monografia - mario tinoco
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FACULDADE DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
“REPERCUSSÕES POLÍTICAS DOSMEGAEVENTOS ESPORTIVOS NO
BRASIL”.
MARIO TINOCO DA SILVA FILHO
ORIENTADOR: MARCO AURÉLIO DE SÁ RIBEIRO
Rio de Janeiro2011.2
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“REPERCUSSÕES POLÌTICAS DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS”
MARIO TINOCO DA SILVA FILHO
Monografia apresentada ao curso degraduação em Relações Internacionaiscomo requisito para obtenção debacharel.Área de Concentração: PolíticaInternacional
ORIENTADOR: MARCO AURÉLIO DE SÁ RIBEIRO
Rio de Janeiro2011.2
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“REPERCUSSÕES POLÍTICAS DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS”
MARIO TINOCO DA SILVA FILHO
Monografia apresentada ao curso degraduação em Relações Internacionaiscomo requisito para obtenção debacharel.Área de Concentração: PolíticaInternacional
Avaliação:
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________
Professor MARCO AURÉLIO DE SÁ RIBEIRO (Orientador)Instituição: IBMEC
Rio de Janeiro
2011.2
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FICHA CATALOGRÁFICA
Mario Tinoco da Silva Filho
Repercussões Políticas dos Megaeventos Esportivos
2011
Política Internacional
Dimensão Política dos Megaeventos Esportivos
Soberania, Dicotomia Público/Privado, Categorias de Poder, Cidade Global.
Copa do Mundo, Olimpíadas, Megaeventos, Soberania, Dicotomia Público/Privado, Cidade Global.
Relações Internacionais
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à Rafaella, com quem desejo
construir muitos anos de felicidade; aos meus pais (in memoriam ) pela infância feliz que me deram; aos meusfamiliares e amigos (novos e antigos, que condicionaramminha personalidade ao longo dos anos).
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos produtores de conhecimento, sem os quais não haveria
o que escrever ou discutir. Aos autores de Relações Internacionais, sem os quais não teria
motivos para querer estudar um assunto tão a fundo. Ao coordenador e aos professores do
curso de Relações Internacionais do IBMEC, que construíram o excelente curso pelo qual
me apaixonei. A Gautama que deixou na história as palavras mais sábias já ditas, “Duvidem
de tudo. Sigam sua própria luz”.
Agradeço aos meus companheiros de turma, que se entusiasmaram tanto quanto eu
com a monografia e tornaram esse momento ainda mais espetacular e envolvente. Ao meu
orientador que soube indicar perfeitamente o caminho das pedras, sem me dar respostas
óbvias ou limitar meu trabalho de pesquisa, levantando a curiosidade necessária para que
eu procurasse as respostas nos lugares certos, nos momentos certos.
Agradeço aos meus amigos e familiares, que souberam lidar com minha ausência
nesse período de intenso esforço e dedicação. Aos meus pais, que me ensinaram que a
vida nos oferece muito, mas que temos pouco tempo para aproveitar. Agradeço à Rafaella,
que soube me motivar nos momentos de desânimo e exaustão, com a atenção, carinho e
amor de sempre.
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“Foi o Melhor dos tempos. Foi o pior dos tempos.”
(Charles Dickens).
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Resumo
Os Megaeventos esportivos trazem consequências gigantescas às nações por onde passamem termos econômicos, sociais e políticos. Pouco se estuda sobre as repercussões políticas
desses e ainda menos em termos do que representam para a ciência política internacional.
O presente trabalho busca entender a natureza dessa dinâmica das Relações
Internacionais, quais as repercussões que trazem, em termos políticos, para as diferentes
camadas da sociedade e quais perspectivas devemos ter sobre interesses e consequências
políticas e sociais da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Palavras Chave: Megaeventos Esportivos, Política, Política Internacional, Copa do Mundo,
Olimpíadas, Relações Internacionais, Níveis de Análise, Soberania, Dicotomia
Público/Privado, Poder Produtivo, Poder Estrutural, Efeito Crowding-Out, Interesses
Políticos, Nação Ativa, Nação Passiva, Cidade Global.
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ABSTRACT
Sports Mega Events brings huge consequences to the nations they pass by, in economic,
social and political terms. Few studies address their political repercussions, and much less in
terms of what they mean to international politics. The present work intends to understand the
nature of this international relations dynamic, which repercussions they bring, in political
terms, to the different social levels and which perspectives we should have in relation to
social and political interests and consequences of the 2014 World Cup and 2016 Olympic
Games.
Key Words: Sports Mega Events, Politics, International Politics, World Cup, Olympic Games,
International Relations, Analysis Levels, Sovereignty, Public/Private Dichotomy, Productive
Power, Structural Power, Crowding-out Effect, Political Motivations, Active Nation, Passive
Nation, Global City.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Impactos Macroeconômicos das Olimpíadas de Sidney e Atenas ........................12
Figura 2 - Impactos Macroeconômicos das Olimpíadas de Pequim e Londres .....................13
Figura 3 - Impactos Macroeconômicos das Copas da Alemanha e África do Sul .................14
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SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................................................................... 1
1. Megaeventos Esportivos, a Questão da Soberania e os Níveis de Análise .......................................................2
2. As Implicações dos Megaeventos Esportivos sobre a Dicotomia Público/Privado ...........................................4
3. Os Impactos dos Megaeventos Esportivos no Nível Macroeconômico ...........................................................10
3.1. Gasto Público .......................................................................................................................... 15
3.2. Taxa de Desemprego .............................................................................................................. 16
3.3. Taxa de Crescimento do PIB ................................................................................................... 17
4. Estudos de Casos e Projeções do Ministério do Esporte .................................................................................. 18
4.1. Olimpíadas de Atenas ............................................................................................................. 19
4.2. Olimpíadas de Pequim ........................................................................................................... 20
4.3. Copa do Mundo da Alemanha ................................................................................................ 21
4.4. Copa do Mundo da África do Sul ............................................................................................ 24
4.5. Pan-Americano do Rio de Janeiro .......................................................................................... 264.6. Copa do Mundo de 2014 no Brasil ........................................................................................ 28
4.7. Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro .................................................................................. 29
5. Perspectivas e Repercussões Políticas dos Megaeventos Esportivos..............................................................30
5.1. Interesses políticas menores regionais ou individuais ........................................................... 31
5.2. Projeto de Expansão da Imagem da Nação Brasileira ............................................................ 33
5.3. Rio, Cidade Global .................................................................................................................. 36
5.4. Megaeventos Esportivos como Vetores de Poder Produtivo ................................................ 37
5.5. Reflexões Críticas sobre as Repercussões Políticas ................................................................ 40
5.5.1. Hipocrisia ........................................................................................................... 40
5.5.2. Produção de Desequilíbrios ............................................................................... 43
5.5.3. Megaeventos Esportivos como Vetores de Poder Estrutural ............................ 45
Conclusão............................................................................................................................................................... 47
Bibliografia............................................................................................................................................................. 52
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Introdução
A eleição da cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016
selou uma década de megaeventos esportivos no Brasil, começando pelo Pan-Americano
em 2007, passando pela Copa do Mundo em 2014 e terminando com a referida Olimpíada,
além de alguns eventos menores como a Copa das Confederações de 2013. Os
megaeventos esportivos podem ser definidos, em sentido estrito, como,
Eventos de curta e pré-estabelecida duração que apresentam grandiosidade em termosdo público, mercado alvo, nível de envolvimento financeiro, do setor público, efeitospolíticos, extensão de cobertura televisiva, construção de instalações e impacto sobre
o sistema econômico e social da comunidade anfitriã (SILVA, J, 2006, p.17).
Com estes, grandes expectativas são criadas e um enorme volume de recursos
públicos é adereçado para garantir a efetiva realização deles – com o objetivo de atender as
exigências do COI e da FIFA. No entanto, pouca atenção é dada às causas e efeitos
políticos relativos aos megaeventos esportivos no Brasil. A intenção aqui é refletir sobre as
repercussões políticas desse período histórico para o país e tentar inserir os megaeventos
esportivos nas perspectivas acadêmicas de Relações Internacionais.
O requisito básico para que se contextualize o tema é o entendimento da natureza da
relação entre o Estado que se candidata à realização de um megaevento e a instituição que
possui os direitos de realização do mesmo. Este exame será feito com base nas obras de
Krasner (1999) e Buzan (2009). O parâmetro de avaliação dos resultados políticos dessa
dinâmica será baseado na dicotomia público/privado como definida por Bobbio (2009).
Uma primeira análise é aquela que nos remete a existência de uma argumentação
oficial de que os megaeventos esportivos geram benefícios econômicos superiores aos
gastos requeridos, sendo isto suficiente para justificar a realização dos mesmos. Serão
feitas análises de cunho econômico para corresponder a esta argumentação com base em
artigos de vários autores como Plessis e Venter (2010). Então será retirado o aspecto
político intrínseco a essa temática econômica para posterior aprofundamento.
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As repercussões políticas serão examinadas minuciosamente, embora não
exaustivamente, já que existem muitas possibilidades, e serão ampliadas para que
signifiquem dinâmicas de Relações Internacionais mediante a inserção dessas nasconcepções de poder propostas por Barnett e Duvall (2005). A intenção é realizar uma
reflexão crítica quanto às consequências políticas descritas.
Ao final do trabalho, espera-se que a dimensão dos eventos em termos políticos seja
visualizada por uma perspectiva de Relações Internacionais e que se entenda a importância
da reflexão crítica sobre os aspectos políticos dos megaeventos esportivos e a distribuição
dos efeitos políticos e sociais decorrentes do processo sobre diferentes partes da sociedade
brasileira, pois como bem determina Behnken (2010), “as argumentações críticas sobre as
Olimpíadas são muito pouco difundidas fazendo com que o consenso para a candidatura a
um megaevento seja favorecido pela perda da dimensão crítica” (BEHNKEN, L, 2010, p.43).
1. Os Megaeventos Esportivos, a Questão da Soberania e os Níveis de Análise
O princípio da Soberania é, sem sombra de dúvidas, um dos conceitos-chave para
qualquer um que queira se aprofundar nos estudos de Relações Internacionais, pois possui
uma importância categórica para os estudos e fora construído, em termos teóricos, ao longo
de muitos séculos, de Jean Bodin à atualidade. Seria um erro discorrer profundamente
sobre este conceito e suas concepções históricas sob o risco de perder-se o objetivo do
trabalho. Por este motivo, o marco teórico foi escolhido com base em dois dos critérios
elencados por Kuhn (1977, apud MAZZOTTI, A; GEWANDSZNAJDER, F, 1996), a
Simplicidade, “a capacidade que a teoria tem de unificar fenômenos que, aparentemente,
não tinham relação entre si. Uma boa teoria deve ser capaz de organizar fenômenos que,
sem ela permaneceriam isolados uns dos outros” (MAZZOTTI, A; GEWANDSZNAJDER, F,
1996, p.30); e a Fecundidade “implica que a teoria deve „desvendar novos fenômenos ou
relações anteriormente não verificada entre fenômenos já conhecidos‟. Ela deve ser fonte de
novas descobertas” (IBID, p.31).
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Esses critérios atendem uma necessidade analítica que, em primeiro lugar, gera as
explicações e avaliações dispostas no presente estudo. Com uma teoria que atenda os
critérios de simplicidade e fecundidade podemos corresponder à seguinte afirmativa deWesthuizen e Swart (2011, p.177, tradução nossa), “pouca pesquisa tem sido feita sobre o
debate do nexo FIFA/Soberania Estatal”. A simplicidade (KUHN, T, 1977, apud MAZZOTTI,
A; GEWANDSZNAJDER, F, 1996) da teoria escolhida permitirá relacionar o fato da
realização dos megaeventos esportivos no Brasil com as dinâmicas relacionadas à
soberania estatal. A fecundidade (KUHN, T, 1977, apud MAZZOTTI, A;
GEWANDSZNAJDER, F, 1996), por sua vez, facilita a concepção de variáveis pouco ou
nada exploradas, impulsionando o valor do trabalho, em termos acadêmicos.
Uma provocação pode ser feita para efeito de contextualização do tema com o caso
brasileiro. Segundo o site oficial da Copa de 2014, a aquisição – via competição
internacional com outros Estados – dos direitos de realizar a Copa do Mundo da FIFA não
fere a soberania nacional do país:
A Lei Geral fere a soberania nacional [Lei Geral da Copa, PL 2330/11]? Não. O Brasilfirmou soberanamente as garantias prestadas e nenhuma modificação normativaproposta ofende a Constituição Federal ou a ordem jurídica de nosso país. Outros paísesque realizaram Copas do Mundo também firmaram garantias semelhantes às nossas eaprovaram leis específicas para a Copa (Brasil, 2011).
Essa provocação pode ser contestada em termos conceituais uma vez que, segundo
Krasner (1999),
O termo „Soberania‟ foi utilizado de muitas maneiras diferentes, e em parte isto revela afalha em reconhecer que as normas e regras de qualquer sistema institucionalinternacional, incluindo o sistema de Estados soberanos, terá influência limitada esempre será objeto de contestações por conta de contradições lógicas (IBID, p.3,tradução nossa).
Nesses termos podemos contestar o discurso oficial do governo brasileiro de que as
execuções dos megaeventos esportivos não afetam a soberania nacional – exemplificado
pela nota oficial sobre a Lei Geral da Copa. Para tal, é preciso delinear rapidamente as
definições do autor para soberania, quais sejam:
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i) soberania internacional legal – “refere-se às práticas associadas ao mútuo
reconhecimento, geralmente entre entidades territoriais que tenham independência
jurídica” (KRASNER, S, 2009, p. 3-4, tradução nossa);ii) soberania Westfaliana – “refere-se à organização política baseada na exclusão de
atores externos das estruturas de autoridade em um dado território” (IBID., p. 4,
tradução nossa);
iii) soberania doméstica – “refere-se à organização formal da autoridade política
interna do Estado e à habilidade de autoridades públicas de exercer controle efetivo
dentro das fronteiras de seu próprio governo” (IBID., p. 4, tradução nossa);
iv) soberania interdependente – “refere-se à habilidade das autoridades públicas de
regular o fluxo de informação, ideias, bens, pessoas, poluentes, ou capital através
das fronteiras do Estado” (IBID, p. 4, tradução nossa).
Podemos considerar que ao afirmar que “nenhuma modificação normativa proposta
ofende a Constituição Federal ou a ordem jurídica de nosso país” (GOVERNO FEDERAL,
2011a) o governo está alegando que a soberania doméstica (KRASNER, S, 1999) não está
sendo afetada, i.e, a autoridade, legitimidade e eficácia da Constituição como instituição
suprema do ordenamento jurídico interno não estão sendo postas em risco. No entanto, a
soberania não abrange apenas a autoridade interna e a Lei Geral da Copa reflete, na
verdade, uma anterior violação de soberania westfaliana (IBID.).
A natureza dessa violação – que cabe tanto ao caso da Copa do Mundo quanto das
Olimpíadas - só pode ser entendida por uma análise do processo de concorrência pela
aquisição do direito de organizar uma Copa ou Olimpíadas. Os Estados enviam suas
propostas que, segundo van der Westhuizen e Swart (2011, p.174, tradução nossa) ao
comentarem o caso sul-africano, “Como parte do processo de licitação, o governo Sul
Africano teve que providenciar uma séria de garantias e empreendimentos para assegurar
que os requerimentos para a realização fossem atingidos”. O relato confere com a
concepção de Krasner (1999) de que uma violação da soberania westfaliana ocorre quando
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há intervenção externa na política interna de um Estado. Stephen Krasner (1999) dedica boa
parte desta obra à explicação dos modos pelos quais um Estado pode ter sua soberania
violada e indica a existência de quatro modalidades principais: i) convenção; ii) contrato; iii)coerção; iv) imposição. As quatro modalidades são muito singulares e explicam fenômenos
muito diferentes. Por isso, será explorada aqui a modalidade do contrato que traduz com
exatidão o vínculo destacado por van der Westhuizen e Swart (2011, p.177).
De acordo com a definição do autor, “Um contrato é um acordo entre dois ou mais
soberanos, ou um soberano e outro ator internacional, como uma instituição financeira, que
é mutuamente aceitável, Pareto-ótimo, e contingente” (KRASNER, S, 1999, p.33, tradução
nossa). O contrato, segundo o autor, pode ou não afetar a soberania westfaliana (IBID.) e
isto ocorre “se o contrato altera concepções domésticas de comportamento legítimo,
submete instituições e pessoal domésticos à influência externa, ou cria estruturas de
autoridade transnacionais” (KRASNER, S, 1999, p.33, tradução nossa). A condição
destacada é perfeitamente atendida, pois o país aquiesce às condições impostas pela FIFA
ou COI para que possa exercer o direito adquirido de realizar os respectivos eventos.
Reside nesta dinâmica a base do estudo das repercussões políticas dos
megaeventos esportivos no Brasil. Em termos teóricos, pode-se dizer que esta é uma
avaliação com sua fonte de explicação situada no “Processo” (BUZAN, B, 2009, p.211,
tradução nossa). O autor utiliza este termo para diferenciar as fontes de explicação
(processo, estrutura e capacidade de interação) dos níveis de análise (sistema, subsistema,
unidade, burocracia e indivíduo) de forma que “visto de baixo para cima, explicações em
termos de interações entre unidades ou internas a estas procuram entender
comportamentos e resultados em termos dos meios em que as unidades em qualquer nível
respondem uma à outra quanto aos seus atributos e comportamentos. Vista de cima para
baixo, processo é sobre as dinâmicas de um sistema ou unidade” (IBID, p.211, tradução
nossa). O processo descrito visa entender o comportamento dos Estados com relação às
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entidades esportivas COI e FIFA, bem como as dinâmicas que levam o Estado brasileiro,
em específico, a abrir mão de parte de sua soberania em favor dessas instituições.
Como indicado acima, o estudo do “nexo FIFA [ou COI]\soberania estatal (VAN DER
WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011) servirá como uma das fontes de explicação (BUZAN, B,
2009) das repercussões políticas dos megaeventos esportivos a serem realizados no Brasil.
Para melhor entendimento da sucessão de fenômenos políticos engendrados pela recepção
dos eventos, se faz necessária exposição dos respectivos níveis de análise. Para tal, será
considerada a tipologia proposta por Buzan, Wæver e De Wilde (1997, p. 5), que é
especialmente interessante por conta da simplicidade (MAZZOTTI, A;
GEWANDSZNAJDER, F, 1996, p.30) que concede ao tema o que, afinal, é o objetivo da
aplicação dos níveis de análise à teoria das Relações Internacionais.
Primeiramente, é importante destacar a dicotomia entre as visões ontológica e
epistemológica dos níveis de análise (BUZAN, B, 2009). A visão epistemológica já fora
apresentada anteriormente e se refere às fontes de explicação (BUZAN, B, 2009), comodelineada pelo autor, “os vê [os níveis de análise] como sendo sobre „os tipos de variáveis
que explicam o comportamento de uma unidade em particular‟” (BUZAN, B, 2009, p. 203,
tradução nossa). A visão ontológica, por sua vez, representa os níveis de análise per se , “os
vê [níveis de análise] como sendo sobre „as diferentes unidades de análise‟” ( IBID., p. 203,
tradução nossa).
Segundo os autores, os cinco níveis de análise mais utilizados são:
i) Sistemas Internacionais, “os maiores conglomerados de unidades interativas ou
interdependentes que não possuem nível sistêmico acima delas. Atualmente este
nível compreende o planeta inteiro, mas em tempos anteriores existiam
simultaneamente sistemas internacionais mais ou menos desconexos” (BUZAN, B;
ET AL., 1997, p. 5).
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ii) Subsistemas internacionais, “grupos de unidades dentro do sistema internacional
que podem ser distinguidas do sistema como um todo por naturezas particulares ou
intensidade de suas interações ou interdependência entre si. Subsistemas podem serterritorialmente coerentes, neste caso são regionais (…) ou não (...) neste caso não
são regiões, mas simplesmente subsistemas” (IBID., 1997, p. 6).
iii) Unidades, “atores compostos de vários subgrupos, organizações, comunidades, e
muitos indivíduos e suficientemente coesa e independente para ser diferenciada de
outras” (IBID., 1997, p. 6).
iv) Subunidades, “grupos de indivíduos organizados dentro das unidades que
conseguem (ou tentam) afetar o comportamento da unidade” (IBID., 1997, p. 6).
v) Indivíduos, “o ponto de partida da maioria das análises nas ciências sociais”
(IBID., 1997, p. 6).
Desta forma, podemos considerar que o processo (BUZAN, B, 2009), revelado pela
quebra de soberania dos países quando estes se candidatam e vencem a licitação
“assinando” o contrato com o COI ou a FIFA encontra-se no nível de análise da unidade
(BUZAN, ET AL., 1997), pois dois atores independentes sacramentam uma relação entre si
que dá origem à dinâmica descrita. Todavia, como veremos, este processo produz
repercussões que atingem outros níveis de análise.
Para a realização dos eventos de forma adequada às exigências das entidades
reguladoras, foram previstos, inicialmente, investimentos públicos da ordem R$ 33 bilhões
para a Copa de 2014 (Governo Federal, 2010) e R$12 bilhões para as Olimpíadas de 2016
(Governo Federal, 2011b). Naturalmente, valores desta magnitude têm sérias repercussões
nos níveis de análise abaixo da unidade, que, neste caso, é o Estado brasileiro.
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2. As Implicações dos Megaeventos sobre a Dicotomia Público/Privado
Para uma análise crítica e reflexiva desta situação, é necessário estabelecer um
parâmetro capaz de englobar questões objetivas – que se referem à destinação dos
investimentos - e subjetivas – que se referem às implicações morais dos investimentos a
serem realizados. A dicotomia público/privado, como definida por Norberto Bobbio (2009),
será de grande valia e será uma das balizas que acompanharão o trabalho analítico aqui
disposto. O valor analítico do conceito é pertinentemente disposto pelo autor,
Depois, através do uso constante e contínuo [da dicotomia público/privado], sem
substanciais modificações, terminou por se tornar uma daquelas „grandes dicotomias‟das quais uma ou mais disciplinas jurídicas, mas também as sociais e em geralhistóricas, servem-se para delimitar, representar, organizar o próprio campo deinvestigação (BOBBIO, N, 2009, p.13).
As condições essenciais para a existência de uma grande dicotomia, segundo
Bobbio (2009), são a capacidade de “dividir um universo em duas esferas, conjuntamente
exaustivas” (IBID., p.13); “de estabelecer uma divisão que é ao mesmo tempo total, (...) e
principal, enquanto tende a fazer convergir em sua direção outras dicotomias que se tornam,
em relação a ela, secundárias” (BOBBIO, N, 2009, p.13-14).
Por se tratar de um conceito com várias definições ao longo do tempo, embora não
tenham alterado a essência deste, o autor apresenta o que chama de definição clássica da
dicotomia público/privado,
Sejam quais foram a origem da distinção e o momento de seu nascimento, a dicotomia
clássica entre direito privado e direito público reflete a situação de um grupo social noqual já ocorreu a diferenciação entre aquilo que pertence ao grupo enquanto tal, àcoletividade, e aquilo que pertence aos membros singulares; ou, mais em geral, entre asociedade global e eventuais grupos menores (como a família), ou ainda entre umpoder central superior e os poderes inferiores (IBID., p.14-15)
Neste sentido, é interessante refletir sobre algumas questões objetivas apontadas
por Westhuizen e Swart “a priorização do gasto público em direção ao evento, em
detrimento de itens orçamentários mais mundanos, porém essenciais” (VAN DER
WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011, p.170, tradução nossa); “Recursos escassos
significativos poderiam ter sido utilizados para aliviar problemas como a pobreza e
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HIV/AIDS” (IBID., p.170, tradução nossa); “„eles estão despejando dinheiro em 2010. Porque
não estão despejando dinheiro em moradias? ‟ Disse uma antiga moradora de Riverlea”
(IBID., p.170, tradução nossa).
É contraditória a política de gastos públicos que prioriza um evento privado se
considerarmos algumas proposições de Bobbio (2009) quanto ao primado do público,
Ele se funda sobre a contraposição do interesse coletivo ao interesse individual e sobrea necessária subordinação, até à eventual supressão, do segundo ao primeiro, bemcomo sobre a irredutibilidade do bem comum à soma dos bens individuais, e portantosobre a crítica de uma das teses mais correntes do utilitarismo elementar. Assumevárias formas segundo o diverso modo através do qual é entendido o ente coletivo – a
nação, a classe, a comunidade do povo – a favor do qual o indivíduo deve renunciar àprópria autonomia (BOBBIO, N, 2009, p.24).
Podemos contrapor essa hipótese à argumentação do governo de que o valor
investido nos megaeventos terá um retorno muito maior em termos de impactos econômicos
e de estímulo aos negócios, sendo o retorno estimado da Copa de 2014 o valor de 183
bilhões de reais – frente aos 33 bilhões de reais estimados para os investimentos –
(GOVERNO FEDERAL, 2010) e o retorno estimado das Olimpíadas de 2016 o valor de 14
bilhões de reais – frente aos 12 bilhões estimados para os investimentos (GOVERNO
FEDERAL, 2011b). Acerca disto comentam Domingues, Betarelli e Magalhães (2010),
Os organizadores geralmente alegam que eventos, como a Copa do Mundo, geramestímulos para os negócios domésticos (e.g. restaurantes, hotéis e outros negócios) e,portanto, benefícios econômicos maiores que os custos (Noll e Zimbalist, 1997). Ocomitê organizador da olimpíada de Atlanta estimou um impulso de $ 5,1 bilhões naeconomia e um aumento de 77.000 empregos (Barclay, 2009). Na maioria das vezestais argumentos têm por base nos relatórios de impactos econômicos oriundos emestudos encomendados pelos governantes ou empresas esportivas para justificar seus
investimentos, uma vez que os custos para realizar tais megaeventos são cadavez maiores (IBID, 2010, p. 411).
Consequentemente, teríamos a concordância desta destinação de investimentos
públicos com o princípio hegeliano ou aristotélico do primado do público (BOBBIO, N, 2009),
“O todo vem antes das partes (...) a totalidade tem fins não reduzíveis à soma dos fins dos
membros singulares que a compõem e o bem da totalidade, uma vez alcançado, transforma-
se no bem das suas partes” (BOBBIO, N, 2009, p.24-25). Esta conjetura é crucial para os
fins de estudo e será mais bem examinada posteriormente e suas naturais consequências
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para a dicotomia público/privado (BOBBIO, N, 2009) também serão verificadas. Pretende-se
assim manter a análise sob o parâmetro estipulado.
3. Os Impactos dos Megaeventos Esportivos no Nível Macroeconômico
O pressuposto, relativo aos megaeventos esportivos, que mais é discutido no âmbito
acadêmico é aquele que concebe os eventos como sendo engendradores de grandes
impactos econômicos. Pode-se constatar que, no entanto, o grande debate gira em torno
das metodologias utilizadas – baseadas, geralmente, em modelos de equilíbrio geral – por
autores que defendem que os eventos trazem impactos econômicos positivos e aqueles que
defendem que os eventos não trazem impactos relevantes (DOMINGUES, P; ET AL, 2010).
Apesar de ser componente essencial para o estudo dos megaeventos esportivos enquanto
fenômenos das ciências humanas e econômicas, esta questão metodológica não será
esmiuçada.
A maior parte dos trabalhos sobre o tema baseia-se em modelos de equilíbrio geral
para aferir os impactos econômicos diretos ou indiretos dos eventos (DOMINGUES, P; ET
AL, 2010). No entanto, são raras as menções aos efeitos que estes eventos possuem sobre
a condição econômica de um país como todo. Muitos governos de países sediarão uma
Copa do Mundo ou Olimpíadas argumentam que estes são capazes de promover uma
mudança tão fundamental que serão reconhecidos como propulsores de um longo período
de prosperidade econômica e social (MATHESON, V, 2006). Dentro desta perspectiva,
faltam análises sobre os eventuais impactos dos eventos no nível macroeconômico dos
Estados-sede que podem auxiliar na compreensão da magnitude e duração de tais
impactos, se existentes.
Além disso, serão apresentados, posteriormente, alguns estudos de caso sobre
megaeventos esportivos recentes, quais sejam: i) Olimpíadas de Atenas; ii) Copa do Mundo
da Alemanha; Olimpíadas de Pequim; iv) Copa do Mundo da África do Sul; v) Pan-
Americano do Rio de Janeiro. Esses estudos terão como base artigos que se utilizam da
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metodologia econométrica para aferir os impactos econômicos. Assim, pretende-se atingir
duas perguntas distintas. A primeira se refere à relevância macroeconômica da realização
dos eventos e se esses impactos, se existentes, possuem a longa duração que é anunciadapelos governantes. A segunda, além de servir como uma verificação da primeira, diz
respeito à existência de estímulos econômicos diretos e indiretos que justifiquem a
realização de um megaevento por uma perspectiva do valor agregado menos o custo de
realização (DOMINGUES, P; ET AL, 2010).
Alguns gráficos foram desenvolvidos com intuito de comparar dados
macroeconômicos e estatísticos – Taxa de Crescimento do PIB, Taxa de Desemprego e
Gasto Público (retirados do site Economy Watch em acesso realizado a 20 de Outubro de
2011)- de alguns países (ou cidades) que foram sedes recentes de Copas e Olimpíadas,
exceto por Londres que ainda realizará as Olimpíadas de 2012: Sidney, Olimpíadas de
2000; Atenas, Olimpíadas de 2004; Pequim, Olimpíadas de 2008; Londres, Olimpíadas de
2012; Alemanha, Copa do Mundo de 2006; e África do Sul, Copa do Mundo de 2010.
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Figura 1 - Impactos Macroeconômicos das Olimpíadas de Sidney e Atenas
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Figura 2 - Impactos Macroeconômicos das Olimpíadas de Pequim e Londres
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Figura 3 - Impactos Macroeconômicos das Copas da Alemanha e África do Sul
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3.1. Gasto Público
O gasto público é um indicador essencial à abordagem aqui proposta, uma vez que é
uma das vertentes pela qual se pode avaliar a questão da dicotomia público/privado
(BOBBIO, N, 2009). Os números para o gasto público indicados nas imagens representam o
quanto o governo gasta por ano, em termos de % do PIB, para manter os serviços à
sociedade e garantir o orçamento anual. É importante destacar que um investimento feito
pelo governo em dada ação anula, obrigatoriamente, a mesma quantia de investimento em
outra ação, por exemplo: dois milhões gastos em um estádio de futebol são dois milhões
que não poderão ser investidos em uma escola, hospital, ou outros serviços essenciais
(BAADE, R; MATHESON, V, 2011). Essa questão traduz o efeito crowding-out existente na
realização de um megaevento que é um dos elementos que mais recebe reflexões críticas
por parte dos acadêmicos e da mídia (DOMINGUES, P; ET AL, 2010; BAADE,R;
MATHESON, V, 2011).
Os dados apresentados, referentes aos gastos públicos dos países num período dedez anos que compreende a realização de um megaevento, indicam que no nível
macroeconômico não há uma relação estreita que possa ser comprovada pela observação
de dados estatísticos agregados entre um aumento exponencial do gasto público com a
realização de um megaevento. Com base nesse critério estatístico, soa razoável a
argumentação de Jacques Rogge, então presidente do COI, sobre o relacionamento da
crise da dívida grega e as Olimpíadas de 2004,
Ligar a crise da dívida grega aos jogos foi „injusto‟. Considerando o escopo dos
problemas da Grécia, é difícil argumentar que os Jogos foram um fator central por trásda crise financeira grega. Enquanto os custos totais das Olimpíadas chegaram a $11bilhões de dólares, essa quantidade é pequena comparada aos $370 bilhões de dólaresem dívida acumulados pela Grécia em 2010 (WNOROWSKI, A, 2011, p.23, traduçãonossa).
O argumento contrário a este afirma que os gastos para as Olimpíadas marcaram o
início “gasto irresponsável da Grécia” (IBID, p.23) que culminaram na crise da dívida. Esta
exemplificação serve para apontar o fato de que, embora seja um componente importante
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para avaliação dos impactos de um megaevento esportivo, o gasto público pode não ser um
indicador suficiente para avaliar consequências indiretas destes impactos, como ilustra o
caso. De maneira geral, não há nenhuma relação causal entre o impacto de um megaeventoesportivo sobre o gasto público comprometer as contas de um governo no curto-prazo. O
caso brasileiro pode contrastar com esta afirmação, uma vez que dois megaeventos serão
realizados num período de dois anos – o que, de acordo com as projeções atuais, seria uma
cifra aproximada de R$ 45 bilhões, o que eleva a pressão sobre o gasto.
3.2. Taxa de Desemprego
A taxa de desemprego está fortemente associada às condições gerais da economia,
sendo que níveis menores de desemprego indicam uma atividade econômica mais
aquecida, podendo levar ao pleno emprego. Alguns autores destacam que um dos
argumentos mais utilizados pelos governantes para concorrer à realização de um
megaevento esportivo é a potencial criação de empregos que esta pode trazer. Assim o
fazem Hagn e Maennig (2007), ao comentarem sobre a Copa de 2006,
Antes da Copa de 2006 na Alemanha uma série de análises foi publicada, de acordocom as quais os investimentos em torno de €6 bilhões relativos à Copa do Mundo e ogasto de 1-2 milhões de visitantes estrangeiros esperados iriam marcadamente afetar arenda e o emprego (HAGN, F; MAENNIG, W, tradução nossa).
É possível observar nos gráficos que o único país onde houve uma sensível
alteração da taxa de desemprego no período de realização das Olimpíadas e nos momentos
posteriores foi a Austrália em 2000. De acordo com o IPEA (2008), aproximadamente
15.600 empregos extra foram criados como consequência direta das Olimpíadas. O ano de
2007 coincidiu, para a Alemanha, no ano posterior à realização da Copa e de uma
significativa queda da taxa de desemprego. De acordo com a conclusão de Hagn e Maennig
(2007), “A Copa do Mundo de 2006 não influenciou o desemprego nas 12 cidades sede a
uma extensão que diferisse significativamente do padrão nas cidades que não foram sede”.
Em todos os outros países não houve alteração significativa no padrão de desemprego dos
dez anos considerados.
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3.3. Taxa de Crescimento do PIB
A taxa de crescimento do PIB foi considerada num período de dez anos que
compreende a realização de um megaevento e comparada à taxa de crescimento média do
mundo. A intenção desta comparação é para evitar que fortes impactos positivos ou
negativos na economia mundial sejam confundidos com os impactos de um megaevento no
mesmo período. Muitas vezes, os megaeventos esportivos são anunciados como
catalisadores de investimentos que gerarão impulsos da ordem dos bilhões e que isso será
multiplicado de forma generalizada pela economia. Assim argumenta-se que a realização de
um megaevento esportivo trazem pequenos custos de oportunidade, pois seria a forma
ótima de alocar estes investimentos públicos (DOMINGUES, P; ET AL, 2010).
Com exceção do caso alemão, novamente, não há nenhum caso em que haja
coincidência da realização de um megaevento com forte alta ou reversão de tendência da
taxa de crescimento do PIB que sejam muito diferentes da tendência mundial de
crescimento. Esta observação sobre os impactos econômicos mais gerais pode sercorroborada pelos comentários de Swinnem e Vandemoortele (2008) sobre estudos ex
post 1,
A maioria dos estudos ex-post declaram que a evidência de que megaeventosesportivos geram benefícios é fraca, na melhor das hipóteses. Deste modo, essaspoucas análises ex post geralmente confirmam que estudos ex-ante exageram osbenefícios dos megaeventos esportivos. Sigfried e Zimbalist (2000) revisão váriosestudos econométricos e todos esses estudos não encontram evidência estatísticarelevante que construir instalações esportivas estimule o desenvolvimento econômico
(...) mesmo que receber um megaevento crie benefícios para a região organizadora, aquestão a ser levantada é se este financiamento é o uso mais eficiente para o dinheiropúblico (SWINNEM, J; VANDEMOORTELE, T, 2008, p. 3, tradução nossa).
O comentário dos autores é condizente com a perspectiva da dicotomia
público/privado (BOBBIO, N, 2009), uma vez que o dinheiro público – pertencente à
sociedade como um todo – é utilizado na construção de arenas esportivas que, segundo
eles, não são eficientes como forma de investimento público. A avaliação dos megaeventos
1 Estudos feitos após a realização do evento. De maneira similar, estudos ex ante são estudos feitosanteriormente à realização do evento.
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esportivos como forma de investimento público é uma das tarefas do presente trabalho e
sobre esta paira uma reflexão pela proposta da dicotomia público/privado (BOBBIO, N,
2009), que também servirá de parâmetro para a própria avaliação.
A conclusão a que se pode chegar é a de que não existe uma relação direta
comprovável entre realizar um megaevento esportivo e a ocorrência de impactos
macroeconomicamente relevantes, sejam eles negativos ou positivos. Em termos de níveis
de análise (BUZAN, B, 2009), podemos inferir que para a economia da unidade não há
grande interferência por parte dos processos de realização dos megaeventos esportivos em
território nacional. A importância disto é demonstrar que conjecturas sobre um megaevento
esportivo ser um fator crítico de sucesso ou fracasso econômico de um Estado podem ser
questionadas por este prisma.
4. Estudo de casos sobre os impactos econômicos dos megaeventos esportivos e
exame das projeções do Ministério do Esporte para 2014 e 2016
De modo complementar, o estudo de casos recentes será utilizado para examinar
aspectos diferentes dos impactos econômicos dos megaeventos esportivos. Auxilia também
a mitigar a possibilidade de viés analítico no presente trabalho. As informações serão
corroboradas por autores que trabalham a temática pela via dos modelos econométricos
(DOMINGUES, P; ET AL, 2010), atendendo ao caráter de complementaridade, com relação
à análise macroeconômica exposta anteriormente, desejado. Serão avaliados casos de
Copas do Mundo e Olimpíadas, além do Pan-Americano de 2007, escolhidos,
primeiramente, por suas recentes realizações – o que permite um melhor parâmetro de
comparação com os futuros eventos no Brasil – e pela disponibilidade de informações a
respeito desses. Por fim, serão avaliadas as projeções feitas pelo Ministério do Esporte,
Consórcio Copa 2014 (2010) para a Copa do Mundo e pela FIA (Fundação Instituto de
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Administração), como exposta por Gurgel (2010)2, para as Olimpíadas de 2016; tendo como
finalidade um exame comparativo entre os casos recentes e as projeções do Ministério do
Esporte para 2014 e 2016.
4.1. Olimpíadas de Atenas
Os Jogos Olímpicos de 2004 em Atenas receberam críticas de diversas fontes em
diversas dimensões. O principal ponto de questionamento diz respeito aos gastos
exorbitantes por parte do governo para a realização de um evento do qual, segundo o IPEA
(2008, p.49), “pode-se incluir no legado uma grande dívida, indesejada, que precisou ser
assumida pelo governo grego”. Segundo Wnorowski (2011, p.23, tradução nossa) “o custo
final dos Jogos Olímpicos de Atenas foi quase o dobro do orçamento original (...) Atenas „foi
tão longe no vermelho que as contas ainda estão sendo pagas, chegando a $70,000 por
família‟”. Alguns opositores mais veementes chegam a creditar o gasto irresponsável
catalisado pelas Olimpíadas como um dos principais motivos para a crise da dívida grega
em 2010 (WNOROWSKI, A, 2011).
Para o IPEA (2008) existiu um grande motivo para o fracasso econômico do evento,
o medo do terrorismo, como atesta: “Foi o que ocorreu em Atenas (2004), por causa do
medo do terrorismo, que reduziu as receitas com o turismo e ampliou bastante os gastos
com segurança” (IPEA, 2008, p.49). Para Wnorowski (2011) os motivos foram outros,
segundo a autora:
Os preparativos para os Jogos em Atenas requereram o empreendimento de umnúmero significativo de projetos públicos dos quais se esperavam benefícios para osresidentes após os Jogos (...). Devido ao extensivo número de projetos, bem comoproblemas crônicos de implementação, o custo final dos Jogos Olímpicos de Atenasfoi quase o dobro do orçamento original (WNOROWSKI, 2011, p.23, tradução nossa).
Sinteticamente, os Jogos Olímpicos de Atenas em 2004 podem ser considerados um
grande fracasso em termos de legados econômicos. Para o IPEA (2008, p.49), se faz
2 Não foi possível encontrar a publicação do estudo, por isso será usada uma fonte secundária para a apreciaçãodas informações.
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necessário, “Sem dúvida, estudar os erros (e acertos) do Comitê Organizador dos Jogos de
Atenas (...) para tentar evitar que se repitam no futuro”. Consoante, Wnorowski atesta:
As Olimpíadas [de Atenas] permanecem como alvo de criticismo e ressentimento público”; “Quase sete anos depois, mais da metade das instalações olímpicaspermanecem inativas (...) Planos para usos pós-olímpicos das localizações foramposteriormente ignoradas ou congeladas (WNOROWSKI, A, 2011, p.23-24, traduçãonossa).
4.2. Olimpíadas de Pequim
Contrastando com o caso anterior, os Jogos de 2008 em Pequim são considerados
um caso de relativo sucesso, apesar do enorme custo de US$ 43 bilhões (Wnorowski, A,
2011). Dado o caráter especial da economia chinesa que crescia, à época dos jogos, numa
taxa de 9,6% a.a. – como pode ser constatado nos gráficos anteriormente expostos - pode-
se isolar a capacidade desse Estado em específico de arcar com um evento tão caro, como
afirma Wnorowski (2011, p.24, tradução nossa), “apesar da China ser considerada uma
nação em desenvolvimento, o seu investimento de $43 bilhões nas Olimpíadas é um quepoucas outras nações em desenvolvimento podem equiparar”.
A avaliação de que o evento foi relativamente bem sucedido, por parte da autora,
não depende dos impactos econômicos diretos, que ainda são incertos no longo-prazo
(Wnorowski, 2011), mas de consequências econômicas indiretas, “A China usou os Jogos
tanto para reanimar seu povo quanto para marcar sua re-emergência como uma força
econômica global.” (WNOROWSKI, A, 2011, p.24, tradução nossa).
O estudo do IPEA (2008) é mais efusivo ao destacar os benefícios econômicos das
Olimpíadas de 2008. Os autores evidenciam isso ao comentar,
O evento grandioso trouxe para a cidade de Beijing uma série de benefícioseconômicos e deu impulso à preservação do meio ambiente, confirmando o legadoque os Jogos Olímpicos têm deixado em suas últimas edições. Provavelmente, terádaqui por diante uma influência positiva no desenvolvimento econômico chinês, em
especial setores como mídia, televisão, internet, telefonia móvel, energia “limpa” ematerial esportivo (IPEA, 2008, p. 44).
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Infelizmente, poucas tentativas foram feitas de se estimar os impactos econômicos
genéricos das Olimpíadas de Pequim para a economia chinesa com base em modelos
econométricos. Alguns textos se concentram em temas específicos como o turismo (LI, S;BLAKE, A, 2008) e outros em aspectos qualitativos dos benefícios econômicos
(WNOROWSKI, A 2011; IPEA, 2008; BRUNET, F; XINWEN, Z, 2008). Sendo assim, pode-
se inferir com base nesses autores que os impactos econômicos indiretos foram benéficos à
economia chinesa, mas faltam dados numéricos que comprovem os benefícios dos impactos
diretos da realização do evento em Pequim.
4.3. Copa da Alemanha
A Copa da Alemanha tem sido referência em termos de qualidade de execução das
Copas do Mundo e, por isso, realizar um evento da mesma qualidade foi o objetivo da África
do Sul e é o objetivo do Brasil para 2014. Segundo Lamartine DaCosta (2008), os
investimentos privados e públicos na Copa da Alemanha giraram em torno de R$11,5
bilhões, enquanto a previsão de gastos para 2014 é de R$18 bilhões. Essa edição do eventoserá detalhada em termos técnicos baseada nos artigos de Maennig e Du Plessis (2007) e
Maennig e Hagn (2007), ambos os documentos são estudos ex post .
A primeira percepção que os autores passam, ao comentarem os impactos da Copa
do Mundo para a economia alemã, é a de que esses não são relevantes, como dispõem,
“Os resultados demonstram que em nenhuma das cidades sedes o efeito do evento
esportivo sobre o desemprego diferiu significativamente de zero” (HAGN, F; MAENNIG, W,
2007, p.1, tradução nossa). Maennig e Du Plessis (2007), por sua vez, destacam, “A
experiência da Copa de 2006 aparenta estar em linha com as pesquisas empíricas
existentes sobre grandes eventos esportivos e estádios esportivos, que raramente
identificaram algum benefício liquido” (PLESSIS, S; MAENNIG, W, 2007, p.2, tradução
nossa).
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O texto de Maennig e Hagn (2007) concentra-se nos impactos da realização do
megaevento sobre o mercado de trabalho. Os autores constroem um modelo matemático de
correlação entre variáveis – que não vale detalhar aqui- e chegam à conclusão de que nãohouve nenhum efeito da Copa sobre o mercado de trabalho que fosse relevante o suficiente
para modificar o seu padrão natural. Fazem uma importante ponderação que, no entanto,
isso não basta para afirmar que o evento fora ineficiente de uma perspectiva econômica,
especialmente quando se consideram os benefícios intangíveis, que para os autores são
efeitos de “boa sensação” na população e de retorno de imagem (HAGN, F; MAENNIG, W,
2007).
Já o texto de Maennig e Du Plessis (2007), visa detalhar os impactos financeiros e
econômicos - considerando os benefícios intangíveis - da Copa de 2006 como uma
referência a ser utilizada para a Copa de 2010. Com essa intenção, os autores destacam
várias características econômicas do evento de 2006 e decretam que dificilmente a Copa de
2010 poderia ter algum benefício econômico direto, considerando apenas os tangíveis,
assim como não houve em 2006 (PLESSIS, S; MAENNIG, W, 2007).
Para os autores, um primeiro motivo para que não haja retornos significativos da
Copa para a população é de que a maior parte do lucro do evento é captada pela FIFA e
seus parceiros econômicos. A possibilidade de realização da Copa do Mundo no país é, na
verdade, um direito adquirido via compra, junto a FIFA, pelo país (PLESSIS, S; MAENNIG,
W, 2007). “Como monopolista frente a um grupo de concorrentes, a FIFA é capaz de extrair
muito do benefício financeiro de sediar um torneio dos pa íses concorrentes” (PLESSIS, S;
MAENNIG, W, 2007, p.3, tradução nossa). De acordo com suas contas, a FIFA teve um
custo, com a realização do evento em 2006, de US$704 milhões; enquanto o lucro fora da
ordem de US$1,9 bilhão. Sendo assim, mais de dois bilhões de dólares da receita são
captados pela FIFA, o que é um número considerável já que o custo do fora de “R$ 11,5
bilhões” (DACOSTA, L, 2008, p.495).
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Os impactos para a economia alemã, no entanto, são, para os autores, de baixa
importância e restritos à microeconomia de alguns setores como: produtores de cerveja,
mesas de totó, casas de câmbio, serviços privados de aviação, e produtos diretamenterelacionados ao futebol. Pontuam ainda que no caso das cervejas não há como isolar a
Copa do Mundo do aumento da temperatura à época de realização da mesma, o que
também poderia ter motivado o aumento de demanda por cervejas (PLESSIS, S; MAENNIG,
W, 2007).
O setor hoteleiro é citado como exemplo de como os estudos ex ante são mal
formulados - em suas bases metodológicas -, por desconsiderarem o crowding-out effect
que teria feito com que os turistas, que normalmente visitariam a Alemanha, procurassem
outros destinos por conta da Copa e isto estaria traduzido nos números: “Hotéis alemães
assistiram um decréscimo de 2,7p.p em ocupações em comparação a Junho de 2005. Em
Berlim, a taxa de ocupação caiu 11,1p.p. e em Munique em 14,3p.p. ” (PLESSIS, S;
MAENNIG, W, 2007, p.12, tradução nossa). Outro elemento criticado é o de que o consumo
tenha sido alavancado pelos visitantes. Segundo os autores, isso pode ter ocorrido, mas as
estimativas desconsideram outro crowding-out effect gerado pelo efeito “batata de sofá”
(PLESSIS, S; MAENNIG, W, 2007) em que o consumo dos nativos diminui
consideravelmente, pois preferem permanecer em casa assistindo os jogos na televisão, ou
seja, os impactos da Copa sobre o consumo seriam irrelevantes (PLESSIS, S; MAENNIG,
W, 2007).
A avaliação dos benefícios intangíveis foi transformada em números pelos autores,
por meio de pesquisas ex ante e ex post – realizando questionários com as pessoas nas
ruas da Alemanha. A pesquisa ex ante encontrou um valor estimado em 467 milhões de
dólares em “Willingness to Pay” (PLESSIS, S; MAENNIG, W, 2007), que traduziria a
propensão das pessoas a pagar para receber a Copa na Alemanha. Já a mesma pesquisa
realizada ex post encontrou o valor de 1,1 bilhão de dólares como resultado (PLESSIS, S;
MAENNIG, W, 2007).
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4.4. Copa da África do Sul
A Copa de 2010 foi vista pela mídia e personalidades mundiais, em geral, como a
Copa do continente africano, mais do que simplesmente a Copa da África do Sul. Durante
as transmissões dos jogos isso ficara bem claro, pois as seleções africanas participantes
contaram com grande torcida dos nativos sul-africanos. Esta perspectiva pode ser percebida
pelo discurso de Nelson Mandela (2010) quanto à Copa:
O esporte tem o poder de inspirar e unir as pessoas. O futebol na África tem grandepopularidade e um lugar especial no coração das pessoas. Por isso é tão importanteque a Copa do Mundo seja, pela primeira vez, sediada no continente africano em
2010. Nós nos sentimos privilegiados e orgulhosos pela África do Sul ter tido a honrasingular de ser o país-sede africano. Devemos nos esforçar pela excelência do eventoe, ao mesmo tempo, garantir que ele deixe benefícios para todo o povo. O povo daÁfrica aprendeu lições de paciência e resistência durante sua longa luta pela liberdade.Que a recompensa trazida pela Copa do Mundo prove que a longa espera pelaliberdade em solo africano valeu a pena (MANDELA, N, 2010).
A concepção de que a excelência na execução da Copa era uma necessidade
essencial para a honra do continente africano também fora bem aceita pela mídia
internacional. A avaliação do evento em termos técnicos será feita com base em estudo ex
post de Du Plessis e Venter (2010). O texto segue a abordagem utilizada nos textos
anteriores, referentes à copa de 2006, mas expande um pouco a concepção de benefícios
intangíveis.
A primeira exposição que os autores fazem é que as estimativas ex ante foram
exacerbadas quanto aos benefícios econômicos tangíveis. Novamente, a receita da FIFA
fora estimada em torno de US$ 2 bilhões, com lucro estimado em torno de US$ 1,1 bilhão,comprometendo boa parte da receita que poderia ser recolhida pelos sul-africanos
(PLESSIS, S; VENTER, C, 2010).
Um interessante questionamento feito pelos autores se refere ao custo de
oportunidade dos gastos públicos com o evento, citando a perspectiva de outros setores da
economia sul-africana:
A dificuldade da decisão política em jogo é clara pelos exemplos de custos deoportunidade que foram utilizados no debate, incluindo: que os R33 bilhões em gastos
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cobririam facilmente os R23 requeridos para resolver o problema do país comsaneamento básico como declarado por Greta Steyn (Steyn, 2010), ou que 205 escolasna provincial de Gauten poderiam ter sido financiadas com os R10,8 milhões dodinheiro gasto por departamento governamentais nos ingressos e parafernálias daCopa do Mundo (Flanagan, 2010), ou que os pupilos da escola primária de Cyril Clark
e da escola secundária John Mdluli tiveram que se mudar temporariamente paraestruturas de lata para que as escolas permitissem que os empreiteiros do estádio daCopa do Mundo em Mbombela usassem suas escolas como escritório enquanto oprojeto durasse. (Tolsi, 2010) (PLESSIS, S; VENTER, C, 2010, p.9, tradução nossa).
Plessis e Venter (2010) ponderam que, no entanto, dois terços dos investimentos
feitos – à parte dos investimentos em estádios, tíquetes e “parafernálias da copa” - foram
destinados a melhorias em rodovias, aeroportos e ferrovias, que podem traduzir, no longo
prazo, aumento do potencial de crescimento da economia. Os investimentos nos estádios,
por sua vez, dificilmente darão retorno em forma de potencial econômico. Isto é acentuado
pelo fato de que o futebol sul-africano (ou rúgbi e outros eventos) não é tão desenvolvido a
ponto de usufruir de todos os benefícios dos dez novos estádios de futebol construídos para
a Copa e que foram financiados quase que exclusivamente pelo governo (PLESSIS, S;
VENTER, C, 2010).
Os efeitos sobre o mercado de trabalho também foram minimizados. No caso da
construção civil, argumentam que o efeito crowding-out impediu um crescimento real dos
níveis de emprego, i.e, o aumento de empregos destinados à construção de estádios foi
concomitante à contração de empregos destinados a outros tipos de obras (PLESSIS, S;
VENTER, C, 2010).
O gasto durante o evento também é relativizado pelo efeito crowding-out e as
estimativas dos autores são de que a África do Sul recebera 200.000 turistas durante o
período da Copa, em contraposição à estimativa de 400.000 turistas ex ante . De acordo com
os cálculos realizados no texto, concluem que o impacto estimado do evento na economia
fora de 0,1% do PIB (PLESSIS, S; VENTER, C, 2010).
Por fim, relativiza a ineficiência econômica do evento com base no sucesso dos
benefícios intangíveis. Segundo eles,
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Sul-africanos e visitantes internacionais aproveitaram o torneio imensamente, umbenefício que não é menos real só porque é mais difícil de quantificar em termosmonetários. E há potenciais benefícios no longo prazo principalmente por conta daimagem melhorada de uma economia vibrante onde instituições funcionam semproblemas e que oferece atrativos para o comércio e investimentos. Esses benefícios,
se aumentarem a trajetória do crescimento de longo prazo da economia, serão maisvaliosos do que os parcialmente desapontes benefícios líquidos de Junho de 2010(PLESSIS, S; VENTER, C, 2010, p.20, tradução nossa).
4.5. Pan-Americano no Rio de Janeiro
Os Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro, para muitos, serviu como um teste
para a cidade ser a sede das olimpíadas em 2016. Embora uma avaliação destes e uma de
Olimpíadas ou Copa do Mundo difiram muito, todos são megaeventos e a realização de um
megaevento esportivo no país de referência é de valor significativo para os objetivos deste
trabalho. Em termos de realização do evento, Camargo Barros (2008), ao relatar a opinião
dos observadores, revela que esta ocorrera de forma convincente, sem maiores problemas,
permanecendo apenas uma crítica à eficiência do relacionamento entre as três esferas do
governo,
Em termos de planejamento de instalações, houve problemas principalmenterelacionados ao atraso na entrega das obras e à liberação de verba para a contrataçãode pessoal e serviços. Segundo relato dos organizadores, essa demora ocorreu emfunção da lentidão nos processos de licitação e no entendimento entre os três níveis degoverno (federal, estadual e municipal) principais financiadores do projeto (BARROS,C, 2008, p.578).
Apesar da escala relativamente menor dos Jogos, a consistência na organização é
um ponto positivo para a cidade que poderá ter aprendido com os erros no planejamento do
evento anterior, além de preparar a sociedade para os impactos negativos de uma copa do
mundo e das Olimpíadas no munícipio; tais como: aumento do trânsito, aumento dos
assaltos nas localidades distantes da realização das partidas, e assim por diante.
Quanto aos impactos e legados do evento para a cidade, existe muita controvérsia,
permanecendo a tendência do conflito entre as perspectivas no campo de estudo. Por um
lado, Behnken (2010) contesta qualquer valor positivo que o evento possa ter trazido ao
expor que, “Os Jogos Pan-americanos de 2007 proporcionaram uma transferência de R$ 2,8
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bilhões de recursos públicos para poucos. Pois, é evidente que foram os setores
econômicos e sociais pertencentes às classes de renda mais altas os mais beneficiados”
(BEHNKEN, L, 2010, p.104).
Outra visão sobre os impactos e legados dos Jogos parte do próprio governo,
representado aqui por um documento do Tribunal de Contas-RJ (2009), referente a uma
auditoria realizada sobre os impactos do Pan. A instituição levanta diversos benefícios
trazidos pelo Pan, incluindo tangíveis e intangíveis, como exposto,
Os impactos de médio e de longo prazo ocorrem principalmente sobre a expansão e a
melhoria da infraestrutura econômica e social da região metropolitana, que teve de seadaptar e se estruturar para a prestação de serviços esportivos adicionais e para oatendimento aos fluxos incrementais de pessoas (turistas, atletas, gestores etc.).Esses impactos repercutiram na capacidade de produzir mais bens e serviços ao longodo tempo. Por sua vez, os impactos de curto prazo referem-se à injeção de gastosadicionais para dar suporte operacional à realização dos Jogos, de investimento(construção de novas facilidades, compras de máquinas e equipamentos) e decusteio, aplicações que tiveram origem nos três níveis de governo (Federal,Estadual e Municipal) e no CO-RIO. Esses impactos ocorrem em termos de maioresníveis de produção (pela utilização da capacidade ociosa disponível no sistemaprodutivo), valor adicionado, massa salarial, arrecadação de impostos indiretos e deemprego(...)Apesar dos elementos tangíveis (infraestrutura econômica e social) seremmais visíveis, não se pode subestimar os ganhos que o processo de organização dosJogos induziu em termos de mobilização social e política das comunidades locais.O sucesso dessa mobilização cria um ativo intangível que qualifica comunidades paraliderar novos empreendimentos equivalentes, de igual ou maior escala organizacional(TCMRJ, 2009, p.16-17).
É interessante notar que apesar de conflitantes no quesito da valorização dos
benefícios tangíveis, há uma coesão entre a avaliação referente aos benefícios intangíveis
como reforça a ideia de Behnken (2010), “Valorizar o Rio de Janeiro como vitrine
internacional e cenário inigualável para a televisão global. A confirmação de que o Pan/2007
foi pensado e executado de forma a servir de instrumento para a internacionalização do Rio
de Janeiro é explícita” (BEHNKEN, L, 2010, p.81).
TCMRJ (2009) ao afirmar que, “O sucesso dessa mobilização cria um ativo intangível
que qualifica comunidades para liderar novos empreendimentos equivalentes - de igual ou
maior escala organizacional”, está compactuando da visão de que o Rio está se preparando
para passos maiores, indicando a relevância dos benefícios intangíveis.
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4.6. Copa de 2014 no Brasil
O ponto de partida para a análise dos impactos econômicos é o estudo Ministério do
Esporte referente aos benefícios quando da realização do evento. É fundamental ter em
mente que as projeções do Ministério do Esporte – que é ator diretamente interessado na
execução do evento, representando o governo – podem ser supervalorizadas por interesses
do órgão público (SWINNEM, J; VANDEMOORTELE, T, 2008).
Confirmando os apontamentos de autores como Plessis e Maennig (2007) e
Swinnem e Vandemoortele (2008), o número apresentado pelo Ministério do Esporte (2010)
que é o projetado para o impacto econômico total chega a níveis astronômicos : “R$183,2
bilhões, dos quais R$47,5 bilhões (26%) diretos e R$135,7 bilhões indiretos (74%)”
(MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2010, p.4). Sem precisar entrar em detalhes metodológicos,
pode-se considerar essa expectativa excessivamente exagerada comparando-a aos
resultados apresentados por estudos ex post das Copas de 2006 e 2010 nos quais os
autores indicam que dificilmente existe algum impacto econômico relevante (PLESSIS, S;VENTER, C, 2010; PLESSIS, S; MAENNIG, W, 2007).
Outro número questionável é aquele relativo à criação de empregos, estimados em
“737,8 mil novos postos de trabalho (49% fixos e 51% temporários)” (MINISTÉRIO DO
ESPORTE, 2010, p.4). Segundo Hagn e Maennig (2007), na Alemanha não se pode
observar nenhum impacto significativo da Copa sobre o mercado de trabalho. Ademais,
foram considerados multiplicadores para estimar o impacto indireto (MINISTÉRIO DO
ESPORTE, 2010, p.23) que reforçam a superestima do governo com relação a esses
benefícios, além de ser desconsiderado o efeito crowding-out , muitos autores indicam que a
grande falácia dos estudos governamentais enviesados encontra-se na exclusão deste
elemento nos cálculos realizados (PLESSIS, S; VENTER, C, 2010).
Dentre os possíveis benefícios intangíveis são apontados: visibilidade internacional,
turismo, infraestrutura, aperfeiçoamento institucional – que são quebrados em muitos outros
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benefícios (MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2010, p.10). Estes apontamentos parecem
condizer com o que foi levantado por Maennig e Plessis (2007), ao afirmarem existir uma
supervalorização dos impactos econômicos diretos, em detrimento dos benefíciosintangíveis que são mais visíveis em longo prazo pela ótica dos estudos ex ante .
4.7. Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro venceu a concorrência de Chicago, Madri e Tóquio e foi eleita a
cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. Será a primeira Olimpíada em
solo sul americano e existem grandes expectativas quanto à qualidade do evento e sua
grandiosidade em termos econômicos. Para Gurgel (2010), “esse resultado revalidou a
percepção de que o Brasil teria uma grande oportunidade de viver uma „década de ouro‟, no
que se referia à economia do esporte e ao crescimento social por meio do esporte,
especificamente” (GURGEL, A, 2010, p.19).
As projeções econômicas oficiais do governo foram elaboradas pela FIA em estudo
divulgado na internet em 2009. Infelizmente não foi possível encontrar a divulgação original
e, por isso, o texto de Gurgel (2010) será utilizado, pois faz referência aos números oficiais
contidos no documento da FIA. Este considera um período de dez anos como o horizonte
das consequências dos impactos econômicos das Olimpíadas e considera uma projeção de
gastos totais em US$ 14,4 bilhões (GURGEL, A, 2010).
Novamente, as estimativas dos impactos econômicos são supervalorizadas,especialmente a dos impactos diretos (PLESSIS, S; VENTER, C, 2010; PLESSIS, S;
MAENNIG, W, 2007). O estudo aponta um multiplicador de 4,26, o que geraria uma
movimentação na economia brasileira de US$ 51,1 bilhões até 2027 (GURGEL, A, 2010). As
estimativas para o mercado de trabalho também são extremamente otimistas, chegando a
quase 250 mil novos postos de trabalho de 2009 a 2027 (GURGEL, A, 2010), embora
estudos apontem que o impacto de um megaevento esportivo sobre o mercado de trabalho
não seja estatisticamente relevante (HAGN, F; MAENNIG, W, 2007).
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O governo brasileiro insiste em justificar o enorme gasto público com base nos
benefícios econômicos diretos, mas, até o momento, poucas evidências econômicas foram
encontradas, por uma análise ex post e distanciada, de que esse tipo de benefício exista eque, por si só, justifica a realização de um megaevento esportivo em solo nacional. O
questionamento dos gastos públicos realizados pela ótica da dicotomia público/privado
(BOBBIO, N, 2009) é, nesse diapasão, coerente, pois a argumentação de que os gastos
públicos no evento são eficientes, já que produzem benefícios econômicos diretos, não
procede à luz dos textos estudados (PLESSIS, S; VENTER, C, 2010; PLESSIS, S;
MAENNIG, W, 2007; HAGN, F; MAENNIG, W, 2007). Vale ponderar que os mesmos autores
condicionam suas críticas aos alegados benefícios diretos, deixando claro que não se
destinam aos benefícios indiretos que podem catalisar o crescimento a longo-prazo
(PLESSIS, S; VENTER, C, 2010). Todavia, a análise dos dados macroeconômicos dos
países que realizaram os megaeventos em seus moldes atuais não apresentou resultados
que indicassem sinais dessa catalisação.
5. Perspectivas e Repercussões Políticas dos Megaeventos no Brasil
Foi apontado que a execução dos megaeventos esportivos no Brasil traduz uma
quebra de Soberania Westfaliana (KRASNER, S, 1999), pois tanto a FIFA quanto o COI
impõem suas exigências para que o país realize seus eventos em solo nacional. Foi
discutido que, pela visão da dicotomia público/privado (BOBBIO, N, 2009), os eventos
geram processos contraditórios uma vez que recursos públicos que poderiam ser destinados
a necessidades sociais mais imediatas são direcionados ao cumprimento das exigências
das organizações, que concedem o direito de realizar os eventos, que tem como o resultado
a realização de um grande lucro por parte destas (PLESSIS, S; MAENNIG, W, 2007). Foi
questionado o argumento oficial de que os eventos trazem benefícios econômicos
extraordinários que superam os custos de organização (MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2010;
GURGEL, A, 2010), contrapondo-se a isto a falta de evidências econômicas de que estes
benefícios existam (PLESSIS, S; VENTER, C, 2010; PLESSIS, S; MAENNIG, W, 2007;
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HAGN, F; MAENNIG, W, 2007). Ainda assim, deve se considerar a ideia de Krasner (1999)
de que os Estados só limitam sua soberania pela via do contrato caso percebam a
possibilidade de uma relação Pareto-ótima, o que exige o exame de questões políticasrelacionadas ao tema.
5.1. Interesses políticos menores regionais ou individuais
Uma primeira constatação que pode ser feita é a de que a realização dos
megaeventos representa perfeitamente o papel de catalisador dos interesses políticos,
individuais e regionais, de curto-prazo que visam reeleições e atração de investimentos
federais para cidades específicas. Westhuizen e Swart (2010) indicam que, na Copa de
2010, interesses políticos locais foram predominantes na escolha das sedes, “Foi evidente
que as políticas das cidades e províncias representaram um papel significativo na formação
dos debates relativos à seleção das sedes” (VAN DER WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011,
p.176).
Questão similar já se apresenta no caso brasileiro, para apontar um exemplo,
podemos destacar o jogo de interesses pela escolha da sede da abertura da Copa,
O estádio do Morumbi, que na candidatura do Brasil em 2006 era cogitado para sediareste momento [abertura], agora não tem mais capacidade de reforma. Para os lobistas,deve-se construir um novo estádio, que ficará de legado para São Paulo. Estesmovimentos contra o Morumbi são puxados em sua maioria pelo Presidente da CBF,Ricardo Teixeira, que teve desavenças com o Presidente do São Paulo Futebol Clube(BRUGGEMAN, A; ET AL, 2011, p.6).
Pleiteamos firmemente a abertura. Ainda bem que São Paulo resolveu os problemasde estádio, é importante para o Mundial. Mas, tecnicamente, estamos estruturados -argumenta Tiago Lacerda, presidente do Comitê de Belo Horizonte (...) Tenho certezade que faremos a abertura - devolveu Gilmar Tadeu, secretário da Copa em São Paulo(O GLOBO, 2011, p.1).
Essas discussões internas agregam muito pouco ao debate político dos
megaeventos esportivos e dependem muito da especificidade de cada país, mas são
motivos concretos e fazem parte de uma crítica já levantada por Milton Santos (2001), em
sua análise sobre a relação do Brasil com os processos de globalização, sobre a busca de
interesses particulares por parte dos políticos nacionais,
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Assim, as noções de destino nacional e de projeto nacional cedem frequentemente afrente da cena a preocupações menores, pragmáticas, imediatistas, inclusive porque,pelas razões já expostas, os partidos políticos nacionais raramente apresentamplataformas conduzidas por objetivos políticos e sociais claros que exprimam visõesde conjunto (SANTOS, M, 2001, p.155).
A realização dos megaeventos no Brasil catalisa e potencializa este tipo de
preocupação política de escopo reduzido e que, no fim, geram desgaste político e poucos
resultados em termos de benefícios para a sociedade brasileira. Existe também o
oportunismo, por parte de alguns políticos, da complexidade das transações entre entidades
oficiais e entidades privadas para desviar recursos e auferir influência política. O IPEA
(2008) menciona a corrupção como um dos fatores que levaram as Olimpíadas da Grécia a
ser um fracasso em termos de benefícios e legados econômicos. Além disso, a displicência
relatada para com o legado das instalações esportivas do evento em Sidney (IPEA, 2008)
pode ser relacionada ao caráter imediatista que Milton Santos (2001) identifica no jogo
político brasileiro.
Essas são situações que podem ser reproduzidas no Brasil mediante a realização
dos eventos e são questões preocupantes, pois podem acentuar significativamente o custo
de realização dos mesmos, diminuindo a possibilidade de retornos econômicos para o país.
Behnken (2010) realiza essa crítica com relação ao Pan-Americano de 2007, realizado no
Rio de Janeiro, segundo ele,
O volume e a composição do gasto estatal no megaevento não foram determinadosatravés de formulações racionais, elaboradas pelos organizadores e governantes nointeresse da coletividade. Ao contrário, foram as classes dominantes locais e
esportivas, dotadas de forte poder de pressão política, que definiram a destinação dasverbas públicas em seu benefício (BEHNKEN, L, 2010, p.96).
Com base nesse argumento, detectamos o reforço do processo de privatização do
público (BOBBIO, N, 2009), uma vez que recursos estatais podem vir a ser desviados em
favor de interesses privados dos políticos envolvidos, bem como de outras entidades
privadas.
Para que se assuma que a realização de tais interesses, por si só, traduzam umarelação Pareto-ótima (KRASNER, S, 1999) pela perspectiva do governo brasileiro com
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relação à aquisição do direito de realizar os megaeventos esportivos no Brasil exige-se que
se conceba uma coesão da política nacional em explorar verbas públicas para a realização
de interesses privados ou ampla dominação dos interesses políticos menores na vidapolítica nacional. Nesta dinâmica, o primado do público no Brasil teria sido completamente
dominado pela esfera privada e por interesses políticos individuais (BOBBIO, N, 2009). A
redução dos interesses políticos a esses termos limita severamente a análise de outras
repercussões e questiona a própria ideia de Estado brasileiro. Com base nesta discussão,
deve-se, portanto, considera-los como componentes do processo (BUZAN, B, 2009), mas
não como viabilizadores do contrato (KRASNER, S, 1999) per se .
5.2. Projeto de exposição da imagem da nação brasileira
Simultaneamente, temos indícios explícitos e implícitos da existência de um grande
projeto de exposição da imagem (ou marca) do país no exterior, do qual a realização, com
qualidade, dos megaeventos esportivos é considerado um fator crítico de sucesso. Logo
após a escolha do Rio como cidade-sede das Olimpíadas de 2016, o então presidente LuísInácio Lula da Silva fez um discurso no qual, por diversas vezes, deixou claro que a principal
conquista do Brasil com a vitória no processo de licitação para realização do evento fora a
“chance que nós não tivemos no século XX” (SILVA, L, 2009) de “mostrar a capacidade
deste país de fazer uma Olimpíada” (IBID); ao exaltar a vitória do país, associa diretamente
à questão da imagem, “hoje nós recebemos o respeito que as pessoas começaram a ter do
Brasil” (IBID) e ressaltou, implicitamente, que a vitória na licitação já mostra uma projeção
do país, ao dizer, “Ninguém agora tem mais dúvidas da grandeza econômica do Brasil, da
grandeza social, da capacidade nossa de apresentar um programa” (IBID). No mesmo
discurso existem tentativas de condicionar a “vitória” do Brasil como sendo uma “vitória” do
continente sul-americano como um todo, numa nítida tática de associar a imagem do Brasil
a de líder do continente sul-americano, “é uma vitória de um continente sul-americano, é
uma vitória da América Latina” (IBID).
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Existem inúmeras abordagens quanto a este tema, tornando-se inviável uma análise
exaustiva, mas algumas serão consideradas para que se entenda a natureza de tal projeto.
Van der Westhuizen e Swart (2011) identificam este tipo de projeto como um sintoma daemergência de “Estados Competitivos” e a necessidade que estes possuem de aprimorar
seus atrativos no cenário externo,
Em sua maior parte, então, quase todos os Estados, além daqueles tradicionalmenteclassificados como „menos desenvolvidos‟, competem em diversas formas – comoanêmonas de cores brilhantes no fundo do oceano – por qualquer possibilidade queexistam de atrair vários tipos de capital ao aprimorar seus atrativos no cenáriointernacional (VAN DER WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011, p.169, traduçãonossa).
Os autores denotam o estreito relacionamento entre os megaeventos esportivos e os
projetos estatais de projeção de imagem e que isto foi acentuada quando da emergência do
ímpeto competitivo entre os Estados,
Embora os Estados sempre tenham acumulado um considerável prestigio por sediarum grande evento esportivo, desde o final do século vinte o imperativo econômico portrás tornou-se cada vez mais significativo, em parte por causa da mudança dramáticana natureza do Estado para o que se tem denominado como “Estado Competitivo”
(VAN DER WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011, p.169, tradução nossa).
Nesse sentido, mostram que o grande dispêndio de recursos na realização destes
eventos é justificado pela projeção do país, ou, como colocam, na obtenção de “poder de
marketing”, “O poder de marketing também serve a um propósito de política externa, já que
as elites do Estado justificam o grande custo de sediar o evento com base no seu potencial
de „exportar‟ o país e de „colocá-lo no mapa mundial‟” (VAN DER WESTHUIZEN, J; SWART,
K, 2011, p.169, tradução nossa).
Ainda, indicam que o “poder de marketing” é bifacetado, pois também serve um
propósito político interno por parte das elites de alavancar sua legitimidade e reforçar um
senso de identidade nacional (VAN DER WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011). No discurso
do então presidente Lula, pode-se identificar a presença tanto o elemento externo, como já
demonstrado anteriormente, quanto do elemento interno do “poder de marketing”, quando
afirma,
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Eu acho que essa Olimpíada é um pouco da retribuição ao povo maravilhoso do Riode Janeiro que muitas vezes só aparece na imprensa, nas páginas de jornais. É precisorespeitar porque o povo é bom, o povo é generoso e eu acho que o Brasil merece.Aqueles que pensam que o Brasil não tem condições vão se surpreender. Os mesmosque pensavam que nós não tínhamos condições de governar este país vão se
surpreender com a capacidade deste país de fazer uma Olimpíada (SILVA, L, 2009,grifo nosso).
Uma avaliação similar parte de Olins (2005) sob a denominação “branding”, termo
relacionado a uma das vertentes do marketing que visa a criação e gerenciamento de
marcas. Para este autor,
Ainda assim a verdade sobre o assunto é que as nações sempre tentaram criar emodular suas reputações para criar lealdade coerência domésticas e promover seupróprio poder e influência sobre países vizinhos. Não tem, na verdade, nada realmentenovo sobre o “branding” nacional, exceto pela palavra “brand” e as técnicas que sãoutilizadas atualmente, que derivam das correntes principais do marketing e branding(OLINS, W, 2005, p.170, tradução nossa).
Pode-se perceber que as abordagens são similares no conceito geral, concebendo
os elementos internos e externos desse processo. Olins (2005) esclarece a necessidade das
nações de constantemente reforçarem sua imagem, pois constantemente sofrem mudanças
em suas identidades,
A razão pela qual as nações continuam tanto explicitamente quanto, algumas vezes,implicitamente a definir e redefinir suas identidades, ou, se vocês preferirem,continuam explicitamente e implicitamente a reposicionar suas marcas (rebranding), éporque suas realidades mudam e elas precisam projetar simbolicamente essa mudançareal a todas as audiências com quem se relacionam. Eles querem, tanto quantopossam, alinhar percepção com realidade (IBID, p.171, tradução nossa).
O reposicionamento das marcas nacionais – o “rebranding”- traz, segundo o autor,
efeitos positivos, em especial sobre o turismo, não em termos quantitativos, mas em termos
qualitativos, pois alguns países recebem muitos turistas que não possuem grande
curiosidade pelo país e, por isso, gastam pouco,
Um país pode acabar recebendo um grande número de turistas com os quais nãoconsegue lidar e que gastam muito pouco dinheiro por cabeça. A alternativa para ospaíses é a de se vender, diferenciando-se como marcas de consumo – enfatizando suaarte, cultura, história, comida, arquitetura, paisagem e outras características singularespor meio de imagens sofisticadas. Dessa forma a nação atrairá menos turistas, mas quegastarão mais por cabeça (OLINS, W, 2005, p.175, tradução nossa).
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5.3. Rio, Cidade Global
Um segundo aspecto, implícito, que se pode distinguir do discurso do presidente Lula
é a importância estratégica que a cidade do Rio de Janeiro desempenha no projeto de
exposição da imagem – ou marca (OLINS, W, 2005) – brasileira, “Foi o Rio de Janeiro que
ganhou de Chicago, de Madri e de Tóquio (...) O Rio de Janeiro tem um diferença, tem alma,
tem coração” (SILVA, L, 2009). Apesar de não haver menção direta a este tema, a escolha
do Rio para ser o representante do Brasil na candidatura às Olimpíadas de 2016 faz parte
de uma das vertentes do projeto de exposição do Brasil, que faz parte dessa busca por
competitividade por parte do país (VAN DER WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011) e que é
assinalada por Behnken (2010),
De fato, a candidatura e a realização de um megaevento esportivo são os argumentosevocados para a concretização da cidade global. Mas a perspectiva, verdadeira ounão, que envolve os corações e mentes para a mobilização é a possibilidade demudança, é o futuro melhor, é a passagem para o mundo mais moderno (BEHNKEN,L, 2010, p.30, grifo nosso) (...) As elites cariocas [e aqui podemos ampliar para elitespolíticas brasileiras] buscam preparar a cidade do Rio de Janeiro para entrar na novaera da competitividade‟, reorientando os investimentos para aqueles pontos da
infraestrutura econômica que ofereçam vantagens comparativas às frações do capitalmundial e construindo uma política de imagens que pretende mostrar ao mundo dosanalistas de riscos que já passou a era da cidade-problema, da cidade-violência, dacidade-degradação ambiental. Entramos agora no ciclo da cidade-negócio (RIBEIRO,L, 1996 APUD. BEHNKEN, L, 2010, p.58).
O autor também discrimina a correlação entre o processo evolutivo dos megaeventos
esportivos e da construção de cidades globais, “uma similaridade muito grande de
propósitos, gestão e argumentação política entre os conceitos da cidade global e a evolução
do megaevento esportivo internacional” (BEHNKEN, L, 2010, p.101). Uma conceptualização
interessante sobre a questão das cidades globais é feita pela autora Saskia Sassen (2000)
que contextualiza os processos de construção destas no âmbito maior da globalização,
Focar nas cidades nos permite especificar uma geografia de localizações estratégicasna escala global, lugares conectados entre si pelas dinâmicas da globalizaçãoeconômica. Eu me refiro a isto como uma nova geografia de centralização (SASSEN,S, 2000, p.2, tradução nossa).
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A autora justifica a criação desses espaços pela necessidade dos agentes globais de
possuírem localizações estratégicas nas quais possam se comunicar e realizar transações,
Tendências massivas em direção a uma dispersão espacial das atividades econômicasnos níveis metropolitano, nacional e global que associamos à globalizaçãocontribuíram para a demanda por novas formas de centralização territorial (...)Mercados nacionais e globais, assim como organizações globalmente integradas,precisam de lugares centrais onde o trabalho da globalização é feito (IBID, p.2-3,tradução nossa).
Pode-se deduzir que a intenção do Estado brasileiro é a de incluir a cidade do Rio
de Janeiro nos circuitos globais (BEHNKEN, L, 2010) ao projetar a imagem da cidade no
mercado externo como uma localização estratégica no continente sul-americano e,
concomitantemente, projetar a imagem do país em âmbito global. A realização dos
megaeventos esportivos no Brasil pode ser considerada um dos pilares desse programa de
diplomacia que visa alterar a marca da nação brasileira (OLINS, W, 2005).
5.4. Megaeventos Esportivos como vetores de Poder Produtivo
Estas abordagens que priorizam o aspecto mercadológico e globalizante dos
megaeventos esportivos podem ser ampliadas se considerarmos a problemática por uma
perspectiva de poder. Além de agregar em termos de simplicidade às avaliações das
repercussões em termos políticos, a inclusão do tema em uma perspectiva de poder agrega
particularidades interessantes que são próprias ao estudo das Relações Internacionais. Para
tal, será utilizada a abordagem de Barnett e Duvall (2005) que concebe o poder nas
Relações Internacionais por uma tipologia que contém quatro vertentes, quais sejam: i)
Poder Compulsório; ii) Poder Institucional; iii) Poder Estrutural; iv) Poder Produtivo. A
conceituação genérica de poder é dada por “poder é a produção, dentro e através de
relações, de efeitos que moldam a capacidade dos atores de determinarem suas
circunstâncias e destino” (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005, p.1, tradução nossa). Os
autores defendem que uma concepção mais abrangente do poder, que perceba suas
diferentes dimensões e mantenha definições claras enriquece a análise de poder no âmbito
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acadêmico, pois permite que sejam percebidas as correlações existentes entre as diferentes
formas em que o poder aparece (IBID). Para eles existem duas dimensões analíticas que
geram as quatro tipologias dispostas acima, os tipos de relações sociais pelas quais o poderfunciona – relações de interação ou relações sociais de constituição –, e a especificidade
das relações sociais pelas quais os efeitos são produzidos – direta ou indireta (IBID).
O primeiro tipo de poder que definem é o Poder Compulsório, “poder como
relações de interação de controle direto por um ator sobre o outro” (IBID, p.5, tradução
nossa). O segundo, Poder Institucional, “o controle que atores exercem indiretamente sobre
relações de interação difusas” (IBID, p.5, tradução nossa). O terceiro, Poder Estrutural,
“constituição das capacidades dos sujeitos em relação estrutural e direta de um para com o
outro” (IBID, p.5, tradução nossa). Por último, o Poder Produtivo, “produção socialmente
difusa da subjetividade em sistemas de significação e sentido” (IBID, p.5, tradução nossa).
Para eles, esta taxonomia responde à pergunta fundamental das problemáticas de poder:
“De que formas os atores podem determinar seu destino, e como essa habilidade é
aprimorada ou limitada pelas relações sociais com outros?” (IBID, p.5, tradução nossa).
Para alinhar estes termos com o que foi apresentado por Van der Westhuizen e
Swart (2011), Olins (2005), Behnken (2010) e Sassen (2000), deve-se explorar o conceito
de Poder Produtivo (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005), pois é nesta vertente do poder que
podemos associar ao projeto de exposição da imagem da nação brasileira tanto interna
quanto externamente. Para Barnett e Duvall (2005), para que se entenda o poder produtivo,
deve-se “focar em como processos sociais difusos e contingentes produzem tipos
particulares de assuntos, significados fixos e categorias, e criam o que é tomado como
verdade” (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005, p.19, tradução nossa).
Lula, ao discursar após o Rio ter sido escolhido como sede das Olimpíadas, nos
remete à criação de poder produtivo (IBID) por parte do Brasil ao dizer que a conquista
representou a oportunidade do país de “mostrar a capacidade deste país de fazer uma
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Olimpíada” (SILVA, L, 2009). Similarmente, Van der Westhuizen e Swart (2011), indicam a
criação de poder produtivo (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005) no processo de recepção de
um megaevento esportivo, “as elites do Estado justificam o grande custo de sediar o eventocom base no seu potencial de „exportar‟ o país e de „colocá-lo no mapa mundial‟” (VAN DER
WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011, p.169, tradução nossa). Da mesma maneira, Olins
(2005) informa uma das formas de criação de poder produtivo (BARNETT, M; DUVALL, R,
2005) por parte de um país, “A alternativa para os países é a de se vender, diferenciando -se
como marcas de consumo – enfatizando sua arte, cultura, história, comida, arquitetura,
paisagem e outras características singulares por meio de imagens sofisticadas” (OLINS, W,
2005, p.175, tradução nossa). Similarmente, podemos identificar a criação de poder
produtivo com relação à cidade do Rio de Janeiro, como denota Ribeiro apud Behnken
(2010), “construindo uma política de imagens que pretende mostrar ao mundo dos analistas
de riscos que já passou a era da cidade-problema, da cidade-violência, da cidade-
degradação ambiental. Entramos agora no ciclo da cidade-negócio” (RIBEIRO, L, 1996,
APUD. BEHNKEN, L, 2010, p.58).
A dimensão do projeto brasileiro que é voltada para as questões internas também
revela a criação de poder produtivo (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005) como demonstram os
autores, “as nações sempre tentaram criar e modular suas reputações para criar lealdade
coerência domésticas” (OLINS, W, 2005, p.170, tradução nossa); “Internamente o poder de
marketing se refere à tentativa por parte das elites do Estado de alavancar sua legitimidade
política, reforçar o senso de identidade nacional” (WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011, p.3,
tradução nossa). Para o caso da cidade do Rio de Janeiro, temos a declaração de Lula
(2009), “Foi o Rio de Janeiro que ganhou de Chicago, de Madri e de Tóquio (...) O Rio de
Janeiro tem um diferença, tem alma, tem coração” (SILVA, L, 2009).
Todas essas associações são possíveis já que atendem aos requisitos básicos
que Barnett e Duvall (2005) colocam para a verificação da existência de poder produtivo que
são as relações sociais difusas – pois o país tenta atingir o máximo possível de receptores,
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interna e externamente – e relações sociais de constituição, já que o Estado visa gerar
alterações na sua identidade – assim como na imagem da cidade do Rio de Janeiro - ou, de
acordo com Olins (2005) na sua marca e, ainda, tenta alavancar a legitimidade interna(WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011). Enquadra-se, assim, parte das consequências
políticas da realização dos megaeventos esportivos no Brasil no conceito de Poder
Produtivo (BARNETT, M; DURVALL, R, 2005).
5.5. Reflexões Críticas das Repercussões Políticas
Já foi evidenciado que os megaeventos esportivos oferecem uma oportunidade
única para que políticos mal intencionados possam se utilizar do aparato do Estado para
engendrar benefícios pessoais ou conquistar influência política que, nas palavras de Milton
Santos (2001), são preocupações menores e imediatistas, que não exprimem visão de
conjunto. Essas questões exercem grande influência sobre o processo de privatização do
público (BOBBIO, N, 2009) no âmbito nacional. Além dessas, existem outras que são
indissociáveis do projeto brasileiro de exposição de sua imagem e do Rio de Janeiro pormeio dos megaeventos esportivos.
5.5.1 Hipocrisia
Anteriormente foi indicado que o governo utiliza o argumento econômico para
justificar a candidatura e realização de um megaevento esportivo, argumento esse que
carece de evidências concretas (PLESSIS, S; VENTER, C, 2010; PLESSIS, S; MAENNIG,W, 2007; HAGN, F; MAENNIG, W, 2007). No entanto, nesta temática residem questões
morais e éticas que ainda não foram explicitadas, pois intencionalmente o governo produz
um discurso que não reflete a realidade com vistas a conquistar apoio do povo para um
projeto político incerto. Ao comentar a incoerência de tal prática por parte de um governo
democrático, Behnken (2010) discorre,
É com a intensa difusão de tais predicados que se dá a construção do consenso sobre acandidatura a um megaevento esportivo. O processo de convencimento da opinião
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pública se utiliza de figuras da mídia ou lideranças sociais para atuar como relaçõespúblicas (BEHNKEN, L, 2010, p.42, grifo nosso).
O convencimento, termo destacado da passagem anterior, tem conotação pejorativa
para o autor, isto fica mais óbvio ao compararmos aos comentários do autor sobre o ponto
moral, relativo à construção da cidade global do Rio de Janeiro, que no texto do mesmo
estão intimamente relacionados, “A cidade global aposta na sua sedução em promover o
orgulho da cidade através do engajamento de seus habitantes, a despeito do agravamento
das condições sociais que o processo por fim pode acarretar” (BEHNKEN, L, 2010, p.27,
grifo nosso). O termo sedução, grifado na passagem anterior, traduz perfeitamente a
conotação pejorativa que o autor possui sobre os referidos processos. Assim, tenta se criar
a ideia de que uma decisão tomada por poucas pessoas fora a decisão do povo entendendo
o que é o melhor para o povo, sobre isso o autor ilustra,
Cabe ao governo local a promoção interna à cidade para dotar seus habitantes depatriotismo cívico, de sentido de pertencimento, de vontade coletiva de participação ede confiança e crença no futuro da urbe. Esta promoção interna deve apoiar-se emobras e serviços visíveis, tanto os que têm um caráter monumental e simbólico comoos dirigidos a melhorar a qualidade dos espaços públicos e o bem-estar da população
(CASTELLS, M; BORJA, J, APUD. BEHNKEN, L, 2010, p.26).
O comentário anterior encaixa-se perfeitamente tanto no caso do Rio de Janeiro,
quanto no da realização dos megaeventos, sobre os quais existe uma argumentação
econômica que é referendada por portentosos investimentos em infraestrutura e arenas
esportivas monumentais. No entanto, apesar da natureza democrática do governo brasileiro,
a decisão fora tomada por poucos indivíduos pertencentes à elite política nacional e carioca,
Behnken (2010) reforça esta ideia ao comentar,
Se se toma a experiência do Rio de Janeiro, em que um consórcio empresarial eassociações patronais, em parceria com a Prefeitura, conduziram o processo demaneira absolutamente autoritária e fechada à participação de segmentos deescassa relevância estratégica, talvez se devesse falar de democracia direta daburguesia. Numa outra direção, poder-se-ia enfatizar a passagem do despotismotecno-burocrático com pretensões racionalistas para a ditadura gerencial compretensões a produtivizar a cidade e os cidadãos (VAINER, C, APUD. BEHNKEN,L ,2010, p.63-64).
Levando isso em consideração, temos uma decisão autoritária, tomada por poucos
sujeitos pertencentes às elites políticas que visam expandir a imagem do Brasil e do Rio de
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Janeiro no exterior (BEHNKEN, L, 2010). No entanto, como o tipo de governo no Brasil é a
Democracia, assistimos a um processo de sedução, encantamento e convencimento da
população baseado numa argumentação econômica que possui poucas evidênciasconcretas de que seja real, para que uma pequena parcela da sociedade conquiste sua
vantagem estratégica (LYNCH, M, 2008). Esta dinâmica é definida por Marc Lynch (2008),
como “hipocrisia”,
Defino hipocrisia como uma posição moral intencionalmente enganadora.Diferentemente da mentira (definida simplesmente como exposição falsa intencional),hipocrisia sempre contém um limite moral explicito. A análise da hipocrisia énecessariamente bifacetada: por um lado, mostrar como os atores foram hipócritas em
sua retórica; por outro lado, mostrar como os atores jogaram um característico jogo de“hipocrisia”, usando retórica moral, e demandando que outros aceitassem sua própria
retórica moral, para obter vantagem estratégica (LYNCH, M, 2008, p.170, traduçãonossa).
Constata-se, portanto, que a utilização do argumento econômico, por parte do
governo, para justificar a realização dos megaeventos esportivos no Brasil é um artificio
hipócrita, nos termos de Lynch (2008), pois o processo de convencimento e sedução
apontado por Behnken (2010) é exatamente o jogo hipócrita ao qual Lynch (2008) se refere,
pois tenta criar uma sensação de pertencimento à decisão por parte da sociedade
(BEHNKEN, L, 2010) que não é verdadeira e é utilizada para que as elites políticas possam
obter vantagem estratégica deste sentimento (LYNCH, M, 2008).
Por fim, deve-se levar em conta que a real motivação para que o Estado brasileiro se
engaje neste processo hipócrita (LYNCH, M, 2008) de convencimento e sedução da
população (BEHNKEN, L, 2010) advém das imposições às quais a FIFA e o COI
condicionam a liberação da realização dos eventos em território brasileiro. Na visão de
alguns autores como Plessis e Maennig (2007) e Van der Westhuizen e Swart (2011) essas
imposições servem apenas aos interesses destas instituições, pois criam condições de
melhores parcerias comerciais. Percebemos, portanto, que os governantes brasileiros
permitem uma quebra de soberania westfaliana (KRASNER, S, 1999) e executam um jogo
hipócrita (LYNCH, M, 2008) para seduzir e convencer a sociedade quanto a estes eventos
(BEHNKEN, L, 2010) e o fazem para permitir que as instituições responsáveis pelos eventos
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consigam aferir seus lucros – e, para tal, gastam um enorme montante de recursos públicos
-, num nítido processo de privatização do público (BOBBIO, N, 2009).
5.5.2 Produção de Desequilíbrios
Ao criticar as dinâmicas da globalização, Milton Santos (2001) as relaciona à
“produção sem contrapartida de desequilíbrios e distorções naturais, acarretando mais
fragmentação e desigualdade, tanto mais graves quanto mais abertos e obedientes se
mostrem os países” (SANTOS, M, 2001, p.155). Efeitos similares são apontados por autores
tanto quando da candidatura a um megaevento esportivo quanto da execução de um projeto
de construção de uma cidade global. Van der Westhuizen e Swart (2011) o fazem ao criticar
a priorização dos gastos com o evento em detrimento de necessidades mais “mundanas” , o
que remete à crítica econômica do efeito crowding-out. Sendo assim, os autores concordam,
em parte, com Milton Santos (2001) ao afirmarem que estes gastos não mitigam situações
de desigualdade social e econômica, mas não chegam a afirmar que estes reforçam as
mesmas.
Behnken (2010) é mais contundente ao comentar sobre o pan-americano de 2007 no
Rio de Janeiro e o projeto de construção do Rio como cidade global – processos que este
autor entende serem muito similares e sobrepostos,
A escolha do bairro Barra da Tijuca para concentrar a maioria das instalações não foi justificada por argumentos técnicos, porém não foi aleatória nem desconexa à históriaurbana carioca. O estudo de Abreu (2006, p.134-135) acerca da seleção geográficados governantes para os investimentos públicos aponta para: “a a ção preferencial doEstado nas zonas mais ricas da cidade [que, por conseguinte]… Levou a um processo
intenso de especulação imobiliária que… determinou a expansão da parte rica da
cidade em direção a São Conrado e Barra da Tijuca” na tentativa, inútil, de fugir daconvivência com os pobres (BEHNKEN,L, 2010, p.78) (...) A reprodução destesprocessos tradicionais para a ocupação do território, na economia e na políticaestão contra os propósitos de uma sociedade bem ordenada, justa e estável, ouseja, não aliviam o sofrimento e a dificuldade dos pobres, não diminuem a distânciaentre ricos e pobres, não promove a eliminação do estigma dos menosfavorecidos, não promovem a eliminação de processos ou formas desociabilidade injustas e não promovem uma equidade no processo político, emverdade, a reprodução destes processos tradicionais no espaço metropolitanopromoverá possivelmente o aumento dos processos de segregação e de exclusãosocial dentro da cidade (SILVA, C, 2005, APUD. BEHNKEN, L, 2010, p.79).
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O projeto de transformação do Rio em cidade global é criticado sob as mesmas
bases,
Ao promover a ideia de que é importante para a cidade tornar-se uma cidadeglobal, as elites, principalmente as imobiliárias e de telecomunicações, juntamentecom os governos local, regional e nacional, se articulam para garantir adestinação de recursos públicos em obras nos espaços de expansão do capital.Tal movimentação possibilita o redirecionamento de recursos que poderiam serdestinados a políticas mais urgentes para as camadas mais pobres. Porém, essapreocupação não está na agenda da cidade global (BEHNKEN, L, 2010, p.22) (...) Aperversidade desse urbanismo de marketing está no tratamento secundário tanto doespaço físico restante, quanto da população de baixa renda considerada como entornosocial (BEHNKEN, L, 2010, p.24).
As criticas do autor são destinadas às desigualdades criadas por esses movimentos
que visam inserir o Brasil nos processos de globalização, como já havia evidenciado Milton
Santos (2001). Essa consequência é bidirecional, pois gera desigualdades dentro das
cidades e entre as cidades do Brasil. Deve-se conceber que tanto o Rio de Janeiro – que
será a cidade-sede das Olimpíadas de 2016 e sede da final da Copa do Mundo de 2014 –
quanto as demais cidades-sede da Copa são as localizações com a maior concentração de
renda do país, embora sejam muito desiguais internamente. Milton Santos (2001) nos ajuda
a entender e classificar estes segmentos muito diferentes da sociedade brasileira ao
classifica-las como nação ativa e nação passiva,
A nação chamada passiva é constituída pela grossa maior parte da população e daeconomia, aqueles que apenas participam de modo residual do mercado global oucujas atividades conseguem sobreviver à sua margem, sem, todavia, entrar cabalmentena contabilidade pública ou nas estatísticas oficiais (SANTOS, M, 2001, p.157).
A classificação de Milton Santos (2001) de nação passiva é feita de forma negativa,
no sentido de ser aquela parte da população que não participa diretamente da economia
globalizada. Essa classificação pode ser estendida tanto aquelas cidades que não foram
escolhidas – salvo algumas exceções de cidades ricas no interior e litoral - e, portanto, não
receberam investimentos federais relativos aos megaeventos, como também àquela parcela
da população carioca que não se beneficiará do projeto de transformação do Rio em cidade
global, como destaca Behnken (2010). Sassen (2000) dá o mesmo tom à sua crítica,
discriminando as desigualdades geradas internamente e entre as cidades que são ou não
transformadas em centros globais,
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A ascendência das indústrias de informações e o crescimento da economia global,ambos intrinsecamente ligados, contribuíram para o surgimento de uma novageografia de centralidade e marginalidade. Essa nova geografia reproduz, em partes,desigualdades existentes, mas também é o resultado de uma dinâmica especifica dasformas correntes de crescimento econômico (SASSEN, S, 2000, p.4) (...) Cidades
globais acumulam imensas concentrações de poder econômico enquanto aquelascidades que antes eram grandes centros de manufatura sofrem com o declínio; Ocentro das cidades e os centros de negócios em áreas metropolitanas recebeminvestimentos massivos em imóveis e telecomunicações enquanto áreasmetropolitanas e urbanas de baixa renda estão desesperadas por recursos;trabalhadores altamente educados no setor corporativo veem seus salários aumentarempara níveis surpreendentes enquanto trabalhadores de média ou baixa especializaçãoveem seus salários afundarem. Serviços financeiros produzem super-lucros enquantoserviços industriais mal sobrevivem (SASSEN, S, 2000, p.4) (...) Ao mesmo tempo,tem havido uma crescente desigualdade na concentração de recursos estratégicos eatividades entre cada uma dessas cidades e as demais cidades no mesmo país. Aolongo dessas novas hierarquias globais e regionais entre as cidades tem um vastoterritório que tem se tornado periférico, cada vez mais excluído das principais
processos econômicos que são vistos como combustíveis do crescimento econômicona nova economia global (SASSEN, S, 2000, p.4).
A autora critica o reforço das desigualdades existentes por conta desses processos e
vai mais além, indicando que está se criando uma nova geografia de centros e periferias que
trazem consigo uma série de novas dinâmicas de desigualdade, como revela o trecho,
Nós podemos pensar nesses desenvolvimentos como constituintes de novas geografiasde centralidade e marginalidade que cortam através da antiga divisão países
pobres/ricos, e novas geografias de marginalidade que se tornaram muito evidentesnão somente no mundo menos desenvolvido, como também dentro de paísesaltamente desenvolvidos. Dentro de grandes cidades em ambos os mundosdesenvolvidos e subdesenvolvidos nós vemos uma nova geografia de centros emargens que não somente reforçam desigualdades existentes como movimentam umasérie de novas dinâmicas de desigualdade (SASSEN, S, 2000, p.7).
Nesse diapasão, vemos que os megaeventos esportivos não são vetores de uma
distribuição de renda igualitária, favorecendo uma parte da nação, aquela que Milton Santos
(2001) chama de nação ativa, enquanto desfavorece a nação passiva, pois reforça
desigualdades já existentes e cria novas dinâmicas de desigualdade, especialmente entre
aquelas cidades que pertencem ou não à nação ativa (SASSEN, S, 2000).
5.5.3. Megaeventos Esportivos como Vetores de Poder Estrutural
A reflexão crítica acerca das desigualdades geradas pode ser ampliada se tomarmos
como base, novamente, as concepções de poder de Barnett e Duvall (2005) para
contextualizar a questão em termos de poder. Será de grande utilidade o conceito de poder
estrutural (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005) que categoriza com clareza as relações de
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poder que são alteradas e entendidas como negativas, i.e, o reforço das desigualdades
sociais entre a nação ativa e a nação passiva (SANTOS, M, 2001). A definição dada pelos
autores para poder estrutural é “constituição das capacidades dos sujeitos em relaçãoestrutural e direta de um para com o outro” (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005, p.5, tradução
nossa). O poder estrutural é pertinente às relações sociais de constituição e de relação
direta entre atores e determina as capacidades e interesses sociais (BARNETT, M;
DUVALL, R, 2005). A concepção de estrutura dada por essa dimensão de poder é, segundo
os autores,
Uma relação interna – i.e, uma relação de constituição direta no sentido de que aposição estrutural, A, só existe em função de sua relação com a posição estrutural, B(...) Por essa perspectiva, os entes sociais que são mutuamente constituídos são diretae internamente relacionados; i.e, as capacidades, subjetividades, e interesses sociaisdos atores são diretamente moldados pelas posições sociais que ocupam (BARNETT,M; DUVALL, R, 2005, p.15, tradução nossa).
O poder estrutural (IBID) é o grande vetor de geração de desigualdades sociais e
também de reforça das situações desiguais, pois, nas palavras dos autores, “o poder
estrutural pode funcionar de modo a constranger alguns atores de reconhecer sua própria
dominação” (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005, p.15, tradução nossa). Concebem que o
poder estrutural define as condições e os destinos dos atores de duas formas,
Primeiramente, posições estruturais não necessariamente geram privilégios sociaisigualitários; ao contrário, estruturas alocam capacidades diferenciadas, e normalmentevantagens diferenciadas, para posições diferentes (...) Depois, a estrutura social nãoapenas constitui os atores e suas capacidades, ela também define seus autoentendimentos e interesses subjetivos. A consequência é que as estruturas quedistribuem privilégios assimétricos também afetam os interesses dos atores,
geralmente tentando-os a “aceitar seu papel na ordem das coisas atual” (IBID, p.15,tradução nossa).
Pode-se entender a produção de poder estrutural (IBID) no caso estudado tanto
como um resíduo negativo e indesejável ou como uma política implícita e intencional, que
visa reforçar as desigualdades de forma a manter o status quo entre nação ativa e passiva
(SANTOS, M, 2001). Considerando a perspectiva de Behnken (2010) temos que a produção
de poder estrutural (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005) é intencional e promovida pelas elites
políticas – neste caso a elite política carioca – como deixa claro,
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Ao promover a ideia de que é importante para a cidade tornar-se uma cidadeglobal, as elites, principalmente as imobiliárias e de telecomunicações, juntamentecom os governos local, regional e nacional, se articulam para garantir adestinação de recursos públicos em obras nos espaços de expansão do capital.Tal movimentação possibilita o redirecionamento de recursos que poderiam ser
destinados a políticas mais urgentes para as camadas mais pobres. Porém, essapreocupação não está na agenda da cidade global (BEHNKEN, L, 2010, p.22) (...) Aperversidade desse urbanismo de marketing está no tratamento secundário tanto doespaço físico restante, quanto da população de baixa renda considerada como entornosocial (BEHNKEN, L, 2010, p.24).
Sassen (2001), não deixa claro se considera o engendramento de poder estrutural
decorrente da transformação uma cidade em cidade global como uma política intencional,
mas destaca a formação desse ao esclarecer os pontos sobre a criação de geografias de
centralidade e marginalidade que reforçam as desigualdades existentes e criam dinâmicasinéditas, em outros termos, reforçam as estruturas atuais de desigualdade entre posições A
e B e geram novas posições desiguais em novas estruturas (BARNETT, M; DUVALL, R,
2005).
Dessa reflexão crítica podemos inferir que o Estado brasileiro dispende vultosos
recursos públicos – que são impostos pelas instituições privadas FIFA e COI – para
empenhar um projeto de transformação da imagem que traz – como resíduo negativo ou
política intencional – consigo o reforço das desigualdades entre a nação passiva e a nação
ativa (SANTOS, M, 2001) e cria novas dinâmicas de desigualdade (SASSEN, S, 2000), ou
seja, reforça as estruturas desiguais existentes e cria novas estruturas desiguais traduzindo
um vetor de poder estrutural (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005).
Conclusão
São ilimitados os pontos de vista relativos às consequências dos megaeventos
esportivos nas dimensões política, econômica, social, ambiental e assim por diante. Tentou-
se aqui realizar uma análise multidimensional, com a intenção de avaliar os megaeventos
esportivos pela ótica das Relações Internacionais. Para tal, foi essencial a perspectiva dos
níveis de análise, pela qual identificamos que a realização dos megaeventos esportivos é,
para as dinâmicas de Relações Internacionais, um processo (BUZAN, B, 2009). A procura
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por entender este motivou às indagações quanto às consequências do mesmo e quanto à
natureza dessa relação.
O primeiro ponto a ser destacado é que, apesar da negativa do governo, a realização
dos megaeventos esportivos revela uma quebra de soberania. Para atestar tal condição,
utilizou-se a tipologia de Krasner (1999) que possui grande vantagem em termos de
simplicidade e escopo se comparada a outras visões sobre a Soberania. O autor nos indica
quatro tipos de soberania, das quais destacamos que a soberania westfaliana é a mais
afetada pelos megaeventos esportivos, pois entidades externas influenciam nas políticas
internas dos Estados (KRASNER, S, 1999).
Foi destacado que esta quebra de soberania só ocorre porque as entidades privadas
COI e FIFA – que são responsáveis pela realização das Olimpíadas e Copa do Mundo,
respectivamente – precisam que os governos garantam algumas condições para que o
evento seja lucrativo para elas e seus parceiros corporativos (PLESSIS, S; VENTER, C,
2010). Isso nos remete à complicada questão da dicotomia público/privado (BOBBIO, N,2009), uma vez que os Estados deixam de investir em necessidades mundanas
(WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011) e utilizam um volume considerável de recursos
públicos para efetuar as garantias exigidas.
Foi discriminado o argumento econômico utilizado pelo governo brasileiro para
justificar a realização dos megaeventos esportivos e, consequentemente, a enorme
quantidade de recursos públicos destinados a esta. Após a análise dos impactos
macroeconômicos em países sede de megaeventos recentes e as avaliações de diversos
autores como Plessis e Venter (2010); Plessis e Maennig (2007); Hagn e Maennig (2007),
concluiu-se que, até o momento, não existem evidências de impactos econômicos diretos e
benéficos para a nação sede de um megaevento esportivo. Esta situação gera ainda mais
pressão sobre dicotomia público/privado (BOBBIO, N, 2009), pois se torna difícil justificar o
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dispêndio de recursos públicos como vetores de desenvolvimento econômico – que é o
argumento oficial.
Finalmente, foram avaliadas as consequências políticas dos megaeventos esportivos
no Brasil, podendo ser sumarizados pela criação, por um lado, de Poder Produtivo
(BARNETT, M; DUVALL, R, 2005), com o objetivo de promover e mudar a imagem (ou
marca) do Brasil e da Cidade do Rio de Janeiro no exterior (WESTHUIZEN, J; SWART, K,
2011; OLINS, W, 2005), e, por outro lado, de Poder Estrutural (BARNETT, M; DUVALL, R,
2005), pois os megaeventos esportivos e o projeto de transformação do Rio de Janeiro em
cidade global reforçam as estruturas desiguais existentes e criam novas dinâmicas de
desigualdade, impondo novas estruturas desiguais (BEHNKEN, L, 2010; SASSEN, S, 2000;
BARNETT, M; DUVALL, R, 2005).
Krasner (1999) afirma que para um Estado abrir mão, voluntariamente, de parte de
sua soberania frente a uma entidade externa, pela via do contrato, este deve esperar a
concretização de uma situação Pareto-Ótima. Foi estipulada dicotomia público/privado(BOBBIO, N, 2009) como parâmetro para que se identifique ou não a existência de uma
relação Pareto-ótima entre o Brasil e COI e Brasil e FIFA. São muitos os argumentos que
apontam para a existência de um processo de privatização do público (IBID), como
podemos inferir das afirmativas de Behnken (2010) quanto ao Pan-Americano de 2007,
Já as instalações não-esportivas também ficaram sob a administração privada, ou seja,
todos os recursos públicos empregados neste conjunto de equipamentos urbanos paraa realização do megaevento foram incorporados a bens de usufruto particular .Portanto, a participação estatal na criação de infraestrutura, especialmente asinstalações esportivas, para o Pan/2007 objetivou criar condições de favorecimento àlucratividade do capital privado (BEHNKEN, L, 2010, p.94).
Além disso, deve-se reiterar que boa parte dos recursos públicos investidos só o é
por conta das imposições das entidades responsáveis pelos eventos – que são entidades
privadas – para que possam criar condições de lucro próprio e para seus parceiros
corporativos. Temos, então, a privatização do público (BOBBIO, N, 2009) por duas vias
sendo uma destinada às entidades privadas externas e outras às entidades privadas
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internas que se relacionam diretamente com o processo. Behnken (2010) referenda a
inexistência de uma motivação racional para tal relação,
O volume e a composição do gasto estatal no megaevento não foram determinadosatravés de formulações racionais, elaboradas pelos organizadores e governantes nointeresse da coletividade. Ao contrário, foram as classes dominantes locais eesportivas, dotadas de forte poder de pressão política, que definiram a destinação dasverbas públicas em seu benefício (BEHNKEN, L, 2010, p.96).
Um contraponto importante a ser feito é que não só por interesses privados foi
movida a candidatura brasileira à realização dos megaeventos, existe também o projeto –
explicito e implícito – de expansão da imagem (OLINS, W, 2005) do Brasil e do Rio de
Janeiro no exterior, que é um vetor de Poder Produtivo (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005)
do Estado. Como apresentando anteriormente, esse projeto traz consigo a criação de Poder
Estrutural (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005) que reforça as desigualdades entre a nação
ativa e passiva (SANTOS, M, 2001) além de engendrar novas dinâmicas de desigualdade
(SASSEN, S, 2000), o que exerce, novamente, pressão sobre a dicotomia público/privado,
pois o bem comum não é alçado como objetivo final do projeto oficial (BOBBIO, N, 2009).
Além disso, observa-se que, a priori, o projeto que cria tanto Poder Produtivo quanto
Poder Estrutural (BARNETT, M; DUVALL, R, 2005) custará R$ 45 bilhões aos cofres
públicos. Se avaliarmos por uma perspectiva do custo de oportunidade do projeto, além do
efeito crowding-out (PLESSIS, S; VENTER, C, 2010; WESTHUIZEN, J; SWART, K, 2011),
temos que outras políticas públicas poderiam ser pensadas de forma a diminuir os custos
em termos monetários e sociais – neste caso mitigando os impactos das desigualdades
geradas.
Apesar de não ser o escopo do trabalho, algumas alternativas à realização dos
megaeventos esportivos como vetores de poder produtivo (BARNETT, M; DUVALL, R,
2005) podem ser apontadas para fins de ilustração do argumento. Olins (2005) afirma que
um projeto de branding nacional requer três áreas de atuação, “Exportação da marca,
investimento externo direto e turismo, suportado por um programa cultural, esportivo e
comercial e todos associados com influência política – diplomacia pública de fato” (OLINS,
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W, 2005, p.175, tradução nossa). Mervyn Frost (2009), por sua vez, indica uma
possibilidade de situação Pareto-ótima entre Estados e instituições externas que pode,
acima de tudo, ajudar a mitigar as desigualdades internas,
Estados soberanos possuem governos que podem, por meio de ação deliberada,remediar alguns problemas encontrados na sociedade civil. O governo pode fazercoisas para atenuar a competição endêmica, a alienação provocada pela operação dasociedade civil com o tempo. Governos podem fazer isto dentro de seu próprioterritório, mas podem também, agindo em conjunto, atingir um resultado semelhantepela arena internacional ao criar instituições internacionais. (FROST, M, 2009, p.106,tradução nossa).
Por fim, é essencial destacar que a realização dos megaeventos esportivos no Brasil
em 2014 e 2016 (além da Copa das Confederações em 2013) já foi determinada e iráocorrer – embora não possam ser consideradas situações Pareto-ótimas pelo prisma da
dicotomia público/privado (BOBBIO, N, 2009) -, com as preparações já tendo sido iniciadas.
A perspectiva que resta, portanto, é identificar maneiras de diminuir o custo relativo e
ampliar a projeção do país com os eventos. Westhuizen e Swart (2011) afirmam que os
megaeventos esportivos representam também um risco para o país sede, uma vez que
podem ocorrer fracassos ou imprevistos e a consequente exposição de uma imagem
negativa ou desorganizada do país. Behnken (2010) comenta o caso particular de Barcelona
e o vê como positivo, indicando que a maior razão para isso fora,
O projeto Olímpico de Barcelona, a despeito de ter sido influenciado pelos aspectosmercadológicos e articulado a interesses privados, não se subordinou completamente aessa lógica. Pelo contrário, realizou a façanha de conjugar a natureza e exigências dosJogos com os objetivos fundamentais da gestão urbana, orientada por um plano diretorgerado no contexto da redemocratização espanhola (BEHNKEN, L, 2010, p.41).
Além disso, Behnken (2010) afirma que no caso brasileiro existe pouca discussão
crítica tanto sobre este caso especifico quanto sobre o poder desproporcional das entidades
esportivas internacionais possuem e exercem sobre os Estados. Westhuizen e Swart (2011)
também destacam este ponto e remetem à criação de trabalhos críticos sobre esta relação.
A dimensão crítica é essencial para que o povo brasileiro passe por um processo de
aprendizado após a execução desses eventos, que são enormes pela sua natureza e pelasconsequências que trazem às nações por onde passam.
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