monografia noêmia pedagogia 2009

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1 APRESENTAÇÃO A democracia racial precisa fazer parte da proposta da escola em todo o seu processo educativo, alcançando todas as relações existentes em seus espaços. No entanto, essa visão na qual todas as etnias e culturas seriam contempladas com referenciais positivos de suas legítimas histórias no material didático e paradidático usado diariamente na escola encontra- se apenas nos discursos e nas possibilidades teóricas. Na prática cotidiana percebemos muitas controvérsias entre os discursos, fala, e as ações cotidianas. Pensar em referenciais étnicos positivos contemplando todas as etnias nos remete a importância desses referenciais no processo de construção da identidade étnica e cultural de cada aluno, no qual há uma dependência das relações sociais e históricas desses sujeitos. Nessa perspectiva a escola contribui na elaboração da identidade dos sujeitos que a ela tem acesso de várias formas. Essa contribuição está presente em todo o material envolvido nesse processo como também em todas as relações existentes. Diante disso, há uma necessidade de perceber melhor quais as intervenções causadas por elementos presente em alguns materiais trabalhados na escola no processo de construção da formação da identidade.

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Pedagogia 2009

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Page 1: Monografia Noêmia Pedagogia 2009

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APRESENTAÇÃO

A democracia racial precisa fazer parte da proposta da escola em todo o seu processo

educativo, alcançando todas as relações existentes em seus espaços. No entanto, essa visão na

qual todas as etnias e culturas seriam contempladas com referenciais positivos de suas

legítimas histórias no material didático e paradidático usado diariamente na escola encontra-se

apenas nos discursos e nas possibilidades teóricas. Na prática cotidiana percebemos muitas

controvérsias entre os discursos, fala, e as ações cotidianas.

Pensar em referenciais étnicos positivos contemplando todas as etnias nos remete a

importância desses referenciais no processo de construção da identidade étnica e cultural de

cada aluno, no qual há uma dependência das relações sociais e históricas desses sujeitos.

Nessa perspectiva a escola contribui na elaboração da identidade dos sujeitos que a ela tem

acesso de várias formas. Essa contribuição está presente em todo o material envolvido nesse

processo como também em todas as relações existentes.

Diante disso, há uma necessidade de perceber melhor quais as intervenções causadas por

elementos presente em alguns materiais trabalhados na escola no processo de construção da

formação da identidade.

Esse trabalho de pesquisa traz como maior objetivo identificar alguns elementos étnicos

encontrados no trabalho diário com literatura infanto-juvenil e suas interferências na formação

da identidade negra da criança negra, explicitando alguns desses elementos e fazendo uma

relação com o perfil dos profissionais que usam esses materiais paradidáticos.

O texto está dividido em quatro capítulos: No primeiro capítulo fazemos uma abordagem

sobre as possibilidades proporcionada pela literatura infanto-juvenil e a formação da

identidade negra no espaço escolar.

No segundo capítulo trazemos o que já se concebe com fundamentação teórica sobre literatura

infanto-juvenil, identidade negra, criança negra e sua relação com a educação.

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No terceiro capítulo apresentamos a metodologia usada orientada por autores que legitima um

trabalho acadêmico e a pesquisa reconhecida como cientifica.

No quarto capítulo temos a análise de dados coletados através de alguns instrumentos tais

como: a observação direta e sistemática, o questionário fechado e a análise documental, que

nos permitiu perceber alguns elementos étnicos presentes no trabalho com literatura infanto-

juvenil que causam interferência na formação da identidade negra da criança negra.

Enfim, apresentamos nossas considerações finais, as relevâncias dessa pesquisa para nós,

enquanto alunos do curso de pedagogia e futuros profissionais da educação.

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CAPÍTULO I

1. LITERATURA INFANTO JUVENIL E FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA: COMPREENDENDO AS POSSIBILIDADES NO ESPAÇO ESCOLAR

Historicamente no processo de colonização, a população negra foi reduzida à raça inferior no

intuito de dominação política, monopolização econômica, favorecendo aos colonizadores, que

buscavam suprir suas necessidades do momento, em que tinham como objetivo principal

expandir-se economicamente conquistando novos lugares através da exploração da mão de

obra. Segundo Munanga, (1988, p.9):

A ignorância em relação à história antiga dos negros, diferenças culturais, os preconceitos étnicos entre duas raças que se confrontam pela primeira vez tudo isso mais às necessidades econômicas de exploração predispuseram o espírito do europeu a desfigurar complementarmente a personalidade moral do negro e suas aptidões intelectuais.

Considerando historicamente a realidade do Continente Africano, na chegada dos primeiros

europeus àquele continente, para exploração de riquezas naturais e conquista de outros povos,

cabe enfatizar que já existia uma sociedade política, social e economicamente organizada. No

entanto os europeus em busca de mão de obra barata para serem levadas a recente América

descoberta, viam naqueles povos com tecnologia de guerra inferiores a dos povos europeus

uma oportunidade de exploração de mão de obra.

Essa realidade das circunstâncias históricas permite compreender que as prioridades

tecnológicas dos europeus eram armamentos de guerra, no entanto para o africano isso era

desconsiderado como primazia. Os europeus para justificar os seus interesses e a

irracionalidade da dominação procuravam resumir essa realidade tecnológica dos africanos a

fatores biológicos, interpretando-os como grupos humanos inferiores. Como afirma Munanga

(1988, p.8): “O desenvolvimento técnico incluído a tecnologia de guerra, era menos acentuada

isto pode ser explicado pelas condições ecológicas, sócio econômico e histórico da África

daquela época, e não biologicamente, como queriam alguns falsos cientistas”.

Diante desse contexto os colonizadores buscaram transformar o africano em escravo, pessoas

foram retiradas das suas terras, suas famílias, sua cultura; e de forma bárbara, desumana, cruel

foram levados para outros lugares, se configurando a diáspora africana, ou seja, dispersão

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desses povos. Os africanos foram levados a outra realidade para serem explorados no contexto

de modelo econômico baseado na escravidão. Esse processo foi marcado pela violência física

e simbólica, sujeitando uma nação à outra nação e consequentemente a sua cultura, religião, a

sua arte, em suma, a outra forma de vida que não era sua. Esse contexto de dominação,

exploração e escravização invalida e deslegitima o processo histórico, cultural, político e

religioso já vivenciado pelos africanos, nos territórios de suas origens.

No Brasil, país também colonizado, não foi diferente. As questões da história do negro na

formação étnica do país sempre foram vista da ótica do europeu sem muita preocupação com

a realidade já vivida pelos africanos. Realidade essa que significa a história de um povo com

todas as vivências culturais, políticas, religiosas e artísticas que ganham significados baseado

na perspectiva do europeu, tornando uma nação inteira susceptível à visão de mundo e a

estereótipos que constitui o eurocentrismo. Nessa perspectiva Hernandez (2005, p.18), afirma:

Quanto às diferenças, são tratados segundo um modelo de organização social e político, bem como de padrões culturais próprios da civilização européia. Em outros termos: aproximando por analogia o desconhecido ao conhecido considera-se que a África não tem povo, não tem nação e nem estado; não tem passado, logo, não tem história.

Consequentemente, os descendentes do continente Africano não teriam oportunidade de se

afirmar enquanto povo “sem história” na visão etnocêntrica de outros países, mesmo após a

libertação uma vez sendo visto como povo “inferior”, estereotipados, resultaria nas

desigualdades de oportunidades sociais, étnicas em todos os âmbitos da sociedade e

disseminaria ou reproduziria a violência simbólica. Para Hernandez (2005, p.131):

Além desses horrores em graus exacerbados, lembramos também de crueldades derivados da violência institucional e simbólica como as referentes às questões raciais dos negros, por exemplo, dos Estados Unidos e no Brasil, e seus desdobramentos que apenas indivíduos, por vezes cidadãos, mas sempre de segunda classe.

No entanto, a história da escravidão do negro no Brasil, sempre foi marcada por lutas e

resistências em prol da garantia de liberdade, não apenas física, mas de sua identidade étnica e

cultural. Essa identidade cultural se refere à própria forma do negro existir, da sua origem, do

seu pertencimento. A ausência da sua convivência com sua terra, seu povo fazia com que o

escravo afirmasse a resistência à degradação da sua identidade. Essa condição de identidade

degradada não é mera forma de falar, mas refere-se à desumanidade cultural, social, psíquica

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e física na qual o negro era submetido em prol do ideal imperialista. Essas resistências foram

realizadas de várias maneiras desde simples ações do dia-a-dia até aos grandes movimentos

bem organizados de forma mais abrangente, como os quilombos, revoluções, manifestações

culturais através das danças e músicas, entre outras. Segundo Sodré (1988, p.127): “Entre os

negros, tanto na África como nos territórios da diáspora escrava, jogo de expressão, como a

dança e a música, articulam-se simultaneamente com jogos de espaços em que se simula

parodicamente outra identidade.”

O processo de colonização foi um período marcado pela violência física e simbólica para os

povos que despropositadamente eram retirados das suas terras e submetidos a trabalhos

forçados e compulsórios, a exploração e a diversas formas de exclusão e a violência

colonialista. As pessoas que eram submetidas a essa realidade cruel e desumana, a escravidão,

não aceitavam de forma passiva, eram movidos pelo desejo de luta e agiam de várias maneiras

com o intuito de não perder sua liberdade.

Quando se fala em resistência, cabe enfatizar que alguns desses movimentos foram

socialmente organizados pelos negros e pelas negras escravizadas, embora equivocadamente

as classes dominantes tentem negar esses fatos históricos, ou seja, os movimentos de

resistência. É fato que os movimentos de resistência existiram, para Hernandez (2005): “Os

exemplos históricos nos permitiram reconhecer o dinamismo das várias dimensões da vida

social dos africanos e identificar ideologias dos movimentos de resistências.” (p.125)

Na mesma linha de raciocínio podemos perceber que em resultados desses grupos humanos de

resistências, surgiram muitos heróis como, Nana Yaa Asantunaa (Rainha de Edweso), o

jovem Kamba entre outros, que lideravam movimentos de resistência no continente africano

(HERNANDEZ, 2005). Também Zumbi dos Palmares (líder do Quilombo de Palmares) e

Malunguinho, o principal líder do Quilombo de Catucá em Pernambuco (CARVALHO,

1996), e entre outras centenas de heróis no percurso da história de resistência à exploração e

ao racismo com relação aos povos africanos e afros brasileiros. Entretanto é negada a sua

legítima história. A negação da história do negro e da África no Brasil esteve sempre

vinculada a uma forma de controlar socialmente e dominar ideologicamente um povo para

alcançar objetivos econômicos, como também norteados pelo interesse de construir a

identidade brasileira dentro do chamado desejo de branqueamento de nossa sociedade

despindo-se do seu conteúdo étnico diversificado, próprio do contexto no qual o Brasil está

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inserido, pautando essa construção de identidade em uma visão única de referência baseada na

visão etnocêntrica, ou seja, da perspectiva do branco. (LIMA, 2009).

