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Monografia Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Camelôs no Sindicato: etnografia de um conflito no universo do trabalho Aluno: Camilo Albuquerque de Braz. Orientador: Omar Ribeiro Thomaz.

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Monografia

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Camelôs no Sindicato:

etnografia de um conflito no universo do trabalho

Aluno: Camilo Albuquerque de Braz.

Orientador: Omar Ribeiro Thomaz.

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1 – Introdução

Esta monografia é fruto de um projeto de Iniciação Científica (processo Fapesp 01/13165-0),

que visava estudar, à luz da antropologia, questões concernentes ao universo do trabalho dito

“informal”, tendo como foco de interesse empírico o Sindicato dos Trabalhadores da Economia

Informal de Campinas (Steic). A partir de uma abordagem de caráter qualitativo, envolvendo

observação participante no sindicato e no local de trabalho dos “camelôs” que atuam na área próxima

ao Terminal Central de ônibus urbanos de Campinas, entrevistas com membros do sindicato e com

trabalhadores, além de levantamento documental no sindicato, na Prefeitura e na imprensa local sobre a

constituição deste grupo, do sindicato e a história das suas relações de alteridade, buscou-se

compreender quais os motivos que levam à existência de um sindicato de trabalhadores informais, a

partir de suas próprias definições e representações, como se dá o funcionamento do sindicato e como as

questões e problemas enfrentados por esses trabalhadores em seu cotidiano são resolvidos, analisar o

tipo de relação estabelecida entre o sindicato e o Poder Público, as relações com o comércio

estabelecido no local e compreender quais as concepções dos membros do sindicato e dos demais

comerciantes informais acerca da atual situação de trabalho (emprego, desemprego, etc.) no país, e

como representam a si próprios enquanto excluídos do mercado de trabalho formal, além de obter suas

expectativas quanto ao futuro.

Nesta monografia, pretendo apresentar os resultados obtidos ao longo dessa pesquisa: com

relação às observações do “campo”, serão tecidos alguns comentários de ordem analítica. Começo,

contudo, com uma apresentação de parte da bibliografia antropológica existente sobre o universo do

trabalho, seguida de uma apresentação de parte da história dos trabalhadores, sobretudo urbanos, em

Campinas, elaborada a partir da leitura de algumas monografias existentes a respeito da história da

cidade. Apresento também uma discussão preliminar acerca do conceito de informalidade, tendo como

base alguns trabalhos sociológicos e econômicos que enfrentam a temática da economia informal.

Trago ainda o resultado da coleta de trajetórias profissionais junto a alguns dos sujeitos interlocutores

dessa pesquisa. Por fim, tento comentar o impacto das matérias veiculadas na mídia escrita local no

cotidiano desses trabalhadores. Como anexo, apresento um pequeno dossiê das matérias que pude

coletar ao longo da pesquisa.

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2 – Progressos realizados e resultados obtidos

2.1 – Discussão teórico-metodológica: para uma antropologia do trabalho

Um dos fatores que singularizam esta pesquisa talvez seja que nela o que se propõe é estudar, a

partir de uma perspectiva antropológica e qualitativa, questões concernentes ao universo do trabalho,

cuja tradição de pesquisas, sem estar ausente no campo antropológico, consolidou-se, em grande

medida, entre os sociólogos e economistas. Constitui-se, assim, como um dos objetivos mais gerais

contribuir para aquecer uma discussão teórico-metodológica com respeito à questão do trabalho – tendo

em vista um certo refluxo dos estudos antropológicos acerca deste tema, nos últimos anos.

Dessa forma, iniciamos essa monografia pela leitura de alguns trabalhos clássicos e caros ao

pensamento social no Brasil, que procuraram estudar o universo do trabalho a partir de uma perspectiva

antropológica. O intuito aqui, ao tentar perceber como alguns autores estudaram essa temática e quais

os pressupostos teóricos e metodológicos de que se utilizaram, é duplo: por um lado, tentar mostrar

como uma análise antropológica do universo do trabalho é possível e rica e, por outro, apreender como

esses autores nos ensinam a executá-la.

Em 1972, Maria Rosilene Barbosa Alvim defendeu sua dissertação de mestrado no Museu

Nacional, no Rio de Janeiro. Seu trabalho se insere numa vigorosa tradição que se instalava, naquele

período, entre jovens antropólogos cariocas, de estudar o(s) universo(s) do trabalho. Dessa forma, a

autora, a partir de um estudo de caso – pesquisa junto aos ourives de Juazeiro do Norte, no Ceará –, se

propõe a ver, pelas representações dos trabalhadores da “arte do ouro”, como eles se definem dentro da

atividade econômica em que estão inseridos (Alvim, 1972). Entrevistas com roteiro pré-definido e

observação participante são as técnicas de pesquisa utilizadas para apreender, a partir das categorias do

discurso dos trabalhadores, suas representações (que encerram valores, informações) e qual a visão que

os agentes produtivos têm de sua prática econômica. Seu objetivo era partir das representações para

chegar às relações entre elas – uma etnografia densa de uma prática econômica através das

representações dos agentes que nela se inserem, buscando enxergar de onde partem as categorias que

formam o sistema de representações e qual o elo que as explica. O propósito da autora era a análise das

contradições apontadas pelo trabalhador, como ele se representa enquanto vendedor de sua força de

trabalho e possuidor do controle dos meios de trabalho – no limite, como dá conta de sua situação

ambígua ou transitória. Mais do que isso, Alvim parte de suas representações a fim de preencher as

lacunas que enxerga nos dados quantitativos a respeito desse universo de trabalho. Para alcançar seus

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objetivos, a autora descreve esse universo densamente e, a partir de sua observação e das categorias dos

trabalhadores, procura explicar sua diferenciação interna, seus anseios, seus conflitos. A base do seu

trabalho é a idéia de que “o discurso dos operários está completamente envolvido com os meios de

trabalho, o objeto de trabalho e o produto” (ibid.: 86). Os relatos orais de antigos ourives permitem

ainda reconstituir a história dessa prática de trabalho e revelam como os trabalhadores aspiram a

superação da contradição de serem os possuidores dos meios de trabalho – são “artistas” –, mas

vendedores de sua força de trabalho.

Na mesma direção, vai o estudo de caso de José Sérgio Leite Lopes sobre os operários das

usinas de açúcar de Pernambuco, pesquisa apresentada também como dissertação de mestrado no

Museu Nacional, no início da década de 70 (Lopes, 1978). Seu objetivo é a descrição do trabalho dos

operários do açúcar através de seu pensamento a respeito de sua prática econômica. Suas

representações, categorias de pensamento e modelos de comportamento do grupo social estudado se

aliam à observação direta: “assim, nos preocuparemos aqui em analisar as representações e

comportamentos dos operários do açúcar a respeito do seu trabalho, de sua prática econômica” (Ibid.:

07). A partir disso, o autor procura enxergar a reinterpretação que os operários fazem de categorias e

práticas impostas a esses trabalhadores, inclusive na esfera de produção. Nos três primeiros capítulos,

Lopes procura analisar a visão dos operários do açúcar sobre o processo produtivo da usina, sobre a

cooperação, a jornada de trabalho e as condições de trabalho e, por fim, acerca do salário. O eixo do

seu trabalho são as categorias de pensamento e os modelos de comportamento dos operários para,

segundo o autor, alcançar a construção de “si” diante dos outros grupos de trabalhadores. É interessante

que o autor nos coloca as linhas demarcatórias entre essas categorias como fluidas e situacionais,

analisando a relação desses diferentes grupos com a administração da usina, a fim de perceber suas

hierarquias internas.

Seu procedimento permite compreender como os trabalhadores interpretam a retórica da

administração da usina a respeito do seu trabalho e, assim, busca descrever as conseqüências, para os

operários, de suas condições de trabalho. É central aqui o universo de representações dos trabalhadores

mais velhos sobre a implementação da jornada de trabalho legal, da CLT (que nunca se efetivou nas

usinas, pelo menos para os “operários”) e sobre novas formas de concepção do salário. Trata-se, enfim,

de um trabalho antropológico denso, que busca observar as peculiaridades deste mercado de trabalho

por meio das histórias de vida dos operários, seu dia-a-dia, suas ambições. Segundo Lopes, na história

de vida aparece a visão deles sobre os outros grupos sociais. Assim, o autor analisa as trajetórias sociais

desses indivíduos e busca compreender sua visão acerca de sua condição.

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Enquanto antropólogos vinculados ao Museu Nacional criavam um campo de debate em torno

das transformações do universo de trabalho em zonas de antiga colonização do Nordeste (em particular

a zona da mata em Pernambuco), em São Paulo ganhava corpo estudos antropológicos que

encontravam nas periferias urbanas seus universos empíricos privilegiados. Às pesquisas sobre as

condições de vida dos trabalhadores, sobre o crescimento econômico e o aumento da pobreza e da

desigualdade, sobrepuseram-se aquelas que atentavam para formas alternativas de organização e para

aspectos pouco conhecido da vivência das classes trabalhadoras, tais como aqueles concernentes à

família, ao lazer e a religiosidade.

No prefácio ao estudo de Carmen Cinira Macedo P. de Moraes sobre famílias de operários da

Grande São Paulo, Eunice Durham nos diz que poucos trabalhos “oferecem informações sobre o modo

de vida da população operária, isto é, a maneira pela qual os trabalhadores enfrentam, no dia-a-dia, a

luta pela sobrevivência e os recursos de que lançam mão para tentar construir, dentro dos limites da

exploração econômica e da opressão política, uma existência mais satisfatória para si e para os filhos”

(Moraes, 1985: VII). Logo na introdução desse trabalho, a autora procura mostrar como, ao enfrentar o

estudo das chamadas “sociedades complexas”, o antropólogo se vê desvendando modos de vida

heterogêneos. Mais do que isso, nas sociedades regidas pelo modo de produção capitalista, passa a

iluminar “o modo pelo qual a desigualdade social é produzida e vivida no interior da ordem urbano-

industrial”. Embora nesse estudo de caso a intenção da autora seja compreender de que forma as

famílias de operários organizam sua experiência, é no capítulo IV, “O Mundo do Trabalho”, que

encontramos ensinamentos de como estudar antropologicamente um grupo singular de trabalhadores.

Nele, a autora faz um levantamento das avaliações dos trabalhadores acerca de suas condições de

trabalho e de sua existência enquanto operários e busca analisar o projeto de vida desses indivíduos,

levando em conta que este implica numa interligação entre passado, presente e futuro. Sendo assim, “o

significado do trabalho fabril, para esta população, só poderá ser claramente compreendido se

vinculado às avaliações acerca de sua condição passada” (Ibid.: 77). Para Moraes, “passado, presente e

futuro não são momentos seccionados, mas um conjunto vivenciado, de certa forma, simultaneamente,

construindo-se o significado da condição presente sempre por referência a esse conjunto” (Ibid.: ibid.).

Mais do que isso, o que ela nos diz é que “as avaliações das condições de existência são sempre

comparativas, seja face à de outras pessoas, seja face à própria, em outros momentos do processo da

vida” (Ibid.: ibid.).

Analisando as representações desses trabalhadores, Moraes aponta seu desejo de abandonar a

condição operária, o que se traduz em sua visão do presente e expectativas quanto ao futuro. Além

disso, pela análise de seu discurso conclui que a figura do “operário” se constrói por referência ao

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“patrão”, tido como o “outro”. Segundo a autora, “como algumas pesquisas já o demonstraram, os

operários se definem por atributos próprios e estes se constróem em contradistinção aos das categorias

às quais a prática operária está referida, em que se destaca a figura do patrão” (Ibid.: 83).

Na conclusão, Moraes retoma alguns desses pontos. Destaca-se a importância do trabalho

etnográfico e antropológico no estudo dos diferentes universos de trabalho, partindo das categorias e

representações dos próprios operários para a compreensão desses universos. Segundo a autora, “cumpre

não esquecer que a atividade humana envolve, sempre, o esforço dos homens de construir e integrar

significados que possam dar sentido a sua vida concreta e que esse esforço se traduz em formas de

conceber sua própria inserção na realidade social” (Ibid.: 143).

Por fim, gostaria de falar sobre um trabalho que, de certa forma, lança mão tanto da sociologia

quanto da antropologia do trabalho para a compreensão de um fenômeno concreto. Trata-se de uma

compilação de artigos sobre a trajetória de vida e a mobilidade social de trabalhadores da indústria

química na Bahia, tendo como cenário a Salvador dos anos 70 e 80 (Agier, Castro & Guimarães, 1995).

Logo na introdução, os autores salientam que seu enfoque privilegia o componente subjetivo da ação –

a representação da trajetória e da posição social do sujeito, lembrando-nos que, a partir da segunda

metade dos anos 70, a sociologia e a antropologia do trabalho se esforçaram para “reencontrar os

sujeitos e teorizar a construção de suas ações” (Ibid.: 12). No primeiro capítulo, Castro e Guimarães

nos ensinam que o desafio permanente para se entender o processo de formação de atores sociais está

em restabelecer os nexos entre subjetividades pessoais e grupais, individuais e coletivas (op.cit.). No

terceiro, Agier nos lembra que o alcance de seus objetivos de pesquisa, a busca por uma lógica que

torna “operárias” as trajetórias profissionais dos sujeitos de pesquisa, só se efetivou quando se percebeu

que “a posição atual do sujeito dá um significado a posteriori às suas práticas passadas e constrói um

sentido para sua história” (op. cit.: 78).

Com esta breve apresentação de algumas pesquisas que incorporam o método e o olhar

antropológicos na observação e análise de universos associados ao trabalho, fica claro o que

pretendemos nesta monografia: compreender e traduzir as visões dos indivíduos no e do processo do

trabalho. Nesse caso, nos debruçamos sobre um universo específico: os trabalhadores da economia

informal da região central da cidade de Campinas. Esse é nosso ponto de partida.

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2.2 - História dos trabalhadores em Campinas

Meu intuito aqui é trazer algumas informações a respeito da história dos trabalhadores,

sobretudo urbanos, na cidade de Campinas. Dessa forma, talvez seja possível uma melhor

contextualização dos indivíduos que, hoje, (sobre)vivem da economia informal, na cidade.

A indústria açucareira foi implantada na região onde hoje fica a cidade de Campinas entre 1790

e 1795 (Battistoni Filho, 1996). Em 1797, a até então freguesia é elevada à categoria de vila. Nessa

data, a maioria da população (2.107 pessoas) já se ocupava da lavoura canavieira – que ocupava, é

claro, mão-de-obra escrava1.

A partir da década de 1840, o café ganha de forma definitiva as terras férteis do interior do

Estado, especialmente o chamado Oeste Paulista (Campinas, Jundiaí, Limeira, Itú e Sorocaba). De

1842 a 1852 se instalam 89 fazendas de café, produzindo 200 mil arrobas. Em 1854 já eram 177

fazendas, nas quais trabalhavam 6 mil escravos e cerca de 200 colonos livres, produzindo

aproximadamente 355,5 mil arrobas. Entre 1860 e 1886, há rápida expansão do café na região e

Campinas era tida nessa época como “capital agrícola de São Paulo” (op. cit.: 25).

Ao longo de todo o século XIX, a região de Campinas conhece um grande crescimento

econômico e populacional, advindo da atividade econômica agro-exportadora – primeiro da cana-de-

açúcar e, depois, do café (Danieli Neto, 2001). Do ponto de vista político, a vila é elevada a município

em 1842, quando passa a se chamar Campinas e a década de 1850 foi um marco no desenvolvimento

urbano da cidade, no crescimento populacional e no que era tido como “modernização dos hábitos”.

Nesse momento, Campinas ascendia econômica, populacional e urbanamente, e se expandia –

implantando inovações tais como a estrada de ferro, em 1872. Nesse período, ao mesmo tempo em que

conhecia um “surto” de desenvolvimento, Campinas se encontrava “mergulhada na problemática da

crise do regime escravista” (op. cit.: 2). Na Campinas do final do século XIX, “a presença do novo e

do “moderno” contrasta com uma instituição moribunda social, econômica e moralmente” (ibid.: p.

142).

Battistoni Filho nos conta que, em 1854, Campinas era “um grande centro de escravaria”,

apresentando uma população estimada em 14.201 pessoas, das quais 8.190 eram escravos, número que,

vinte anos mais tarde, chega a 13.685 pessoas, “sendo o Município considerado possuidor do maior

1 O autor conta que, em 1804, na “vila de São Carlos” havia: “34 senhores de engenho, 361 roceiros já então agricultores, 1 tabelião, 4 militares, 1 contratador de dízimos, 1 construtor de casas para vender, 2 carapinas, 4 donos de tropas para transportes, 3 proprietários de cavalos de aluguel, 6 lojistas, 11 taverneiros, 2 alfaiates, 1 costureira, 1 rendeira, 8 carpinteiros, 3 oleiros, 1 tanoeiro, 2 tecelões, 3 ferreiros, 1 que vivia de lavrar madeiras, 1 sapateiro, 1 seleiro, 1 comerciante

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número de cativos” (op. cit.: 26). Tal como vinha ocorrendo em outros centros urbanos Brasil afora, os

escravos foram, definitivamente, incorporados na paisagem urbana.

Nas ruas da Campinas imperial, viu-se o movimento dos escravos entre as casas de comércio, oferecendo suas mercadorias, comidas, trabalhando em obras ou carregando objetos. Destacava-se na cidade, o trabalho das mulheres escravas, solicitadas com freqüência para trabalhar como alugadas através dos anúncios de jornal, assim como para crianças e jovens, entre 10 e 15 anos, que serviam em grande parte de pajens, tomando conta e carregando os filhos dos senhores (Battistoni Filho, op. Cit.: 148).

A chegada da “modernidade” transformou a “acanhada Campinas da época colonial” num

importante centro comercial da segunda metade do século XIX, aos poucos “foi tornando mais difícil a

prática da escravidão na cidade, assim como a crise do sistema e as campanhas abolicionistas

minaram por completo a instituição” (ibid.: 148).

Sobre ser pobre e livre na sociedade cafeeira paulista entre 1850 e 1888, Denise Aparecida

Soares de Moura nos diz que tratava-se de um “universo social amplo, em crescimento e de difícil

definição”:

Ser pobre e livre nesse período era fazer parte de uma camada bastante fluida e em contínua diversificação ao longo das diferentes conjunturas de declínio do escravismo, incluindo indivíduos com os mais diversos níveis de posses (Moura, 1998: 25). 2

Moura nos lembra que os pobres, na sociedade paulistana de finais do século XIX e início do

XX, incluíam os imigrantes, de origens diversas, que não eram absorvidos pelo mercado formal de

trabalho, o que os obrigava à “improvisação dos múltiplos expedientes nas ruas paulistas e, por

conseguinte, gerando um amplo mercado de trabalho informal” (ibid.: nota 4, p. 25).3 A autora nos diz

ainda que não existe uma definição singular do “ser pobre” nesse contexto. Transitamos por um

universo social no qual negros, brancos e mestiços pobres e livres viviam de suas roças, agregados a

de açúcar, 14 que viviam de agência e 10 que viviam de jornal, 1 aferidor, 2 arrieiros no caminho de Goiás e 31 moradores novos que não se haviam fixado em atividade econômica” (op. Cit.: 20). 2 “Brancos, negros e mestiços pobre e livres. Libertos. Imigrantes europeus, pequenos proprietários de roças e que viviam de seus próprios mantimentos. Trabalhadores livres e sazonais das grandes propriedades de café que as procuravam no período da colheita. Trabalhadores livres detentores de ofícios e ferramentas como os carapinas, sapateiros, pequenos empreiteiros, ourives e outros ofícios artesanais. Homens livres que possuíam um número reduzido de mulas, mas que as empregavam nos pequenos transportes. Negociantes e aqueles que viviam de suas agências. Todos compuseram fragmentos de um universo social mais amplo, em crescimento e de difícil definição” (ibid.: 25). 3 Embora aqui se faça referências à cidade de São Paulo, podemos imaginar que esse tipo de improvisação por parte da massa que não encontrava colocação num mercado formal ocorria também em outras cidades do Estado, sobretudo Campinas – cujo “grau de desenvolvimento” na época se equiparava ao da capital, como ressaltam alguns dos autores consultados.

9

algum proprietário, se ajustavam a colônias, sítios ou propriedades maiores, arrumavam trabalhadores

para ajudá-los em suas roças, negócios, empreitadas, alugavam escravos...e, nessas práticas,

teciam uma trama cotidiana perpassada por inúmeros arranjos urdidos por relações de parentesco, solidariedades vicinais e por toda uma ordem moral de acertos e tratos que criavam formas diversas de remuneração como a permissão para ocupar parte da propriedade, heranças por receber ou o fortalecimento dos afetos e laços sociais necessários (ibid.: 26).

O fato de as culturas açucareira e cafeeira serem muito “afeitas à escravidão, não exigindo

muito em matéria de mecanização” acabou por retardar os primeiros empreendimentos industriais em

Campinas até meados de 1870 (Battistoni Filho op. cit.: 29). Porém, aos poucos a cidade vai se

industrializando, com capitais provenientes do café e inauguração da Companhia Paulista de Estradas

de Ferro, em 1872, e das Estradas de Ferro Paulista e Mogiana, em 1875, aumenta o desenvolvimento

da industrialização campineira. Já em 1881 a cidade possuía fábricas de máquinas agrícolas, cerveja e

gelo, sabão, chapéus, curtumes, marcenaria e carpintaria a vapor, além de outras “de menor monta”

(Godói, 1952: 525).

Quanto ao comércio, seu desenvolvimento se deu ao longo da segunda metade do século XIX,

nas antigas ruas de Baixo e da Ponte – “um comércio relativamente ativo, constituído em sua grande

maioria por portugueses, e alguns brasileiros” (Battistoni Filho, op. Cit; Amêndola, 1952). Em 1885,

contava a próspera Campinas 579 estabelecimentos comerciais registrados, destacando-se: 17

alfaiatarias, 2 caldeirarias, 2 chapelarias, 3 fundições, 2 macarronarias, 15 padarias, 5 latoarias, 2

marmorarias, 4 marcenarias, 5 ourivesarias, 2 relojoarias, 1 técnico em pianos, 21 sapatarias, 4 selarias,

7 oficinas mecânicas4. De 1885 a 1889, são fundadas novas casas comerciais, principalmente dos

ramos de comestíveis e ferragens.

A epidemia de febre amarela de 1889 provocou uma brusca interrupção no progresso

econômico, industrial e comercial de Campinas. Muitas pessoas saíram da cidade em função da

epidemia, que a assolou por três vezes naquele final de século. As epidemias perduraram até 1897. A

cidade só começou a se refazer da crise em 1900, quando as indústrias, bem como o comércio,

“refloresceram” (Godói, op. cit.: 526). Em 1912, “já se apresentava Campinas com aspecto de cidade

4 A cidade continha: 3 tabeliões, 1 inspetor literário, 12 escolas oficiais, 17 escolas particulares, dentre as quais uma que ensinava o italiano e outra o alemão, 1 empresa telefônica, 1 companhia de bondes a tração animal, 1 companhia de iluminação a gás, 2 agências bancárias, 1 agente de câmbio, 2 afinadores de piano, 1 leiloeiro, 3 casas de banho público, 1 casa de penhores, 2 fábricas de carros, 8 hotéis, 9 restaurantes, 2 “ateliers” de fotografia, 10 casas comissárias de café, 3 casas compradoras de café, 6 casas de saúde, 8 guard a-livros, 17 advogados, 5 solicitadores, 6 engenheiros, 1 agrimensor, 65 capitalistas, 112 fazendeiros e proprietários diversos, 4 parteiras, 11 farmácias, 3 jornais, 2 tipografias, 6 professores de música, 17 sociedades diversas, entre esportivas, culturais, recreativas, artísticas e beneficentes, 3 consulados (da Alemanha, Suíça e Portugal) (Amêndola, 1952: 514-515).

10

industrial, possuindo 83 estabelecimentos fabris” (Godói, op. cit: 526) e, em 1907, é fundada e

Associação dos Empregados no Comércio de Campinas (Amêndola, op. cit.: 517).

Na passagem do século, Campinas contava com aproximadamente 70 mil habitantes e um

comércio ativo, principalmente na rua 13 de Maio. Havia 259 fazendeiros e 278 propriedades de café,

produzindo um total 1.041.605 arrobas. Havia 50 mil pessoas na zona rural, dos quais 25.647 eram

lavradores empregados nas lavouras de café. A retomada dos empreendimentos industriais dar-se-ia em

1908, com a Lei 129 da Câmara Municipal, que concedia favores à indústria. Na ocasião, havia 78

estabelecimentos fabris na região e uma população operária de cerca de 2 mil pessoas, sendo que as

fábricas campineiras recrutavam uma força de trabalho barata entre as meninas das fazendas,

empregadas domésticas e crianças pobres (Battistoni Filho, op. cit.).

Ao longo da segunda década do século, os empreendimentos industriais foram limitados, e

chegaram a um total de 83 fábricas, empregando mais de 3 mil operários5. Em 1920, a cidade contava

115.602 habitantes e 5.763 operários (5% da população total). Mais de 23 mil eram estrangeiros, dos

quais mais de 14,5 mil italianos. Eram 178 indústrias, número que sobe para 248, em 1925, 307 em

1930 e 868 em 1945, predominando as indústrias manufatureiras, “muitas delas do gênero oficina,

complementares do comércio” (Battistoni Filho, op. cit.: 64).

Em 1925 era fundada a Associação Comercial de Campinas6, em 1935, havia 2.130

estabelecimentos comerciais no cadastro fiscal da cidade e, em 1952, eram inúmeros e diversos os

locais de comércio na cidade7. Entre as décadas de 1930 e 1940, Campinas transforma-se,

definitivamente, numa cidade e as atividades urbanas se afirmam mais importantes que as rurais. A

partir de então, “a cidade se constituiria no segundo núcleo manufatureiro do estado, superado apenas

pela Região Metropolitana de São Paulo” (Semeghini, 1988: 49).

De acordo com o recenseamento geral do Brasil de 1940, o setor terciário era o de maior

destaque na Campinas de 1939, seguido do secundário (Battistoni Filho, op. cit.). Em 1948, eram 937

indústrias, ocupando mais de 10 mil operários na cidade. Nos anos 50, aumenta a industrialização, com

a instalação de empresas de grande porte, o que reflete na urbanização, com uma estrutura irregular e

desordenada, que só melhora com um projeto urbanístico levado a cabo pelo prefeito Miguel Vicente

5 800 operários aderem, em Campinas, à greve de 1917 – que estoura primeiro na capital. Em 1919, há outra greve no município (op. cit: 61). 6 Em 1922, havia na cidade “396 armazéns de gêneros comestíveis, 18 casas de ferragens, louças etc, 85 lojas de fazendas, 54 açougues, 43 alfaiatarias, 48 sapatarias, 35 estabelecimentos, entre lojistas e fabricantes de móveis, 18 joalherias, 10 chapelarias, 38 padarias e confeitarias e casas de massas alimentícias, 31 farmácias, 10 fotógrafos, 6 tipografias, 9 casas de serralheiro, 9 tinturarias, 13 agências de negócios, 4 agências de seguro, 2 leiloeiros, estabelecimentos de crédito, entre bancos e agências bancárias, 43 barbearias, 20 bares, 77 botequins, 15 hotéis, 5 empresas funerárias, 8 selarias, 2 livrarias e demais negócios de classificação diversa” (op. cit.: 518).

11

Cury (1948-1952), calcado no “Plano Prestes Maia”, que havia sido elaborado em 1938, com a

colaboração de engenheiros campineiros (ibid.: 69-70).

Na década de 60, período em que é inaugurado o Aeroporto Internacional de Viracopos, além

de ter surgido a Unicamp (1962), havia quase 180 mil habitantes em Campinas. Em 1970, já eram

quase 330 mil pessoas. Battistoni Filho afirma que a economia, no início dos anos 70, “acumulou bons

resultados a ponto de criar base suficiente para nos anos 80 manter seu desenvolvimento constante”,

mesmo com a crise que se instaura então.

Chegamos, enfim, aos anos 80 e 90, período em que a cidade continua a progredir, apesar da

explosão demográfica – entre 1960 e 1990, a população cresce em mais de 400% (em 1990, era de 850

mil pessoas)8. Porém, entre os efeitos desse processo de crescimento acelerado, “a qualidade de vida

caiu muito, refletindo nas área de saúde, educação, saneamento básico, exigindo cada vez mais

investimentos do setor público” (Semeghini, op. cit.: 73).

De qualquer modo, o grau relativamente avançado de diversificação de sua base produtiva e a

função de centralidade que o município adquiriu precocemente sobre uma ampla e rica região do

estado, sempre colocaram Campinas como uma “interface” entre a Capital e o Interior, “no processo de

desenvolvimento econômico paulista” (Semeghini, op. cit.: 62).

