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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE DIREITO JACKELLINE VIEIRA LUCHTEMBERG OS ANTECEDENTES E A REINCIDÊNCIA CRIMINAL COMO ESTIGMAS DA CRIMINALIZAÇÃO: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA TEORIA DO LABELLING APPROACH CRICIÚMA, JUNHO 2011

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC

CURSO DE DIREITO

JACKELLINE VIEIRA LUCHTEMBERG

OS ANTECEDENTES E A REINCIDÊNCIA CRIMINAL COMO

ESTIGMAS DA CRIMINALIZAÇÃO: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA

TEORIA DO LABELLING APPROACH

CRICIÚMA, JUNHO 2011

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JACKELLINE VIEIRA LUCHTEMBERG

OS ANTECEDENTES E A REINCIDÊNCIA CRIMINAL COMO

ESTIGMAS DA CRIMINALIZAÇÃO: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA

TEORIA DO LABELLING APPROACH

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau de Bacharel em Direito no curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC. Orientadora: Profª. Dra. Mônica Ovinski de Camargo Cortina

CRICIÚMA, JUNHO 2011

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JACKELLINE VIEIRA LUCHTEMBERG

OS ANTECEDENTES E A REINCIDÊNCIA CRIMINAL COMO

ESTIGMAS DA CRIMINALIZAÇÃO: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA

TEORIA DO LABELLING APPROACH

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de Bacharel em Direito, no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Criminologia.

Criciúma, 22 de junho de 2011.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Mônica Ovinski de Camargo Cortina – Doutora – UNESC – Orientadora

Prof. Alfredo Engelmann Filho – Especialista – UNESC

Prof. Valter Cimolin – Mestre – UNESC

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3

A todos aqueles que, de uma forma ou de

outra, contribuíram para a realização deste

trabalho. Em especial, minha irmã Samara

Vieira Lessa, que sempre esteve comigo, em

cada passo da vida, certo ou errado, me

apoiando, motivando, ensinando a fazer as

escolhas certas e nunca deixando com que

eu desistisse dos meus sonhos. A ela devo,

com muito orgulho, a pessoa que me tornei.

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4

AGRADECIMENTOS

Antes de qualquer coisa, agradeço a Deus que nos deu o dom da vida e

que está sempre nos guiando, nos dando força e encontrando respostas aos nossos

problemas.

A minha irmã Samara, pelo amor, incentivo e apoio que sempre me deu

em todos os momentos de minha vida.

A todos os amigos que conquistei na faculdade, especialmente André

Machado de Souza, Camila Custódio, Danielli Mattos, Elis Marina Marcon Schimidt,

Emily Trevisol, Francieli Oliveira, Joana Darós, Juliana Kestering, Rafael Galli e Igor

Pizarro Costa, os quais foram de grande importância para mim e certamente

contribuíram para a concretização deste trabalho.

As minhas amigas do peito Bruna Manfredini, Camila Zanoni Piazza,

Camila Wernke, Elisa Sauer, Fernanda Meister, Larissa Fernanda dos Santos, Lílian

Cabral, Marianna Meister e Valderez Martins que sempre estiveram ao meu lado me

incentivando, acreditando no meu potencial e me dando forças para continuar.

Não poderia deixar de agradecer a todos os professores deste curso que

colaboraram para minha formação acadêmica através de seus conhecimentos

repassados e compreensão durante todos esses anos de aprendizado.

Igualmente, agradeço aos professores Valter Cimolin e Alfredo

Engelmann Filho, por se disponibilizarem para fazer parte da minha banca.

Agradeço, também, a minha orientadora Mônica Ovinski de Camargo

Cortina pelo auxílio e dedicação para que eu pudesse realizar a presente

monografia.

Por fim, agradeço a todos que contribuíram direta ou indiretamente para

concretização deste trabalho.

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5

“Acima de tudo sejam sempre capazes de

sentir profundamente qualquer injustiça

cometida contra quem quer que seja, em

qualquer parte do mundo. É a mais bela

qualidade de um revolucionário.”

Che Guevara

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6

RESUMO

O objetivo principal deste trabalho foi verificar se a partir da aplicação dos institutos da reincidência criminal e dos antecedentes no processo de criminalização, o indivíduo fica estigmatizado, e se, conseqüentemente, possui uma maior tendência a continuar no mundo da criminalização. O marco teórico adotado foi a Teoria do Labelling Approach. Da mesma forma, analisou a aplicação e os efeitos que a reincidência e os antecedentes criminais possuem no âmbito criminal. Ademais, examinou as conseqüências da imposição penal e social do estigma, bem como analisou os antecedentes e a reincidência criminal como estigmas da criminalização. O método de pesquisa utilizado foi o dedutivo, em um tipo de pesquisa qualitativa e teórica com emprego de material bibliográfico. Os resultados alcançados apontam que os institutos da reincidência criminal e dos antecedentes acabam por estigmatizar os indivíduos a quem se aplica referidos requisitos, razão pela qual, estes sujeitos, uma vez possuidores de antecedentes e reincidência criminal possuem uma maior tendência a continuar na esfera penal.

Palavras-chave: Antecedentes. Reincidência. Estigma. Labelling Approach.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................9

2 A TEORIA DO LABELLING APPROACH; AS FUNÇÕES DECLARADAS E

OCULTAS DA CRIMINALIZAÇÃO.......................... .................................................11

2.1 As principais escolas penais e o surgimento da Criminologia.....................11

2.1.2 Escola Positivista........................... ................................................................14

2.2 Da Criminologia Positivista à Criminologia Crít ica: a Teoria do Labelling

Approach e o Paradigma da Reação Social.................... ......................................17

2.2.1 A Criminologia positivista e o paradigma etio lógico de Criminologia ......17

2.2.2 A Criminologia crítica, o paradigma da reação social e a Teoria do

Labelling Approach .................................................................................................19

2.2.3 A mudança dos paradigmas e a crítica à Crimin ologia positivista e o

paradigma etiológico ............................... ...............................................................23

2.3 A atuação seletiva do Sistema Penal: seletivida de qualitativa e seletividade

quantitativa ....................................... .......................................................................24

2.3.1 Seletividade quantitativa .................... ...........................................................25

2.3.2 A seletividade qualitativa................... ............................................................28

2.4 Second Code, Racial Profile e carreiras criminais: critérios de seletividade

..................................................................................................................................30

3 A REINCIDÊNCIA CRIMINAL E OS ANTECEDENTES E SUAS

CONSEQÜÊNCIAS PARA OS ACUSADOS NOS PROCESSOS CRIMIN AIS ........37

3.1 A reincidência criminal e seus efeitos na legis lação penal...........................37

3.2 Os antecedentes criminais e sua perspectiva leg al e doutrinária ................41

3.3 A influência dos antecedentes no direito penal brasileiro ............................46

3.3.1 A influência dos antecedentes antes da senten ça condenatória transitada

em julgado ......................................... ......................................................................47

3.3.2 Os antecedentes na fixação da pena........... .................................................49

3.3.3 A influência dos antecedentes durante a execu ção penal .........................52

3.4 A influência da reincidência no direito penal p átrio.......................................53

3.4.1 A aplicação da reincidência do trânsito em ju lgado da sentença .............53

3.4.2 A influência da reincidência na fixação da pe na .........................................55

3.4.3 A influência da reincidência durante a execuç ão penal .............................59

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4 A REINCIDÊNCIA E OS ANTECEDENTES CRIMINAIS COMO E STIGMAS DA

CRIMINALIZAÇÃO, À LUZ DA TEORIA DO LABELLING APPROACH.................64

4.1 Antecedentes e Reincidência Criminal: uma dupla punição para a pessoa

selecionada pelo Sistema Penal? .................... ......................................................64

4.2 A influência dos antecedentes e da reincidência nos processos penais,

considerando o Labelling Approach .....................................................................68

4.3 Os antecedentes e a reincidência criminal como estigmas da criminalização

e a sua influência para que o acusado volte ao mund o do crime, segundo a

Teoria do Labelling Approach................................................................................73

4.3.1 Estigmas da criminalização e suas implicações para a Teoria do Labelling

Approach..................................................................................................................77

4.3.2 Os antecedentes e a reincidência criminal com o estigmas da

criminalização e a sua influência para que o acusad o volte ao mundo do crime,

segundo a Teoria do Labelling Approach .............................................................80

5 CONCLUSÃO ........................................ ................................................................87

6 REFERÊNCIAS......................................................................................................91

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1 INTRODUÇÃO

No âmbito da esfera criminal, as pessoas classificadas como possuidoras

de maus antecedentes ou com reincidência criminal, recebem tratamento

diferenciado em relação às demais acusadas ou condenadas, fato que atinge desde

as normas que são previstas a estes sujeitos até ao modo que são tratados por

aqueles que fazem parte do sistema penal, como policiais e juízes.

Nesse viés, observa-se que o Direito Penal é mais severamente aplicado

para aqueles detentores de antecedentes criminais e reincidência e questiona-se a

justificativa para tais práticas discriminatórias. Sem dúvida, as conseqüências

jurídicas para as pessoas assim classificadas são severas, inclusive podendo gerar

estigmas que refletem em toda a sua vivência social.

Diante desse contexto, o objetivo da presente monografia é estudar os

antecedentes e a reincidência criminal como estigmas da criminalização, a partir da

leitura da teoria do Labelling Approach.

Para cumprir com o objetivo proposto a monografia será dividida em três

capítulos, inicialmente se estudará a Teoria do Labelling Approach e as funções

declaradas e ocultas da criminalização. A seguir, tratar-se-á sobre a reincidência

criminal e os antecedentes, destacando as suas conseqüências para os acusados

nos processos criminais. No último capítulo, discorrer-se-á quanto os estigmas,

examinando, em seguida, a reincidência e os antecedentes criminais como estigmas

da criminalização, à luz da Teoria do Labelling Approach.

Portanto, o objetivo da presente monografia é examinar, a partir da leitura

da Teoria do Labelling Approach, se os institutos da reincidência e dos antecedentes

contribuem para reforçar os estigmas da criminalização, ao invés de servirem para a

prevenção do crime.

Assim, a presente monografia tem como intuito estudar os antecedentes

criminais e a reincidência e os relacionar aos possíveis estigmas que são impostos a

determinadas pessoas, tendo como base principalmente a Teoria do Labelling

Approach.

Neste sentido, é de extrema importância para a sociedade ter

conhecimento sobre as reais funções que alguns institutos aplicados nos processos

criminais cumprem no âmbito Sistema Penal e assim suscitar reflexões sobre a

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necessidade de manutenção desses institutos, para os fins almejados para pena e

para a vida do egresso penal.

Por fim, importante ressaltar que se situa o tema da presente monografia

no campo da Criminologia, demonstrando a importância da análise da atuação

seletiva do sistema penal vigente, bem como da aplicação da reincidência e dos

antecedentes criminais como meios estigmatizantes, possuindo como fonte de

estudo, por sua visão crítica e reconhecida a Teoria do Labelling Approach.

O método de pesquisa empregado será o dedutivo, em pesquisa do tipo

teórica, qualitativa, com emprego de material bibliográfico e documental legal

disponíveis em livros, artigos científicos e materiais na Internet.

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2 A TEORIA DO LABELLING APPROACH; AS FUNÇÕES DECLARADAS E

OCULTAS DA CRIMINALIZAÇÃO

Este capítulo será direcionado as escolas penais que tiveram grande

importância para a Criminologia, quais sejam: a Escola Clássica e a Escola

Positivista. A primeira escola ocorreu em vários países europeus entre os séculos

XVIII e XIX e a segunda se difundiu na década de setenta do século XIX.

O objetivo deste capítulo é voltado para a compreensão dessas duas

escolas penais, as quais estão diretamente ligadas ao surgimento da Criminologia e,

consequentemente, a teoria do Labelling Approach.

2.1 As principais escolas penais e o surgimento da Criminologia

As escolas penais fomentaram o surgimento da Criminologia, enquanto

ciência dedica ao estudo do crime. Com início através da Escola Clássica, seguida

pela Escola Positiva e ao firmar o Paradigma Etiológico, surge a chamada

Criminologia Positivista, baseada no estudo das causas do crime.

A Escola Clássica se caracterizou por denominar algumas teorias acerca

do Direito Penal do crime, da criminalidade e suas causas, da vítima, da pena, bem

como sobre o criminoso, existente em vários países europeus entre os séculos XVIII

e XIX.

A Escola Clássica se utiliza do método racionalista, lógico-abstrato ou

dedutivo, tendo como intuito investigar de maneira racional e sistemática o seu

objeto de estudo que é o fato crime (ANDRADE, 1997, p. 40-49).

O Marquês de Beccaria é o maior precursor da Escola Clássica, autor do

livro “Dos Delitos e Das Penas” (2005), uma obra direcionada à justiça penal daquela

época, visando uma justiça penal liberal, humanitária e igualitária, uma vez que as

penas previstas eram bárbaras, compreendendo castigos corporais e pena de morte.

Referida Escola age primordialmente em defesa do indivíduo, ela parte de

um saber filosófico para um saber jurídico-filosófico.

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A Escola Clássica teve início no marco histórico do Iluminismo e de uma

mudança na sociedade e do Estado, qual seja na passagem do sistema feudal e o

Estado absolutista para o Capitalista, na França e na Itália. Vai de meados do século

XVIII a meados do século XIX.

[...] é fundamental distinguir entre as origens da Escola, marcada por um saber essencialmente filosófico no qual conflui, diretamente, toda a Filosofia do Iluminismo europeu, especialmente o francês (e traduz, ao mesmo tempo, o movimento de reforma penal que vem no bojo daquela transformação) do seu posterior desenvolvimento e culminação, quando é marcada pela produção de um saber jurídico, embora ainda filosoficamente fundamentado e herdeiro, então indireto, do Iluminismo. (ANDRADE, 1997, p. 46).

A ideologia da Escola Clássica trata, em suma, dos limites e justificativas

do poder de punir, considerando a liberdade individual e os direitos dos homens, que

precisam ser garantidos, tendo em vista as instituições da época, as quais eram

consideradas corruptas.

Para seus estudos, a Escola Clássica possuía alguns métodos próprios.

“[...] a Escola Clássica é tributária do método racionalista, lógico-abstrato ou dedutivo

de análise do seu objeto, o qual condiciona associado aos seus demais

pressupostos, a sua produção jusfilosófica.” (ANDRADE, 1997, p. 47).

Sendo assim, o seu método possui a função de investigar de maneira

racional e sistemática leis e princípios e, posteriormente, mostrar o próprio objeto,

seguindo uma origem natural do Direito Penal.

Na Escola Clássica o delito era visto como um ente juridicamente

qualificado, que surge através do ato da livre vontade do sujeito, ressaltando-se que

a própria ação humana constitui o objeto central da investigação desta Escola.

“Portanto, no centro das análises da Escola Clássica não está o autor, mas sim o

fato: a objetividade do fato-crime.” (ANDRADE, 1997, p. 58).

Diferentemente da Escola positivista, a Clássica tinha como base de

estudo o delito, entendido como um conceito jurídico. “De fato, a escola liberal

clássica não considerava o delinqüente como um ser diferente dos outros, não partia

da hipótese de um rígido determinismo.” (BARATTA, 1999, p. 31).

Neste diapasão, a Escola Clássica acreditava que o delito surgia da

vontade do indivíduo e não de causas patológicas, não considerava o sujeito

delinqüente um ser diferente daqueles entendidos como “normais” e, além disso,

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entendia a aplicação da sanção penal como um meio a ser aplicado considerando a

utilidade e necessidade da pena, bem como o princípio da legalidade.

Em conseqüência, o direito penal e a pena eram considerados na Escola clássica não tanto como meio para intervir sobre o sujeito delinqüente, modificando-o, mas sobretudo como instrumento legal para defender a sociedade do crime, criando, onde fosse necessário, um dissuasivo, ou seja, uma contramotivação em face do crime. (BARATTA, 1999, p. 31).

A Escola Clássica criticava a prática penal e penitenciária e tinha como

intuito substituir o sistema penal de modo que fosse movido à luz de princípios

(humanidade, igualdade, utilidade). Dessa forma, “[...] as escolas liberais clássicas

adquiriram um novo interesse à luz das tendências e criminológicas que,

contestando o modelo da criminologia positivista, deslocaram a sua atenção da

criminalidade para o direito penal [...]” (BARATTA, 1999, p. 32). Ainda para o mesmo

autor:

Quando se fala da escola liberal clássica como um antecedente ou como a ‘época dos pioneiros’ da moderna criminologia, se faz referência a teorias sobre o crime, sobre o direito penal e sobre a pena, desenvolvidas em diversos países europeus no século XVIII e princípios do século XIX, no âmbito da filosofia política liberal clássica. Faz-se referência, particularmente, à obra de Jeremy Bentham na Inglaterra, de Anselm von Fuerbach na Alemanha, de Cesare Beccaria e da escola clássica de direito penal na Itália. (1999, p. 32).

Assim, na Escola Clássica a criminologia possui como objeto o estudo do

crime e não do indivíduo. Para tanto, a preocupação central era estudar “[...] mais

que o criminoso, o próprio crime, ligando-se à idéia do livre arbítrio, do mérito e do

demérito individual e da igualdade substancial entre criminosos e não-criminosos.”

(BARATTA, 1999, p. 43).

Posto isso, a Escola Clássica tinha como objeto principal o fato crime.

Partia sempre do conceito de que todos os homens eram iguais perante a Lei, sendo

que criminoso era aquele que, possuindo o livre-arbítrio, infringe uma lei penal. “O

classicismo penal não se deteve na análise da pessoa do criminoso, porque nele

não visualizou nenhuma anormalidade em relação aos demais homens.”

(ANDRADE, 1997, p. 58).

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14

Feitas as considerações sobre essa escola, cumpre agora abordar alguns

aspectos principais da Escola Positiva.

2.1.2 Escola Positivista

A segunda Escola pertinente para o surgimento da Criminologia é a

Positiva, a qual tinha por objeto não o delito em si, mas o homem delinqüente,

observado como um indivíduo diferenciado (ANDRADE, 1997, p. 58-62). Essa

Escola surgiu no século XIX, possuía como função declarada a de resgatar os

chamados “direitos da sociedade”, se importando, principalmente com aquele que

teria ficado de lado pela Escola Clássica: o homem delinquente (ANDRADE, 1997, p.

58-92).

Ferri foi visto como um dos principais autores da Escola Positiva, ele

acreditava que a Escola Clássica havia fracassado, tendo em vista o aumento da

criminalidade, uma vez que acabou por perder de vista as necessidades de

prevenção do delito e a individualidade do homem delinqüente (ANDRADE, 1997, p.

58-92).

Enquanto a Escola Clássica se utilizava de um método dedutivo, de lógica

abstrata e tinha como objeto o crime em si, a Escola Positiva usava o método

indutivo e de observação, que possui como objeto principal o delinqüente,

deslocando-se assim do fato crime para o delinqüente.

A Escola Positiva surgiu em meio à luta entre as escolas penais, na

década de setenta do século XIX: “Inserida no horizonte histórico de transformações

nas funções do Estado que apontavam para o intervencionismo na ordem

econômica e social, sob a égide de novas ideologias políticas de cunho social ou

socialista [...]” (ANDRADE, 1997, p. 60).

Essa escola utilizava o método científico, indutivo, a partir da observação

dos fatos, tendo como objeto o “delinqüente”, logo, desloca-se da investigação

racional para a fatual. “[...] o positivismo opõe a fórmula do crime como fato natural e

social, praticado pelo homem e causalmente determinado, que expressa a conduta

anti-social de uma dada personalidade perigosa do delinqüente.” (ANDRADE, 1997,

p. 64). No mesmo sentido, observa-se que:

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O estudo da criminologia positivista pode ser explicado, de forma bem sintética e ressalvando numerosas diferenças, com base no “homem delinqüente”. Essa denominação seria a de um ente diferenciado, como outra “raça” em tudo diferente da dos seres humanos normais. (ANITUA, 2008, p. 297).

A Escola Positiva tinha o intuito de resgatar o “social” e os pretensos

direitos pertencentes à sociedade: “[...] a crítica do positivismo ao classicismo é

centrada, visivelmente, em duas grandes dicotomias: individual x social e razão x

realidade (racionalismo x empirismo).” (ANDRADE, 1997, p. 61).

Mais voltada para a objetividade do delito, a Escola Positiva teve como

precursores Lombroso, Ferri e Garófalo. “O delito é, também para a Escola

positivista, um ente jurídico, mas o direito que qualifica este fato humano não deve

isolar a ação do indivíduo da totalidade natural e social.” (BARATTA, 1999, p. 38).

A Escola positivista não se baseava na tese compreendida pela Escola

Clássica de que o crime poderia ser entendido a partir de um ato de livre vontade do

indivíduo “[...] procure encontrar todo o complexo das causas na totalidade biológica

e psicológica do indivíduo, e na totalidade social que determina a vida do indivíduo.”

(BARATTA, 1999, p. 38).

A principal inspiração dessa escola foi a filosofia e a psicologia do

positivismo naturalista. Ela se incumbiu de analisar os indivíduos e os fatores que o

levaram a delinqüir para então poder combater essas práticas criminosas, de modo

que, muitas vezes modificava aquele sujeito tido como delinqüente. “Por isso, tende-

se a ver nas escolas positivistas o começo da criminologia como uma nova

disciplina, isto é, um universo de discurso autônomo.” (BARATTA, 1999, p. 29).

Quando se fala da criminologia positivista como a primeira fase de desenvolvimento da criminologia, entendida como disciplina autônoma, se faz referência a teorias desenvolvidas na Europa entre o final do século XIX e o começo do século XX, no âmbito da filosofia e da sociologia do positivismo naturalista. Com isso se alude, em particular, à escola sociológica francesa (Franz von Liszt), mas especialmente à ‘Escola positiva’ na Itália (Cesare Lombroso, Enrico Ferri, Raffaele Garofalo). (BARATTA, 1999, p. 29).

Lombroso defendia um rígido determinismo biológico, o que mais tarde foi

ampliado por Garófalo, o qual acentuou os fatores psicológicos e por Ferri, que

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acentuou os fatores sociológicos, este dividindo em três fases: fatores

antropológicos, fatores físicos e sociais. “As descrições provenientes da nova ciência

‘criminológica’ seriam usuais a partir de então nas mais diversas publicações,

inclusive populares. Para elas, qualquer sinal visível podia indicar a existência de um

‘delinqüente nato’” (ANITUA, 2008, p. 298).

Percebe-se, desse modo, que o delito pela Escola Positiva, era

compreendido a partir de um conceito determinista. “O delito era reconduzido assim,

pela Escola positiva, a uma concepção determinista da realidade em que o homem

está inserido, e da qual todo o seu comportamento é, no fim das contas, expressão.”

(BARATTA, 1999, p. 39).

Quanto o sistema penal na Escola positiva, este era voltado para o

comportamento de um sujeito criminoso e não para o delito em si.

O sistema penal se fundamenta, pois, na concepção da Escola positiva, não tanto sobre o delito e sobre a classificação das ações delituosas, consideradas abstratamente e independentes da personalidade do delinqüente, quanto sobre o autor do delito, e sobre a classificação tipológica dos autores. (BARATTA, 1999, p. 39).

Tinha o crime como um fato natural e social e o criminoso como núcleo de

sua pesquisa “[...] o positivismo reconduziu-o para o centro de suas análises,

apreendendo nele estigmas decisivos da criminalidade.” (ANDRADE, 1997, p. 66).

Nesse viés, a função da Criminologia na Escola Positiva se fundamenta

em explicar o comportamento do criminoso. “[...] baseada na dupla hipótese do

caráter complementar determinado do comportamento criminoso, e da diferença

fundamental entre indivíduos criminosos e não-criminosos.” (BARATTA, 1999, p. 43).

Não obstante ambas as escolas possuírem concepções de pessoa e de

sociedade diferentes, elas estão interligadas. “Seja qual for a tese aceita, um fato é

certo: tanto a Escola clássica quanto as escolas positivistas realizam um modelo de

ciência penal integrada, ou seja, um modelo no qual ciência jurídica e concepção

geral do homem e sociedade estão estreitamente ligados.” (BARATTA, 1999, p. 41).

Assim, diante de todo o exposto, conclui-se que ambas as Escolas

possuíam o intuito de tentar explicar o crime, se utilizando, portanto, de métodos

diferenciados para alcançar seu fim predeterminado. Enquanto a Escola Clássica

acreditava que o crime advinha da vontade do sujeito e tinha como objeto central a

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17

ação humana, a Escola Positiva considerava causas patológicas para explicar a

origem do delito, bem como, possuía o homem como objeto de estudo.

2.2 Da Criminologia Positivista à Criminologia Crít ica: a Teoria do Labelling

Approach e o Paradigma da Reação Social

Pretende-se a seguir, relatar sobre a passagem da Criminologia

Positivista e da Criminologia Crítica, a qual foi possível através da elaboração da

Teoria do Labelling Approach. Essa transição também é denominada como a

passagem de uma criminologia liberal à Criminologia Crítica, uma crítica

macrossociológica do sistema penal.

Irá abordar também acerca da Teoria do Labelling Approach que trouxe

algumas mudanças na Criminologia, uma vez que se trata agora de uma consciência

crítica, ou seja, se pergunta “quem é definido como desviante?” e “quem define

quem?”, ao contrário dos criminólogos tradicionais que examinam “quem é

criminoso?”.

2.2.1 A Criminologia positivista e o paradigma etio lógico de Criminologia

A Criminologia antes de ser compreendida como “Criminologia Crítica”,

era chamada de “Positivista”, também conhecida como “Paradigma Etiológico de

Criminologia”, ela é definida como uma Ciência causal explicativa da criminalidade,

ou seja, a partir do método científico ou experimental, juntamente com o uso de

estatísticas, explica as causas ou fatores da criminalidade e os remédios para

combatê-la. “Este tem por objeto não propriamente o delito, considerado como

conceito jurídico, mas o homem delinqüente, considerado como um indivíduo

diferente e, como tal, clinicamente observável.” (BARATTA, 1999, p. 29).

A Criminologia Positivista se questiona o que o criminoso faz e por que o

faz: “O pressuposto, pois, de que parte a Criminologia positivista é que a

criminalidade é um meio natural de comportamentos e indivíduos que os distinguem

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18

de todos os outros comportamentos e de todos os outros indivíduos.” (ANDRADE,

2003, p. 35).

Com base em tais questionamentos, começaram a surgir respostas

acerca das causas da criminalidade, como a do médico italiano Cesare Lombroso,

que criou a tese do “criminoso nato”, ele estudou os criminosos que se encontravam

internados em hospitais, bem como pessoas “não criminosas”, pois acreditava que a

causa do crime poderia ser identificada na pessoa do criminoso. (ANDRADE, 2003,

p. 34-38).

Em sua pesquisa, Lombroso destacou como causas da criminalidade o

atavismo, a epilepsia e a loucura moral: “Procurou desta forma individualizar nos

criminosos e doentes apenados anomalias sobretudo anatômicas e fisiologias.”

(ANDRADE, 2003, p. 36).

Enrico Ferri, seguidor da teoria de Lombroso, por sua vez, acreditava que

a criminalidade podia ser vista no criminoso através da constatação de que o sujeito

possui algum sintoma perigoso, ou a tríplice série de causas, criada pelo mesmo,

quais sejam: físicas, individuais e sociais: “Daí a tese fundamental de que ser

criminoso constitui uma propriedade da pessoa que a distingue por completo dos

indivíduos normais. Ele apresenta estigmas determinantes da criminalidade.”

(ANDRADE, 2003, p. 37).

Neste diapasão, no período positivista, acreditava-se que uma vez

reconhecida à existência de um “grupo de pessoas más”, havia a necessidade então

de puni-las, em prol do bem da sociedade.

É esse potencial de periculosidade social que os positivistas identificaram com a anormalidade e situaram no coração do Direito Penal, que justifica a pena como meio de defesa social e seus fins socialmente úteis: a prevenção especial positiva (recuperação do criminoso mediante a execução penal) assentada na ideologia do tratamento que impõe, por sua vez, o princípio da individualização da pena como meio hábil para a elaboração de juízos de prognose no ato de sentenciar. (ANDRADE, 2003, p. 37).

Com a justificativa do “bem da sociedade”, acreditava-se que as pessoas

tidas como perigosas, ou seja, que não eram reconhecidas como “normais”,

deveriam ser punidas. “Obviamente, é um modelo consensual de sociedade que

opera por detrás deste paradigma, segundo o qual não se problematiza o Direito

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Penal – visto como expressão do interesse geral – mas os indivíduos, diferenciados,

que o violam.” (ANDRADE, 2003, p. 38).

A criminologia positivista, então, apresentou uma justificativa etiológica

para a criminalidade, sustentando que o crime é cometido por uma minoria, ou seja,

aqueles tidos como perigosos ou anormais, devendo, portanto, ser feito uma “defesa

social” em face desses sujeitos. O paradigma etiológico parte de um conhecimento

de normas préconstituídas e faz uma distinção entre os sujeitos normais e os

sujeitos desviantes (ANDRADE, 1997, p. 198).

[...] na base do paradigma etiológico, modelado segundo uma matriz positivista derivada das Ciências Naturais, a Criminologia é definida como uma Ciência causal-explicativa da criminalidade; ou seja, que investiga as causas da criminalidade (seu objeto) segundo o método experimental. (ANDRANDE, 1997, p. 198).

As agências, segundo este paradigma, funcionam com o intuito de deter a

criminalidade, de modo que, para tanto, consideram as leis já estabelecidas, assim,

tem-se que sob o enfoque do paradigma etiológico “[...] teremos o sistema penal

como um conjunto compartimentalizado de agências de poder que operam

embasados na legislação, tudo do afã de combater a criminalidade e produzir a

segurança jurídica.” (ANDRADE, 2002, p. 181).

Sendo assim, conclui-se, a partir do mencionado, que a criminologia

positivista não possuía uma visão crítica acerca da criminalidade e do sistema penal

vigente, de modo que considerava como “corretas” as leis fornecidas pelo sistema,

baseando o seu estudo somente no desviante, considerando estes como anormais e

diferentes dos demais. Ou seja, tal paradigma procurava respostas nos indivíduos,

procurando algo de errado nestes que pudessem explicar a violação das normas

dadas pelo sistema, procurando as causas da criminalidade, sem se preocupar com

as condições da criminalização.

2.2.2 A Criminologia crítica, o paradigma da reação social e a Teoria do

Labelling Approach

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20

O paradigma da reação social surgiu como uma nova leitura sobre a

questão criminal e se opôs aos ditames do paradigma etiológico. Tal transição foi

necessária através da introdução da Teoria do Labelling Approach, a fim de que

fosse estudada a realidade social de maneira crítica. O paradigma da reação social

pode ser definido como um “[...] movimento considerado de ruptura com a

criminologia positivista ou tradicional.” (ANITUA, 2008, p. 588).

O que distingue a criminologia tradicional da nova sociologia criminal é visto pelos representantes do labeling approach, principalmente, na consciência crítica que a nova concepção traz consigo, em face da definição do próprio objeto da investigação criminológica e em face do problema gnosiológico e de sociologia do conhecimento que está ligado a este objeto (a ‘criminalidade’, o ‘criminoso’), quando não o consideramos como um simples ponto de partida, uma entidade natural para explicar, mas como uma realidade social que não se coloca como préconstituída à experiência cognoscitiva e prática, mas é construída dentro desta experiência, mediante os processos de interação que a caracterizam. (BARATTA, 1999, p. 86).

Passa-se de um paradigma que se preocupava em investigar as causas

da criminalidade, para um paradigma que se ocupa em investigar as condições da

criminalização. “[...] o momento crítico atinge sua maturação na Criminologia e ela

tende a transformar-se de uma teoria da criminalidade em uma teoria crítica e

sociológica do sistema penal.” (ANDRADE, 2003, p. 49).

Manifesta é, pois, a ruptura epistemológica e metodológica operada com a Criminologia tradicional, traduzida no abandono do paradigma etiológico-determinista (sobretudo na perspectiva biopsicológica individual) e na substituição de um modelo estático e descontínuo de abordagem por um modelo dinâmico e contínuo que o conduz a reclamar a redefinição do próprio objeto criminológico. (ANDRADE, 2003, p. 45).

A partir desse paradigma, bem como da Teoria do Labelling, o foco da

Criminologia mudou e ao invés de questionar, como antigamente: “por que é que o

criminoso comete crime?”, passa a se questionar: “por que determinados indivíduos

são definidos como tais” e “quem é definido como desviante”. “De fato, a mudança

fundamental era dada tanto pelos métodos quanto pelo objeto de estudo.” (ANITUA,

2008, p. 588).

Deixaria de se perguntar então “quem é o criminoso”, para descobrir

“quem é considerado desviado” e “quem o etiqueta dessa forma”. “[...] o enfoque da

criminologia mudaria totalmente, pois as definições legais ou institucionais deixariam

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21

de ser assumidas acriticamente como algo natural, e a ênfase seria colocada

exatamente nessas definições.” (ANITUA, 2008, p. 588).

A teoria do Labelling, a partir da denominação de “reação social” e

“conduta desviada”, estabelece que a criminalidade não é uma qualidade obtida

através da conduta do sujeito em si, mas sim, uma “etiqueta” atribuída a alguns

sujeitos, que são escolhidos por meio de processos formais e informais.

A criminalidade se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos mediante um duplo processo: a “definição” legal de crime, que atribui à conduta o caráter criminal, e a “seleção” que etiqueta e estigmatiza um autor como criminoso entre todos aqueles que praticam tais condutas. (ANDRADE, 2003, p. 41).

Dessa maneira, segundo este novo paradigma, a pessoa considerada

como desviante é aquela a quem se é possível à aplicação de determinada sanção.

“Desde esse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato cometido pela

pessoa, senão uma conseqüência da aplicação que os outros fazem das regras e

sanções para um ‘ofensor’” (ANDRADE, 2003, p. 41).

A maior contribuição trazida pela Criminologia da reação social e crítica

diz respeito à seletividade que é adotada pelo sistema penal, ou seja, a maioria das

pessoas comete crime, contudo, somente algumas pessoas são escolhidas pelo

sistema penal para serem concretamente criminalizados. “[...] a criminalidade se

manifesta como o comportamento da maioria, antes que de uma minoria perigosa da

população e em todos os estratos sociais, mas a criminalização é, com regularidade,

desigual ou seletivamente distribuída.” (ANDRADE, 2003, p. 50).

Então, a partir da Criminologia da reação social e crítica, se permite

concluir a existência de uma seleção por parte do sistema penal, a qual se dá em

razão da precariedade das agências judiciais e policiais, uma vez que, diante de

toda a extensão de criminalização, não dão conta de efetivar o poder criminalizante,

ou, então, considerando que se o sistema penal punisse todos os desviantes, ou

seja, se houvesse de fato uma efetivação do poder criminalizante, não haveria

pessoa que não fosse criminalizada. Esta é a principal razão pela qual “[...] torna-se

óbvio que o sistema penal está estruturalmente montado para que a legalidade

processual não opere em toda a sua extensão.” (ANDRADE, 2003, p. 51).

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22

Não obstante, o paradigma da reação social fundamenta que os grupos

poderosos na sociedade dificilmente são punidos, bem como, superestima infrações

de menor danosidade: “[...] pois os grupos poderosos na sociedade possuem a

capacidade de impor ao sistema uma quase que total impunidade das próprias

condutas criminosas.” (ANDRADE, 2003, p. 52).

A teoria do Labelling Approach teve como escopo criticar a direção de

pesquisa que estava sendo feita pelos criminólogos anteriores.

[...] o problema da definição, ou seja, o problema da validade do juízo pelo qual a qualidade de desviante é atribuída a um comportamento ou a um sujeito, é o problema central de uma teoria do desvio da criminalidade aderente ao labelling approach. (BARATTA, 1999, p. 94).

Percebe-se, dessa forma, que o atual paradigma se contrapõe ao

paradigma etiológico de várias maneiras, a uma porque tem como direção de estudo

a validade do juízo, não considerando as normas como predeterminadas, a duas

porque possui uma visão crítica sobre todo o sistema, não partindo do conceito de

que o “erro” está no indivíduo.

A plataforma teórica alcançada pela criminologia crítica, e preparada pelas correntes mais avançadas da sociologia criminal liberal, pode ser sintetizada em uma dupla contraposição à velha criminologia positivista, que usava o enfoque biopsicológico. (BARATTA, 1999, p. 160).

Tem-se, portanto, através da criminologia crítica, que o direito penal não

defende a todos os cidadãos, a lei penal não é igual para todos, bem como que o

status de criminoso não depende tão-somente do dano cometido.

A crítica se dirige, portanto, ao mito do direito penal como o direito igual por excelência. Ela mostra que o direito penal não é menos desigual do que os outros ramos do direito burguês, e que, contrariamente a toda aparência, é o direito desigual por excelência. (BARATTA, 1999, p. 162).

Dessa forma, pode-se perceber que a criminologia crítica possui o seu

objeto de estudo voltado para o sistema penal, deixando de lado o pressuposto de

que o problema é concentrado na pessoa desviante. Não obstante, a partir da Teoria

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23

do Labelling Approach, verifica-se que a criminalidade não passa de uma

característica atribuída a uma pessoa através dos processos de criminalização.

2.2.3 A mudança dos paradigmas e a crítica à Crimin ologia positivista e o

paradigma etiológico

Com o advento do novo paradigma, o da reação social, permitiu que

fossem ressaltados os erros do paradigma etiológico. “É importante pontualizar

como essa mudança de paradigma permitiu evidenciar o déficit causal do paradigma

etiológico e desconstruir seus fundamentos epistemológicos [...]” (ANDRADE, 2003,

p. 56).

Isso porque a Criminologia positivista parte do pressuposto que os dados

obtidos pelo sistema são verdadeiros, apenas tendo como objeto a busca das

causas da criminalidade das pessoas já reconhecidas como criminosas, tentando

descobrir nestas pessoas algo que as diferenciam dos sujeitos “normais”.

Na Criminologia positivista, então, é feita uma análise daquelas pessoas

já selecionadas pelo sistema, de modo que “[...] o criminólogo positivista não

conhecerá nunca o ‘fenômeno’ da prostituição, do tráfico de drogas, do crime

organizado, etc., podendo conhecer algumas mulheres prostitutas, traficantes e

mafiosos, por exemplo [...]” (ANDRADE, 2003, p. 57).

Assim, o criminólogo positivista que possuía como intuito a descoberta da

criminalidade através de um fundamento natural, acabou por tratar a criminalidade

como um instrumento normativo:

Assim, ao invés de investigar, fenomenicamente, o objeto criminalidade, este aparece já dado pela clientela das prisões e dos manicômios que constitui então a matéria-prima para a elaboração de suas teorias criminológicas, com base nas estatísticas oficiais. (ANDRADE, 2003, p. 58).

Nesse sentido, a Criminologia positivista se restringiu a utilizar dados

declarados do sistema, acabando por legitimar aquilo imposto pelo sistema penal.

“Não se trata, pois, de ‘explicar’ causalmente a criminalidade, mas de

instrumentalizar e justificar, legitimando-a, a seleção da criminalidade e a

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24

estigmatização dos criminosos operada pelo sistema penal.” (ANDRADE, 2003, p.

59).

Então, a principal crítica em face da Criminologia etiológica

consubstancia-se no fato de que este paradigma sustentava o modelo fornecido pelo

sistema penal. “Ao definir-se, pois, como ciência causal-explicativa a Criminologia

positivista oculta o que na verdade sempre foi: uma ‘ciência do controle social’”

(ANDRADE, 2003, p. 60).

Assim no paradigma etiológico parte-se do pressuposto de que o sistema

penal em toda a sua forma é verdadeiro, fazendo com que, desse modo, o sistema

tenha uma base científica.

Com seu proceder, a Criminologia positivista contribui para mistificar os mecanismos de seleção e estigmatização ao mesmo tempo em que lhes confere uma justificação ontológica de base científica (uma base de marginalização científica aos estratos inferiores). (ANDRADE, 2003, p. 60).

No paradigma etiológico a criminologia esteve voltada a uma ciência de

causas da criminalidade: “O paradigma etiológico supõe uma noção ontológica da

criminalidade, entendida como uma premissa préconstituída às definições e,

portanto, também à reação social, institucional ou não institucional, que põe em

marcha essas definições.” (BARATTA, 1999, p. 209).

2.3 A atuação seletiva do Sistema Penal: seletivida de qualitativa e seletividade

quantitativa

Nesse tópico abordar-se-á acerca das seletividades quantitativas e

qualitativas. No que tange a seletividade quantitativa, esta explica que a

criminalidade é atribuída a uma minoria, sendo que uma maioria de cidadãos comete

crimes, no entanto, o sistema penal não possui estrutura para punir todos os

infratores, de modo que acaba exercendo uma seletividade, escolhendo quem deve

de fato ser punido.

Quanto à seletividade qualitativa trata da especificidade da infração e das

conotações das pessoas envolvidas, é a recriadora de cifras ocultas ao longo do

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25

processo de criminalização. Parte se do princípio que o sistema se volta a

determinadas pessoas mais do que contra ações tidas como delitos. Essa minoria

escolhida pelo sistema é o resultado de um processo de criminalização seletivo e

desigual (ANDRADE, 1997, p. 260-270).

2.3.1 Seletividade quantitativa

A criminalidade possui outra definição por trás de tudo o que se

denomina: “[...] a criminalidade constitui uma propriedade da pessoa que a distingue

por completo dos indivíduos normais.” (ANDRADE, 1997, p. 264).

O sistema penal não se estende a todos, ou seja, não pune todas aquelas

pessoas que cometem crimes, razão pela qual faz uma seleção de alguns sujeitos

que serão criminalizados. “A seleção de criminosos é uma característica inerente ao

sistema penal. O sistema penal não se destina a punir todas as pessoas que

cometem crimes e nem poderia fazê-lo, sob pena de processar e punir por várias

vezes, toda a população.” (KARAM, 1993, p. 202).

As pesquisas voltadas para a criminalidade de colarinho branco e as

cifras obscuras ou ocultas da criminalidade consistem nos maiores exemplos de

seletividade quantitativa, isso porque, o número de criminosos que infringem a lei é

muito maior do que aquele visível através dos resultados das pesquisas de

criminalização.

Nesse sentido, tem-se que a criminalidade do colarinho branco revela a

diferença entre as estatísticas oficiais da criminalidade e a criminalidade oculta, esta

principalmente em casos de pessoas ocupantes de posições sociais de importância.

Nesse sentido:

[...] as estatísticas criminais, nas quais a criminalidade de colarinho branco é representada de modo enormemente inferior à sua calculável ‘cifra negra’, distorceram até agora as teorias da criminalidade, sugerindo um quadro falso da distribuição da criminalidade nos grupos sociais. (BARATTA, 1999, p. 102).

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26

Segundo a autora Maria Lúcia Karam, a mensuração da criminalidade é

impossível de ser realizada, tendo em vista que o número de casos registrados é

muito menor do que aqueles que realmente acontecem.

Estatísticas são divulgadas, sem que se aponte o fato que a mensuração da criminalidade é de impossível realização, na medida em que o número de crimes não conhecidos é infinitamente superior ao de crimes registrados, o que impere uma afirmação real sobre o aumento ou a diminuição dos crimes efetivamente acontecidos. (KARAM, 1993, p. 200).

Desse modo, as pesquisas acerca da cifra obscura da criminalidade, são

voltadas para analisar as estatísticas criminais, afim de que seja obtido o

conhecimento objetivo do desvio em uma sociedade. “Esta visão ingênua e mágica

começa esquecendo que, na realidade, o sistema penal só opera em um número

reduzíssimo de casos.” (KARAM, 1993, p. 201).

Essas pesquisas levaram a uma outra fundamental correção do conceito corrente de criminalidade: a criminalidade não é um comportamento de uma restrita minoria, como quer uma difundida concepção (e a ideologia da defesa social a ela vinculada), mas, ao contrário, o comportamento de largos estratos ou mesmo da maioria dos membros de nossa sociedade. (BARATTA, 1999, p. 103).

O sistema penal acaba criando uma espécie falsa sobre a criminalidade,

de modo a levar as pessoas a acreditarem que existem alguns indivíduos que

cometem crimes e que estes são pessoas ruins e devem receber uma punição,

deixando de lado muitos outros crimes cometidos por muitas pessoas principalmente

pela classe superior da sociedade.

Ocultando o caráter violento destes e de outros fatos qualitativamente e quantitativamente mais danoso, a publicidade do sistema penal, trabalhando com esta falsa idéia que reduz violência à criminalidade convencional, explora o medo, criando um clima de pânico, de alarme social, a que costuma se seguir um crescimento da demanda demais repressão, de maior ação policial, de penas mais rigorosas, clima este que desencadeia e é alimentado pelas chamadas campanhas de lei e ordem. (KARAM, 1993, p. 198).

Com base nisso é que decorre a acepção de que a criminalidade é um

fenômeno adstrito aos estratos inferiores da sociedade e que possui pouca

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27

incidência nos estratos superiores, sendo, portanto, ligada a fatores pessoais e

sociais relacionados com a pobreza (BARATTA, 1999, p. 198).

Sabe-se, nesse diapasão, que as estatísticas criminais dão aparato a

explicação utilizada pela criminalidade, que é concentrada nos estratos inferiores da

sociedade, deixando de lado aqueles crimes cometidos pelos estratos superiores.

“[...] é natural que as classes mais desfavorecidas deste sistema de distribuição

estejam mais particularmente expostas a esta forma de desvio.” (BARATTA, 1999, p.

198).

O sistema penal age de maneira seletiva, ou seja, procede a uma escolha

daqueles que irão ser criminalizados. “O que ocorre é que a criminalização é, com

regularidade, desigual ou seletivamente distribuída pelo sistema penal. Desta forma,

os pobres não têm uma maior tendência a delinqüir, mas sim a serem

criminalizados.” (ANDRADE, 1997, p. 265).

Referida seletividade advém da incapacidade do próprio sistema, pois se

todas as pessoas que cometem crimes viessem a integrar o sistema penal, não

haveria lugar para todos. “Se o sistema penal concretizasse o poder criminalizante

programado ‘provocaria uma catástrofe social’” (ANDRADE, 1997, p. 265).

Tal relação está ligada pelo fato de que uma maioria da sociedade

comete crimes. “[...] não a minoria de uma sociedade, mas a maioria dos seus

membros, deveria contar-se entre os criminosos.” (BARATTA, 1999, p. 107).

Não obstante, tais dados divulgados acerca da criminalização, possuem

como intuito justificar a seleção feita pelo sistema penal e a intervenção deste,

visando combater o crime.

Esta publicidade enganosa cria o fantasma da criminalidade, para, em seguida, ‘vender’ a idéia da intervenção do sistema penal, como a alternativa única, como a forma de se conseguir a tão almejada segurança, fazendo crer que, com a reação punitiva, todos os problemas estarão sendo solucionados. (KARAM, 1993, p. 200-201).

Assim, a seletividade quantitativa está ligada ao número de crimes

cometidos pelas diversas pessoas de uma determinada sociedade, de todos os

padrões de vida (rico ou pobre), que não são divulgados.

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Ou seja, o número de crimes que ocorrem numa determinada sociedade é

muito maior do que aquele divulgado pelos órgãos competentes pelo levantamento

de dados.

Em que pese tal ocultação dos crimes efetivamente cometidos, os crimes

disponibilizados pelo sistema são somente aqueles cometidos pelas pessoas

pobres, uma vez que estas são escolhidas para serem criminalizadas, considerando

que as pesquisas não dão conta de todos aqueles crimes cometidos por todos os

cidadãos. “Daí se deriva a conclusão fundamental de que a ‘imunidade e não a

criminalização é a regra no funcionamento do sistema penal’” (ANDRADE, 1997, p.

266).

Portanto, ao contrário do que trazem as pesquisas referentes à

criminalidade, qual seja o de que a criminalidade é desempenhada por poucos, na

realidade, se trata de um ato cometido por muitos, de modo que poucos são de fato

punidos. Observa-se, portanto, que:

A seletividade quantitativa é o resultado da ‘majoritária’ condição das condutas criminais, o que leva a crer que a criminalidade é um comportamento de muitos ou até da maioria dos membros de nossas sociedades, ao contrário do preceituado pela Criminologia Positivista, no sentido de que a criminalidade é o atributo de uma minoria de indivíduos socialmente perigosos [...]. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 182).

2.3.2 A seletividade qualitativa

A seletividade qualitativa trata da recriação de cifras negras nos

processos de criminalização, da especificidade da infração e das conotações sociais

dos envolvidos (autor e vítima).

Referida seletividade afirma que o sistema penal se dirige a determinadas

pessoas e não a certos atos definidos como crime, bem como, defende a existência

de um processo seletivo.

Com efeito, se a conduta criminal é majoritária e ubícua, e a clientela do sistema penal é composta regularmente em todos os lugares do mundo por pessoas pertencentes aos baixos estratos sociais, isto indica que há um processo de seleção de pessoas às quais se qualifica como delinqüentes e

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não, como se pretende, um mero processo de seleção de condutas qualificadas como tais. (ANDRADE, 1997, p. 267).

Tal seletividade, obtida através de um processo de criminalização,

seleciona as pessoas considerando o seu status e não somente a conduta criminosa

em si. “Pois os grupos poderosos na sociedade possuem a capacidade de impor ao

sistema uma quase que total impunidade das próprias condutas criminosas.”

(ANDRADE, 1997, p. 267). A propósito, Mercia Miranda Vasconcellos destaca:

O sistema é, pois, estruturado de forma a não permitir o respeito à legalidade. Se todos os atos tipificados penalmente fossem concretamente criminalizados, quase a totalidade da população responderia criminalmente. Dessume-se que o arcabouço legal é bem abrangente e incompatível com a realidade dos órgãos executivos – judicial e policial - que compõem o sistema. Ainda, a lei confere a possibilidade de o sistema agir contra todos os que o infringem, diante das tipificações existentes, entretanto só existe ação contra aqueles "escolhidos" arbitrariamente. Renunciando-se à legalidade, deixa-se margem à arbitrariedade. (BRASIL, 2011).

Dessa forma, o sistema defende certas condutas delituosas, voltadas para

aqueles crimes cometidos por pessoas dos mais altos estratos sociais, uma vez que

acaba por desdenhar tais delitos, contudo, dá ênfase aos crimes que normalmente

tem como infrator aqueles dos baixos estratos sociais. Nesse contexto, afirma Vera

Andrade (1997, p. 268):

Isso significa que imunidade e criminalização (recriadoras de cifras negras internas ao longo do corredor da delinqüência) são condicionadas por fatores e variáveis latentes relativas à ‘pessoa’ do autor (e da vítima que transcendem o catálogo de elementos legais e oficiais que formalmente vinculam a tomada de decisões das agências de controle [...].

Desse modo, o sistema penal faz uma seletividade daqueles que serão

punidos, utilizando para tanto variáveis pessoais.

A seletividade do sistema penal se opera 'qualitativamente', quando leva em consideração outras variáveis relativas não mais à capacidade operacional do sistema penal, mas sim relacionadas à especificidade das infrações e as conotações sociais dos autores das condutas (ou vítimas), isto é, das pessoas envolvidas (BISSOLI FILHO, 1998, p. 182).

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O sistema penal costuma utilizar, ainda, para proceder à seletividade dos

indivíduos, além das variáveis pessoais, aquelas condutas atribuídas com maior

freqüência às classes inferiores, de modo que, deixam de lado as condutas mais

comuns das classes altas. Essa escolha é assim definida:

A seletividade qualitativa, assim, opera-se tanto no campo das condutas como no das pessoas. A primeira privilegia as condutas mais comuns às classes baixas, imunizando, as da classe alta. A última, opera-se sobre pessoas estereotipadas e estigmatizadas, mais vulneráveis, por isso, à ação do sistema penal. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 183).

Dessa forma, através dessa seleção feita pelo sistema penal, acabam por

estigmatizar as pessoas que foram escolhidas.

Mas, além disso, isolando, estigmatizando e ainda submetendo aqueles que seleciona ao inútil e desumano sofrimento da prisão, o sistema penal faz destes selecionados pessoas mais desadaptadas ao convívio social e, consequentemente, mais aptas a cometer novos crimes e agressões à sociedade, funcionando, já por isso, como um alimentador da violência, o que faz da demanda de maior repressão penal uma atitude um tanto sadomasoquista. (KARAM, 1993, p. 204).

Conclui-se que a função do sistema penal é realmente essa, a de

proceder a uma seleção de certos indivíduos utilizando-se de alguns critérios para

distinguir quem vai ser definido como ‘criminoso’. Igualmente, o poder do sistema é

voltado para uma espécie de criminalidade, de modo a não reprimir a maioria das

condutas criminosas, principalmente aquelas realizadas pelas classes superiores

“[...] a lógica do sistema ao ser pautada na seletividade, a qual permite imunizar as

outras camadas que, ao contrário daquela selecionada, possuem alguma forma de

poder, seja esse de caráter político, econômico ou científico [...]” (ANDRADE, 2002,

p. 182).

Logo, as pessoas pertencentes a certas camadas sociais, que possuem

certo tipo de poder ou influência não vão ser “escolhidas” para experimentarem a

repressão do sistema pelo cometimento de uma conduta tida como negativa pela

legislação.

2.4 Second Code, Racial Profile e carreiras criminais: critérios de seletividade

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O Second Code é conjunto de normas não-escritas, um segundo código,

que tem a função de participar no processo de seletividade, onde é atribuída à

condição de criminoso para uma pessoa, as chamadas “etiquetas de criminalidade”,

junto ao código penal. Portanto, são normas seguidas pelas instâncias oficiais do

direito e dizem respeito principalmente as regras que determinam o desvio de

criminalidade, ou seja, orienta a seletividade (ANDRADE, 2003, p. 53-56).

Não obstante, a realidade do sistema penal seleciona os etiquetados

tendo em vista a sua condição racial. Tal afirmativa é verificada de acordo com os

altos números de pessoas afrodescendentes presas no Brasil, sendo que a

justificativa para tal acontecimento é de que tais pessoas estão mais propensas ao

cometimento de crimes (Racial Profile) (ANDRADE, 2003, p. 53-56).

Neste sentido, sabe-se que os estereótipos induzem o sistema penal, qual

sejam os juízes, policiais, advogados, procuradores, dentre outros, no sentido de

que estereótipos, enquanto estigmas funcionam como um conceito pré-estabelecido,

que leva a assimilar determinado indivíduo à prática de conduta criminosa.

Pode-se entender a partir do Second Code e do Racial Profile que existe

certas pessoas que são escolhidas pelo sistema penal e também existem práticas de

discriminação racial para a determinação deste indivíduo em questão.

O Second Code é utilizado pelo sistema penal quando do “processo de

seletividade”. Com base no Second Code, tem-se que a maioria das pessoas que

são escolhidas pelo sistema penal trata-se de pessoas pobres, uma vez que

possuem maiores chances de serem escolhidas. “Foi assim que a descoberta deste

código social extralegal conduziu a uma explicação da regularidade da seleção

superadora daquela explicação etiológica. A clientela do sistema penal é constituída

de pobres (minoria criminal) [...]” (ANDRADE, 2003, p, 54). Salienta também a

mesma autora:

Assim, a regularidade a que obedece a distribuição seletiva da criminalidade tem sido atribuída às leis de um código social (second code, basic rules) latente integrado por mecanismos de seleção dentre os quais tem se destacado a importância central dos ‘estereótipos’ de autores e vítimas além das ‘teorias de todos os dias’ (teorias do senso comum) dos quais são portadores os agentes do controle social formal e informal (a opinião pública) além de processos derivados da estrutura organizacional e comunicativa do sistema penal. (2003, p. 53).

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Os pobres são tidos então, a partir do Second Code, como o alvo do

sistema penal, ou seja, constituem a maior parte da clientela do sistema, não porque

cometem mais infrações, mas sim porque são mais facilmente escolhidos e

estereotipados. “As possibilidades (chances) de resultar etiquetado, com as graves

conseqüências que isto implica, se encontram desigualmente distribuídas de acordo

com as leis de um Second code constituído especialmente por uma imagem

estereotipada e preconceituosa da criminalidade.” (ANDRADE, 2003, p. 54).

Este segundo código se orienta no sentido de aplicar as normas penais

de acordo com uma interpretação subjetiva. “[...] ao lado do conjunto de regras

gerais de comportamento, existe um conjunto de regras de interpretação e de

aplicação das regras gerais.” (BARATTA, 1999, p. 104).

Por conseguinte, a aplicação dessas regras através de normas advindas

de um segundo código, tende a ser voltada somente para determinadas pessoas.

“Dentro da proposição de Fritz Sack, portanto, a criminalidade, como realidade

social, não é uma entidade preconstituída em relação à atividade dos juízes, mas

uma qualidade atribuída por estes últimos a determinamos indivíduos.” (BARATTA,

1999, p. 107).

As regras sobre aplicação (basic rules, meta-regras) seguidas, conscientemente ou não, pelas instâncias oficiais do direito, e correspondentes às regras que determinam a definição de desvio e de criminalidade no sentido comum, estão ligadas a leis, mecanismos e estruturas objetivas da sociedade, baseadas sobre relações de poder (e de propriedade) entre grupos e sobre as relações de produção. (BARATTA, 1999, p. 105-106).

Estes “determinados indivíduos” são escolhidos pelos operadores de

direito que possuem tal prerrogativa, e, em sua maioria se tratam de pessoas que

fazem parte dos estratos baixos da sociedade. “[...] o poder de atribuir a qualidade

de criminoso é detido por um grupo específico de funcionários que, pelos critérios

segundo os quais são recrutados e pelo tipo de especialização a que são

submetidos, exprimem certos estratos sociais [...]” (BARATTA, 1999, p. 111).

De fato, Sack considera os juízos mediante os quais se atribui um fato punível a uma pessoa, como juízos atributivos que produzem a qualidade criminal desta pessoa, com as conseqüências jurídicas (responsabilidade

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penal) e sociais (estigmatização, mudança de status e de identidade social etc) conexas [...] (BARATTA, 1999, p. 107).

Assim, os juízes baseados em um segundo código, código não escrito ou

código de normas, juntamente com a lei penal vigente, aplicam a pena ao cidadão.

“Como os juízes de fato não precisam fundamentar as suas decisões, estão muito

mais sujeitos à influência do second code, podendo usá-lo livremente.” (BISSOLI

FILHO, 1998, p. 110).

O centro do problema sociológico da criminalidade se desloca, assim, partindo de uma forte acentuação destas premissas teóricas e metodológicas, das causas da criminalidade para as definições dela, aos pressupostos políticos e aos efeitos sociais das definições de criminalidade, entendida como qualidade ou status que se aplica a determinados indivíduos. (BARATTA, 1999, p. 109).

Como já tratado no item acima (seletividade quantitativa e qualitativa)

existem diversos critérios de seleção para a definição da pessoa que será

criminalizada pelo sistema penal, tais como: status social, raça/etnia, situação

financeira.

Explica Vera Andrade que:

Foi assim que a descoberta deste código social extralegal conduziu a uma explicação da regularidade da seleção (e das cifras negras) superadora da etiológica: da tendência a delinqüir às maiores ‘chances’ (tendência) de ser criminalizado. (ANDRADE, 1997, p. 270).

Essa aplicação de indivíduo “criminoso” feita pelos operadores de direito a

determinados sujeitos acaba por estigmatizar os selecionados, tendo em vista que o

processo de “rotulação” “[...] atribui certas características ao indivíduo, que será por

elas expulso da sociedade honrada e recebido pela delinquencial, já que só entre

outros delinqüentes pode encontrar afeto, reconhecimento, aceitação e até

prestígio.” (ANITUA, 2008, p. 589).

Entre os processos de estigmatização, ou seja, de atribuição de status de desviante (que podem se verificar, também, dentro da reação social não-institucional), os processos de criminalização de distinguem como processos de atribuição de status criminais, que se desenvolvem através da atividade das instâncias oficiais do Estado (legislador, juiz, polícia). (BARATTA, 1999, p. 133).

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Posto isso, tem-se que a criminalidade não é nada além do que uma

atribuição obtida a partir de processos de criminalização. “[...] a criminalidade não é,

portanto, uma qualidade ontológica, mas um status social atribuído através de

processos (informais e formais) de definição e mecanismos (informais e formais) de

reação.” (BARATTA, 1999, p. 118).

Ou seja, aquele que detém o poder de aplicação da norma define quem

vai ser considerado como ‘criminoso’. “A criminalidade é um status social atribuído a

uma pessoa por quem tem poder de definição.” (BARATTA, 1999, p. 131).

Os diversos agentes do sistema penal detêm, individualmente, uma parcela do poder decisório, que deve ser exercido nos limites da lei e da Dogmática Penal. No entanto, o que se verifica, é que não é somente o instrumental das leis e da Dogmática que interfere na tomada de decisões, pois estas recebem a interferência de outras regras, denominada second code (segundo código), basic rules (regras básicas), metas-regras ou regras de aplicação. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 108).

A aplicação das regras pelos agentes do sistema penal além de serem

baseadas em um Second Code, procede de maneira a resguardar os seus

interesses. “A incidência de regras, princípios e atitudes subjetivas sobre o momento

da ‘concretização’ do direito, por ação dos operadores jurídicos, há muito está no

centro do interesse das correntes antiformalistas e realistas da jurisprudência.”

(BARATTA, 1999, p. 105).

Desse modo, constata-se que o Second Code funciona como um segundo

código, o qual é utilizado pelas instâncias oficias de modo a colaborar na

seletividade do sistema penal, ou seja, na atribuição da pena a determinados

indivíduos.

Essas pessoas escolhidas pelo sistema penal não possuem uma maior

propensão ao cometimento de crimes, uma vez que a maioria das pessoas comete

crimes. “[...] associar pobreza com delinqüência é injusto para com os muitos pobres

que não delinqüem e também para os muitos ricos que o fazem.” (ANITUA, 2007, p.

490).

E uma vez que os estereótipos são tecidos por variáveis (status social, cor, condição familiar), majoritariamente associadas a atributos pertencentes a pessoas dos baixos estratos sociais, torna-os extremamente vulneráveis,

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além de outros fatores concorrentes, a uma maior criminalização. (ANDRADE, 1997, p. 270).

Observa Anitua que o vínculo entre crime e pobreza: “Segundo

Sutherland [...] baseava-se nos estudos da delinqüência detectada e essa

detectação omite sistematicamente os delitos realizados pela classe média e pela

classe alta, que são, inegavelmente, muito numerosos.” (ANITUA, 2008, p. 495).

Sutherland entendia que o garantismo – isto é, a aplicação do direito penal do Iluminismo – no que se refere aos delitos de colarinho branco ia, na realidade, contra um sistema de defesa dos direitos humanos, pois se transforma numa dupla balança da justiça que, por um lado, penaliza sistematicamente os delitos dos pobres e, por outro, garante a liberdade no concernente aos delitos dos ricos. (ANITUA, 2008, p. 497).

Assim, as parcelas pobres ou afrodescendentes da sociedade brasileira,

em específico, apenas estão mais suscetíveis a serem escolhidas pelo sistema para

serem criminalizadas. “As maiores chances de ser selecionado para fazer parte da

‘população criminosa’ aparecem, de fato, concentradas nos níveis mais baixos da

escala social (subproletariado e grupos marginais).” (BARATTA, 1999, p. 165).

Assim, pode-se dizer que o sistema está voltado para exercer a seletividade nas classes mais vulneráveis e não para fazer com que se cumpra a legalidade processual. Não é à toa que os dados do Censo Penitenciário evidenciam que a grande maioria dos apenados são pobres e de pouca instrução escolar. Isto quer dizer que o miserável e o analfabeto são mais propensos ao delito? Evidentemente que não, pois todas as camadas sociais praticam delitos. Só que a vulnerabilidade ao sistema penal é desproporcional à detenção de algum tipo de poder, seja ele dados economicamente ou culturalmente. (ANDRADE, 2002, p. 189).

Como o sistema não está voltado para punir todos os crimes de todas as

pessoas que a cometem, seleciona somente alguns indivíduos, que por sua vez

estão voltados a classe ‘inferior’ da sociedade, como pobres, negros, analfabetos.

“Realmente, as classes subalternas são aquelas selecionadas negativamente pelos

mecanismos de criminalização.” (BARATTA, 1999, p. 198).

A função seletiva do sistema penal em face dos interesses específicos dos grupos sociais, a função de sustentação que tal sistema exerce em face dos outros mecanismos de repressão e de marginalização dos grupos sociais subalternos, em benefício dos grupos dominantes – hipóteses sobre as

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quais o labeling approach já havia chamado nossa atenção -, parece, portanto, colocar-se como motivo central para uma crítica da ideologia pena, também no interior desta recente reflexão. (BARATTA, 1999, p. 114).

Assim, conclui-se que o sistema com a finalidade de exercer o seu

“papel”, qual seja: combater a criminalidade, bem como pretendendo que não haja

dúvidas acerca de sua eficácia, procede, através de uma seleção desigual, a

escolha de determinadas pessoas que igualmente a muitas outras infringiram a lei,

para serem criminalizadas.

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3 A REINCIDÊNCIA CRIMINAL E OS ANTECEDENTES E SUAS

CONSEQÜÊNCIAS PARA OS ACUSADOS NOS PROCESSOS CRIMIN AIS

Neste capítulo o estudo se voltará aos requisitos penais da reincidência

criminal, bem como dos antecedentes criminais, visando demonstrar seus

significados e quando se aplicam referidos institutos.

Igualmente, examinar-se-á as conseqüências oriundas da aplicação da

reincidência e dos antecedentes, assim como explanar a influência que esses

requisitos têm no âmbito criminal.

3.1 A reincidência criminal e seus efeitos na legis lação penal

A reincidência é um instituto penal que tem severas conseqüências para a

pessoa acusada de um crime, tendo em vista que seus efeitos alcançam a esfera da

dosimetria da pena e dos benefícios de execução penal, dentre outros.

Segundo o autor Francisco Bissoli Filho (1998, p. 75) “A reincidência

deriva de re-incidere ou de recidere e significa, no seu sentido literal, recair, repetir o

ato.” O instituto da reincidência está previsto no artigo 63 do Código Penal1.

Conforme se extrai de sua redação, fica evidente que para a caracterização da

reincidência é necessário a ocorrência de dois fatores. “A reincidência criminal, no

seu sentido jurídico mais amplo, é formada de dois elementos ou requisitos básicos:

a) uma condenação anterior transitada em julgado; b) a prática posterior de uma

infração penal (tentada ou consumada), no prazo de cinco anos.” (BISSOLI FILHO,

1998, p. 99).

Assim, para o direito penal brasileiro é necessária a ocorrência do trânsito

em julgado de crime pretérito. “O Direito Penal positivo dos países, inclusive o

brasileiro, prevê, via de regra, como pressuposto básico, a existência de ‘uma

condenação anterior transitada em julgado’” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 81).

1 Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado pro crime anterior (BRASIL, 2011b).

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Neste sentido, a reincidência é aplicada àquele que infringir a lei após o

trânsito em julgado de sentença penal condenatória. “Assim sendo, aquele que teve

a sua condenação mantida, depois de todos os recursos legais utilizados contra a

sentença, vindo a cometer novo crime, será considerado reincidente e sua pena será

agravada.” (LOPES, 2005, p. 203).

A Lei é clara quando pressupõe o trânsito em julgado da sentença, razão

pela qual crime ocorrido anteriormente ao cometimento de nova infração, porém com

o trânsito em julgado somente após este último crime, não é hábil para que seja

caracterizada a reincidência criminal. “O cometimento de crime no dia em que

transita em julgado a sentença condenatória por crime anterior não é capaz de gerar

a reincidência, pois a lei é expressa ao mencionar ‘depois’ do trânsito em julgado.”

(NUCCI, 2010, p. 473).

Trata-se de uma circunstância agravante que se aplica na segunda fase

da dosimetria da pena “É a situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido

condenado por crime anterior, em sentença transitada em julgada.” (CAPEZ, 2005,

p. 456).

Trata-se de circunstância agravante genérica de caráter subjetivo ou pessoal. Alguns autores sustentam ser duvidosa a constitucionalidade de tal circunstância obrigatória de aumento de pena. Argumenta-se que o princípio do ne bis in idem, que se traduz a proibição de dupla valoração fática, tem hoje o seu apoio no princípio constitucional da legalidade, pois não se permite, segundo essa corrente de pensamento, que o fato criminoso que deu origem à primeira condenação possa servir de fundamento a uma agravação obrigatória de pena em relação a um outro fato delitivo. (CAPEZ, 2005, p. 456).

O Código Penal, em sua parte geral, manteve a reincidência como

agravante apesar de alguns autores entenderem se tratar de circunstância

inconstitucional, tendo em vista o princípio ne bis in idem. “A exacerbação da pena

justifica-se para aquele que, punido anteriormente, voltou a delinqüir, demonstrando

que a sanção anteriormente imposta foi insuficiente.” (CAPEZ, 2005, p. 457).

Não obstante, para que seja configurada a reincidência criminal não é

exigido pelo Direito Penal Brasileiro o cumprimento integral da pena anterior, ou

seja, aquela pena fixada ao processo que possui trânsito em julgado e que servirá

para considerar o indivíduo reincidente. Sobre o assunto, extrai-se da doutrina:

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Se um dos fins da pena é influir especificamente sobre o criminoso, prevenindo a prática de novos crimes (princípio da prevenção especial), a reincidência criminal estaria configurada, uma vez que demonstra que os fins esperados não foram alcançados, merecendo o agente, por esse prisma, um tratamento diferenciado do anterior. Mas, se a pena não foi integralmente cumprida, não haverá porque se cogitar da reincidência criminal, posto que o agente não foi submetido, por completo, ao tratamento que lhe foi proposto pela pena aplicada. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 83).

O que o autor está dizendo, em outras palavras, é que se o apenado que

ainda não cumpriu a pena imposta anteriormente, voltar a delinqüir, não deveria ser

considerado reincidente, posto que, se a pena é ponderada como o meio apto a

ressocializar o réu, somente aquele que cumpriu integralmente a pena terá

conhecido estímulos suficientes para a correção (BISSOLI FILHO, 1998, p. 82-83).

Está igualmente consubstanciado no artigo 61, I, do Código Penal, como

circunstância agravante da pena, ou seja, “A reincidência, enquanto circunstância

agravante, influi na medida da culpabilidade, em razão da maior reprovabilidade

pessoal da ação ou omissão típica e ilícita. Além de preponderar no concurso de

circunstâncias agravantes.” (PRADO, 2010, p. 487).

A reincidência criminal pode gerar efeitos genéricos e específicos. Na

modalidade genérica incide quando entre os fatos praticados não existir nenhuma

identidade, sendo que a forma específica ocorre quando se tratar de fatos idênticos,

da mesma natureza ou guardam identidade entre si. “Na primeira, trata-se de uma

recaída em crime genericamente considerado; na segunda, da recaída em crime da

mesma índole do crime anterior.” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 76).

Acerca do assunto também se posiciona o doutrinador e professor

Fernando Capez (2005, p. 461): “Reincidente específico será o reincidente em crime

previsto no mesmo tipo incriminador (furto e furto, lesão corporal culposa e lesão

corporal culposa etc) [...]”.

Imperioso ressaltar, igualmente, que somente se reconhece a reincidência

entre um crime e uma contravenção, se ocorridos nesta ordem, bem como se for

entre contravenções, tendo em vista que a lei penal brasileira não reconhece a

reincidência quando o primeiro fato for uma contravenção e o segundo for um crime

(BISSOLI FILHO, 1998, p. 76).

Nesse viés entende o autor Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 471):

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Portanto, admite-se, para efeito de reincidência, o seguinte quadro: a) crime (antes) – crime (depois); b) crime (antes) – contravenção penal (depois); c) contravenção (antes) – contravenção (depois). Não se admite: contravenção (antes) – crime (depois), por falta de previsão legal.

Contudo, existe um limite para a incidência da reincidência, considerando

que a mesma deixa de gerar efeitos no prazo de 5 (cinco) anos contados a partir da

data de cumprimento ou extinção da pena até o cometimento de novo crime,

computando, para tanto, o período de prova da suspensão ou do livramento

condicional, se não houver revogação. Nessa esteira, prevê o artigo 64, I, do Código

Penal2. Comentando o assunto, preceitua Capez (2005, p. 460) que: “Uma vez

comprovado o benefício do art. 64 do CP, o agente readquire a sua condição de

primário, pois se operou a retirada da eficácia da decisão condenatória anterior.”

Sob outro prisma, conforme preceitua o artigo 64, II, do Código Penal para

efeito de reincidência não se consideram os crimes políticos e militares próprios. “A

condenação anterior, se por crime militar próprio ou por crime político, não produzirá

o efeito da reincidência pela prática de crime comum.” (LOPES, 2005, p. 203-204).

Para fins da reincidência, não prevalece a condenação anterior se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos, computando-se o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação. Ademais, não se consideram os crimes militares próprios (art. 9.º e 10, CPM) e políticos (art. 64, I e II do CP). (PRADO, 2010, p. 487).

Neste sentido, observa-se a severidade das conseqüências da imposição

da reincidência, fato que é comentado pelos estudiosos do tema: “A reincidência é a

agravante que produz maior soma de efeitos desfavoráveis ao condenado.” (LOPES,

2005, p. 202).

Segundo o autor René Ariel Dotti (2010, p. 645-646) existem dois tipos de

efeitos a partir da sentença penal condenatória, os efeitos mediatos e imediatos,

assim definidos:

2 Art. 64 – Para efeito da reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computando o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação. (BRASIL, 2011b).

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São efeitos imediatos: a) a declaração de culpabilidade; b) aplicação da pena; c) a definição do regime de execução e d) a oportunidade para a suspensão da execução da pena. São efeitos mediatos: a) o marco de referência para o reconhecimento da reincidência, após transitada em julgado a decisão (CP, art. 63); b) o pressuposto para o livramento condicional.

Igualmente, não se considera a reincidência quando da existência de

perdão judicial. “[...] não será também considerada, para os efeitos da reincidência, a

sentença em que se concedeu o perdão judicial (art. 120 do CP).” (LOPES, 2005, p.

204).

A sentença sujeita a revisão criminal, tendo em vista que não é

tecnicamente uma modalidade de recurso processual penal, bem como, que se trata

de ação penal rescisória cabível em processos findos, ou seja, já transitado em

julgado (art. 261, CPP), não impede o reconhecimento da reincidência (BISSOLI

FILHO, 1998, p. 84-85).

O autor Bissoli Filho (2008, p. 90) faz ainda referência, quanto ao número

de fatos praticados, a dois tipos de reincidência, a simples e a reiterara, ou

multirreincidência:

Quanto a reiteração, ou seja, quanto ao número de fatos praticados, a reincidência pode ser simples, quando o agente praticar dois fatos (um antecedentes e outro procedente). É a primeira reincidência. A reincidência reiterada ou multirreincidência ocorre quando a reincidência criminal se repete por duas vezes ou mais vezes, ou seja, o agente já é considerado reincidente e pratica novo ilícito penal que o torna novamente reincidente.

Outrossim, importante frisar o caráter personalíssimo que a reincidência

possui, uma vez que não se comunica ao co-réu no caso de concurso de agentes

(BISSOLI FILHO, 1998, p. 100).

3.2 Os antecedentes criminais e sua perspectiva leg al e doutrinária

No mesmo diapasão do item anterior, este item irá tratar de forma sucinta

acerca dos antecedentes de um modo geral, bem como o foco do assunto, qual

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sejam os antecedentes criminais, dando ênfase ao significado e objetivo deste

instituto.

Os antecedentes estão previstos no artigo 59 do CP, tendo aplicação na

primeira parte da dosimetria da pena, ou seja, na fixação da pena-base.

O juiz, atendendo às circunstâncias judiciais arroladas no artigo 59, caput, do CP – ou seja, a culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima – estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: a) as penas aplicáveis dentre as cominadas [...]. (PRADO, 2010, p. 587).

Antecedentes, assim como a reincidência, trata da vida passada do

cidadão. “Compreendem apenas os acontecimentos anteriores, não se considerando

as ações judiciais, inquéritos policiais ou qualquer outro ato episódico da vida do réu

‘posteriores ou contemporâneas’ ao fato pelo qual está este sendo julgado.”

(BISSOLI FILHO, 1998, p. 59).

Antecedentes ou precedentes são todos os atos, episódios, comportamentos ou condutas, próximos ou remotos, positivos ou negativos, da vida individual, familiar, militar, profissional, intelectual e social do agente, que possam interessar, de qualquer modo, à avaliação subjetiva do crime e da personalidade do agente. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 59).

Corrobora o autor Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2010, p. 454):

“Trata-se de tudo que existiu ou aconteceu, no campo penal, ao agente antes da

prática do fato criminoso, ou seja, sua vida pregressa em matéria criminal.”

De acordo com o autor Francisco Bissoli Filho (1998, p. 61), foi a partir do

Código Penal de 1940 que os antecedentes criminais passaram a compor os

requisitos a serem considerados na individualização da pena:

No Código Penal de 1940 (Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940), conforme já mencionado, foi que os princípios da Escola Positiva demonstraram o seu vigor, fazendo com que os antecedentes passassem a ser um fator relevante na aplicação da pena, isso porque, segundo essa escola, o ‘homem criminoso’ é o objeto da investigação.

Qualquer fato anterior, positivo ou negativo, pode ser considerado como

antecedentes e é tido como um fator subjetivo. “A subjetividade decorre da amplitude

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do conceito dos antecedentes, que permite que os fatos da vida anteacta do agente

sejam avaliados por critérios individuais, conforme os valores do avaliador.”

(BISSOLI FILHO, 1998, p. 64).

O penalista brasileiro Alberto Zacharias Toron (1993, p. 74) afirma que as ações privadas do indivíduo, aquelas que de nenhum modo afetam a terceiros, inserindo-se nos domínios da vida privada, não podem ser levados em conta para macular os antecedentes de um acusado, como também não se pode levar em consideração ‘fatos da vida social, como dívidas ou desavenças. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 64).

Em que pese à existência do instituto dos antecedentes de forma boa ou

ruim, o que se pondera na realidade, para a aplicação da norma penal, são os

antecedentes negativos (BISSOLI FILHO, 1998, p. 64).

[...] as situações acima elencadas, por se restringirem basicamente aos antecedentes ”judiciais” e “policiais”, acabam considerando apenas os ‘maus’ antecedentes, uma vez que os registros existentes nas repartições públicas, mormente as agências judiciais e policiais, via de regra revelam o envolvimento do indivíduo em fatos “negativos”. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 64).

Não obstante, de acordo com o autor Francisco Bissoli Filho (1998, p. 65),

as situações tidas como antecedentes pelo Direito Penal se restringem aquelas

obtidas através do sistema judicial e policial do acusado, não sendo meio hábil para

considerar efetivamente os antecedentes de um cidadão.

Ocorre que os registros policiais ou judiciais do agente não são suficientes para revelar se este tem bons ou maus antecedentes, pois um indivíduo pode ter uma vida pontilhada de deslizes, de pequeninas infâmias ou faltas morais, sem ter registros policiais ou judiciais, assim como pode acontecer que um indivíduo com antecedentes judiciários já tenha praticado atos de benemerência ou de especial valor social. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 65).

Ainda:

[...] “maus antecedentes”, que influem perpetuamente na vida do indivíduo, mormente quando a sociedade, patrocinada pelos organismos estatais, procura organizar bancos de dados de infrações criminais, inclusive através de redes informatizados, com possibilidade de acesso a inúmeros cidadãos, o que faz com que o indivíduo criminalizado seja amplamente conhecido e

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estigmatizado, reduzindo, assim as suas condições de normal sobrevivência. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 67).

Existem diversas situações em que os antecedentes criminais são

considerados pelo Direito e pela sociedade, tais como: a) inquéritos policiais

arquivados; b) inquéritos policiais em trâmite; c) inquéritos policiais com julgamento

da extinção da punibilidade do indiciado; d) processos judiciais em trâmite; e)

processos judiciais já julgados com absolvição decretada por insuficiência de provas;

f) processos judiciais já julgados com condenação em primeiro grau ainda não

transitada em julgado; g) processos judiciais com julgamento da extinção da

punibilidade do acusado (salvo se for motivada pela prescrição da pretensão

executória, por não impedir esta os efeitos da reincidência); h) processos judiciais

com penas já cumpridas, cujo prazo ultrapassar o previsto para os efeitos da

reincidência; i) processos administrativos ou fiscais em trâmite ou arquivados; j)

infrações disciplinares civis ou militares; l) processos civis de suspensão ou

destituição de pátrio poder, tutela ou curatela; m) condenações em processos civis

de separação judicial ou divórcio; n) condenações em processos de insolvência civil

ou falência fraudulenta; o) processos de apuração de ato infracional tramitados

perante ao Juízo da Infância e Juventude; p) a inclinação ou repugnância para o

trabalho ou outras atividades honestas, a conduta como pai, esposo, filho e amigo,

as relações sociais, atenção manifesta no lar, assistência e carinho dispensados à

família (BISSOLI FILHO, 1998, p. 62-63).

Também é tratado por Bissoli Filho (1998, p. 65) acerca da antijuridicidade

dos antecedentes tendo em vista “[...] que permite que sejam considerados,

conforme visto, processos e inquéritos em trâmite, assim como inquéritos

arquivados, contrariando os princípios da presunção da inocência, do devido

processo legal e da ampla defesa.”

Conforme se denota, o referido autor se posiciona contra a aplicação dos

antecedentes criminais em determinadas situações. “Também não deveriam ser

considerados os fatos que não constarem da peça acusativa ou dos quais o

indivíduo não teve a oportunidade de defesa [...]” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 66).

Razão assiste a argumento, tendo em vista que a consideração dos

antecedentes criminais, na maioria das ocasiões, fere diretamente o princípio da

ampla defesa, uma vez que nos casos de processos em andamento, por exemplo, o

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acusado sequer se defendeu da referida ação, bem como estaria julgando

antecipadamente o indivíduo como culpado, ferindo o princípio da presunção de

inocência (BISSOLI FILHO, 1998, p. 64-67).

Em que pese ter-se comentado acima acerca da possibilidade de

consideração de inquéritos policiais e ações penais em curso como efeitos de

antecedentes criminais, diga-se de passagem, condições estas já contestadas há

anos pelos doutrinadores, ressalta-se que as mesmas se encontram ultrapassadas,

por força de súmula editada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no ano passado.

Conforme se lê da recente Súmula 444 do STJ, a qual restringiu a

aplicação dos antecedentes criminais no que diz respeito à aplicação da pena. “É

vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a

pena-base.” (BRASIL, 2011h).

Referida súmula, foi editada em maio de 2010, pelo Superior Tribunal de

Justiça e veda a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso como

condições que agravem a pena-base do réu. Sobre o assunto comenta Costa

(BRASIL, 2011):

Tal enunciado está em conformidade com a disposição constitucional que reflete o chamado princípio da situação jurídica de inocência, insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição da República. De acordo com essa noção, até que transite em julgado sentença penal condenatória, eventuais procedimentos criminais instaurados e não encerrados em definitivo não podem funcionar para a majoração da pena-base, prejudicando o réu.

Desse modo, acabou-se por afastar circunstâncias bastante utilizadas

como meio de aumentar à pena-base do acusado, quais sejam o inquérito policial e

os processos penais em curso.

Não obstante, subsiste, ainda, a verificação de antecedentes no caso de

passados 5 (cinco) anos da sentença transitado em julgado, uma vez que não se

pode considerar mais, nesses casos, a reincidência. Ainda, Costa (BRASIL, 2011)

acrescenta:

Assim, no conceito de antecedentes, apenas se podem incluir condenações definitivas que não sirvam para caracterizar a reincidência, seja porque não há condenação definitiva anterior seja porque já houve o efeito da caducidade quinquenal, conforme prevista no art. 64, do Código Penal. Processos criminais em curso, boletins de ocorrência, termos

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circunstanciados de ocorrência, antecedentes infracionais, e coisas que equivalham a estas, não podem majorar a reprimenda penal do réu.

No mesmo sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul:

APELAÇÃO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES E PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. APENAMENTO E PRESCRIÇÃO MANTIDOS. 1. Pena. Consoante dispõe a súmula 444 do STJ, é vedada a valoração negativa dos antecedentes criminais, em razão da existência de processos criminais em andamento. Pelo mesmo motivo, impossível considerar esses registros para valorar, negativamente, a conduta social e a personalidade do réu. Favoráveis as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, é adequada a fixação da pena em patamar mínimo legal. (BRASIL, 2011m).

Tal qual, outro não foi o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do

Estado de Santa Catarina:

APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO CONTRA O PATRIMÔNIO. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA (ART. 155, § 4º, INC. II, DO CP). ALMEJADA ALTERAÇÃO DA MINORANTE (ART. 14, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP) NO SEU GRAU MÁXIMO. AFERIÇÃO DO ITER CRIMINIS QUE PERMITE MODIFICAR A REDUTORA PARA 1/2 (UM MEIO). MITIGAÇÃO DA PENA QUE SE IMPÕE. RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. JUIZ SINGULAR QUE CONSIDERA PROCESSO EM ANDAMENTO PARA CONFIGURAR OS MAUS ANTECEDENTES DO RÉU. SITUAÇÃO VEDADA PELA SÚMULA 444 DO STJ. REDUÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA-BASE PARA O SEU MÍNIMO LEGAL QUE SE FAZ DEVIDA. (BRASIL, 2011l).

Como se pode observar, apesar da aplicação dos antecedentes ter sido

reduzida, com fulcro na aplicação da Súmula 444 do STJ, ainda são amplas as

possibilidades de incidência dos maus antecedentes se tornarem fatos juridicamente

relevantes, a fim de agravar a pena do acusado. Constata-se que mesmo a priori

sendo fatos irrelevantes para o direito, no momento da sentença penal as situações

de maus antecedentes podem ser sopesados para determinar a quantia da pena.

3.3 A influência dos antecedentes no direito penal brasileiro

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47

Após explanar quanto à existência da reincidência criminal e dos

antecedentes criminais, este item irá tratar sobre a influência que esses dois

institutos possuem no sistema penal brasileiro, mais especificamente, no processo

criminal, destacando, não obstante, os efeitos produzidos após a aplicação desses

dois requisitos, ou seja, aos malefícios advindos da incidência dos institutos

supracitados.

3.3.1 A influência dos antecedentes antes da senten ça condenatória transitada

em julgado

Os antecedentes criminais são, em diversas circunstâncias, considerados

como requisitos para o exercício de muitos atos da vida cotidiana, sendo, portanto,

um efeito relevante na vida de um cidadão (DOTTI, 2010, p. 645).

São múltiplos os efeitos da condenação criminal. O primeiro deles é o estigma aposto na biografia da pessoa humana, distinguindo-a das demais em uma espécie de seleção natural entre os bons e os maus. Esse efeito é traumatizante sob o aspecto individual, relativo à autoestima, e também social na medida em que a certidão negativa de antecedentes criminais é um dos requisitos para o exercício de muitas atividades, remuneradas ou não. (DOTTI, 2010, p. 645).

Nesse cenário, nos dizeres do autor Guilherme de Souza Nucci (2010, p.

443-444), os antecedentes constituem elemento que recebem grande peso dentre

aqueles enumerados pelo artigo 59 do Código Penal:

No Código Penal, esse fator emerge nos artigos 44, III (penas restritivas de direitos), 59 (pena-base), 71, parágrafo único (crime continuado qualificado), 77, II (suspensão condicional da pena) e 83, I (livramento condicional). Vê-se, ainda, a consideração dos antecedentes, em enfoque particular, quando se insere a reincidência o art. 67 do Código Penal como elemento preponderante. Afinal, a reincidência não deixa de ser antecedente criminal. Por outro lado, a preocupação com os antecedentes do condenado, está nítida na Lei de Execução Penal: arts. 5.º, 106, IV, 114, II, 180, III, 190.

Acerca dos antecedentes criminais, pode-se ressaltar que:

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[...] exercem profunda influência no sistema penal brasileiro, através do seu aparato normativo (leis penais, processuais penais e de execução penal), a qual se opera de forma explícita, bem como de forma implícita, na atuação dos operadores penais. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 67).

Como exemplo da aplicação dos antecedentes criminais, previsto

legalmente, tem-se o benefício da transação penal, uma vez que passa pelo estudo

dos antecedentes do acusado antes de ser aplicado, conforme o disposto no artigo

76 da Lei 9.099/953. Assim, percebe-se que não é possível o oferecimento da

transação penal ao réu no caso da existência de antecedentes negativos.

De acordo com o Bissoli Filho (1998, p. 73), no que tange a lei processual

penal esta não prevê expressamente a influência do instituto dos antecedentes,

contudo, “[...] é no curso do processo que os mesmos produzem os seus efeitos

sobre o autor do fato criminoso”. Prova disso está ainda na fase investigatória,

durante o inquérito policial, momento em que os antecedentes também vão servir de

molde, de acordo com o disposto no Código de Processo Penal, em seu art. 6º, IX4.

Também sob influência direta dos antecedentes está o instituto da

suspensão condicional do processo. Tal suspensão pode ser aplicada por período

entre 2 e 4 anos, antes mesmo da sentença de mérito ser prolatada e permite que o

acusado não seja submetido a continuidade do processo penal, desde que ele

cumpra determinados requisitos, findos os quais o acusado terá a sua punibilidade

extinta (BISSOLI FILHO, 1998, p. 74). A suspensão está prevista na Lei 9.099/95,

em seu artigo 895.

Desse modo, além de fazer parte de diversos momentos da vida de um

indivíduo, é visível a influência dos antecedentes no que tange o benefício da

transação penal e da suspensão condicional do processo.

3 Art. 76 - Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. [...] §2 º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: [...] III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. (BRASIL, 2011g). 4 Art. 6º - Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: [...] IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para apreciação do seu temperamento e caráter. (BRASIL, 2011d). 5 Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado

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3.3.2 Os antecedentes na fixação da pena

Quando da dosimetria da pena, os antecedentes são sopesados na

primeira fase, a fim de fixar uma pena inicial para o acusado, a chamada pena-base.

“A fixação da pena-base é a primeira fase do cálculo da pena, com base na

incidência das circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal.

Dentre as circunstâncias judiciais encontram-se os antecedentes.” (BISSOLI FILHO,

1998, p. 68).

Assim, entre os oitos fatores que estão previstos no artigo 59 do Código

Penal, os quais devem ser analisados para a fixação da pena-base, está os

antecedentes criminais. “Em suma, as circunstâncias judiciais são elementos que

volteiam a realização do delito, sem afetar-lhe a existência, mas que influem na

fixação da pena, materializando-se conforme as pessoais convicções do

magistrado.” (NUCCI, 2010, p. 442).

Sob outro prisma, em consonância com o art. 44 do Código Penal6, o qual

define os critérios para a aplicação das penas restritivas de direitos, que substituem

as privativas de liberdade, comenta Bissoli Filho (1998, p. 69):

Dispõe o artigo 44 do Código Pena, que as penas restritivas de direito substituem as privativas de liberdade, se o réu não for reincidente e se a culpabilidade, os “antecedentes”, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias, indicarem que essa substituição seja suficiente, quando a pena privativa de liberdade aplicada for inferior a um ano ou quando o crime for culposo.

Sendo assim, para que haja a referida substituição da pena, faz-se

imprescindível a existência de antecedentes favoráveis ao indivíduo.

por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (Art. 77 do Código Penal). (BRASIL, 2011g). 6 Art. 44 - As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: III – a culpabilidade, os antecedentes a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente (BRASIL, 2011b).

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Ademais, é de todo necessário que o condenado possua condições pessoais indicativas da conveniência da substituição em tela, isto é, que seus antecedentes sejam abonadores, que demonstre compatibilidade com o convívio em sociedade, que tenha emprego fixo e residência certa, dentre outras condições. (PRADO, 2010, p. 555).

Nesse diapasão, pode-se constatar que o Código Penal, desde que

cumpridos determinados requisitos, prevê a possibilidade da substituição da pena

privativa de liberdade em restritiva de direitos ou multa, ressaltando, entre outros

requisitos, a análise dos antecedentes.

Outro aspecto que sofre interferência dos antecedentes é a decisão sobre

o regime cujo réu irá iniciar o cumprimento de sua pena. Para tanto, o juiz deverá

observar os critérios previstos no artigo 59 do Código Penal, que traz a circunstância

dos antecedentes (Código Penal, artigo 33, § 3º).

Ao aplicar a pena privativa de liberdade, deverá o juiz, dentre outras providências, fixar o regime no qual o apenado iniciará o cumprimento da pena imposta, dentre aqueles previstos na lei penal. Para tal, observará certos critérios, tais como a quantidade da pena imposta, a reincidência criminal e as circunstâncias judiciais (art. 59), que devem ser consideradas por força do disposto no artigo 33, §3º do Código Penal. Dentre as circunstâncias judiciais do artigo 59, conforme já nos referimos, encontram-se os antecedentes, que desempenham papel relevante na escolha do regime inicial. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 71).

Desse modo, verifica-se que os antecedentes possuem incidência no

momento em que o juiz determina o regime inicial para cumprimento da pena

imposta ao réu. “O magistrado prolator da sentença condenatória, ao fixar o regime

inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, deverá fazê-lo também com

observância dos critérios arrolados no artigo 59 do CP” (PRADO, 2010, p. 524).

Os antecedentes também afetam a decisão sobre a aplicação do instituto

da suspensão condicional da pena. Esta é uma espécie de benefício que permite

que o condenado tenha sua pena privativa de liberdade suspensa, desde que

cumpridas algumas condições por um determinado lapso temporal. O sursis da pena

está previsto no artigo 77 do Código Penal7 e no artigo 11 da Lei das Contravenções

7 Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: [...] II – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício. (BRASIL, 2011b).

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Penais8. Sobre o instituto comenta Prado: “A suspensão condicional da pena é a

suspensão parcial da pena privativa de liberdade de curta duração por determinado

prazo, desde que cumpridas certas condições e observados os requisitos previstos

no artigo 77 do Código Penal.” (PRADO, 2010, p. 598).

O instituto da suspensão condicional da pena, ou sursis, é um dos institutos desprisionalizadores (que impede a imposição de pena privativa de liberdade) mais importantes, porquanto visa suspender a execução da pena privativa de liberdade imposta e, via de conseqüência, dos seus efeitos nocivos, mediante determinada condições. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 71).

Assim, em se tratando de pena privativa de liberdade (reclusão, detenção

ou prisão simples), não superior a 2 (dois) anos (salvo art. 77, §2.º do Código Penal),

não sendo caso de substituição da pena (Art. 44, Código Penal), não seja o

condenado reincidente em crime doloso e sendo favorável a culpabilidade, os

antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e

as circunstâncias do crime, poderá ser concedido referido benefício.

Conclui-se, portanto, que os antecedentes do acusado servirão de baliza

a fim de que seja julgada a aplicação da suspensão condicional da pena. “Por

derradeiro, exige-se também, como requisito de natureza subjetiva, que a

culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem

como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício (art. 77, II,

CP)” (PRADO, 2010, p. 601).

Do mesmo modo ocorre quanto às exigências do primeiro ano do período

de prova do sursis, uma vez que dispõe o art. 78, § 2º do Código Penal, que

“Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao

cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz. [...] § 2 º - Se o condenado

houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do

Art. 59 deste Código lhe forem favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do

parágrafo anterior pelas seguintes condições aplicadas cumulativamente [...]”

(BRASIL, 2011b).

Conforme se observa, não somente a aplicação como também a

manutenção do benefício sofrem influência direta da análise dos antecedentes.

8 Art. 11 - Desde que reunidas as condições legais, o juiz pode suspender, por tempo não inferior a 1 (um) ano nem superior a 3 (três) anos, a execução da pena de prisão simples, bem como conceder livramento condicional. (BRASIL, 2011c).

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Em síntese, os antecedentes também influem acerca da suspensão

condicional da pena, sendo estabelecidas condições mais benéficas no caso de

alguns requisitos, entre eles os antecedentes do réu favoráveis. “Assim, maus

antecedentes impedem a concessão do sursis. Exige mínima culpabilidade e boa

índole, sendo incabível nas hipóteses de criminalidade violenta.” (CAPEZ, 2005, p.

467).

3.3.3 A influência dos antecedentes durante a execu ção penal

Mesmo depois de transitada em julgado a sentença condenatória, o réu

continua sujeito à observância dos seus antecedentes para ter acesso a vários

benefícios de execução penal. A Lei de Execução Penal dispõe inicialmente em seu

artigo 107: “Ninguém será recolhido, para cumprimento de pena privativa de

liberdade, sem a guia expedida pela autoridade judiciária.” (BRASIL, 2011e).

No que tange a guia de expedição aludida, preconiza o artigo 106, IV, da

mesma Lei que:

Art. 106 – A guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a rubricará em todas as folhas e assinará com o Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da execução e conterá: [...] IV – a informação sobre os antecedentes e o grau de instrução; (BRASIL, 2011e).

A progressão de regimes, prevista no artigo 33, § 2º, do Código Penal e

artigo 112 da Lei de Execução Penal, permite ao apenado que, cumprido

determinadas exigências, passe a cumprir a pena em um regime menos gravoso.

O regime aberto é o que mais se aproxima do convívio social, tendo em

vista que o réu sai do estabelecimento prisional e retorna em horários estipulados

pela autoridade judiciária.

Porém, a progressão de regime para o aberto exige alguns requisitos

“Dentre as condições estabelecidas para que o apenado possa ter direito à

progressão para o regime aberto, estão os seus antecedentes [...]” (BISSOLI FILHO,

1998, p. 75).

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Nesse diapasão, o art. 114, II da LEP (Lei de Execução Penal)9

estabelece os critérios de concessão do regime mais benéfico ao réu. Portanto, tem-

se que para o ingresso no regime aberto, serão ponderados os antecedentes do

acusado. “Vale dizer, ainda, que além daquelas exigências, o ingresso em regime

aberto supõe o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 114 LEP.” (PRADO,

2010, p. 527).

O artigo 180 da Lei de Execução Penal é autoexplicativo quando diz que:

A pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser convertida em restritiva de direitos, além de cumprido outros requisitos, desde que [...] III – os antecedentes e a personalidade do condenado indiquem ser a conversão recomendável (BRASIL, 2011e).

Assim, percebe-se que a análise dos antecedentes se faz necessária para

a conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos.

Por conseguinte, feita a análise da influência do instituto dos

antecedentes criminais na esfera penal, passa-se a apreciação acerca do instituto

da reincidência criminal.

3.4 A influência da reincidência no direito penal p átrio

Depois de explanado quanto à influência e as conseqüência que a os

antecedentes criminais exercem no âmbito do direito penal, agora, cabível se faz

estudar acerca dos efeitos e conseqüências advindos da aplicação da reincidência

criminal da esfera criminal.

3.4.1. A aplicação da reincidência do trânsito em j ulgado da sentença

9 Art. 114 – Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que: [...] II – apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime. (BRASIL, 2011c).

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Igualmente, são inúmeros os efeitos ocasionados aos acusados

portadores da reincidência criminal.

A reincidência impede a concessão da suspensão condicionada da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos ou multa, na hipótese de crime doloso (cf. arts. 44, II; 60, §2º e 77, I, CP); aumenta o prazo de cumprimento da pena para obtenção do livramento condicional, se dolosa (art. 83, II). Obsta a que o regime inicial de cumprimento da pena seja aberto ou semiaberto, salvo em se tratando de pena detentiva (art. 33, §2.º, b e c); produz a revogação obrigatória do sursis em condenação por crime doloso (art. 81, I) e a revogação facultativa, na hipótese de condenação por crime culposo ou por contravenção (art. 81 §1.º); acarreta a revogação obrigatória do livramento condicional, sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade (art. 86), ou a revogação facultativa daquele benefício, em caso de crime ou contravenção, se não imposta pena privativa de liberdade (art. 87); revoga a reabilitação, quando sobrevier condenação a pena que não seja de multa (art. 95); aumenta de um terço o prazo prescricional da pretensão executória (art. 110, caput); interrompe a prescrição (art. 117, VI) e impede o reconhecimento de algumas causas de diminuição de pena (v.g. arts. 155, §2.º - furto privilegiado; 170 – apropriação indébita privilegiada e 171, §1º. – estelionato privilegiado, CP) e a prestação de fiança, em caso de condenação por delito doloso (art. 323, III, CPP). (PRADO, 2010, p. 488).

Assim como os antecedentes, a reincidência criminal exerce profunda

influência na vida de um cidadão.

[...] com o passar dos tempos a reincidência criminal também passou a exercer uma profunda e gradual influência no Direito Positivo Penal, Processual Penal e de Execução Penal brasileiros, interferindo em todas as fases do processo de criminalização, desde a elaboração das leis até a execução da pena. Essa influência ocorre explicitamente, quando em decorrência dos preceitos regulamentadores, e, implicitamente, quando informam subjetivamente os operadores jurídicos na tomada de decisões. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 100).

Dentre os requisitos para que não seja concedido o benefício da

transação penal, está presente no artigo 76, §2, I, da Lei 9.099/05, que: “§2º - Não

se admitirá a proposta se ficar comprovado: I – ter sido o autor da infração

condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença

definitiva.” (BRASIL, 2011g).

Desse modo, percebe-se que a reincidência obsta a proposta do benefício

da transação penal ao apenado.

No que diz respeito à concessão do benefício da suspensão condicional

do processo, estatui o artigo 89 da Lei 9.099/95:

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Art. 89 – Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (Art. 77 do Código Penal). (BRASIL, 2011g).

Denota-se, desse modo, que a reincidência também impede a concessão

da suspensão condicional do processo.

Para a contagem da prescrição da pretensão punitiva estatal, é

necessário transcorrer tempo suficiente, previsto no artigo 109 do Código Penal,

para que seja extinto o processo sem a análise do crime em questão, sendo

colocado, deste modo, em liberdade o apenado. “O não exercício do jus puniendi

estatal conduz à perda do mesmo em face do lapso temporal transcorrido. A

prescrição corresponde, portanto, à perda do direito de punir pela inércia do Estado,

que não o exercitou no prazo fixado.” (PRADO, 2010, p. 661).

Nesse sentido, para o detentor do instituto da reincidência, o prazo

prescricional aumentará 1/3, fulcro no artigo 110 do Código Penal.

Além disso, a reincidência é uma das causas interruptivas do prazo

previsto para prescrição, conforme dispõe o artigo 117, VI, do Código Penal. “A

reincidência criminal também influi no aumento do prazo prescricional e como causa

interruptiva da prescrição penal.” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 103).

3.4.2 A influência da reincidência na fixação da pe na

Segundo preceitua o artigo 33 do Código Penal: “A pena de reclusão deve

ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime

semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.”

(BRASIL, 2011b).

Nesse diapasão, o §2º, alíneas “b” e “c” do artigo supramencionado

estabelece que: “b – o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4

(quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em

regime semi-aberto; c – o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou

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inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime aberto.”

(BRASIL, 2011b).

Se a pena aplicada for superior a oito anos, o regime inicial de cumprimento de pena será sempre o fechado. Se a pena for superior a quatro anos e não exceder a oito, poderá cumprir a pena em regime inicial semi-aberto, “desde que não seja reincidente”. Se a pena não exceder a quatro anos, poderá cumprir a pena em regime aberto, também “se não for reincidente”. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 103).

Portanto, constata-se que o juiz ao prolatar a sentença, deverá fixar o

regime em que o réu iniciará o cumprimento da sua pena, para tanto, irá analisar as

prerrogativas do artigo 59 do Código Penal, bem como, os artigos supracitados.

Ressalta-se, no entanto, que iniciará no regime fechado aqueles

condenados à pena de reclusão, que são reincidentes ou tiveram suas penas

decretadas superiores a 8 (oito) anos, com fulcro no artigo 33, § 2º, “a”, in verbis: “o

condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime

fechado.” (BRASIL, 2011b).

Não obstante, imperioso destacar que a Lei de Crimes hediondos,

prevista na Lei 8.072/1990, previa que os crimes hediondos, a prática de tortura, o

tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, consumados ou

tentados, teriam que cumprir a pena aplicada, na íntegra, em regime fechado,

mesmo que fosse inferior a 8 (oito) anos. (PRADO, 522, 2010).

Contudo, através do HC 82.959, julgado em 23 de fevereiro de 2006, o

Supremo Tribunal Federal - STF declarou a inconstitucionalidade do referido

dispositivo “[...] permitindo a progressão de regime do condenado por aqueles crimes

e regulamentando os critérios para sua concessão.” (PRADO, 2010, p. 522).

Sendo assim, a Lei 11.464/2007 alterou o § 1º do artigo 2º da Lei

8.072/1990, passando a admitir a progressão nos casos já mencionados. Inserindo o

§ 2º que estabelece o cumprimento de no mínimo 2/5 da pena se o réu for primário e

3/5 se reincidente. (PRADO, 2010, p. 522).

Outros casos em que a pena se iniciará em regime fechado são os crimes

decorrentes de organização criminosa, previsto no artigo 10 da Lei 9.034/1995, bem

como no § 7º da lei dos crimes de tortura (Lei 9.455/1997). Eis o comentário de Luiz

Regis Prado acerca do assunto:

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De acordo com a Lei 9.043/1995, os condenados por crimes decorrentes de organização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado (art. 10). No mesmo sentido, a Lei 9.455/1997 (define os crimes de tortura) estabelece que o condenado por crime nela previsto – salvo na hipótese do art. 1º., § 2.º (omissão em face das condutas tipificadas, quando o agente tinha o dever de evitá-las ou apurá-las) – iniciará necessariamente o cumprimento da pena imposta em regime fechado (art. 1.º, §7.º). (PRADO, 2010, p. 523).

Assim, constata-se que o direito penal prevê alguns obstáculos quanto à

fixação do regime inicial de cumprimento da pena, impondo para aqueles que

possuem a reincidência criminal uma condição mais gravosa, desse modo, exigindo

que o regime inicial seja, obrigatoriamente, o fechado. “Encontram-se

obrigatoriamente sujeitos às regras do regime fechado, desde o início da execução

da pena privativa de liberdade, o condenado a pena de reclusão reincidente ou

aquele a quem foi aplicada pena superior a oito anos.” (PRADO, 2010, p. 522).

A partir da análise da Lei Penal (Art. 33, § 2.º do Código Penal), portanto,

aquele condenado à pena de detenção, uma vez que reincidente, independente da

quantidade aplicada, sempre iniciaria o seu cumprimento em regime fechado.

Todavia, pugna-se pela aplicação da regra geral prevista no artigo 33,

caput, do Código Penal, “[...] permitindo que os condenados a pena de detenção

reincidentes, assim como os não reincidentes condenados a pena superior a quatro

e igual ou inferior a oito anos, iniciem seu cumprimento em regime semiaberto.”

(PRADO, 2010, p. 523).

No que tange a suspensão condicional da pena, tem-se que para alcançar

tal benefício, é necessário preencher alguns requisitos, conforme preconiza o artigo

77 do Código Penal. O inciso primeiro do referido artigo traz como condição para o

deferimento da suspensão que “o condenado não seja reincidente em crime doloso”.

(BRASIL, 2011b).

Assim sendo, pode-se afirmar que “Para a concessão da suspensão

condicional da pena impõe-se determinados requisitos, entre os quais, que o

condenado ‘não seja reincidente em crime doloso’” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 101).

É de se notar que a indicação e cabimento da substituição, dependerá de que o condenado não seja reincidente em crime doloso e sua culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias indiquem que a substituição seja conveniente. (LOPES, 2005, p. 237).

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Portanto, vislumbra-se que a reincidência em crime culposo não obsta a

suspensão condicional da pena, somente a reincidência em crime doloso, com a

ressalva de a condenação tratar-se de crime de multa. “Por outro lado, ainda que

considerado reincidente em crime doloso, se a pena for multa, permite-se a

concessão do sursis (art. 77, §1.º do CP).” (NUCCI, 2010, p. 526).

Ademais, preconiza a Súmula 499 do STF: “Não obsta à concessão do

sursis condenação à pena de multa.” (BRASIL, 2011i).

Quanto à revogação da suspensão condicional da pena, prevista no artigo

81, I, do Código Penal, que diz: “A suspensão será revogada se, no curso do prazo,

o beneficiário: I – é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso.”

(BRASIL, 2011b).

[...] não se distingue aqui o momento da prática delitiva (se antes ou durante o período de prova), mas sim do trânsito em julgado da condenação por crime doloso, que deverá ocorrer no curso da suspensão condicional da pena. Tão somente na condenação por delito doloso – e não por crime culposo ou contravenção penal [...]. (PRADO, 2010, p. 603).

Apesar do artigo não utilizar explicitamente a palavra “reincidência”, esta

fica subentendida tendo em vista que com a condenação em sentença irrecorrível o

indivíduo irá passar a ser reincidente. “Dentre as causas de revogação obrigatória,

desponta a condenação, em sentença irrecorrível, por crime doloso, durante o

período de prova.” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 101).

No que diz respeito à substituição da pena privativa de liberdade por

restritiva de direito, o artigo 44 do Código Penal dispõe que para que seja efetuada

tal substituição, o réu não poderá ser reincidente em crime doloso. “Assim, dentre as

circunstâncias pessoais a serem avaliadas está o fato de não ser o réu reincidente.”

(PRADO, 2010, p. 555).

É suficiente, portanto, que o réu não seja reincidente em crime doloso para que atenda ao requisito subjetivo em tela. A própria reincidência em delito doloso não veda de modo absoluto a substituição se, em face da condenação anterior, a medida for “socialmente recomendável” e não tiver operado em razão da prática do mesmo crime (art. 44, § 3.º do CP). (PRAZO, 2010, p. 555).

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Não obstante, o mesmo ocorre no caso de “multa substitutiva”, prevista no

art. 60, §2º do Código Penal, o qual faz referência ao artigo anteriormente citado. “A

substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos ou multas

somente pode se efetivar se ‘o réu não for reincidente’ [...]” (BISSOLI FILHO, 1998,

p. 102).

Outrossim, nos delitos patrimoniais, tais como furto simples, apropriação

indébita, estelionato e receptação, se o réu for primário e de pequeno valor o objeto

do crime, poderá o juiz substituir a pena de reclusão pela de detenção ou aplicar

somente a pena de multa, fulcro nos artigos 155, §2º, 170, 171, §2º, e 180, §º5,

todos do Código Penal (BISSOLI FILHO, 1998, p. 102).

3.4.3 A influência da reincidência durante a execuç ão penal

A reincidência criminal, ainda, exerce profunda influência no decorrer da

fase de execução penal, como no caso, por exemplo, do livramento condicional.

Primeiramente, importante destacar a existência do instituto do livramento

condicional. Preenchidos os pressupostos necessários para sua outorga e satisfeitas

às condições impostas, a concessão do livramento condicional – dentro da

sistemática adotada pela legislação brasileira – é direito do condenado, e não

faculdade judicial. (PRADO, 2010, p. 609).

Trata-se de uma maneira em que o apenado irá retornando, aos poucos,

ao convívio em sociedade. Nos dizeres de Francisco Bissoli Filho (1998, p. 102):

O livramento condicional é um dos institutos apregoados pela Escola Positiva, como instrumento da individualização da execução da pena, recepcionado pelo Direito Positivo Penal e de Execução Penal Brasileiro, em que o apenado retorna ao convívio social, mediante condições, desde que tenha cumprido parte da pena e revelado comportamento adequado.

Além de exigir, como requisitos objetivos do livramento condicional, que

se trate de pena privativa de liberdade, igual ou superior a dois anos (Art. 83, caput,

Código Penal), a Lei faz divergência quanto ao cumprimento de uma parte da pena,

o autor Luiz Regis Prado (2010, p. 610) faz a distinção:

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60

[...] em caso de réu não reincidente em crime doloso, com bons antecedentes, é possível a concessão do livramento condicional, cumprido mais de um terço da pena (art. 83, I, CP); todavia, se o condenado for reincidente em crime doloso, exige-se o cumprimento de mais da metade da pena (art. 83, II, CP).

Partindo-se da análise da lei penal, verifica-se que a reincidência exerce

considerável influência no que diz respeito à permissão do livramento condicional,

uma vez que para que seja concedido referido benefício, é necessário o

cumprimento de 1/3 da pena, se o condenado não for reincidente, bem como tiver

bons antecedentes.

A reincidência não será óbice à concessão do benefício, acarretando, no entanto, aumento do prazo de cumprimento da pena que de mais de um terço passa a mais da metade. Mas, segundo o art. 5. º, da Lei 8.072/90, esse prazo será de mais de dois terços da pena, em se tratando dos chamados “crimes hediondos”, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. (LOPES, 2005, p. 242).

No entanto, tratando-se de apenado reincidente em crime doloso, o

cumprimento da pena será de 1/2, ou, ainda, o cumprimento de 2/3 da pena, se

indivíduo foi condenado por prática de crime hediondo. “[...] se for reincidente

específico, na prática de crime hediondo, tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas

afins, terrorismo e tortura, não será cabível o livramento condicional.” (BISSOLI

FILHO, 1998, p. 103).

Quanto à revogação do livramento condicional, conforme preceitua o

artigo 86 do Código penal, depois de concedido o livramento condicional, será tal

benefício revogado se o liberado vier a ser condenado à pena privativa de liberdade,

em sentença irrecorrível, por crime cometido na vigência do benefício, ou por delito

anterior. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 102).

Ademais, extrai-se do artigo 87 do Código Penal:

O juiz poderá, também, revogar o livramento, se o liberado deixar de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença, ou for irrecorrivelmente condenado, por crime ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade. (BRASIL, 2011b).

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Percebe-se, dessa forma, que a reincidência exerce enorme influência na

concessão e na revogação do livramento condicional.

De outro modo não ocorre na reabilitação criminal. Tal instituto possui

como escopo reduzir os efeitos da reincidência criminal, uma vez que fica

assegurado ao condenado o sigilo dos registros sobre o processo e condenação,

conforme preceitua o artigo 93 do Código Penal. “A sua existência somente vem a

corroborar que os fatos pretéritos, de qualquer espécie, estigmatizam o indivíduo,

tornando-o refém do processo de criminalização.” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 104).

Extrai-se do artigo 94 do Código Penal:

Art. 94 – A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova, da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado [...]. (BRASIL, 2011b).

Outrossim, prevê o artigo 95 do mesmo Código: “A reabilitação será

revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for

condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa.”

(BRASIL, 2011b).

Em que pese ser assegurado ao condenado que as suas condenações

anteriores não constem na sua folha de antecedentes, existe a ressalva do artigo

748 do Código de Processo Penal, no sentido de que no caso de requisição judicial

deverão sim ser mencionadas suas condenações anteriores, mesmo depois de

concedida à reabilitação criminal.

[...] o que faz com que, mesmo após ter cumprido a pena que lhe foi imposta e estar juridicamente reabilitado, o condenado continue sofrendo os efeitos do processo de criminalização a que foi submetido. Na verdade trata-se de uma meia reabilitação, podendo inclusive ser revogada, caso o condenado vier a reincidir. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 104).

Quanto ao sigilo acerca do processo e condenação, manifesta-se o autor

Luiz Regis Prado (2010, p. 624):

Todavia, o artigo 202 da Lei de Execuções Penais dispõe que, “cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou auxiliares da Justiça, qualquer notícia

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ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.”

Ora, o sistema penal remete ao entendimento de que uma pessoa que

não possui antecedentes ou que não é reincidente é uma pessoa melhor, pois prevê

o procedimento da reabilitação como um “certificado” que reabilita o condenado,

significando que o mesmo agora está apto a voltar ao convívio social, sem qualquer

restrição. Ainda, pode-se dizer que tal instituto não funciona na íntegra como traz a

legislação, uma vez que possui ressalvas:

É ilusório supor que haja alguém interessado em ser declarado, com toda a pompa e circunstância, judicialmente reabilitado, como se isso lhe fosse acrescentar, moralmente, qualquer valor, quando, apenas, revelaria que já cumpriu uma pena, o que não dignifica ninguém. (LOPES, 2005, p. 249).

Não resta outra conclusão senão a que leva ao entendimento de que o

sistema penal vigente não possui instituto capaz de apagar a vida criminosa

passada do agente, considerando que o juiz pode, a qualquer tempo, mesmo após

reabilitação criminal, fazer constar na folha de antecedentes as condenações

anteriores havidas pelo condenado (BISSOLI FILHO, p. 104, 1998).

Quanto à saída temporária, verifica-se que se trata de um instituto

regulado pela Lei de Execução Penal, n.º 7.210/1984, em seus artigos 122 a 125.

“[...] visa, acima de tudo, possibilitar, ao lado de outros institutos penais, o reingresso

paulatino do condenado no convívio social. É benefício que pressupõe que o preso

esteja ao menos no regime semi-aberto, que tenha cumprido um período da pena

imposta [...]” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 106).

Contudo, tal benefício, cujo prescinde do cumprimento de uma parte da

pena imposta, é diferente para o preso primário e o reincidente, em consonância

com o artigo 123, II, da Lei de Execução Penal, o qual exige o cumprimento de 1/6

da pena se o condenado for primário e 1/4 se reincidente.

Conforme todo o exposto pode-se verificar que os antecedentes, bem

como reincidência criminal, possuem influência em diversos ramos do direito penal.

Imperioso salientar que a influência não está estritamente ligada com

Códigos e Leis penais, considerando que também existem meios implícitos que

corroboram para uma condenação penal. Acerca do assunto entende o doutrinador

Francisco Bissoli filho (1998, p. 107-108):

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A influência dos antecedentes e da reincidência criminal, no sistema penal, não se limita apenas àquela contida no Direito Positivo Penal, Processual Penal e de Execução Penal brasileiro. Tais institutos, além da influência expressa na lei, orientam também muitos estudiosos e operadores do Direito, agindo de forma “implícita” e quase sempre negativa, na formação de posturas dogmáticas e na apreciação dos casos em concreto.

Sendo assim, conclui-se que a reincidência criminal e os antecedentes

possuem vasta influência no sistema penal, fazendo com que os indivíduos que tem

contra si esses qualificadores recebam tratamento diferenciado dos demais. O

tratamento diverso imposto na norma penal vai além dos aqui citados, pois implicam

em conseqüências para a pessoa em sua vida em sociedade. É esse o assunto do

próximo capítulo.

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4 A REINCIDÊNCIA E OS ANTECEDENTES CRIMINAIS COMO E STIGMAS DA

CRIMINALIZAÇÃO, À LUZ DA TEORIA DO LABELLING APPROACH

Após o entendimento sobre os aspectos legislativos e doutrinários acerca

dos requisitos da reincidência e dos antecedentes criminais, bem como das suas

aplicações e conseqüências na esfera do sistema penal, neste capítulo será

examinado a configuração dos referidos requisitos como possíveis estigmas da

criminalização.

Desse modo, portanto, será necessário estudar a palavra estigma, tanto

no conceito geral do termo, como o funcionamento dos antecedentes e da

reincidência como meios estigmatizantes.

Para tanto, terá como alicerce a Teoria do Labelling Approach, também já

explanada no primeiro capítulo da presente monografia.

4.1 Antecedentes e Reincidência Criminal: uma dupla punição para a pessoa

selecionada pelo Sistema Penal?

Neste ponto será tratado acerca da aplicação dos antecedentes e da

reincidência criminal sob a ótica do entendimento de alguns autores de que com o

emprego desses dois institutos, haverá uma dupla punição para as pessoas

acusadas.

Ademais, nos conhecimentos de Ivana Savedra de Andrade Barreiros

(BRASIL, 2011), o requisito da reincidência possui como um dos fundamentos para

agravar a pena do indivíduo a insuficiência da primeira pena imposta ao mesmo, o

que acaba por infringir o princípio ne bis in idem, de acordo com alguns autores.

Desse modo, da mesma forma que todas as outras que procuram fundamentar a

elevação da pena pela reincidência, tendo em vista que a pena agravada que se

impõe ao segundo delito cometido decorre da condenação pelo primeiro, acabam

por violar o princípio do ne bis in idem.

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Outra corrente, agora já dentro da teoria normativa da culpabilidade, entende que se a anterior condenação não foi suficiente para reforçar os mecanismos de contramotivação do autor, faz-se necessário reforçar a condenação pelo segundo delito. Esta teoria esquece que a mera notificação de uma condenação, sem qualquer cumprimento da pena, não pode contramotivar a ninguém, ressalvada a hipótese de se lhe atribuir efeitos mágicos. (ZAFFARONI, 2004, p. 794).

Nesse diapasão, sustentam alguns autores que a agravação da pena já

aplicada pelo instituto da reincidência faz com que o crime anterior surta efeitos

jurídicos novamente. Assim, com a finalidade de encontrar uma solução para a

questão da reincidência, discorre Ivana (BRASIL, 2011), ainda, que “[...] Cernicchiaro

propõe que a circunstância ‘não seja interpretada de forma meramente objetiva,

dado que considerar a pluralidade de infrações implicaria projetar a pena de um

crime em outro’”.

Ainda, quanto à reincidência, importante ressaltar o fundamento dessa

agravante. “A mais difundida, como conseqüência da penosa recepção do

positivismo perigoso da América Latina, é que a reincidência demonstra uma maior

periculosidade da pessoa.” (ZAFFARONI, 2004, p. 793). Ainda no mesmo sentido

aduz Zaffaroni:

Nada faz presumir ser mais provável que venha a praticar um delito de emissão de cheque sem provisão de fundos, quem antes causou um homicídio culposo com o seu veículo, do que aquele que nada fez até então. Por outro canto, tampouco se compreende ser mais provável que alguém venha a cometer um delito, porque foi intimidado, dias antes, de uma sentença condenatória definitiva, quando, por qualquer inconveniente burocrático, poderia vir a ser intimidado uns dias após, e, portanto, não tivesse transitado em julgado essa sentença, quando da prática do segundo delito (2004, p. 793).

Acerca do assunto, verifica-se que o instituto da reincidência aplica-se de

maneira objetiva ao indivíduo, presumindo-se, dessa forma, que a pessoa detentora

de referido instituto é pior do que aquele tido como primário. “A resposta penal

tradicional tem sido a de incluir a reincidência como causa da agravação da pena,

sem se levar em conta que o delinqüente reincidente nem sempre ‘é o mais

perverso, nem o mais culpável, nem o mais perigoso’” (FRANCO, 2007, p. 367).

Desse modo, não se pode presumir tratar-se a pessoa portadora de

reincidência e dos antecedentes criminais como mais culpável, perigosa ou perversa

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do que aquela ainda primária e sem antecedentes negativos, tendo em vista que

nada fundamenta que essa presunção seja lógica.

Igualmente, outra tese cujo fundamenta a agravante da reincidência está

consubstanciada no fato da pessoa que cometeu o delito estar afetando duplamente

o sistema, uma por cometer um delito pela segunda vez, outra por ferir a imagem

pública do Estado, o qual promove a segurança: “Esta seria a explicação mais de

acordo com os princípios de direito penal de garantias, isto é, uma presunção de

maior conteúdo do injusto do segundo delito, em decorrência de uma dupla ofensa

que o mesmo provocaria.” (ZAFFARONI, 2004, p. 794).

Somente para esclarecer, o princípio do ne bis in idem ou non bis in idem,

significa dizer que ninguém poderá ser punido mais de uma vez pela mesma

infração penal. “O princípio do ne bis in idem, que se traduz na proibição da dupla

valoração fática, tem na atualidade seu apoio no princípio constitucional da

legalidade.” (FRANCO, 2007, p. 367).

Afirma-se que a reincidência, na medida em que se traduz em uma maior gravidade da pena do segundo delito, viola o princípio do non bis in idem, posto que esta maior gravidade é resultado do delito anterior, pressuposto da reincidência, ou seja é conseqüência do delito anterior, realizando-se, assim, um duplo jogo de penas: primeiro se castiga o autor pelo fato cometido, logo este fato vale para que na segunda ou terceira condenação se aplique outra pena mais agravada. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 166).

Corroborando sobre o assunto: “É inservível, para efeito de afastar a

ofensa ao princípio ne bis in idem, o argumento de que não se volta a julgar nem a

apenar fato criminoso anterior.” (FRANCO, 2007, p. 367).

O fato criminoso que deu origem à primeira condenação não pode, depois, servir de fundamento a uma agravação obrigatória de pena, em relação a um outro fato delitivo, a não ser que se admita, num Estado Democrático de Direito, um Direito Penal atado ao tipo de autor (reincidente), o que constitui uma verdadeira e manifesta contradição lógica. (FRANCO, 2007, p. 367).

Neste viés, entende-se que o sistema penal, ao prever determinado

requisito como agravante da pena por crime anteriormente cometido, está

consubstanciando-se apenas no autor, deixando de lado o foco do processo de

criminalização, que seria o ilícito cometido.

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67

Não fosse pouco, a consideração da reincidência no processo criminal

acaba por ferir o princípio da legalidade, bem como, fere o princípio ne bis in idem na

medida em que a aplicação desse instituto faz com que o crime anterior tenha

efeitos jurídicos duplos.

Ademais, convém mencionar que a consideração da reincidência criminal

no âmbito penal infringe o princípio da legalidade. “Destarte, como expressão do

direito do autor a reincidência transgride flagrantemente o princípio da legalidade

que se arrima no fato praticado e não na personalidade de seu autor.” (FRANCO,

2007, p. 367). O mesmo autor complementa a idéia no seguinte sentido:

Correta, portanto, a conclusão de que o princípio da legalidade não admite, em caso algum, a imposição de pena superior ou distinta da prevista e assinalada para o crime e que a agravação da punição, pela reincidência, faz, “no fundo”, com que o delito anterior surta efeitos jurídicos duas vezes (2007, p. 367).

Assim, constata-se que a reincidência não encontra amparo na

Constituição Federal, bem como não possui embasamento suficiente que possa

agravar a pena do indivíduo de modo admissível, tampouco induz que o indivíduo

revela uma culpabilidade mais intensa. “Não parece, por isso, razoável que, depois,

o mesmo Estado exacerbe a punição sob pretexto de que o agente desrespeitou a

sentença anterior, desprezou a formal advertência expressa nessa condenação”.

(FRANCO, 2007, p. 367).

Portanto, ao que se percebe, não parece correto agravar a pena de um

indivíduo sob o argumento de que o mesmo já cometeu um delito anteriormente,

haja vista que o crime pretérito já teve a sua pena devidamente aplicada.

Zaffaroni (2004, p. 795) considera que este critério de majoração da pena

é clara violação do ne bis in idem:

Considerando que a reincidência se aplica por conta de um delito cometido anteriormente é que surgiu a figura do princípio supracitado. “[...] em toda agravação de pena pela reincidência existem uma violação do princípio non bis in idem. A pena maior que se impõe na condenação pelo segundo delito decorre do primeiro, pelo qual a pessoa já havia sido julgada e condenada”.

Desse modo, pode-se entender que o juiz, quando da aplicação da

agravante da reincidência, está ferindo o princípio do ne bis in idem. “Quando se

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aumenta a pena pela reincidência, o agente está sendo apenado também pelo fato

anterior. É a segunda punição pelo mesmo crime. Há na reincidência uma espécie

de bis in idem” (GOMES, 2005, p. 88).

Não obstante, a reincidência sugere “[...] numa mera valoração moral do

indivíduo, valoração essa que nada tem a ver com fato praticado e objeto de

julgamento, mas que significa, do ponto de vista punitivo, a aplicação de pena de

maior intensidade.” (FRANCO, 2007, p. 367).

Embora não tenha sido abordado especificamente quanto aos

antecedentes criminais, referido instituto, aplicado na primeira fase da dosimetria da

pena, também funciona como um meio de dupla punição ao indivíduo na medida em

que considera um fato pretérito e já aplicado em anterior condenação, nas

condenações posteriores do sujeito.

Outrossim, desnecessária maiores digressões sobre tal assunto, uma vez

que, conforme mencionado no segundo capítulo da presente monografia, com o

surgimento da súmula 444 do STJ ficou afastada a possibilidade de aplicação dos

processos penais em curso e inquéritos policiais como antecedentes criminais.

4.2 A influência dos antecedentes e da reincidência nos processos penais,

considerando o Labelling Approach

Conforme já estudado no segundo capítulo, verifica-se que os

antecedentes e a reincidência criminal possuem uma grande influência no sistema

penal. Desse modo, será abordado no presente capítulo acerca da influência desses

institutos à luz da Teoria do Labelling Approach.

Quanto a Teoria abordada, salienta-se que esta direção de pesquisa

entende que somente pode se compreender a criminalidade através de um estudo

do sistema penal “[...] começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias

oficiais (polícia, juízes, instituições penitenciárias que as aplicam.” (BARATTA, 1999,

p. 86).

Becker mostrou que a mais importante conseqüência da aplicação das sanções consiste em uma decisiva mudança de identidade social do

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indivíduo; uma mudança que ocorre logo no momento em que é introduzido no status de desviante. (BARATTA, 1999, p. 89).

Neste sentindo, sabe-se que é considerado reincidente no Brasil aquele

que cometeu crime anterior em outro país “A lei reconhece validade tanto na

sentença condenatória nacional como da estrangeira, o que dá lugar à chamada

‘reincidência internacional’” (ZAFFARONI, 2004, p. 797).

Igualmente: “Assim, pois, ainda que o primeiro crime tenha sido

perpetrado e processado em país estrangeiro, se dele resultar condenação, deve-se

reconhecer, em desfavor do agente, a reincidência criminal.” (BISSOLI FILHO, 1998,

p. 86).

Acerca do assunto, Zaffaroni (2004, p. 797) considera que nem todas as

sentenças condenatórias estrangeiras deveriam avaliar o indivíduo como reincidente

no Brasil, uma vez que deveria a conduta ser considerada crime aqui no Brasil

também. Outrossim, referido autor entende que para que haja a reincidência

internacional deverá ter sido prolatada a sentença condenatória respeitando os

direitos humanos fundamentais, bem como “Não seria possível condenar como

reincidente no Brasil uma pessoa condenada na Colômbia, porque a legislação

deste país não admite a reincidência.”

Contra a reincidência internacional se manifestam alguns autores ao

fundamento de que a ocorrência do segundo crime em país diverso, local em que o

prestígio da autoridade está a salvo, não implica o reconhecimento da reincidência,

na medida em que não foram sentidos os efeitos da pena no país onde ocorreu o

segundo crime ainda (BISSOLI FILHO, 1998, p. 87).

Alguns autores também defendem que a reincidência não deveria ser

aplicada aos crimes culposos, tendo em vista que referida agravante prevê apenas

malefícios dolosos (BISSOLI FILHO, 1998, p. 90).

O sistema penal, a partir de suas leis, acaba diferenciando os indivíduos

portadores dos institutos da reincidência e dos antecedentes criminais dos demais.

Portanto, a partir do que se infere nas leis, é possível verificar o tratamento

diferenciado daquele classificado como reincidente, sendo que este passa a fazer

parte de um grupo distinto de criminosos. “Não há dúvidas de que os criminosos

reincidentes constituem uma classe distinta de criminosos, a qual foi recepcionada

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pelo Direito Positivo Penal, Processual Penal e Execução Penal brasileiro [...]”

(BISSOLI FILHO, 1998, p. 160).

Detemo-nos, pois, porque fundamental, numa das maiores contribuições da Criminologia da reação social e crítica; a revelação da lógica da seletividade como lógica estrutural de operacionalização do sistema penal, a qual representa a fundamentação científica de uma evidência empírica visibilizada pela clientela da prisão: a da “regularidade” a que obedecem a criminalização e o etiquetamento dos estratos sociais mais pobres da sociedade. Evidência, por sua vez, há muito vocalizada pelo senso comum no popular adágio de que “a prisão é para os três pês; o preto, o pobre e a prostituta”. (ANDRADE, 2003, p. 49-50).

Do mesmo modo, o Estado também é um dos estimuladores no que tange

a reincidência “[...] na medida em que submete o condenado a um processo

dessocializador desestruturando sua personalidade por meio de um sistema

penitenciário desumano e marginalizador.” (FRANCO, 2007, p. 367).

Os antecedentes e a reincidência criminal, assim, poderiam revelar essa tendência ao crime, levando o homem criminoso, por este motivo a ser classificado de forma diferencial. A verdade é que os antecedentes, especialmente os negativos, e a reincidência criminal constituem importante fator de diferenciação do criminoso dos demais seres humanos, de tal sorte que o indivíduo que registra alguma espécie de antecedentes negativos ou é reincidente criminal, acaba merecendo, da parte do sistema penal, um tratamento diferencial, sendo considerado, portanto, pertencente a uma categoria específica. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 162).

Desse modo, vislumbra-se que a Teoria do Labbelling Approach discorre

que a pessoa considerada reincidente ou com antecedentes criminais é tratada

diferentemente, sendo que o Estado, detentor do poder de impor referidos institutos

possui uma influência muito maior no que diz respeito ao processo de

criminalização.

Uma pessoa tida como reincidente ou portadora de antecedentes criminais, recebe, de certa forma, uma majoração na pena, ou seja, o sujeito que pratica um segundo crime receberá por força desses institutos uma pena pior do que aquele que pratica pela primeira vez um crime. “O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo”. (BECCARIA, 1999, p. 52).

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Ao direcionar a aplicação da pena e fixação do regime inicial do

cumprimento da pena, a suspensão condicional da pena, a diminuição de penas e a

sua substituição por penas restritivas de direito, a transação penal, a suspensão

condicional do processo, a progressão para o regime aberto, ao interromper a

prescrição, entre outras situações “[...] o legislador somente o fez porque acreditou

nos fundamentos teóricos nos quais os antecedentes e a reincidência criminal

encontram a sua razão de ser.” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 168-169).

Segundo a Teoria Labelling Approach, a aplicação dos antecedentes e da reincidência criminal está apenas reforçando para que o indivíduo volte a delinqüir, uma vez que o mesmo já se encontra mais suscetível ao cometimento de crime, em face da reação social contra o primeiro crime praticado. “O homem acusado do delito, encarcerado e depois absolvido, não deveria trazer consigo nenhuma nota de infâmia”. (BECCARIA, 1999, p. 99).

Como negativa a aplicação dos antecedentes criminais, o autor Francisco

Bissoli Filho (1998, p. 64) traz as seguintes conclusões: “[...] é possível concluir que

o instituto tem por características a amplitude, a negatividade, a subjetividade, a

relatividade, a antijuridicidade e a perpetuidade.”

A amplitude se fundamenta na medida em que qualquer fato, desde que

pretérito, poderá ser considerado como antecedentes criminais. Quanto à

negatividade “[...] é extraída da confrontação entre o conceito dos antecedentes

produzido pela Dogmática Penal e as situações por esta consideradas como tal.”

(BISSOLI FILHO, 1998, p. 64). No mesmo sentido, continua Bissoli Filho (1998, p.

64):

Dentre as situações elencadas pelo conjunto de autores não se situam aquelas que revelam fatos, episódios, condutas ou comportamentos bons ou ótimos da vida do indivíduo, tais como, por exemplo, os processos de adoção e guarda de menores carentes e desassistidos, prestação de serviços públicos relevantes (como jurado, como membro do serviço eleitoral e em atividade comunitárias).

Acerca da subjetividade, esta está ligada à amplitude do conceito de

antecedentes, que admite que os fatos passados do agente sejam avaliados por

critérios individuais do avaliador (BISSOLI FILHO, 1998, p. 64).

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72

Por sua vez, a relatividade “[...] resulta do fato de que as situações

consideradas como antecedentes pela Dogmática Penal dizem respeito basicamente

a fatos constantes dos registros policiais e judiciais do agente.” (BISSOLI FILHO,

1998, p. 65).

A antijuridicidade está ligada ao fato de serem considerados para fins de

antecedentes criminais, inquéritos arquivados, por exemplo, o que contraria o

princípio da ampla defesa, da presunção de inocência e do devido processo legal

(BISSOLI FILHO, 1998, p. 65). Sobre a ofensa aos princípios citados, continua o

autor:

[...] não pode o agente defender-se de uma circunstância relativa à sua pessoa, se não fizer parte do fato pelo qual está sendo julgado e que não constou da acusação que lhe é formulada. Não podendo defender-se de uma circunstância que é mencionada em seu desfavor, não pode a mesma ser considerada em seu prejuízo. Para que não desrespeite o princípio da ampla defesa e para que possa influenciar nas várias instâncias do processo penal, deverão os “maus antecedentes” comporem a descrição contida na peça acusativa, No entanto, o que se verifica é que, apesar de não constar da acusação, os antecedentes são considerados em várias ocasiões, produzindo, assim, conseqüências antijurídicas. (1998, p. 66).

No que tange a perpetuidade, esta se justifica uma vez que os

antecedentes não delimitam a sua interferência temporal, ou seja, não possui, assim

como a reincidência (que prescreve em cinco anos) prazo para sua aplicação,

incidindo, assim, de maneira perpétua no âmbito penal (BISSOLI FILHO, 1998, p.

66).

Assim, verifica-se que os antecedentes criminais possuem grande

influência no Direito Positivo atual, de modo que obsta o exercício de determinados

direitos, sendo que o detentor de “maus antecedentes” é tratado de forma diferente

(BISSOLI FILHO, 1998, p. 68).

Neste sentido, conforme já esposado no capítulo anterior, é sabido que “A

lei penal comporta uma série de ocasiões em que os antecedentes exercem

influência, desde o momento da aplicação da pena até a execução penal” (BISSOLI

FILHO, 1998, p. 68). Além disso, tais critérios são aplicados de maneira implícita,

pelos operadores do direito, através do Second Code10 (BISSOLI FILHO, 1998, p.

108-112).

10 Sobre esse tema vide o item 2.4. do primeiro capítulo dessa monografia.

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73

Contudo, considerando que com a aplicação dos antecedentes criminais o

indivíduo passa a receber tratamento diferenciado pela esfera criminal, a Teoria do

Labelling Approch formula críticas contundentes a aplicação do referido instituto,

como também em relação à aplicação da reincidência criminal nos processos de

criminalização.

4.3 Os antecedentes e a reincidência criminal como estigmas da criminalização

e a sua influência para que o acusado volte ao mund o do crime, segundo a

Teoria do Labelling Approach

No tópico pretende-se o estudo acerca dos requisitos da reincidência e

dos antecedentes como estigmas da criminalização, bem como, verificar-se-á que

com a influência dos referidos requisitos o indivíduo tende a reincidir na prática

delitiva.

Como já sabido, segundo a Teoria do Labelling Approach, não é o

comportamento em si que torna uma pessoa desviante, mas um indivíduo é definido

como desviante através da interpretação da norma, que faz de seus intérpretes e

aplicadores os autores da decisão sobre quem é desviante e quem não é. Referida

Teoria afirma que uma pessoa se torna diferenciada a partir do momento em que

recebe um tratamento distinto de todos, o que ocasiona uma profunda alteração na

identidade do ser humano.

Os estudos dessa teoria asseveram que a definição sobre quem são os

criminosos implica, como conseqüência, na designação de uma etiqueta criminal

para as pessoas, fazendo com que estas fiquem mais propícias a praticar novas

condutas desviantes, uma vez que foi estigmatizada.

Relata, igualmente, a Teoria do Labelling Approach que os indivíduos são

escolhidos pelo sistema, sendo em sua maioria, as pessoas pertencentes aos

estratos sociais, excluídos da sociedade.

Só são criminosos os indivíduos que, além de desrespeitar um preceito legal (às vezes nem isso, a mera indisciplina satisfaz o requisito), pertencem às parcelas inferiores da sociedade – pois, nesse caso, a infração coloca em

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risco um básico princípio político; o de que devem observar passiva submissão à tirania dos grupos dominantes. (THOMPSON, 1998, p. 129).

A teoria trata dos desvios, ou seja, um indivíduo pratica um delito,

cometendo o desvio primário, a partir de então, ela passar a ser alvo das repressões

oriundas dos órgãos de controle da sociedade. Enfim, a presente Teoria relata que a

pessoa que foi submetida ao cumprimento da pena privativa de liberdade, encontra-

se mais suscetível a cometer outros crimes, tendo em vista os estigmas e

repressões sofridas.

Lemert desenvolve particularmente esta distinção, de modo a mostrar como a reação social ou a punição de um primeiro comportamento desviante tem, frequentemente, a função de um “commitment to deviance”, gerando, através de uma mudança de identidade social do indivíduo assim estigmatizado, uma tendência a permanecer no papel social no qual a estigmatização o introduziu. (BARATTA, 1999, p.89).

Não obstante, no que diz respeito à criminalidade, entende a Teoria do

Labelling Approach que se trata de um resultado advindo da estigmatização. “A

criminalidade não é uma qualidade de uma determinada conduta, mas o resultado

de um processo através do qual se atribui dita qualidade, quer dizer, de um processo

de estigmatização.” (CONDE, p. 111, 2008).

Segundo o autor Erving Goffman (1988, p. 11) o termo “estigma” foi criado

pelos gregos, de maneira a identificar aqueles que possuíam algo de extraordinário

ou algum mau sobre o status de alguma pessoa. “Os sinais eram feitos com cortes

ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um escravo, um criminoso ou traidor

– uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que devia ser evitada, especialmente

em lugares públicos.”

Destaca o autor, ainda, que nos dias atuais o estigma predomina de

maneira similar aquele criado na Grécia. “Atualmente, o termo é amplamente usado

de maneira um tanto semelhante ao sentido literal original, porém é mais aplicado à

própria desgraça do que à sua evidência corporal.” (GOFFMAN, 1988, p. 11).

Isso, porque, a sociedade contemporânea impõe diferenciações de

algumas pessoas, sendo que umas são tidas como “normais” e outras como

“anormais”. “A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de

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75

atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma

dessas categorias [...]” (GOFFMAN, 1988, p. 11).

Conclui-se, a partir dos estudos de Goffman, que o estigma se configura

como marcas ou cicatrizes, algo negativo sobre uma pessoa, seja uma fraqueza,

uma desvantagem ou um defeito.

[...] um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma característica diferente da que havíamos previsto. (GOFFMAN, 1988, p. 14).

A partir da imposição social dos estigmas, problemas como a

discriminação começam a surgir: “[...] fazemos vários tipos de discriminações,

através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas

chances de vida.” (GOFFMAN, 1998, p.14).

Igualmente, essas pessoas detentoras de tais estigmas tendem a

acreditar que realmente são diferentes das demais. “A vergonha se torna uma

possibilidade central, que surge quando o indivíduo percebe que um de seus

próprios atributos é impuro e pode imaginar-se como um não-portador dele.”

(GOFFMAN, 1988, p. 17).

É provável que, em situações sociais onde há um indivíduo cujo estigma conhecemos ou percebemos, empreguemos categorizações inadequadas e que tanto nós como eles nos sintamos pouco à vontade. Há, é claro, frequentemente, mudanças significativas a partir dessa situação inicial. E, como a pessoa estigmatizada tem mais probabilidade do que nós de se defrontar com tais situações é provável que ela tenha mais habilidade para lidar com elas. (GOFFMAN, 1988, p. 28).

Acreditando que realmente fazem jus a tal estigma as pessoas passam a

se sentir diferentes das demais.

As pessoas que têm um estigma particular tendem a ter experiências semelhantes de aprendizagem relativa à sua condição e a sofrer mudanças semelhantes na concepção do eu – uma ‘carreira moral’ semelhante, que é não só causa como efeito do compromisso com uma seqüência semelhante de ajustamentos pessoais. (GOFFMAN, 1988, p. 41).

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Por outro lado, quem acaba de conhecer uma pessoa estigmatizada que

não sabe da existência de tal estigma, a vê como uma pessoa “normal”, diferente

daquele que já a conhece, uma vez que já formou sobre ele uma compreensão

deturpada. Como conseqüência:

As pessoas com as quais ele passou a se relacionar depois do estigma podem vê-lo simplesmente como uma pessoa que tem um defeito; as amizades anteriores, à medida que estão ligadas a uma concepção do que ele foi, podem não conseguir tratá-lo, nem com um tato formal nem com uma aceitação familiar total. (GOFFMAN, 1988, p. 45).

Por conseguinte, algumas pessoas passam a evitar aqueles indivíduos

detentores de estigmas. Assim, “[...] em certas circunstâncias, a identidade social

daqueles com quem o indivíduo está acompanhado pode ser usada como fonte de

informação sobre a sua própria identidade social, supondo-se que ele é o que os

outros são.” (GOFFMAN, 1988, p. 57-58).

Não obstante todo o sofrimento que o estigmatizado passa em sua vida

social, quando são submetidos à prisão, a angústia tende a piorar.

Nos muitos casos em que a estigmatização do indivíduo está associada com sua admissão a uma instituição de custódia, como uma prisão, um sanatório ou um orfanato, a maior parte do que ele aprende sobre o seu estigma ser-lhe-á transmitida durante o prolongado contato íntimo com aqueles que irão transformar-se em seus companheiros de infortúnio (GOFFMAN, 1988, p. 46).

Segundo Goffman, (2007, p. 32) algumas instituições penais possuem

obrigações a serem seguidas, de modo que acabam humilhando os detentores de

estigmas. “Os presos e os doentes mentais não podem impedir que os visitantes os

vejam em circunstâncias humilhantes.”

Em algumas instituições penais encontramos a humilhação de curvar-se para ser açoitado. Assim como o indivíduo pode ser obrigado a manter o corpo em posição humilhante, pode ser obrigado a dar respostas verbais também humilhantes. Um aspecto importante disso é o padrão de deferência obrigatória das instituições totais. (GOFFMAN, 2007, p. 30).

Nesse sentido, além dos estigmatizados terem que lidar com tal “encargo”

e com o preconceito advindo da sociedade, ainda ficam submetidos a lugares que

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77

afetam ainda mais a sua auto-estima. “Parece característico de todo

estabelecimento, e, sobretudo das instituições totais, que algumas formas de

deferência sejam específicas, e que os internados devam apresentá-las, enquanto a

equipe dirigente deve recebê-las.” (GOFFMAN, 2007, p. 101).

Para os fins do nosso discurso sobre a relação entre a criminologia liberal contemporânea e a ideologia penal, destaca-se que os resultados desta primeira direção de pesquisa, na criminologia inspirada por Labelling Approach, sobre o desvio secundário e sobre carreiras criminosas, põem em dúvida o princípio do fim ou da prevenção e, em particular, a concepção reeducativa da pena. Na verdade, esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinqüente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminal. (BARATTA, 1999, p. 90).

Assim, a pessoa estigmatizada é vista como diferenciadas das demais e

acaba sendo alvo de discriminações por parte das outras pessoas, tidas como

normais ou dentro do padrão social e cultural firmado pela sociedade e são

submetidas, muitas vezes, a lugares em que recebem tratamento de acordo com os

referenciais do estigma.

4.3.1 Estigmas da criminalização e suas implicações para a Teoria do Labelling

Approach

Antes de adentrar no principal objeto de estudo dessa pesquisa,

conveniente se faz uma síntese do significado dos estigmas da criminalização para a

Teoria do Labelling Approach. De acordo com essa teoria uma pessoa possuidora

de um estigma é vista pela sociedade como um ser diferenciado, não sendo

completamente humano:

O estigma pode ser visto sob a ótica dos 'normais' ou do próprio indivíduo estigmatizado. Para os 'normais' o indivíduo com um estigma não é tido como completamente humano, motivo pelo qual são feitas, em relação a ele, vários tipos de descriminações, através de termos específicos, como por exemplo, aleijado, bastardo, retardado [...]. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 191).

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Ainda, narra referida teoria que as pessoas estigmatizadas se sentem

rejeitadas por todos, de modo a acreditar que tal estigma imputado a si é verdadeiro.

Outrossim, a relação com os demais fica prejudicada.

A sua relação com o estigma está sedimentada muito mais na relação com os outros, do que consigo próprio. O ponto central é a 'aceitação' que o indivíduo estigmatizado tentará buscar na sua relação com os 'outros', adotando, para isto, certas posturas consigo próprio e outras com os 'normais' [...]. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 191).

Considerando o estigma que a pessoa possui, esta tende a ser mais

facilmente escolhida pela criminalização.

Tanto o indivíduo portador de um estigma criminal, como aquele situado no estereótipo do criminoso, são mais facilmente selecionados pelo sistema penal, o que demonstra que a estigmatização e a estereotipação do criminoso torna-o mais vulnerável à esta seletividade.” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 201).

Ainda:

Quando os outros decidem que determinada pessoa é non grata, perigosa, não confiável, moralmente repugnante, eles tomarão contra tal pessoa atitudes normalmente desagradáveis, que não seriam adotadas com qualquer um. São atitudes a demonstrar a rejeição e a humilhação nos contatos interpessoais e que trazem a pessoa estigmatizada para um controle que restringirá sua liberdade. (SHECAIRA, 2004, p. 291).

Segundo os autores do Labelling Approach “[...] A conduta desviante é o

resultado de uma reação social e o delinqüente apenas se destingue do homem

comum devido à estigmatização que sofre” (SCHECAIRA, 2004, p. 293). Portanto,

[...] toda a investigação interacionista gravita em torno da problematização da estigmatização, assumida quer como variável dependente (quais os critérios em nome dos quais certas pessoas e só elas são estigmatizadas como delinqüentes?), quer como variável independente (quais as conseqüências desta estigmatização?). (DIAS, 1997, p. 343).

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Conforme já exposto neste trabalho, o sistema penal, na impossibilidade

de punir todos os responsáveis pelos crimes, exerce uma seleção, que consiste em

escolher quais pessoas serão criminalizadas, sendo, em sua maioria, as pessoas

dos estratos sociais inferiores. Considera Baratta (1999, p. 91) que:

[...] pode-se observar, as teorias do labeling baseadas sobre a distinção entre desvio primário e desvio secundário, não deixaram de considerar a estigmatização ocasionada pelo desvio primário também como uma causa, que tem seus efeitos específicos na identidade social e na autodefinição das pessoas objeto da reação social.

Portanto, o sistema penal para que proceda referida seleção dos sujeitos

que serão etiquetados acaba por fazer certa perseguição aquelas pessoas cujo

entenda passíveis de serem punidas. “[...] a perseguição criminal, na sua sistemática

redução de complexas expressões da vida, beneficia aqueles que estão em

condições de influenciar e dirigir uma tal redução, desfavorecendo os que não estão

nas mesmas condições.” (DIAS, 1997, p. 285).

Como Kitsuse e vários outros não se cansam de repetir, não é o comportamento, por si mesmo, que desencadeia uma reação segundo a qual um sujeito opera a distinção entre “normal” e “desviante”, mas somente a sua interpretação, a qual torna este comportamento uma ação provida de significado. Por isto, em determinado sentido, o comportamento é indiferente em relação às reações possíveis, na medida em que é a interpretação que decide o que é qualificado desviante e o que não é. (BARATTA, 1999, p.94-95).

No mesmo diapasão, o sistema penal seleciona aqueles tidos como já

estigmatizados. “A coerência intrínseca dos estereótipos ajuda a explicar que as

instâncias formais de resposta – de controle e de tratamento – recrutem

preferencialmente os seus clientes entre os que exibem os respectivos estigmas.”

(DIAS, 1997, p. 389).

As etiquetas negativas, segundo consta na obra de Francisco Bissoli Filho

tratam-se de “corredores” e “prisões”.

São “corredores”, pois induzem o indivíduo a iniciar uma carreira desviante, levando-o a desempenhar uma nova posição ou papel, assim como acontece com os “ritos de passagem”. São “prisões”, uma vez que fazem com que a pessoa mantenha uma identidade desviada altamente visível, alterando a auto-imagem e as expectativas sociais, perpetuando e

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intensificando o comportamento que se rejeita, mesmo depois de ter este sido modificado. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 183).

Tratam-se, também, de elementos que identificam o indivíduo: “a etiqueta,

pois, obscurece e esconde todas as demais características do indivíduo” (BISSOLI

FILHO, 1998, p. 183). Assim, a pessoa passa a ser influenciada pelo que representa

“o indivíduo é visto como um actor que sofre a influência do papel que representa, do

cenário que o envolve e dos outros com quem interage, mas, simultaneamente, que

a todos influencia.” (DIAS, 1997, p. 355).

Igualmente, mudam a identidade do sujeito. “A mais importante

conseqüência é uma drástica mudança na identidade pessoal que o indivíduo tem

diante da sociedade. Surge um novo status que revelará o agente desviado como

alguém que supostamente deveria ser.” (SHECAIRA, 2004, p. 296).

Imagine-se, por exemplo, um crime de furto praticado em uma residência. A polícia (especialmente), assim como outras agências de controle, sempre partirá de uma premissa segundo a qual é aquele agente um “ladrão”, o que gerará um rótulo com o qual o desviante será identificado. As rotinas diárias farão com que ele busque a aproximação com s iguais, o que gera o início de uma carreira criminal. (SHECAIRA, 2004, p. 296).

A partir do estudo da Teoria do Labelling Approach, tem-se que uma vez

considerado o estigma a pessoa fica mais suscetível a ser selecionada pelo sistema

penal. “A explicação interacionista caracteriza-se, assim, por incidir quase

exclusivamente sobre a chamada delinqüência secundária, isto é, a delinqüência

que resulta do processo causal desencadeado pela estigmatização.” (SHECAIRA,

2004, p. 290-291).

Assim, conclui-se que “De maneira bastante cruel, pode ser dito que, à

medida que o mergulho no papel desviado cresce, há uma tendência para que o

autor do delito defina-se como os outros o definem.” (SHECAIRA, 2004, p. 298).

4.3.2 Os antecedentes e a reincidência criminal com o estigmas da

criminalização e a sua influência para que o acusad o volte ao mundo do crime,

segundo a Teoria do Labelling Approach

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Este ponto, por fim, será voltado a compreensão das razões pelas quais o

sujeito detentor de antecedentes e reincidência criminal é tido como estigmatizado e

se isso contribui para novas práticas delitivas. Contudo, como não só os

antecedentes e a reincidência criminal contribuem para que o acusado pratique novo

crime, também serão abordados, de forma sucinta, outros meios estudados que

também influenciam para que o sujeito selecionado continue fazendo parte da esfera

criminal.

Alguns autores acreditam que a prisão é um dos meios que influenciam

para que o acusado volte a delinqüir. “O mau comportamento pode ser revelação do

caráter e da dignidade do preso e o bom comportamento pode indicar apenas

deformação da personalidade, adaptada aos padrões carcerários.” (FRAGOSO,

2003, p. 360-361).

A prisão constitui realidade violenta, expressão de um sistema de justiça desigual e opressivo, que funciona como realimentador. Serve apenas para reforçar valores negativos, proporcionando proteção ilusória. Quanto mais graves são as penas e as medidas impostas aos delinqüentes, maior é a probabilidade de reincidência. (FRAGOSO, 2003, p. 357).

No mesmo sentido: “Portanto, longe de estar sendo ressocializado para a

vida livre, está, na verdade, sendo socializado para viver na prisão” (SHECAIRA,

2004, p. 304). Na maioria das vezes, conforme muitos autores acreditam, a pena

serve apenas para que o condenado continue no mundo do crime “[...] sabe-se que a

pena, mui frequentemente, não é contramotivadora, mas precisamente motivadora,

ou seja, condicionante da assunção do rol ou papel desviado do sujeito.”

(ZAFFARONI, 2004, p. 792).

Corroborando com o assunto, traz o autor Sérgio Salomão Shecaira

(2004, p. 288): “Lombroso era taxativo ao afirmar que as condições da prisão e o

contato com os presos com outros criminosos acabavam por criar os criminosos

habituais.” Destaca Shecaira (2004, p. 289) também que “[...] às leis penais

utilizadas para conter e controlar condutas existencialmente problemáticas, de um

ponto de vista social, e que ao serem empregadas para reprimir os movimentos

sociais transformaram pessoas comuns em criminosas.”

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Também discorrem alguns autores que o desvio é produzido pela própria

sociedade “[...] os grupos sociais o produzem ao criar as regras (criminalização

primária) e ao aplicá-las a pessoas particulares, classificando-as como ‘estranhas’

(criminalização secundária).” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 171).

Segundo ao autor Bissoli Filho, o desvio não se trata de uma categoria

homogênea, considerando que algumas das pessoas caracterizadas como

“etiquetadas” podem não ter violado a norma penal, bem como a categoria dos

desviados não conterá todas as pessoas que tenham transgredido a norma.

“Enquanto a categoria carece de homogeneidade e não inclui todos os que

pertençam a ela, não é razoável admitir que existam fatores comuns à personalidade

ou à situação vital que expliquem o suposto ‘desvio’” (1998, p. 172).

O desvio é produto, também, da atividade empresarial em sentido particular e restrito, pois, a partir de sua existência, a regra deve ser aplicada a indivíduos específicos, para que a classe abstrata de “estranhos” possa ser identificada e condenada e os transgressores assinalados como “diferentes” ou estigmatizados por sua desconformidade. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 173).

Outrossim, outro fator importante para que o indivíduo, uma vez

estigmatizado, volte a fazer parte da esfera criminal se fundamenta na etiqueta

aplicada através das instâncias formais e não formais, a primeira diz respeito à

etiqueta que se aplica pelos policiais, pelos promotores de justiça e pelos tribunais

penais. Já a segunda, ou seja, instância não formal, refere-se às etiquetas instituídas

desde cedo, quais sejam as famílias, professores e escolas, por exemplo. “Deste

modo, as pessoas assim definidas ficam estigmatizadas com signo social de

fracasso.” (CONDE, 2008, p.111).

Não obstante, as pessoas que normalmente são selecionadas pelo

sistema são aquelas de estratos sociais inferiores.

Realmente, essa definição de criminalidade, e as correspondentes reações não institucionais por ela condicionadas (a reação da opinião pública e o alarme social), estão ligadas ao caráter estigmatizante que a criminalidade leva, normalmente consigo, que é escassíssimo no caso da criminalidade de colarinho branco. Isto é devido, seja à sua limitada perseguição e a relativamente escassa incidência social das sanções correspondentes, especialmente daquelas exclusivamente econômicas, seja ao prestígio social de que gozam os autores das infrações. (BARATTA, 1999, p. 103).

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Portanto, é possível observar que a seletividade feita pelo sistema penal

procede de forma totalmente desigual, na medida em que além de serem escolhidas

as pessoas pertencentes a níveis inferiores da sociedade, ainda, aquelas que

possuem certo prestígio não são punidas.

A conclusão de que a cifra negra é considerável e de que a criminalidade real é muito maior que a oficialmente registrada permitiu concluir que, desde o ponto de vista das definições legais, a criminalidade se manifesta como o comportamento da maioria, antes que de uma minoria perigosa da população e em todos os estratos sociais, mas a criminalização é com regularidade, desigual ou seletivamente distribuída. (ANDRADE, 2003, p. 50).

Ademais, a criminalidade não se trata de um comportamento de uma

minoria dos cidadãos, mas sim da maioria, sendo que “[...] segundo a sua definição

sociológica, é um status atribuído a determinados indivíduos por parte daqueles que

detêm o poder de criar e aplicar a lei penal, mediante mecanismos seletivos.”

(BARATTA, 1999, p. 113).

Posto isto, salienta-se que aquele sujeito possuidor de algum requisito

diferencial, se torna mais propício ao etiquetamento, e, consequentemente, a fazer

parte do processo de criminalização, voltando à esfera criminal.

E isso, não há dúvidas, contribui também para o processo de etiquetamento e para aumentar as possibilidades que chegue a se etiquetado como delinqüente ou marginal social, o imigrante ilegal, ou que já tem antecedentes criminais etc., muito mais que aquele que, por seu nível econômico, cultural ou social, está acima de qualquer suspeita (CONDE, 2008, p. 115).

Nesse ínterim, passa-se a análise dos institutos da reincidência criminal e

dos antecedentes como estigmas oriundos do processo de criminalização e que

podem levar a pessoa a cometer os chamados desvios secundários (carreiras

criminais), bem como tornado o indivíduo estereotipado e suscetível a seleção do

sistema penal (BISSOLI FILHO, 1998, p. 214).

No que tange à prisão, o autor Fragoso discorre que é importante à

preocupação com as conseqüências e não com os pressupostos quando da

aplicação da pena: “A probabilidade de reincidência é maior se o condenado vai para

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prisão e será tanto maior quanto mais longa for a pena imposta.” (FRAGOSO, 2003,

p. 413).

Os criadores das normas (Poderes Legislativo e Executivo), ao valorizarem a influência dos antecedentes e da reincidência criminal, introduzem um critério de seleção no sistema penal, que diferencia o indivíduo criminalizado dos demais, produzindo não somente estigmas, mas também estereótipos criminais, e servindo para delimitar o grupo de pessoas que deve ser priorizado na seleção realizada pelas agências do sistema penal, no processo de criminalização secundária. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 215).

Desse modo, conclui-se que uma pessoa que detêm um estigma fica mais

suscetível de ser selecionada pelo sistema penal, uma vez que já se encontra

marcada ou diferenciada das demais. O sujeito detentor de estigma é mais

vulnerável e, dessa forma, o sistema penal, justificando o seu exercício de poder, se

utiliza desses indivíduos, estigmatizados, para proceder ao “sistema de seleção”.

O labelling parte dos conceitos de “conduta desviada” “reação social”, como termos reciprocamente interdependentes, para formular sua tese central: a de que o desvio - e a criminalidade – não é uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica preconstituída à reação (ou controle) social, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos através de complexos processos de interação social, isto é, de processos formais e informais de definição e de seleção. (ANDRADE, 1997, p. 205).

Tem-se, portanto, que o indivíduo portador de antecedentes e da

reincidência criminal recebem tratamento diferenciado, razão pela qual, tendem a

continuar no mundo do crime.

A configuração da reincidência e dos antecedentes criminais é fruto da

ação do sistema penal, na criminalização do desvio “[...] Os antecedentes e a

reincidência criminal são, assim, realidades construídas pelas agências do sistema

penal, nos processos de criminalização primária e secundária.” (BISSOLI FILHO,

1998, p. 215).

A elevação de certos comportamentos à classificação de crimes e, sobretudo, a designação de certos indivíduos para serem oficialmente considerados criminosos estão diretamente ligadas com a hierarquização social e o esforço de manutenção do status quo que interessa às classes dominantes. (THOMPSON, 1998, p. 130).

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Neste sentido, no que tange a criminalidade: “Trata-se ainda, a

“criminalidade”, não apenas de uma realidade social construída, mas construída de

forma altamente seletiva e desigual pelo controle social.” (ANDRADE, 1997, p. 207).

O jogo da violência, no antigo direito penal, era jogado francamente; “eu tenho o poder; eu dito as regras; quem desobedecer, tratarei de triturar na roda ou esquartejar em praça pública”. [...] O desobediente pagava com o corpo os atos de rebeldia. A violência, agora, atua disfarçadamente e, a título de amparar o insubordinado, se permite transformá-lo em objeto de um trabalho de adaptação. Como conseqüência, porque pretende “tratá-lo”, arroga-se o direito de invadir-lhe o próprio eu, de alterar-lhe a personalidade, de executar uma tarefa que viola o mais íntimo de todos os direitos do ser humano: o de ser ele próprio. (THOMPSON, 1999, p. 122).

A partir do estudo da Teoria do Labelling Approach tem-se que o indivíduo

portador dos requisitos da reincidência e dos antecedentes criminais possui um

tratamento diferenciado dos demais, portanto, encontra-se mais vulnerável a ser

selecionado pelo sistema penal e permanecer no âmbito criminal. “Os estigmas dos

antecedentes e da reincidência criminal manifestam-se também após o cumprimento

da pena, isto porque o indivíduo estigmatizado será tratado, formal e informalmente,

de maneira diferenciada dos demais.” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 216).

A própria norma admite os efeitos da estigmatização, na medida em que

considera a incidência da reincidência criminal pelo período de 5 (cinco) anos, bem

como, quanto os antecedentes criminais, constarão nas certidões todas as

criminalizações havidas, sem lapso temporal determinado. “Assim, mesmo que se

admita, por hipótese, que a pena tenha alcançado os fins desejados pela prevenção

especial positiva (ressocialização), restará ao indivíduo o estigma.” (BISSOLI FILHO,

1998, p. 216).

Não fosse pouco, ainda restam os atos discriminatórios praticados pelos

familiares e pela sociedade, os quais não se extinguem com o cumprimento da pena,

muito pelo contrário, uma vez que as oportunidades de sobrevivência são reduzidas

ao indivíduo portador de estigma. “O ciclo repete, reduzindo ainda mais as

oportunidades sociais e aumentando a possibilidade de nova seleção pelas

instâncias formais, em outros processos de criminalização.” (BISSOLI FILHO, 1998,

p. 217).

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Estes estigmas, “valores” instrumentos de diferenciação formal dos indivíduos, capazes de identificá-los pessoal e socialmente, acabam sendo incorporados pelo indivíduo etiquetado (auto-etiquetas), transformando-se, em face da proposição contida da “etiqueta”, em um “corredor”, para onde o mesmo será empurrado, iniciando, com grande probabilidade de êxito, uma “carreira criminal”. (BISSOLI FILHO, 1998, p. 217).

Assim, constata-se que o indivíduo possuidor de antecedentes e da

reincidência criminal terá tratamento diferenciado por todos em sua volta, desde a

família e sociedade, que agem com preconceito, até o sistema penal que: “ao aceitar

a influência dos antecedentes e da reincidência criminal, inclusive após o

cumprimento da pena, o sistema penal faz reforçar o estigma do indivíduo

criminalizado, tornando-o refém do seu próprio passado.” (BISSOLI FILHO, 1998, p.

217).

Desse modo, pode-se dizer que “[...] é como estigmas que os

antecedentes e a reincidência criminal cumpre a sua tarefa, servindo à seletividade

do processo de criminalização.” (BISSOLI FILHO, 1998, p. 217).

Portanto, através da leitura da Teoria do Labelling Approach, entende-se

que é como meios estigmatizantes que os antecedentes e a reincidência criminal

funcionam uma vez aplicados ao indivíduo, posto que, faz com que o sujeito seja

selecionado novamente pelo sistema penal, e, conseqüentemente, continue na

esfera criminal.

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5 CONCLUSÃO

A presente monografia teve como objetivo a análise da Teoria do

Labelling Approach, em específico às funções declaradas e ocultas da

criminalização; pesquisou, também, sobre a reincidência criminal e os antecedentes,

bem como, destacou as suas conseqüências para os acusados e condenados

criminalmente; igualmente, examinou a reincidência e os antecedentes criminais

como estigmas da criminalização, à luz da Teoria do Labelling Approach.

Referida teoria revela o real funcionamento do sistema penal vigente e do

processo de criminalização, tendo como enfoque os mecanismos sociais e culturais

que levam o sujeito a ser considerado criminoso. A partir da leitura da Teoria do

Labelling Approach, tem-se que a pessoa classificada como reincidente criminal ou

com antecedentes criminais, está sujeita ao etiquetamento.

Mesmo após o cumprimento da pena, o sujeito etiquetado sempre terá

tratamento diferenciado, seja de acordo com o previsto em legislação (pois a pena a

ser aplicada traz aplicações quanto à reincidência), seja a consideração nos

processos criminais dos antecedentes do indivíduo, ou até mesmo na vida social da

pessoa, tendo em vista o preconceito advindo da população.

Essa diferenciação dos sujeitos em decorrência do etiquetamento é clara

principalmente no momento da aplicação da pena, uma vez que a pena

anteriormente aplicada, e já cumprida pelo indivíduo, será trazida à tona novamente,

fazendo com que ele cumpra duas vezes o que já lhe foi imposto.

Aquele cidadão selecionado que se tornou etiquetado, recebe tratamento

diferenciado quando do cometimento de outro crime.

A teoria considera a existência de “desvios” chamados desvios primários

e secundários, o primeiro está relacionado a fatores culturais, psicológicos e sociais,

já os desvios secundários se dão após a incriminação e a pena do indivíduo, são os

efeitos trazidos em face do primeiro desvio, tais efeitos podem ser psicológicos e

com relação à sociedade.

A pena imposta ao indivíduo, o preconceito sofrido pelo mesmo e os

estigmas que são impostos a ele acabam influenciando para que ele volte à carreira

criminal e cometa o chamado desvio secundário. Uma pessoa pratica um primeiro

delito, chamado desvio primário, a partir de então, ela acaba sendo alvo das

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repressões advindas dos órgãos de controle da sociedade. Esses mecanismos de

controle refletem em demasiada pressão jurídica e social, a qual influencia para que

a pessoa seja selecionada pelo sistema penal.

Portanto, constata-se que, segundo a Teoria do Labelling Approach, os

órgãos relativos ao direito penal e processual penal ao preverem a aplicação dos

antecedentes e da reincidência criminal, criam uma seletividade entre os sujeitos,

diferenciando-os, os tornando etiquetados.

Assim, os institutos criminais quando da aplicação da pena do acusado,

considerando os antecedentes e a reincidência criminal do mesmo, não estão

fazendo nada mais do que diferenciar esses indivíduos dos demais, deste modo

acabando por induzir esta pessoa a desvios secundários, ou seja, a cometer outros

crimes.

Neste diapasão, a reincidência e os antecedentes criminais são etiquetas

que influenciam na ocorrência do desvio secundário, ou seja, para que o indivíduo

inicie sua carreira criminal. Posto que, a sociedade atribui uma série de estigmas e

estereótipos ao criminoso, deste modo, tornando-o um ser diferenciado. A partir de

então, o eterno “criminoso” encontrará diversas barreiras para voltar ao convívio

social e acaba aceitando como verdadeiro o estigma e estereótipo imposto,

conformando seu comportamento a esse estereótipo.

O indivíduo submetido ao cumprimento da pena privativa de liberdade

encontra-se mais suscetível ao cometimento de novos crimes, por conta dos

estigmas e repressões sofridas. Lembrando das palavras de Thompson (1998, p.

101), “parece, pois, que ‘treinar homens para a vida livre submetendo-os a

condições de cativeiro’ se afigura tão absurdo ‘como alguém se preparar para uma

corrida ficando na cama por várias semanas’”.

Nesse contexto, observa-se que o objetivo dessa monografia foi cumprido

e os resultados alcançados revelam que o sistema penal possui caráter seletivo e

contribui para que o criminoso volte a delinqüir utilizando instrumentos jurídicos

como a agravante da reincidência, bem como a consideração dos antecedentes

criminais. Esses instrumentos de classificação e de endurecimento penal não

encontram respaldo na lógica interna do próprio sistema penal, pois implicam em bis

in idem, razão pela qual não se justifica agravar a pena do réu reincidente ou

portador de antecedentes com fundamento de que uma pena maior ou visivelmente

duplicada poderá ressocializá-lo.

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Os efeitos causados pela prática do crime, não se tornam maiores porque

foi causado por uma pessoa reincidente ou portadora de antecedentes criminais, não

obstante, esses institutos que majoram a pena se tratam de fatos pretéritos, já

devidamente aplicados ao causador.

A reincidência e a aplicação dos antecedentes criminais apenas

comprovam que o Estado falhou na sua missão de ressocializar o condenado, não

devendo este ser punido por uma falha que também e principalmente cabe ao

Estado.

Assim, tendo em vista que os institutos da reincidência e dos

antecedentes criminais servem apenas como meio apto a selecionar os indivíduos

que serão punidos, bem como, estigmatizam aqueles a quem for aplicado, conclui-se

que não deveria haver estes dois requisitos na esfera penal.

Outrossim, considerando que quem é definido como desviante, torna-se

“etiquetado”, tende o sujeito assim estigmatizado a continuar no mundo do crime.

Segundo a Teoria do Labelling Approach um sujeito é definido como desviante e não

se torna um através do comportamento que obteve.

Neste sentido, o que faz com que o indivíduo seja considerado um

“delinqüente” não é o comportamento do mesmo, mas sim a forma pela qual ele é

tratado, ao ser selecionado e criminalizado pelo Sistema Penal.

O estudo da definição de criminalidade também ensejou uma análise

sobre a criminalidade de colarinho branco, ou seja, os prestígios de alguns os quais

detêm posição social relevante e as cifras ocultas da criminalidade.

Ou seja, os crimes cometidos por determinadas pessoas, quais sejam

aquelas que possuem prestígio social, possuem baixíssimo índice, tais pessoas não

são punidas, mas isso não quer dizer que as mesmas não cometam crimes.

Ora, o que a teoria e os autores que a discorrem revelam é que a maioria

da população comete infrações, até mesmo as pessoas que possuem melhores

condições sociais, só que nestes casos, estas, na grande maioria, não são punidas,

o que nos leva a crer que as pessoas punidas são realmente escolhidas pelo

sistema penal.

Algumas pessoas, por não procurarem se inteirar do assunto ou até

mesmo pela ingenuidade acredita naquilo que lhes é imposto pela sociedade, ou

seja, que os criminosos provêm de uma classe social inferior e, pela sua natureza,

estão mais voltados a cometerem e permanecerem no crime. Refletindo

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racionalmente então, se a maioria das pessoas comete delitos, e se todas fossem

punidas pelos crimes que cometeram, não haveria mais espaço nos presídios e a

maioria da população e não a minoria seria condenada e a partir de então

consideradas como criminosas.

E se a maioria das pessoas restasse etiquetada, talvez não houvesse

tanto preconceito e nem perseguição por parte dos executores do sistema penal

como acontece atualmente.

As pessoas julgam aqueles que estão cumprindo a pena ou já cumpriram,

pois estiveram de fato punidos, ou seja, no presídio, sendo que aquelas que já

cometeram crimes, porém não foram devidamente penitenciados, não são taxadas

de nada, e são tratadas como “não criminosas” e como pessoas “normais”.

Por conseguinte, conclui-se que o sistema penal está voltado para que

não se aplique a todas as pessoas que verdadeiramente cometeram crimes, até

porque se todos aqueles que cometeram infrações fossem punidos haveria uma

catástrofe social.

Assim, se não existe a possibilidade de todas as pessoas cumprirem pena

pelos crimes que cometeram, o Estado faz uma seleção daquelas que irão ser

castigadas e consequentemente etiquetadas, remetendo-nos a conclusão de que a

criminalidade é uma realidade social construída, de modo seletivo e desigual pelo

controle social.

Após a seleção de quem irá cumprir pena privativa de liberdade, esse

indivíduo se torna de muitas formas estigmatizado, sendo que a justiça penal, a

partir desse momento, se despreocupa com o que o acusado fez, para atentar para

quem ele é.

Conforme estudado, de acordo com a Teoria do Labelling Approach, da

Criminologia Crítica, a reincidência e os antecedentes criminais são estigmas que

marcam a vida do indivíduo e, desse modo, contribuem para a não integração social

do mesmo, o que facilita uma nova reincidência. A aplicação dessas duas medidas

nos processos criminais não visa prevenir futuros crimes, pelo contrário,

considerando que o sujeito já se encontra estigmatizado, ele apenas tende a voltar à

criminalização.

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