Mergulhando nesse contexto, no qual nossa cultura é embasada no branqueamento, ou seja,

no tipo de ideologia que atribui aos negros o desejo de se branquear, principalmente movidos

pelos valores culturais do branco, etnocentrismo, por imitação e falta de identidade étnica

positiva, buscando assemelhar-se tanto quanto possível ao branco e só depois reclamar dele o

reconhecimento de fato e de direito. Esse embranquecimento do negro era realizado na

maioria das vezes pela assimilação dos valores culturais do branco, sua língua, sua arte, sua

religião, sua visão de mundo, seu padrão de beleza (MUNANGA, 1988). Nessa perspectiva da

ideologia do embranquecimento entende-se que há uma pressão cultural do branqueamento na

esfera psicológica do negro brasileiro. (CARONE, 2004).

Esses valores culturais do branco são instituídos em vários segmentos da sociedade, como por

exemplo, na religião, na mídia, na literatura, na moda e nas instituições de educação formal e

informal, no qual só tem legitimidade e valor aquilo que está dentro dessa visão etnocêntrica.

Acultura-se uma nação por uma pressão psicológica, na qual não se dar oportunidade de uma

democracia cultural e étnica. Cabe enfatizar que dentre essas instituições está à escola como

um espaço de diversidade étnica como em outros segmentos da sociedade brasileira.

Entretanto são nesse espaço que muitas relações se dão cotidianamente envolvendo materiais

didáticos e paradidáticos, currículos, gestos, falas que podem contribuir tanto para afirmação

ou reprodução de “etnocentrismo” como também para eliminação dos mesmos. Para Santos

(2001, p.103):

Nos últimos anos, muitos olhares têm se voltado à questão das relações, dos cotidianos, das situações surgidas em sala de aula, apontando o quanto ocorre de discriminação no espaço escolar e as dificuldades dos agentes educativos em lidar com essas situações.

Nesta visão percebe-se a importância da escola proporcionar nos seus espaços de forma

sistematizada, oportunidade de estímulo à autoestima e afirmação positiva da identidade negra

do afro-descendente e do povo brasileiro em geral. Para Nascimento (2001, p.115): “Não

consideramos a identidade apenas como algo dado ou adquirido de forma passiva, mas

também algo que se constrói com certa grande escolha”.

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Partindo dessa concepção de identidade como algo construído, podemos pensar a escola como

uma possibilidade de construção da identidade, como qualquer outro espaço nas relações que

são vivenciadas, como também em todo o processo educativo realizado cotidianamente. A

escola, com o seu processo educativo, ao negar a história de um povo e legitimar outra pode

favorecer consequências negativas à formação da autoestima desses alunos tanto fisicamente

como psiquicamente e culturalmente.

À medida que a escola não contextualiza o assunto proposto, trazendo a sua extensão histórica

pode estar colaborando para legitimação da negação de fatos históricos que de alguma forma

desencadeia a normalização da baixa autoestima desse povo estudado e da sua descendência

ou até a reprodução de estigmas e estereótipos de uma nação. Essa forma reducionista de

estudar a história de um povo favorece a afirmação de que a autoestima está na personalidade

humana e psíquica. No entanto sabemos que a baixa estima não é nata, mas sim resultado da

compreensão, do sujeito, de sua relação social e histórica (ROMÃO, 2001).

Nessa perspectiva, podemos pensar a escola também como espaço de várias possibilidades e

construções da autoimagem, que interferem na formação da identidade do sujeito. Nesse

sentido, faz-se necessário romper com estereótipos ligados às etnias “minoritárias” ou

compreendidas como inferiores nos processos históricos visto pela ótica dos europeus e que

de forma sucinta tem sido reproduzida nos processos educativos.

Assim sendo, o trabalho desenvolvido na escola como em todo o processo de educação deve

ser pensado e realizado na visão de que a escola é composta pela diversidade étnica, cultural,

de gênero, religião. Como afirma Romão, (2001, p. 163): “Faz-se necessário romper com os

preconceitos e estereótipos, rejeitar estigmas e valorizar a história de cada um”. A atitude do

educador diante da diversidade do alunado resultará em intervenções na construção do sujeito

como um todo, tanto nos aspectos emocionais, psíquicos, cognitivos, físicos e culturais.

Muitas vezes a escola tende a tornar homogêneo o educando ou até mesmo quando se trabalha

a diversidade agrupa por estigma ou ranços dos colonizadores, como por exemplo: referir-se

ao negro como africano, esquecendo que a África é um continente e que existe também além

dos negros de vários países desse continente existe também os negros afros brasileiros entre

outros (ROMÃO, 2001). Essa visão reducionista de conceber a diversidade dificulta a escolha

de materiais didáticos e paradidáticos que atendam a necessidade da diversidade existente no

espaço escolar desfavorecendo o processo de construção da legitima democracia racial.

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No contexto da escola essa grande escolha que possibilita a construção da identidade, deve ser

proporcionada através do seu material didático e paradidático como também em todo o seu

processo educativo, repensando o currículo, criando espaços para as discussões e estudos

sobre as representações do negro nos espaços educacionais e sua legítima história e a

sensibilização dos profissionais ali existentes. Como também especificamente na literatura

infanto-juvenil, por ser um material paradidático muito presente na educação infantil. Há a

necessidade de identificar quais as contribuições da literatura infanto-juvenil usada

diariamente, na formação da identidade da criança negra e afro-descendente e de outras etnias

ali existente, proporcionando assim uma desmistificação da imagem negativa ou negada do

negro e de etnias legitimada como “inferiores” nos espaços escolares. Nessa perspectiva,

Munanga (1996, p.90) afirma: “As propostas não vão apenas ao sentido de evitar a

administração das desigualdades raciais, mas sim de enfrentá-las para construir a verdadeira

cidadania e democracia”.

Sabemos que no momento que se trabalha cotidianamente a literatura infanto-juvenil, muitas

imagens são reproduzidas no imaginário das crianças que ouvem e vêem as situações

vivenciadas pelas personagens dos livros de literatura infantil. Essa relação não é neutra, ela é

carregada por significados, discursos que permeiam o imaginário infantil sobre a autoimagem

de forma positiva ou negativa. As conseqüências podem desencadear resultados negativos

tanto nas crianças negras como não negras. Para Nascimento (2001, p.124):

O impacto desses fatos sobre a formação de uma personalidade infantil pode ser devastador. Somente a intervenção do educador seria capaz de neutralizar a carga de sentidos pejorativas investidos na psique da criança. O tradicional silêncio apenas a confirma, ao passo que reforça não só a posição relacional agressiva da criança branca, mas também o conteúdo pejorativo, com toda a carga de significações históricas.

Diante dessa realidade concreta e desafiante, é imprescindível a discussão de quais literaturas

infantis são utilizadas nos espaços educacionais buscando analisar as variáveis que permeiam

essa relação, pois, na prática educativa não há neutralidade. Não se pode desconsiderar a

importância do papel da escola na construção da identidade étnica e cultural do seu alunado

que tem um imaginário povoado pelas imagens, descrições e ações das personagens da

literatura infanto-juvenil. Essa relação pode resultar nos educando um processo negativo ou

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positivo na construção da autoestima, e da sua identidade étnica e cultural. Como afirma

Sousa (2001, p.196):

As imagens que moram em nossas mentes desde a infância influenciam nossos pensamentos durante a vida e podem contribuir (se não forem estereotipadas, inferiorizados) para a autoestima e aceitabilidade das diferenças visando a uma vida feliz. Para isso essas imagens precisam mostrar nossa “cara”, força e cultura a todas.

O simples ato de escolher uma literatura e trabalhar ela no espaço educacional pode ter

significados, psicológico e social para o desenvolvimento de cada criança, pela diversidade

étnica e cultural existente no espaço escolar. Nessa perspectiva, percebe-se que não se pode

deixar de levar essa realidade em conta.

No município de Campo Formoso estado da Bahia, a realidade não tem sido diferente das

demais escolas do país; a literatura infanto-juvenil tem estado presente nos espaços

educacionais, sendo usados no cotidiano escolar, como materiais paradidáticos para auxiliar

no processo de construção do conhecimento. Como todo processo de construção do

conhecimento, especificamente o da criança, pois a criança lida com o imaginário,

principalmente tratando-se da sua relação com a literatura infanto-juvenil. Nessa visão, são

importantes algumas reflexões nesse ato simples de escolher um conto, uma história, porém,

fundamental no processo de construção do imaginário do pequeno leitor.

Percebemos durante o estágio na Escola Municipal José Barreto Filho, localizada no

município de Campo Formoso-BA, que a mesma tem como hábito educacional utilizar-se de

literatura infantil como material paradidático de maneira rotineira visando o complemento do

processo educativo das crianças que estudam nessa escola. A referida escola, como as demais

escolas do Brasil, possui no seu corpo discente uma diversidade étnica e cultural. Diante dessa

abordagem nossa preocupação caminha na direção da seguinte questão: quais os elementos

étnicos que estão presentes no trabalho de Literatura infanto-juvenil e como eles interferem na

formação da identidade negra da criança negra da Escola Municipal José Barreto Filho,

localizada no município de Campo formoso-BA?

Objetivos da pesquisa:

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-Identificar e analisar os elementos étnicos que estão presentes no trabalho de literatura

infanto-juvenil e a intervenção desses elementos na formação da identidade negra da criança

negra ou afro brasileira.

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CAPÍTULO II

2. O QUE JÁ SE SABE? BUSCANDO FUNDAMENTOS

Neste capítulo será apresentada a fundamentação teórica, na qual as discussões serão baseadas

nas seguintes palavras-chave: Literatura Infanto-Juvenil, Identidade Negra, Criança Negra

2.1 Literatura Infanto-Juvenil: Possibilidade de Afirmação da Identidade

A literatura infanto-juvenil é uma possibilidade essencial de se explorar uma linguagem ainda

não conhecida, no entanto pronta para ser descoberta e conhecida e imaginada, pois nela se

reconhece uma oportunidade de se desenvolver uma relação social e histórica, e favorecer a

construção de conceitos difíceis de compreender, bem como a formação de identidades.

(LIMA, 2009). Esse material, a literatura infanto-juvenil, possui elementos que se constituirão

no imaginário que temos de nós e do mundo que nos cerca, no qual traz influencia na

autoestima, do sujeito que tem acesso a ele, de forma positiva ou negativa.

Essa possibilidade de autoconhecimento e socialização, que traz a literatura infantil, estar

presente em nossas vidas desde a infância, pois ela nutre a imaginação, favorecendo a

construção de conceitos dentro da sua linguagem e da sua compreensão. Ela favorece não

apenas um trabalho com a perspectiva de construção de conceitos, mas trabalha o emocional

quando ela desperta o imaginário construído a partir das leituras, muitas vezes feita pelo

adulto. Através das ilustrações e textos apresentam conceitos, discursos, retratando e

refletindo comportamentos culturais e históricos.

A literatura é uma das maneiras de reforçar e confirmar significados no processo de

construção da identidade, pois abre caminhos que poderão ser traçados e trilhados durante sua

vida. A literatura infantil interfere nas ações do leitor seja nos gostos, na percepção de mundo

na sua maneira de se perceber e até reproduzir comportamentos existentes, muitas vezes esses

comportamentos só aparece nas entre linhas dessas literaturas, e são reproduzidos no

imaginário dos leitores. Ramos (2005, p.2), vem afirmando que: “A literatura infantil pode ser

vista como elemento formador e transformador de situações conflituosas, ela pode apresentar-

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se como um ícone para abordar temas complexos como racismo, preconceitos e discriminação

no cotidiano escolar.”

A criança como ser social interage com o mundo e percebe nessa relação o seu valor e constrói

a partir daí, sua autoimagem. A literatura infantil provoca na criança a percepção e leitura de

mundo com o olhar dos textos e das imagens. Diante disso, cabe ressaltar que muitas vezes

essas literaturas se apresentam reforçando a ideologia etnocêntrica sem permitir a

diversificação de referenciais no imaginário dos pequenos leitores. Os livros de literatura

infanto-juvenil apresentam a imagem do negro estereotipada ou até mesmo com a imagem

negada de forma que não permite os apreciadores da leitura, índios, negros e afro

descendente, de se imaginar e ver como parte dessas situações vividas pelas personagens.

Num contexto no qual as discussões sobre a real democracia permeiam os espaços

educacionais cabe buscar uma reflexão sobre o papel da escola enquanto instituição que

promove a discriminação étnica ou simplesmente a escola com seu material didático e

paradidático que não promove a igualdade racial, devido às situações em que não se aborda a

cultura de origem africana e de outras etnias como a indígena. Reconhecer que a escola

brasileira evidencia no seu cotidiano, em suas práticas e em seu material didático e

paradidático a falta de referenciais étnicos e culturais que possam favorecer seus alunos afros

descendentes e indígenas a terem dentro desses referenciais a possibilidade de construir suas

identidades étnicas e culturais, é imprescindível para favorecer reflexões sobre a construção

da identidade nos espaços educacionais. Segundo Parreiras (2005):

Estereótipos são criados, muitas vezes, fora da escola e invadem o espaço escolar a ponto de não se permitir ver ou ser de outra forma. Porque a menina negra não pode, por exemplo, ser a princesa ou a fada e o menino negro o príncipe ou o herói da historia. (p.1)

Historicamente produz-se e (re) produz-se um contexto excludente através da literatura

infanto-juvenil no qual se contempla a visão etnocêntrica, ou seja, na perspectiva do olhar do

branco enfatizando seus valores, seus ideais, sua cultura em relação ao outro visto o diferente,

como o desprestigiado e inferior (SOUSA, 2009). A visão etnocêntrica uma vez presente

nesse material paradidático não permitirá outra possibilidade de se descobrir outros tempos,

outros jeitos de agir e de ser, outra etnia e outra ótica as crianças que a ele tem acesso. Nesse

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contexto de exclusão o negro vislumbra a condição de estereotipado ou simplesmente lhes são

negados o papel de príncipes, princesa, heróis, na literatura infantil. Para Lima (2009, p.98):

Geralmente, quando personagens negros entram nas histórias aparecem vinculados à escravidão. As historias tristes são mantenedoras da marca da condição de inferiorizados pela qual a humanidade negra passou cristalizar a imagem do estado de escravo torna-se uma das formas mais eficazes de violência simbólicas.

Sem dúvida, a reflexão sobre o verdadeiro significado das literaturas que são usados no

contexto escolar é uma das importantes lacunas existente nesse momento, no qual os negros

tem se preocupado em resgatar uma história, em recontá-la a partir de outra perspectiva, que

não a do dominador, este que nunca descuidou de opacificar a participação do negro na

história desse país (BERND, 1987).

Nessa perspectiva a literatura infanto-juvenil apresenta-se como possibilidade de resgate da

cultura silenciada e negada dentro dos espaços educacionais de maneira explícita e até mesmo

oculta. Segundo Santomé (2001):

São numerosas as formas através das quais o racismo aflora no sistema educacional, de forma consciente ou oculta. Especialmente através dos silêncios que são produzidos em relação aos direitos e características de comunidades, etnias e povos minoritários e sem poder (p.169)

A constatação dessas formas de racismo permite perceber que na literatura infanto-juvenil a

ideia acerca da superioridade racial muitas vezes é percebida nas entrelinhas desses

conteúdos. Embora haja em algumas literaturas a imagem do negro, ela aparece de forma

distorcida fora de um contexto histórico, como todos os povos existentes. Sem esquecer que

embora haja boa intenção em algumas delas, o ranço do processo colonizador aparece, no

qual a imagem do negro vem associada à fragilidade, tristeza, ao perdedor e a passividade da

escravidão. Outra caracterização ainda muito fortemente encontrada é a de empregada

doméstica boba que ri de tudo, ou seja, resume a personagem a uma estereotipia

(MUNANGA, 2001).

Diante disso, é notório que as crianças negras terão dificuldade na elaboração de sua

identidade negra, pois a falta de opção de se ver, ou se ver às vezes representada por um

estereótipo caricaturada que é uma representação distorcida, isso causa a chamada violência

simbólica, também presente nos livros de literatura infanto-juvenil. A violência simbólica fica

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mais forte quando percebemos na literatura infanto-juvenil uma possibilidade de construção

autoestima, da identidade, da autoimagem das crianças que a ela tem acesso. Para Andrade

(2001): “Literatura infanto-juvenil, a literatura feita por pessoas adultas para crianças e

jovens, é uma arte que povoa a imaginação, e por isso, tem o seu espaço na formação da

mente plástica do ser que a ela tem acesso.” (p.113)

A imaginação da criança precisa de opções culturais, étnicos, de gênero, para servir de

referência positiva para que dentro do processo de construção de sua identidade, ela possa

recorrer a essas referências. Não de forma superficial ou distorcida, mas de forma legítima,

(re) contada a partir da visão da democracia racial, nas quais etnias são contempladas com

oportunidades de se imaginar e recorrer quando necessário a esse imaginário durante o

processo de construção da identidade étnica e cultural, ou simplesmente quando precisar, ter

grandes opções de referências positivas de sua etnia.

2.2 A Criança Negra e suas Relações Sociais no Contexto Escolar

A perspectiva desse trabalho nos leva a olhar para os espaços escolares e perceber como as

crianças negras se insere nesses espaços. Ser descendente dos povos africanos no contexto

histórico no qual esses povos tiveram, de antemão já nos revela as marcas que ultrapassaram

vários fatores históricos, a negação cultural da matriz africana. O estigma que a criança negra

traz estar relacionada à cor negra em que a escuridão, a sombra são representações simbólicas

do mal, da desgraça, da perdição e da morte como também do diabo (SOUSA, 2009). Se a

etnia negra é vista e comparada nessa visão, consequentemente as relações da criança negra

nesse espaço torna-se dolorosa.

Perceber a relação entre as crianças, educação infantil e a identidade étnica com enfoque

maior nos materiais didáticos e paradidáticos e suas possibilidades, com um olhar mais focado

para o momento em que essa relação, escola e identidade étnica, se concretizam e de alguma

forma contribua positivamente ou negativamente para a formação do modo de ser da criança

negra e não negra é categórico no processo de educação. Para Gomes (1996):

Esse diálogo, perfeitamente possível, nos permitirá dar visibilidade às diferentes referências de identidade construídas pelos sujeitos negros, brancos e de outros segmentos étnicos no cotidiano escolar, e nos ajudará na compreensão do papel preponderante que a cultura produzida por esses grupos assume na escola. (p.87)

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Os referenciais de identidade positiva do negro nos materiais didáticos e paradidáticos são

importantes para romper com um imaginário estereotipado do negro e muitas vezes romper

com silêncio que há de referenciais do afro descendente nas literaturas infanto-juvenil usada

na sala de aula. Silêncio este que é visto com naturalidade, uma vez que a escola com seu

material, didático e paradidático não proporcionam uma democracia racial, no qual tanto a

criança negra, como a não negra, a criança indígena, como outras etnias possam se imaginar

nesse mundo do faz de conta que é permitido quando o educador lhes conta histórias infantis,

mas na verdade o que se percebe é a presença de literatura infanto-juvenil etnocêntrica.

Como visão de um imaginário etnocêntrico pode ter como exemplo de literatura infanto-

juvenil, utilizada diariamente em sala de aula, os “clássicos”: Branca de Neve, Cachinhos

Dourados e os Três Ursos, Cinderela, a Pequena Sereia, entre outras desejadas e conhecidas

pelos pequenos leitores e ouvintes de vários segmentos étnicos raciais e culturais presente em

sala de aula. Conseqüentemente essas literaturas contemplam apenas uma parte desses alunos,

a outra sofre as conseqüências de não se ver representadas nesse material paradidático tão

importante na educação infantil.

As literaturas infanto-juvenis, a exemplo dos contos de fadas, lidam com os problemas de

busca da maturidade na infância, sugerindo muitas vezes a criança a lutar por uma integração

do psíquico, do emocional, do intelecto como um todo. (BETTELHEM, 1980).

As histórias para o pequeno leitor é uma possibilidade de suscitar o imaginário, sentir

emoções e viver profundamente tudo o que as narrativas provocam em quem as ouve, com

todas as possibilidades, significância e verdade que cada narrativa fez ou não brotar, ouvindo

sentindo e enxergando com os olhos do imaginário (ABRAMAVICH, 1997).

.

A criança pode através de o imaginário lidar com emoções, medos, frustrações que existem

em sua memória, fruto das relações sociais de seu cotidiano. Memórias muitas vezes

desconhecidas pela própria pessoa que está contando a história infantil. Sabemos que a

criança negra possui uma memória repleta de apelido doloroso, resultado de suas relações

com outras crianças e adultos que através de atitudes preconceitos e do silenciamento diante

das suas necessidades produz e reproduz ranço e estereótipos, frutos da internalização dos

padrões sociais etnocêntricos que invadem a escola. Para Romão (2001, p.162): “Em muitos

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16

anos de trabalho com a educação, ouvi de algumas mães negras que o/a professor/a não

estimula as crianças negras e consequentemente, estas crianças encontram mais dificuldade

para aprender”. A literatura infantil permite possibilitar a essa criança com baixa-estima se

perceber de outras formas e trabalhar suas emoções negativas concebendo outra visão,

diferente dos estereótipos e estigmas a elas legitimado.

Nessa perspectiva a escola e os educadores, que não atentam para as possibilidades da

literatura infantil, deixam de promover a democracia racial ao silenciarem diante do

descontentamento das crianças que sofrem de algum tipo de discriminação étnica ou até

mesmo quando esses profissionais da educação transmitem a “mensagem da escola”, ou seja,

da cultura dominante sem contextualizar ignorando a diversidade étnica e cultural que existe

na sala de aula.

Algumas vezes, o educador, diante da falta de conhecimento da cultura e da história do negro,

ignora situações vivenciadas pela criança negra ou afro-descendente em que ela expressa sua

insatisfação diante dos apelidos dolorosos. O educador que não é preparado para trabalhar

com a diversidade étnica racial concebe a criança negra a visão estereotipada legitimada pela

perspectiva etnocêntrica, na qual essa criança é vista como desinteressada, “defasada

economicamente e culturalmente”, “relaxada” (ROMÃO,2001).

A criança negra, embasada em seu contexto histórico de estereotipo e estigma, busca em sua

relação social possibilidades que legitime sua história e sua cultura ou religião por outra

perspectiva que não seja a já concebida por ela. Nessa visão, a escola com seus profissionais

têm o papel de conceber outras experiências, contextualizada com sua legitima história, para o

educando que resulte na formação da sua autoestima. Para Silva (1996): “O professor que

trata seu aluno negro como se não o fosse está contribuindo para a formação de uma

identidade que nega suas raízes étnicos e culturais e busca arremedar outras, com as quais é

muito provável, não se identifique positivamente.” (p.170)

A criança negra como outras etnias concebida como “inferior” na visão etnocêntrica vivencia

pouca atribuição e valorização à sua história e a memória do povo africano, reduzindo os

mesmos ao descompasso civilizatório em relação ao europeu. É importante refletir sobre o

objetivo do estudo da africanidade brasileira, ou seja, a história do negro no processo de

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17

formação étnica e cultural do povo brasileiro, enfocando essas relações nos espaços

educacionais. Para Ribeiro (1996):

Nossas crianças, das mais distintas origens étnicas, acham-se sujeitas a uma ação educacional que nelas constrói, simultaneamente, o mito da igualdade racial e atitudes discriminatórias e preconceituosas. As crianças afro-brasileiras, particularmente, acham-se sujeitas a um processo educacional que atua no sentido de tornar crescentemente rebaixada sua auto-estima. Durante o contato diário com atitudes discriminatório. (p.168)

O currículo escolar não inclui a questão racial com o devido cuidado de não folclorizar as

questões referentes às culturas dos povos africanos, indígenas e seus descendentes. Logo o

povo brasileiro não acessa a sua legitima história com seus múltiplos referenciais para a

construção de suas identidades étnica e cultural, sua integração e assim poder vivenciar a

democracia racial.

Diante disso a criança negra brasileira, como afro descendente, não tem acesso a sua história

no seu contexto, porque lhe é negada, tratada apenas em datas comemorativas e de forma

superficial, e não no dia-a-dia escolar nas suas propostas didáticas e nos materiais

paradidáticos, como por exemplo, na literatura infanto-juvenil - literatura tão presente na

educação infantil. Diante desse silêncio da escola, com seu currículo, seus materiais didáticos

e paradidáticos, a criança negra ou afro-descendente, dentro dessa realidade de exclusão,

percebe-se sem referenciais históricos para sentir-se parte desse universo. Para Cavalleiro

(2000): “Nesse caminhar, pouco valor é atribuído a presença da criança negra na escola, fator

que pode levá-la a se reconhecer como participante de um grupo inferior e a entender,

posteriormente, que a pertencimento a este grupo lhe é desfavorável.” (p.208)

Desse modo, percebe-se que nas relações do dia a dia da escola, no qual a ausência de

informações sobre a história afro-brasileira e a falta de preparo para atender os anseios das

crianças negras cooperam para enfraquecer a sua autoestima (ROMÃO, 2001). Esse

silenciamento provoca uma ambiguidade, de um lado a criança negra é atingida pela falta de

referência histórica, pela opressão simbólica, ou seja, vítima da reprodução de atitudes

racistas e consequentemente afetando sua autoestima, do outro lado a criança não negra

constrói equivocadamente uma autoestima baseada na superioridade racial, como afirma

Cavalleiro (2001): “tal situação também pode contribuir para que a criança branca se

reconheça participante de um grupo racial superior, de forma equivocada” (p.208)

Page 18: Monografia Noêmia Pedagogia 2009

18

O silêncio em relação à imagem do negro e ou a representação negativa do negro na literatura

infantil provocam situações de exclusão e negação. Diante disso como a criança negra poderá,

em contato com tais literaturas, formar sua identidade se quase sempre ouve sobre as

personagens de literatura infanto-juvenil representados por ou como “linda princesa que tinha

a pele branquinha, os cabelos loiros e os olhos azuis da cor do céu”. A questão não está em

contar histórias de princesas brancas ou negras, mas na diversidade de opções que são

oferecidas às crianças negras e às crianças não negras para a partir desse contato com tais

literaturas descartar os negativos e absorver os positivos sobre sua etnia. Para Lima (2009):

“A diferença para criança não-negra está no número de opções em que ela se vê para elaborar

sua identidade. O mesmo não acontece para a criança negra, que encontra imagens pouco

dignas para se reconhecer.” (p.103)

Falar em opções de representações do negro na literatura infanto-juvenil é falar de

oportunidade de afirmação da identidade negra em uma etapa da vida, período da educação

infantil, fundamental no processo de construção da sua identidade étnica e cultural, pois

favorece a uma intensa socialização e interação com a comunidade escolar. Segundo Gomes

(2001): “Assim como tantos outros processos de identificação, o racial é construído na relação

de alteridade - nós e os outros - e em determinado contexto histórico, político e cultural.”

(p.92)

A literatura infanto-juvenil poderá ajudar as crianças afirmar positivamente suas identidades

culturais ou a não aceitação da negação da própria imagem. A ausência de referência positiva

na vida da criança e da família, no livro didático e paradidático desfaz os fragmentos de

identidade da criança negra, trazendo-lhe prejuízo a sua vida cotidiana (ANDRADE, 2001).

Além do mais não se pode esquecer-se da violência simbólica presente no imaginário

estereotipado do negro tão comum na literatura infanto-juvenil, que influencia negativamente

os pensamentos e aceitabilidade das diferenças, mas que com um trabalho educativo com

propósito diferenciado poderá romper com este paradigma. Para Sousa (2009):

As imagens suscitadas tanto pelas ilustrações quanto pelas descrições e ações de personagens negras podem ser utilizadas de maneira construtiva, de modo que contribuam para a autoestima das crianças negras, bem como para a sensibilização das não negras. (p.196)

Page 19: Monografia Noêmia Pedagogia 2009

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Portanto, no que tange a autoestima da criança é imprescindível compreender e enfrentar a

questão da formação da sua identidade étnica, quais as contribuições existente nos espaços

escolares, sejam elas negativas ou positivas para a partir de tais percepções proporem

literaturas que contribuam de forma positiva para essa formação, pois Sousa (2005) afirma

que se acredita que as imagens que moram em nossas mentes desde a infância influenciam

nossos pensamentos durante a vida e podem contribuir se não forem estereotipadas e

inferiorizadas, para a autoestima e aceitabilidade das diferenças, visando a uma vida feliz.

Para isso essas imagens precisam mostrar nossa “cara”, força e cultura a todos. E a criança

negra enfim, poderá vivenciar uma democracia racial.

2.3. Identidade Negra e Educação

A afirmação da identidade é um processo marcado por aspectos relevantes, merecendo um

cuidado especial para entender como se dá essa construção, como são constituídas as

discussões que permeiam as simbologias que marcam a identidade e nos processos que estão

envolvidos na construção da identidade. Nisso Woodword (2007) vem afirmando que: “As

identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação da diferença

ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de

exclusão social.” (p.39)

Essas diferenças são marcadas por formas de determinação, no qual são opostos, ou se

pertence ou não pertence, ou é ou não é parte daquele “grupo” étnico, cultural ou social. No

entanto sabe-se, porém que a construção da identidade do sujeito está ligada ao imaginário

com as suas características que está intrinsecamente relacionado à visão do seu corpo. Como

afirma Costa (1990):

A identidade do sujeito depende, em grande medida, da relação que ele cria com o corpo. A imagem ou enunciado identificatório que o sujeito tem de si estão baseado na experiência de dor e prazer ou desprazer que o corpo obriga-lhe a sentir e a pensar. (p.6)

Por outro lado, a identidade também é um processo de construção social, não é só um olhar

prazeroso para estética negra diante do espelho, de ter autoestima diante das características

física de sua etnia, mas é um processo de desconstrução das representações negativas do

negro construídas socialmente por meio da ideologia da superioridade racial do branco

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20

imposta pelos colonizadores e que permanece no cotidiano do brasileiro. A identidade étnica

deve ser entendida não como circunscrição da realidade, mas como a dinâmica da

reapropiação de espaços existentes rompendo permanentes equilíbrios estabelecidos.

(BERND, 1988)

Por tudo isso, pode se afirmar que a identificação étnica está atrelada a uma construção

histórica da negação e do desprezo do modo de ser diferente, sobretudo quando essa relação

está diretamente ligada aos africanos e descendentes. Mesmo diante de discursos voltados

para a democracia racial, a miscigenação não pode encobrir uma desigualdade racial nas

relações do povo brasileiro. (GOMES, 2001)

As consequências psíquicas da negação de sua história, sua etnia na interação diária nos

espaços sociais e educacionais traz para a criança uma expansão de uma “verdade” muita

próxima do real dentro do seu imaginário, ou seja, as visões estereotipadas são percebidas e

aceitas como verdade mais pela criança do que pelo adulto, pois seu processo de identificação

é mais forte do que a do adulto. (SILVA, 1996)

Outro aspecto que precisa ser levado em conta quando se permite compreender o processo de

construção de identidade negra, e a reprodução cotidiana nos gestos, fala e representações que

perpetuam o legado do determinismo racial no imaginário social brasileiro, e enfatizado na

escola, no qual a identidade de origem africana está intimamente ligada às ideias de

escravidão, inferioridade, atraso. (NASCIMENTO, 2001)

Desse ponto de vista, reconhecer sua identidade negra nessa sociedade, na qual a quantidade

da população afro-brasileira é surpreendentemente significativa, deveria ser algo natural e de

forma espontaneamente concebida pela sociedade. Entretanto ideologicamente os estereótipos

em relação à população afros brasileira são disseminados promovendo assim preconceitos no

que tange a essa etnia. A interiorização dessa concepção equivocada sobre o negro e sua

história é confirmada nas relações que ocorre nos espaços escolares. Como afirma

Nascimento (2001): “As representações sociais negativas, carregadas de preconceitos e

estereótipos, são internalizadas desde a primeira infância por meio de uma educação infantil e

escolar imbuída das ideologias do patriarcalismo e do racismo.” (p.117)

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21

Assim, as relações sociais negativas vivenciadas pelo indivíduo no princípio de sua vida

escolar são capazes de impedir o desenvolvimento da identidade negra e da autoestima

enquanto sujeito nesse processo. Evidencia-se nitidamente a falta de referências positivas nos

materiais didáticos e paradidáticos usados nos espaços escolares. Na verdade os espaços

educacionais, quando utilizados adequadamente, dentro da perspectiva da educação

antirracista oferecem ao educando uma possibilidade de afirmação da autoimagem do negro e

afro descendente, favorecendo o reconhecimento da identidade negra. Para Munanga (1988):

A identidade consiste em assumir plenamente, com orgulho, a condição de negro, em dizer, de cabeça erguida sou negro. A palavra foi despojada de tudo o que carregou no passado, como desprezo, transformando este último numa fonte de orgulho para o negro. (p.44)

Diante disso, percebe-se que afirmar sua identidade é resultado de um processo de

reapresentação histórica do negro e do afro descendente objetivando desmistificar o discurso

legitimador das classes dominantes, no qual ainda persiste em resumir a história de uma nação

descrevendo como “um povo que veio da África para ser escravizado”. Segundo Woodward

(2007): “Ao afirmar uma determinada identidade, podemos buscar legitimá-la por referência a

um suposto e autêntico passado- possivelmente um passado glorioso, mas, de qualquer forma,

um passado que parece “real”- que poderia validar a identidade que reivindicamos.” (p. 27)

Nesse contexto, faz-se necessário a interligação entre desconstrução das representações

negativas do negro, construída historicamente através de um passado que perpetua o legado

do determinismo racial e as proposta dos materiais didáticos e paradidáticos. Para Woodword

(2007): ”Isso não significa negar que a identidade tenha um passado, mas reconhecer que, ao

reivindicá-la, nós a reconstruímos e que, além disso, o passado sofre uma constante

transformação.” (p28)

Refletir sobre o processo de construção da identidade negra e as contribuições que

influenciaram esse processo torna-se imprescindível olhar com a perspectiva da escola

enquanto espaço educacional, como de dar esta relação escola afirmação da identidade e sua

complexidade. Segundo Gomes (1996):

Esse diálogo, perfeitamente possível, nos permitirá dar visibilidade às diferentes referências de identidade construída pelos sujeitos negros, brancos e de outros segmentos étnicos no cotidiano escolar, e nos ajudará na compreensão do papel preponderante que a cultura produzida por esses grupos assume na escola (p.87)

Page 22: Monografia Noêmia Pedagogia 2009

22

Afirmar positivamente essa identidade étnica e cultural não significa enfatizar a “pureza de

raça”, mas, abrir caminhos para a construção social e histórica democrática, por se entender

essa relação como aspectos constituintes na formação humana e não como um problema a

questão da diversidade étnica e cultural (GOMES, 2001).

Não se pensa em identidade étnica sem buscar essa reflexão no contexto educacional e suas

relações, no qual a relações nos espaços escolares legitima de forma particular o racismo.

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23

CAPÍTULO III

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 Tipo de Pesquisa:

Concebendo o objetivo do pesquisador como o de servir como veículos inteligentes e ativos

entre o que já conhece e as evidências, são projetado estudos a partir da pesquisa qualitativa,

pois segundo Ludke (1996, p.11): “A pesquisa qualitativa supõe um contato direto e

prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de

regra através do trabalho intensivo de campo.”

Para facilitar à compreensão desse caso particular e efetivação da pesquisa qualitativa a

metodologia escolhida foi o estudo de caso etnográfico, pois possibilitou levar em conta o

contexto no qual o problema estava inserido e sua complexidade de forma particular, pois

como afirma André (1995, p.49): “O estudo de caso etnográfico possibilita uma visão

profunda e ao mesmo tempo ampla e íntegra de uma unidade complexa.”

O trabalho de pesquisa foi marcado pela incerteza que nós tínhamos do trabalho realizado

cotidianamente com literatura infanto-juvenil e a sua interferência na formação da identidade

étnica e cultural dos sujeitos que a ela tinha acesso, daí surgiu à necessidade de pensar as

relações que se dão nos espaços educacionais numa perspectiva complexa, dinâmica e

inacabada para isso buscamos então sanar nossas inquietações debruçando na concepção

desse problema, contextualizando e não o reduzindo em partes, concebendo dentro do seu

espaço legítimo, pois segundo André (1995, p.31): “O interesse do pesquisador ao selecionar

uma determinada unidade é compreendê-la como uma unidade. Isso não impede, no entanto,

que ele esteja atento ao seu contexto e às suas inter-relações como um todo orgânico, e a sua

dinâmica como um processo, uma unidade em ação.”

3.1.2 Instrumentos de Coletas de Dados.

Para realização desse estudo e melhor conceber as possibilidades de interpretação da realidade

e na perspectiva de encontrar meios de perceber a complexidade dos fatos os instrumentos de

Page 24: Monografia Noêmia Pedagogia 2009

24

coletas de dados utilizados nessa pesquisa foi: a observação direta e sistemática ao lado do

questionário fechado e a análise documental.

A observação direta e sistemática foi realizada no intuito de investigar as experiências

vivenciadas pelas professoras que contribuíram com a pesquisa e sua relação com as

literaturas infanto-juvenis no momento em que eram aplicadas em sala de aula esse

instrumento possibilitou considerar e analisar alguns aspectos em diferentes circunstâncias e

melhor compreender o problema, como afirma Ludke (1996, p.26): “Na medida em que o

observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos pode tentar aprender a sua

visão de mundo, Isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cercam e as suas

ações.”

Foi aplicado o questionário fechado no processo de coleta de dados no intuito de conceber

quem são os profissionais da educação que contribui com a escolha do material paradidático

usado frequentemente na escola Municipal José Barreto Filho, de forma mais especifica no

turno matutino. O que justificou o uso desse instrumento foi porque facilitou traçar o perfil

sócio econômico dos sujeitos pesquisados e nos possibilitou compreender a realidade dentro

de um contexto.

Para esse estudo de caso foi usado também a analise documental, para melhor perceber o

problema estudado. Nessa análise documental foram considerados alguns livros de literaturas

infanto-juvenil utilizados em sala de aula, pois segundo Lüdke (1986, p.38): “são

considerados documentos... estes incluem as leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas,

memorandos, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de

programas de rádio e televisão, até livros, estatísticas e arquivos escolares”. O que justificou

essa técnica exploratória foi à necessidade de complementar as informações já obtidas pela

observação direta. Como afirma (Ludke 1986, p.38): “a análise documental pode se constituir

numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as

informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou

problema.”

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25

3.1.3 Lócus de Pesquisa

Esta pesquisa foi realizada na Escola José Barreto Filho da rede pública municipal localizada

na sede do município de Campo Formoso, no centro. A referida escola possui um espaço

físico distribuídos do seguinte modo: Secretaria, cantina, sete salas e três banheiros. A escola

funciona no turno matutino e vespertino, com uma turma de maternal, duas turma de 1º

período, duas turmas de 2º período, e duas turmas de 3º período. Dos dois turnos existentes na

referida escola foi escolhida o turno matutino com sete professoras regentes e quatro

professoras auxiliares. O que justificou essa escolha foi à prática cotidiana do uso de literatura

infantil na maioria das salas de aulas pelas professoras percebidas por nós durante o estágio

do quinto e sexto período do curso de pedagogia, como também a congregação de vários

professores de diferentes graus de formação e de etnias diversas.

3.1.4 Sujeitos da Pesquisa

A pesquisa foi executada com onze professoras do turno matutino da Escola José Barreto

Filho, localizada na sede do município de Campo Formoso-BA. As docentes escolhidas para

contribuir com esse estudo são todas do sexo feminino e tinham idades compreendidas entre

vinte e cinquenta anos pertencentes a vários segmentos étnicos e culturais e grau de

escolaridades variadas. O procedimento de coleta de dados envolveu a análise dos livros de

literaturas infanto-juvenis usadas pelas docentes cotidianamente e as onze profissionais do

turno matutino, no qual das onze pesquisadas oito cursaram o antigo magistério, uma o ensino

médio e a outra possui o nível superior incompleto. Todas atuam na área de educação há mais

de cinco anos

Para chegarmos às literaturas utilizadas cotidianamente na sala de aula e às onze docentes que

seleciona esse material paradidático, seguimos diferentes etapas. No primeiro momento fomos

à escola para conversar com a direção a respeito da possibilidade de fazermos a pesquisa e

começarmos com a observação. No segundo momento escolhemos as professoras do turno

matutino para contribuir com a pesquisa. O que justificou a escolha foi o contato já antes

vivenciado no quarto, quinto e sexto período do curso de pedagogia, no qual observamos que

as mesmas, mais especificamente daquele turno habitualmente no início de cada aula diária

faziam uso da literatura infanto-juvenil.

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26

No terceiro momento pedimos para conhecer e ter acesso a literatura infantil utilizada pelas

professoras nas salas de aula e passamos a analisar procurando identificar os elementos

étnicos que estão presentes nas literaturas utilizadas pelas docentes que interferem na

formação da identidade negra da criança negra. Em seguida distribuímos os questionários

fechados para traçarmos o perfil dos sujeitos pesquisados para assim conceber e

contextualizar os dados obtidos através da observação e das análises documental. A

participação das profissionais da educação supracitadas foi de fundamental importância para

obtermos o resultado da pesquisa, já que elas estão diretamente envolvidas na escolha das

literaturas infantis aplicadas na sala de aula cotidianamente.

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27

CAPÍTULO IV

4. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Este capítulo contém informações que se referem à coleta de dados realizada na Escola José

Barreto Filho, no qual será abordada a análise das literaturas infantis usadas cotidianamente

pelas docentes no início das aulas e as questões do questionário fechado, com suas respectivas

respostas, que nos permitiram traçar o perfil das professoras que escolhe as literaturas infanto-

juvenis que as mesmas utilizam nas salas de aula, atrelados a descrição de fatos percebidos

durante a observação direta e sistemática.

Essa análise nos permitiu abordar alguns aspectos importantes, que foram identificados, nas

literaturas infanto-juvenis usadas na sala de aula como também no perfil das professoras que

selecionam esse material paradidático e consequentemente os elementos étnicos presente que

interferem de alguma forma na formação da identidade negra da criança negra.

A primeira análise refere-se às informações de dados obtidas através do questionário fechado

no intuito de traçar o perfil das professoras que estão envolvidas no processo de escolha das

literaturas infanto-juvenis. Nossa visão foi a de conceber quem são esses sujeitos que

interferem na escolha desse material paradidático. Em seguida daremos continuidade à análise

dos elementos étnicos que nos permitiram perceber de forma mais reflexiva a visão

etnocêntrica, ou seja, uma perspectiva com o olhar da legitimação do branco dos seus valores,

ideais, sua cultura para o outro considerado diferente, com desprezo e inferioridade (SOUSA,

2009). Essa visão etnocêntrica se faz presente nesse material paradidático tão importante no

processo de educação infantil.

4.1Quem São as Professoras Que Contribuíram Com Essa Pesquisa

Esta análise refere-se às professoras participantes da pesquisa. Um total de onze educadoras

do turno matutino da Escola José Barreto Filho situada no município de Campo Formoso-BA.

Percebemos que 99% desse quadro de docentes a qual nos referimos anteriormente não

tiveram acesso ainda ao ensino superior, tendo apenas como formação o ensino médio ou o

antigo magistério, e que 80% têm mais de cinco anos no exercício da profissão.

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Compreendemos analisando esse resultado o contexto no qual estão inseridas, esses

profissionais da educação que contribuem diretamente com as escolhas do material

paradidático, mais especificamente as literaturas infantis, que são usadas diariamente na

escola José Barreto Filho. Vemos com isso qual o contexto de formação acadêmica levando

em conta o tempo de prática em sala de aula para perceber em suas respostas e ações o seu

perfil e declarações objetivas que está inserido na analise a seguir.

4.2 Como se Declaram as Professoras?

4.2.1 O Sem Cor: Sou ou Não Sou Negro?

Percebemos através das repostas do questionário fechado “qual a sua etnia?” que foram

apresentadas com negação do ser negro, resposta que revelaram à negação de pertencimento a

origem afro-descendente. As professoras quando questionada sobre a sua etnia, expressaram

dificuldade em definir sua cor ou raça e responderam “pardas”, “morenas”, só não afirmaram

ser negro ou afro descendente.

É importante atentar para o fato descrito, que as professoras pesquisadas, como a maioria dos

brasileiros, são dotadas fisicamente de traços do povo negro. Entretanto, explícita nas suas

respostas dificuldades em se definir etnicamente negros ou afros descendentes. Embora os

brasileiros sejam etnicamente descendentes de índio, portugueses, japonês, italianos somos

afro descendentes. Essas declarações manifestam o que Munanga (1988) afirma sobre as

condições históricas que o negro foi submetido em relação a estereótipo e estigmas legitimado

a tudo que se refere ao negro. Ser negro torna-se sinônimo de ser primitivo, inferior, dotado

de pouca mentalidade lógica. Conseqüentemente tudo que pertence ao negro é desvalorizado

sua cultura, sua língua, sua arte, sua cor, seu corpo, seu continente, seu país, na perspectiva de

alienar e inferiorizar o povo negro.

Diante dessa relação histórica e social do negro ou do afro-brasileiro resulta a uma negação ou

não declaração de seu pertencimento ao povo africano. Pois é, notório as seqüelas, os legados

e a herança deixada pelos colonizadores em relação à visão etnocêntrica em que percebe tudo

pela visão dos valores culturais e físicos do branco. Embora a história do povo negro venha

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29

sendo discutida com possibilidade de ser recontada diante dessa análise percebemos que a

educação histórica fala mais fortemente, confirmando o que afirma Munanga (1988, p.46): “o

fator histórico parece o mais importante, na medida em que constitui o cimento que une os

elementos diversos de um povo, através de sentimento de continuidade vivido pelo conjunto

de coletividade”. O essencial é que cada povo, cada etnia tenha acesso a sua legitima história

na visão e no seu contexto cultural.

Diante disso percebemos a dificuldade prática de se declarar, se assumir negro ou afro-

brasileiro. O “modelo ideal” de se identificar, não está nos discursos existente. Falta o

assumir-se negro. Falta o orgulho de ser afro-descendente. Confirmando o que afirma Costa

(1983, p.2): “Ser negro é ser violentado de forma constante, contínua e cruel, sem pausa ou

repouso, por dupla injunção: a de encarnar o corpo e os ideais do ego branco e a de recusar,

negar e anular a presença do corpo negro”.

Essa dificuldade de se declarar negro ou afro-descendente resulta de relações formadas ainda

na infância através de imagens e palavras, ou seja, das relações sociais e com sua história

vivenciada pelo sujeito e a cultura que lhe é proposta. Esse sujeito internaliza, concebe um

modelo etnocêntrico que lhe é imposto e a partir daí não se percebe como outro sujeito

diferente do que lhe proporcionam, resultando em uma discrepância entre o seu corpo e o que

ele pensa e declara de si mesmo. Estereótipos e estigmas legitimado em relação o povo negro

e sua história resulta em negação dessa identidade negra em dificuldades em se declarar

descendente do povo negro, buscando fuga para essa realidade na miscigenação do povo

brasileiro (MUNANGA, 1988).

Essa realidade se faz presente nas respostas das educadoras. Percebemos o quanto as mesmas

foram inquietadas, incomodadas pelo questionamento da sua etnia, cor, raça. Comentários

como: “você sabe que o brasileiro é misturado não tem uma raça pura”, ou seja, em outras

palavras não tem cor, conseqüentemente, não tem identidade. Percebemos também que

assuntos relacionados à etnia negra, ou a qualquer questão que envolva direta ou

indiretamente relações étnicas raciais ainda é ‘tabu’ para alguns profissionais da educação.

Observamos que após tomarem conhecimento das perguntas do questionário algumas das

docentes se negava a responder. O que nos levou a perceber o incômodo causado pela

questão. Responderam apenas após a confirmação que seria resposta objetivas.

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30

4.3 Como são Selecionadas as Literaturas Infantis?

4.3.1 Era uma vez....

Observamos que as literaturas eram escolhidas após as docentes pedirem aos seus alunos que

tragam livros de “historinhas” para serem contadas na próxima. Havia uma euforia no

momento em que várias crianças apresentavam suas histórias, cada uma delas queria que a sua

fosse escolhida. As professoras optavam pelo conto de fada mais pedido pelas crianças sem

muita sem preocupação com os significados presentes em suas narrativas. Em suma suas

escolhas eram baseadas em simplesmente em algo que prenda a atenção, que as crianças

gostem.

O critério na hora de escolher sempre foi à preocupação com “como prender a atenção” dos

pequenos leitores sem refletir no valor das literaturas na formação do imaginário da criança

refletindo assim de alguma forma no processo de construção da identidade dessa criança.

Andrade (2001, p.113) confirma que um dos aspectos que estão ligados ao papel da literatura

infanto-juvenil, a literatura feita por adultos para a criança e jovem, é uma arte que povoa a

imaginação, e que por isso, tem o seu espaço na formação das mentes plásticas do ser que a

ela tem acesso. Perceber a relação que a criança tem com a literatura no qual ela tem acesso é

imprescindível na hora da escolha desse material.

4.4 Etnocentrismo e Literatura Infanto-Juvenil

Quando questionamos as docentes se existia racismo nas literaturas infantis usada em sala de

aula as respostas foram sim. As mesmas concordam que o racismo está presente no material

paradidático usado frequentemente por elas. Evidencia-se na resposta das professoras que há

uma consciência de etnocentrismo na literatura infantil que elas usam em sala de aula, no qual

uma etnia ou cultura são contempladas através das narrativas e ilustrações dos contos que são

selecionados pelas educadoras e usados no cotidiano escolar da educação infantil. A

constatação nas respostas das professoras permite concordar com Santomé (2001, p.169) no

qual diz que numerosas são as formas através das quais o racismo aflora no sistema

educacional, de forma consciente ou oculta. Especialmente através dos silêncios que são

produzidos em relação aos direitos e características de comunidades, etnias e povos

Page 31: Monografia Noêmia Pedagogia 2009

31

minoritários e sem poder. Diante disso é notório que a ausência da imagem do negro e da sua

cultura nas narrativas e nas ilustrações dos contos infantis aponta um silencio em relação às

etnias que não estão na perspectiva eurocêntrica. A falta de acessibilidade à literatura que

contemple a imagem e a cultura negar faz com que a criança tenha dificuldades na elaboração

de sua identidade negar ou até mesmo tenha a oportunidade de estimular a elevação da sua

autoestima enquanto criança, afro descendente, pois a falta de opção de se ver, de se imaginar

causando assim a violência simbólica.

Observando, notamos que as professoras percebem a dificuldade que as crianças negras têm

de lidar com os apelidos dolorosos e as atitudes estereotipadas, resultado muitas vezes do

silenciamento diante das necessidades das crianças negras, no qual a escola apenas produz e

reproduz ranço e estereótipos, frutos dos padrões etnocêntricos legitimados que invadem o

cotidiano escolar. Nessa visão Silva (1996, p.170), confirma que a professora que trata seu

aluno negro como se não fosse está contribuindo para a formação de uma identidade que nega

suas raízes étnicas e culturais e busca arremedar outras, com as quais é muito provável, não se

identifique positivamente.

Diante do silêncio, em relação a conceder espaço para a literatura infantil que contempla a

cultura negra por parte da escola denota que a diversidade étnica e cultural é ignorada pelos

profissionais da educação, apesar de aparentar haver uma consciência em seus discursos,

esses profissionais continuam transmitindo a “mensagem da escola”, ou seja, da cultura

dominante sem contextualizar com a realidade dos seus alunos.

Percebemos que há consciência da realidade da imagem do negro nos materiais paradidáticos,

com base nas observações. No entanto o discurso da democracia racial permeia algumas

concepções das educadoras

Percebemos que seria um incentivo a autoestima da criança negra, se as imagens do negro e

do índio fossem tão presente quanto à etnia branca, como percebemos na análise das

literaturas infantil utilizada pelas docentes. Podemos perceber uma discrepância em relação à

consciência das educadoras com a realidade vivenciada pelas mesmas no trabalho com

literatura infantil cotidianamente na escola.

Page 32: Monografia Noêmia Pedagogia 2009

32

4.5 ANÁLISE DOS LIVROS DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL

4.5.1 A Ausência do Negro na Literatura Infantil: Indiferença ou Falta de

Opção?

4.5.2 A Princesa Branca do Conto de Fadas

Em relação às literaturas infantis analisadas percebemos que são bastante conhecidas pelas

crianças e pelas professoras que as conta, por exemplo, o livro “Branca de Neve” está entre os

livros de literaturas infantis mais pedidos pelas crianças. Analisando a sua narrativa,

observamos que logo no início, nas primeiras linhas escritas nesse conto, ela nos remete as

narrativas tradicionais (Braz, 2007, p.3) “Era uma vez, uma princesinha de cabelos bem

negros pele branca como a neve e lábios vermelhos...”. A descrição da personagem remete a

um modelo-padrão de princesa intrinsecamente ligada a padrão de beleza único. Nota-se

claramente que por meio de uma simples descrição e da própria ilustração contida no livro,

adjetivos positivos que contemplam apenas a etnia européia, ou seja, ao branco e são

direcionados ao imaginário do pequeno leitor ou ouvinte a um único padrão, modelo ou forma

de “ser belo”.

As ilustrações do livro, Branca de Neve (BRAZ, 2007), apresentam a personagem como uma

menina com traços compreendidos por definidos e delineados, por exemplo, nariz afilado,

boca com lábios finos e rosados, cabelos pretos e bem lisos e com franginha e pele bem

clarinha. Sabemos que a questão analisada não está nas formas descritas, mas no contato

unicamente com essa descrição nos contos. O problema também não está no contar ou não

contar essa ou outra história infantil no mesmo contexto, mas sim no uso frequente dessa

única forma de conceber ou imaginar o príncipe, a princesa, aqueles que serão felizes para

sempre, que serão heróis e serão desejados por todos; não abrindo possibilidades para outras

formas de conhecer essas personagens em outros contextos étnico e culturais.

Nessa perspectiva Parreiras (2005, p.5) afirma que estereótipos são criados muitas vezes fora

da escola, e invadem o espaço escolar a ponto de não se permitir ver ou ser de outra forma

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33

porque a menina negra não pode, por exemplo, ser a princesa ou a fada e o menino negro o

príncipe ou o herói da história.

Em relação às literaturas infantis analisadas percebemos que são bastante conhecidas pelas

crianças e pelas educadoras que as contam. As crianças mostram bastante interesse na hora de

ouvir histórias, interagindo com as mesmas quase que unânime em todas as salas observadas.

Cada literatura é aceita de forma particular e com grande prazer percebemos no olhar, no

sorriso de algumas crianças de forma discreta de outras com euforia quando a sua professora

anuncia que aquele momento é de “ouvir história”.

4.5.3 Os Belos Heróis: Brancos ou Negros?

Outra literatura infantil usada pelas docentes da escola pesquisada é a intitulada: “Cachinhos

de Ouro” (BRAZ, 2007). Nessa referida história o que nos chama a atenção são as ilustrações

que traz a narrativa: uma menina de cabelos loiros e cacheados com olhos azuis e pele bem

clarinha. Quando vista pela família urso é elogiada e admirada com a firmação seguinte: Braz

(2007, p. 04) “nossa, é uma menina. Ela é tão bonitinha!”, mas uma vez a imposição de

padrão de beleza aos heróis das literaturas infantil é percebida nas imagens dessas literaturas.

Este livro nos leva a um contexto no qual historicamente se reproduz a exclusão quando se

contempla apena um biótipo físico não permitindo outra possibilidade da criança ou do leitor

que tenha contato com esse material paradidático tenha possibilidade de se descobrir outros

jeitos de agir, de serem, outros tempos, outras etnias e outras óticas.

Nesse contexto a criança ou o pequeno leitor ainda em formação, isso independe de sua etnia

ou cultura, perde a oportunidade de vislumbrar outras possibilidades de perceber outras

formas de representação de beleza, outras culturas e outras etnias, desempenhado os mesmos

papéis que as das narrativas analisadas. Como também em decorrência do silencio da imagem

do negro de formas positiva, ou seja, referenciais dignos de admiração, temos crianças negras

com baixa auto estima e a perseguição por parte das mesma pelo padrão branco de beleza

( SOUZA,2009).

A ilustração da história deixa implícitos os traços da etnia branca por isso o uso unicamente

dessa literatura ou de outras semelhantes a ela e a combinação de outros elementos presentes

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34

na própria narrativa escrita afirma a conveniência da autoafirmação social etnocêntrica e

cultural fazendo com que a criança que tenha contato diário apenas com esses contos não

conheça outras formas de ser e consequentemente não tenha referências positivas ou opções

étnicas, culturais e de gêneros para servir de fundamentação dentro do processo de construção

e afirmação de sua identidade, principalmente quando refletimos essa realidade diante da

afirmação e concepção de literatura concebida por Andrade (2001, p.113) que diz que a

literatura infanto-juvenil, a literatura feita por pessoas adultas para a criança e jovens é uma

arte que povoa a imaginação, e por isso tem o seu espaço na formação da mente plástica do

ser que a ela tem acesso.

Os desenhos são belos e expressivos, com certeza podemos afirmar que são repletos de um

colorido que chama a atenção dos leitores, porém a dominação ratifica a idéia de modelo de

beleza, heróis, princesa e príncipe. Num breve exame do livro Cinderela (BRAZ, 2007),

observamos também, que existem vários personagens e todos são criaturas de um mesmo

traço, embora cada um tenha seu papel “a madrasta”, “o mensageiro do palácio”, “as meio-

irmãs”, “a fada madrinha”, “o príncipe”, vemos que as opções são muitas de personagens, no

entanto não há presença de traços do povo negro, todas as personagens são desenhadas com

pele bem clarinha, nariz afilados, olhos claros e cabelos lisos e longos, alternado apenas os

figurinos e as expressões faciais. Não há diversidade no biótipo das personagens do conto. A

ilustração não tem diversidade étnica ou cultural, nem tão pouca as narrativas quando a

expressão ‘bela moça’ vem associada apenas a um mesmo traço físico. Não apenas a “beleza”

como também essa associação: características físicas, modelo e padrão de beleza nos leva

sempre ao mesmo final ‘felizes para sempre’ como se uma coisa estivesse atrelada a outra,

traços físicos, heróis e final feliz, ou seja, como se foram felizes para sempre porque

“puderam ser príncipes, princesas, reis, rainhas e heróis.

Esse silêncio, em relação à imagem do negro na literatura infantil usada na escola como

material paradidático ou de apoio faz com que a criança negra ou afro-descendente não tenha

referenciais étnicos e culturais na mesma proporção que as crianças não negras, confirmando

o que afirma Lima (2009 p.103): “A diferença para a criança não negra está no número de

opções em que ela se vê para elaborar sua identidade. O mesmo não acontece para a criança

negra, que encontra imagens poucas dignas para se reconhecer.”

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35

Diante disso, como a criança negra poderá em contato com tais literaturas formar sua

identidade negra se cotidianamente tem contato com literaturas que traz referências apenas a

uma etnia, a um modelo de cultura. A real dificuldade não está em contar histórias de

príncipes e princesas brancas ou negras, mas na diversidade de opções que são oferecidas,

apresentando apenas uma etnia como possibilidade da criança que entra em contato com tais

literaturas possa descartar os negativos e absorver os positivos sobre sua etnia. Como vem

confirmando Sousa (2005, p.196): as imagens suscitadas tanto palas ilustrações quanto pelas

discrições e ações de personagens negras podem ser utilizadas de maneiras construtivas, de

modo que contribuam para a autoestima das crianças negras, bem como para a sensibilização

das não negras.

Nessa perspectiva percebemos que quando é negada à criança negra de ver sua história

retratada em contos e histórias ou simplesmente na literatura infanto-juvenil que

cotidianamente lhe é oferecida, as conseqüências psíquicas para criança é maior do que para o

adulto, pois a visão fixa e inalterável são mais aceitas como “verdade” muito próxima do real

dentro do seu imaginário, mais pela criança que está em processo de formação de sua

identidade. (SILVA, 1996).

4.5.4 Espelho, Espelho meu... De que Cor Sou Eu?

No livro de literatura infantil a “Pequena Sereia” (BRAZ, 2007), a realidade da bela ilustração

também não é diferente das literaturas antes analisadas, é feita com muito colorido do fundo

do mar, traz uma imagem muito marcante para a memória do leitor. Esta história começa

assim: Braz, (2007, p.03) “no fundo do imenso mar e rodeada de peixinhos das mais variadas

cores, vivia uma bela Sereia de cabelos dourados. Ela tinha uma bela voz”.

Confrontando esse relato com as ilustrações do livro a Pequena Sereia e a concepção de

Parreiras (2005) no qual afirma que fadas, príncipes e princesas e heróis são representados nos

clássicos e também em outras histórias com características européias. Notamos com isso que,

o leitor, com o seu imaginário em formação ficam impossibilitado de ver e se imaginar nas

formas representadas nessas ilustrações se eles não tiverem as mesmas características físicas,

ou seja, se não estiverem dentro do biótipo ilustrado não poderá se imaginar ou até representar

tais personagens, trazendo assim várias conseqüências para sua formação. E pode até se

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36

imaginar, mas em uma imagem muito diferente daquela que quando a criança negra vê

quando se contempla no espelho trazendo para se o desejo de branquear, pois na sua

concepção formada pelo imaginário em contato cotidiano com tais imagens e narrativas

eurocêntricas, ela não consegue conceber outra possibilidade de ser um príncipe ou uma

princesa, um herói ou uma heroína a não ser tornando conforme as características descritas

pelos contos. Essa experiência ocasiona na criança negra dificuldade em formar sua

identidade negra, confirmando a afirmação de Costa (1990, p.6):

A identidade do sujeito depende, em grande medida, da relação que ele cria com o corpo. A imagem ou enunciado identificatório que o sujeito tem de si então baseado na experiência de dor e prazer ou desprazer que o corpo obriga-lhe a sentir e a pensar.

Todo o contexto no qual o resultado dessa análise nos remete, é a da negação do negro e do

índio na literatura infanto-juvenil é fato. No entanto é sabido que existem literaturas com

personagens negras que abordam tema como racismo, a cultura africana, questões sociais

como também apresentam os negros dentro do seu contexto cultural, histórico e seus

ancestrais. Sousa (2009) apresenta em sua obra opções de livros de literaturas para o público

infantil e juvenil. Nessa proposta apresentamos como exemplo, o livro infantil Menina Bonita

do Laço de Fita de Maria C. Machado, no qual, narra à história de uma garota negra ‘linda”

que usava tranças e sua beleza é comparada à de uma princesa ou fada. Nessa obra há uma

alusão à miscigenação e ao resultado dessa mistura étnico-racial que é a diversidade.

(SOUSA, 2009)

Temos também como obra de literatura infanto-juvenil o livro destinado ao público infantil

Bruna e a Galinha D’Angola (2000) de Gercilga de Almeida que expressa à força da tradição

oral africana. Narra à história de uma menina que se sentia muito só e pedia para sua vó

africana Nanã contar lendas da aldeia africana. (SOUSA, 2009).

Nessa perspectiva é bom ressaltar que a trajetória da presença do negro na literatura infantil

tem mudado. E que já se pode vislumbrar obras que podem ser utilizadas nos espaços

educacionais para abrir possibilidades, de forma democrática para todas as etnias presente no

espaço educacional formal ou informal, de se imaginar, se pensar e se ver com outra visão que

não seja a etnocêntrica. Essa ação da escola, enquanto espaço de diversidades, levaria a

prática da legitima democracia étnico-racial.

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37

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inquietados pela questão que nos levou a refletir a formação da identidade negra no espaço

escolar, mais especificamente quais os elementos étnicos presente no trabalho de literatura

infanto- juvenil que interferem na formação da identidade negra da criança negra realizamos

essa pesquisa. Diante dessa inquietação surgiu o interesse de identificar e analisar quais as

literaturas são usadas no espaço escolar e a relação da escolha das literaturas infantis,

utilizadas cotidianamente na sala de aula, e analisar o perfil das professoras que escolhem e

realiza o trabalho com literatura infantil na Escola José Barreto Filho.

Entendendo que um dos papeis da literatura infantil é reproduzir no imaginário do pequeno

leitor, imagens que as crianças ver e ouve no momento em que tem acesso ao conteúdo das

literaturas, na maioria das vezes proposta e contada pelo adulto, é imprescindível conceber

quais elementos étnicos permeiam essa relação que interfere na formação da identidade negra

da criança que participam desse trabalho, no nosso caso mais especificamente a relação

criança negra e literatura infanto-juvenil, selecionada pela professora e usada na sala de aula

diariamente.

Sendo assim esse trabalho possibilitou identificar e analisar os elementos etnicos presentes no

trabalho de literatura infanto-juvenil que interfere na formação da identidade negra da criança

negra, levando a compreensão de como as concepções construída no cotidiano é atrelada ás

práticas e como os materiais paradidáticos, mais especificamente as literaturas são utilizadas

no processo de formação das identidades em meio à diversidade étnica existente no contexto

escolar. Como também nos permitiu identificar dificuldade em se trabalhar essa temática com

os profissionais de educação, quando algumas das entrevistadas se negaram a responder

perguntas do questionário, justificando com a falta de tempo.

Os materiais paradidáticos, a exemplo da literatura infanto-juvenil, constituem parte do

trabalho educativo e conseqüentemente influencia na construção da formação da auto-estima

do aluno. Não se pode esquecer que não há neutralidade no processo educativo. Nessa

perspectiva, não podemos desvincular a construção da auto-estima do processo de formação

da identidade étnica e cultural do aluno que integra o espaço escolar. Essa diversidade deve

ser considerada no momento da escolha do material didático e paradidático. No entanto não

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38

percebemos essa preocupação no material analisado, no nosso caso, as literaturas infantis e

nem tão pouco na prática das professoras, a necessidade de possibilitar a construção da

verdadeira democracia racial com a perspectiva da construção de identidades étnicas e

culturais, os elementos presente no próprio material paradidático. Nessa pesquisa as literaturas

infantis sinalizaram para uma necessidade de se rever nossas práticas enquanto promotores da

educação democrática.

Percebemos também que há uma crença na existência da igualdade racial já existente na

sociedade brasileira por ser esta miscigenada, estando assim essa concepção muito presente na

prática das professoras e que conseqüentemente as possibilidades de uma educação anti-

racismo têm sido mascaradas e passada despercebida sem muita importância pelos

profissionais da educação.

Diante dessa realidade concreta e desafiante, torna-se cada vez mais urgente abordar as

dimensões do trabalho com literaturas infanto-juvenil nos espaços escolar, focalizando os

aspectos contidos nesses materiais paradidáticos presentes nas relações sociais e culturais na

perspectiva da construção da verdadeira democracia racial no processo educativo. Procurando

sensibilizar esses profissionais para a relação dolorosa entre a criança negra e o imaginário do

negro nos contos de fadas tão presente na educação infantil.

Uma vez que o trabalho com literaturas infanto-juvenil na educação infantil é importante para

a construção da imagem e auto-estima da criança, é importante que a escola crie espaços para

as discussões e estudos sobre a importância dessas literaturas e as imagens descritas e

visualizadas em seus conteúdos na formação da identidade da criança e concebendo toda a

relação emocional que há por trás desse ato de escolher uma simples literatura. Nessa

perspectiva, refletindo no momento da seleção e aplicação da literatura infantil em qual

momento os profissionais da educação infantil reproduzem a falta de democracia racial ou

abre espaços para encarar as desinformações e etnocentrismo presente nas literaturas infanto-

juvenis selecionadas e usadas cotidianamente na escola.

Através dessa pesquisa, durante a observação, a análise das literaturas infantis e o

questionário aplicado, assim como em todo o processo de construção desse trabalho nos

possibilitou perceber a fragilidade da real democracia racial nos discursos dos educadores,

como também podemos identificar a relevância da pesquisa na área da educação, pois é

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39

através desse veículo de conhecimento, a pesquisa, que podemos compreender alguns

processos e a relação deles com a realidade existente como também sanar nossas dúvidas,

enriquecendo o nosso conhecimento enquanto profissionais da educação.

Page 40: Monografia Noêmia Pedagogia 2009

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APÊNDICES

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APÊNDICE I

QUESTIONÁRIO FECHADO

1. Perfil socioeconômico dos entrevistados:

1.1 Sexo:

( )Feminino ( )Masculino

1.2 Idade:

( ) Menos de 20 anos

( ) Entre 20 e 30 anos

( ) Entre 30 e 40 anos

( ) Acima de 40 anos

1.3 Formação acadêmica:

( ) Ensino médio

( ) Magistério

( ) Nível superior

( ) Pós graduação

( ) Outra..............

1.5 Tempo de exercício do magistério:

( ) Menos de um ano

( ) 01 a 05 anos

( ) 05 a 10 anos

( ) Mais de 10 anos

1.6 Em sua opinião existe racismo na literatura infantil usada em sala de aula?

( ) Sim ( )Não

1.7 Qual a sua etnia, cor, raça?

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( ) Negro ( ) Branco ( )Afro brasileiro ( ) Indio

( ) Pardo ( ) Amarelo

OBRIGADA PELA SUA COOPERAÇÃO!