O fim de século parece ter reservado a Campinas um cenário não muito distinto daquele que

domina a maior metrópole brasileira. De acordo com pesquisadores do CESIT (Centro de Estudos

Sindicais e de Economia do Trabalho), do Instituto de Economia da Unicamp, nos últimos 20 anos se

observaram profundas transformações econômicas e sociais no Brasil que refletiram sobre a dinâmica

e funcionamento do mercado de trabalho no país9. Nos anos 80, uma profunda crise atinge os países

periféricos, interrompendo um processo de progressivo assalariamento e formalização das relações de

trabalho. Uma das características desse novo momento é o crescimento da flexibilização das relações

de trabalho e da inserção precária no mercado de trabalho. Esse movimento pode ser detectado já nos

anos 80, mas se torna mais evidente quando se observa os indicadores do mercado de trabalho

brasileiro dos anos 90 – que mostram o aumento da participação dos assalariados sem registro em

carteira e dos ocupados por conta própria na composição total da ocupação. É nas regiões

metropolitanas, nas médias e nas grandes cidades, que se pode observar melhor as conseqüências deste

7 Além disso, a zona comercial da cidade estava aumentando, conforme nos diz Amêndola, que escreve em 1952. Dizia ele: “Campinas se encontra hoje, seguramente, em franca ascensão, o que salta aos olhos de qualquer observador” (op. cit.: 521). 8 Hoje a cidade, elevada à categoria de metrópole, alcança 1 milhão de habitantes. 9 O que segue corresponde ao apresentado na introdução de um diagnóstico sobre as condições dos trabalhadores do comércio ambulante na região central de Campinas, promovido em 2001 por pesquisadores do CESIT – Amilton Moreto e Denis Maracci Gimenez, coordenados por Márcio Pochmann, em parceria e a pedido da SETEC (Serviços Técnicos Gerais), autarquia da Prefeitura Municipal de Campinas.

12

processo: “proliferação de atividades variadas de sobrevivência ligadas, por exemplo, ao transporte

público, desempenhadas pelos conhecidos “perueiros”, ao comércio informal de produtos e serviços

diversos realizados pelos chamados “ambulantes”, entre outras” (op. cit.: 01). A região do Terminal

Central de ônibus urbanos de Campinas é uma “área tradicional e de grande incidência da presença

desse tipo de trabalhador” (ibid: 02). Além disso, a ocupação desta região “pelos comerciantes

ambulantes, apesar de ser uma das mais tradicionais da cidade, é relativamente recente, datando dos

meados dos anos 80 a montagem das primeiras barracas, com um crescimento vertiginoso do comércio

ambulante na região a partir do início dos anos 90” (ibid: ibid.).

De acordo com um “Caderno Especial” do jornal Correio Popular, de 14 de julho de 200010,

havia, nessa época, 80 mil desempregados nas ruas da cidade – o que representava 16,7% da população

economicamente ativa. Além disso, dizia a reportagem, “dos 400.143 trabalhadores que as estatísticas

dão como “empregados” em Campinas, somente 221.413 têm carteira assinada, isto é, constam com

direitos trabalhistas assegurados. Os demais são trabalhadores informais e compõem a crescente massa

de profissionais autônomos que fazem engordar, ano a ano, o setor de serviços” (p. 18). Ainda na

matéria, constava que, embora a renda per capita do município fosse o dobro da brasileira (ou seja, US$

9,8 mil/ano), o trabalhador com carteira assinada ganhava, em média, R$ 640,00 em Campinas. A

mesma reportagem nos mostra que o setor de serviços e o comércio, somados, respondiam, à época, por

53% dos recursos gerados pela economia campineira, contra 47% da indústria11. Além disso, a região

administrativa de que é o “centro” (hoje, sua região metropolitana), que abarcaria 90 cidades e cerca de

3 milhões de pessoas, ostentaria um PIB de cerca de US$ 60 bilhões (9% do PIB nacional).

2.3 - Sobre o conceito de economia informal

Parto agora para algumas considerações preliminares acerca do conceito de economia informal,

sobretudo no que diz respeito ao seu surgimento e desenvolvimentos posteriores na literatura sócio-

econômica. O intuito, aqui, é o de tentar observar como podemos ao menos esboçar qual o status dos

trabalhadores da economia informal da região central da cidade de Campinas no que diz respeito a sua

prática econômica.

10 Veiculado por ocasião da comemoração dos 226 anos da cidade. 11 Além disso, são apontados “números de metrópole”: havia em Campinas 2.167 bares e restaurantes, 1.287 lojas de confecções e calçados, 1035 mercearias e empórios, 895 casas de autopeças, 825 pastelarias e lanchonetes, 699 farmácias, 643 casas de materiais de construção e 308 açougues. Diz ainda a matéria que havia, em 2000, 4.701 estabelecimentos industriais na cidade.

13

Segundo Claudinei Coletti, na década de 90 o desemprego atinge níveis jamais vistos na história

do Brasil (Coletti, 2001). 12Nos últimos anos, segundo Coletti, o direito do trabalho vem passando por

um processo de desregulamentação ou flexibilização, que, grosso modo, significa diminuição gradativa

da presença do Estado no terreno das relações entre capital e trabalho. Assim, o que se verifica é um

“contínuo processo de substituição do trabalho formal pelo trabalho informal nesse período” (op. cit.:

04). As dificuldades em se definir o que é o setor informal aparecem, segundo o autor, já nas

estatísticas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nas quais a categoria

“trabalhadores por conta própria” inclui desde os chamados “camelôs” até os profissionais liberais.

Coletti ressalta que os “camelôs” constituem um segmento de trabalhadores cada vez mais socialmente

relevante, mas sobre o qual se dispõe de poucas informações. Porém, de acordo com ele,

A caracterização do mercado de trabalho informal não é tarefa fácil em razão do alto grau de complexidade das situações de trabalho aí existentes (ibid.: 20).

Um primeiro aspecto que deve ser ressaltado, segundo Coletti, é o fato de que o trabalho

informal é a face mais visível do processo de “precarização das condições de trabalho” no Brasil. 13

Neste sentido, em primeiro lugar, trata-se de atividades geralmente colocadas à margem da lei – não são reconhecidas ou regulamentadas pelas autoridades públicas – e executadas por trabalhadores não-protegidos pela legislação social-trabalhista de um determinado país (ibid.: 21).

Portes, Castells e Benton ressaltam que a chamada “economia informal”, em toda a sua

ambigüidade, tem se constituído numa “característica estrutural da sociedade”, tanto nos países

industrializados quanto nos “menos desenvolvidos”. Eles ressaltam que

A controvérsia ideológica e o debate político em torno de seu desenvolvimento têm obscurecido a compreensão de suas características, desafiando a capacidade das ciências sociais em analisá-la (Portes, Castells & Benton, 1989: 01).

12 Trata-se de um relatório de pesquisa coordenada por Coletti na Faculdade Padre Anchieta, a respeito do comércio de rua na cidade de Jundiaí-SP. Participaram da pesquisa: Carlos José Fernandes Ferreira; Dirce do Carmo Fornel Canônico; Eliana de Paula Santos S. Amon; Gabriela Dargenio Milani; Luís Fernando Arantes Machado e Onélia Aparecida Galli Honigmann. 13 O autor busca em Jorge Mattoso a definição de “precarização das condições de trabalho”: “aumento do caráter precário as condições de trabalho, com a ampliação do trabalho assalariado sem carteira e do trabalho independente (conta própria). Esta precarização pode ser identificada pelo aumento do trabalho por tempo determinado, sem renda fixa, em tempo parcial, enfim, pelo que se costuma chamar de ‘bico’. Em geral, a precarização é identificada com a ausência de contribuição à Previdência Social e, portanto, sem direito à aposentadoria” (Mattoso, Jorge, O Brasil Desempregado – como foram destruídos mais de 3 milhões de empregos nos anos 90, São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 1999, p. 08, APUD Coletti, op. cit.: nota 11, p. 21).

14

De acordo com eles, em primeiro lugar, a economia informal representa um aspecto central da

dinâmica econômica e social dos países “menos desenvolvidos”, a despeito da notória falta de

estatísticas oficiais que neles se observa. Eles ressaltam algumas das características freqüentemente

apontadas quando se fala em economia informal: pequena escala, falta de regulação estatal,

flexibilização, uso de trabalho familiar, entre outras. Os significados de cada uma delas variando de

local para local.

Segundo Carpio e Novacovsky, uma das categorias de análise que na América Latina contribuiu

para caracterizar as condições de inserção ocupacional de amplos setores da população pobre urbana é

a noção de informalidade ou de setor informal urbano (Carpio & Novacovsky, 1999: 11). De acordo

com os autores,

A categoria informalidade se incorporou às ciências sociais do continente quando estas se enfrentaram com a necessidade de explicar o crescimento e a persistência de amplos setores da população que não conseguiam se incorporar aos novos espaços de integração social, econômica e territorial gerados pelos processos de urbanização e modernização da metade do século XX (ibid: ibid).

Segundo Melo e Teles, o debate em torno da informalidade se inicia nas ciências sociais no

início dos anos 70, com um programa de pesquisa da OIT (Organização Internacional do Trabalho),

que se desenvolveu com um estudo sobre o Quênia, em 1972, e, na América Latina, sobre o emprego

na República Dominicana, em 1973, prosseguindo com os estudos do Prealc (Programa Regional del

Empleo para América Latina y el Caribe), em meados da década. De acordo com os autores, o conceito

não é definido de forma rigorosa, pois

O conceito de setor informal popularizou-se rapidamente ao longo dessas três últimas décadas, a ponto de dificultar se perfeito entendimento (Melo & Teles, 2000: 06).

Os autores ressaltam que o tema “economia informal” aparece na mídia e na literatura científica

representando vários fenômenos distintos, e fazem um balanço dos desenvolvimentos acerca desse

conceito.

Segundo eles, nos estudos sobre o Quênia, de 1972, este é caracterizado como um “país do

Terceiro Mundo”, no qual haveria dois mercados de trabalho: o setor formal e o informal. O primeiro

seria o mercado de trabalho

15

cujo funcionamento das atividades foi definido com tendo barreiras à entrada, com recursos externos, sistema de propriedade impessoal, operando em mercados amplos e protegidos por cotas e tarifas, grande escala de produção, processos produtivos de tecnologia moderna e intensivos em capital e mão-de-obra qualificada (ibid.: 06).

Já o segundo seria definido

pela inexistência de barreiras à entrada, aporte de recursos de origem doméstica, propriedade individual, operando em pequena escala, processos produtivos intensivos em trabalho, atuando em mercados competitivos e não-regulados (ibid.: ibid.).

Os autores ressaltam que esse estudo teve enorme impacto e que essa concepção prevaleceu

nos trabalhos posteriores que analisaram o mercado de trabalho das chamadas “economias em

desenvolvimento” (ibid.: 06-07). Apesar disso, ressaltam que, quando se trata de falar sobre mercado

informal, sua natureza e composição, não há consenso.

Melo e Teles afirmam que, diante dos impasses na definição pela literatura sócio-econômica

sobre o significado do “setor informal”, em 1993, a 15ª Conferência de Estatísticos do Trabalho, da

OIT, consagrou o conceito de setor informal a partir da unidade econômica (de produção), e não do

trabalhador individual.

Assim, setor informal são as unidades produzindo bens e serviços com o objetivo de gerar emprego e renda para seus participantes, excluídas aquelas engajadas apenas na produção de bens e serviços para autoconsumo (ibid.: 08).

Os autores ressaltam que, ainda aqui, uma variedade de interpretações dificulta o entendimento

do que seja setor informal e/ou de quem o compõe. Essa definição, afirmam, foi adotada pelo IBGE

(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para sua pesquisa sobre a economia informal urbana,

delimitando que pertencem ao setor informal todas as unidades econômicas de propriedade de

trabalhadores “por conta própria”, de empregadores com até cinco empregados, moradores de áreas

urbanas, sejam elas a atividade principal ou secundária.

Dentro dessa linha de pensamento, o setor informal seria caracterizado pela não-diferenciação nítida entre posse dos meios de produção e posse da força de trabalho. Logo, o produtor direto reúne em si mesmo as figuras do patrão e de empregado – incluindo-se a possibilidade de empregar familiares e/ou ajudantes (inclusive assinando a carteira de trabalho) e sempre participando do produzir e efetuando o gerir (ibid.: 09).14

14 A respeito do “trabalho em família” entre os trabalhadores da região do Terminal Central de ônibus urbanos de Campinas, vide “Notas para uma Pesquisa Futura”, no final deste relatório.

16

Assim, o setor abrangeria aos trabalhadores “por conta própria” e às pequenas empresas,

familiares ou não.

Além disso, os autores colocam que numa questão a literatura concorda atualmente: o avanço

das atividades ligadas à economia informal não se apresenta como um “fenômeno transitório, nem

essas desaparecerão espontaneamente em um futuro previsível na economia nacional e mundial”. (ibid.:

10). Dentro da economia informal urbana, apontam o comércio como “uma das principais atividades

desenvolvidas pelos seus participantes” (ibid.: ibid.). E definem o “comércio ambulante” como “aquele

realizado na rua e pelos vendedores porta a porta” (ibid.: nota 5, p. 10).

Voltando a Carpio e Novacovsky (op. cit.), os autores fazem um balanço do debate que vem

sendo travado nas ciências sociais em torno da questão. Segundo eles, há vários enfoques possíveis em

torno da informalidade.

O primeiro enfoque seria o da “heterogeneidade estrutural”, desenvolvido pela Cepal (Comissão

Econômica para a América Latina), dentro do Prealc, segundo o qual se considera o setor informal

como o conjunto de atividades de

baixa produtividade nas quais se insere o excedente de população incapaz de ser absorvido pelas ocupações geradas pelo setor moderno da economia urbana (op. cit.: 11)

Segundo eles, essa corrente segue sustentando que a informalidade é uma forma de produzir

relacionada com a heterogeneidade estrutural que caracteriza as economias “menos desenvolvidas”, a

partir do que se vincula o conceito “com as características dos mercados de trabalho destes países e

com as condições de pobreza da população” (ibid.: 11-12).

O segundo enfoque seria a “corrente estruturalista”, que “argumentou a favor da necessidade de

resgatar o conceito de informalidade de sua associação com as situações de pobreza”, sendo um

expoente dessa visão Alejandro Portes. Segundo os autores, aqui,

o fenômeno da informalidade não é exclusivo dos países menos desenvolvidos e não constitui somente uma expressão da ‘incapacidade do sistema’ para integrar a população economicamente excedente, mas representa uma forma de vinculação entre o capital e o trabalho que é conseqüência da organização em escala global da reestruturação do sistema capitalista (ibid.: 12).

O terceiro enfoque surge, de acordo com os autores, nos anos 80, no marco dos princípios

neoliberais “que começavam a entrar em voga para questionar a função do Estado na economia”. Nesse

17

novo olhar, as atividades informais são uma resposta “às múltiplas e anacrônicas regulações estatais,

denunciadas como um ‘muro de papel’ gerado pela burocracia e por seus trâmites” (ibid.: 12).

Os próprios autores nos alertam para um fato que julgamos extremamente relevante,

especialmente no que diz respeito ao nosso universo de pesquisa. Trata-se da idéia de que, apesar das

diferenças conceituais entre essas três “correntes”,

em todas se reconhece a preponderância de situações sociais de alta vulnerabilidade naqueles indivíduos situados na condição de informalidade (ibid.: ibid., grifo meu).

Assim, haveria coincidência em considerar as inserções de trabalho informais como situações

sociais de risco, ou de exposição ao “risco social de exclusão”. Nessa ótica, o mecanismo principal de

integração social residiria em empregos “estáveis e protegidos”, com “remunerações e coberturas

sociais adequadas”. A ausência disso seria uma “localização social de integração deficiente”. Essas são

condições que colocariam a necessidade de reconhecer aos ocupados nessas atividades como

uma população especialmente vulnerável e em risco de exclusão e, por conseguinte como sujeitos prioritários das políticas sociais para a superação da pobreza e o acesso à plena cidadania social (ibid.: ibid.).

Embora, aqui, apareça nas entrelinhas a associação entre “informalidade” e “pobreza”, que,

embora até possa caber em situações e contextos específicos, não pode ser generalizada, cabe ressaltar

a idéia de que os indivíduos que (sobre)vivem na informalidade, por uma série de razões, se encontram

numa situação social de vulnerabilidade. Essa questão será retomada.

A fim de definir o que é a economia informal, Portes e Castells nos dizem que é sempre útil

determinar o que ela não é (Portes & Castells, 1989). Assim, para eles a economia informal não é “uma

lista de atividades de sobrevivência executadas por pessoas destituídas às margens da sociedade” (ibid.:

12). Isso porque, segundo os autores, os estudos, tanto nos países “industrialmente avançados” quanto

nos “menos desenvolvidos”, já vinham mostrando o “dinamismo econômico de atividades não

regulamentadas de ‘auto-assalariamento’ (income-generating)”, além do “relativamente alto nível de

renda de muitos empresários informais (informal entrepreneurs), às vezes próximo do de trabalhadores

da economia informal” (ibid.: ibid.). Assim, afirmam, a economia informal não é, de seu ponto de vista,

“um eufemismo para pobreza”.

18

Os autores reconhecem, entretanto, que a maioria dos indivíduos empregados em atividades

econômicas informais, sobretudo no chamado Terceiro Mundo, são pobres. Apesar disso, afirmam que

“processos econômicos informais perpassam toda a estrutura social”. Assim,

A economia informal é desse modo não uma condição individual, mas um processo de auto-assalariamento definido por uma característica principal: não é regulado pelas instituições da sociedade, num meio legal e social no qual atividades similares são reguladas (ibid.: ibid.).

Além disso, nos dizem que é porque há uma economia “formal” (ou seja, uma rede institucional

de atividade econômica), que podemos falar numa “informal” (ibid.: 13).

Desse modo, os autores definem as “atividades informais” como a produção não-regulada de

produtos e serviços que, de outra maneira, são considerados lícitos. Além disso, afirmam que

A distinção básica entre atividades formais e informais propriamente ditas não encontra seu ponto principal na figura do produto final, mas no modo como ele é produzido e posto em circulação (ibid.: 15).

Três generalizações podem ser feitas a respeito da economia informal, segundo Portes e

Castells. A primeira é que se trata de um fenômenos universal, sendo arranjos similares encontrados

nas mais diversas regiões do globo. A segunda é que se trata de um setor heterogêneo, “sendo as

formas de produção e distribuição não-regulada as mais variadas, mesmo dentro de uma sociedade”

(ibid.: 15-16). A terceira é que tem havido um crescimento destas atividades nos últimos anos.

Apesar dessa heterogeneidade, os autores apontam três aspectos comuns na maioria dessas

atividades. O primeiro seria a conexão sistêmica com a economia formal. Eles explicam que, mais do

que um apêndice, o setor informal é um componente integrante das economias nacionais. O segundo

aspecto diria respeito às características especiais de trabalho empregadas em atividades informais.

Assim, afirmam que os trabalhadores envolvidos na economia informal têm certas características

específicas, que podem ser generalizadas sob o rótulo de “trabalho decadente” (down-graded labor).

A maioria dos trabalhadores que recebem menos benefícios ou salários mais baixos, ou experienciam condições piores de trabalho do que aqueles que prevalecem na economia formal, o fazem porque esse é o pré-resquisito para que entrem no mercado de trabalho. Sua vulnerabilidade não é produzida pelo acaso (ibid.: 26).

Tal vulnerabilidade se exemplifica nos imigrantes ilegais que vivem nos Estados Unidos ou em

outros países, e pode ser estendida, segundo Portes e Castells, a todas as “situações sociais marcadas

19

por algum tipo de estigma social”, ou seja, minorias étnicas, mulheres, jovens. Além disso, os autores

ressaltam que “as fronteiras da vulnerabilidade são sempre históricas” (ibid.: ibid.).

O terceiro aspecto seria a atitude governamental favorável ao setor não-regulado. Os autores

explicam que os governos toleram ou mesmo estimulam atividades econômicas informais como um

meio de resolver “potenciais conflitos sociais” ou de promover “patronagem política”. Assim,

A informalidade não é um processo social que se desenvolve sempre fora o alcance do Estado; é a expressão de uma nova forma de controle que se caracteriza pela privação de direitos de um amplo setor da classe trabalhadora, freqüentemente com o consentimento do Estado (ibid.: 27).

Em um texto mais recente, Alejandro Portes retoma vários dos aspectos já apontados no artigo

de 1989, além de trazer à luz novos pontos (Portes, 1999).

A respeito da definição do conceito de economia informal, Portes nos diz, assim como já

apontado, que ele nasceu no Terceiro Mundo, a partir de uma série de estudos acerca dos mercados de

trabalho urbanos na África. O termo foi cunhado, segundo Portes, pelo antropólogo econômico Keith

Hart.

Em seu informe para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), Hart postulou um modelo dualista de oportunidades de ingresso da força de trabalho urbana, baseado em sua maior parte na distinção entre emprego e auto-emprego. O conceito de informalidade se aplicava aos auto-empregados. Hart enfatizou o notável dinamismo e a diversidade destas atividades (op. cit.: 26).

Continuando, Portes ressalta que esta caracterização dinâmica do setor informal se perdeu mais

tarde, quando o conceito se institucionaliza na burocracia da OIT, sendo redefinido essencialmente

como sinônimo de pobreza. As características ressaltadas, aqui, eram: 1) baixos requisitos para

admissão em termos de capacitação, capital e organização; 2) empresas familiares; 3) operações em

pequena escala; 4) produção de trabalho intensivo com tecnologia antiquada e 5) mercados

competitivos e desregulados.

Em posteriores publicações do Prealc, da OIT, o emprego dentro do setor informal foi rotineiramente denominado subemprego, colocando que ele afetava aos trabalhadores que não podiam se incorporar à economia moderna (ibid.: ibid).

Além disso, Portes afirma que

20

Esta caracterização da informalidade como setor excluído nas economias menos desenvolvidas tem sido canonizada por numerosos estudos sobre a pobreza urbana e os mercados de trabalho realizados pela OIT, o Prealc e o Banco Mundial (ibid.: ibid.).

Porém, o autor lembra que esta caracterização negativa tem sido questionada por vários

estudiosos, como o próprio Hart, que foi retomado pelo economista peruano Hernando De Soto. Este

último define a informalidade, segundo Portes, como uma resposta popular aos rígidos controles

estatais no Perú e em outros países latino-americanos, “que sobrevivem entregando a uma pequena elite

o privilégio de participar legalmente na economia”.

Portanto, e de maneira muito diferente da definição cunhada pela OIT e pelo Prealc, que a considerava como um mecanismo de sobrevivência como resposta à insuficiência moderna na criação de empregos, os empreendimentos informais representam a irrupção de genuínas forças do mercado em uma economia constrangida pelas regulações estatais (ibid.: ibid.).

Portes continua, nos mostrando que as investigações nos “países industrializados” têm levado a

uma definição mais precisa e menos tendenciosa do que as duas anteriores. Nesta nova ótica, o setor

informal abarcaria aquelas ações dos agentes econômicos que não aderem a regras institucionais

estabelecidas ou que não são protegidas por elas. Incluiria as atividades que não estão reguladas pelo

Estado nos termos sociais aos quais são reguladas atividades similares. 15 Embora afirme que, aqui, não

há um a priori determinando se essas atividades são boas ou ruins, Portes reconhece que essas

“definições neutras” se vêm obstaculizadas pela amplitude do tema que procuram abarcar.

Portes também retoma Feige, expoente da chamada “nova economia institucional”, que propõe

uma taxionomia baseado na expressão “economia subterrânea”. Segundo Portes, Feige distingue quatro

subformas desse tipo de economia: 1) economia ilegal; 2) economia não-declarada; 3) economia não-

registrada; 4) economia informal. Esta última incluiria ações econômicas que estão excluídas de

proteção legal e regras administrativas ligadas a relações de propriedade, licenças comerciais, contratos

de trabalho, créditos financeiros e sistemas de seguridade social.

Segundo Portes, a distinção mais importante é entre atividades “ilegais” e “informais”. Assim,

os empreendimentos ilegais implicam na produção e comercialização de bens “que se definem como

ilícitos num momento e num tempo particulares, enquanto as empresas informais operam, em geral,

com produtos lícitos” (ibid.: 27).

Prosseguindo, Portes afirma que as atividades informais – definidas como aquelas que são

executadas fora dos limites das regulações estatais, podem ter vários propósitos: 1) suprir a subsistência

15 Note-se a semelhança entre esta definição e a que nos é apresentada no artigo de 1989, já comentado.

21

do indivíduo ou do grupo familiar por meio da produção direta dela ou por meio da venda de bens e

serviços no mercado; 2) lograr uma maior flexibilidade gerencial e custos menores de trabalho e

empresas do setor formal (contratações não-registradas, subcontratações etc); 3) quando organizadas

por empresas pequenas, visando à acumulação de capital por meio da mobilização de relações

solidárias, gerando maior flexibilidade e custos mais baixos.

Estes três tipos se denominam, respectivamente, economias informais de subsistência, exploração dependente e crescimento (ibid.: 28).

Tendo definido o que entende por setor informal, Portes parte para seus “paradoxos”. Devido à

ausência de regulação estatal, as transações informais têm sido, segundo ele, descritas como a “pura

ação das forças de mercado”, ou como o “verdadeiro mercado”, no Terceiro Mundo. Assim,

O primeiro paradoxo da economia informal é que, quanto mais se aproxima do modelo de mercado real, mais depende dos vínculos sociais para lograr um funcionamento eficaz (ibid.: 29).

Um exemplo disso é que, nas transações informais, o único recurso dos envolvidos contra a

fraude é a confiança mútua, que se funda na pertença mútua a um grupo.

Nas transações informais, a confiança se gera tanto a partir de identidades e sentimentos compartilhados como a partir da expectativa de que qualquer ação fraudulenta será penalizada com a exclusão do infrator da rede social. Dado que os recursos econômicos fluem através dessas redes, a pena de exclusão, socialmente regulada, pode tornar-se mais ameaçadora, e portanto mais efetiva, que outros tipos de sanção” (ibid.: 30)16.

Segundo Portes, o êxito dos empreendimentos informais se funda por completo nesta forma de

regulação baseada na confiança mútua entre os agentes envolvidos nesse tipo de transação. De acordo

com o autor, Powell a denomina “forma de rede” da organização econômica e a descreve como um

modo que implica uma escassa ou tênue separação dos papéis comerciais e dos pessoais. Assim,

O mecanismo social que sustenta o intercâmbio econômico informal pode ser descrito como uma espécie de ‘confiança mútua’ que implica, mais do que convicção moral, na observação de acordos (ibid.: ibid.).

Desse modo, continua Portes,

16 Vide “Notas para uma Pesquisa Futura”, no final deste relatório.

22

O poder de sanção da comunidade, sua capacidade de conferir status aos indivíduos ou excluí-los, é a força-chave que garante o cumprimento individual (ibid.: ibid.).

O segundo paradoxo da economia informal, para o autor, diz respeito aos esforços estatais

destinados a eliminá-la: quanto mais se expandem as regras e controles, mais exacerbadas as condições

que deram origem a essas mesmas atividades. Isso não significa, ressalta o autor, defender a “livre

operação dos mercados”.

Sem dúvida, as intenções de impor controles estatais extensivos sobre todos os mercados provocam resistência e aumento das oportunidades de obter benefícios burlando as regras oficiais. Mas para que essas oportunidades se tornem empreendimentos informais vai depender da capacidade que possuem as comunidades de mobilizar os recursos sociais necessários para enfrentar as leis estatais e assegurar a fluidez das transações de mercado (ibid.: 34).

E Portes conclui:

Só quando as estruturas comunitárias são suficientemente fortes para tornar fluidas as transações de mercado, impedir a estafa e proteger aos participantes da repressão estatal, pode emergir uma economia informal em grande escala (ibid.: 38).

O requisito básico, aqui, é a confiança entre produtores, abastecedores e vendedores.

2.4 – Dados quantitativos CESIT

Parto agora para algumas considerar mais diretamente o universo pesquisado. Antes de mais

nada, julgo de extrema importância alguns dados quantitativos e estatísticos a respeito dos

trabalhadores do Terminal Central, encontrados na citada pesquisa realizada pelos pesquisadores do

CESIT17.

De acordo com esses pesquisadores, sua pesquisa foi realizada junto aos trabalhadores da área

do Terminal Central, tendo sido aplicados 708 questionários. Eles nos advertem de que, “por opção

metodológica”, na análise dos dados foram computados apenas os trabalhadores com “ponto fixo e

permanente do comércio ambulante” (op. cit.: 02), o que reduziu esse número para 544 questionários,

17 CESIT/SETEC, “Trabalhadores do Comércio Ambulante de Campinas – diagnóstico sobre as condições de trabalho”, Campinas, 2001. Cabe aqui ressaltar que trata-se dos primeiros resultados dessa investigação e que o segundo relatório dessa pesquisa ainda não foi divulgado. Acredito que será também de igual importância aos meus propósitos.

23

que continham 60 questões referentes a vários aspectos sócio-econômicos. Passo agora a relatar alguns

de seus resultados.

Os pesquisadores observaram que há um certo equilíbrio quanto à distribuição dos

“trabalhadores ambulantes”18 por gênero – 53,3% dos entrevistados se declararam homens e 46,7%

mulheres. Observaram, ainda, que “a esmagadora maioria destes trabalhadores são chefes ou co-

responsáveis pelo provimento da renda familiar” (ibid.: 03).

Pelos dados, 60% dos trabalhadores são “chefes de família” e 34% compartilham a chefia

familiar – 64% dos chefes de família são homens e 36% mulheres. Há um predomínio dos

trabalhadores com idade entre 25 e 39 anos – 41% dos entrevistados. Os mais jovens, até 18 anos,

compõem 2%. Entre 19 e 24 anos, 12%. Entre 40 e 49 anos, 23%. Entre 50 e 64 anos, 19%. Aqueles

com mais de 65 anos compõem, finalmente, apenas 3% dos entrevistados. Segundo a análise dos

pesquisadores, “os jovens entre 19 e 24 anos de idade, com enorme dificuldade de inserção no mercado

de trabalho, ocupam espaço importante entre os trabalhadores ambulantes” (ibid.: 05). Outro ponto para

o qual chama a atenção é o fato de que o predomínio das “faixas intermediárias”, em especial aquela

que reúne os trabalhadores entre 25 e 39 anos, demonstrariam sua dificuldade (ainda mais que em sua

maioria são chefes de família ou co-responsáveis pela chefia familiar), “em ocupar e se manter em

posições mais estáveis no mercado de trabalho, tendo como alternativa o comércio ambulante”. 19

Quanto à escolaridade, os pesquisadores afirmam que “o perfil de escolaridade entre os

trabalhadores ambulantes da região central de Campinas, acompanha o afunilamento do aparato

educacional no país” (ibid.: 08). Segundo eles, a maioria dos entrevistados só estudou até a 4ª série do

ensino fundamental (43%), seguidos pelos que estudaram até a 7ª série (22%), e concluíram o ensino

fundamental (22%). O número de trabalhadores que concluíram o nível médio ou possuem o superior

incompleto chega a 12% do total. E há aqueles que concluíram o curso superior – 1% dos

entrevistados.

Outros dados interessantes que essa pesquisa nos traz são os relativos aos municípios de origem

desses trabalhadores. Contrariando a possível visão corrente de que esses indivíduos constituiriam

migrantes, oriundos sobretudo da região Nordeste, as informações recolhidas mostram que, em sua

maioria, 36%, eles nasceram no próprio estado de São Paulo. Do restante, 14% são do Paraná, 13,2%

de Minas Gerais, 8,5% da Bahia, 5,2% de Pernambuco, 4,6% do Rio Grande do Norte e 4,2% do Ceará.

Dos trabalhadores oriundos de São Paulo, 56% são do interior, 36% nasceram em Campinas e apenas

18 Esse é o termo utilizado pelos referidos pesquisadores. 19 Embora seja meu propósito, aqui, apenas apontar os resultados dessa pesquisa, cabe a colocação de que tal afirmação só poderá ser confirmada a partir de um levantamento de caráter qualitativo.

24

8% são da Região Metropolitana de São Paulo. Do total de pesquisados, 82% residem em Campinas e

18% em cidades vizinhas.

Quanto às ocupações anteriores, 35% dos entrevistados declarou que vem do setor privado,

enquanto aqueles que declararam ocupações por conta própria totalizaram 31%. Do restante, 8%

declararam ter sido estudantes e 11% disseram estar desempregados, antes de começar a trabalhar no

setor informal. Segundo os pesquisadores, “é importante ressaltar que os trabalhadores vindos de

atividades agropecuárias (agricultor meeiro/parceiro, 2%; trabalhador agrícola empregado, 4% e

trabalhador agrícola conta-própria, 3%) somados atingem quase 10% da proveniência ocupacional dos

trabalhadores ambulantes, o que demonstra, em certa medida, um contingente ainda significativo de

pessoas que diretamente vindas do setor rural, inserem-se em ocupações como a do comércio

ambulante” (ibid.: 14). Do setor público, provém apenas 3% do total de entrevistados.

Quanto à renda média anterior à entrada no comércio informal, situava-se, de acordo com a

pesquisa, no patamar de R$230 mensais. Interessante se faz notar que, entre os homens, o rendimento

médio mensal era de R$ 287,70 (25% acima da média), enquanto entre as mulheres era de apenas R$

164,31 (28,5% abaixo da média). Observa-se, ainda, quanto á renda anterior, uma concentração de

trabalhadores nas faixas de renda mais baixas (rendimentos inferiores a R$ 360), 54% do total dos

entrevistados.

Segundo os pesquisadores, “a jornada de trabalho média declarada pelos atuais ambulantes na

ocupação anterior atinge 8 horas diárias” (ibid.: 16). Essa média era de 9 horas entre os homens e 7

horas entre as mulheres.

Essa pesquisa nos traz ainda a informação de que a maioria (77%) dos pesquisados se declaram

os únicos “donos do negócio”. Do restante, 17% possuem o negócio em sociedade e somente 6% não

são donos do próprio negócio.

Quanto aos produtos comercializados, 49% dos entrevistados trabalham com objetos e

aparelhos de uso doméstico e pessoal. Segue-se “o comércio de artigos para presente e brinquedos

(16%), alimentos perecíveis (8%), calçados e artigos de couro e confecções e armarinho (6% cada),

doces, balas e outras guloseimas industrializadas (5%). Estes seis tipos de produtos englobam 90% de

todos os trabalhadores ambulantes pesquisados” (ibid.: 18).

Com relação à aquisição dos produtos comercializados, segundo a pesquisa, 87% provêm ou de

outros comerciantes informais (47%) ou de centros atacadistas (40%), sendo o restante, 13%, vindo da

compra direta ao produtor, de pequenos comerciantes ou de produção própria. Os pesquisadores

destacam “a dependência deste conjunto de trabalhadores da atuação de outros trabalhadores informais

25

que intermediam a aquisição dos produtos comercializados, o que denota a existência de uma rede de

comércio informal”. 20

A jornada atual de trabalho desses indivíduos varia entre 9 e 15 horas diárias. Do total, 88%

(478 pessoas), trabalham, em média, 11 horas por dia.

Quanto à renda atual, a maior parte dos entrevistados se concentra na faixa de R$ 181 a R$ 360

(33%), seguindo-se os que estão na faixa de R$ 361 a R$ 500 (25%), de R$ 501 a R$ 1.000 (24%) Na

faixa até R$ 180 há apenas 10% dos entrevistados e na faixa de R$ 1.001 a R$ 2.500, só 3%. Verifica-

se uma proporção de mulheres nas faixas mais baixas. Na média, os trabalhadores têm uma renda cerca

de 22% maior que as trabalhadoras – R$ 492,46 contra R$ 404,56.

20 Vide considerações a esse respeito adiante, na apresentação dos resultados obtidos, até o momento, no “campo”.

26

2.5 – Considerações sobre o “campo”

2.5.1 – Descrição

1 – Terminal Central;

2 – “Setor Terminal Central – Fundo”;

3 – “Setor Terminal Central – Frente”;

4 – “Setor Túnel”;

5 – Rua Álvares Machado;

6 – “Setor Jumbo”;

7 – Avenida Campos Sales;

8 – “Setor Carlos Gomes”;

9 – Avenida General Osório.

Antes de mais nada, procurarei descrever a região do Terminal Central de ônibus urbanos de

Campinas, local onde centenas de trabalhadores da economia informal vendem seus produtos,

popularmente conhecido como “camelódromo”.

É uma das regiões de urbanização mais antiga da cidade de Campinas. As fachadas dos edifícios

ao redor do Terminal Central o denunciam e testemunham. Uma área, sobretudo, muito movimentada.

27

Os comerciantes informais dessa região, que são os abarcados pelo sindicato, estão divididos

em cinco setores. O que segue, é uma tentativa de descrevê-los.

O Terminal Central é um grande retângulo. Na parte de trás dele, fica o “Setor Terminal Central

– Fundo”. Este é o setor com o menor número de boxes. Nele, são comercializados sobretudo alimentos

(“lanchonetes”). Nos demais setores, os produtos comercializados são extremamente variados – desde

eletrônicos até brinquedos, CDs, roupas, calçados etc.

No outro lado do Terminal, logo após sua saída principal, abre-se um enorme círculo. É o

“Setor Terminal Central – Frente”, onde há o maior número de comerciantes. Os boxes acompanham

toda a extensão do círculo e, no meio dele, forma-se um quadrado de boxes. Esse círculo vai se

afunilando até terminar em um corredor, coberto. É o “Setor Túnel”, que desemboca na rua Álvares

Machado.

Essa rua é muito conhecida na cidade. Nela há uma infinidade de pequenas lojinhas e

armarinhos, açougues, clínicas dentárias e oculistas. Sempre que vou lá, ficam algumas pessoas no

meio dela gritando para oferecer produtos variados – desde bilhetes de loteria até exames de vista

gratuitos.

Descendo a rua Álvares Machado, chegamos no “Setor Jumbo” (que tem esse nome, segundo

me contaram, porque antigamente havia um hipermercado homônimo nas imediações), que fica nessa

mesma rua. Neste, há uma cobertura de fibra azulada, colocada no final de 2000 pelos próprios

comerciantes informais. No começo do setor, do lado esquerdo, há um famoso magazine. Interessante

notar que não há boxes na sua fachada. Nesse lado, os boxes começam onde termina a frente da loja.

No lado direito (da rua, do setor), os boxes começam antes. A cobertura de fibra sai do lado direito e

cobre até quase o final do lado esquerdo, formando uma meia-lua.

Saindo desse setor, chega-se à avenida Campos Sales, uma das mais movimentadas do centro.

Atravessando a rua, estamos no último setor, o “Carlos Gomes”. Nele também há uma cobertura de

fibra, colocada no início deste ano, também por iniciativa dos comerciantes, com o apoio do sindicato.

Este setor é um pouco menor do que o anterior. Ele desemboca na avenida General Osório.

2.5.2 – O trabalho de campo

Parto agora para algumas considerações a respeito do “trabalho de campo” propriamente dito e

do que pude observar ao longo da pesquisa. Minhas visitas ao local foram realizadas semanalmente, às

quartas-feiras, geralmente no período da manhã.

28

O Sindicato dos Trabalhadores da Economia Informal existe desde meados de 1990. A atual

presidente, no cargo desde 1998, é Maria José Salles, a Zezé. Antes dela, o presidente era um dos

fundadores, Antônio Belo, que “fugiu” de Campinas, segundo me contaram, em 1997. Zezé era

secretária no sindicato desde 1993. De acordo com Zezé, Belo trabalhava sozinho. Ele “mandava e

desmandava” em tudo. Quando ela assumiu a presidência é que surgiu a “diretoria” do sindicato,

composta das “comissões” de cada setor. Quanto aos seus membros, foram eleitos em assembléia,

pelos próprios trabalhadores de cada setor. Quanto à saída/entrada de pessoas nas comissões, ocorrem

quando os próprios membros de cada comissão “indicam” alguém. É claro que Zezé também “indica”.

Quando de alguma indicação, são feitas assembléias, no prédio do sindicato dos bancários, “onde há

mais espaço”.

O sindicato sobrevive de contribuições mensais dos trabalhadores informais. Segundo Zezé,

elas não são obrigatórias. É diferente de um sindicato “formal”, segundo ela, por que nesses os

membros são obrigados a pagar as taxas. Nesse sindicato “informal”, o que ocorre é um “acordo” entre

os trabalhadores e o sindicato, para que os primeiros paguem a taxa mensal – até porque, do contrário,

o sindicato deixa de existir. O valor varia de setor para setor. No Setor “Fundo”, é de R$ 15 mensais,

“por ponto”. Isso significa que, no caso de uma banca ocupar dois ou mais “pontos” (fruto de algum

“rolo” entre dois ou mais trabalhadores), pagará a taxa em dobro – ou mais. Nos demais setores, a

contricuição é de R$ 20 mensais, com exceção do Setor Jumbo, onde a taxa é de R$ 50 mensais.

Segundo Zezé, esse é o setor mais bem localizado, num local “estratégico”, e por isso mais

movimentado. Assim, há pouco tempo chegou-se a um “acordo” que aumentava a taxa dos

comerciantes daquele setor. O aumento também se deveu por causa do aumento nos gastos do

sindicato, após ser contratado um advogado “permanente” para prestar assessoria jurídica ao sindicato.

Trata-se de Dr. João Roberto, que trabalha na sala ao lado da do sindicato (cujo aluguel é pago por

este) e recebe R$ 700 mensais.21 Há também um contador que trabalha para o sindicato, o Júlio, cujo

escritório fica na avenida General Osório, bem próximo ao “camelódromo”. Segundo Zezé, Júlio faz a

contabilidade dos pagamentos dos “camelôs” que trabalham como “funcionários” em algumas bancas.

De acordo com ela, e isso eu mesmo pude observar, muitos “proprietários” contratam alguém para

trabalhar em suas bancas, geralmente familiares (sobrinhos etc). Ela diz que essas pessoas “têm

consciência” de que têm de pagar todos os “direitos” a esses funcionários, tais como FGTS, 13º etc. E é

Júlio quem calcula esses benefícios. Como Zezé diz, o “funcionário” é “como se fosse” um trabalhador

com carteira assinada, “sem a carteira assinada”.

21 Sobre os motivos de sua contratação, vide adiante.

29

Primeiramente, gostaria de tecer alguns comentários a respeito das primeiras visitas, ao longo

das quais senti um certo desconforto por parte dos trabalhadores e mesmo da presidente do Sindicato

dos Trabalhadores da Economia Informal de Campinas (STEIC), Maria José Salles, a Zezé. Apesar de

já termos tido estabelecido contatos desde o final de 2000, quando iniciamos a coleta de informações a

fim de montar o projeto de pesquisa, percebi certa inquietação inicial por parte dela e dos comerciantes,

quando estes perceberam que, a partir de agora, minhas visitas seriam, digamos, mais sistemáticas. A

própria Zezé me confessou que, no início, achava que minhas idas ao local fossem parte de um

“trabalho de faculdade”, e que ficou surpresa quando soube que se tratava de uma pesquisa mais

extensa (embora eu tenha disponibilizado uma cópia de meu projeto, para ela). O sindicato fica numa

das ruas próximas ao Terminal Central, a Visconde do Rio Branco, numa sala do segundo andar do

“edifício Liberdade”, um prédio comercial. Ele é composto por três pequenas salas. A de entrada é

onde fica a secretária, Ednéia. Á esquerda, fica a sala da Zezé e, à direita, a “sala de reuniões” e de

arquivo (de documentos, jornais), onde há um computador. O sindicato conta ainda com um telefone,

na sala de entrada. Há uma extensão na sala da Zezé.

Um exemplo dessa dificuldade inicial foi a primeira visita que fiz a campo, após a aprovação do

projeto, no final de março. Estava acompanhado de Rodrigo.22 Nesse dia, haveria uma reunião entre os

membros do sindicato e representantes da Prefeitura. Eu havia telefonado para Zezé a fim de comentar

a aprovação de meu projeto e ela mesma nos convidou. Era um momento conturbado – naquele mesmo

dia, fiscais da Setec (Serviços Técnicos Gerais), autarquia da Prefeitura Municipal responsável pela

fiscalização do uso solo público, tentaram retirar alguns boxes na área do Terminal Central. A reunião

havia sido agendada, segundo Zezé, pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e de Trabalho da

Prefeitura. O assunto era desconhecido (ao menos, para mim). Os representantes da Prefeitura não

compareceram. Isso gerou um desconforto nos presentes. Zezé disse desconfiar de “fofocas” que teriam

sido feitas a respeito dos comerciantes informais na Prefeitura. Como a reunião, de fato, não ocorreu, a

presidente aproveitou para nos apresentar aos membros das “comissões” dos diferentes setores

presentes (cada setor tem uma “comissão” e todas elas formam, segundo Zezé, a “diretoria” do

sindicato). Fomos indagados a respeito de nossos objetivos e tentamos explicá-los. Todos se

dispuseram a nos ajudar, conversando conosco quando necessário. Mas voltando às dificuldades.

Estávamos todos na “sala de reuniões”, sentados em cadeiras que formavam um círculo, enquanto

aguardávamos a chegada dos representantes da Prefeitura. Enquanto os comerciantes conversavam, eu

22 Rodrigo é um amigo, colega de curso da Unicamp, que tinha um projeto de pesquisa a respeito das relações familiares entre os trabalhadores da economia informal. Foi junto com ele que fiz as visitas do “pré-campo”, bem como as primeiras visitas pós-aprovação do projeto. Infelizmente, por motivos pessoais, Rodrigo não pôde levar adiante sua investigação.

30

Rodrigo anotávamos algumas coisas em nossos “diários de campo”. Esse foi nosso erro. Me vendo

escrever, Zezé disse, em dado momento: “cuidado com o que vocês dizem, porque o Camilo tá

escrevendo tudo!”. Então, “acordei”. E parei de escrever. É claro que se tratava apenas de uma

brincadeira. Mas uma brincadeira que, de certa forma, expressava a inquietação que a minha presença e

a de Rodrigo provocava. Chegando em casa, refleti e cheguei à conclusão de que era melhor “conversar

primeiro e anotar depois”, ao menos nesse primeiro momento. O clima no sindicato estava tenso –

havia uma avalanche de matérias na mídia escrita local, “denunciando” os trabalhadores e levantando

hipóteses de que haveria uma ligação entre eles e o crime organizado. As pressões do Poder Público, da

mídia e da Acic (Associação Comercial e Industrial de Campinas) aliaram-se ao fato de os

representantes da Prefeitura não terem comparecido à reunião que eles mesmos marcaram para criar um

clima de desconfiança. É claro que esse era um momento conturbado para aqueles indivíduos terem que

“aturar” dois desconhecidos, “da Unicamp”, fazendo perguntas – ainda mais quando, em sua

inexperiência, estes ficavam anotando até os espirros deles. Daí a segunda brincadeira de Zezé, quando

estávamos indo embora, me alertando para “tomar cuidado com o que eu anotei”.

Problemas à parte, foi nesse dia que conhecemos o Ezequiel, um dos membros da comissão do

Setor Túnel. Ele foi nos explicando quais são os diferentes setores do Terminal Central e se dispôs a

conversar conosco, sempre que precisássemos.

Na semana seguinte, chegamos ao sindicato no intuito de conversar com Zezé sobre uma

recente manifestação promovida pelos comerciantes informais pelas ruas das imediações. Antes,

porém, ocorreu um fato inusitado. A presidente disse que nós iríamos “inverter os papéis” – ela seria a

“entrevistadora” e nós, os “entrevistados”. Queria saber exatamente “quem nós éramos” e o que

“queríamos saber”. Perguntou o que era Antropologia, “o que ela estuda?”. Fomos respondendo a suas

questões e, depois, ela nos contou que eram os próprios comerciantes que estavam querendo saber mais

sobre nós. Além disso, disse que, em reunião com o pessoal da Setec, no dia anterior, havia sido

interpelada pelo presidente da autarquia, Paulo Daniel, a nosso respeito. Achei isso curioso – afinal,

nós já tínhamos estado com ele e conversado, no “pré-campo”.

Quanto à manifestação, Zezé falou que se deveu ao fato de estarem sendo veiculadas muitas

matérias nos jornais locais denegrindo a imagem dos “camelôs” – e aqui se inclui a idéia da possível

ligação com o “crime organizado” – o que para ela, “é um absurdo”. Zezé lembrou que são recorrentes

as matérias do jornal Correio Popular, de Campinas, associando os “camelôs” à sujeira. Lembrou que

essas “denúncias” vêm da parte dos comerciantes “formais”, que querem “expulsar” os informais do

local. Assim, em suas palavras, a manifestação foi um “cala a boca” da parte dos “camelôs” a esse tipo

de matérias – afinal, “mexeu no bolso” dos lojistas, que fecharam as portas de seus estabelecimentos

31

durante cerca de duas horas. Zezé chamou atenção para o que segundo ela foi um fato “histórico e

único”: as polícias civil e militar não compareceram para “impedir” a manifestação, mas apenas para

evitar “atritos” entre os comerciantes “formais” e “informais”.

Nesse mesmo dia, obtivemos junto ao sindicato uma lista com os nomes de todos os membros

das comissões, não sem antes termos de explicar “para que a queríamos”. Depois, fomos ao Setor

Carlos Gomes, onde conhecemos o “Zé”, que faz parte da comissão de lá. Falamos sobre várias coisas.

Zé tem uma barraquinha de produtos eletrônicos (chaveirinhos, fitas cassete, de vídeo, além de

outras mercadorias, como cadeados, cortadores de unha, calculadoras etc). Sua esposa tem outra

barraca, dos mesmos produtos, próxima à sua. Ele disse que traz os produtos do Paraguai – ele mesmo

vai buscar. Afirmou que muitos “camelôs” preferem trazer de São Paulo – o que para ele não

compensa, pois os “camelôs” de lá trazem do Paraguai. Assim, comprando deles, teria que vender mais

caro. Zé nos lembrou, durante a conversa, que nem todos os “camelôs” que trabalham na cidade fazem

parte do sindicato – este abarca apenas os que trabalham na região do Terminal Central. Ressaltou a

importância da relação do sindicato, que funcionaria como uma espécie de “ponte” entre os “camelôs”

e outras instâncias, como a Prefeitura, a Setec, o Procon. Falou que, “sindicalizados”, os camelôs

passam a ter maior “consciência” da necessidade de “trabalhar de forma organizada” – dando valor à

limpeza do local, à segurança etc. É interessante que esses elementos aparecem de forma semelhante na

fala de membros de outras comissões, quando indagados a respeito do sindicato – e, mesmo, na fala da

própria Zezé, como pudemos observar.

Perguntei a Zé sobre o “ser camelô”. Ele disse que o “camelô” não é tão “diferente” assim,

apenas diferindo dos trabalhadores formais por não ter carteira assinada, férias, 13º, aposentadoria etc.

Isso é interessante – talvez possa demonstrar a presença, ainda, da CLT enquanto “modelo” do

“trabalhador comum”, mesmo nas representações dos trabalhadores informais.

Segundo Zé, o que leva alguém a ser “camelô” (e aqui ele se refere, claro, à sua experiência

pessoal) é, no início, uma questão de “necessidade”, que depois passa a ser “opção”. Quer dizer, por

não encontrar posição no mercado “formal” de trabalho, o indivíduo vai trabalhar no “informal”

(“necessidade”). Mas, depois, vendo que “não compensa” voltar para o “formal” para “ganhar menos”,

prefere ficar no “informal” (“opção”). Essa é uma questão importante – e complicada.

Zé diz ter trabalhado em “tudo quanto é lugar”, desde a roça aos 7 anos de idade em Presidente

Prudente (onde nasceu) até o ramo de representação comercial. 23 Se tornou comerciante informal em

1995, por “falta de opção”, mas diz que, hoje, “não se vê fazendo outra coisa”.

23 Vide comentários acerca de sua trajetória profissional, mais à frente.

32

Ele nos contou uma história interessante e intrigante. Estava falando do preconceito por parte

das pessoas com relação aos “camelôs” quando se lembrou que, certa vez, estava dando um jantar em

sua residência, quando um médico, “amigo”, começou a “falar mal” dos “camelôs”. Zé não reagiu.

Disse que para não “arranjar confusão”, afinal, o “doutor” não sabia que seus anfitriões eram

“camelôs”. Talvez aí a questão seja outra. Pode ser que ele não tenha “reagido” (afinal, estava “em sua

casa”) devido a um certo sentimento de inferioridade ou ilegitimidade perante o “médico”.

Zé nos contou ainda que, freqüentemente, as lojinhas da Álvares Machado são assaltadas, mas

que isso não ocorre nos setores, porque os ladrões sabem que, se tentarem assaltar os “camelôs”,

“levam porrada”. Isso denota uma cooperação entre esses trabalhadores – se um estiver sendo

assaltado, os outros se unem para ajudá-lo. Quanto à idéia de que os “camelôs” vendem produtos

roubados, Zé disse não haver esse tipo de problema, pelo menos entre os comerciantes que trabalham

no Terminal Central – e que, se alguém é pego fazendo isso, é “convidado a sair” do local e ir trabalhar

em outro lugar. Fiquei pensando nessa idéia da oposição entre os “camelôs do sindicato” e os que

trabalham “em outros locais”. Seriam estes últimos os “de fora”, os “outros-dentro-da-mesma-

coletividade-informal”?24

Nos dias seguintes, novas matérias saíram no Correio Popular, atingindo, de certa forma, os

trabalhadores da economia informal. Diziam respeito à decisão da Prefeitura de delegar à Setec a

fiscalização dos “paredeiros”. 25 Fomos, Eu e Rodrigo, conversar com Zezé sobre isso. Ela achava essa

uma decisão “estranha”, pois, afirmava, a Setec é responsável pela fiscalização do “solo” e não das

“paredes” do Município. Disse que essa decisão talvez tivesse alguma ligação com uma ação movida

na Justiça contra a Setec, pela Acic – que alegava que a autarquia estaria fazendo “vistas grossas”

quanto à fiscalização dos “camelôs”. Quanto a esta ação, Zezé acreditava que “não daria em nada” (a

Acic havia perdido nas instâncias municipal e estadual e estaria recorrendo à federal). Nesse momento,

Zezé já falava da “reestruturação do Centro”, que estaria sendo pensada pela Prefeitura, mas afirmava

ainda ser “cedo” para se avaliar quais mudanças afetariam os comerciantes informais. Foi nesse dia que

ficamos sabendo da existência de um fiscal da Setec, de sua confiança, que trabalha entre os “camelôs”.

Zezé disse que “fiscal da Setec não entra no ‘camelódromo’”, fora este, de confiança, que serviria

como “elo de ligação” entre a Setec e o sindicato. Adiante falarei sobre uma conversa que tive com ele.

Perguntei a Zezé se todos os trabalhadores do Terminal Central são “sindicalizados”. Ela disse

que sim – e que não. Segundo ela, “sindicalizados mesmo” seriam aqueles que pagam a taxa para o

24 E aqui remeto aos “outros-dentro-da-mesma-coletividade-industrial”, de Michel Agier e Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (op. cit.). 25 Os “paredeiros” são trabalhadores que vendem seus produtos (camisetas de times de futebol, sobretudo), nos muros das imediações do Terminal Central.

33

sindicato todos os meses. E que nem todos fazem isso – há os que “pagam quando podem”, mês sim,

mês não etc. E há os que não pagam. Segundo ela, isso não significa que o sindicato não abarque a

todos em sua atuação. Ela falou que a “função” principal do sindicato é “manter esse pessoal

trabalhando nas ruas”, garantir essa permanência. É para isso que ele existe. E disse que isso o

sindicato faz por todos os “camelô s” do Terminal Central, independente de poderem ou não pagar a

taxa. Atribui isso ao seu “jeito”, seu “estilo” de trabalhar – por ter “sofrido na vida”, sabe entender o

sofrimento e as dificuldades dos outros. 26 Disse ainda que os “camelôs” que trabalham fora das

imediações do Terminal, como os que ficam próximos ao Mercado Municipal, não têm “nada a ver”

com o sindicato.

Perguntei sobre o número total de comerciantes informais do Terminal Central (haveria algum

cadastro?). Ela disse que até há um cadastro, no sindicato – mas que saber o número real de

comerciantes é algo complicado, uma vez que esses não são “dados reais” – há setores em que há

vários “camelôs” cadastrados, mas nos quais efetivamente trabalham poucas pessoas, como o Setor

Terminal Central – Fundo.27 Sabe-se, porém (e isso é visível) que o setor onde trabalham mais pessoas

é o Terminal Central – Frente.

Nesse mesmo dia, conversei novamente com o Ezequiel. Ele é proprietário de um box de

produtos eletrônicos variados, brinquedos etc. Ele começou a falar das dificuldades nas vendas no

começo de ano. Segundo ele, que trabalha há cinco anos “com negócio próprio” (já foi “funcionário”

em outro box), todo início de ano as vendas são fracas, mas esse ano estavam piores, atribuindo a isso a

“crise brasileira”, a “alta da gasolina” etc. Ezequiel disse que, nesse ano, “até o clima atrapalhou”:

contou que, na Páscoa, muitos “camelôs” melhoram as vendas comercializando ovos de Páscoa e

chocolates, mas que nesse ano, devido ao calor, isso não foi possível. Ele reclamou que faz muito calor

no Setor Túnel (Zezé já havia comentado comigo a esse respeito).

Perguntei de onde vêm suas mercadorias. Ezequiel disse que são provenientes do Paraguai, mas

não é ele quem vai buscar. Segundo ele, há um “distribuidor” que traz de lá as encomendas dele e de

vários outros “camelôs”. Esse esquema compensa por dois motivos: em primeiro lugar, como esse

distribuidor compra em grandes quantidades, o preço é menor; em segundo lugar, ele não precisa pagar

à vista para esse sujeito (em São Paulo, segundo Ezequiel, “só pagando à vista”). Além disso, Ezequiel

conta que no Paraguai as mercadorias têm “garantia” e podem ser trocadas em caso de defeito – porque

o “distribuidor” traz produtos de lá toda semana. Na verdade, não é bem ele quem traz os produtos – há

“laranjas” que trazem as mercadorias para ele, que são repassadas aos comerciantes (como Ezequiel).

26 Vide entrevista que fiz com ela, a respeito de sua história de vida, adiante. 27 Vide observações a respeito desse setor, adiante.

34

Ezequiel contou que foi apenas uma vez ao Paraguai buscar mercadorias, mas não para ele –

isso foi na época em que ele era “funcionário” em outro “barraca”, antes de ter a dele. Pedi que me

explicasse melhor essa história de “ser funcionário”.

Segundo ele, às vezes um “camelô” tem que se afastar por algum motivo e pede “licença” no

sindicato (por um período determinado). Ele falou, por exemplo, dos casos de doença, em que o

indivíduo tem que fazer algum tratamento, de viagem ou, até mesmo, de “férias”. É isso mesmo – os

comerciantes informais também tiram férias. Em todos esses casos, pede-se uma licença no sindicato.

Segundo ele, nessas circunstâncias, o trabalhador pode: fechar o box, enquanto estiver fora; colocar

alguém de confiança para tomar conta de sua “barraca”; “alugar” a barraca ou colocar um

"funcionário” trabalhando em seu lugar, durante sua ausência. Ele me explicou que esse “aluguel” é

mais incomum – em geral, utilizado apenas em longos períodos de ausência do “proprietário”.

Funciona assim: o “proprietário” retira seus produtos e o “locatário” utiliza o espaço do box para

vender o que quiser. É por isso, de acordo com Ezequiel, que só compensa para alguém “alugar” uma

“barraca” por longos períodos (mais de três meses). O interessante é que Ezequiel me contou que, em

geral, são os próprios “colegas de trabalho”, ou mesmo “de setor”, que “alugam”, “tomam conta” ou

ficam “de funcionários” quando alguém “pede licença”.

No começo de abril, a Prefeitura Municipal de Campinas divulgou seu projeto de

“reestruturação do centro de Campinas”, que caiu como uma verdadeira “bomba” entre os

trabalhadores do comércio informal do Terminal Central. Isso eu pude perceber no “campo”.

No dia 10 de abril, uma quarta-feira, chegamos, eu e Rodrigo, ao sindicato, a fim de conversar

com Zezé. Logo ao chegar, notei um “clima estranho”. Ednéia, a secretária, que sempre nos atendia

sorridente, estava cabisbaixa. Até então, eu não sabia das matérias do Correio Popular que falavam

sobre o projeto do Poder Público. Para ir ao “campo”, tenho que pegar ônibus, pois moro em Barão

Geraldo, distrito de Campinas próximo à Unicamp – a “cidade universitária” daqui. Naquele dia, saí

sem ter tempo de ler as manchetes do dia.

Ficamos esperando. Enquanto isso, Ednéia nos colocava a par da situação. Na matéria do

Correio, entre outras coisas, o que se dizia é que o projeto previa o cadastramento de todos os

“camelôs” que trabalham na área central e sua retirada do local – ou realocação. Passados uns trinta

minutos, Zezé saiu da sala dela meio nervosa, nos cumprimentou e disse que naquele dia não estava

com cabeça para “dar entrevista”. Saímos de lá meio contrariados e fomos tentar conversar com algum

trabalhador. Queria conversar com alguém da comissão do Setor Jumbo, pois ainda não havia falado

com ninguém desse setor. Zezé me indicou alguns nomes. Nenhum deles estava lá. Nem mesmo

35

aquelas pessoas com quem nós já tínhamos conversado, de outros setores, também não estavam. Diante

disso, fomos embora.

Deu para perceber certo “mal-estar” entre os comerciantes informais – todos cabisbaixos,

preocupados.

Na semana seguinte, porém, o campo foi especial.28 Eu já não percebia mais aquele sentimento

de “desconfiança” em relação a mim, especialmente por parte da Zezé. Comecei a sentir que, de certa

forma, ela já estivesse se habituando com minha presença semanal entre os trabalhadores e no sindicato

– como se eu estivesse começando a fazer parte de suas preocupações. É como se a barreira inicial e o

desconforto (embora eu tenha consciência de que eles jamais desaparecerão, pois eu sempre serei “de

fora”), estivessem aos poucos se diluindo. Talvez aquela idéia de, sem nunca ser considerado “igual”,

ser finalmente “aceito”...

Chegando no sindicato, Ednéia me avisou de que Zezé já havia saído para sua “ronda diária”

entre os “camelôs”. Já conversei com Zezé a esse respeito. Todos os dias, após chegar ao sindicato, ela

sai andando por cada setor, para ver como estão os comerciantes e checar se há algum problema. Às

vezes, faz isso também após o almoço. Nesse dia, havia saído uma matéria no Correio, mostrando que

os lojistas do centro pediam providências ao Poder Público quanto ao “problema” dos “camelôs”. Néia

também me contou sobre uma reunião que haveria naquela noite, na Prefeitura, entre o Poder Público, a

Setec e os “camelôs”, para discutir a situação destes últimos no projeto de reestruturação. A Setec havia

enviado ao sindicado vários folhetos convocando para essa reunião. Neles, havia uma parte destacável.

A autarquia pediu ao sindicato que passasse entregando os folhetos para os trabalhadores, avisando da

reunião e preenchendo a parte destacável com dados pessoais do “proprietário” de cada box. Néia me

deu uma cópia do folheto. Na reunião daquela noite, iria se discutir mais especificamente a situação dos

comerciantes de alimentos e frutas. Antes, porém, seria explicada melhor a “Revitalização do Centro”,

para o sindicato e os trabalhadores. Néia me contou que Zezé havia começado no dia anterior esse

trabalho de entrega dos folhetos e “cadastramento” dos “fruteiros” e que o estava continuando naquela

manhã. Mais do que depressa, fui atrás dela e a pude ver “em ação”.

Zezé estava parada próxima ao Setor Túnel, acompanhada por Vagner – aquele fiscal sobre o

qual ela havia me contado, que trabalha em “parceria” com o sindicato e faz uma espécie de “ponte”

entre este e a Setec. Quando me viu, me cumprimentou. Disse estar “estressada” e “esgotada” por causa

das matérias que tinham saído no Correio Popular nos últimos dias. Pedi, então, para acompanhá-los

em sua “ronda”.

28 A partir desse dia Rodrigo não mais me acompanhou nas idas a campo.

36

Observando Zezé e Vagner andando entre os “camelôs” pude ver como eles são conhecidos de

todos – os cumprimentos iam e vinham de toda parte. Pude ver como Zezé é respeitada, querida e

“legítima”. Um episódio mostra bem isso: em dado momento, ela foi abordada por uma “paredeira”

que vende camisetas de times de futebol numa parede próxima ao Terminal Central, que disse estar

apreensiva quanto ao futuro dela e dos demais colegas. Zezé falou para ela ficar calma e não se

desesperar, porque nada iria ser feito contra “a categoria” sem conversação. Diante disso, a “paredeira”

soltou um “se você diz isso, tudo bem. Porque o que você diz, é Lei”.

Zezé e Vagner iam passando entre os “fruteiros”29, alertando sobre a reunião e anotando seus

dados na parte destacável do folheto. Quando o(a) “proprietário(a)” não estava presente, Zezé pedia

para quem estava tomando conta da banca que os(as) avisasse para passar no sindicato naquele mesmo

dia, “sem falta”, para preencher os canhoto. Me chamou a atenção ela dizer aos trabalhadores que sua

presença era obrigatória na reunião. E que, quem não fosse, não iria conseguir mais trabalhar lá a partir

do dia seguinte, porque os fiscais iriam impedir quem não tivesse ido de trabalhar.

Em dado momento, o Paulo Daniel, presidente da Setec, ligou no celular de Zezé. Enquanto ela

falava com o “presidente”30 , aproveitei para conversar com Vagner, a fim de entender melhor seu

trabalho.

Ele me contou que é fiscal da Setec há 14 anos e que trabalha junto ao sindicato há uns “10 para

11 anos” (uma função que disse já ter sido feita por uma “psicóloga formada da USP”, que não

“agüentou o tranco” e desistiu, dando lugar a ele). Vagner afirmou que seu trabalho junto ao sindicato

começou quando de um projeto feito em conjunto entre a Setec e o sindicato para alocar os “fruteiros”

nas imediações do Terminal Central – e se estende até hoje. Ele confirmou que é uma espécie de

“mediador” entre a autarquia municipal e o sindicato. Disse que sua relação com a Zezé é ótima, pois

eles nunca nem mesmo discutiram. Vagner ressaltou que quando começou nesse trabalho a situação no

Centro era pior. Chegou as dizer que, hoje, aquilo lá é um “paraíso” perto do que fora no passado.

Contou que era uma verdadeira “guerra” diária entre os “camelôs” e os fiscais, policiais, lojistas. O

presidente do sindicato, na época, era o famoso “Belo”. Zezé já havia me contado sobre ele, em outra

ocasião. Segundo o relato dela e de Vagner, Belo foi o presidente do sindicato desde sua criação, no

começo da década, até meados de 92 (quando fugiu, tendo a Zezé ficado em seu lugar, após ficar um

período como “diretora”). Esse Belo, segundo Vagner, fugiu da cidade por causa de seus “trambiques”

e “sumiu”. O interessante é que, embora ninguém saiba ao certo de seu paradeiro, há várias histórias,

segundo Vagner, a seu respeito: uns dizem que ele está em Goiás, outros que ele está em Bragança

29 Os “fruteiros” ficam com suas barracas não propriamente no “camelódromo”, mas nas ruas próximas a ele. 30 É assim que ela se refere a ele.

37

Paulista (SP). Talvez seja interessante ouvir os indivíduos que trabalham há mais de dez anos no local,

a fim de obter suas “histórias sobre o Belo” – ainda mais porque, de acordo com Vagner, apesar de

“trambiqueiro”, Belo é visto e lembrado como uma espécie de “herói” pelos “camelôs”, porque

“peitava” a polícia, os ficais e os comerciantes, naquela época tão conturbada.

***

Cheguei às 19h35 daquele mesmo dia, 17 de abril, na Prefeitura. A reunião, no Salão Vermelho,

ainda não havia começado. Encontrei Zezé e alguns “camelôs”. Nos cumprimentamos. Quando Paulo

Daniel chegou, fomos “apresentados” pela Zezé. 31 Após conversarmos um pouco, ele me reconheceu.

Logo após isso, se aproximou de mim um senhor, que se disse fiscal da Setec, que ficou perguntando

sobre minha pesquisa. Ele perguntou se eu estava acompanhando o sindicato só naquela semana. Então

expliquei que não – que se tratava de uma pesquisa mais extensa, que iria pelo menos até o final desse

ano.

A reunião começou às 19h45. O salão estava lotado – de “camelôs”. Não notei a presença de

ninguém da imprensa. Quem começou a falar foi o secretário de gabinete de governo da Prefeitura,

Lauro Marcondes. Ele disse que o projeto é de “revitalização” por causa da atual deterioração do

Centro e que a idéia vem do Toninho (ex-prefeito, morto tragicamente em 11 de setembro do ano

passado), e que o intuito é “melhorar o Centro”. Lembrou que a criação de novos shoppings afastam os

consumidores do Centro, bem como a “deterioração”, que afasta os clientes, inclusive dos comerciantes

informais. Aliás, essa idéia de que a revitalização será boa para os “camelôs” foi o tempo todo

ressaltada, em sua fala. Disse que o objetivo da Prefeitura não é se colocar contra ninguém e que esta se

trata de uma “proposta democrática”. Disse que o objetivo é “disciplinar e melhorar o espaço urbano”.

Depois, falou em transformação social, e que o ideal seria que os informais tivessem colocação no

mercado formal, colocando isso como um “objetivo político”. Nesse momento, foi interrompido por

um trabalhador informal, que gritou para ele dizer logo o que era essa “tal de revitalização”. Diante

disso, o secretário disse que existem medidas que podem ser colocadas em prática já, e outras não – que

há propostas de curto, médio e longo prazo. Falou genericamente sobre algumas das propostas. Disse

que algumas coisas seriam feitas com verbas municipais e outras com verbas da iniciativa privada – ou

dos dois. Falou em “humanizar” o Centro da cidade em na participação ativa de todos os envolvidos –

do comércio “formal” e “informal”, no processo. Disse que, “se melhorar, vai melhorar para todo

31 Na verdade, já havíamos estado, Rodrigo e eu, com Paulo Daniel Silva, na Setec, quando montávamos nossos projetos de pesquisa, no final do ano passado. Na ocasião, ele se dispôs até a conversar conosco, sempre que julgássemos necessário.

38

mundo”. Falou que não está descartada a possibilidade da mudança de local dos trabalhadores do

Terminal Central, sobretudo dos “fruteiros”. Aí começou a tensão no salão.

Logo após, começou a falar o secretário municipal de Cultura, Esportes e Turismo, no cargo

desde dezembro passado, Valter Pomar (que chegou à reunião no meio da fala de Marcondes). Pomar é

o responsável pelo projeto de revitalização, incumbido pela atual prefeita, Izalene Tiene (PT). Ele disse

que alguns pontos do projeto ainda estão sendo detalhados e outros geram dúvidas. Falou que a idéia

geral é “revitalizar e requalificar”, e que para tanto serão ouvidos todos os setores envolvidos nesse

processo: arquitetos, engenheiros, comerciantes formais e informais e Prefeitura. Disse que o Centro da

cidade não é de ninguém – “é de todo mundo”. Falou que a idéia é pensar o Centro a longo prazo – 10 a

15 anos. E que são 14 ações imediatas, algumas já tendo começado. Vou tentar resumi-las, a partir do

que pude apreender de sua fala:

1 – Quanto ao prédio da Fepasa. Previsão de que, em cinco anos, ele se torne um centro de “atividades

culturais” (shows, teatro, dança etc.);

2 – Ao lado deste prédio. Construção de um centro profissionalizante, com verbas do Ministério

Federal de Educação e da Prefeitura, com previsão de conclusão para setembro de 2003;

3 – Em frente à Estação da Fepasa. Idéia de levar a “vida noturna” para lá (restaurantes, bares,

lanchonetes etc);

4 – Atrás dela. A mesma coisa: atividades culturais nos horários em que há pouca gente, pouco

movimento;

5 – Ruas 13 de Maio e Costa Aguiar. Melhorar a “visibilidade/aparência”, com recursos da

Administração/iniciativa privada;

6 – Restauração do prédio da Catedral. Melhorar o espaço atrás dela;

7 – Restauração do “Palácio dos Azulejos”, com verbas da Acic;

8 – Retirar o Corpo de Bombeiros do local e construir uma praça em seu lugar;

9 – Largo do Rosário/Fórum – mesma linha de iniciativas;

10 – Construir um novo teatro na área central;

11 – Reformular o trânsito da área central;

12 – Aumentar a segurança no local, a fim de viabilizar eventos;

13 – Quanto aos “ambulantes”. Falou que, para os lojistas, o grande problema são os “ambulantes” e

que as propostas têm que dar conta das reivindicações dos dois lados. Falou que á várias propostas,

uma delas sendo a Prefeitura “padronizar” o comércio informal, com a criação de “quiosques” etc.

Outra idéia seria criar no Centro um espaço específico aos comércio informal. Admitiu que não pode

39

ser um local onde não haja movimento de pedestres e disse que a única certeza é a de que “do jeito que

tá, não tá legal” e que o desafio é “resolver o problema”;

14 – Criar uma “zeladoria” no Centro. Pelo que entendi, a idéia é que vários setores (Vigilância

Sanitária, Setec etc) promovam a “fiscalização” do Centro, num trabalho “não só punitivo”. Falou em

“cuidar” da área central da cidade.

O secretário continuou, dizendo que a idéia “a curto prazo” é criar um ambiente melhor no

Centro da cidade de Campinas e a “imagem” que as pessoas fazem dele – melhorar para os vários

setores que vivem “no Centro e do Centro”.

Achei sua fala meio controversa. Em primeiro lugar, fala que a idéia da Prefeitura é ser

“imparcial” e melhorar o Centro “para todos”, para logo após dizer que deve ser pensada uma

“solução” para o “problema dos camelôs”, porque “do jeito que tá, não tá legal”. Além do mais,

sabemos que uma das propostas que ele apresentou para tanto, a criação de um local específico, pela

Prefeitura, para o comércio informal, já foi, como ele mesmo lembrou, levada a cabo em outras

cidades, como em Recife (PE). Estive em Recife no início do ano e pude ver como está o

“camelódromo” de lá. O resultado é, no mínimo, duvidoso: em Recife se criou um mega

“camelódromo” há cerca de dez anos, numa grande avenida central, a Dantas Barreto. Hoje, vários dos

“galpões” construídos estão “às moscas” porque não há movimento, e os comerciantes informais

voltaram para as ruas – preferindo “guerrear” e/ou fugir dos fiscais do que trabalhar no

“camelódromo”.

Após isso, falou o Paulo Daniel Silva, presidente da Setec. Falou que a autarquia quer um

“centro cidadão” e uma “cidade cidadã”. E que é fundamental a participação de todos a fim de se

garantir a inclusão e a justiça social. Lembrou que desde o ano passado a Setec vem mantendo contato

com o sindicato e lembrou do levantamento do perfil sócio-econômico dos trabalhadores informais,

levado a cabo pelos pesquisadores do Cesit, a pedido da Setec. Disse que a idéia é “caminhar em

conjunto” – “ouvir, analisar, propor”. Lembrou que chegará um momento em que o governo vai ter de

“tomar partido” e que a intenção da Setec é a de “disciplinar e organizar” o uso do solo público.

Lembrou que em alguns locais não será permitido o “comércio ambulante” e que em outros isso será

“permitido”. Falou que tanto o comércio “formal” quanto o “informal” necessitam do fluxo de pessoas

e que a idéia do projeto é tornar o espaço de ambos os comércios mais agradável. A política da Setec,

em suas palavras: incluir, disciplinar e organizar, tendo como ponto fundamental e de consenso

“melhorar”. Disse que, para tanto, haverá conversação e ressaltou que o primeiro passo é começar com

a questão da “zeladoria” e da “Vigilância Sanitária”.

40

Depois, falou a Filomena (não disse o sobrenome), coordenadora da Vigilância Sanitária, da

Secretaria Municipal de Saúde. Começou falando que o objetivo principal de quem vende alimentos é

“produzir saúde”, vendendo alimentos saudáveis. Nesse sentido, os “camelôs” que vendem alimentos

são também “agentes de saúde”. Contou que o trabalho que se quer fazer, junto com a Setec, é a

“capacitação de quem trabalha com alimentos” na economia informal. Lembrou da preocupação que se

deve ter com a higiene. A idéia, segundo ela, é oferecer um curso (em parceria com Sebrae, Senac e

Sesi) de manipulação de alimentos, para os comerciantes informais que vendem gêneros alimentícios.

Ressaltou o trabalho de “zeladoria” que deve ser feito para impedir que se façam “coisas erradas”, com

um enfoque mais “informativo” do que “punitivo”. O interessante é que Filomena, logo no começo,

desceu da mesa e veio falar em pé, junto à “platéia”. Disse que preferia assim. Também lembrou que

conhecia alguns dos presentes, por causa de um curso já oferecido pela Vigilância Sanitária. O

resultado é que foi a única aplaudida, embora não muito, ao final de sua fala.

Após tudo isso, a mesa abriu os microfones para questões. O primeiro comerciante perguntou

diretamente para Paulo Daniel se os fiscais da Setec recebem orientação para ter “respeito ao próximo”

e lembrou de um caso que teria ocorrido de violência por parte de um fiscal contra sua filha, que estava

grávida. A “platéia” começou a ficar agitada.

Outro, representante dos “permissionários”32, ressaltou que eles “não têm ninguém” que lute por

eles e questionou porque, ao invés de se pensar em melhorias no Centro, não se cogitam melhorias nas

periferias. Foi aplaudido.

Logo após, veio a Zezé. E “abalou”. Ela cumprimentou os presentes e os componentes da mesa

e disse que falava em nome de todos os “camelôs”. Falou que o sindicato vem acompanhando as

manchetes que vêm saindo nos jornais, nas quais limpar a cidade aparece como “limpar os ‘camelôs’

das ruas”. Disse que isso é inadmissível. Falou que o que espera é uma “recuperação” do tratamento

dispensado aos “camelôs”, por parte dos outros setores da sociedade. Disse que a preocupação dos

lojistas não é com a cidade, mas em “ver a cidade bonita”. Disse que “o que eles querem é tirar nossa

categoria da rua”. Quanto à organização dos “camelôs”, lembrou que há um projeto que já vem sendo

posto em prática pelo sindicato há bastante tempo. Disse que o verdadeiro problema da cidade é a

violência e que a Prefeitura não vai desativar o Terminal Central “para construir uma praça”. Lembrou

que o sindicato está em parceria com a Setec pela revitalização, mas que só se vai levar os “camelôs”

para a Fepasa depois que os terminais de ônibus urbanos forem para lá. Disse que essa era a idéia do

Toninho, que representava a “categoria”. Ressaltou a força dos camelôs. Disse que os lojistas podem

32 Trabalhador informal que atua fora do Terminal Central, não sendo do sindicato, que trabalha com uma “permissão” da Setec.

41

até ter condições financeiras para recuperar o Palácio dos Azulejos”, mas que os “camelôs” têm “garra

e força”. Convidou os “permissionários” a se unirem ao sindicato nessa “luta”, afirmando que estão

todos “no mesmo barco” agora. Disse que queria, por fim, tranqüilizar a “categoria”, pois eles não

iriam sair do Terminal Central “amanhã”.

Foi uma fala curta. Curta e grossa, eu diria. E parece ter sintetizado o que todos os comerciantes

informais queriam dizer, porque o auditório “veio abaixo” no final dela. Sua fala foi entrecortada por

aplausos efusivos.

Outros dois trabalhadores falaram após a Zezé. O primeiro ressaltou a idéia de que é a

“periferia” que deve ser restaurada. Disse ainda que os “camelôs” já fazem parte da cidade. O segundo

era um velhinho (devia ter uns 80 anos) negro. Não deu para entender muito bem o que ele dizia. Ele

falou que trabalha há mais de 30 anos como “camelô”. Agradeceu a mesa e disse estar gostando do que

eles estavam falando. E pediu para colocarem uma torneira perto de onde ele trabalha, próximo de um

ponto de ônibus, porque sentia sede durante o dia.

Depois, a mesa tentou responder ao que foi colocado pelos comerciantes e por Zezé. Primeiro

foi o Marcondes. Falou sobre o Orçamento Participativo e sobre a discussão sobre os problemas nos

bairros. Disse que, se o intuito da Prefeitura fosse ficar do lado dos comerciantes “formais”, não teria

chamado os “camelôs” para conversar. Disse que o Poder Público reconhece o trabalho do sindicato,

que “colabora” para com a organização dos “camelôs”. Falou que a Prefeitura não tem o “rabo preso”

com ninguém e que respeita o “trabalho informal”. Mas ressaltou que isso não significa que “liberou

geral” e que os “camelôs” não podem ficar “onde quiserem”. Contou que ele próprio compra no

comércio informal. Que todos compram. E disse que o intuito não é “tirar ninguém da rua”. Disse que

todos os tipos de comércio seriam chamados para conversar e que ninguém seria “pego de surpresa”

com a revitalização. Paulo Daniel lembrou que “o Poder Público” estava sendo representado naquela

mesa e que se trata de um governo “democrático e popular”. Falou que aquela era a primeira vez que

um Poder Público chamava os diferentes setores para conversar sobre suas propostas. Falou que uma

coisa é o jornal ter uma opinião – e que outra coisa é a opinião do Poder Público. Quanto à fiscalização,

disse que a Setec está mudando seu caráter “truculento” e que isso não se dá “do dia para a noite”.

Filomena e Pomar também falaram, mas, na minha opinião, não acrescentaram nada que não tivesse

sido dito pelos outros dois.

Após a reunião, cumprimentei Zezé e tentei falar com Pomar. Fui perguntar como deveria

proceder a fim de agendar uma reunião com ele, após me apresentar e falar sobre a pesquisa. Ele mal

falou comigo – eu o seguia falando, enquanto ele andava rapidamente. Finalmente, eu parei. Quando

42

percebeu que eu não estava mais ao seu lado, parou, voltou, e disse para eu ligar para sua assessora de

imprensa a fim de “marcar um encontro”.

***

Na semana seguinte, estive no sindicato novamente. Zezé estava no banheiro.33 Enquanto

esperava, conversei com Ednéia e fiquei sabendo que, dois dias antes, havia ocorrido uma nova reunião

no Salão Vermelho da Prefeitura, desta vez com os trabalhadores informais que vendem “vestuário”.

Zezé chegou a fomos direto para sua sala. Ela disse que “foi a mesma coisa” da outra reunião. Só que,

desta vez, a questão de retirar os “camelôs” do Terminal Central foi colocada como “de longo prazo” –

de 10 a 15 anos. Fiquei intrigado quando Zezé disse que, “no fundo, a gente sabe que um dia isso vai

acontecer”. Mas ressaltou que nada que prejudique a “categoria” será aceito. A presidente afirmou que

havia bem mais comerciantes informais nessa nova reunião – tanto que um telão foi colocado do lado

de fora do “salão”, para que os que ficaram de fora pudessem acompanhá-la. Na primeira reunião, o

salão estava já lotado. Ela disse que a “reação” por parte dos trabalhadores quanto ao que foi dito nessa

nova reunião foi até mais explosiva do que na primeira – até porque eles estavam em número maior.

Questionei sobre a diferença entre os “camelôs do sindicato” e os “permissionários”. Ela disse que os

segundos não têm ligação com o sindicato, “não têm ninguém”, e só trabalham por causa de uma

“permissão” da Setec (daí o termo “permissionários”). Ela disse que o único ponto positivo de tudo o

que estava acontecendo é que os “dois lados” estavam se unindo, porque estavam agora “no mesmo

barco”.

***

A partir desse momento, em minhas visitas a campo procurei conversar mais diretamente com

os “camelôs” que fazem parte das comissões. Meu intuito era coletar quais suas representações acerca

dos motivos que levam à existência delas, bem como entender melhor como elas funcionam. Queria

também saber a partir de quais termos esses indivíduos se referem a si próprios e a seu local de

trabalho. Comecemos por esse último ponto.

Conversando com o Zé, que faz parte da comissão do Setor Carlos Gomes, com quem já tinha

estado34, fiquei surpreso quando fui informado de que ele não é “camelô”. Ele se diz “comerciante

33 O banheiro fica no corredor. Acho que é um banheiro por andar no Edifício da Liberdade, cada sala tendo sua chave. 34 Ao qual já me referi.

43

informal” ou “autônomo” e me contou que, quando precisa fazer algum cadastro (em bancos, lojas etc),

preenche o campo “profissão” com um desses dois termos. Disse ainda que “camelô” é pejorativo,

afirmando que as pessoas se referem a eles assim só para “os diminuir”, assim como quando dizem

“ambulante”. Ele se diz “comerciante”, afirmando que “isso aqui não deixa de ser um comércio. O que

a gente faz aqui é comércio, não é?”. Comentei com ele que no jornal sempre se referem a eles como

“camelôs” ou “ambulantes” e Zé se mostrou irritado, afirmando que os jornais só fazem isso para os

diminuir. Aprendi outra coisa com Zé: sempre que me referia ao local onde vendem seus produtos, eu

falava “barracas” ou “barraquinhas”. Zé me disse que o nome certo é “box”. Portanto, trata-se de vários

“boxes” de “comerciantes informais” ou “autônomos”. Em seu box, Zé vende produtos eletrônicos

(calculadoras, relógio s, rádios, walkmans, discmans, pilhas, fitas-cassete e de vídeo etc). De vez em

quando, durante nossa conversa, éramos interrompidos por um cliente em potencial. Durante o tempo

que fiquei lá, ele vendeu um produto muito interessante, uma espécie de

calculadora/despertador/relógio, por R$ 10.35 Zé traz seus produtos do Paraguai. Então, perguntei-lhe

sobre a viagem. Ele disse que sai num dia à noite e só volta na noite do dia seguinte. Falou que é muito

cansativo. Enquanto viaja, é sua esposa que fica tomando conta do box. Zé afirmou que sempre compra

nos mesmos locais no Paraguai, de pessoas que ele já conhecem bem. Perguntei se ele não tinha medo

de ser pego e ele disse que sim, claro. Todo mundo que faz isso tem. Mas que, apesar disso, nunca teve

“mercadoria apreendida”. Também disse que tem medo dos assaltos aos ônibus, que são muitos

freqüentes nesse tipo de viagem.

Perguntei a Zé como é que os trabalhadores fazem para ir ao banheiro. Eles utilizam os

banheiros dos bares ou de um banheiro público que tem ali perto. Pessoalmente, Zé vai ao banheiro em

sua casa mesmo – ele mora num apartamento próximo do Terminal Central. Quanto à sede, os

trabalhadores, segundo Zé, compram garrafinhas d´água.

Na semana seguinte, cheguei ao sindicato e Zezé havia saído para andar pelo “camelódromo”.

Fui atrás dela e a encontrei falando ao celular com o “presidente”, Paulo Daniel. Ela estava de saída –

iria junto com alguns comerciantes procurar um local adequado para os “paredeiros”, que terão que sair

das imediações do Terminal Central. Disse que depois me explicava melhor. Me adiantou, diante de

minha insistência, que está procurando conhecer as soluções encontradas para o comércio informal em

outras cidades, para transportá-las para Campinas – uma idéia a ser realizada em parceria com a Setec.

35 A título de curiosidade, encontrei numa loja num shopping o mesmo produto por R$ 15. Achei engraçado quando veio um senhor, ficou olhando as coisas, perguntando o preço de tudo...e o Zé ao lado, de vez em quando olhando para mim e fazendo uma cara esquisita. Quando o sujeito foi embora sem comprar nada, Zé virou para mim e disse que “quando é assim, eu sei logo de cara que não vai comprar nada. É só enrolação”

44

Porém, conforme me explicou em outra ocasião, não se trata de retirar os trabalhadores que estão fixos

no Terminal Central, mas de encontrar novos espaços onde novos trabalhadores, bem como os

“paredeiros”, possam vir a ser alocados. Para isso, Zezé me pediu as fotos que fiz em Recife, que eu

ainda nem tinha revelado.36 Nesse dia, Zezé me indicou que conversasse com o “Chiquinho”, da

comissão do Setor Jumbo. Me levou até seu box, mas ele não estava. Então comentei que não havia

ainda conversado com ninguém do Setor Frente e ela me recomendou que falasse com o Claudinei, o

“Nei”. Ele também não estava. Eu havia falado minutos antes com o Ezequiel, então voltei lá para

conversarmos.

Ezequiel estava todo orgulhoso, neste dia, por causa de seu “box novo”, que ele havia

aumentado. Disse ter chegado às cinco da manhã no Terminal, só para montá-lo. As vendas haviam

melhorado e ele esperava que, com o box novo, melhorassem ainda mais.

Com relação aos termos de auto-representação, Ezequiel me disse coisas muito interessantes.

Ele se diz “comerciante informal”. Porém, ressaltou que os diferentes agentes que mantém contato ou

que falam sobre o grupo utilizam termos distintos nessa fala. Para o jornal, eles são “comerciantes

informais”, da “economia informal”. Para os comerciantes “formais”, são “ambulantes”. Essa, segundo

Ezequiel, é uma forma de “diminui-los”. Para as pessoas em geral, são “camelôs”. As pessoas dizem:

“eu vou lá nos camelôs...” ou à pergunta “onde você comprou isso?” respondem: “ah, lá no camelô”.

Ezequiel falou da tensão na relação com os comerciantes “formais”, os lojistas. Segundo ele, o que eles

querem é “queimar (o filme) dos comerciantes informais” e uma forma de fazer isso é chamá-los de

“ambulantes”, afirmando que vendem “porcaria”. Ressaltou que quem compra deles sabe que as

mercadorias são de boa qualidade. Senti uma “vontade de falar” sobre isso, da parte dele. Tanto é que

ele me pediu para passar lá na semana seguinte, para batermos outro “papo”.

Depois disso falei com o Chiquinho, do Setor Jumbo. Ele me disse que o termo correto para se

referir a eles é “comerciante informal”. Disse que não são “camelôs” ou “ambulantes” porque têm

“ponto fixo”. Além disso, ressaltou que o que fazem não deixa de ser um “comércio”. Disse que seus

produtos têm garantia e que os compra e São Paulo, “com nota fiscal e tudo”, e não no Paraguai. Achei

interessante que, durante nossa conversa, Chiquinho se referiu várias vezes ao grupo enquanto

“camelôs”. É estranho: parece que, quando faço “a pergunta”, eles se dizem “comerciantes”. Mas,

distraídos, falam “camelôs”. Até mesmo a Zezé: quando perguntei, ela falou que se tratam de

“comerciantes informais”. Porém, disse que, “no fundo, no fundo, são camelôs”. Mas que “é feio” falar

36 Quando estive em Recife, fiz algumas fotos dos “camelôs” de lá e havia comentado isso com Zezé no início do ano. Ela, agora, me pedia essas fotos. Tratei de revelá-las e entregá-las para Zezé, acreditando que isso talvez ajudasse ainda mais a quebrar com aquela desconfiança inicial que, mesmo que menor, persistia e persiste, de certa forma, até hoje.

45

assim. Voltando ao Chiquinho, quando perguntei sobre a designação do “ponto”, ele confirmou que são

“boxes”. Cada um possui e trabalha em seu “box”. Outra vez, a mesma história: “na verdade são

barracas”, mas “é melhor falar box”.

Na semana seguinte, falei com Nei (que não encontrei no dia anterior) e com Ana. Nei trabalha

num box de brinquedos no Setor Terminal Central – Frente, de cuja comissão faz parte. Nei disse que

trabalha como “autônomo” há dez anos, no local – já era “camelô” antes. Faz parte da comissão do

setor há mais ou menos 4 anos (quando surgiram, segundo ele, as comissões). Vários familiares

trabalham com ele, como sua esposa e filha. Além disso, me contou que o box no qual trabalha não é

dele, mas de um amigo deficiente físico que ajuda. Disse que não é o único a trabalhar assim, na banca

de um deficiente, a quem se paga um “salário”37, espécie de “ajuda de custo”. No box “dele mesmo”

trabalha a sua família. Nei traz seus produtos do Paraguai – vai para lá a cada três semanas. Ressaltou

que é muito cansativa a viagem, cuja descrição em quase nada diferia da que me foi dada pelo Zé.

Ana é da comissão do Setor Terminal Central – Fundo, onde vende flores. Esse setor fica,

literalmente, nos fundos do Terminal. Bem escondido – até demorei para achá-lo. Ana trabalha há 4

anos no local e há 2 anos é da diretoria/comissão do sindicato. Antes, trabalhava como empregada em

uma banca de flores em uma feira. Disse que “pediu a conta” porque se sentia explorada e

sobrecarregada, resolvendo ir trabalhar “por conta própria”. Falou que prefere sua situação atual,

porque agora trabalha “no que é dela” e não quer voltar a ser “empregada”, ressaltando que, mesmo

que quisesse, “emprego tá difícil...”. “Banca”, segundo ela, é o termo correto para se referir ao local

onde atuam os “trabalhadores informais”. Disse não se tratar de “boxes”, porque estes são feitos de

tijolos e não “de lata”, como as bancas do Terminal Central. “Barracas” é um termo que ela diz odiar.

Assim como “camelô” ou “ambulante”, que considera pejorativos. Ana comentou a situação precária

no Setor Fundo, onde quase não há movimento. Perguntei-lhe se ela achava que, se algo não fosse

feito, os trabalhadores não acabariam saindo de lá. Ela acha que não – afinal, a maioria deles são

“velhos”, que não têm “para onde ir” e precisam sobreviver.

Em minha penúltima visita ao Terminal Central, conheci “Paraná”, que é o segundo membro da

comissão do Setor Fundo. O encontrei no sindicato, quando estava procurando pela Zezé, que não se

encontrava lá. Fomos apresentados por Néia. Paraná (a apelido se deve ao fato de ele ser desse estado)

veio para Campinas em 1989, deixando a família para trás (a qual veio depois). Trabalha como

comerciante informal desde então e já estava na região do Terminal Central antes da fundação do

sindicato, que diz ter “ajudado a fundar”. Paraná disse que não liga em ser chamado de “camelô”,

embora acredite que o termo seja mais apropriado àquelas pessoas que trabalham “pela rua”, sem

46

“ponto fixo”. Prefere, contudo, “comerciante informal” (infelizmente informal, segundo ele). Mais uma

vez, a contradição: perguntado diretamente sobre isso, diz que o termo é “comerciante informal”, mas

em sua fala se referiu várias vezes a si próprio e aos demais como “camelô(s)”. Em sua fala, se referia

aos boxes também como “bancas”, assim como Ana, mas disse que o seu é um “trailer”, pois trabalha

com alimentos – “lanchonete”, sendo seu espaço, portanto, maior que o dos demais trabalhadores. Em

seu trailer, vende pastéis, salgados, refrigerantes etc, alimentos de “fabricação própria”, que diz serem

feitos por uma “salgadeira”. Paraná atribui o fraco movimento no setor onde trabalha à “crise

econômica”, ao desemprego, ao surgimento dos chamados “perueiros”, cujas rotas não incluem a

região do Terminal Central, o que segundo ele ajuda a diminuir o número de pessoas que passa por lá e,

por fim, às mudanças no sistema de trânsito no local, cujo efeito, diz, foi o mesmo. Disse ainda que não

pretende voltar a trabalhar com carteira assinada, pois não conseguiria arrumar um “emprego decente”

devido á sua baixa escolaridade. Falou, ainda, que trabalhando em uma “empresa”, teria que “vestir a

camisa dela” e obedecer às ordens de “chefes”. Por tudo isso, prefere trabalhar “para ele mesmo”, num

“negócio dele” – e “por conta própria”.

No segundo semestre, conversei com muitas outras pessoas a respeito da auto-nominação desses

trabalhadores.38Vanderley e Maria Conceição (sobrinho e tia, que trabalham juntos no Setor Carlos

Gomes), por exemplo. Ambos acham que o termo “camelô” é pejorativo. Tanto para Vanderley quanto

para Maria Conceição, denota preconceito. O certo, dizem, é se referir a eles como “economia

informal”. Maria Conceição me disse que, desde que começou a trabalhar por lá, há seis anos,

“aprendeu” com os demais que o termo certo era esse.

Nem todos com quem conversei, porém, concordam com isso. Dona Maria, por exemplo, que

trabalha no Setor Terminal Central – Frente, acha que o termo certo é “camelô mesmo” – porque “não

paga imposto, não tem nota fiscal”. Ela não vê preconceito em se referir a eles como “camelôs”. Disse,

ainda, que “até o Sílvio Santos já foi camelô”, e que por isso ser “camelô” não é “vergonha nenhuma”.

Também o Calixto, do Setor Jumbo, acha que o termo correto é “camelô”. Que todos eles, “na

essência”, são “camelôs”. E trabalham num “camelódromo”. Ele acredita que, hoje em dia, as pessoas

preferem se dizer “comerciantes informais” numa tentativa de “maquiar a realidade”, para obter status.

Podemos tentar interpretar o que essas pessoas estavam me contando. Em primeiro lugar, não se

pode deixar de levar em consideração quem era seu interlocutor, naquele momento. Eles não estavam

sendo perguntados sobre o termo correto para se referir à sua prática de trabalho por qualquer um. Era

37 O termo é dele. 38 Mais à frente trago suas trajetórias de vida e profissionais.

47

alguém especial: um pesquisador, “da Unicamp”, que por mais que tenha se esforçado ao máximo nos

últimos dez meses para estabelecer uma relação de pesquisa, é sempre um “outro”. É preciso ter isso

em mente ao tentarmos compreender, ou interpretar o que significa a grande maioria de meus

interlocutores ter-se afirmado “comerciante informal”, e não “camelô”. Se quisermos interpretar sua

interpretação a respeito de si mesmos (antropologicamente...), devemos, em primeiro lugar, reconhecer

que nossa presença naquele espaço causava certo estranhamento. Em segundo lugar, não é banal, muito

menos contraditório, que eles não se auto-refiram enquanto “camelôs” – se é justamente dessa forma

que aqueles indivíduos que estão “no lado oposto” ao deles no conflito dentro do qual eles se inserem

se referem a eles. Eles são “camelôs” para os “lojistas”, para o jornal. E são “comerciantes informais”

para o “pesquisador”. Depende do contexto, da situação – e da relação, de contraste ou não, que eles

estejam buscando estabelecer.

***

Passo a relatar agora o que me foi dito por essas pessoas com relação ao papel das comissões.

Todos eles ressaltaram que as comissões ajudam o sindicato a “fiscalizar” os outros “camelôs”, ou

comerciantes informais, o auxiliando ao resolver pequenos problemas ou mesmo avisando sobre

questões mais graves. Há outra constante: a preocupação para com a limpeza do local de trabalho.

Outra preocupação diz respeito à segurança: todos com quem conversei me disseram que são pagos

indivíduos para vigiar os setores à noite. Essas pessoas são pagas por um indivíduo que fica

encarregado de “contratá-las”. Os comerciantes pagam uma taxa mensal ou semanal a esse indivíduo,

que ainda não pude conhecer, que repassa um “salário” aos vigilantes que contrata. Caso algum box

seja assaltado, esse sujeito deve pagar os prejuízos – embora, até o momento, ninguém tenha me

relatado algum caso assim.

Quanto à energia elétrica, há algumas diferenças entre os setores. Segundo Zé, no Setor Carlos

Gomes há um só relógio de luz, cuja conta é dividida entre todos os comerciantes locais. Quem passa

recebendo esse valor é sempre alguém da comissão do setor. No Setor Túnel, de acordo com Ezequiel,

o esquema é o mesmo. No setor Jumbo, Chiquinho me explicou que até há bem pouco tempo havia

apenas um relógio – mas que hoje o Setor, onde há, segundo ele, cerca de 80 “pontos”, foi dividido em

duas partes, a “de baixo” e a “de cima”, a fim de facilitar o trabalho dos membros da comissão. Assim,

ele e Lurdes, que trabalham na parte “de cima”, são responsáveis por ela e os demais membros da

comissão, que trabalham no outro lado, fiscalizam a parte “de baixo” – embora, segundo ele, essa

divisão não seja “formal”: quando não há alguém para fiscalizar a parte “de baixo”, os da parte “de

cima” o fazem, e vice-versa. Quanto à energia elétrica, funciona da mesma forma que nos outros

48

setores. No Setor Terminal Central – Frente, segundo me relatou Nei, há três relógios – esse é o maior

setor. É sempre o “Cabelo”, o membro mais velho da comissão desse setor (com quem ainda não

conversei) quem passa recendo o valor das contas, que é dividido entre todos os que trabalham no

local. Por fim, no Setor Terminal Central – Fundo, segundo Ana, não cabe à comissão arrecadar o valor

da conta de luz, porque lá os comerciantes se juntam em grupos de 3 ou 4 (no caso dela, tem um

relógio próprio), “puxam” a força e depois dividem as despesas entre si (com o eletricista), bem como

as contas de luz subseqüentes. Paraná me confirmou que, lá, cada um tem seu relógio – ou dois

comerciantes dividem um.

***

No dia 23 de maio, policiais do Departamento de Investigações Sobre o Crime Organizado

(Deic) da capital executaram uma ação de apreensão de “Cds piratas” no “camelódromo”. Esse fato foi

amplamente coberto pela mídia local. Segundo matéria do Correio Popular, cerca de 50 mil Cds foram

apreendidos, em uma sala que servia de “depósito” e em três boxes do “camelódromo da Álvares

Machado”. José Carlos Calixto foi preso, por acusação contra o “crime de direito autoral”.

Só consegui “achar” a Zezé a fim de conversarmos sobre isso no começo de junho. Nesse meio

tempo, ela nunca estava no sindicato – embora, como Néia me alertava, sempre tivesse saído “a

trabalho”. Ela estava apreensiva. E disse que os colegas de setor de Calixto também. Ele é da comissão

do Setor Jumbo. Segundo Zezé, é um dos mais queridos trabalhadores do local, por parte de seus

colegas.

Há alguns “depósitos” de mercadorias nas imediações do Terminal Central. Servem para os

comerciantes estocarem seus produtos. Segundo Zezé, no depósito onde foram apreendidos cerca de 20

mil Cds (e não 50 mil) estavam as mercadorias de todos que trabalham com esse tipo de produto no

local. Disse que Calixto estava “na hora errada, no lugar errado”: chegou mais cedo naquele dia e foi

pego de surpresa pelos policiais, tendo “levado a culpa” por todos. Zezé disse achar estranho que

tenham apreendido apenas os Cds – havia outros tipos de mercadorias no depósito, também “ilegais”.

Ela acha que a operação foi feita por causa da força do “sindicato dos artistas” e Calixto teria sido,

segundo ela, um “bode expiatório”. De acordo com Zezé, quando o “pessoal” chegou, Calixto já estava

no camburão, algemado. Já havia “assumido a culpa”. Ela acredita que se no momento da prisão ele

estivesse “acompanhado”, se seus colegas de trabalho, seus “companheiros”, estivessem lá com ele,

talvez sua prisão não tivesse se efetivado. Tanto é que conta que, quando os comerciantes foram

chegando, os policiais foram ficando cada vez mais apreensivos ao notarem que estavam “cercados

pelos camelôs”. Naquelas condições, acredita, “ou eles atiravam ou “negociavam” conosco”. Optaram

49

pela segunda: houve, narra Zezé, uma “negociação” entre os policiais e os comerciantes – esses últimos

“liberavam a passagem” dos primeiros caso estes dessem a “operação” por terminada. Pelo menos foi

assim que ela me contou. Zezé disse que a prisão de Calixto gerou uma “tensão” entre os “camelôs”.

Estavam apreensivos pelo companheiro e por si mesmos. Não se sabia se novas operações iriam

ocorrer. Ela disse estar apreensiva também. A última vez que algo parecido ocorreu no local segundo

ela, foi há 4 anos.

Esse novo fato provocou uma mudança, no sindicato: agora há um advogado “permanente”,

prestando “assessoria jurídica” ao sindicato. Antes, segundo Zezé, só se contratava um “quando era

preciso”.

O clima estava tenso quando fui conversar com Calixto sobre sua prisão, assim que soube que

ele havia finalmente saído da cadeia. Cheguei no sindicato e, como Zezé não estava, pedi a Ednéia que

ligasse para Calixto, avisando que eu iria conversar com ele. Assim ela fez, e eu fui ao Setor Jumbo. Lá

chegando, parei num dos boxes e perguntei para um rapaz se ele conhecia o Calixto.Ele me perguntou

o que eu queria com ele, o que expliquei. Então ele apontou um senhor, num box da frente. Fui até lá.

A mesma coisa ocorreu. Até que um garoto, de uns 8 anos, num terceiro box, me apontou um rapaz do

outro lado da rua. Fui até lá. Calixto conversava com um senhor. Me apresentei e começamos a

conversar. Comecei perguntando sobre seu trabalho na comissão do setor e sobre sua trajetória, a fim

de chegar na questão da prisão.39 Ao longo de toda a nossa conversa, ele fazia sinais de “ok” para

colegas que passavam ou se aproximavam de nós. O clima era de desconfiança. Sobre o episódio da

apreensão, Calixto apenas confirmou o que Zezé já me havia contado. Ele passou 29 dias preso, após

ser pego sozinho num dos depósitos do Terminal Central, no dia da ação policial, em 23 de maio desse

ano. Hoje não há mais depósitos no local – cada comerciante guarda seus produtos em suas próprias

bancas.

2.6 – Zezé Narra Zezé: (des)construindo uma trajetória biográfica

2.6.1 – Impressões escritas...primeiras

Gostaria de compartilhar algumas das impressões e sensações por mim anotadas em meu

caderno de campo, a respeito da entrevista. Essa entrevista foi realizada no final do ano passado,

portanto no momento de meu “pré-campo”. As inscrições foram feitas no mesmo dia, logo após eu

chegar, exausto, na Unicamp. Acredito que, mais proveitoso do que falar sobre elas, seja transcrevê-las.

50

“ Em primeiro lugar, dormi muito mal essa noite. Estava (e estou) com sono. ‘Acordei’ às 6 horas.

Peguei o ônibus para o Terminal Barão às 7h15. De lá, fui para o TC (Terminal Central), onde

cheguei às 7h50. Rodrigo chegou às 8h10 para me trazer o gravador. Antes disso, aproveitei para dar

uma volta em meu ‘campo’ de estudos. Muitas barracas estavam ainda fechadas. Alguns camelôs

varriam a frente de suas barracas, organizavam os produtos, entre cumprimentos e gestos de

saudação. Estava tudo ainda muito tranqüilo. Fui para o sindicato. Ednéia, a secretária, chegou às

8h20. Ficamos conversando sobre coisas banais. Às 8h30, Zezé chegou. Maria José M. Salles,

presidente. Entrou em sua sala, pediu para Ednéia ir buscar um café. Às 8h45, me atendeu.

Finalmente, estava cara a cara com Zezé. Estava tentanto marcar essa entrevista há 3 semanas! Antes

de mais nada, é preciso esclarecer que a entrevista de hoje tinha um duplo objetivo: para além de

servir para meu projeto, fazia parte de minha prova final para o curso ‘Antropologia e Teoria Social

Contemporânea’, ministrado pelo Omar. Deixei isso bem claro para a Zezé. Meu objetivo hoje era,

apenas, obter sua história de vida (como se isso fosse pouco). Como Zezé é uma figura pública,

acostumada ao gravador (digamos assim), é fácil perceber que tem um discurso pronto. Não que isso

seja criticável. Mas meu objetivo era outro. Assim, inicialmente, percebi certa resistência por parte

dela em falar de assuntos de ordem pessoal, íntimos. Ela não está acostumada a falar disso com

jornalistas, estudantes, políticos...Alie-se isso à minha inexperiência (foi minha primeira entrevista,

digamos, ‘antropológica’). Dificuldades à parte, foi uma experiência (no sentido ‘etnográfico’ do

termo) muito gratificante. Nós, enfim, conversamos. E como! É incrível o quanto se pode conversar em

uma hora e meia. É claro que essa entrevista não foi suficiente para satisfazer meus objetivos – ainda

temos muito que conversar. Mas foi uma experiência extremamente rica. Só falta transcrever a fita...”

Antes de prosseguir, gostaria de comentar essas palavras. Hoje, escrevendo sobre elas, as lendo,

sinto como se algumas coisas me tivessem escapado no momento em que as escrevia, em meu caderno.

Apenas um ponto gostaria de ressaltar: refletindo e escrevendo acerca dessas outras reflexões e

inscrições, lembro do momento em que estava passeando pelos ‘camelôs’, antes de Rodrigo chegar

com o gravador (que precisei pedir emprestado). Fui andando, andando...e, tentando achar sozinho o

sindicato (para ver se conseguiria chegar lá, caso o Rodrigo não pudesse ir comigo), me vi em uma rua

estranha. Havia várias pessoas conversando, rostos, olhares, tipos diversos. Eles me encaravam. Na rua,

silêncio. Os prédios pareciam, ainda, dormir. Senti medo e voltei aos “camelôs”. Lá estavam eles,

arrumando suas barracas, cantando, se cumprimentando. Era outra realidade. Fiquei pensando nisso

39 Mais à frente conto sua trajetória.

51

depois e achei curioso – eu, que já morei em Recife durante seis anos, estava desacostumado com a

vida na ‘cidade grande’, por ter vivido desde 1993 em uma cidadezinha do interior de SP. Essa

sensação me havia escapado no momento em que escrevia as anotações no diário de campo.

2.6.2 – Memórias...esquecimentos

Isso nos lembra de que não há como falar em memórias sem falar em esquecimentos. Como nos

lembra Suely Kofes (2001), a memória é seletiva – ela é composta por lembranças e esquecimentos.

Isso significa que, ao falar de si mesmo, o indivíduo seleciona aspectos que julga relevantes ou que, o

que é mais provável, quer ou permite que os outros conheçam. É por isso que não adianta buscar a

“verdade”, ou o que “realmente aconteceu”, quando se trabalha com histórias de vida – mesmo sendo

construções, elas não perdem seu valor para a antropologia e, talvez justamente por isso é que tenham

algum valor. No limite, não importa se aquilo que está sendo contado corresponde exatamente à

realidade ou ao que realmente ocorreu – trata-se de uma narrativa construída por alguém que tenta dar

sentido à sua trajetória. E, aqui, são essas cores que importam.

Nessa mesma linha, Anthony Giddens (1993) nos lembra de que o processo reflexivo do eu

consiste em olhar para o passado, tentando dar sentido à experiência – ordenando os fatos vividos de

modo a lhes dar significado.

Mas esse sentido, significado, ordenamento, não diz respeito apenas ao indivíduo. Na obra

citada, Kofes mostra como é possível partir de uma trajetória a fim de se chegar a fatos que remetem à

estrutura, à sociedade.

É assim que pretendo olhar para o que Zezé me contou. Ela passou sim, por clivagens e

mudanças bruscas em sua vida. Mas essas, de forma alguma, dizem respeito apenas a ela ou são

resultado apenas de suas escolhas. Muitas escapam ao seu controle.

2.6.3 – A entrevista

Camilo – Bom, então vamos começar, do começo (risos)...é a melhor coisa...bom, onde você nasceu,

quando foi, como foi...risos...

52

Zezé – Deixa eu me lembrar...risos...eu nasci em Campinas, no...antigo “Hospital Santo Antônio”, que

hoje é “Albert Sabin”, né? (pausa) sou campineira...é...estudei no colégio...ao meu ver é um dos

melhores colégios que a gente tem em Campinas, que é o “Ave-Maria”, então eu fiz até o colegial lá,

daí perdi minha mãe, né? Daí ficou meio complicado porque era colégio particular...

Camilo – Perdão, vamos só voltar um pouco...você nasceu em Campinas...quando foi? Desculpa a

pergunta...risos...

Zezé – Ah, mais que coisa horrorosa...risos...tô brincando...eu nasci no dia 05 de abril de 54...

[ 47 anos]

Camilo – ok...aí você tava falando...

Zezé – aí eu estudei, né? Porque daí, também, o que é que eu vou contar, né? Porque daí eu não lembro

dessa parte...aí eu estudei no “Colégio Ave-Maria”, certo?

Camilo – e como é que era estudar lá?

Zezé – É um dos melhores colégios que a gente tem em Campinas, né? Colégio particular...eu passei,

bem dizer, minha vida lá, minha adolescência lá...

Camilo – Você estudou sempre nesse colégio...

Zezé – Sempre nesse colégio, tá? eu comecei com o jardim da infância, que era naquela época, e fui

até...quase que...fui até o colegial...daí perdi minha mãe, daí muita coisa aconteceu na minha

vida...como era um colégio particular, daí eu saí, certo? saí do colégio...daí comecei a cuidar da minha

casa, né?...eu tinha um pai, tinha irmão...com a morte da minha mãe, então, eu tive que...cuidar da

minha casa.

Camilo – Você tem...um irmão só...

53

Zezé – Eu...na verdade, eu tenho dois irmãos...um também morreu...meu pai também morreu...quer

dizer: morreu quase todos, só ficou eu e o meu irmão, certo?

Camilo – E os dois eram mais velhos...

Zezé – Ele é mais velho que eu...O que tá vivo ainda é o mais velho...

Camilo – Você é a do meio, então?

Zezé – Eu sou a caçula. Ele era mais velho que eu também...eu sou a caçula...e...bom, minha juventude

foi assim, né? eu vejo, o que eu vejo hoje é que foi uma juventude bem mais saudável, né? porque

antigamente a coisa era muito mais saudável...[ ela percebeu que eu iria perguntar o que era essa

“juventude saudável”] ...uma juventude gostosa, acho que aproveitei bastante...depois...eu me casei,

né? No dia 09...de outubro...tá? faz 25 anos que eu sou casada...fez agora, dia 09, fez 25 anos que eu

sou casada...hã...

Camilo – Foi 76, então...

Zezé – É, foi 76...é...eu sempre...eu sempre fui trabalhar com o povo...entendeu? eu...é...fui líder de

comunidade, é...durante cinco anos, eu fui coordenadora da comunidade no “Parque Santa Bárbara”...

[ achei que ela estava indo rápido demais, e resolvi tentar frear um pouco, voltando a pontos sobre os

quais ela já tinha falado...]

Camilo – Deixa só eu voltar uma coisinha, desculpa interromper...

Zezé – Hum...

Camilo – É...bom, primeira coisa: você estudou até...

Zezé – Colegial.

Camilo – Mas até qual...

54

Zezé – Eu encerrei o colegial.

Camilo – Ah, então você chegou até o final...

Zezé – Isso...

Camilo – Só uma coisa...eu queria perguntar...antes de acontecer...de sua mãe vir a falecer, você

morava...era você, seu pai, sua mãe e seus dois irmãos...

Zezé – Exatamente.

Camilo – Você tem alguma lembrança dessa época...porque, sua mãe faleceu, você tinha quantos anos?

Ela foi a primeira, né? Que...

Zezé – Ela foi...ela foi...minha mãe faleceu, eu tinha 14 anos.

Camilo – E antes disso, você tem alguma lembrança de como era...assim...na sua casa...porque você é

caçula, com dois irmãos mais velhos...

Zezé – Nós éramos uma família muito feliz, minha mãe era uma pessoa super divertida, ela

também...era uma liderança, né? Nós morávamos no “Jardim Eulina”, na marechal Rondon...no alto

“Jardim Eulina”...minha mãe já era uma liderança, porque ela já era...Comunidade de Base,

também...ajudava...era líder de Comunidade de Base...e eu tive muito pouco tempo de convivência com

a minha mãe...mas o pouco que eu tive foi uma convivência, assim, muito boa...nós éramos muito

amigas...e foi uma perda, assim, irreparável, que acho que até hoje a gente...principalmente eu, eu me

sentia assim...que ela fez assim...ela me deixou sozinha no meio de um rolo, você entendeu? Porque

depois que ela morreu, hã...muita coisa começou, meu pai começou a beber, muita coisa aconteceu, né?

A família desmoronou, porque ela era o alicerce, realmente...então...

Camilo – Como é que era o nome dela?

Zezé – Luísa.

55

Camilo – Luísa.

Zezé – Eu acho que com a morte da minha mãe, eu acho que minha vida mudou totalmente...eu era prá

ter me formado, feito um monte de coisas, então minha vida...os sonhos que eu tinha, todos os planos,

de repente, foi tudo por água abaixo...

Camilo – Você diria que foi o momento mais difícil da sua vida?

Zezé – Bem, eu fiquei, assim, dois anos e...durante dois anos eu não conseguia aceitar, entendeu?

Camilo – Você parou de estudar...

Zezé – Eu parei de estudar, eu não conseguia aceitar, eu fiquei...dois anos indo no cemitério, porque ela

tá enterrada no “Cemitério da Saudade”, né? Todo Domingo ia no cemitério, buscando uma flor e

trazendo prá casa...então aquilo era uma maneira de eu estar...hã...dentro de mim, era a maneira de ela

estar presente, né? E depois, né...eu vi que...foi um padre, que me orientou que não era por aí, que a

coisa não era desse jeito...que também eu não taria dando sossego prá ela, tal...mas, até hoje, assim...eu

sinto, assim que ela...a hora que eu mais precisei ela me largou na mão, entendeu? Embora não tem

nada a ver, ela não tem culpa, né? Mas...foi muito difícil aceitar isso daí porque...ela me jogou...eu senti

assim, ela jogou em cima de mim, com 14 anos, a responsabilidade de uma família...sendo que eu não

fazia nada na vida além de estudar...eu tomava café da manhã na cama, não levantava nem prá tomar

café...risos...então minha vida de dondoca, ou de princesinha, sei lá...virou...totalmente, entendeu? Daí

que eu queria comer, eu tinha que fazer comida...ou então eu tinha que limpar a casa, quer

dizer...porque minha mãe trabalhava, entendeu, trabalhava, então...a morte dela, nossa! Foi uma virada,

não só a perda, como uma virada total na minha casa...aí meu pai começou a beber, é...meu irmão,

nessa época, também começou...parou de trabalhar...entendeu?

Camilo – Qual deles?

Zezé – O do meio...esse que morreu, tá? Tanto é que morreu, também...com a morte da minha mãe, ele

parou de trabalhar, começou, sabe? Virou tudo...

56

Camilo – E...quanto tempo depois que a sua mãe faleceu, que ele veio a falecer?

Zezé – Bom...demorou, claro que demorou...meu irmão morreu, acho que faz uns...não...meu pai...xiii,

morreu tantos, né, que eu até perdi as contas...risos...é...meu irmão, ele morreu com 36 anos...tá? a

diferença de idade entre eu e ele é oito anos, e...meu irmão, eu acho que morreu em...85... [ na verdade,

pelos cálculos que fiz depois, sendo mais velho que ela oito anos e tendo morrido com 36, ele teria

morrido em 82...ou, se morreu em 85, contava 39 anos]...meu irmão morreu, daí...alguns anos meu pai

também morreu...e daí ficou só eu e esse meu irmão, que é casado, que mora no “Jardim Orestes”...

Camilo – É, desculpa...é...o bairro que você morava com a sua família era...

Zezé – Era no “Jardim Eulina”...

Camilo – É “Eu...Lina”...

Zezé – Eulina...na rua Marechal Rondon...dois mil, oitocentos e setenta e...três...

Camilo – E esse seu irmão...é...só, uma coisa, só prá facilitar...o nome do seu pai?

Zezé – Durvílio Marçaioli, o da minha mãe era Luísa Costa Marçaioli, e o do meu irmão que faleceu

também era Jurandir Marçaioli...só sobrou o Décio Marçaioli...

Camilo – Décio...é como é que é hoje a sua relação com ele?

Zezé – É boa...embora a gente quase...a gente muito pouco se vê por causa do meu trabalho, né? Minha

vida é muito corrida, final de semana, tudo...então a gente pouco se vê...mas é um relacionamento bom,

né...foi o que restou de uma família tão bonita, né...porque nós éramos uma família muito feliz, foi o

que restou...a gente vai caminhando o que dá prá caminhar, né? Mas...já passou-se tanto tempo, né?

Então, fazer o quê...tocar o barco prá frente, né?

Camilo – Você tava falando sobre o...sobre a...virada que teve na sua vida...

57

Zezé – É...porque...eu tinha sonhos...na época eu queria me formar em tecnologia de alimentos,

entendeu? Eu tinha muitos sonhos...e...eu tinha tudo prá conseguir, porque eu tinha estudado num bom

colégio, entendeu? Só que...a coisa mudou, né...com a morte dela tudo mudou...aí eu não consegui

mais estudar...ficou complicado pagar o colégio e aí...os rumos da vida da gente muda, né...mudou o

meu também...

Camilo – E aí você saiu do colegial com quantos anos?

Zezé – Eu parei, né...eu...acho que 16, 17, por aí...eu saí...

Camilo – Mas, nesse colégio particular você estudou até que...

Zezé – Eu fiquei até o terceiro, quando eu ia completar o quarto, daí não deu prá...porque era quatro

anos o colegial...então, aí quando eu fui prá completar o quarto, não...não...

Camilo – Mas aí você chegou a terminar em outra escola, ou...

Zezé – Não, eu não cheguei a terminar, não...

[ antes, havia dito que sim]

Camilo – Então você não chegou a terminar o colegial?

Zezé – Não...não consegui...

Camilo – Aí, como é que foi? Você começou a trabalhar...porque você tava falando que era líder de

comunidade...

Zezé – É, não...daí, isso aí foi bem depois...aí, quando eu saí do colegial, eu precisei começar a cuidar

da minha casa, daí começou a virar tudo, né? Daí, depois de muito...de algum tempo eu casei, me casei

com 23 anos...tá? aí formei uma família, tive uma filha, depois...hã...na verdade tenho dois filhos, né? E

daí...eu mudei pro “Parque Santa Bárbara”, a casa que eu morava no “Jardim Eulina” nós vendemos,

porque era uma herança de família, né? Aí, meu irmão...porque eu morava na frente e meu irmão

58

morava no fundo, esse que sobrou...daí ele comprou uma casa no...no “Jardim Aurélia”...e eu comprei

uma casa no “Parque Santa Bárbara”.

Camilo – Mas, quando você se casou seu pai já havia falecido?

Zezé – Não, ainda não.

Camilo – E ele...

Zezé – Ele morava comigo. Tanto ele quanto meu irmão ainda eram vivos quando eu me casei. Eles

moravam comigo.

Camilo – Como é que é o nome do seu marido?

Zezé – Oliveira Sales Filho.

Camilo – Oliveira?

Zezé – É.

Camilo – O nome dele é Oliveira? Risos.

Zezé – É...ele não tem nome, só tem sobrenome...risos.

Camilo – E como é que foi o casamento...

Zezé – Não...foi tudo normal...tranqüilo...

Camilo – Conheceu ele com quantos anos?

Zezé – Ah, eu conheci ele, eu acho que eu tinha uns...dezenove anos, por aí...eu me casei com 23

anos...depois eu tive uma filha, né? A primeira que eu falei que é a Gisele...depois, o Fábio...e...não,

nesse meio eu tive uma outra filha que era a Vanessa, que daí eu perdi...meu marido, nessa época,

59

ele...era uma espécie de “alternativo”, ele buscava pessoas na Bosch prá levar com a perua, e sofreu o

acidente, eu tava no final de gravidez, aí eu levei um susto muito grande...aí, minha pressão subiu, e eu

perdi uma filha...e tava quase prá nascer, já tava na época de nascer...era uma menina...[pausa]...certo?

só que, hã...quando a Gisele nasceu, depois...ela tinha seis aninhos, eu não conseguia engravidar. Daí,

eu quis adotar uma criança. E quando eu entrei na fila prá adotar a criança, eu já tinha me inscrito, aí eu

fiquei grávida...uma coisa psicológica, né...aí eu fiquei grávida...e...quando a Vanessa nasceu...um

pouco antes o Fábio...tinham me chamado, né...daí como eu já tava na fila...aí eu...veio o Fábio...então,

na verdade, eu tenho dois filhos. Porque a Vanessa...a menina morreu...aí eu fiquei com a Gisele, que

hoje ela tá com 24 anos...e tem o Fábio, que tá no quartel, agora, que tá com 19 anos, que fez agora em

agosto...quando eu adotei o Fábio, aí eu engravidei...até o médico achava que era uma coisa

psicológica, né...de tanto que eu queria tanto o filho...aí, então, a coisa barrou...adotei o Fábio, aí eu

engravidei...tanto é que ele e a...e a minha filha que morreu, tem poucos meses de diferença...

Camilo – Era prá ter nascido um pouco depois...

Zezé – Exatamente.

Camilo – E como é que foi? Mais essa perda...

Zezé – Então, veja bem, o meu irmão...porque quando o meu irmão morreu, eu já era casada...a Gisele

já existia, o Fábio já existia...a minha filha morreu no dia 05 de janeiro...tá? e o meu irmão...morreu no

dia 05 de março, tudo do mesmo ano...dois meses de diferença em oitenta e...cinco...tá? então, ela

morreu no dia 02 de janeiro, e ele morreu no dia 02 de março...[apenas na transcrição da fita percebi

que a Zezé havia trocado o dia 05 pelo dia 02, nesse momento...]...então, foi dois meses, assim, na

mesma data, uma coisa impressionante...entendeu? [pausa] Então eu já tive muitas perdas na vida,

então eu acho que...eu já sei o que é perder mãe, o que que é perder pai, o que que é perder filho, o que

que é perder irmão, tio, avô...eu acho que eu já experimentei de tudo, né...mas isso faz parte da vida...e

daí eu mudei pro “Parque Santa Bárbara”, hã...lá eu comecei...eu entrei prá comunidade...

Camilo – Isso foi quando você casou...

Zezé – É...aí já fazia seis anos que...sete anos que eu já tava casada...a gente mudou pro “Parque Santa

Bárbara” e...aí eu entrei prá comunidade...

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Camilo – Do bairro...

Zezé – É...comunidade...hã...de base, do bairro Santa Bárbara, é religiosa, católica, entendeu?

Camilo – Você é católica...

Zezé – Sou católica...

Camilo – É “Comunidade Eclesial de Base”, é isso?

Zezé – É...do “Parque Santa Bárbara”...aí, não tinha igreja, não tinha dinheiro prá igreja...aí eu comecei

a entrar, sabe...e hoje nós temos um espaço, temos uma igreja já construída...construímos a

igreja...então eu já fui, hã...coordenadora de comunidade, durante sete anos...

Camilo – Quando foi que você começou...

Zezé – Olha...

Camilo – Foi logo depois que você se casou...

Zezé – Não, não...eu morava na marechal Rondon ainda, nessa época...porque...acho que há uns 16

anos atrás...por aí, né...

Camilo – Então, só prá eu entender, vamo lá: você se casou, foi morar em outro bairro que era a...

Zezé – Lá no “Parque Santa Bárbara”...

Camilo – “Parque Santa Bárbara”...

Zezé – Não! Eu casei, eu ainda morei no “Jardim Eulina”...tá? eu saí do “Jardim Eulina”, eu saí

daquela casa, a Gisele já tinha uns seis anos, então eu...eu, depois que eu casei eu ainda fiquei um

tempo ali...aí nós vendemos a casa, e aí eu fui pro “Parque Santa Bárbara”...

61

Camilo – E foi aí que você entrou na comunidade...

Zezé – Foi, na comunidade...

Camilo – Já tinha nascido sua filha...

Zezé – Já, minha filha já tava...seis, sete anos...o Fabinho também...

Camilo – E porque que você entrou? O que que te motivou a entrar na comunidade...

Zezé – Não sei, não sei...talvez é...veio um pouco da minha mãe, minha mãe já mexia com esse tipo de

coisa, então eu acho que...o pouco de convivência que eu tive com ela, sei lá...mas eu fui entrando...aí,

de líder de comunidade, eu comecei...a...fazer cursos, muitos cursos, então eu sou ministra, eu fui

Ministra da Eucaristia, eu fui Ministra do Batismo, eu trabalhei na “Pastoral da Saúde”, eu fundei

[sendo enfática] a “Pastoral Carcerária”, no presídio de Hortolândia, fui uma das pioneiras lá, então eu

que abri espaço lá...fiquei na “Pastoral Carcerária” durante 5 anos...tá...eu fundei o “Grupo de

Mulheres”, no “Parque Santa Bárbara” também, eu coordenava o “Grupo de Mulheres”, e através desse

“Grupo de Mulheres” levei muitas benfeitorias pro bairro, como posto de saúde, nós éramos um

grupo...e que a gente ia prá Prefeitura, isso na época do Magalhães...então a gente chegava, Nossa

Senhora! A gente atormentava mesmo, certo...

Camilo – Risos...

Zezé – Então, todas as reivindicações...a gente ia prá cima...uma vez por semana a gente ia prá

Prefeitura, era um grupo muito...unido, muito fiel ao que a gente queria, e a gente conseguiu, hã...todos

esses nossos objetivos...inclusive, no “Parque Santa Bárbara”, existia o aterro sanitário, “Delta I”...a

gente sofria muito com aquele aterro...e...o Toninho...nosso prefeito...falecido há um mês, ele foi uma

parte muito importante nessa história [comovida]...porque foi com a ajuda dele que a gente...porque o

Magalhães que colocou esse aterro sanitário lá, né...e foi com a ajuda do Toninho, hã...ele fez todo o

lado jurídico...e uma boa parte, também, do lado político da coisa...que a gente conseguiu tirar...o aterro

sanitário do bairro, nós ficamos acampados durante sete dias...no meio do lixo...aí veio o Pelotão de

Choque, veio aqueles cachorros, ih...foi uma confusão...mas a gente conseguiu tirar.

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Camilo – Quando foi isso?

Zezé – Isso...foi na época do...Jacó...o final da coisa...acho que 90...por aí...tá? é por aí mesmo...porque

foi o Magalhães que colocou, e depois foi na época do Jacó que a gente conseguiu tirar...aí o Toninho

entrou com um processo, tudo...então, o Toninho...foi nessa época que eu...tive assim...um contato mais

direto com o Toninho...hoje, né...nosso ex-prefeito...

Camilo – Você já conhecia ele há bastante tempo...

Zezé – Ah...eu já conhecia ele porque a gente já era...hã...sempre fui petista...tá? sempre fui

petista...tenho muito orgulho disso...e a gente já era militante, a gente já...fazia campanha junto, tudo,

né...

Camilo – Deixa só eu perguntar uma coisa...então, essa sua entrada, vamos dizer, na “militância”, como

você diz, que...começou com essa comunidade de base...quer dizer, não tem um...o motivo seria mais

essa influência que você teve da sua mãe...

Zezé – É essa mania que eu tenho de me envolver com o povo, entendeu? Eu não sei...essa mania que

eu tenho de tá sempre junto com o povo...sei lá, eu acho que...não dá prá te explicar...mas é alguma

coisa...

Camilo – Não foi “do nada” então...

Zezé – Não, não foi...é a necessidade de...sei lá...é o que eu digo...eu não sei se isso veio da minha mãe,

da convivência que eu tive...do colégio que eu estudei, também, né? Porque era um colégio de

freiras...tá? então, eu não sei...mas é essa necessidade...aí, nesse tempo dessa comunidade, eu fazia

muita coisa junto...eu já trabalhei com sem-teto...tá...

Camilo – Quer dizer, você fazia várias coisas ao mesmo tempo...

Zezé – Fazia várias coisas ao mesmo tempo...trabalhei com sem-teto...é...daí...o que aconteceu foi o

seguinte: hã...na época que o Jacó...foi eleito...aí ganhou também a vereadora Vanda Russo...tá...e a

Vanda Russo também foi uma mulher...

63

Camilo – Vanda Russo?

Zezé – É...Vanda Russo...ela foi uma mulher muito importante na minha vida, porque...ela...hã...fez

parte, assim, de um momento muito bonito da minha vida...

Camilo – E esse Jacó entrou em que...

Zezé – Vixi...agora você me apertou, viu? Precisa levantar isso...a época do Jacó...depois, antes d você

ir embora...

Camilo – Mas é começo dos anos 90...

Zezé – Acho que por aí...hã...aí, a Vanda, ela já conhecia...o meu trabalho com comunidade de base, o

meu trabalho com as mulheres...tá...aí ela me chamou prá ir trabalhar com ela, ela era vereadora nessa

época...aí eu entrei prá...ajudar a Vanda também na assessoria...mas mais prá trabalhar com as

mulheres...tá...então, a gente fez alguns trabalhos no Itatinga...tá...então foi aonde o espaço, que antes

era só do meu bairro, ali da minha região...então eu...abri mais espaço, certo? Então, a gente

começou...visitar outros bairros, então levamos o grupo de mulheres prá outros bairros, fazia reuniões

mensais...então outros problemas que...é...que as mulheres tinham, no caso, nesse espaço que a gente

tanto buscava...então através da Vanda, eu fui me aprofundando mais e a gente foi levando isso prá

outros bairros...então, a coisa foi crescendo, né...

Camilo – Aí você começou a expandir...

Zezé – Aí expandi...aí eu saí lá da minha região só...e aí, na minha região, hã...na época que eu ainda

trabalhava lá...eu também...foi na época que começou a “Renovação Carismática”...um grupo de

oração...mesmo sendo coordenadora da comunidade, eu também comecei coordenar a “Renovação

Carismática”, um grupo de oração...só que, daí, o povo começou a confundir a coisa...tá? então, aí,

assim, eu não tinha mais sossego dentro da minha casa...então, todo mundo, toda hora chegava gente

prá mim orar por aquela pessoa, entendeu?

Camilo – Prá você orar?!

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Zezé – É...prá orar por aquela pessoa, porque...a renovação é...tudo é a Bíblia, então a gente lê muito, a

gente...então, aí eu senti que as pessoas tavam confundindo um pouco a coisa...

Camilo – Como assim? Em que sentido...

Zezé – Assim...de repente as pessoas vinham pedir prá mim ter fé por elas, você entendeu? Eu...sabe?

vinham buscar em você...um apoio, vinha...sabe, não...começaram a confundir, não era...uma linha

direta com Deus...primeiro vinha até você, você tinha que fazer as coisas, entendeu? Aí, eu senti que...a

coisa sobrecarregou muito...e que...de repente...eu tava virando assim...uma santa no meio da história

toda, sabe, que uma pessoa ia só te procurar?...aí eu comecei perceber que...que eu não conseguia fazer

mais...minha família tava ficando prá trás...meus filhos tavam ficando prá trás porque eu não tinha mais

tempo prá nada...se tinha alguém doente, lá, morrendo...então eu tinha que ir lá rezar por aquela

pessoa...tá?...então, é...aí começou esse tipo de coisa, aí eu vi que...e aí eu comecei a trabalhar fora

também, que eu trabalhava com a Vanda...aí foi me desgastando, aí eu vi que...não tava dando mais prá

mim...

Camilo – Mas...o motivo seria esse afastamento que você tava...você tava...sendo forçada a se afastar

um pouco da sua família, é esse tipo de...

Zezé – É...eu estava afastando da minha família porque eu não tinha mais tempo prá mais nada, sabe?

Uma hora eu tava na...cuidando de alguém que tava doente, depois já estava dando aula de...de...eu

fazia liturgia...uma coisa que eu sempre gostei é preparar missas, né...então...uma hora eu estava em

reunião em outro lugar, então eu fui deixando prá trás a minha família...e daí, quando eu comecei a

trabalhar com a Vanda, aí a coisa piorou...porque antes eu não trabalhava, então eu tinha o tempo

livre...depois, com a Vanda, eu trabalhava o dia todo, então à noite, se eu fosse seguir essas coisas

também a minha família ia ficar prá trás...entendeu?

Camilo – Então a Vanda foi a primeira vez que você trabalhou, vamos dizer...

Zezé – Fora...

Camilo – Sem tá ligada a algum desses...

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Zezé – Exatamente, exatamente...embora a ligação fosse quase a mesma, tá? Porque o tipo de trabalho

não era muito diferente...mas...hã...uma coisa de responsabilidade, de ir todo dia...e tal...meu marido

ficou desempregado...ele já tá há muito tempo desempregado...certo? e também foi um dos motivos...

Camilo – Desde quando?

Zezé – Acho que oitenta e pouco...86...uma coisa assim...foi um dos motivos que eu fui trabalhar com a

Vanda também...na época ele estava desempregado...

Camilo – Antes você não trabalhava fora...

Zezé – Só cuidava dos meus filhos...

Camilo – Você era, vamos dizer, dona de casa e militante...

Zezé – Exatamente, exatamente...risos...rainha do lar...risos...eita, Deus...e aí...através da Vanda o

conhecimento foi crescendo...aí eu comecei trabalhar com mulheres também, mas não a “Pastoral de

Mulheres” que eu trabalhava no bairro, tá? que era ir buscar reivindicações na Prefeitura...aí era com

mulheres mesmo, mas as mulheres...no Itatinga...tá...[o Itatinga é uma famosa “zona” de

Campinas]...é...no sentido de prevenir, contra a Aids, essa coisa toda, esse tipo de trabalho que a gente

fazia...

Camilo – Tá...a Prefeitura que...

Zezé – É, através da vereadora Vanda Russo...

Camilo – Da vereadora...

Zezé – Da vereadora...eu trabalhei com sem-teto também...eu já ajudei a construir muitos

barracos...tá?...eu já trabalhei com menor...

Camilo – Isso tudo depois que você foi trabalhar...

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Zezé – Com a Vanda, é...aí a coisa foi...eu trabalhei com menor abandonado...inclusive quando nós

começamos o sindicato aqui...eu ainda estava trabalhando com a Vanda, o sindicato começou com

Antônio Belo...e nessa época a gente se conheceu...aí quando eu saí da Vanda, eu já vim...as primeiras

brigas que teve com os camelôs, quem...hã...o pessoal foi pedir ajuda no gabinete da Vanda...

Camilo – Hum...

Zezé – Então, foi lá que socorreu os primeiros ambulantes machucados, tudo isso...e na época eu tava

trabalhando lá...e depois, de lá...

Camilo – Quando foi que você veio prá cá?

Zezé – Olha, nós temos aqui...na época...junto com o Belo uns dez anos...então...foi na gestão passada,

né...

Camilo – Você tinha me dito que ele tinha sido criado em 91, né? O sindicato...

Zezé – É...91...

Camilo – E você veio prá cá...

Zezé – Há uns dez anos que nós temos o sindicato...mas, antes de mim, teve o Belo...entendeu? teve um

outro...diretor, um outro presidente...

Camilo – Mas você veio pro sindicato...em 91 mesmo...

Zezé – Olha, foi a gestão, quer ver...da Vanda...antes do Chico Amaral foi?...[pausa]...foi na época do

Jacó...eu vou ver a data direito prá você...

Camilo – Tá, tudo bem...mas...é...quando você chegou no sindicato esse Belo...ele que era o...

Zezé – Ele era o presidente...e houve, houve um...várias coisas aí aconteceram, que daí já não minha

história, da minha vida, já é a história da vida dele...risos...então, aí, não dá prá entrar...e aí eu

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comecei...eu já ajudava ele...daí ele precisou se afastar...aí eu continuei segurando o sindicato,

depois...e hoje eu tô aqui, né...no sindicato...

Camilo – Quando que você se tornou presidente?

Zezé – Assim, que eu tô atuando mesmo, porque ainda tava o Belo faz uns três anos...né...uns três

anos...

Camilo – Antes, você era...

Zezé – Eu era uma...uma diretora...tá? eu ajudava o Belo...eu vim como secretária prá cá, entendeu?

Camilo – Entendi...

Zezé – E aí...fui pegando conhecimento, já conhecia as pessoas...e...

Camilo – E a Vanda?

Zezé – Aí a Vanda...passou os quatro anos, a Vanda...teve outra eleição, mas ela não conseguiu se

reeleger, né...então de lá...aí minha direção veio prá cá...

Camilo – Ela é do PT?

Zezé – Ela é do PT...ela é do PT...então, assim...na...na minha história, eu, assim...eu acho que não tem

nada...não tem assim...tipos de pessoas que eu não trabalhei...entendeu?...eu já trabalhei com todo

mundo...e eu gosto muito da minha categoria, porque a minha categoria...ela preenche tudo que eu já

fiz...

Camilo – Qual que é sua categoria?

Zezé – Assim...todas as pessoas, que nem: eu já trabalhei com comunidade de base, eu já trabalhei com

presidiário, eu trabalhei com menor de rua, eu já trabalhei com prostituta...e a nossa categoria, ela é

uma mistura de tudo isso...é assim...porque todas as pessoas que tão no final da linha, no desespero, no

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desemprego...então vêm prá cá...então aí temos o ex-presidiário, no meio de nós, temos a ex-prostituta,

no meio de nós, tem...tem muito menino que era [enfática] chamado “trombadinha”...e que hoje mudou

a vida, tá no meio de nós...entendeu? então você se relaciona com tudo quanto é tipo de pessoa, com

outro tipo de religião...no meio de nós existe espírita, existe católico, existe crente, existe tudo...então é

uma...eu vejo assim: a minha é um pouco de tudo que eu já fiz na vida...então eu...eu sou uma pessoa

que eu não trabalho, assim...por dinheiro e eu...é lógico que eu preciso porque eu sustento a minha

casa, né...eu trabalho por minha casa...mas, assim, é uma...é um trabalho que me gratifica...é um

trabalho que...me faz crescer...é um trabalho que eu aprendo muito...e uma categoria que eu gosto

muito também...é uma identificação muito grande entre a gente...então é assim...o sindicato daqui, eu

não vejo, assim, ele não trabalha, ele não atua como um “sindicato” mesmo...ele atua mais como...o

lado social da coisa, uma promoção social aqui...entendeu? porque tudo que acontece, o pessoal já

chega aqui no desespero...então aqui a gente ajuda com mantimento, aqui a gente ajuda com remédio...

Camilo – Eu tava vendo a moça que tava lá fora...eu percebi como é...

[uma moça havia chegado depois de mim e queria falar com a Zezé, sobre a possibilidade de poder vir

a trabalhar como camelô...estava desesperada...]

Zezé – Entendeu? Então é...é complicado...a pessoa já chega aqui no desespero...muita gente

doente...então aqui a gente é...nós somos um sindicato diferente, porque nós somos um sindicato

informal, nossa diretoria é uma diretoria totalmente diferente...e nossa maneira de trabalhar também é

diferente...

Camilo – Então: é isso que eu quero entender...risos...tomara que eu consiga entender no próximo ano

como é que é o...risos...

Zezé – Não, veja bem, todo sindicato tem uma diretoria de vinte e um, vinte e quatro membros...tá?

então um é secretário, um é diretor, outro é...é tesoureiro, outro sei lá...aqui não...mesmo porque nós

não conseguimos porque...os...os nossos ambulantes, eles não saem da banca...então não dá prá você

ficar tendo reunião aqui, não dá, é muito difícil, porque ele não larga o ponto dele...então, nós criamos

comissões dentro dos setores...nós temos um setor lá embaixo, tem outro aqui, outro ali...e cada setor

tem a sua comissão...cinco, seis ali dentro daquele setor...então eles são os nossos diretores...é eles que

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vêem os problemas que acontecem ali...e ali mesmo eles resolvem...quando não conseguem, aí eu vou

até lá...e de vez em quando a gente se reúne.

Camilo – Então, deixa eu entender...é...você que é presidente...e tem essas comissões...não tem

diretoria, então...

Zezé – Elas são minha diretoria, entendeu? Eles são...essas pessoas...e...também não é um número

estipulado de vinte, vinte e um...minha diretoria é grande...tá...

Camilo – Em cada setor tem...

Zezé – Tem cinco, seis, tem...te setores que têm mais...

Camilo – E tem reunião, de vez em quando...

Zezé – Tem...tem...nós nos reunimos, sim...tá? que nem...o caso do Procon...nós nos reunimos ontem,

entendeu...

Camilo – Ah...eu tava achando que era presidente, uma diretoria fixa, mais as comissões...

Zezé – Não...minha diretoria é eles mesmos porque eles vivem no dia-a-dia os problemas da rua...então

eles tão lá, os erros que tem eles consertam...então, se tá tendo um problema lá no Carlos Gomes, que é

um setor ali de baixo...então eles me ligam, eu desço lá...então eu já me reúno com eles ali, ali mesmo a

gente resolve...entendeu? então a gente não tem aquela...frescura toda, aquela coisa toda...

Camilo – Sei...

Zezé – Nós somos muito organizados, somos muito unidos, eu acho que é isso que faz

Campinas...né...fazer a gente trabalhar...porque nós somos eu acho que a única cidade que trabalha com

essa tranqüilidade toda que a gente trabalha...porque a gente é bem...bem fechado entre nós mesmos,

nós somos bem organizadinhos...

Camilo – Mas essas reuniões que vocês fazem...têm...data marcada...

70

Zezé – Não, não têm data marcada, não. Quando acontece...

Camilo – Quando tem um problema...

Zezé – Nós estamos sempre em contato [enfática]. Então, todos os dias, de manhã, e depois do almoço,

eu passo em todos os setores. Nem que for na corrida, por causa dos meus compromissos, mas eu

passo...então, eu tô em contato com eles toda hora...então, qualquer problema que aconteceu ontem,

hoje a gente já resolve...agora, quando é um problema que precisa sentar todo mundo...[acabou esse

lado da fita]

Camilo – Desculpe, pode continuar...

Zezé – Nada, esquece...probleminhas pequenos, detalhes a gente já...conserta no dia-a-dia...a gente não

deixa, sabe...agora...como essa história do...outros problemas que vêm ocorrendo, vêm acontecendo,

então aí a gente...se for necessário a gente chama uma assembléia...tá...aí a gente conversa...mas assim,

então a gente já...já têm um contato...quase que...diário...então a gente não fica, assim, afastado um do

outro...

Camilo – Fazer uma pergunta...qual que é o...principal problema que vocês estão enfrentando

atualmente?

Zezé – Olha, sinceramente, com tudo que a gente já enfrentou...

Camilo – Parece que com a Prefeitura tá um relacionamento...

Zezé – É isso que eu ia dizer...hã...com tudo que a gente já enfrentou, a gente não tá enfrentando

nenhum problema agora, não...o único problema que a gente enfrenta aqui no sindicato é o

desemprego...porque, como eu te disse, aqui é a última alternativa dessas pessoas...então, quando elas

chegam aqui, elas já chegam bem...desgastadas psicologicamente, entendeu? Já vêm no desespero,

mesmo...e a gente não têm mais espaço dentro da área central...tá...mesmo que o sindicato queira criar,

tá meio complicado, assim, em Campinas, né...não tem...e aí a gente indica bairros...mas as pessoas

normalmente não querem ir prá bairros por causa do volume...do fluxo de gente, né...mas, mesmo

71

assim...a gente tem uma parceria muito boa com a SETEC...com o Paulo Daniel [presidente da

SETEC]...a gente tá...buscando, criando novos projetos...prá poder estar...encaminhando e ajudando

essas pessoas...

Camilo – É...eu conversei com ele...semana passada...

Zezé – Assim...de...nós estamos prevendo aí várias mudanças no visual das nossas...dos nossos

setores...também...a gente espera que...alguns deles até o final do ano estejam prontos...com a morte do

Toninho alguma coisa foi...deu uma paralisada, né...então...agora vamo tá retomando...mas, assim,

problemas assim...hã...pelos quais a gente sofreu antes, nós éramos muito marginalizados, como

favelados, essa coisa toda, né...isso daí eu acho que a gente...fez um bom trabalho e a gente conseguiu

buscar uma credibilidade, tanto da população...quanto do próprio setor público...e hoje a gente é

respeitado como categoria, mesmo.

Camilo – Mas não tem ainda um certo preconceito...

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Zezé – Tem...tem...por parte dos lojistas tem sim...mas é por parte deles, não é mais por parte dos

órgãos públicos e, da própria população...a população, ela aceita muito bem o camelô...hã...mesmo

porque a questão de preço, né...é uma coisa bem mais viável pro bolso do brasileiro...então, nós

também mudamos muito a nossa maneira de trabalhar...antes os nossos produtos...é...o pessoal falava

“produto do Paraguai”, “se quebrar não tem volta”, né...então tudo isso mudou...hoje você vai comprar

uma coisa de camelô, ele vai dar o seu cartão, o cartão da banca, com a identificação, o tempo de

garantia...então se quebrar, se estragar, você vai lá, você troca...a...os nossos produtos também,

mudaram bastante...são produtos melhores...de primeira linha, entendeu? então, você tem opção: por

exemplo, você vai comprar uma maquininha de cortar cabelo...você tem da primeira linha e aquela que

não é...então é opção tua comprar, entendeu? Então, a garantia dos produtos mudou totalmente a...a

vida dos camelôs porque ele dá opção pro consumidor...se acontecer alguma coisa, tem troca...então eu

acho que isso fez crescer a credibilidade, a gente procura fazer um...um atendimento de melhor

qualidade...tá...e...a gente tem ciência...que não existe reclamação nossa no Procon...então isso é uma

coisa muito boa prá nós, também, a gente procura resolver nossos problemas...como eu te disse: se vai

alguém trocar alguma mercadoria, não consegue...então, daí, já existe aquela comissão que já resolve o

caso por ali mesmo...então, a gente nunca deixa o problema, sabe, crescer...então a gente já resolve por

ali mesmo e...fica tudo bem.

Camilo – E o seu marido, ele...

Zezé – Está desempregado, ele tem...

Camilo – Você falou que ele perdeu o emprego em 86...

Zezé – É...faz tempo que ele tá desempregado...o último emprego dele foi na Clark...ele tem problema

de ácido úrico no sangue...então...depois, por causa da idade também, ele não conseguiu mais arrumar

trabalho...

Camilo – Qual a diferença de idade entre vocês?

Zezé – Nós temos...dois anos de diferença, então...

Camilo – E desde 86 que ele não consegue mais...

73

Zezé – Exatamente...por aí...assim, mas registrado, tá?

Camilo – Registrado...

Zezé – Registrado, mas ele fez bico, ele é pintor, ele fez vários bicos aí...

Camilo – Ah, tá...

Zezé – Trabalhou com peruas no alternativo, tá? mas aí, agora...é...a situação de saúde dele deu uma

agravada aí...complicou um pouco...

Camilo – E ele também...milita junto com você?

Zezé – Exatamente. Ele é petista e todo esse trabalho que eu fiz na comunidade, ele também fazia

parte.

Camilo – Também fazia parte...

Zezé – Também fazia parte...

Camilo – Aqui no sindicato ele nunca...

Zezé – Ele já trabalhou um tempo aqui no sindicato, logo que eu vim prá cá, mas depois ele saiu, aonde

ele foi...trabalhar de funcionário de peruas no...no alternativo...tá...mas aí deu um rolo lá, ele parou

também, daí fez bico de...de pintor...ele trabalha como pintor agora...só que deu um problema na mão

dele agora, ele precisou ficar parado...mas assim, né? Arruma um bico prá lá e prá cá...

Camilo – Então ele sempre apoiou sua...é, porque ele também...

Zezé – Ah, sim...daí ele ser militante também, né? Então, quanto a isso não tem problema nenhum,

não...

74

Camilo – Uma coisa que eu ia perguntar: você nunca teve algum problema, assim, pelo fato de você,

enfim, até por causa da questão do machismo, nunca teve algum problema o fato de você ser mulher...

Zezé – É, não, é uma coisa bem engraçada, né, porque toda...a minha diretoria quase toda é tudo

homens, né...então, camelô...é...são tudo um pessoal que já chega despachado, né...então é...risos...e

chegar e botar ordem num camelô? Então, eu, assim, é uma coisa que...eu consegui, eu acho que graças

a Deus foi uma coisa que deu certo, eu tenho o respeito da minha categoria, eu respeito também a

minha categoria...então, de repente, eu tenho que chegar numa banca e falar “olha, eu vou fechar essa

banca”, eu fecho a banca...tá...então, eu consegui esse respeito...de cada marmanjão de três

metros...tem uns...um aí, eu vou te falar prá você, só de você olhar prá ele assim eu tenho que falar

olhando prá cima...risos...mas eu consegui, sim, então foi uma...essa foi uma das vitórias acho que mais

importantes da minha vida, estar conseguindo, porque a maioria é tudo homem, a diretoria é quase tudo

homem, e existe um respeito muito grande entre a gente.

Camilo – Mas, nunca aconteceu de...

Zezé – Não...não. Há...nunca aconteceu de...alguém da minha categoria me desrespeitar.

Camilo – Mas não nesse sentido, mas no sentido de...vamos dizer...duvidar da sua legitimidade

enquanto...

Zezé – Hum...não.

Camilo – Nunca teve isso...

Zezé – Não. No começo foi meio complicado, porque...tinha um outro diretor aqui que...deixou alguns

vestígios, sei lá...que não foi muito bom...ele manchou muito o nome da nossa categoria...mas, assim,

eu consegui com tranqüilidade, com muita...um trabalho de formiguinha mesmo, foi, tá...risos...mas eu

consegui mudar todo esse visual, toda essa visão que o pessoal tinha desse sindicato...assim, mas esse

tipo de problema existe...às vezes você tem que...chegar num camelô, camelô já tá nervoso, então às

vezes até dá algum...estremecimento...mas depois a gente consegue tirar de letra, numa boa...

75

Camilo – É que eu acho, assim, quer dizer...a maioria são homens e você uma mulher que é a

presidente do sindicato...

Zezé – Exatamente.

Camilo – Se isso não gera algum constrangimento...não...tanto da sua parte quanto da parte deles, se

você não percebe alguma...

Zezé – A parte deles, sei lá...se acontece, assim, dificilmente a gente...deu prá notar, mas, assim, se eu

tiver que...fechar uma banca e o cara tem dois metros de altura, se nós temos dois, quatro, vários

ambulantes aí...eu vou e eu fecho, não é o tamanho dele, não é porque ele é homem que vai...me inibir

não, tá, eu vou e eu fecho...normalmente eu faço isso com o sindicato, não preciso nem da...da SETEC

prá auxiliar nesse sentido, não...entendeu? Eu acho que...profissionalmente...veja bem, eu acho que...eu

só tenho que agradecer...tá...embora eu trabalhe prá caramba...eu sou uma pessoa muito responsável no

que eu faço...então, se eu tiver que fazer alguma coisa, e eu não gosto de dar mancada com ninguém

também, e...por exemplo, se eu marco um horário com uma pessoa, sabe, eu me desdobro toda porque

aquele horário eu tenho que tá ali...então, eu...eu faço a coisa com amor, mesmo, eu gosto do meu

trabalho, eu me preocupo com a vida dos ambulantes, se...tem algum ambulante doente ou tá

acontecendo alguma coisa...então eu vivo com aquele ambulante aquela situação...e...eu não sei se isso

é bom...eu não sei se isso é bom...porque, de repente, você vai prá casa, você leva...toda essa...toda essa

emoção que você viveu aqui, né...porque...eu vejo assim: a minha diretoria ela se tornou uma família, a

gente é uma família...e de repente tá acontecendo alguma coisa com um ambulante, então você tá

vivendo aquilo com ele, aí você vai prá casa, você leva aquilo ali...então você acaba sofrendo junto,

entendeu? Aí você vai prá casa preocupado, porque aquele tal ambulante lá...que é do setor fundo que é

o setor mais necessitado...se ela comeu, se ela não comeu, entendeu?...então, esse lado meu aí eu não

sei se é muito bom, não...porque eu costumo...sofrer...não sei se é culpa da caminhada que eu tive...eu

costumo sofrer junto com o ambulante o que tá acontecendo na vida dele.

Camilo – E os seus filhos, como é que eles vêem tudo isso? Eles também fazem parte desse...

Zezé – Não, eles não fazem parte desse mundo, não...da comunidade eles eram pequenininhos, né...fica

difícil de acompanhar...mas assim, eles não...não fazem parte desse mundo não...eles já têm uma outra

realidade...

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Camilo – Eles moram com você?

Zezé – Eles moram comigo, hã...então prá eles também, que nem, o Fábio...a Gisele deu prá mim ficar

com ela até seis, sete anos, né...depois precisei trabalhar...mas o Fábio, eu não...pude acompanhar

muito, né...quando ele era pequeno, porque daí eu comecei...a escola dele, principalmente, ajudar nos

dever de casa, porque eu comecei a trabalhar...e, assim, eu acho, assim, super importante a mulher

trabalhar, mas eu acho que, nesse lado aí...eu acho que, não é bom, sabe? Porque...os filhos...perde uma

parte da vida deles que a gente poderia estar mais perto...hoje eu sei disso, porque eu perdi minha mãe

com 14 anos, então eu sei a falta que ela me faz...então até hoje, eu queria elas perto de mim, porque

ela seria a minha direção, entendeu? Então, eu acho que essa direção tem que estar sempre perto da

gente, principalmente no mundo que a gente tá hoje, né...então, eu procuro...sabe, estar perto, mas já

não é...a vida da gente já muda, né...porque eu tô aqui agora, daqui a pouco eu posso tá numa

delegacia...por causa de briga de camelô...daqui a pouco eu tô...sabe? então, eu não tenho...tento ter

uma agenda, mas dificilmente a gente consegue...entendeu? então, a vida da gente vai...vai virando de

uma certa forma...

Camilo – Seus filhos trabalham, estudam...

Zezé – O Fábio tá no quartel, tá? tá servindo o quartel...e a Gisele não trabalha não...porque ela...tem

uma menininha, então ela fica cuidando dela...e...

Camilo – Sua neta...

Zezé – É..uma menininha...[orgulhosa]...três aninhos e meio, que é a coisinha mais linda do mundo...

Camilo – Três anos?

Zezé – Tem...a minha filhinha, minha caçulinha...

Camilo – Como é que é o nome dela?

Zezé – Hilandra...Hilandra Fernandes...

77

[nesse ponto, fomos interrompidos e eu pausei o gravador]

Camilo – Você tava falando da Hilandra...

Zezé – E...a história da minha vida é assim...eu...eu resumo ela desse jeito...eu acho que...de quando eu

nasci até 14 anos, ela era de uma maneira...tá...hã...muita expectativa, muitos sonhos...eu vim de uma

família que era realmente...feliz, minha mãe era uma pessoa muito alegre...então foi uma perda

que...prá mim...eu vejo hoje, é irreparável, porque mudou totalmente os rumos da minha vida...tá...e

depois dos 14 anos, até eu casar, foi com 19 anos...até 23 anos, quer dizer, não...19, eu tive minha filha

com 23...então também foi uma outra fase, foi uma fase de juventude, mas uma fase de

responsabilidade, de quem não fazia nada e, de repente, assumindo uma casa, cozinhando, lavando,

essa coisa toda...de quem não sabia nem o que era um fogão, entendeu? Então, foi uma outra

fase...assim, também meia complicada...depois eu me casei, daí, prá mim, já não teve tanta diferença,

porque eu já assumia uma responsabilidade dentro de casa, né...eu só fui...estendendo melhor a coisa,

daí veio filho, essa coisa toda...

Camilo – Deixa eu entender: você se casou com 23 ou com 19?

Zezé – Eu me casei com...19 anos.

Camilo – É que você tinha dito 23, antes...

Zezé – 23 anos! Desculpa...deixa eu ver...risos...não: me casei com 22 anos e tive a Gisele com 23

anos, foi isso...

Camilo – Ah, tá...

Zezé – E...faz tanto tempo né...risos...e aí...eu acho que depois que eu comecei...que meus filhos

cresceram um pouco, eu comecei a trabalhar, minha vida teve uma outra fase outra vez...agora no

sindicato, minha vida já tá com uma outra fase...e eu acho que a vida da gente vai mudando, né...a

gente vai...vai seguindo...profissionalmente, eu, assim, me sinto realizada, porque eu acho que eu faço

o que eu gosto...tá...embora tem horas, como eu te disse, que derrubam um pouco a gente...a vida do

78

povo tá muito complicada, tá muito sofrida, tá muito difícil...e você não consegue ajudar todo mundo,

então você...isso te...sei lá...te faz sentir pequenininha...tá...de repente tem uma pessoa ali, sofrendo

tanto, com tantos problemas...e às vezes a gente reclama por pouca coisa...e também você se sentir,

assim, impotente de não poder ajudar essa pessoa, então você se sente muito pequena, né...então isso

faz mal prá gente...porque o mundo teria tudo prá melhorar, e às vezes por causa de outras pessoas a

gente não consegue ajudar...tá...no caso do desemprego, você vê...chega pessoas aqui, dizendo prá

mim, “olha, se você não puder me ajudar, eu vou ter que dar meus filhos embora”...então é uma coisa

que te machuca...[ comovida]...faz você repensar, faz você refletir, faz você fazer uma análise na hora

de tudo que tá acontecendo...e faz você enxergar que você também não...você quer ajudar, você não

pode, tá? Porque mais prá frente tem outras pessoas que vão te impedir...aí você se sente um pouco

responsável pela coisa...então...são essas coisas que fazem a gente...sabe...repensar cada vez a vida da

gente, ver se a gente tá fazendo a coisa certa...tentar melhorar...são detalhes, que na verdade são

problemas sérios, né...mas que faz parte do meu dia-a-dia, se você ficar aqui o dia todo você vai sentir

isso, cada um com o seu problema, cada um da sua maneira, mas todos desesperados, entendeu?...que

faz você...te dá uma força interior muito grande prá você tentar mudar tudo isso...só que tá meio

complicado, mas a gente tenta...talvez eu não consiga ajudar...hã...50% tá? dos que me procuram,

porque também, a cidade não é minha, eu não tenho espaço prá dar...mas eu tenho certeza que acho

que...uns 20% eu consigo...se não ajudar, pelo menos amenizar...entendeu?...tentar ajudar a fugir de

fiscal...essa coisa toda...eu acho que...isso compensa um pouco...o muito do que eu poderia fazer...e,

infelizmente, não depende de mim...entendeu?...existe um setor público, existe os lojistas, existe um

monte de coisas, aí...

Camilo – Só prá finalizar, então: o futuro...qual que é a sua expectativa prá ele...o que você espera do

futuro?

Zezé – Olha...futuro...tá aí a minha categoria querendo que eu saia prá vereadora, tá?...mas, assim, no

futuro eu quero...continuar tendo esse respeito, da minha categoria, eu quero continuar trabalhando,

fazendo meu trabalho como faço até hoje...tá...tendo esse mesmo carinho, essa troca de...de carinho que

existe...e de respeito que existe...entre mim e a minha categoria...e...sobreviver, né?

Camilo – E ver a netinha crescer...

79

Zezé – Claro, ver ela crescer...sobreviver...ah, e o futuro...depois disso, eu não sei, né...vamo ver...não

sei...espero só continuar com meu trabalho, continuar contribuindo prá...prá ajudar a vida das

pessoas...e...tentar ser feliz, né? Eu acho que é isso que todo mundo quer, né?

Camilo – Tá certo...

Zezé – Agora, eu não sei, o resto...vamo ver...o dia-a-dia é que vai nos mostra o que que...que vai...se

der prá sair vereadora tudo bem, se não der prá mim...é uma coisa que a categoria, que tá partindo da

categoria...então...se eles definirem, tudo bem...se não...vou ficando por aqui até quando der...ou sei

lá...tem tantos...caminhos aí prá gente seguir, né...não sei se esqueci alguma coisa, mas se eu esqueci,

depois eu lembro, eu te falo...

Camilo – Tá certo...

Zezé – Deixa eu perguntar a época do Jacó aqui, só prá mim confirmar prá você...[saiu da sala...voltou

em seguida]...é de 89, mesmo...o Jacó começou em 89, foi até 93...

Camilo – Que é a época que você trabalhou com a...

Zezé – É, é a época que eu trabalhei com a Vanda...aí quando a Vanda saiu em 93 foi aonde eu

vim...prá cá...esse sindicato, ele foi fundado em 91, por aí, que ele começou a organização dele...depois

foi feito o estatuto, daí quando eu saí de lá, que eu vim prá cá, já fazia uns dois anos que ele existia...só

que daqui eu fiquei um tempo como secretária...há uns três anos atrás que eu...assumi prá valer a vida

do sindicato.

Camilo – Tá certo, então. Obrigado.

2.6.4 – Rupturas, mudanças, recomeços

Meu objetivo nesse item será o de apontar aquelas que acredito serem as principais clivagens ou

rupturas pelas quais Zezé passou, de acordo com o que me foi por ela contado. Além disso, procurarei,

na medida do possível, tecer comentários acerca dessas clivagens.

80

Acredito que a primeira grande ruptura na vida de Zezé tenha sido a morte de sua mãe. Zezé

tinha na época 14 anos. Como ela mesma diz, foi uma virada total em sua vida. Um aspecto

interessante é que Zezé fez questão de afirmar que vivia em uma “família feliz”, até então. Acredito

que seja uma forma de dizer que seu padrão de vida era de, digamos, “classe média” – o que se reforça

com a afirmação de que estudava em um colégio particular, de que era a “princezinha” da casa, levando

uma vida de “dondoca”. A morte de sua mãe foi uma mudança que escapava do seu controle – ter que

largar o colégio, “assumir a responsabilidade” da família, desistir do sonho de ser “tecnóloga de

alimentos”. Zezé também aponta para a mudança que esse acontecimento provocou em outros

membros da família – seu pai começou a beber, seu irmão parou de trabalhar.

Ela nos conta que, até os 23 anos, ficou cuidando da casa, assumindo o papel de “dona

de casa”, até se casar. Acredito que essa seja outra clivagem em sua vida. Casou-se e mudou de casa,

junto com seu pai e seu irmão, que ainda estava vivo – um recomeço.

Tudo parecia ir bem, até que, no mesmo ano, ela perdeu uma filha e um irmão. Zezé parece,

como ela mesma diz, estar acostumada com a perda de parentes, de pessoas próximas. “Então eu já tive

muitas perdas na vida, então eu acho que...eu já sei o que é perder mãe, o que que é perder pai, o que

que é perder filho, o que que é perder irmão, tio, avô...eu acho que eu já experimentei de tudo, né...mas

isso faz parte da vida...”. Talvez essa seja uma forma de ela nos dizer que já sofreu muito, que sua vida

não foi nada fácil.

Outro aspecto interessante na vida de Zezé é sua entrada para o que ela mesma chama de

“militância”. Começou na Comunidade Eclesial de Base do Parque Santa Bárbara, para onde se mudou

após alguns anos de casada. Chama atenção o fato de Zezé apontar como o motivo de sua entrada a

influência de sua mãe – que era líder de comunidade. Essa afirmação poderia nos dar a impressão de

que ela quer dizer que seja uma característica hereditária, de sangue, essa “mania de trabalhar com o

povo”, de “estar junto do povo”, que ela afirma em vários momentos da entrevista, e que é reforçada

pelo trecho “eu trabalhei com sem-teto também...eu já ajudei a construir muitos barracos...tá?”. Esta

afirmação, se dita dessa forma, talvez nos revelasse algo mais profundo – a de que, no chamado senso

comum, ainda permanece a idéia de que algumas características comportamentais sejam

biologicamente herdadas, hereditárias. Por outro lado, o fato de Zezé afirmar que isso viria da

convivência com sua mãe pode ser uma quebra dessa regra – a influência para a militância viria do

convívio, e não pelo “sangue”.

Zezé aponta alguns motivos que a levaram, se não a deixar, pelo menos se afastar um pouco da

Comunidade: em primeiro lugar, começou a “trabalhar fora”, com a então vereadora Vanda Russo, no

81

final dos anos 80; mas o segundo, e principal motivo, é mais interessante: como Zezé nos conta, ela

estava sendo vista como uma espécie de “santa” pela comunidade:

“Assim...de repente as pessoas vinham pedir prá mim ter fé por elas, você entendeu? Eu...sabe? vinham

buscar em você...um apoio, vinha...sabe, não...começaram a confundir, não era...uma linha direta com

Deus...primeiro vinha até você, você tinha que fazer as coisas, entendeu? Aí, eu senti que...a coisa

sobrecarregou muito...e que...de repente...eu tava virando assim...uma santa no meio da história toda,

sabe, que uma pessoa ia só te procurar?...aí eu comecei perceber que...que eu não conseguia fazer

mais...minha família tava ficando prá trás...meus filhos tavam ficando prá trás porque eu não tinha mais

tempo prá nada...se tinha alguém doente, lá, morrendo...então eu tinha que ir lá rezar por aquela

pessoa...tá?...então, é...aí começou esse tipo de coisa, aí eu vi que...e aí eu comecei a trabalhar fora

também, que eu trabalhava com a Vanda...aí foi me desgastando, aí eu vi que...não tava dando mais prá

mim...”

É importante salientar que, ao que me parece, duas coisas a desconfortavam nessa situação:

estar assumindo, contra a sua vontade, um papel que não estava disposta a assumir – o de “santa” – e,

por outro lado, estar se vendo afastada de sua família. Talvez por ter perdido a mãe muito cedo, ou por

ter perdido vários outros parentes próximos em um curto período de tempo, um dos maiores medos de

Zezé seja perder sua família, ou não poder vislumbrar a possibilidade de recuperar aquela “família

feliz” à qual ela se refere quando lembra de sua infância. Parece ser muito marcante a presença dessa

instituição em sua vida – quase como um ponto de referência, um “norte”, o que fica claro quando ela

diz que, ao perder sua mãe (e, conseqüentemente, a “família feliz”), ficou por dois anos “sem rumo”.

Além disso, seu marido estava desempregado: mais um motivo para ela ir trabalhar fora de casa.

Acho interessante que Zezé deboche de sua condição, antes de ir trabalhar com a vereadora

Vanda Russo: “rainha do lar...risos...eita, Deus...”. Talvez isso nos mostre um desconforto, por parte

dela, quanto à idéia de colocar a mulher na condição de “dona de casa”. Giddens (op. cit.), aliás, nos

fala um pouco disso: o que este autor nos mostra é que, se durante muito tempo às mulheres era

reservado o espaço da casa, a “função” de rainha do lar, isso está em transformação – uma

transformação, aliás, que ainda está ocorrendo na modernidade radicalizada das sociedades

“ocidentais”, de acordo com ele.

Zezé parece estar o tempo todo separando a vida que leva junto com sua família e a vida no

trabalho – e se sente incomodada quando não consegue separar as duas esferas:

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“se...tem algum ambulante doente ou tá acontecendo alguma coisa...então eu vivo com aquele

ambulante aquela situação...e...eu não sei se isso é bom...eu não sei se isso é bom...porque, de repente,

você vai prá casa, você leva...toda essa...toda essa emoção que você viveu aqui, né...”

Essa afirmação, bem como o fato de chamar a diretoria do sindicato de uma segunda “família”,

ressalta, mais uma vez, a importância dessa instituição na vida de Zezé – o que talvez se explique, em

parte, pelas clivagens pelas quais passou e, de outro lado, pela própria importância dessa instituição em

nossa sociedade.

Além disso, ela nos dá um exemplo de como, na atualidade, as identidades podem ser

reinventadas – Zezé, ao nos dizer que já foi “dondoca” ou “princezinha”, “dona de casa”, coordenadora

de Comunidade, presidente do sindicato, militante, mãe...está, de certa forma, mostrando o quanto

assumiu (e assume) diferentes posturas e modos de ser em diferentes épocas e contextos. Stuart Hall

(1998) parte da idéia de que as identidades modernas estão sendo deslocadas. Isso significa que, para

ele, no mundo pós-moderno, se é que ele existe, um mesmo indivíduo pode assumir identidades

múltiplas. Essa afirmação quebra com a idéia de que as identidades são substantivas – elas são, sim,

situacionais e reinventadas constantemente, em contextos diferenciados.

Também pode-se perceber na fala de Zezé, como já dito acima, uma tentativa de mostrar uma

ligação com o “povo”, com os menos favorecidos. Isso se evidencia nos trechos em que ela fala de sua

“categoria”, os “camelôs”:

“...eu já trabalhei com todo mundo...e eu gosto muito da minha categoria, porque a minha

categoria...ela preenche tudo que eu já fiz...(...)eu já trabalhei com comunidade de base, eu já trabalhei

com presidiário, eu trabalhei com menor de rua, eu já trabalhei com prostituta...e a nossa categoria, ela

é uma mistura de tudo isso...é assim...porque todas as pessoas que tão no final da linha, no desespero,

no desemprego...então vêm prá cá...”

Zezé também diz que a questão do dinheiro não é a mais importante naquilo que faz, o que

evidencia o que foi exposto acima: “é um trabalho que me gratifica”, ela diz.

Outra clivagem importante é a distância da família – o ônus com o qual, de acordo com a

própria Zezé, a mulher (e - porque não? – também o homem) que trabalha tem que arcar (sobretudo se

levar uma vida tão agitada quanto ela): “eu acho, assim, super importante a mulher trabalhar, mas eu

acho que, nesse lado aí...eu acho que, não é bom, sabe? Porque...os filhos...perde uma parte da vida

deles que a gente poderia estar mais perto...”

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Acho importante ressaltar, por fim, as perspectivas de Zezé quanto ao futuro. Ela, que é

presidente de um sindicato de trabalhadores informais, parece procurar não prever o que lhe pode

acontecer:

“a vida da gente já muda, né...porque eu tô aqui agora, daqui a pouco eu posso tá numa

delegacia...por causa de briga de camelô...daqui a pouco eu tô...sabe? então, eu não tenho...tento ter

uma agenda, mas dificilmente a gente consegue...entendeu? então, a vida da gente vai...vai virando de

uma certa forma...”.

Apesar de tudo isso, prossegue: “espero só continuar com meu trabalho, continuar

contribuindo prá...prá ajudar a vida das pessoas...e...tentar ser feliz, né? Eu acho que é isso que todo

mundo quer, né?”.

2.6.5 – Conclusão...inconclusa

Concluindo, ou tentando concluir, gostaria apenas de salientar dois pontos: antes de tudo, a

satisfação de estabelecer um diálogo, conversar com alguém sobre suas experiências, clivagens,

rupturas, sofrimentos, mudanças, sonhos, esperanças. Além disso, queria salientar que, se consegui

com esse trabalho mostrar o quanto é difícil e, ao mesmo tempo, enriquecedor, tentar analisar a história

de vida de um indivíduo buscando compreender a relação desta com o contexto no qual ele está

incluído, me dou por satisfeito (por enquanto...).

2.7 – Outras trajetórias...narrativas outras

Um dos meus propósitos nessa pesquisa é tentar perceber quais as representações que esses

trabalhadores formulam a respeito de sua prática, vivência e experiência de trabalho. Além disso, a

idéia é tentar captar os motivos que eles acreditam que os levaram a trabalhar na informalidade, bem

como suas expectativas quanto ao futuro. É nesse sentido que procurei conversar com alguns deles, a

fim de conhecer suas trajetórias de vida, em geral, e profissionais, em particular. Conversei com muitos

deles. Posteriormente, selecionei alguns indivíduos a fim de dialogar de forma mais aprofundada e com

mais calma. O critério principal para tal seleção foi a tentativa de coletar trajetórias de indivíduos que

ocupam posições diversas dentro do Terminal Central – alguns membros das comissões, outros não-

membros, uns que estão por lá desde a fundação do sindicato, outros mais recentes. Tenho consciência

de que, sendo as possibilidades posicionais as mais variadas (“funcionários”, “proprietários de bancas”,

84

“fornecedores” etc), este exercício não dá conta dessa diversidade. Serve, no entanto, como ponto de

partida para que, de uma perspectiva qualitativa, com um pouco mais de imponderáveis “carne e

sangue”, possamos começar a entender quem são as pessoas que trabalham como “camelôs” no centro

de Campinas. Ao mesmo tempo, algumas dessas trajetórias nos esclarecem um pouco mais sobre a

própria história do sindicato, desde seu surgimento, em meados de 1990. Passo, agora, a relatar nossas

conversas. Antes de mais nada, contudo, vale frisar que, nelas (diferentemente da entrevista que realizei

com Zezé), não utilizei o gravador. Sobretudo para que meus interlocutores se sentissem à vontade para

que estabelecessemos nosso diálogo.

Calixto

Calixto, que vende CDs num box no Setor Jumbo, veio do Paraná para Campinas e sempre

trabalhou na informalidade. Ele me disse que, quando morava no Paraná, atravessava a fronteira do

Paraguai às vezes mais de uma vez por dia, a fim de trazer “muamba” e vender de porta em porta ou de

fábrica em fábrica. Veio fazer isso em São Paulo, Capital, e há 11 anos trabalha e mora em Campinas.

Calixto está no Terminal Central desde o “tempo do Belo” e se orgulha em dizer que ajudou a “fundar

o movimento” (o “movimento” envolve a criação do sindicato e o estabelecimento do “camelódromo”).

Esse “movimento”, segundo ele, é a luta pelo direito de ficar nas ruas, é o “movimento dos camelôs”.

Calixto disse nunca ter trabalhado no “formal” e não se vê fazendo isso. Não vê motivos em se sujeitar

a um chefe, a horários, ganhando “uma miséria”, se como “camelô” ele ganha mais, “trabalhando para

si”, num “negócio próprio”. Além disso, Calixto afirma ter clareza de que, com sua baixa escolaridade,

não conseguiria um emprego “com carteira assinada” que seja “decente” e no qual obtenha os mesmos

rendimentos atuais.

Paraná

João Carlos tem esse apelido por que nasceu em Itararé, Paraná, em 09 de novembro de 1974.

Possui uma “lanchonete” no Setor Terminal Central – Fundo. Tem nove irmãos e é um dos mais novos.

Seu pai morreu quando tinha dois anos. Tem uma trajetória complexa. Morou com a mãe até os doze

anos, quando foi passar um tempo no Rio de Janeiro, na casa de amigos. Aos treze anos, foi morar com

um tio, sapateiro, em Curitiba. Era seu ajudante. Diz que a experiência não deu certo e que, por isso,

voltou para casa. De lá, veio para Matão, Sâo Paulo, onde ficou por três meses trabalhando na colheita

de laranjas. Percebeu que não ia “ter futuro”, pois o serviço não dava dinheiro. Voltou para a casa da

85

mãe, onde plantou feijões por algum tempo. Veio para Campinas com o cunhado, para trabalhar de

ajudante de pedreiro, o ajudando. Era um “orelha seca”, espécie de servente, “faz-tudo”. Ficou um

tempo trabalhando nisso quando resolveu, sozinho, se tornar “lombador” (indivíduo que descarrega

caminhões em frigoríficos). Trabalhou nisso por três meses. Já com quatorze anos, voltou a trabalhar

com o cunhado, como pedreiro, em Capão Bonito, São Paulo. Conta que lá teve de conviver com

pessoas “diferentes”, “drogados”, “esse tipo de gente” que tem “problemas com a Justiça”. Se

desentendeu com o cunhado, devido a “assuntos de trabalho”. Tinha na época quinze anos. Voltou para

Campinas, sozinho. Sua idéia era trabalhar “sem expectativa”, “se aventurar”. Passou a vender passes

de ônibus coletivos, nas imediações do Terminal Central. Era 1990. Paraná os comprava na empresa,

em grandes quantidades, obtendo portanto descontos, e os revendia. Em 1991, as empresas de ônibus

resolveram acabar com o desconto. “A coisa foi apertando”. Ele e várias outras pessoas “na mesma

situação” chegaram à conclusão de que seria melhor “se organizar”. A idéia era fazer uma associação.

Surgiu, assim, o Sindicato – com Antônio Belo à frente, auxiliado por Paraná, Calixto e outros.

Obtiveram apoio da CUT – Central Única dos Trabalhadores, à qual o Sindicato é filiado. Segundo

Paraná, a idéia era “legalizar esse pessoal”. Ele diz que, nessa época, não existiam “comerciantes

informais”, nem “pontos fixos” como hoje. O que havia eram “ambulantes”, os chamados “pára-

quedas” – sujeitos que vendem seus produtos em panos, toalhas abertos na rua e que, quando chega o

“fiscal”, “juntam tudo e correm”. A idéia de fundar o Sindicato partiu de Belo, que foi seu primeiro

presidente. Ele foi apoiado por outros trabalhadores. Contaram , ainda, com a ajuda de políticos e

vereadores do PT. E da CUT. Paraná falou do estigma de “vândalos” que os informais carregam, e que

parte dos “poderosos”.Perguntei qual ele acredita ser o principal motivo que leva alguém ao mercado

informal. A resposta: o desemprego. É claro que, aqui, Paraná se espelha em sua própria trajetória. Ele

diz que passou por muitos locais, mas “as portas estavam sempre fechadas”. Estudou só até a 5ª série.

Não tinha chance, acredita, de obter um futuro melhor no “formal”. Nem para ele e nem para seus

filhos – Paraná é casado desde os 16 anos e meio. Acredita que “a única opção para um desempregado

é a independência, a autonomia total”. Conclusão: seu único lugar seria a economia informal. Perguntei

como era o TC, no início do “movimento”. Paraná trabalhava como “ambulante” durante o dia,

vendendo os passes de ônibus, e à noite trabalhava como segurança num “clube”. Apesar de ser menor

de idade – disse que ninguém percebia, porque já era “encorpado”. Além disso, dormia numa oficina

mecânica, tomando conta dela. Tinha, portanto, “três serviços”. “Ambulante”, segundo Paraná, é o que

“perambula, fica perambulando, não tem ponto fixo”. Por isso, não é nem preso pelos fiscais – é “pára-

quedas”. Em 1991, surgiram as primeiras “barraquinhas” no TC, nos locais onde hoje são os Setores

“TC – Frente” e “TC – Fundo”, e nas ruas Álvares Machado e Carlos Gomes. Data dessa época as

86

primeiras divergências com os comerciantes formais, os lojistas – e com o Poder Público. “Os conflitos

são desde aquela época”. Isso motivou a criação do Sindicato (que, como Zezé já me descreveu, existe

“para manter esse pessoal trabalhando na rua”). Segundo Paraná, sempre que o Poder Público

ameaçava tirar de lá as bancas, o Siondicato intervinha. E organizava manifestações, que são, de sua

perspectiva, “a única forma de defesa contra a pressão dos comerciantes, do Poder Público”. Paraná

pensa na informalidade como um “final de linha”, como “última opção”, pois “todo mundo gostaria de

estabilidade” e “ninguém gosta de enfrentar policiais”, como ocorria no início dos 90. Hoje a relação

com os fiscais está “bem melhor”, acredita. Embora a pressão dos “formais” persista.

José Gonçalves, o Zé, vende produtos eletrônicos diversos junto com sua esposa, no Setor

Carlos Gomes. Tem 40 anos – nasceu em 1962, em Santo Expedito, São Paulo. Seu pai era lavrador,

agricultor, e trabalhava nas terras do sogro, seu avô materno. Zé é o segundo filho de seis irmãos. Ele e

seu irmão mais velho foram os únicos a nascer nessa cidade, por que seu pai se mudou para uma cidade

próxima, Presidente Bernardes, quando Zé era ainda recém-nascido. A família lá ficou até Zé

completar quatro anos. Nessa cidade, seu pai trabalhava em terras arrendadas. Segundo Zé, “naquela

época se fazia muito isso”. De lá, foram para Brasília de Minas, em Minas Gerais. Seu pai era então

dono de um armazém de “secos e molhados”, um “comerciante”. A família ficou lá por dois anos,

tendo voltado para “Bernardes”. O pai de Zé novamente arrendou terras na localidade. De acordo com

Zé, “naquela época de plantava muito amendoim e algodão”. Pouco depois de terem voltado para

Bernardes, quando Zé tinha apenas sete anos, sua mãe faleceu. Era 1969. Ele “não lembra direito”

como foi, pois “essas coisas a gente apaga da memória”. Só sabe que ela ficou doente, tendo sido

internada em Presidente Prudente (o maior centro próximo a Bernardes), onde veio a falecer. Foi ainda

com sete anos que Zé entrou na escola. E começou, junto com o irmão mais velho, a ajudar o pai na

roça. Um ano depois, em 70, seu pai se casou de novo. Mas se separou após dois meses. Zé tem “a

impressão” de que não deu certo porque seu pai já tinha muitos filhos, que davam muito “trabalho”

para sua nova companheira. Nesse curto período, ela tentou “cuidar” das crianças. Após a morte de sua

mãe, e após a separação, as crianças eram “cuidadas” por vizinhas, que as “olhavam” e cozinhavam

para elas, enquanto o pai de Zé trabalhava. Em 1973, a família se mudou para Osasco, São Paulo. Zé

conta que seu pai estava desanimado com a roça, “cansou”. E foi trabalhar na construção civil (como

pedreiro, carpinteiro, pintor etc). Zé o ajudava de vez em quando. Aos 12 anos, Zé trabalhava num

mercado à tarde e estudava de manhã. Era espécie de ajudante geral e repunha o estoque – “serviços

87

gerais”. Não era registrado. Terminou a 8ª série aos 14 anos. Parou por aí. Foi trabalhar numa firma de

construção civil, prestando “serviços de escritório”. Zé diz que ele é quem foi atrás desse emprego. Em

pouco tempo, foi transferido para o almoxarifado. Ainda não era registrado. Quando a firma “pegou um

serviço” no Mato Grosso do Sul, para montar uma destilaria, seu pai não queria que ele fosse para lá.

Mas ele disse que “queria ir” e “foi”. No MS, os funcionários ficavam em alojamentos e Zé na

“república” do pessoal da administração.De 3 em 3 meses, vinha para Osasco visitar a família. Em MS,

morava em Rio Brilhante. Nessa época, saiu seu registro, como “serviços gerais”. Então, Zé começou a

ficar “curioso” para saber como era o serviço do topógrafo, “seu Mário”, e se tornou seu aprendiz.

Quando Zé tinhas “uns 15 ou 16 anos”, seu Mário adoeceu e voltou para Araraquara, São Paulo. Zé

assumiu seu lugar, embora continuasse registrado como “auxiliar de topógrafo”. Ficou na firma até 79,

quando tinha 17 anos. Saiu porque, conta, a firma queria que ele fosse para o Iraque, pois havia “pego

um serviço” por lá, para construir estradas. Ele não quis ir e pediu demissão. Foi contratado, como

topógrafo, pela destilaria que a empresa havia construído no Mato Grosso do Sul. Durante a

construção, havia “pego amizade” com o pessoal da destilaria. Foi registrado. Tinha um bom salário e

fazia “serviços particulares” nos finais-de-semana, utilizando para tanto os próprios equipamentos da

empresa. Trabalhou nela até 1986, quando “cansou”, “não quis mais” e pediu demissão. Foi para

Campo Grande, onde comprou um escritório de auto-escola/despachante, com suas economias. Tudo

estava bem, até que o banco “executou” uma dívida de um amigo dele, de quem era o fiador. Zé teve de

vender os dois carros da auto-escola e o seu próprio, um Monza, que era, na época, o carro mais

cobiçado. Só lhe sobrou o “despachante”. Vendeu o escritório . Foi então que um amigo o convidou

para trabalhar em Uberlândia, Minas Gerais, como vendedor de carros no estacionamento do pai. Zé

recebia “por comissão”. Ficou três meses num hotel, quando foi para uma espécie de edícula ou “quarto

de fundos” na casa do amigo. Em 88, Zé conheceu e começou a namorar sua atual esposa. Em 89,

sofreu um acidente de moto e foi “se recuperar” na casa dela. Os dois vivem juntos até hoje e ela tem

dois filhos do primeiro casamento, que Zé considera “como seus”. Em 1990, quando sarou, Zé saiu do

estacionamento. Começou a viajar para o Paraguai, trazendo mercadorias para reverender nas lojas de

Uberlândia. Disse que isso é muito comum. Em 92, parou de viajar, porque “tava pegando muito”. Foi

trabalhar como vendedor, por comissão, num escritório – uma “Bolsa de Cereais”. Comprava e vendia

por telefone e ganhava comissões. Fez isso até 93. Desistiu porque, afirma, nesse ramo “tem muita

pilantragem”, muito “traíra”, muita “trairagem”. Zé vive e trabalha assim: enquanto tudo vai bem,

continua. E quando percebe que o negócio “vai minguando”, parte para outra. Assim, em 94 ele foi

para Belo Horizonte, trabalhar vendendo auto-peças , sem registro, numa empresa, “por comissão”.

Ficou até dezembro daquele ano. Vaio para Campinas em Janeiro de 1995. Conta que passou pelas

88

imediações do TC, “viu o movimento” e resolveu voltar a viahar para o Paraguai a fimde trazer

mercadorias e repassá-las aos comerciantes da área. Ganhava uma porcentagem em cima dos produtos.

Ficou nesse ritmo por uns cinco meses, quando surgiu um ponto para “alugar” no Carlos Gomes. Ficou

um tempo pagando aluguel e revendendo o que trazia do Paraguai (ele viaja até hoje). Em 1996, Belo

deu para Zé o ponto onde ele está hoje. Quando conversamos, Zé havia acabado de “fazer um rolo”:

trocou seu box pelo que ficava ao lado do box de sua esposa. Assim, os dois puderam juntar os boxes.

Várias outras pessoas vivem fazendo “rolos” no TC. Zé disse que isso é comum, mas que o “sindicato

sempre fica sabendo”, porque ninguém faz nada “às escuras”. O Sindicato é sempre avisado desses

“rolos”, o que Zezé me confirmou.

Ezequiel

Ezequiel nasceu em 1975, em Presidente Prudente, São Paulo. Mas foi criado no Mato Grosso

do Sul, em Iviema, até os 10 anos. Iviema fica “perto de Dourados”. Depois a família se mudou para

Mirassol do Oeste, no Mato Grosso. Moravam em um sítio. Mirassol era, na época, um “povoado”,

uma “parte rural”. Ezequiel é o mais velho de seis filhos e filhas. Estudou até a 4ª série e começou a

trabalhar na roça aos 11 anos. Seus pais moram lá até hoje. Ele me contou que não estudou mais porque

a escola era muito longe e ele tinha que trabalhar. Além do mais, só havia aulas de 5ª à 8ª série no

período noturno. Hoje, conta, o povoado “virou município” e passou a se chamar Curvelândia, com

cerca de 5 mil habitantes. Ezequiel ficou na roça até os 22 anos. Ele diz que, quando tinha uns 13 anos,

por volta de 1987, 1988, as coisas começaram a ficar difíceis por lá. Segundo ele, o Governo “ajudou a

região” e muita gente foi chegando, “abrindo pastos”. E gerou concorrência, o que se aliou ao fato de o

sítio da família ser pequeno para piorar a situação. Apesar da crise, só saiu de lá aos 22 anos – os

irmãos também ajudavam, e a família arrendava “terra a mais” para completar o sustento. Então, uns

parentes dele que tinham vindo “obrigados” do Paraná para Campinas o chamaram para vir para cá,

para morar com eles. “Obrigados” significa que eles foram forçados a deixar suas roças, também em

crise. Ezequiel veio então morar com os tios. Eram dois tios que tinham vindo do Paraná e que

“chamaram” parentes de lá mesmo, do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul para vir morar com eles.

Em 10 de abril de 1997 Ezequiel chegou aqui. Passou a vender passes de ônibus na entrada do TC. O

Setor Túnel ainda não existia. Em 1998, foi trabalhar de “empregado” ou “funcionário” no box de seu

tio, com quem morava. Outros primos vieram para cá também – um trabalha como “camelô”, como ele,

e o outro foi ser Policial Militar e acabou morrendo num acidente. Ezequiel era “funcionário” de seu

tio. Mas não exigiu seus “direitos” – aqueles que o Sindicato recomenda, que são calculados pelo

89

contador contratado. Disse que “não os quis” por que além de seu tio “ser parente” (e “parente é

parente, né?”), ainda por cima Ezequiel morava “de favor” em sua casa. Em 1999, Ezequiel se casou. A

primeira coisa que ele diz ter feito assim que chegou em Campinas foi se “cadastrar” no Sindicato, oara

obter um “ponto”. Em 98, surgiu o Setor Túnel, o mais novo dos setores, fora os “fruteiros”. Em 25 de

janeiro de 1999, Ezequiel foi trabalhar “por conta própria”. Antes, quando trabalhava com seu tio, ele

ganhava R$ 400 mensais e trazia as mercadorias do Paraguai. Diz que o tio o ajudou muito – “era

parente, né?”. Ressaltou a enorme dívida que tem para com ele, que chegou com “R$ 100 no bolso” em

Campinas. Quanto ao futuro, Ezequiel pretende juntar dinheiro e comprar um sítio no Mato Grosso.

Vai deixar alguém (“algum parente, um irmão, por exemplo”) “tomando conta”. Ezequiel não se vê

trabalhando no “formal”, com carteira assinada. Os motivos são os mesmos que tantas vezes ouvi: pela

pouca escolaridade, não acredita que possa arrumar um emprego “decente”, que sustente a família.

Vanderley e Maria Conceição

Vanderley trabalha como “camelô” há “mais ou menos dois anos”, e vende CDs no Setor Carlos

Gomes. Trabalha com sua mãe (uma senhora baixinha, magra, de cabelos brancos compridos formando

uma trança, que veio observar nossa conversa no início, meio desconfiada, a quem cumprimentei mas

não respondeu...). Ao lado de seu box, fica o de sua tia, Maria Conceição. Os dois trabalham sentados

em dois banquinhos, um ao lado do outro, e conversam o dia inteiro. “Está tudo em família aqui”,

dizem. Conceição trabalha por lá há mais tempo – 6 anos. Os dois moram em Hortolândia em vêm

todos os dias para o Terminal Central. Vanderley trabalhou durante 15 anos com carteira assinada,

antes de chegar ao TC. Chegou a trabalhar no campo. Em seu último emprego, ficou por 7 anos. Há 3

anos, Vanderley foi assaltado em Sumaré. Levaram-lhe o carro e deram-lhe um tiro na barriga. Ele até

mostrou a marca da bala. Na época, trabalhava num grande metalúrgica. Ficou um tempo afastado e

disse não ter obtido apoio da empresa na recuperação. Disse ter pedido a demissão, por medo de

adoecer e não ter apoio da empresa. Muitos colegas seus adoeciam e Vanderley estava começando a

sentir os “efeitos” do trabalho. Não foi “mandado embora” – afirma que pediu demissão. Ele diz que

ficou um tempo procurando emprego e acabou no TC “por falta de opção”. Porém, afirma que “não se

vê mais fazendo outra coisa”, não pretende voltar para o “formal”. Ele não acredita que consiga

arrumar um bom emprego com carteira assinada. Então prefere ser “comerciante informal”. Tanto

Vanderley quanto Conceição adquirem seus produtos por meio de uma “pessoa”, um “fornecedor”, que

viaja para o Paraguai e lhes traz a mercadoria, ganhando para isso uma comissão de 20% sobre o valor

pago no exterior. Eles me explicaram que essa “pessoa” traz os produtos e o comerciante paga pela

90

mercadoria da semana anterior. Assim, os “camelôs”, segundo eles, trabalham “com o dinheiro da

pessoa”. Isso porque, quando a pagam, já deu tempo de vender os produtos que ela trouxe na semana

anterior. Pelo menos foi isso o que eu entendi. Conceição vende brinquedos e outros pequenos artigos.

Vanderley disse não ter medo de uma possível apreensão de CDs. Segundo ele, os “federais” estão

atrás de quem fabrica, e não de quem vende os CDs “piratas”. Ele acha que o “combate à pirataria” só

ocorre por que o CD original é muito caro. Acredita que se as gravadoras concordassem em baixar seus

lucros o problema seria menor.

Dona Maria

Dona Maria é uma senhora velhinha e simpática que vende roupas no Setor Frente. Nasceu e

cresceu em Pombal, na Paraíba. Vivia lá com o marido e cinco filhos. Trabalhavam na roça. Por causa

da seca, tiveram que vender tudo e ir para a Bahia, morar em Irecê. Lá, embora os filhos ajudassem, o

problema se repetia. Seus filhos vieram para Campinas no começo dos anos 90, e começaram a

trabalhar de “pára-quedas” nos arredores do Terminal Central. Em 1994, ela e o marido também

vieram. Ele quer voltar para a Bahia. Ela não. Diz não querer enfrentar a seca de novo e acha que se

eles forem para lá será para gastar o pouco que juntaram e ter de vir para cá de novo. Dona Maria

elogiou a atuação do Sindicato e de Zezé, disse que “a adora”. Ela possui um box duplo, que divide

com sua filha. Na verdade, metade da banca é delas – pelo outro “ponto” elas pagam aluguel. Os outros

filhos e o marido trabalham no Setor Jumbo, vendendo CDs. Ela acredita que lá o movimento é melhor,

que o “Setor Frente é pior do que o Jumbo”. Dona Maria tem uma “funcionária” em sua banca, uma

garota que “uma amiga indicou”. Seus produtos vêm do Brás e da Galeria Pajé, em São Paulo. Quem

vai buscar é sua filha/sócia e um outro filho. Perguntei por que ele também ia, já que vende CDs e não

roupas. Ela respondeu que é por que ela é mãe dele e ele tem “obrigação de a ajudar”. Dona Maria

disse que com o que eles todos ganham “dá para viver”. Mas não para “ficar rico”. Ela disse que isso é

só para os “grandes” (os lojistas).

Pedrão

Pedrão tem 41 anos, nasceu em 1961, em Diamantina, Minas Gerais. Estudou até a 4ª série.

Trabalhou lá até os 18 anos, numa construtora, quando foi transferido para Belém do Pará. Foi para

Belém já casado e com um filho. Ficou lá por dois anos, quando foi novamente trasnferido, desta vez

para Valinhos, São Paulo. Quando foi mandado embora, após mais de dez anos em Valinhos, veio para

91

Campinas, para trabalhar em outra empresa – uma empreiteira muito conhecida. Fazia “serviço de

terraplanagem”. De repente, após a construção de um famoso hipermercado, a empresa colocou as

seguintes condições para os empregados: ou eles seriam trasnferidos para São Paulo, ou iriam “para a

rua”. Pedrão preferiu “o olho da rua”, por que seus filhos (seis) já estavam estudando aqui e ele não

quis forçá-los a se mudar. Porém, desempregado, não conseguia arrumar outra colocação em seu

“ofício”, a terraplanagem. Então “foi parar” no TC. Ficou um tempo vendendo passes de ônibus,

chaveiros e cortadores de unha nas imediações do Terminal Central, “na rua”, “pela rua”, até que, em

1997, conseguiu seu “ponto” no Setor Túnel, onde está até hoje, vendendo cigarros. O produtoé

adquirido na Souza Cruz ou do Paraguai. Nesse último caso, há um “fornecedor” que traz os cigarros

para ele, ganhando um valor de 20% sobre o que é pago no exterior. Então Pedro “revende” ao

consumidor. Ele acredita que o que leva alguém a ir trabalhar no TC é o desemprego, a “falta de

opção” de pessoas que, como ele, “têm de se virar para sobreviver”. Diz que só deixaria o TC se fosse

para voltar a exercer seu “ofício”, de “diretor de terraplanagem”. Mas acha isso pouco provável, por

que “hoje em dia eles exigem o 2º grau”, o que ele não possui. Se arrepende de não ter estudado mais e

é por isso que diz incentivar seus filhos a fazê-lo. O mais velho, que estudou, já trabalha – “numa

empresa”. Pedrão espera que seus filhos não tenham de “ir parar” no Terminal Central, como ele. Disse

ainda que com o que ganha “dá para viver”, “sustentar a família”. Isso porque aprendeu, “na prática”, a

“vender” ou “trabalhar na rua”, nos últimos anos. Acha difícil que alguém que chegue agora ao Tc se

dê muito bem. É como se ele estivesse querendo me dizer que nem mesmo essa “última opção” de

trabalhar como “comerciante informal” estivesse mais dando certo para aqueles que, desempregados

(“são muitos”), buscam (sobre)viver dessa e nessa prática.

3 – A questão dos camelôs na imprensa escrita local ou “nem vagabundos, nem safados e nem

ladrões”

3.1 – Imagens inscritas, reações escritas

Ao longo de toda a pesquisa, coletei algumas das matérias veiculadas no jornal Correio Popular

que enfocavam a situação dos comerciantes informais. 40 E pude perceber, “no campo”, o impacto que

tais notícias acarreta para os trabalhadores informais do Terminal Central, em seu cotidiano. Posso citar

alguns exemplos.

40 Vide Anexo 1.

92

Em março desse ano, saíram algumas matérias que apontavam para uma possível ligação entre

os “camelôs” e o “crime organizado”. Conversando com Zezé sobre elas, ela lembrou que é recorrente

nesse tipo de matéria a associação entre os “camelôs” e a “sujeira”, a “poluição” do Centro. Ela acha

que esse tipo de “denúncia” surge da parte dos comerciantes estabelecidos. No caso dessas matérias,

em especial, o resultado foi uma passeata, uma “manifestação” dos comerciantes informais, que

pararam a região central da cidade por algumas horas. Segundo Zezé, foi um “cala a boca” da parte dos

“camelôs” a esse tipo de matérias. Tais manifestações são recorrentes e, segundo Zezé, as matérias

cessam após as passeatas, embora depois voltem a aparecer. Isso por que elas “mexem no bolso” dos

lojistas, que fecham suas lojas durante as manifestações. