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, ao longo do prazo da concessão (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 270).

Nesse sentido é que deve interpretar a regra constitucional. A prorrogação deve ser disciplinada como solução alternativa, dotada de menor lesividade ao interesse público e que se justifica em face do princípio da isonomia em vista da ausência de alternativa para evitar o perecimento de direitos e garantias fundamentais (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 270).

De posse dessas premissas doutrinárias vejamos, então, as previsões legais

a respeito da prorrogação das concessões de usinas hidrelétricas no Brasil. Salienta-

se que tais previsões legais sofreram diversas modificações nos últimos anos, e por

isso, tentar-se-á apresentá-las da forma mais didática possível.

No interregno compreendido entre o ano de 1995 e 2003 foram publicadas

várias leis a respeito do setor elétrico, sendo que este passou a ser um dos setores

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da economia brasileira com maior regulamentação dentre os setores cuja atividade

econômica é passível de ser exercida através de concessões de serviço público.

Nos anos de 1995 e 1996 o setor elétrico nacional passou por um processo

chamado de desregulamentação, capitaneado principalmente através da publicação

das Leis nº 8.987/95 e 9.074/95, que tratam do instituto da concessão e da Lei nº

9.427/96, que criou a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, órgão

regulador do setor elétrico brasileiro.

A legislação e regulamentação publicada a partir de 1995 disciplinaram a

possibilidade de uma única prorrogação do prazo original do contrato de concessão

para prestação do serviço público de geração de energia elétrica a serem

outorgadas a partir daquele momento.

De acordo com a referida lei, as prorrogações podiam ser feitas no máximo, por igual período e desde que previsto no contrato, e requerido pelo concessionário no prazo de até trinta e seis meses antes do termo final, devendo o poder concedente manifestar-se em até 18 meses antes dessa data, porém, a Lei 9.427, de 26.12.96, que instituiu a Agência Nacional de Energia – ANEEL (que substitui o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE), veio estabelecer a possibilidade de prorrogações “enquanto os serviços estiverem sendo prestados nas condições estabelecidas nos contratos e na legislação do setor” e “atendam aos interesses dos consumidores”, a que se procederá mediante requerimento do concessionário (BLANCHET, 2008, pg. 59).

Dentro desse espírito, entre 1995 e 2003, foram outorgadas novas

concessões, a serem exploradas pelo prazo de 35 anos, e com previsão contratual

de prorrogação por igual período, a critério do poder concedente, conforme redação

original38 do § 2º, do artigo 4º, da Lei nº 9.074/95, conforme segue.

Lei nº 9.074/95, de 7 de julho de 1995

Art. 4º As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei nº 8.987, e das demais.

...

§ 2º As concessões de geração de energia elétrica, contratadas a partir desta Lei, terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a trinta e cinco anos, contado da data de

38 Redação que foi posteriormente modificada pela Lei nº 10.848/2004.

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190

assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado no máximo por igual período , a critério do poder concedente, nas condições estabelecidas no contrato (Redação que foi posteriormente modificada pela Lei nº 10.848, de 20 04). (grifo nosso)

No entanto, em 15 de março de 2004, com a publicação da Lei nº 10.848, foi

dada nova redação ao § 2º, do artigo 4º, da Lei nº 9.074/95, estipulando-se que,

para aquelas concessões outorgadas anteriormente a 11 de dezembro de 2003,

inclusive para as outorgadas após a publicação da Lei nº 9.074, de 7 de julho de

1995, pode ocorrer uma única prorrogação do prazo original de vigência da

concessão, agora, por um período de até 20 anos adicionais, conforme dispõem a

atual redação do § 2º do artigo 4º da Lei nº 9.074/95, conforme segue.

Lei nº 9.074/95, de 7 de julho de 1995

Art. 4º As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei nº 8.987, e das demais.

...

§ 2º As concessões de geração de energia elétrica anteriores a 11 de dezembro de 2003 terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a 35 (trinta e cinco) anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado por até 20 (vinte) anos , a critério do Poder Concedente, observadas as condições estabelecidas nos contratos. (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004) (grifo nosso)

A Lei nº 10.848/04, na prática, então, diminuiu o prazo máximo possível de

prorrogação das concessões de geração de energia elétrica outorgadas entre 7 de

julho de 1995 e 11 de dezembro de 2003, de igual período da duração original (30

ou 35 anos) constante do contrato de concessão, para 20 anos.

Diminuiu também para 20 anos o prazo máximo possível de prorrogação das

concessões outorgadas anteriormente a 7 de julho de 1995, que previam duração

original de 30, 35 ou 50 anos, dependendo do estipulado em seus respectivos

contratos.

Nessa condição estão as concessões oriundas do processo de privatização,

que foram outorgadas por um período inicial de vigência de 30 anos e com previsão

contratual de prorrogação, segundo as condições estabelecidas, a critério do poder

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concedente, que, provavelmente, serão aquelas estabelecidas na legislação vigente

à época da decisão pela prorrogação (atualmente seria uma única prorrogação por

mais 20 anos).

Fato é que no momento em que ocorreram as privatizações, a legislação em

vigor previa a possibilidade de prorrogação do prazo de vigência da concessão por

período igual ao prazo original, e após as modificações de legislação, tal período foi

reduzido para 20 anos. Entende-se que mudanças de regras ocorridas durante o

exercício de um contrato são controversas e devem ser solucionadas de forma a se

preservar o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato de concessão. Na

disciplina jurídica essas alterações são tratadas como “fato do príncipe”, que são

medidas de ordem geral, não relacionadas diretamente com o contrato de

concessão, mas que nele repercutem, provocando desequilíbrio econômico-

financeiro, em detrimento do contratado. Estas peculiaridades não serão tratadas no

presente trabalho, sendo que se acredita que serão objeto de muitas discussões no

futuro.

Para as concessões outorgadas entre julho de 1995 e dezembro de 2003 o

prazo original de exploração do serviço público restou limitado a 35 anos, podendo

ser prorrogado por até 20 anos adicionais.

Verifica que a lei disciplina de forma cabal o trato a ser dado quando da

época da prorrogação para as concessões outorgadas antes do final de 2003, qual

seja, que tais concessões deverão ser prorrogadas, uma única vez, pelo período

adicional de 20 anos.

A Figura a seguir apresenta um esquema de como a atual legislação

brasileira trata o assunto.

t (anos)0

Início da concessão

35

Prazo Original Prorrogação Legal

55

Extinção da concessão

Nova Concessão

FIGURA 2 - ESQUEMA DA DISCIPLINA LEGAL ATUALMENTE EM VIGOR SOBRE AS

CONCESSÕES OUTORGADAS ANTES DE 11 DE DEZEMBRO DE 2003.

No entanto, a legislação não disciplina o que deverá ocorrer findo o prazo da

concessão, no momento de sua extinção.

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192

Para as concessões outorgadas após dezembro de 2003 o prazo original da

concessão restou definitivamente limitado a 35 anos, sem previsão de possibilidade

de prorrogação, conforme § 9º, do artigo 4º, da Lei nº 9.074/95, conforme segue:

Lei nº 9.074/95, de 7 de julho de 1995

Art. 4º As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei nº 8.987, e das demais.

...

§ 9º As concessões de geração de energia elétrica, contratadas a partir da Medida Provisória nº 144, de 11 de dezembro de 2003, terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a 35 (trinta e cinco) anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato. (Incluído pela Lei nº 10.848, de 2004)

A Tabela a seguir apresenta de forma resumida os prazos e a disciplina

aplicada às prorrogações das concessões de geração segundo o respectivo período

de outorga.

TABELA 2 - PRAZOS E DISCIPLINA APLICADA ÀS PRORROGAÇÕES DAS CONCESSÕES SEGUNDO O PERÍODO DE OUTORGA.

Concessões existentes em

jul/95

Concessões outorgadas entre jul/95 e dez/03

Concessões outorgadas após

dez/03Geração(exceções à parte)

Período original + 20 anos

35 anos+ 20 anos

35 anos(sem extensão)

Tal é o que se constata da análise dos contratos de concessão de usinas

hidrelétricas atualmente vigentes no novo modelo do setor elétrico. A maioria dos

contratos de usinas hidrelétricas concedidas anteriormente à data de 11 de

dezembro de 2003 possui cláusula específica referente à sua prorrogação, o que

não existe nos contratos outorgados após a referida data.

É inequívoca a conclusão de que as concessões existentes anteriormente à

data de 11 de dezembro de 2003 podem ser prorrogadas, uma única vez, pelo prazo

de 20 (vinte) anos.

Da mesma forma, é inequívoca a segunda conclusão a partir do texto legal

transcrito acima de que o prazo de vigência das concessões outorgadas após a data

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de 11 de dezembro de 2003 não poderão ser alvo de prorrogação. Não haverá

prorrogações para as concessões outorgadas após 11 de dezembro de 2003.

A Figura a seguir apresenta um esquema de como a atual legislação

brasileira trata as concessões outorgadas após 11 de dezembro de 2003.

t (anos)0

Início da concessão

Prazo Original

35

Extinção da concessão

Nova Concessão

FIGURA 3 - ESQUEMA DA DISCIPLINA LEGAL ATUALMENTE EM VIGOR PARA AS CONCESSÕES

OUTORGADAS APÓS 11 DE DEZEMBRO DE 2003.

No entanto, para estes casos a legislação também não disciplina o que

deverá ocorrer findo o prazo dessas concessões. Há que se legislar sobre a

disciplina a ser aplicada quando do advento do termo contratual de tais concessões.

A Lei n.º 10.848/2004 eliminou a possibilidade de prorrogação de

concessões quando expressamente revogou o art. 27 da Lei n.º 9.427, de 26 de

dezembro de 1996, que dispunha:

Lei n.º 9.427, de 26 de dezembro de 1996

Art. 27. Os contratos de concessão de serviço público de energia elétrica e de uso de bem público celebrados na vigência desta Lei e os resultantes da aplicação dos arts. 4º e 19 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, conterão cláusula de prorrogação da concessão , enquanto os serviços estiverem sendo prestados nas condições estabelecidas no contrato e na legislação do setor, atendam aos interesses dos consumidores e o concessionário o requeira. (Revogado pela Lei nº 10.848, de 2004) (grifo nosso)

A Figura 4 apresenta a linha do tempo, com destaque para a disciplina

aplicada no trato dado à prorrogação das concessões em cada um dos períodos, de

acordo com as recentes alterações legislativas referentes ao modelo do setor

elétrico brasileiro.

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1970 1980 1990 2000 2010

Constituição Federal Lei 9.074 MP 144/03

1988 (1995) 11 dez 2003

Leis10.847 e 10.848(2004)

Outorgas de Concessão com Possibilidade de

Prorrogação(Uma vez e por igual

período)

Outorgas de Concessão com Possibilidade de

Prorrogação(Quantas? Por quanto

tempo?)

Outorgas de Concessão sem

Previsão de Prorrogação

(Qual o destino ao final?)

P os s ibilidade de P rorrogação das C onces s ões

exis tentes uma única vez , por 20 anos adicionais

FIGURA 4 - DISCIPLINA APLICADA À PRORROGAÇÃO DAS CONCESSÕES COM AS MUDANÇAS

DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO.

A impossibilidade de se proceder com novas prorrogações de prazo para as

concessões de serviço público de energia elétrica e para as de uso de bem público

que terminarão em 2015 é o que se conclui como a vontade do legislador implícita

nos dispositivos apresentados acima. Vontade esta, vigente na época da edição das

leis que criaram o modelo liberal que vigorou entre os anos de 1995 e 2004.

Destaca-se, no entanto, que a legislação publicada em 1995 ainda se encontra em

vigor, mesmo que com alterações posteriores.

Destaca-se também, que mesmo a legislação publicada mais recentemente,

vai de encontro à idéia de não se aceitar nova prorrogação de prazo para as

concessões que terminarão em 2015.

Importante notar a alteração introduzida no § 1º, do artigo 42, da Lei nº

8.987/95, pela Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. O texto antigo previa que

“vencido o prazo da concessão, o poder concedente procederá a sua licitação”, mas

com a recente alteração, a legislação passou a prever que a União, ao extinguir o

contrato de concessão pelo advento do termo contratual poderá assumir per si a

prestação do serviço, ou outorgá-lo a um novo concessionário mediante um novo

contrato.

Lei nº 8.987/95, de 13 de fevereiro de 1995

Art. 42...

§ 1º Vencido o prazo da concessão, o poder concedente procederá a sua licitação, nos termos desta Lei. (Revogado pela Lei nº 11.445, de 2007)

§ 1º Vencido o prazo mencionado no contrato ou ato de outorga, o serviço poderá ser prestado por órgão ou entidade do poder

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concedente, ou delegado a terceiros, mediante novo contrato. (Redação dada pela Lei nº 11.445, de 2007)

Salienta-se ainda que a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 ainda

introduziu os parágrafos 3º ao 5º no artigo 42, da Lei nº 8.987/95, disciplinando o

término de algumas concessões e regulamentando o pagamento de eventual

indenização.

Sobre a disciplina aplicada às concessões existentes, com o advento da Lei

8.987, em 1995, veja-se a interessante lição de Antônio Carlos Cintra do Amaral.

As concessões existentes em 13.2.1995, data do início da vigência da Lei 8.987, podem ser agrupadas do seguinte modo:

1) concessões anteriores à Constituição de 1988; ou

2) concessões posteriores à Constituição de 1988 (AMARAL, 2002, pg. 107).

Ou, de acordo com outra classificação:

3) concessões outorgadas mediante licitação prévia; ou

4) concessões outorgadas sem licitação(AMARAL, 2002, pg. 107).

Mais ainda, de acordo com uma terceira classificação:

5) concessões com prazo em vigor; ou

6) concessões com prazo vencido ou em vigor por prazo indeterminado (AMARAL, 2002, pg. 107).

Combinando essas classificações, as concessões podem ser assim agrupadas:

a) concessões outorgadas antes da Constituição de 1988, com prazo em vigor;

b) concessões outorgadas antes da Constituição de 1988, com prazo vencido ou em vigor por prazo indeterminado;

c) concessões outorgadas depois da Constituição de 1988, precedidas de licitação e com prazo em vigor;

d) concessões outorgadas depois da Constituição de 1988, precedidas de licitação e com prazo vencido ou por prazo indeterminado;

e) concessões outorgadas depois da Constituição de 1988, sem licitação (AMARAL, 2002, pg. 108).

Quais as conseqüências que a Lei 8.987/1995 atribuiu a cada uma dessas concessões? Foram as seguintes:

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i) as concessões elencadas nas alíneas “a” e “c”, acima, permaneceram válidas pelo prazo fixado, devendo o poder concedente proceder a nova licitação no vencimento desse prazo (art. 42 e § 1º);

ii) as concessões elencadas nas alíneas “b” e “d”, acima, permaneceram válidas pelo prazo necessário à realização dos levantamentos e avaliações indispensáveis à organização das licitações que procederão a outorga das concessões que as substituirão, prazo esse que não será inferior a 24 meses (§ 2º do art. 42)

iii) as concessões outorgadas depois da Constituição de 1988, sem licitação (alínea “e”, acima), foram extintas (art. 43) (AMARAL, 2002, pg. 109).

Ficaram extintas, também, as concessões outorgadas sem licitação anteriormente à vigência da Constituição de 1988, cujas obras e serviços não tivessem sido iniciados ou encontrassem paralisados (parágrafo único do art. 43) (AMARAL, 2002, pg. 109).

Esse esquema é complicado, mas tem uma certa lógica.

A Lei 8.987/1995:

a) respeitou as concessões com prazo em vigor;

b) extinguiu as concessões outorgadas sem licitação após a Constituição de 1988, com inobservância, portanto, do art. 175 da nova Constituição; e

c) extinguiu as concessões que, embora anteriores à Constituição de 1988, foram outorgadas sem licitação e cujas obras ou serviços não haviam sido iniciados, ou seja, não tinham tido ainda eficácia fática (AMARAL, 2002, pg. 109).

A lei só não foi lógica ao estabelecer o prazo mínimo de 24 meses para realização de novas licitações nos casos de concessão em vigor com prazo vencido ou prazo determinado. Mas ilógico ainda foi o veto presidencial ao projeto de lei que, alterando o § 2º do art. 42 da Lei 8.987/1995, estabelecia, a par do prazo mínimo de 24 meses, o prazo máximo de 60 meses (AMARAL, 2002, pg. 109).

É óbvio que uma licitação para concessão não pode ser realizada de afogadilho. Mas seria de esperar que a lei desse, nesses casos, um prazo máximo adequado para a regularização das situações. O que não tem lógica é esse prazo mínimo, tal como constante da lei (AMARAL, 2002, pg. 109).

Independentemente do teor literal da norma legal (§ 2º do art. 42), entendo que o agente público não recebeu uma autorização legal para tornar perpétuas as concessões vigentes em 13.2.1995 (data em que entrou em vigor a Lei 8.987/1995), com prazo vencido ou por prazo indeterminado. Ele tem o dever jurídico, em face do art. 175 da Constituição, de regularizar a situação no menor prazo possível, mediante realização de licitação para nova concessão (AMARAL, 2002, pg. 109).

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197

14.5 A EXTINÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS DE CONCESSÃO

O art. 35 da Lei de Concessões (Lei nº 8.987/1995) enumera os casos em

que se extingue a concessão, dentre eles, o primeiro, é o advento do termo

contratual.

Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995

Art. 35. Extingue-se a concessão por:

I - advento do termo contratual;

II - encampação;

III - caducidade;

IV - rescisão;

V - anulação; e

VI - falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual.

§ 1º Extinta a concessão, retornam ao poder concedente t odos os bens reversíveis, direitos e privilégios transfe ridos ao concessionário conforme previsto no edital e estabe lecido no contrato.

§ 2º Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários.

§ 3º A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.

§ 4º Nos casos previstos nos incisos I e II deste artigo, o poder concedente, antecipando-se à extinção da concessão, procederá aos levantamentos e avaliações necessários à determinação dos montantes da indenização que será devida à concessionária, na forma dos arts. 36 e 37 desta Lei. (grifo nosso)

Sendo temporária a transferência da prestação dos serviços públicos através

do instituto da concessão, tem-se que a extinção é o destino natural do contrato

administrativo de concessão.

Para Marçal Justen Filho:

A natureza jurídica da concessão envolve a temporariedade do vínculo. Por isso, a destinação da concessão é extinguir-se, com o desaparecimento da relação jurídica entre as partes. Mas a extinção nem sempre reflete esse curso normal dos fatos, em que a relação jurídica atinge seu termo e se exaure automaticamente. Há outros casos, em que o término se produz antes do termo final contratual, em virtude de motivos específicos (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 568).

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O modo normal de extinção da concessão, tal como se passa com qualquer contato, é o atingimento do termo final. O decurso do prazo acarreta a extinção automática do vínculo jurídico entre as partes, sem necessidades da produção de qualquer ato jurídico entre as partes, sem necessidades da produção de qualquer ato jurídico específico para tanto. Nesse caso, todos os atos jurídicos praticados apresentam cunho meramente declaratório, sem eficácia construtiva (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 573).

A lei nº 8.987 contém as normas gerais sobre a extinção da concessão as quais foram contempladas nos arts. 35 e seguintes. Executadas eventuais hipóteses em que haja legislação federal específica sobre o tema, a disciplina adotada nesses dispositivos não pode ser contrariada na conformação da outorga, mas nada impede a edição de normas complementares, especialmente de cunho procedimental e processual. Tal se destinará a regulamentar o modo pelo qual serão apurados os fatos e determinados os seus efeitos (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 568).

Ademais disso, o elenco não é exclusivo. É verdade que as modalidades essenciais são aquelas indicadas no rol do art. 35 da Lei de Concessões, no entanto há outras hipóteses, que se afiguram excepcionais e de aplicação restrita. Serão elas examinadas posteriormente (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 569).

Existem princípios comuns e efeitos necessários, cuja ocorrência será sempre relacionada com a extinção da concessão. Cabe um exame prévio sobre esse tema, especialmente para facilitar a compreensão dos distintos regimes jurídicos previstos para as várias causas de extinção da concessão. A partir desse regime básico, poderão ser identificadas as diferenças e peculiaridades de cada situação (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 569).

A primeira e imediata conseqüência da extinção da concessão é assunção do serviço pelo poder concedente, de modo automático. O particular não leva consigo qualquer parcelo do serviço ou poderes que se encontravam sob sua gestão no curso do contrato. Serviço e poderes, porque públicos, são inalienáveis, enquanto não desafetados. Por isso, o desaparecimento da concessão acarreta retomada pelo Estado dos serviços, bens e poderes. Essa hipótese se caracteriza ainda quando uma concessão seja sucedida por outra. Isso não significa a impossibilidade de o particular manter consigo certos bens, anteriormente utilizados para a prestação dos serviços concedidos. Tal se passará a propósito de bens não afetados à prestação dos serviços concedidos, Tal se passará a propósito de bens não afetados á prestação do serviço, cujo valor não tenha sido amortizado ao longo do contrato (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 569).

Bem por isso, o Estado será legitimado a ocupar, sem necessidade de recorrer ao poder Judiciário, as instalações necessárias à prestação do serviço. Aplica-se o princípio da continuidade dos serviços públicos. A extinção da concessão não pode acarretar interrupção na prestação do serviço público. A recusa do antigo concessionário em permitir o acesso dos agentes do poder concedente constitui-se em ato ilícito. Ressalta-se, porém, que isso não autoriza o Estado a apropriar-se de bens do particular cujo valor não tiver ainda sido amortizado (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 569).

Extinta a concessão, desaparece o regime jurídico correspondente. Logo qualquer poder, referível ao Estado, de que estivesse investido o concessionário extingue-se juntamente com a concessão. Por igual, o concessionário não poderá manter a prestação do serviço nem

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gozar de benefícios que eventualmente lhe tenham sido concedidos (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 569).

A extinção de direitos e benefícios diretamente derivados da concessão dá-se de modo automático, sem necessidade de outras formalidades (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 570).

A Lei alude a retorno dos direitos e privilégios ao poder concedente. A expressão deve ser compreendida em termos. Deve-se entender-se que a titularidade e o exercício integral desses direitos e privilégios voltam a ser privativos do poder concedente (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 570).

Para Hely Lopes Meirelles:

A extinção da concessão representa a retomada do serviço concedido pelo Poder Público e pode ocorrer por diversos motivos e formas. O primeiro é o término do prazo da concessão, também conhecido como reversão, porque representa o retorno do serviço ao poder concedente, o segundo motivo é o interesse público superveniente à concessão, denominado de encampação ou resgate, a inadimplência do concessionário pode conduzir à rescisão unilateral do contrato por parte do poder concedente, designada por caducidade; o descumprimento de cláusula contratual pelo poder concedente dá ensejo a que o concessionário demande a rescisão do contrato; e, finalmente, a ilegalidade da concessão ou do contrato pode impor sua anulação. Em cada uma dessas hipóteses a extinção da concessão ocorre por circunstâncias e atos diferentes e produz conseqüências distintas entre as partes (MEIRELLES, 2010, pg. 421).

Conforme as lições de Geraldo Pereira Caldas:

Como o poder concedente, nos termos do art. 175 da CF, não abdica da titularidade dos serviços públicos ao delegar ao concessionário a prestação destes serviços, mantém plena disponibilidade sobre eles (CALDAS, 2004, pg. 146).

O poder concedente pode extinguir a concessão nos casos previstos na Lei de Concessões, isto é, os indicados no art. 35, na forma estabelecida no contrato (CALDAS, 2004, pg. 149).

Advento do termo contratual: trata-se da extinção natural da concessão, acarretando a reversão dos bens vinculados à concessão e a indenização das parcelas dos investimentos ainda não amortizados ou depreciados, realizados com o fim de garantir a continuidade e a atualidade dos serviços concedidos (art. 36) (CALDAS, 2004, pg. 155).

Mesmo no caso do advento do termo contratual poderá haver indenização em relação aos investimentos não amortizados e que tenham sido feitos para garantia da continuidade do serviço e de sua atualidade (CALDAS, 2004, pgs. 141 e 142).

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Segundo Antônio Carlos Cintra do Amaral, “encerrado o prazo contratual,

extingue-se a concessão, que é um contrato por prazo, e não por objeto” (AMARAL,

2002, pg. 100).

Em princípio, por ocasião do término do prazo contratual todos os investimentos já terão sido amortizados ou depreciados (AMARAL, 2002, pg. 100).

O poder concedente não estabelece um prazo a seu exclusivo arbítrio. Prazo de concessão e equação econômica do contrato devem estar intimamente relacionados. Assim, extinto o prazo da concessão não deverá existir nada mais a indenizar (AMARAL, 2002, pg. 100).

O prazo contratual, porém, é dimensionado em função de uma previsão inicial dos investimentos necessários. Em um contrato de longa duração, como costuma ser o contrato de concessão, novos imprevistos são efetuados durante sua execução, inclusive no final da concessão, a fim de, como diz a lei (art. 36)39, “garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido”. Esses investimentos, cuja necessidade se evidencia com freqüência na segunda metade do prazo da concessão, podem ser insuscetíveis de amortização no prazo estabelecido inicialmente. Se não for garantido à concessionária o retorno da totalidade dos investimentos efetuados, ela não os fará, com isso prejudicando os legítimos interesses dos usuários (AMARAL, 2002, pgs. 100 e 101).

O poder concedente, portanto, deverá optar entre a prorrogação do prazo – se isso for previsto no contrato – e a indenização. Se não garantir à concessionária adequada compensação, o serviço concedido será afetado no que se refere à sua “continuidade e atualidade”. Verificar-se-á, fatalmente, na fase final da execução do contrato, um comprometimento do “serviço adequado”, tal como definido no art. 6º da Lei 8.987/199540 (AMARAL, 2002, pg. 101).

A lei (art. 36) prevê o pagamento de “indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis”. Bens reversíveis são aqueles diretamente vinculados à concessão. Só interessam à concessionária enquanto concessionária, ou seja, não têm utilidade para ela a partir do momento em que cessa a concessão, podendo, porém, ser de proveito para o poder concedente ou para uma nova concessionária (AMARAL, 2002, pg. 101).

Vale notar que a lei dispõe sobre o pagamento de indenização. Mas mais não diz como e quando esse pagamento deverá ser efetuado. Deixa implícito que, no caso do advento do termo contratual, o

39 Lei nº 8.987/1995 - Art. 36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas

dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.

40 Lei nº 8.987/1995 - Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§ 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

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pagamento deverá ser feito após a extinção (§ 2º do art. 35)41, mas silencia totalmente quanto à forma. Deverá ser em dinheiro ou poderá ser em títulos da dívida pública? O pagamento far-se-á em uma única parcela? Essas são questões relevantes, a serem resolvidas na devida ocasião, ou por uma nova lei a ser editada (AMARAL, 2002, pg. 101).

É verdade que o art. 23, XI, dispõe que é cláusula essencial do contrato de concessão a relativa: “XI- aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso” (AMARAL, 2002, pg. 101).

À primeira vista, essa norma pode ser interpretada como autorizando as partes a estabelecer como e quando a indenização pela extinção da concessão deve ser paga. Por exemplo, se deve ser paga em dinheiro ou pode ser paga em títulos da dívida pública; se deve ser paga de uma só vez ou em parcelas (AMARAL, 2002, pg. 101).

A extinção dos contratos de concessões de usinas hidrelétricas que

terminarão em 2015 é a consequência natural decorrente da legislação atualmente

em vigor.

Teoricamente, com a extinção dos contratos de concessões de usinas

hidrelétricas em 2015, o Poder Concedente deverá proceder: (i) com a reversão dos

ativos inerentes às concessões e a assunção da exploração do bem público e/ou

prestação dos serviços; ou (ii) com a realização de processo licitatório para a

definição de novos concessionários, que virão a ser os detentores dos direitos de

concessão para a exploração dos bens públicos inerentes aos empreendimentos de

geração de eletricidade e/ou para a respectiva prestação do serviço público.

Para Márcio Fernando Elias Rosa:

O princípio da continuidade do serviço público é que fundamenta a reversão obrigatória de bens do concessionário (ROSA, 2010, pg. 92).

No entanto, a operacionalização prática de tudo isso não está disciplinada

na legislação publicada legislação atual.

Para se solucionar esta questão será necessária uma adequação de todo o

arcabouço regulatório e legal do setor elétrico brasileiro.

41 Lei nº 8.987/1995 - Art. 35º... § 2º Extinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder

concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários.

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Essas atuais indefinições legais e regulatórias têm impactos diretos na

defesa dos interesses públicos da manutenção do suprimento de energia elétrica à

população brasileira e da modicidade tarifária, bem como da garantia e efetivação da

realização de novos investimentos em empreendimentos hidrelétricos necessários à

expansão da capacidade de suprimento de energia elétrica ao país.

14.5.1 A Reversão dos Ativos Inerente à Extinção dos Contratos de Concessão

Segundo Hely Lopes Meireles, o “advento do termo contratual, ou reversão:

é o término do prazo da concessão, com o retorno do serviço ao poder concedente;

daí por que também é conhecida por reversão” (MEIRELLES, 2010, pg. 421).

Segundo a doutrina dominante, acolhida pelos nossos Tribunais, a reversão só abrange os bens, de qualquer natureza, vinculados a prestação do serviço. Os demais, não utilizados no objeto da concessão, constituem patrimônio privado do concessionário, que deles pode dispor livremente e, ao final do contrato, não está obrigado a entregá-los, sem pagamento, ao concedente. Assim é porque a reversão só atinge o serviço concedido e os bens que assegurem sua adequada prestação (MEIRELLES, 2010, pg. 422).

Se o concessionário, durante a vigência do contrato, formou um acervo à parte, embora provindo da empresa, mas desvinculado do serviço e sem emprego na sua execução, tais bens não lhe são acessórios e, por isso, não o seguem, necessariamente, na reversão (MEIRELLES, 2010, pg. 422).

As cláusulas de reversão é que devem prever e tornar certo quais os bens que, ao término do contrato, serão transferidos ao concedente e em que condições. A reversão gratuita é a regra, por se presumir que, durante a exploração do serviço concedido, o concessionário retira não só a renda do capital como, também, o próprio capital investido no empreendimento (MEIRELLES, 2010, pg. 422).

Embora seja cláusula essencial do contrato (art. 23, X)42, se nada for estipulado a respeito, entende-se que o concedente terá o direito de receber de volta ao serviço com todo o acervo aplicado na sua prestação, sem qualquer pagamento. Mas casos há de concessão de curto prazo, ou de investimentos especiais e de alto custo, que justificam se convencione a indenização total ou parcial dos bens da empresa quando da reversão do serviço (MEIRELLES, 2010, pg. 422).

A Lei 8.987/95 determina que o poder concedente indenize o concessionário de todas as parcelas de investimentos vinculados aos bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade

42 Lei nº 8.987/1995 - Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: X - aos bens

reversíveis.

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do serviço (art. 36)43. Pretende-se evitar, com essa determinação, que a prestação do serviço se deteriore nos últimos anos do prazo da concessão, por falta de investimentos do concessionário. Ao garantir, legalmente, a indenização desses investimentos, torna-se mais fácil ao poder concedente exigir o cumprimento do dever de atualidade do serviço, correspondente à manutenção e melhoria dos equipamentos, instalações e demais exigências do serviço (MEIRELLES, 2010, pg. 422).

A Lei 11.445, de 5.1.2007, modificou alguns parágrafos do art. 42 da Lei 8.987/95, regulando o término da concessão e o pagamento de eventual indenização (MEIRELLES, 2010, pg. 422).

Há que se considerar que nem todos os bens do concessionário são

considerados como inerentes à concessão, e, portanto, não são passíveis de

reversão. Analisaremos, nesse condão, os ensinamentos de Marçal Justen Filho.

Os bens utilizados no desenvolvimento da concessão enquadram-se em dois grandes grupos. O primeiro é constituído pelos bens públicos e o segundo pelos bens privados. Os bens públicos relacionados com a concessão poderão apresentar diferentes características, conforme a situação (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 264).

Quanto a esses bens públicos, incube ao particular promover sua manutenção, conservação e aperfeiçoamento. Uma vez que encerrada a concessão, a posse desses bens será retomada pela entidade concedente e se for o caso, transferida para o concessionário. Quando se trata de concessão precedida de obra pública, o particular a executa e, após, passa a utilizá-la para fins de prestação do serviço público. Nota-se que, concluída a obra e cumpridas as formalidades de fiscalização de sua correção, ela se integra no domínio público. O concessionário permanece na posse do bem, sem solução de continuidade, mas a propriedade é pública (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 264).

Mas há também bens privados, aplicados à prestação do serviço público. São bens integrantes do patrimônio do próprio concessionário (em princípio). Esses não integram o domínio do poder concedente. No entanto, sua afetação à prestação do serviço produz a aplicação do regime jurídico dos bens públicos. Logo, esses bens não são penhoráveis nem podem ser objeto de desapossamento compulsório por dívidas do concessionário (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 265).

Esses bens privados podem ser distinguidos em dois grandes grupos. São os bens reversíveis e os não reversíveis. Os primeiros são aqueles que deverão integrar-se no domínio público, ao final do contrato de concessão. Já os segundos serão utilizados pelo concessionário enquanto durar a concessão. Extinto o contrato, tais bens serão desafetados e o concessionário poderá promover o destino que bem lhe aprouver para eles (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 265).

43 Lei nº 8.987/1995 - Art. 36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas

dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.

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A distinção entre bens reversíveis e não reversíveis abrange, basicamente, bens não consumíveis. Não há maior sentido em aludir ao problema quando o bem tem vida útil inferior ao período de duração da concessão. Assim, suponha-se um computador cuja utilização não será superior a dois anos. Não se pode disputar acerca de sua reversibilidade, a não se quer o contrato seja extinto antes do término do prazo e o Estado necessite desse bem na continuidade da prestação dos serviços (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 265).

Unicamente sobre os bens reversíveis, Celso Antônio Bandeira de Mello

leciona o disposto a seguir:

A reversão é a passagem ao poder concedente dos bens do concessionário aplicados ao serviço, uma vez extinta a concessão (art. 35, §2º). Portanto, através da chamada reversão, os bens do concessionário, necessários ao exercício do serviço público, integram-se no patrimônio do concedente ao se findar a concessão. Está visto que a reversão também não é, de modo algum - ao contrário do que às vezes se vê afirmado -, uma forma de extinção da concessão. É, isto sim, uma conseqüência dela; portanto, a pressupõe. Sem a extinção da concessão não há reversão. Esta procede dela, mas, evidentemente, não se confundem as duas coisas (CELSO ANTÔNIO, 2008, pgs. 746 e 747).

É perfeitamente justo e razoável que ocorra a reversão com o encerramento da concessão. Com efeito, os bens aplicados ao serviço pouca ou nenhuma significação econômica teriam para o concessionário, apresentando, pelo contrário, profundo interesse para o concedente (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 747).

Realmente, a utilidade dos bens aplicados ao serviço só existe para o concessionário enquanto desfruta desta situação jurídica. Sem esta qualidade a empresa nada poderá fazer com eles, e pouco proveito econômico poderá extrair deles. Reversamente, para o Poder Público eles se constituem precisamente nas condições indispensáveis para prosseguir o serviço (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 747).

Sobremais, substancial parte dos equipamentos em uma concessão de serviço público é constituída de edificações ou bens que aderem ao solo e que não podem ser removidos ou que, em sendo removíveis, perdem nisto toda ou muita de sua substância econômica. Pense-se nas edificações de centrais elétricas, torres de retransmissão, usinas de transformação ou geradores de energia (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 747).

Daí que ao concessionário pequena significação econômica tem o equipamento necessário à prestação do serviço, uma vez finda a concessão. Reversamente, para o concedente eles se constituem na indispensável condição para continuidade do serviço (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 748).

A razão principal da reversão reside precisamente, nisto, a saber: dado o caráter público do serviço, isto é, atividade havida como de extrema relevância para a comunidade, sua paralisação ou suspensão é inadmissível, por ofensiva a valores erigidos socialmente como de superior importância. O Poder Público, como guarda e responsável pela defesa dos interesses públicos, não pode permitir que estes sejam sacrificados ou postergados em nome de objetivos

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ou interesses particulares, individuais. Por isso, é assente na doutrina o princípio da continuidade do serviço público, o qual supõe a reversão como meio de dar seguimento à prestação da atividade, quando extinta a concessão do serviço (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 748).

Finalmente, é bem de ver que, no ato da concessão, os prazos fixados, quando longos, e as tarifas estabelecidas, ao delinearem o conteúdo patrimonial do acordo; são estabelecidos em vista não só de proporcionar lucro ao concessionário, mas também de amortizar-lhe o capital, paulatinamente Por isso, quando a concessão se extingue por expiração de prazo, os bens aplicados ao serviço já estarão amortizados e o lucro esperado já terá sido fruído (salvo quando hajam ocorrido inversões em época próxima à do advento do termo previsto para ela). Segue-se, então, que a reversão do equipamento é conseqüência natural, pois o concessionário já haverá extraído da concessão tudo o que patrimonialmente podia esperar dela: lucro e compensação do capital investido, cuja equivalência haverá percebido ao longo do período de exploração do serviço (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 748).

É evidente, de outro lado, que, se o prazo da concessão for curto, ou muito baixas as tarifas, não haverá tempo suficiente para amortização integral do capital. Neste caso, opera-se, igualmente, a reversão, mas o poder concedente deverá, para respeitar o equilíbrio patrimonial, indenizar o concessionário pelo valor remanescente não amortizado do equipamento que se incorpora a seu patrimônio (CELSO ANTÔNIO, 2008, pgs. 748 e 749).

Pode-se, então, à vista de todo o exposto e acompanhando a mais autorizada doutrina, afirmar, em conclusão, que: se o instrumento da concessão nada dispuser a respeito da reversão, a existência dela se presume e será onerosa ou gratuita para o Poder Público, dependendo de já ter havido, ou não, a amortização total ou parcial do capital representativo do equipamento aplicado ao serviço (CELSO ANTÔNIO, 2008, pg. 749).

Ainda, segundo Marçal Justen Filho:

Extingue-se, por igual, o poder que o concessionário exercitava sobre os bens públicos afetados ao serviço público (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 570).

O estado volta a ter a posse deles. A identificação dos bens reversíveis faz-se a partir das regras contidas no edital e no contrato. A lei insiste na obrigatoriedade de determinação prévia dos bens que, ao final da concessão, reverterão ao poder concedente (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 570).

A reversão não se faz gratuitamente. Como regra, o valor dos bens reversíveis é amortizado no curso do prazo da concessão. As tarifas são fixadas em valor que permita não apenas remunerar o concessionário pelo custo operacional do serviço mais por todas as despesas necessárias. Mais ainda, as tarifas deveram ser calculadas de modo a amortizar dos bens empregados pelo particular e que serão ou consumidos na prestação do serviço ou integrados no domínio público ao final do prazo. Também sob esse ângulo é relevante a identificação prévia dos bens reversíveis: somente assim será possível determinar o valor dos bens a fixar tarifas aptas a

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propiciar a amortização de seu valor. Deverá examinar-se a situação concreta dos bens, tomando em vista, inclusive, o inventário e registro de bens mantido pelo concessionário (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 570).

O Estado considerará, para fins de reversão, o menor valor necessário a adquirir os bens utilizados na concessão. Esse entendimento é imprescindível para assegurar o princípio da moralidade. Se fosse assegurado ao concessionário o direito de ser indenizado pelo valor histórico desembolsado, seria ele incentivado a promover aquisições fraudulentas. Poderia, por exemplo, simular aquisição de bem por valor superestimado. O montante desembolsado, por ele seria recuperado por meio de indenização ou de amortização por via da tarifa. Em suma, produzir-se-ia oportunidade para operações superfaturadas, para utilizar expressão jornalística que adquire foros de juridicidade (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 572).

A questão ainda é mais problemática no tocante às concessões outorgadas no passado, antes da vigência da Lei nº 8.987. Quanto a essas situações consolidadas há décadas, as perspectivas de definição de valores são trágicas. É quase impossível reconhecer os critérios de identificação dos bens reversíveis, o que gera disputas infindáveis (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 572).

A questão costuma desembocar no Poder Jurídico, o qual não dispõe de critérios jurídicos precisos para promover a composição da lide. Daí deveria a eternização do conflito, com efeitos maléficos generalizados (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 573).

A solução mais razoável para hipótese dessa ordem deve fundar-se no princípio da proporcionalidade, buscando realizar do modo mais intenso possível a tutela dos interesses envolvidos. Isso envolve, de modo especial, uma consideração às circunstâncias do caso concreto. É imperioso verificar a dimensão histórica da concessão. Há hipóteses em que a concessão vigorou por dezenas de anos. Essa característica é relevante porque a ampliação do prazo tende a propiciar a amortização dos investimentos realizados nos momentos iniciais (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 573).

De modo, há uma nítida preferência pelo critério do custo histórico, o qual deve ser ajustado por um controle aprofundado sobre a necessidade e prudência na realização da despesa (JUSTEN FILHO, 2003, pg. 573).

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15. CONCEITOS JURÍDICOS: PRORROGAÇÃO VERSUS RENOVAÇÃO

Para se interpretar e aplicar as distinções existentes entre as expressões

prorrogação e renovação, referentes a contratos administrativos, faz-se necessário

efetuar duas considerações preliminares.

A primeira consideração é a de que uma das classificações possíveis dos

contratos de uma forma geral é a classificação de contratos por objeto ou por prazo.

No contrato por objeto o prazo não é extintivo.

Já no contrato por prazo, o prazo é extintivo da relação contratual. Os

contratos por prazo extinguem-se normalmente, portanto, com o término de seu

prazo.

A segunda consideração é a distinção propriamente dita a entre as

expressões prorrogação e renovação.

Segundo Antônio Carlos Cintra do Amaral, “essa distinção é feita, de

maneira clara e precisa, pelo civilista italiano FRANCESCO MESSINEO (Dottrina

Generale del Contratto, 3ª ed., Milão, Giuffrè, 1952, p. 416)”:

A prorrogação estende a duração do contrato, mas o contrato é aquele inicial (não há um contrato novo), enquanto a renovação dá lugar a um contrato novo, mesmo que com conteúdo idêntico ao do contrato precedente (AMARAL, 2010, s/pg.).

A prorrogação é, portanto, apenas o prolongamento do prazo inicialmente

previsto no contrato, mas, nos contratos administrativos, só se opera quando

presentes alguns requisitos.

Para Antônio Carlos Cintra do Amaral:

No contrato administrativo, a possibilidade de prorrogação é condicionada à previsão expressa no contrato e, se este tiver resultado de licitação, já no respectivo edital. A renovação, por se tratar de celebração de um contrato novo, deve ser precedida, em regra, de nova licitação, salvo se se caracterizar, na ocasião, caso em que caiba a dispensa ou inexigibilidade de licitar (AMARAL, 2010, s/pg.).

Segundo Marçal Justen Filho:

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Os prazos dos contratos administrativos devem ser cumpridos fielmente pelas partes. A prorrogação dos prazos contratuais somente pode ser admitida como exceção, desde que para tanto não tenha colaborado o particular contratado. O art. 57, §1º, da Lei nº 8.666/93 contém um elenco das causas autorizadoras da prorrogação, as quais refletem ou eventos provocados pela Administração, ou causas de força maior ou caso fortuito (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 510).

Inexiste margem de discricionariedade para a Administração negar a prorrogação, quando presentes os seus pressupostos. A lei exige, isto sim, a rigorosa comprovação da presença dos requisitos legais (JUSTEN FILHO, 2010, pg. 512).

Os requisitos legais autorizadores de prorrogação, nos termos da Lei nº

8.666/93, são os seguintes:

Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993

Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

§ 1º Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:

I - alteração do projeto ou especificações, pela Administração;

II - superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;

III - interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração;

IV - aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei;

V - impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência;

VI - omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.

§ 2º Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato.

§ 3º É vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado.

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Nota-se que o rol de motivos autorizadores de prorrogação de contratos

administrativos é bastante reduzido. Acredita-se que isto se dê exatamente para se

eliminar a possibilidade de discricionariedade pela decisão de se prorrogar.

Segundo Márcio Fernando Elias Rosa, “a prorrogação do prazo de vigência

é excepcional, formalizada por termo de aditamento, que deve ser publicado,

mantidas as condições e cláusulas já estabelecidas no contrato cujo prazo é

prorrogado” (ROSA, 2010, pg. 59).

Para Geraldo Pereira Caldas, “o contrato deve prever as condições de

prorrogação (inc. XII), da mesma forma que o edital” (CALDAS, 2004, pg. 138).

Segundo AZEVEDO, Andrade. Opus cit.; p. 92. A prorrogação só deveria ocorrer para o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato ou para permitir a recuperação pelo concessionário dos valores de investimento, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de manter a continuidade e a atualidade do serviço (CALDAS, 2004, pg. 138).

A prorrogação, quando existentes as causas autorizadoras, portanto, não se

confunde com a renovação ou a novação.

A renovação, juridicamente, significa a pactuação de nova avença, com a

extinção da primeira.

No caso de renovação, diferentemente do caso de prorrogação, reconhece-

se ter-se operado a extinção do contrato anteriormente pactuado.

O conceito de renovação é muito próximo ao de novação.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “a novação é uma operação jurídica do

direito das obrigações que consiste em criar uma nova obrigação, substituindo e

extinguindo a obrigação anterior e originária.”

A novação é a operação jurídica por meio da qual uma obrigação nova substitui a obrigação originária. O credor e o devedor, ou apenas o credor, dão por extinta a obrigação e criam outra. A existência dessa nova obrigação é condição de extinção da anterior (VENOSA, 2007, pg. 244).

Interessante notar que na novação não existe a satisfação do crédito. Débito e crédito persistem, mas sob as vestes de uma nova obrigação, daí a terminologia. Inova-se a obrigação. É meio extintivo, porque a obrigação pretérita desaparece. Como o animus, a vontade

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dos interessados é essencial ao instituto; não existe novação automática, por força de lei (VENOSA, 2007, pg. 245).

É de maior importância ressaltar, contudo, que alteração de prazo ou condição não importam em novação. Isso pode tão-só modificar a obrigação, mas não nová-la (VENOSA, 2007, pg. 246).

Do exame prévio já feito, podemos inferir os requisitos da novação. Há uma dívida anterior que se extingue. Cria-se uma obrigação nova (obligatio novanda) (VENOSA, 2007, pg. 248).

De outro modo, o art. 367 (antigo, art. 1.007) não admite a novação de obrigações nulas ou extintas. O vigente Código manteve o mesmo sentido do diploma anterior, embora com redação um pouco diversa. Não se pode novar algo que já deixou de projetar efeitos no mundo negocial, ou, em outras palavras, não se pode extinguir o que já fora extinto. Não se esqueça que a novação é modalidade de extinção de obrigações, ainda que tenha o condão de fazer nascer outra (VENOSA, 2007, pg. 248).

O principal efeito da novação é extinguir a dívida primitiva (VENOSA, 2007, pg. 250).

Para Pablo Stolze Gagliano, “o próprio termo ‘novar’ já é utilizado no

vocabulário jurídico para se referir ao ato de se criar uma nova obrigação

(GAGLIANO, 2006, pg. 406).

Ambos os autores citados (VENOSA e GAGLIANO) afirmam ainda que, para

que a operação caracterize-se como novação, os seguintes requisitos devem ser

preenchidos:

(i) deve existir uma obrigação originária e válida;

(ii) a nova obrigação deverá possuir conteúdo essencialmente diverso da

primeira; e

(iii) deve haver o ânimo, ou seja, a vontade de novação ou animus

novandi.

Segundo Celso Marcelo de Oliveira:

Na lição de Carvalho Santos, “a novação não se presume, vale dizer, a intenção de novar deve manifestar-se de um modo certo e não equívoco, evidenciado que o credor teve a vontade de extinguir a antiga obrigação, ao constituir a nova, liberando assim o devedor da obrigação anterior, a cujos direitos ele credor, por sua vez renuncia” (Código Civil Brasileiro Interpretado- volume XIII/162) (OLIVEIRA, 2001, s/pg.).

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211

Na renovação o objeto do contrato é praticamente o mesmo avençado

anteriormente (no pacto original).

Segundo Hely Lopes Meirelles:

Renovação do contrato é a inovação no todo ou em parte do ajuste, mantido porém o seu objeto inicial, para continuidade de sua execução, com o mesmo contratado ou com outrem. A renovação do contrato pode exigir ou dispensar licitação, conforme as circunstâncias ocorrentes em cada caso (MEIRELLES, 1997, pg. 283).

Normalmente, a renovação do contrato é feita através de uma nova licitação em busca do melhor para continuidade da atividade anteriormente contratada (...). Mas pode ocorrer que as circunstâncias justifiquem uma contratação direta com o atual contratado, renovando-se apenas o contrato vigente em prazo e outras condições de interesse da Administração. Nesse caso, a Administração deverá enquadrar a renovação de contrato na permissão cabível de dispensa de licitação, como se fora um contrato inicial, embora escolha o mesmo contratado do ajuste anterior pelas vantagens resultantes de sua continuidade (MEIRELLES, 1997, pg. 283).

Com relação às concessões de usinas hidrelétricas, atualmente, quando se

fala em prorrogação da concessão quer se fazer referência àquela previsão

contratual existente nos contratos outorgados antes de 11 de dezembro de 2003,

que previam a vigência da concessão por 30, 35 ou 50 anos e a possibilidade de

uma única prorrogação desse prazo por 20 anos, de acordo com a legislação

vigente.

Quando de fala em renovação das concessões, quer referir-se a um novo

prazo para fruição da concessão que já foi explorada pelo prazo original e também

pelo período da primeira prorrogação de 20 anos. A renovação refere-se, grosso

modo, a uma nova prorrogação além daquela única prevista na legislação atual.

A (primeira) prorrogação, para as concessões outorgadas antes de 11 de

dezembro de 2003 são incontroversas. Normalmente chama-se esta, sem um

profundo rigor técnico, de primeira prorrogação.

Em suma, a possibilidade da primeira prorrogação para os empreendimentos

outorgados anteriormente ao novo modelo do setor elétrico (11/12/2003) é

consensual e depende apenas da observância, pelo concessionário, dos requisitos e

formalidades junto à Agência Nacional de Energia Elétrica.

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212

Já a segunda prorrogação, que com um maior rigor técnico, têm se chamado

de renovação da concessão, é controversa e consubstancia-se de uma das opções

que são cogitadas atualmente para serem aplicadas às concessões que têm

vigência prevista apenas até o ano de 2015.

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213

16. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA, POLÍTICA E SÓCIO-EC ONÔMICA

A Constituição Federal de 1988 criou um novo Estado brasileiro. Esse

Estado é decorrente da evolução histórica de seu povo, de seus costumes, de seus

anseios e de seus legítimos interesses.

A principal transformação ocorrida entre o regime anteriormente vigente nos

limites geográficos do Brasil e o novo regime instituído através da promulgação da

nova Carta Magna em 1988, foi a concepção de um Estado em que os seus

governantes são escolhidos através de um processo democrático e universal.

A concepção de um novo Estado, através de uma nova ordem geral

promulgada não significa que houve mudanças bruscas no comportamento do povo,

mas sim que foi legitimada a sua vontade, que já se manifestava através de seus

costumes e comportamentos, e que era diferente do que se tinha instituído nos

instrumentos legais da época. A instauração de um regime democrático em 1988 foi

nada mais do que a normatização da vontade do povo brasileiro, isto é, a vontade do

povo transformada em norma naquele momento.

Outra característica marcante do Estado brasileiro pós 1988 é a sua forma

de governo, a forma Republicana. Cabe destacar que a expressão República vem

do latim res publica e significa coisa pública. Isto foi legitimado pelo plebiscito que

ocorreu em 1993 e que retratou a vontade da grande maioria do povo brasileiro por

uma República Presidencialista.

O que se tem é que o Estado brasileiro criado pela Constituição de 1988 é

um Estado recente. É uma democracia recente. É uma República recente. Essas

afirmações são possíveis, pois se sabe que após a promulgação da nova Carta

Magna a coisa pública passou a ser tratada diferentemente. A Constituição de 1988,

que tem o poder de governar os governantes brasileiros, passou a exigir que a

República seja gerida de forma diferente.

A República como forma de governo tem sua sustentação na idéia de que os

governantes estão no poder apenas para gerir a coisa pública. Estatui que o poder é

legitimamente do povo, que os bens da União pertencem ao povo, que os bens do

Estado são coisa pública, que os governantes são colocados no poder para

exercerem mandatos, e que o poder que lhes é entregue através desse mandato

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214

continua a pertencer legitimamente ao povo. O titular desse poder é o povo, os

governantes apenas têm o mandato para exercê-lo durante certo período de tempo

e nos limites estabelecidos pela Constituição. Sendo assim, a utilização dos bens da

União não pode se dar através de livre disposição dos governantes, de acordo com

a vontade pessoal de quem está exercendo o poder momentaneamente. Deve ser

sempre observado o interesse público. A coisa pública deve ser gerida de acordo

com os interesses públicos, interesses estes que devem sempre prevalecer sobre o

interesse particular. Tais interesses constam expressa ou implicitamente na

Constituição Federal de 1988, são permanentes e têm poderes superiores aos

poderes temporários dos governantes.

Dentre os diversos poderes que são exercidos pela Administração Pública,

há que se destacar o Poder Concedente, que é a capacidade de transferir a

terceiros a prestação de certos serviços públicos e mesmo a exploração de

determinados bens públicos. O exercício do Poder Concedente pode ocorrer através

de alguns institutos jurídicos, dentre eles, cita-se, especialmente, o instituto jurídico

da outorga de concessão.

É através de concessão que a Administração Pública, ou seja, os

governantes que estão no poder, podem outorgar o direito de prestação de serviços

públicos mediante o uso de bens públicos.

A Administração Pública pode exercer seu Poder Concedente e pode

outorgar, através da concessão, direitos sobre os potenciais de energia hidráulica,

por exemplo, que são bens da União, legitimamente pertencentes à toda a

população brasileira, ou seja, que são res publica.

Os conceitos dos institutos jurídicos da concessão de uso de bem público e

da concessão da prestação de serviço público também são recentes nesse novo

Estado brasileiro. Isto, em que pese o instituto das concessões já existir, sob outra

configuração, no Estado pré 1988. O que se tem de recente é a forma como esse

instituto é tratado pela Carta Magna de 1988.

Esse novo Estado brasileiro foi precedido de um Estado Ditatorial com viés

socialista, que concebeu um regime de concessões completamente diferente do

instituto que hoje é aplicado. O instituto empregado à época preteria o capital

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privado em favor do estatal. Vivia-se uma filosofia diferenciada da atual no trato da

coisa pública.

Antes da publicação da Constituição de 1988 o conhecimento científico dos

institutos da concessão e da licitação, dentre outros, era visto sob outra ótica. Não

se trata de ter havido uma evolução ou melhoria nesses conceitos, mas sim uma

mudança de filosofia, notadamente na operacionalização do instituto da concessão

de serviço público.

O instituto jurídico da concessão modificou-se muito nos últimos anos,

principalmente com o amadurecimento das agências reguladoras e com o

conhecimento adquirido com as experiências do passado, no Brasil, e em outros

países que também se utilizam desse instituto.

Além da forma como são outorgadas as novas concessões para prestação

do serviço público de geração de energia elétrica no Brasil, os demais mecanismos

existentes no atual modelo do setor elétrico, como a forma de estruturação dos

concessionários de geração de eletricidade (Concessionário de Serviço Público,

Produtores Independentes de Energia Elétrica e Autoprodutores de Energia

Elétrica), os leilões de energia velha, os leilões de energia nova, o Ambiente de

Contratação Regulada e o Ambiente de Contratação Livre de energia elétrica,

refletem o aprendizado adquirido pela experiência brasileira no trato das concessões

e no trato da coisa pública.

16.1 EVOLUÇÃO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

A concepção e evolução do setor elétrico brasileiro, bem como suas

características são e foram intrinsecamente relacionadas ao momento político

vivenciado em cada época pelo Brasil. Os marcos dos regimes de governo no Brasil

caracterizam o espírito predominante em cada período.

A Figura a seguir esquematiza a relação entre os regimes de governo do

Brasil e o setor elétrico nacional.

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216

1820 1830 1850 1870 1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Constituição Constituição Const. Const. Constituição Const. Constituição Constituição1824 1891 1934 1937 1946 1967 1969 1988

CARACTERÍSTICAS DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

PR

IVA

DO

?

DITADURADEMO-CRACIA

REG. MILITAR DEM OCRACIA

REGIMES DE GOVERNO NO BRASIL

18

22

De

cl.

Ind

ep

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nci

a

18

89

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Go

lpe

de

19

30

AMBIENTE PREDOMINANTEMENTE PRIVADO

Go

lpe

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19

64

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o s

eto

r e

létr

ico

em

18

79

MONARQUIA DEMOCRACIA

AMBIENTE PREDOMINANTEMENTE

ESTATAL

FIGURA 5 - REGIMES DE GOVERNO DO BRASIL E O SETOR ELÉTRICO NACIONAL.

Logo após a Declaração da Independência do Brasil, em 1822, instaurou-se

no país um regime monárquico, período que teve início com a promulgação da

Constituição de 1824.

A idéia de energia elétrica não era nova na época. Muitas pessoas já

trabalhavam na área e desenvolviam formas de energia elétrica. Mesmo assim, até o

dia 21 de outubro de 1879, nada havia sido desenvolvido de forma a poder ser

utilizado domesticamente, como ocorreu com a primeira lâmpada elétrica, obra do

americano Tomas Alva Edison.

Com a invenção da lâmpada, a luz dos lampiões a gás passou aos poucos a

ser substituída por pequenas redes elétricas de iluminação, limitadas, inicialmente,

aos centros urbanos. Com isso, inaugurou-se uma nova época: a da utilização da

eletricidade como energia economicamente viável, pois antes as necessidades da

luz eram restritas, embora houvesse aplicação nas comunicações e na metalurgia.

No final do regime monárquico no Brasil é que o setor elétrico nacional foi

concebido, mais precisamente no ano de 1879, quando houve a inauguração da

iluminação elétrica na estação central da ferrovia Dom Pedro II (conhecida como

Central do Brasil), no Rio de Janeiro, alimentada por um dínamo, evento este que é

tido como o marco histórico inicial do setor elétrico nacional.

No final do século XIX e início do século XX o setor elétrico nacional evoluiu

lentamente e continuou a ser explorado em sistemas isolados pela iniciativa privada,

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217

com o domínio do capital internacional empregado na exploração e prestação dos

serviços públicos de eletricidade. As principais mudanças nesse período foram

políticas, mudanças de governo e de regimes de governo.

Necessário destacar a importante colaboração dispensada em prol do

desenvolvimento do Brasil, proporcionado pelo capital privado empregado na

construção da infra-estrutura de eletricidade colocada à disposição do povo

brasileiro.

No final do século XX e início do século XXI o Brasil continuou a

experimentar mudanças na ordem vigente e em sua política, no entanto, nesse

período também o setor elétrico enfrentou algumas modificações.

A Figura 9 ilustra essa situação e apresenta os principais marcos históricos

do setor elétrico brasileiro na segunda metade do século XX e início do século XXI.

1930 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

LeisCód. de Águas Eletrobrás Lei 9.074 10.847 e 10.848(1934) (1961) (1995) (2004)

1940

AMBIENTE PRIVADO

AMBIENTE PRIVADO

NOVO MODELO

AMBIENTE ESTATAL

FIGURA 6 - PRINCIPAIS MARCOS HISTÓRICOS DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO.

Como visto, desde a sua concepção, até meados do século XX o setor

elétrico foi dominado pelo capital privado. Em 1961 foi iniciada uma profunda

modificação no setor elétrico nacional. Tal modificação criou um ambiente

predominantemente estatal, ambiente este que permaneceu até o final do século

XX.

Nas décadas de 1960, 1970 e até meados da década de 1980 houve um

grande desenvolvimento de projetos hidrelétricos capitaneados pela iniciativa

estatal.

A Figura a seguir ilustra essa situação, pois no gráfico estão representados

os maiores empreendimentos hidrelétricos atualmente concessionados no Brasil

(exceto Itaipu), com a sua respectiva data de outorga de concessão.

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-

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

7.000

8.000

9.000

1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Data da Concessão

Pot

ênci

a In

stal

ada

(MW

) Concessões de Serviço Público não

onerosas

Ditadura Militar

Concessões onerosas

Pós desregula-mentação

Concessões onerosas

Novo Modelo

FIGURA 7 - MAIORES EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS DO BRASIL (ACIMA DE 100 MW E

EXCETO ITAIPU) E SUA RESPECTIVA DATA DE CONCESSÃO.

São exatamente estes empreendimentos cujas concessões tem prazo

previsto para terminarem em 2015, sendo o nosso objeto de análise.

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219

17. OS LEILÕES DE ENERGIA

O setor elétrico nacional está calcado nas figuras dos leilões de energia.

Os novos empreendimentos de geração de energia elétrica participam dos

chamados leilões de energia nova e os empreendimentos existentes, que estão em

operação comercial, participam dos chamados leilões de energia velha, ou de

energia existente. Analisaremos brevemente a sistemática de cada um deles a

seguir.

17.1 OS LEILÕES DE ENERGIA NOVA

Os “Leilões de Energia Nova” não são mais leilões de concessões, como no

modelo anterior, mas sim leilões de venda de energia. Nesses leilões, a outorga de

concessão estará assegurada àquele proponente que se comprometer a

comercializar a energia proveniente do novo empreendimento (a ser implantado)

pelo menor preço de venda.

No caso de novas usinas hidrelétricas, investidores se comprometem a

vender no “pool”, por até 30 anos, conforme prazo estipulado em edital, a energia

gerada por determinado empreendimento. O investidor que oferece o menor valor de

lance ganha o direito de vender a energia, e tal venda é associada ao contrato de

concessão do empreendimento, por até 35 anos. O contrato de concessão é

assinado com a União e os contratos de venda de energia são assinados com todas

as distribuidoras que declararam demanda para aquele leilão, de acordo com suas

cotas parte no volume total do leilão de energia.

Os leilões são feitos com 5 (cinco) e com 3 (três) anos de antecedência de

modo a permitir a implantação desses novos empreendimentos, daí a razão de se

chamarem A-5 e A-3 (leia-se A menos 5 e A menos 3). Em geral no leilão A-3 se

habilitam mais projetos de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) ou

empreendimentos de fonte térmica, mas isso não impede a participação desses

empreendimentos em leilões do tipo A-5, onde predominam os projetos de

hidrelétricas de médio e grande porte.

A Figura a seguir ilustra o cronograma de comercialização de energia no

Ambiente de Contratação Regulada.

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220

FIGURA 8 - CRONOGRAMA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA NO AMBIENTE DE

CONTRATAÇÃO REGULADA

17.2 OS LEILÕES DE ENERGIA EXISTENTE

Os “Leilões de Energia Existente” foram estabelecidos para as distribuidoras

contratarem energia elétrica oriunda de empreendimentos que já se encontram em

operação comercial.

Foram realizados grandes leilões de energia existente após a implantação

do novo modelo do setor elétrico a partir de 2004. Tais leilões foram realizados com

o objetivo de substituir os antigos contratos bilaterais realizados entre distribuidoras

e geradores.

Antes da realização desses leilões, e no modelo antigo do setor elétrico, os

contratos bilaterais eram negociados diretamente entre as distribuidoras e os

geradores, sendo que as distribuidoras podiam repassar os valores contratados, até

o limite estabelecido pelo agente regulador, para o consumidor cativo. O que se

verificou na época é que este modelo, na prática, não contribuía com a modicidade

tarifária.

Após a realização dos primeiros grandes leilões de energia existente,

passaram a ser realizados anualmente os leilões ditos A-1 (leia-se A menos um),

com o objetivo de recontratar a energia existente cujos contratos terminassem no

ano seguinte e fazer pequenos ajustes na demanda prevista pelas distribuidoras.

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221

Os leilões de energia existente, em sua concepção original foram

desenhados para que se fizessem apenas ajustes nas demandas previstas pelas

distribuidoras.

A garantia do suprimento para atendimento à expansão do consumo deve

ser contratada nos “Leilões de Energia Nova”, com uma maior antecedência.

A situação geral do suprimento de energia elétrica através dos grandes

contratos de comercialização de energia firmados em conseqüência dos leilões no

Ambiente de Contratação Regulada é ilustrada abaixo.

A Figura a seguir apresenta o resultado dos leilões de energia existente e de

energia nova realizados nos primeiros anos do novo modelo.

FIGURA 9 - RESULTADO DOS LEILÕES DE ENERGIA VELHA E DE ENERGIA NOVA REALIZADOS

ENTRE 2004 E 2008.

Destaca-se que para o melhor exercício de qualquer atividade econômica é

mister que haja planejamento. Dessa forma, tanto as empresas concessionárias que

têm suas concessões vincendas, quanto os agentes que planejam arrematar essas

concessões em certames licitatórios, e também as empresas distribuidoras de

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222

energia e os consumidores livres e cativos de uma forma geral necessitam de

previsibilidade.

O setor elétrico atual está calcado em uma estrutura que permite às

empresas distribuidoras de energia e os consumidores livres exercerem sua

liberdade de escolha em contratar energia com cinco anos de antecedência.

Nos certames de expansão do sistema, quais sejam os leilões A-5 e A-3 de

energia nova, a energia comercializada apresenta valor superior ao valor do custo

de geração da energia proveniente de aproveitamentos existentes.

A lógica do sistema de leilões de energia nova é de que os

empreendimentos de maior vulto, que proporcionam valores de energia mais

módicos, devem ser contratados com maior antecedência aos empreendimentos que

possuem valores mais altos para a venda de energia. Isso é correto, pois beneficia

quem mais cedo se planeja e age e também porque os maiores empreendimentos

demandam um maior prazo para sua implantação. Normalmente os leilões

realizados com cinco anos de antecedência, os chamados leilões A-5 tendem a

apresentar preços de comercialização de energia inferiores aos leilões realizados

com apenas 3 anos de antecedência.

Os leilões de ajuste, também chamados de leilões A-1, realizados um ano

antes do início do período de suprimento, pela lógica do sistema, tende a apresentar

valores médios de comercialização de energia superiores aos leilões de energia

nova (A-3 e A-5) e ainda mais altos do que os valores da energia proveniente de

empreendimentos com certo tempo de operação.

Isto posto, e por saber que a energia existente proveniente de

empreendimentos já amortizados e com ativos depreciados contabilmente tende a

ser a que apresenta o valor mais módico, acredita-se ser adequado que os certames

de energia existente, principalmente os que envolvam grandes quantidades de

energia a serem recontratadas, sejam realizados com maior antecedência do que os

de energia nova.

Os leilões das concessões de aproveitamentos existentes deveriam ocorrer,

almeja-se, no mínimo, com cinco anos de antecedência à data de extinção da

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223

concessão, o que hoje já é inexeqüível para as concessões que têm prazo de

término previsto para 2015.

A definição para a questão objeto de análise no presente trabalho deve

ocorrer urgentemente.

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18. RESERVA GLOBAL DE REVERSÃO - RGR

A Reserva Global de Reversão - RGR foi criada em 1957, no período onde

as concessões para a exploração de bens públicos para a geração de

hidreletricidade não eram realizadas a título oneroso, e também não eram realizadas

através de leilões públicos.

O objetivo primordial era utilizar estes recursos para o pagamento das

indenizações quando da reversão dos bens públicos para a União, findo o prazo

para a exploração da concessão outorgada a agentes que implantaram e exploram

os empreendimentos e que se utilizam de bens públicos, patrimônio da União.

Os regimes anteriores ao novo modelo, grosso modo conceberam

concessões para exploração de potenciais hidráulicos por um prazo de 30, 35 ou 50

anos, sendo previsto expressamente, para alguns casos, uma prorrogação.

O regime de concessões do atual modelo do setor elétrico prevê o prazo de

35 anos para a exploração econômica da concessão para prestação do serviço

público de geração de energia elétrica mediante o uso de um bem público, sem a

previsão de prorrogação de prazo.

O que se desenhou com a RGR e com os prazos estabelecidos para a

exploração dos serviços públicos concessionados é a reversão para a União de

todos os bens ligados a exploração findo o respectivo prazo de concessão.

As concessões oriundas de processos de privatização ou as de novas

usinas outorgadas até a publicação da Lei nº 10.848/2004 terão seus prazos de

vigência com vencimento a partir da segunda metade da década de 2020 e,

segundo a legislação atual, poderão ser prorrogadas por mais 20 anos. Acredita-se

que no advento do termo contratual de tais empreendimentos todos os investimentos

inerentes à exploração do mesmo já se encontrem completamente amortizados.

O que se têm na prática é o casamento da utilização dos recursos da RGR

no momento em que estarão terminando as concessões outorgadas nas décadas de

1960, 70, 80 e 90.

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19. OS PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO N ACIONAL

BRASILEIRO

Atualmente se encontram em tramitação no Congresso Nacional brasileiro

alguns projetos de lei tratando do tema da renovação das concessões de geração de

energia elétrica.

Dois dos projetos de lei estão apresentados e comentados a seguir.

19.1 PROJETO DE LEI Nº 4.154/2008

O Projeto de Lei nº 4.154/2008 está atualmente em tramitação na Câmara

dos Deputados e foi proposto pelo Excelentíssimo Deputado Eduardo Valverde.

O Projeto propõe alterações na Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, que

“estabelece normas para a outorga e prorrogações das concessões e permissões de

serviços públicos e dá outras providências”.

Inicialmente, o projeto sugere a inclusão do art. 19-A à referida Lei, de forma

a permitir, excepcionalmente, a prorrogação das concessões de geração de energia

elétrica por mais 15 anos após o prazo previsto no art. 19 da norma legal em vigor e

interromper a concessão caso o controle acionário da concessionária seja alterado.

Em seguida, propõe a prorrogação por mais 10 anos das concessões de

distribuição de energia elétrica, conforme o art. 22-A do Projeto de Lei.

Por fim, propõe a inclusão de art. 23-B com o objetivo de “determinar a

regularização das permissões concedidas às cooperativas de eletrificação rural,

examinando suas situações de fato como prestadoras de serviço público...”.

Segue transcrito o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.154/2008, emitido pela

Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural,

quando de sua análise do Projeto de Lei.

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI No 4.154, DE 2008

Inclui os arts. 19-A e 22-A e dá nova redação ao § 1º do art. 23 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, que “estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências”.

O Congresso Nacional decreta:

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Art. 1º A Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, fica acrescida dos seguintes artigos 19-A e 22-A.

“Art. 19-A. A União prorrogará as concessões de geração de energia elétrica, alcançadas pelo artigo 42 da Lei nº 8.987, de 1995, excepcionalmente, por mais 15 anos, contados após o término do prazo previsto no artigo 19 da Lei nº 9.074, de 1998, desde que requerida a prorrogação pelo concessionário, permissionário ou titular de manifesto ou de declaração de usina termelétrica, observados o disposto nos artigos 19 e 25 da Lei nº 9.074, de 1998.

Parágrafo único. A prorrogação das concessões não perdurará se o controle acionário da concessionária for alterado após o término do prazo estabelecido no artigo 19 da Lei nº 9.074, de 1995.

Art. 22-A. As concessões de distribuição de energia elétrica alcançadas pelo artigo 42 da Lei nº 8.987, de 1995, serão excepcionalmente prorrogadas por mais 10 anos, contados após o término do prazo estabelecido pelo §2º do artigo 22 da Lei nº 9.074, de 1995, por solicitação do concessionário ou iniciativa do poder concedente.(NR)”

Art. 2º O parágrafo único do art. 40 da Lei nº 8.987, de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 40 ........................................

Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei, exceto às cooperativas de eletrificação rural permissionárias de distribuição de energia elétrica, que contarão com legislação própria .(NR)”

Art. 3º O art. 23 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 23 ........................................

§ 1º Constatado em processo administrativo que a cooperativa exerce, em situação de fato ou com base em permissão anteriormente outorgada, atividade de comercialização de energia elétrica a público indistinto localizado em sua área de atuação, o poder concedente promoverá a regularização da permissão, preservado o atual regime jurídico próprio das cooperativas.

.................................................

§ 3º Para as cooperativas de eletrificação rural, autorizadas ou permissionárias de distribuição de energia elétrica:

I – o prazo para contratação dos serviços será por tempo indeterminado;

II - o fornecimento e o suprimento de energia elétrica far-se-á por meio de usina hidrelétrica pertencente ao sistema Eletrobrás e pelo custo de geração;

III - a cobrança dos encargos do setor elétrico relativos à permissão terão redução de 50% (cinquenta por cento) na sua base de cálculo;

IV - não se aplica a determinação para a constituição de conselho de consumidores.

§ 4º Os benefícios tarifários previstos nos incisos II e III, do § 3º deste artigo correrão às custas do Tesouro Nacional e serão consignados no Orçamento Geral da União. (NR)”

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

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Sala da Comissão, em de de 2009.

Deputado DILCEU SPERAFICO

Relator

Conforme exposto, o Projeto de Lei nº 4.154/2008 ainda se encontra em

tramitação na Câmara dos Deputados e ainda necessita de aprovação por diversas

comissões daquela casa legislativa.

Importante destacar que o projeto de lei em tela tende a adotar a solução de

renovação das concessões vincendas para o atual proprietário, de forma

excepcional, ou seja, não se estabeleceria uma ordem jurídica a ser aplicada a todos

os casos futuros de término das concessões.

Sendo assim, mesmo que a opção adotada pelo Governo Federal para a

questão seja a de renovação das concessões para os atuais concessionários e que

seja adotada a linha defendida pelo projeto de lei em tela, tal projeto carecerá de

adequações e complementações, além de necessitar regulamentação que discipline

a operacionalização de todos os aspectos referentes ao processo de renovação das

concessões.

Ademais, o destino de outras concessões que viriam a se exaurir no futuro

não estariam disciplinadas com tal projeto de lei, que apenas excepciona as

concessões que terminarão em 2015. Se tal projeto de lei for aprovado e vier a se

transformar em lei, como está proposto atualmente, o problema da lacuna legislativa

em como se proceder quando do término do prazo contratual da concessão

continuaria a existir, somente teria sua solução postergada para outro momento.

19.2 PROJETO DE LEI Nº 5.438/2009

O Projeto de Lei nº 5.438/2009 proposto na Câmara dos Deputados pelo

Excelentíssimo Deputado Paulo Rattes, em 17 de junho de 2009, está em tramitação

naquela casa e foi proposto com a justificativa apresenta a seguir.

Em razão da atual conjuntura setorial, e considerando as dificuldades de viabilizar a reversão das concessões de geração de energia elétrica vincendas, contratadas em data anterior a 11 de dezembro de 2003, é importante que se permita ao Poder Concedente prorrogar

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tais concessões, definindo desde já o tratamento a ser dado a tais concessões e à conseqüente recontratação da energia de tais empreendimentos.

A solução de pendências relativas ao tema é urgente, dadas as incertezas profundas que afligem os agentes do setor e atingem inclusive as expectativas de expansão da oferta e a vida financeira das corporações no mercado aberto.

Desta forma, propõe-se que seja permitida a prorrogação do prazo das concessões de geração de energia elétrica, em razão das facilidades relativas à continuidade do processo de operação e manutenção das usinas e à forma de comercialização da energia.

Contudo, a solução definitiva para a prorrogação do prazo das concessões deve estar atrelada e condicionada à definição de regras e procedimentos específicos para a reconcentração da energia, bem como para os futuros leilões de compra de energia provenientes destes empreendimentos de geração.

O texto completo do Projeto de Lei nº 5.438/2009 é transcrito abaixo.

PROJETO DE LEI Nº 5.438, DE 16 DE JUNHO DE 2009.

(Do Senhor Paulo Rattes)

Dispões sobre a prorrogação das concessões de geração de energia elétrica, anteriores a 11 de dezembro de 2003, e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º As concessões de geração de energia elétrica anteriores a 11 de dezembro de 2003 terão o prazo necessário à amortização dos investimentos limitado a 35 (trinta e cinco) anos, contados da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo o prazo, a critério do Poder Concedente, ser prorrogado por até duas vezes consecutivas, devendo cada prorrogação ser limitada a 20 (vinte) anos, observadas, além das condições estabelecidas nos contratos, as seguintes condições e requisitos.

I – Manutenção das obrigações contratuais pré-existentes quando da prorrogação do prazo das concessões, inclusive no que tange aos contratos de compra e venda de energia já firmados;

II – Comprovação da competência, eficiência e prestação de serviço adequado pelo concessionário;

III – Obrigação de re-investimento no propósito da concessão;

IV – A energia proveniente dos empreendimentos deverá ser disponibilizada no ambiente de comercialização regulada e no ambiente de comercialização livre, a tarifas e preços competitivos, garantida a isonomia de atendimento entre consumidores cativos e livres;

V – Eventual benefício a ser pago pelas concessionárias ao Poder Concedente em decorrência da prorrogação de seus contratos de concessão deverá ser utilizado em sua totalidade no setor elétrico, por meio de abatimento da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão – TUST.

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Art. 2º A metodologia de precificação da energia proveniente dos empreendimentos de que trata o art. 1º deverá ser fixada de forma transparente, devendo os leilões de compra e venda da energia proveniente destes empreendimentos estabelecerem o custo referencial para os ativos de geração de energia, compostos pelas seguintes parcelas:

I – Custo da geração;

II – Remuneração de ativos, inclusive reforços na concessão e expansão;

III – Recuperação do passivo da dívida.

Art. 3º Fica garantida a participação dos consumidores livres, de forma individual ou por meio de consórcio de empresas compradoras, nos leilões a serem realizados para compra e venda de energia proveniente dos empreendimentos cuja concessão for prorrogada na forma do art. 1º.

Parágrafo único. Os editais dos leilões de que trata o caput deverão conter a minuta do contrato padrão a ser firmado pelos consumidores e consórcios, e deverá definir os montantes de referência e garantias a serem por eles apresentadas.

Art. 4º A prorrogação dos contratos de concessão deverá priorizar a modicidade de tarifas e preços aos consumidores cativos e livres.

Art. 5º Fica revogado o § 2º do art. 4º da Lei nº 9.074, de 07 de junho de 1995.

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação [10].

Da mesma forma que o Projeto de Lei nº 4.154/2008, o Projeto de Lei nº

5.438/2009 ainda se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados e ainda

necessita de aprovação por diversas comissões daquela casa legislativa.

Importante destacar que o projeto de lei em tela também tende a adotar a

solução de renovação das concessões vincendas para o atual proprietário, de forma

excepcional, ou seja, não se estabeleceria uma ordem jurídica a ser aplicada a todos

os casos futuros de término do prazo das concessões. O Projeto de Lei nº

5.438/2009 altera a legislação em vigor, no sentido de que, onde está prevista uma

única prorrogação pelo prazo de 20 anos, seja possível duas prorrogações de igual

prazo, totalizando 40 anos de prorrogação de prazo.

Sendo assim, mesmo que a opção adotada pelo Governo Federal para a

questão seja a de renovação das concessões para os atuais concessionários e que

seja adotada a linha defendida pelo projeto de lei em tela, tal projeto carecerá de

adequações e complementações, além de necessitar regulamentação que discipline

a operacionalização de todos os aspectos referentes ao processo de renovação das

concessões.

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Ademais disto, o destino de outras concessões que viriam a se extinguir no

futuro não estariam disciplinadas com tal projeto de lei, que apenas posterga a

discussão da solução para a questão para um outro momento.

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20. O REGIME DE CONCESSÕES DE POTENCIAIS HIDRÁULICO S EM OUTROS

PAÍSES

Diversos países se utilizam do instituto de concessões para a exploração de

seus potenciais hidráulicos.

Alguns países iniciaram a exploração de seus potenciais hidráulicos em um

período histórico anterior àquele onde o Brasil iniciou a exploração dos seus próprios

potenciais. Em decorrência disso, alguns países já vivenciaram o problema de

advento do termo contratual, prorrogação e de renovação de concessões para

exploração de seus bens públicos.

Além dos países que já vivenciaram a questão, existem outros países que,

mesmo não tendo passado por tal processo, já têm disciplinado em seu

ordenamento o destino a ser dado à concessão de serviço público findo o prazo

original de sua exploração.

Segue um resumo do regime de concessões de potenciais hidráulicos

adotado em alguns países.

- Portugal: a concessão pode ter até 75 anos e pode ser licitada através de

concurso público ou, no caso de empresas estatais, ser atribuída diretamente

através de Decreto-Lei, sem necessidade de licitação. O critério de definição do

vencedor do concurso público é a maior quantia ofertada pela concessão. Após o fim

da concessão, pode haver prorrogação por períodos curtos (menores que 5 anos)

até a realização de novo concurso público ou os bens podem ser revertidos ao

Estado. O atual titular possui direito de preferência nesse concurso público, desde

que se sujeite às condições da proposta selecionada. Em caso de aumento da

capacidade instalada, a concessão poderá ser prorrogada através de parâmetros

pré-estabelecidos e desde que o prazo total seja inferior a 75 anos. Nesse caso é

utilizada a seguinte fórmula: Prorrogação = (duração da concessão original - tempo

restante da concessão) x (reforço da potência / potência inicial).

- Espanha: as concessões podem ser exploradas por até 75 anos e a

escolha da continuidade da exploração pelo concessionário é de caráter discricional

do poder concedente. Após o término do prazo da concessão os bens são revertidos

para o Estado. A escolha de novo concessionário também possui caráter

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discricional. Atualmente a União Européia exerce pressão para que a Espanha adote

sistema licitatório em substituição ao caráter discricional.

- França: as concessões possuem até 75 anos e qualquer empresa pode

solicitar uma nova concessão, se tiver capacidade técnica e financeira para explorar

a concessão, porém não existem novos potenciais hidráulicos para serem

concedidos. Nas concessões existentes, há preferência para o atual detentor da

concessão que deve solicitar renovação 10 anos antes do vencimento. A União

Européia está pressionando a França para que adote sistema licitatório.

- Noruega: O poder público pode vender as concessões de usinas a

investidores privados por 60 anos. Após esse prazo, passam ao controle público. As

usinas pertencentes ao Estado possuem concessão perpétua.

- Estados Unidos: as concessões podem ter prazo de vigência de 30 anos

(usinas existentes que necessitem de pouco ou nenhum novo investimento) a 50

anos (usinas novas e usinas existentes que necessitem de muitos investimentos).

São adotados três procedimentos diferentes, sendo utilizado preferencialmente o

"Integrated Licensing Process" que, grosso modo, trata da concessão para a

exploração do empreendimento juntamente com o respectivo licenciamento

ambiental e a consideração dos usos múltiplos da água. Para obter a licença o

empreendedor deverá ter direito ao uso d’água. A legislação sobre o direito ao uso

d’água varia conforme o Estado. Quase a totalidade das barragens existentes nos

Estados Unidos tem como principais funções o abastecimento público e irrigação,

por isso são patrimônios dos Estados. Grosso modo, findo o prazo de vigência da

concessão original, o empreendimento de geração de energia elétrica, considerando

os usos múltiplos da água, passa ao controle estatal.

- Venezuela: as concessões possuíam prazos de até 30 anos, porém está

sendo realizado atualmente um processo de estatização de várias empresas

privadas que passam a integrar a CEN - Corporación Eléctrica Nacional, empresa

estatal que deterá as ações de todas as empresas de geração de eletricidade

estatais.

- África do Sul: as concessões não têm prazo definido e são monopólio da

estatal Eskom Holdings Ltd. Como existe um monopólio estatal na exploração dos

bens públicos não há o que se falar em término das concessões. Atualmente está

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sendo realizada uma abertura do mercado de geração, com a possibilidade de

empresas se associarem à estatal Eskom.

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21. O GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO - O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele

compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da

Constituição Federal (STF, 2011, s/pg.)

O Supremo Tribunal Federal é composto por onze Ministros, brasileiros

natos (art. 12, § 3º, IV, da CF/88), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e

menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101

da CF/88), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha

pela maioria absoluta do Senado Federal (STF, 2011, s/pg.)

Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória

de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a argüição de

descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a

extradição solicitada por Estado estrangeiro (STF, 2011, s/pg.)

O Supremo Tribunal Federal era composto por quinze Juízes, nomeados

pelo Presidente da República com posterior aprovação do Senado. A instalação

ocorreu em 28 de fevereiro de 1891, conforme estabelecido no Decreto n.º 1, de 26

do mesmo mês (STF, 2011, s/pg.)

Após a Revolução de 1930, o Governo Provisório decidiu, pelo Decreto n.º

19.656, de 3 de fevereiro de 1931, reduzir o número de Ministros para onze (STF,

2011, s/pg.)

A Constituição de 1934 mudou a denominação do órgão para “Corte

Suprema” e manteve o número de onze Ministros, dele tratando nos artigos 73 a 77

(STF, 2011, s/pg.)

A Carta de 10 de novembro de 1937 restaurou o título “Supremo Tribunal

Federal”, destinando-lhe os artigos 97 a 102 (STF, 2011, s/pg.)

Em 21 de abril de 1960, em decorrência da mudança da capital federal, o

Supremo Tribunal Federal transferiu-se para Brasília. Está sediado na Praça dos

Três Poderes, depois de ter funcionado durante 69 anos no Rio de Janeiro (STF,

2011, s/pg.)

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No período do regime militar, o Ato Institucional n.º 2, de 27 de outubro de

1965, aumentou o número de Ministros para dezesseis, acréscimo mantido pela

Constituição de 24 de janeiro de 1967. Com base no Ato Institucional n.º 5, de 13 de

dezembro de 1968, foram aposentados, em 16 de janeiro de 1969, três Ministros

(STF, 2011, s/pg.)

Posteriormente, o Ato Institucional n.º 6, de 1º de fevereiro de 1969,

restabeleceu o número de onze Ministros, acarretando o não-preenchimento das

vagas que ocorreram até atendida essa determinação (STF, 2011, s/pg.)

Com a restauração da democracia, a Constituição ora vigente, promulgada

em 5 de outubro de 1988, realçou expressamente a competência precípua do

Supremo Tribunal Federal como guarda da Constituição, dedicando-lhe os artigos

101 a 103 (STF, 2011, s/pg.)

Destaca-se que é ao Supremo que caberá o julgamento quanto à

constitucionalidade da solução adotada pelos legisladores brasileiros quanto a

destinação das concessões de usinas hidrelétricas findo o seu prazo contratual, o

que o deverá fazê-lo de acordo com os princípios que regem a questão.

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236

22. AS PROPOSTAS QUE SE COGITAM ATUALMENTE PARA SOL UÇÃO DA

QUESTÃO

22.1 RENOVAÇÃO DAS CONCESSÕES X REVERSÃO DOS ATIVOS E

ASSUNÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS PELA UNIÃO OU REALIZAÇÃO DE

LICITAÇÃO PARA DEFINIÇÃO DE UM NOVO CONCESSIONÁRIO

Basicamente existem duas correntes defendidas pelos autores que discutem

o assunto a respeito da solução a ser adotada para as concessões que estão por se

extinguir nos próximos anos.

Uma corrente defende a manutenção das concessões com os seus atuais

concessionários, através de uma prorrogação do instrumento de outorga existente, e

a inerente alteração da legislação pertinente.

Outra corrente de autores defende a reversão dos ativos de geração de

energia elétrica e a assunção da prestação do serviço público pela União ou a

realização de licitação para a escolha do agente que terá o direito de explorar esses

empreendimentos por um novo período de concessão.

Essa última corrente apresenta duas variantes, que também carecem de

regulamentação infraconstitucional, quais sejam:

(i) a manutenção dos ativos revertidos no patrimônio da União, com os

serviços de operação e manutenção dos empreendimentos sendo realizados por um

órgão ou entidade do Poder Concedente ou contratados de terceiros; ou

(ii) a outorga de concessão para prestação do serviço público mediante a

exploração do empreendimento a um novo concessionário.

Apresentar-se-á a seguir um detalhamento das principais vantagens e

desvantagens visualizadas em cada uma das opções que se cogitam atualmente

para a solução da questão.

22.1.1 Oportunidade para a Devolução de Concessões Indesejadas

Podem existir alguns casos em que os concessionários que atualmente

exploram empreendimentos hidrelétricos entendam que tais concessões não se

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237

apresentam mais lucrativas, ou mesmo casos onde tais empresas não tenham mais

o interesse em mantê-las. É o caso onde poderiam ser aplicadas as formas de

extinção da concessão conhecidas como rescisão ou falência ou extinção da

empresa concessionária.

Atualmente, se uma empresa não mais quiser manter uma concessão têm

de rescindir o contrato e devolvê-la à União, mas não simplesmente devolver a livre

disponibilidade do bem público à União, e sim fazê-lo de forma que não se onere a

coisa pública. A concessão deve ser devolvida equacionada de forma econômico-

financeira, o que faz com que o concessionário continue explorando a mesma na

tentativa de alterar a condição de inviabilidade, pois, caso contrário, poderia vir a ser

obrigado a devolvê-la sim, mas ainda arcar com ressarcimento a União pelo

abandono da prestação do serviço público.

Ocasionalmente as concessões indesejadas poderiam acarretar em prejuízo

para toda a sociedade, tendo em vista que as atitudes do concessionário com

grande probabilidade se traduziriam em malefícios ao meio ambiente diretamente

impactado pelo empreendimento, tanto sob a ótica social como física e biológica.

A reversão dessas concessões para a União e a participação em um novo

processo licitatório é uma solução plausível para a resolução desses casos. É

evidente que isso ocorrerá sobre o custo que deverá ser arcado pela União para o

pagamento de indenização pela reversão dos bens ainda não amortizados.

O advento do termo contratual com o término do prazo de vigência da

concessão é a oportunidade para o concessionário se livrar das concessões que

porventura sejam indesejadas.

Com a equalização dos problemas econômico-financeiros, os próprios

agentes detentores da antiga concessão poderiam vir a participar novamente do

processo de licitação da concessão, do mesmo bem público ou de um novo

empreendimento para a expansão da sua oferta de energia elétrica.

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238

22.2 RENOVAÇÃO (NOVA PRORROGAÇÃO) DAS CONCESSÕES PARA OS

ATUAIS CONCESSIONÁRIOS

A idéia central dessa opção é a manutenção das concessões com os atuais

concessionários.

A forma de operacionalização da manutenção das concessões com os seus

atuais agentes se daria através de uma nova prorrogação do instrumento de outorga

que está atualmente em vigor.

22.2.1 Uma única prorrogação adicional da concessão para o atual concessionário

Para adoção desta opção seria necessário realizar adequação das normas

legais de forma a possibilitar uma prorrogação adicional, além daquela primeira

prorrogação por 20 anos prevista na legislação atual, para as concessões

outorgadas antes de 11 de dezembro de 2003.

Nesse caso, todas as concessões de usinas hidrelétricas seriam passíveis

de serem fruídas pelo seu período de vigência original e adicionalmente por dois

períodos de prorrogação de prazo, de 20 anos cada um, por exemplo.

Essa opção resolve temporariamente o problema a ser enfrentado no ano de

2015, mas não enfrenta a essência da questão em tela, que é a questão de se obter

uma definição sobre o destino de tais concessões quando do término do prazo de

vigência e advento do termo contratual. Essa opção apenas adiaria a decisão sobre

o destino das concessões para outra data no futuro.

Tal nova disciplina, seguindo a filosofia de renovação das concessões,

poderia se dar da forma descriminada a seguir.

22.2.2 Renovações sucessivas da concessão para o atual concessionário

Nesta opção, os dispositivos infraconstitucionais deveriam ser adequados de

forma a possibilitar que ocorram prorrogações sucessivas, por prazos determinados,

dos direitos de prestação de serviço público mediante exploração das usinas

hidrelétricas em operação.

Como exposto anteriormente, se for definido que cada período de

prorrogação deva ser outorgado para um prazo adicional de 20 anos, ter-se-ia que, a

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239

cada 20 anos a Agência Reguladora, por solicitação do agente interessado, poderia

vir a prorrogar a concessão para o mesmo concessionário novamente.

Existem vários critérios para a realização desta nova prorrogação do prazo

de vigência das concessões, conforme se verá a seguir.

22.2.3 Critérios possíveis para a renovação das concessões

Caso seja definido pela solução de renovação (uma ou mais prorrogações

sucessivas) dos atuais contratos de concessão, tais procedimentos poderão se dar

nas mesmas condições contratuais atuais (Concessionário de Serviço Público sem

onerosidade) ou com a transformação das outorgas em concessões onerosas para o

concessionário.

A prorrogação, no caso de ser onerosa, poderá ser concedida através de

várias formas. Seguem algumas delas:

- Pagamento fixo pelo uso do bem público: nesse caso, o concessionário

passará a pagar um valor que será definido pelo Poder Concedente pelo uso do

potencial hidráulico e poderá dar a destinação para a energia a ser gerada pelo

empreendimento da melhor forma que lhe convier, tanto no ambiente regulado,

quanto no livre;

- Pagamento pelo uso do bem público vinculado à comercialização da

energia elétrica: nesse casso, o concessionário deverá pagar à União um percentual

pré-definido da receita a ser advinda pela comercialização da energia elétrica; tal

montante seria utilizado como contribuição para a modicidade tarifária e serviria para

diminuir os encargos incidentes sobre o preço da energia que será pago pelo

consumidor final.

- Obrigatoriedade da comercialização em Leilões do ACR com preço teto

estabelecido pelo Poder Concedente: nesse caso, o concessionário seria obrigado a

comercializar toda ou parte da energia elétrica gerada pelo empreendimento em

Leilões de Energia Existente, no âmbito do ambiente de contratação regulada, por

um preço teto estabelecido pelo Poder Concedente; haveria competição entre

agentes e a energia poderia ser comercializada por valores abaixo do preço teto

estabelecido para o respectivo leilão;

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240

- Venda no ACR a preços pré-definidos pelo Poder Concedente: nesse caso,

o Poder Concedente pré-definiria um preço de venda no ambiente de contratação

regulada para toda ou parte da energia elétrica gerada pelo empreendimento;

poderia ser utilizada uma metodologia semelhante à empresa de referência definida

para os agentes de distribuição; o agente seria remunerado então pela tarifa definida

pelo Poder Concedente e, eventualmente, pela receita advinda de parte da energia

que poderia ser destinada ao ACL; a atividade de geração de energia elétrica, nesse

caso, deixaria de ser exercida em um ambiente competitivo para se tornar uma

atividade altamente regulada como a distribuição e a transmissão de energia

elétrica.

Destaca-se que tais variantes da opção pela renovação da concessão para o

atual concessionário podem ser adotadas separadamente ou combinadas entre si e

também podem existir outros critérios para o estabelecimento de uma prorrogação

onerosa das atuais concessões de serviço público de geração.

A prorrogação, no caso de continuar a ser não onerosa, também poderá

ocorrer através de várias formas. Seguem algumas delas:

- Simples prorrogação de prazo: nesse caso o concessionário poderia dar a

destinação que melhor lhe convier para a energia que será gerada pelo

empreendimento. O concessionário poderia obter melhores resultados tendo em

vista não ser onerado pelo pagamento de um montante a título de uso do bem

público para a União.

- Obrigatoriedade da comercialização em Leilões do ACR com preço teto

estabelecido pelo Poder Concedente: é muito semelhante à mesma modalidade

prevista para o caso de a concessão ser onerosa; nesse caso, o concessionário

seria obrigado a comercializar toda ou parte da energia elétrica gerada pelo

empreendimento em Leilões de Energia Existente, no âmbito do ambiente de

contratação regulada, por um preço teto estabelecido pelo Poder Concedente e que

seria menor do que aquele valor caso a concessão fosse onerosa;

- Venda no ACR a preços pré-definidos pelo Poder Concedente: também é

muito semelhante à mesma modalidade prevista para o caso de a concessão ser

onerosa; nesse caso, o Poder Concedente pré-definiria um preço de venda no

ambiente de contratação regulada para toda ou parte da energia elétrica a ser

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241

gerada pelo empreendimento; tal tarifa teria valor inferior àquele caso a concessão

fosse onerosa; da mesma forma, poderia ser utilizada uma metodologia semelhante

à empresa de referência definida para os agentes de distribuição; o agente seria

remunerado então pela tarifa definida pelo Poder Concedente e, eventualmente,

pela receita advinda de parte da energia que poderia ser destinada ao ACL; a

atividade de geração de energia elétrica, nesse caso, deixaria de ser exercida em

um ambiente competitivo para se tornar uma atividade altamente regulada; nesse

caso os valores praticados pela comercialização da parte da energia que seria

destinada ao mercado regulado poderiam ser inferiores à forma similar se a

concessão for transformada em onerosa.

22.2.4 Argumentos a favor e contra a renovação - vantagens e desvantagens

Os principais argumentos favoráveis a renovação do prazo das concessões

das usinas hidrelétricas são:

- a garantia de fornecimento de energia elétrica para o período após 2015;

- o direcionamento de investimentos dos agentes de geração para a

implantação de novos empreendimentos e para atendimento à crescente demanda e

não para aquisição de ativos existentes;

- o estímulo à continuidade dos investimentos na manutenção,

modernização e repotenciação das usinas em operação e a garantia da segurança e

da minimização de riscos associados a tais empreendimentos;

- o custo para reversão à União dos ativos não depreciados e dos

investimentos não amortizados nesses empreendimentos;

- a política tarifária utilizada até o início da década de 1990, que não permitiu

a amortização dos investimentos realizados na implantação de alguns

empreendimentos;

- a segurança para os acionistas das empresas que atualmente detém tais

concessões;

- o fomento à formação e manutenção de mão-de-obra especializada para

operação e manutenção desses empreendimentos;

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242

- a possibilidade de existência de contratos de venda de energia elétrica no

âmbito do ACR que possuam vencimento após o término do prazo de concessão;

- a impossibilidade atual de contratação dessa energia no ACL para o

período após o vencimento da concessão;

- além da modicidade tarifária.

Um argumento muito utilizado pelos autores que defendem a prorrogação

das concessões aos atuais prestadores do serviço público é a garantia de

fornecimento de energia elétrica para o período após 2015, pois se teme que, caso

não seja o mesmo agente que atualmente explora o empreendimento a dar

continuidade aos serviços, a União, ao assumir a prestação de tais serviços, ou

outro agente, para o caso de ser licitado novamente o direito de exploração do

empreendimento, não teriam condições de operacionalizar a continuidade dos

serviços de modo seguro de forma a garantir o suprimento de energia elétrica para o

consumidor final. Há que se lembrar que seria necessária a contratação de um

grande contingente de profissionais para a operação e manutenção desses

empreendimentos por um eventual novo concessionário.

Da mesma forma acredita-se que caso essas concessões não sejam

renovadas para os atuais concessionários, os recursos que poderiam ser

direcionados ao desenvolvimento e implantação de novos empreendimentos de

geração para expansão da capacidade de suprimento de energia ao país, seriam

desviados para a obtenção de concessões de empreendimentos já em operação.

Importante destacar que esse argumento apenas se mostra válido caso a opção a

se confrontar, seja a de licitar novamente a concessão e que o critério utilizado para

a escolha do novo concessionário nesses certames seja o de maior pagamento pela

concessão, ou melhor, o de pagamento de maior valor a título de uso do bem

público.

Outro argumento que encontra bastante fundamento são os altos custos

para a reversão dos ativos dos empreendimentos em prol da União. A maior parte

desses custos são devidos aos prazos de depreciação dos ativos serem, algumas

vezes, superiores ao prazo de operação da usina e a outros investimentos

realizados durante o prazo de concessão que não estejam completamente

depreciados e amortizados. Dessa forma, em 2015, no término do prazo da atual

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243

concessão, tais ativos não se encontrarão completamente depreciados e os

investimentos não estarão completamente amortizados. Tal situação acarretará no

empenho de grandes volumes de recursos da União para a concretização da

reversão de tais ativos.

Porém, lembra-se que para o ressarcimento de investimentos não

depreciados e/ou amortizados até o término da concessão, existe a previsão da

utilização dos recursos da Reserva Global de Reversão - RGR, conforme já descrito.

A possibilidade de não continuidade da atual concessão acarreta na falta de

estímulo para investimentos em manutenção, modernização e repotenciação das

usinas e na formação e manutenção de mão-de-obra especializada para operação e

manutenção, bem como da garantia da segurança e da minimização de riscos

associados a tais empreendimentos. Isso ocasionará perda ou diminuição da

confiabilidade para o setor elétrico brasileiro, perda da energia proveniente de

possível repotenciação da usina e falta de mão-de-obra especializada.

Os riscos associados aos empreendimentos hidrelétricos, principalmente os

relacionados a eventuais rompimentos de barragens, são muito significativos e de

alto impacto quando da eventualidade de sua ocorrência. A falta de certeza do

concessionário se irá continuar a explorar a concessão de determinado

empreendimento pode acarretar em diminuição do zelo no trato das atividades de

operação e manutenção relacionadas a estes riscos. Este é um fator crítico na

definição sobre as concessões e na atuação da fiscalização por parte da Agência

Reguladora.

Deve ser considerada também a política tarifária para o setor de energia

elétrica utilizada nas décadas de 1970 e 1980. Argumenta-se que as tarifas definidas

para o período não possibilitaram às empresas geradoras a obtenção do retorno

financeiro pelo investimento na implantação dos empreendimentos.

A indefinição sobre o destino das concessões dificulta o estabelecimento dos

preços de ações das atuais concessionárias. Caso essas concessões não sejam

prorrogadas, os valores de várias empresas serão drasticamente reduzidos e

algumas delas podem se tornar inviáveis. Porém, a prorrogação de concessões

cujos benefícios já foram usufruídos pelos atuais detentores, pode caracterizar a

apropriação indevida de bens públicos por esses agentes.

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244

Os empreendimentos existentes podem, no âmbito do ACR, comercializar

energia por prazos superiores ao da concessão. Nesse caso, o próximo

concessionário será responsável pelo cumprimento de tais contratos. A existência

desses contratos dificultará a realização de leilão da concessão pelo menor preço de

venda da energia.

Também se argumenta que se pode obter modicidade tarifária com esta

solução, caso a prorrogação esteja vinculada à comercialização de toda ou parte da

energia em leilões do ambiente regulado ou do estabelecimento prévio do valor de

venda de energia no ACR como requisito para a prorrogação do contrato de

concessão. Porém, vislumbra-se que ambas as soluções, apesar de provavelmente

resultarem em menores preços de venda da energia do que os praticados

atualmente, tendem a apresentar maiores preços do que os que seriam obtidos em

leilões dessas concessões pelo menor preço da energia em uma regime de livre

iniciativa e de livre concorrência.

Caso não sejam prorrogadas as concessões que atualmente pertencem às

empresas estatais, haveria um grande contingente de empregados públicos que

inevitavelmente deveriam ser demitidos. Tal situação agravaria sobremaneira a

situação do desemprego no país, além de gerar grandes passivos trabalhistas para

as atuais concessionárias que não teriam mais a fonte de renda advinda da

comercialização da energia proveniente dos empreendimentos cuja concessão seria

extinta. Com esta situação, há grande probabilidade das empresas estatais que

perderem suas concessões decretarem falência e necessitarem de investimentos de

recursos públicos para a sua recuperação.

Como se verifica da análise comparativa do trato dado à presente questão

por outros países, destaca-se que na maioria dos casos, as concessões são fruídas

pelo concessionário por períodos maiores do que os vigentes no Brasil. Na maioria

dos casos verificados em outros países, principalmente nos países europeus, o

prazo de fruição das concessões é de 75 anos. Nota-se que, com nova prorrogação

das concessões vincendas no Brasil no ano de 2015, por mais um período de 20

anos, totalizar-se-ia um período de fruição, em média, semelhante aos países

europeus (30, 35 ou 50 anos originais, adicionados de 20 anos referentes à primeira

prorrogação e mais 20 anos da segunda prorrogação). Acredita-se que o prazo de

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245

75 anos é o prazo suficiente para que todos os investimentos realizados estejam

amortizados e todos os ativos estejam depreciados contabilmente.

Para viabilização da prorrogação dos contratos de concessão, são

necessárias modificações na atual legislação sobre concessões. As bases de tais

adequações legislativas já constam dos dois projetos de lei apresentados no

presente trabalho e atualmente em tramitação no Congresso Nacional.

22.2.5 A prorrogação de concessões que não foram outorgadas através de processo

licitatório

As concessões que tem previsão do término de seu prazo de vigência em

2015 foram outorgadas através de critério discricionário do Poder Concedente,

anteriormente a promulgação da Constituição de 1988. E, nesse sentido, há que se

lembrar que existem autores que afirmam não ser constitucional a prorrogação de

tais concessões, por não terem sido outorgadas através de processo licitatório.

Segundo esse entendimento, somente seria admitida a prorrogação de contratos

resultantes de licitação, nos estritos termos do instrumento convocatório e

mantendo-se o equilíbrio econômico-financeiro do essencial contrato de concessão.

No entanto, se tal argumentação fosse verdadeira, a primeira prorrogação também

seria inconstitucional, como de fato sustentam alguns autores.

22.3 REVERSÃO DOS ATIVOS E ASSUNÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS PELA

UNIÃO OU REALIZAÇÃO DE LICITAÇÃO PARA DEFINIÇÃO DE UM NOVO

CONCESSIONÁRIO

De acordo com a legislação em vigor e de acordo com entendimento

majoritário da doutrina jurídica, poderia ser considerada como uma conseqüência

natural a opção pela reversão dos ativos em prol da União e:

(i) assunção da prestação dos serviços públicos de geração de

hidreletricidade pela própria União; ou

(ii) realização de licitação para definição de um novo concessionário que

daria continuidade à prestação do serviço mediante o uso do bem público.

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246

No entanto, tal solução não é simples, pelo contrário, é bastante controversa

como se pode concluir da análise do detalhamento da argumentação a favor e

contra à outra opção que se cogita para a solução da questão, que foi apresentada

no item anterior.

Caso haja uma definição pela solução de reversão dos ativos em prol da

União e assunção da prestação dos serviços públicos de geração de hidreletricidade

pela própria União, haverá a necessidade de definição da estrutura que realizará as

atividades de operação e manutenção dos empreendimentos revertidos. Para tanto,

visualizam-se quatro possibilidades:

(i) do Poder Público Federal estruturar uma nova empresa pública que

assumiria as atividades de operação e manutenção dos empreendimentos revertidos

para a União;

(ii) da assunção dessas atividades por um órgão público federal sem fins

lucrativos já estabelecido, que poderia ser ou o Operador Nacional do Sistema

Elétrico Interligado – NOS, ou mesmo uma nova subsidária da Eletrobrás;

(iii) da União repassar os empreendimentos hidrelétricos ao respectivo

estado federado onde esteja localizado e tal estado assumir as atividades de

operação e manutenção dos empreendimentos através de uma empresa pública

estatal estadual;

(iv) da terceirização das atividades de operação e manutenção dos

empreendimentos revertidos em prol da União, a ser delegada através de processo

licitatório.

A primeira possibilidade exposta acima exigiria do Poder Público Federal, a

concepção de uma nova empresa pública, ligada diretamente à União, acredita-se

vinculada ao Ministério de Minas e Energia, e que viria a ser detentora de todos os

empreendimentos que viessem a ter os seus prazos de concessão esgotados. Essa

empresa deveria atuar apenas na operação e manutenção de tais

empreendimentos, sendo responsável pela realização de eventuais reformas,

modernizações, repotenciações e outras atividades de engenharia que se

verificarem úteis e/ou necessárias à continuidade da exploração de tais

empreendimentos. Os preços de comercialização de energia praticados por tal

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247

empresa deveriam ser módicos, ou seja, deveriam garantir apenas o ressarcimento

dos custos incorridos nas atividades de operação e manutenção dos

empreendimentos. Tais concessões, ao serem revertidas para a União e assumidas

por tal empresa pública, poderiam vir a se tornar não onerosas, pois não haveria

sentido haver onerosidade entre entes da mesma esfera de poder. Outro detalhe a

ser destacado é que tal empresa não poderia ter liberdade de atuar no mercado e

disputar a concessão de novos empreendimentos de geração juntamente com os

demais agentes do setor elétrico, pois tal empresa teria um grande, variado e

diversificado portfólio de empreendimentos, o que lhe possibilitaria significativa

vantagem competitiva frente aos demais concorrentes, infringindo o princípio

constitucional da livre concorrência. Tal empresa limitar-se-ia à operação e

manutenção dos empreendimentos que já foram objetos de concessões anteriores e

que tiveram suas respectivas concessões com o advento final do seu período de

vigência alcançado.

A segunda possibilidade exposta acima, qual seja, a de reversão dos ativos

em prol da União e assunção da prestação dos serviços públicos de geração de

hidreletricidade pela própria União, através de um órgão público federal já

estabelecido, que poderia ser a Eletrobrás ou o Operador Nacional do Sistema

Elétrico Interligado – ONS, acarretaria na necessidade de realização de adequações

estruturais, estatutárias e societárias, dentre outras, nos referidos entes

administrativos. Acredita-se que, se for optado pelo repasse de tais

empreendimentos para a Eletrobrás, tal empresa, ao adquirir o direito de vir a

explorar todos os empreendimentos revertidos, alcançaria condição privilegiada no

setor elétrico nacional, podendo a vir a criar uma competição não isonômica entre os

agentes que atuam nesse ambiente, o que pode comprometer a segurança jurídica e

a competitividade no setor elétrico nacional, de forma a prejudicar a expansão da

geração e a garantia de suprimento energético nacional. Se optado pelo ONS, valem

as citações referentes à criação de uma nova empresa, descritas no parágrafo

anterior, sendo que o ONS se transformaria em um órgão com um tamanho e

poderes significativos e muito estratégico para a nação.

A terceira possibilidade, qual seja, a de reversão dos ativos em prol da União

e o repasse dos empreendimentos hidrelétricos ao respectivo estado federado onde

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248

esteja localizado, sendo que tal estado deveria assumir as atividades de operação e

manutenção dos empreendimentos através de uma empresa pública estatal

estadual. Tal procedimento acarretaria na necessidade de realização de adequações

estruturais, estatutárias e societárias, dentre outras, nos referidos entes

administrativos estaduais. Nesta opção, cada estado viria a ser detentor dos direitos

sobre os empreendimentos implantados em sua delimitação geográfica e poderiam

gerir a exploração do seu respectivo bem público. Em alguns estados da federação

já se encontram estruturadas empresas estaduais de geração de energia, que

assumiriam a titularidade de tais empreendimentos. Em outros estados, seria

necessária a concepção de tais empresas públicas. Nessa opção, cada estado

poderia usufruir dos benefícios advindos dos bens naturais localizados em seu

território.

A quarta possibilidade exposta acima, qual seja, a de reversão dos ativos em

prol da União e assunção da prestação dos serviços públicos de geração de

hidreletricidade pela própria União, através da terceirização das atividades de

operação e manutenção dos empreendimentos revertidos, atividade esta a ser

delegada através de processo licitatório, o que se tem, na prática, é praticamente a

mesma opção de se realizar processo licitatório para a definição de um novo

concessionário que teria direito à exploração do empreendimento por um novo

período concessional. Tal opção será detalhada adiante.

Dentro da opção pela reversão dos ativos e realização de novo processo

licitatório para definição do concessionário que terá direito a exploração da

concessão do empreendimento existente, tem-se basicamente duas correntes: uma

que defende a realização desse novo processo licitatório pelo critério de maior

pagamento de ágio pelo uso do bem público, montante este que poderia ser utilizado

para contribuir na obtenção da modicidade tarifária; e outra que defende a realização

de tal processo licitatório com o critério de menor preço de venda para a energia a

ser gerada pelo empreendimento no próximo período de fruição da concessão.

A licitação das usinas existentes pelo maior ágio se dará através do

pagamento de valor definido em leilão pelo uso do bem público. O pagamento pelo

uso de bem público poderá se dar através de pagamentos periódicos, através de um

único pagamento no ato de outorga ou através de combinação entre as duas

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modalidades. Essa modalidade traz a vantagem de proporcionar um nivelamento

nos preços da energia, condição importante para o estabelecimento futuro de um

mercado totalmente livre de geração de energia, e a desvantagem de que esse

nivelamento será feito pelos empreendimentos de maior custo de produção de

energia, o que não atende os princípios de modicidade tarifária.

Esse modelo é bastante similar ao que era praticado no modelo liberal do

setor elétrico, vivenciado pelo Brasil entre os anos de 1995 e 2004. A principal

desvantagem dessa opção é a de se desviarem os investimentos que poderiam ser

aplicados na expansão do sistema, através da construção de novos

empreendimentos, para a obtenção dos direitos sobre os empreendimentos já em

operação.

Acredita-se que a licitação para a energia existente sobre a forma de leilões

com preços decrescentes, nos moldes dos atuais leilões de energia nova,

proporcionaria, de forma mais eficaz, a modicidade tarifária, pois aderente ao

princípio da livre concorrência. Isto, além de ser um processo absolutamente legal,

impessoal, moral, público e eficiente, em sintonia com os princípios básicos da

administração pública.

O critério de menor preço da energia a ser gerada no próximo período de

fruição, a exemplo do que é praticado nos leilões de energia nova, seria o ideal para

se buscar a modicidade tarifária, mesmo considerando que as concessões se

tornem todas onerosas, com a previsão de pagamento de um valor pelo uso do bem

público significativamente menor do que o que seria obtido em leilões pelo maior

ágio.

Ao estimular a concorrência para a exploração de empreendimentos

existentes e em operação através de novas licitações está se agindo também em

coerência com os princípios que regem a atividade privada, da livre iniciativa, da livre

concorrência e, da forma como está sendo proposta nessa última opção, também se

está tutelando a propriedade, tanto a pública como a privada.

22.3.1 A reversão dos ativos

Para o caso de o atual concessionário não mais poder continuar a explorar

automaticamente o empreendimento hidrelétrico, o mesmo deverá ser ressarcido

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250

dos bens não amortizados ou depreciados contabilmente. Esse ressarcimento é

inerente ao processo de reversão dos ativos, caso ainda existam bens não

depreciados totalmente e investimentos ainda não completamente amortizados.

O pagamento pelos bens não amortizados ou depreciados para que se

efetue a reversão dos ativos pode-se dar de duas maneiras: a primeira através de

utilização de verba pública da União e a segunda através do pagamento direto do

novo concessionário que explorará a concessão ao seu antigo detentor.

Lembra-se que para o ressarcimento de investimentos não depreciados e/ou

amortizados até o término da concessão a se dar através de pagamento ao

concessionário pela União, existe a previsão da utilização dos recursos da Reserva

Global de Reversão - RGR.

Para o caso do ressarcimento se dar pelo novo concessionário, há que se

analisar a forma de definição desse novo concessionário: se o novo concessionário

for definido pelo maior valor de ágio, o montante a ser despendido a título de

ressarcimento do antigo concessionário poderia ser englobado no valor a ser pago

pelo novo concessionário; no entanto, se o novo concessionário for definido pelo

critério do menor valor pela venda da energia a ser gerada, o montante a ser

despendido para ressarcimento do antigo concessionário, também estaria sendo

desviado da eventual destinação para a expansão da oferta de energia através da

construção de novas usinas hidrelétricas.

Há que se destacar que se o Poder Concedente optar por uma destas

opções que exigem a reversão dos ativos, haverá, até o ano de 2015 o acúmulo de

avaliações que terão que ser realizadas para se calcularem os montantes a serrem

indenizados para que ocorra a reversão, tendo em vista o grande número de usinas

hidrelétricas que terão suas concessões terminando até aquele ano.

Necessário ressaltar também a necessidade de definição dos critérios a

serem utilizados para a avaliação do valor de indenização pelos ativos não

depreciados e os investimentos não amortizados. Se houverem parcelas

remanescentes de investimento a serem realizados, estas serão indenizadas ou

não? O valor a ser indenizado será simplesmente o valor contábil histórico? Será

permitida atualização monetária do valor histórico não depreciado e não amortizado?

Quais os índices que serão utilizados para tal correção monetária? Cabe destacar

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também que, dependendo da resposta a ser dada para algumas questões

levantadas acima, pode haver o risco de abandono das concessões pelos seus

atuais concessionários, ou ao menos, o abandono de eventuais obras de reforma e

modernização, no caso de se verificar que não é mais atrativo economicamente

operar e manter os empreendimentos em comparação com o fluxo de caixa

estabelecido até o vencimento da concessão.

22.3.2 A necessidade de novos investimentos para reforma e modernização dos

empreendimentos em operação

Os novos investimentos necessários para se adequar obras civis,

equipamentos, passivos ambientais, dentre outros, deverão constar e fazer parte da

modelagem econômico-financeira do equilíbrio do novo contrato de concessão.

Se a definição do novo concessionário acontecer através de leilões, os

novos concessionários deverão considerar os valores dos novos investimentos

necessários para a definição do lance a ser ofertado nos certames. Tanto na

definição do valor do ágio a ser ofertado, quanto no valor para a venda da energia a

ser gerada pelo empreendimento no novo período de concessão, dependendo do

modelo de leilão a ser adotado pelo Poder Concedente nessa opção.

22.3.3 Privatização branca ou estatização branca

Muitos autores que se posicionam contra a realização de novos processos

licitatórios para aquelas concessões que tem o seu prazo de concessão se

extinguindo defendem que a adoção de tal procedimento se consubstanciaria em

uma privatização velada no setor de geração de energia elétrica do Brasil.

O que se propõe é que esses novos processos de leilão de concessões

existentes devem permitir tanto a participação de agentes estatais, quanto a de

agentes privados, na disputa das concessões existentes.

As maioria das concessões que pertencem a agentes privados começarão a

vencer apenas após 2040. Até lá, praticamente só seriam licitadas usinas

pertencentes a empresas estatais.

No entanto, nos leilões para definição de um novo concessionário em

substituição ao atual agente estatal que explora as concessões que vencerão nas

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próximas décadas, poderão participar da disputa tanto agentes privados, quanto

agentes estatais.

Da mesma forma, as concessões que atualmente pertencem a agentes

privados e que começarão a vencer após 2040, quando passarem pelo processo de

definição de um novo concessionário, também estariam aptos a participar de tais

processos licitatórios tanto agentes estatais, quanto privados.

Do exposto, concluí-se que a adoção de leilões para a definição do novo

concessionário que viria a explorar as concessões existentes pode, ora se configurar

em privatização, e ora se configurar em estatização, dependendo do resultado de

tais leilões e de que agente seja o vitorioso na disputa de cada concessão licitada.

O arremate de uma concessão existente por um novo concessionário se

configurará em uma privatização se o agente arrematante for privado e em

estatização se for estatal. Essa competição é salutar e encontra perfeita ressonância

com a idéia de modicidade tarifária, de forma totalmente impessoal, em sintonia com

o princípio da livre concorrência.

Acredita-se que a modicidade tarifária está descolada do conceito de

estatização ou de privatização, mas é aderente ao conceito de competitividade e ao

princípio da livre concorrência na exploração dos serviços públicos. Assim, para se

obterem os menores valores para a comercialização da energia proveniente dos

empreendimentos em operação, independe quem seja o concessionário detentor

dos direitos de exploração sobre eles.

22.3.4 Preferência pelo agente estabelecido

É claro e evidente que o agente que se encontra em plena exploração de

determinado bem público é o agente que terá a melhor condição de avaliar a

viabilidade da continuidade de sua exploração.

Outros agentes, que não o atual concessionário, teriam que estudar

detalhadamente o empreendimento objeto de licitação para analisar e ofertar um

lance calibrado no sentido de viabilizar o arremate de sua concessão, através de um

lance que garanta a sua rentabilidade mínima e que seja viável técnica e econômico-

financeiramente. Tal análise deve levar em conta além da continuidade da

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exploração, operação e manutenção do empreendimento, a necessidade da

realização de novos investimentos.

Para que seja possível esta análise por terceiros, a agência reguladora deve

garantir o acesso às instalações e aos relatórios de fiscalização do atual

concessionário a todos os interessados na obtenção da concessão do

empreendimento existente cuja concessão se extinguirá.

Além disso, deveriam ser realizados estudos de viabilidade das adequações

de engenharia necessárias à perfeita continuidade da exploração de uma usina

hidrelétrica que já está implantada a certo tempo. Esses estudos, assim como todas

as demais informações, deveriam ter ampla publicidade e seriam acessíveis a todos

os interessados em participar do leilão, de modo a não privilegiar o agente já

constituído que atualmente detém a concessão, pois neste tipo de processo deve

imperar o princípio da isonomia.

O estudo de viabilidade das adequações necessárias à continuidade da

operação dos empreendimentos deveria ser realizado pelo agente que já explora a

respectiva concessão e ser objeto de ressarcimento pelo novo concessionário que

arrematar a concessão na licitação.

Sobre o ponto de vista da modicidade tarifária, tem-se que o agente que já

está com equipes de operação e manutenção atuando no local, deveria ter

condições de apresentar os menores custos para a composição de seu lance, o que

se configura em certo benefício ao atual detentor da concessão, mas esse benefício

nem sempre se configurará e não é absoluto.

Definitivamente a competição pela manutenção da concessão para um

mesmo agente constituído fomentará o alcance de tarifas módicas.

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23. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia, apresentada como trabalho de conclusão de curso,

do Curso de Direito, teve a pretensão de analisar as opções que se cogitam

atualmente para a melhor solução do problema em tela e concluir pela adoção da

opção mais adequada à defesa dos interesses públicos, à segurança jurídica do

instituto das concessões e à ordem constitucional vigente no Brasil.

Para tanto, a monografia apresentou os principais conceitos técnicos e

jurídicos abrangidos pelo estudo, bem como os mecanismos existentes no setor

elétrico nacional que são intrinsecamente relacionados à questão das concessões

de usinas hidrelétricas.

Descreveu e analisou o contexto político, legal e econômico do Brasil, a

evolução histórica do setor elétrico e, em especial, a evolução das formas e critérios

de outorgas de concessões de usinas hidrelétricas, desde a época em que a maioria

das concessões de usinas hidrelétricas foram outorgadas, até o presente momento.

Uma análise sobre o regime jurídico a que estão submetidos os contratos

administrativos de concessão foi essencial para uma perfeita e completa abordagem

do problema.

Importante foi abordar também o trato dado à questão por outros países que

já vivenciaram esse problema ou que já disciplinaram a sua solução.

Foram apresentados alguns dos projetos de lei atualmente em tramitação no

Congresso Nacional e que dispõem sobre o tema em comento.

Apresentaram-se as propostas para a solução do problema que atualmente

são defendidas pelos diversos grupos impactados pela questão, destacando-se os

argumentos utilizados pelos defensores das diversas correntes, além das vantagens

e desvantagens de cada proposta.

O uso dos bens públicos (potenciais hidrelétricos) se dá para viabilizar a

prestação dos serviços públicos de eletricidade, pois sem a atividade de geração, na

haveria o que se falar na prestação dos serviços públicos de transmissão e

distribuição de energia elétrica.

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Importante destacar que os serviços públicos de eletricidade se orientam

para atender ao princípio da dignidade da pessoa humana, principalmente pelo fato

de a eletricidade ser utilizada como vetor de desenvolvimento, de geração de

riqueza e renda, e de qualidade de vida. A eletricidade é fundamental nos setores da

saúde, educação e segurança. Imagine-se o mundo atual sem a utilização de

eletricidade, sem o conforto visual e térmico proporcionado pela eletricidade, sem a

possibilidade de refrigeração de alimentos, sem os equipamentos e aparelhos

médicos que utilizam eletricidade, sem sistemas de comunicação, enfim, sem

praticamente todas as utilidades atualmente colocadas à disposição das pessoas ao

redor do mundo que, praticamente em sua totalidade, necessitam de energia elétrica

para existirem e/ou para serem usufruídas.

Ter energia elétrica de baixo custo é fundamental para se conseguir

desenvolver uma nação. Para o Brasil, que necessita desenvolver-se rapidamente, a

modicidade das tarifas de eletricidade é ainda mais premente.

Licitar as concessões de usinas hidrelétricas após o advento do termo

contratual, com a sua inerente extinção, nos parece não se relacionar apenas com o

princípio da modicidade tarifária e com o da eficiência na realização da atividade e

na prestação do serviço público, mas também com o controle do poder econômico

privado, principalmente no que tange o usufruto de bens públicos nacionais, o que é

estratégico no âmbito da soberania nacional.

Vê-se que a ordem econômica nacional deve ser garantida, dentre outros

meios, através da Soberania e do princípio da livre concorrência, em sintonia com o

sistema capitalista que hoje é adotado pelo Brasil.

Enfim, a decisão sobre o destino das concessões hidrelétricas passa pela

resposta à seguinte pergunta: Qual é o Brasil que queremos?

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24. CONCLUSÃO

É necessário destacar que a solução para essa questão deve se basear no

princípio fundamental que rege as atividades da administração pública e que norteia

também o instituto da concessão, qual seja, o princípio da prevalência do interesse

público.

Sobre o assunto dessas concessões que vencerão em 2015, há que se

deixar claro que a melhor defesa do interesse público não é aquela realizada de

última hora e às pressas, mas sim aquela realizada conscientemente e de forma

planejada.

Portanto, necessita-se, conforme previsto na Constituição Federal, e de

forma tempestiva, que a lei disponha sobre a prorrogação, renovação e/ou sobre a

reversão de ativos e realização de novas licitações para as concessões de

empreendimentos já existentes de geração de hidreletricidade.

A utilização dos bens da União e a prestação de serviços públicos não pode

se dar através de livre disposição dos governantes, de acordo com a vontade

pessoal de quem está exercendo o poder momentaneamente. Deve ser sempre

observado o interesse público. A coisa pública deve ser gerida de acordo com os

interesses públicos, interesses estes que devem sempre prevalecer sobre o

interesse particular. Tais interesses constam expressa ou implicitamente da

Constituição Federal de 1988, são permanentes e têm poderes superiores aos

poderes temporários dos governantes que dispõem de mandatos.

O que se defende nesse estudo é que seja adotada a opção mais adequada

à garantia dos interesses públicos, à ordem constitucional vigente no Brasil e à

segurança jurídica do instituto das concessões, que é diretamente vinculado ao

princípio da dignidade da pessoa humana.

É essencial que a política de renovação ou não das concessões para

prestação de serviços mediante o uso de um bem público na geração de energia

elétrica através da exploração de usinas hidrelétricas seja definida de modo a

estimular a expansão da oferta de energia elétrica para suprir a crescente demanda

nacional.

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Por isso, a solução para a questão da renovação das concessões para o

atual detentor, ou não, com a reversão dos ativos e assunção dos serviços pela

União ou a operacionalização de um processo licitatório para as concessões de

empreendimentos existentes têm que se dar com antecedência e precedida de

amplo debate sobre a questão para, efetivamente, se alcançar a melhor solução

para a questão, solução esta que deve ser aderente aos princípios constitucionais

ora vigentes e com o mais legítimo interesse público.

Acredita-se que desta forma e com estas premissas será possível se

alcançar o prelecionado na Bandeira Nacional que é Ordem e Progresso para o

Brasil e para o povo brasileiro.

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25. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros, 1997. 11ª Edição. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010. 36ª Edição. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional . 5ª edição, São Paulo, Editora Atlas S.A – 2005. NIVALDO JUNIO, José. Maquiavel – O Poder. São Paulo: Martin Claret, 2009. OLIVEIRA, Celso Marcelo de. A novação e a possibilidade de revisão contratual desde o contrato de abertura de crédito em conta corrente ao empréstimo. Artigo disponível na internet em 23 de janeiro de 2011 em: http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=2579& ROSA, Márcio Fernando Elias. Sinopses Jurídicas – Direito Administrativo - 19. São Paulo: Saraiva, 2010. 11ª Edição. ROSA, Márcio Fernando Elias. Sinopses Jurídicas – Direito Administrativo - 20. São Paulo: Saraiva, 2010. 2ª Edição. SANTOS JUNIOR, Milton Francisco dos. A Ordem Constitucional Pós 1988 e a Renovação de Outorgas de Concessão para Geração de Energia Elétrica. Artigo apresentado no XV Seminário de Planejamento Econômico-Financeiro do Setor Elétrico - SEPEF 2009 - São Paulo, SP - Out/2009. STF - Supremo Tribunal Federal. Sítio eletrônico disponível em agosto de 2011 em: http:/www.stf.gov.br SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo: Malheiros, 2006. 4ª Edição. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

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26. ANEXOS

26.1 ANEXO 1 – FICHA DE INSCRIÇÃO E FICHA DE CADASTRO

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26.2 ANEXO 2 – DADOS BIOGRÁFICOS

Autor/Bacharelando: Milton Francisco dos Santos Junior Graduando em Direito: Universidade Tuiuti do Paraná - UTP - Curitiba Engenheiro Industrial Elétrico (2002): UTFPR - Curitiba MBA Gestão Financeira (2004): UTFPR - Curitiba Pós-Graduação em Eficiência Energética na Indústria (2006): UTFPR - Curitiba Copel Geração e Transmissão S.A. Diretoria de Engenharia Profa. Orientadora: Cibele Fernandes Dias Knoerr Advogada Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Mestre e Doutoranda em Direito Constitucional PUC/SP Diretora Jurídica da COHAPAR Professora de Direito Constitucional na Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito TUIUTI Professora de Direito Constitucional e Processo Constitucional da FEMPAR (Fundação Escola do Ministério Público do Paraná) Professora de Direito Constitucional da ESMAFE (Escola da Magistratura Federal do Paraná) Professora de Direito Constitucional no Curso do Professor Luiz Carlos Professora de Direito Constitucional do Curso de Ensino à Distância da Saraiva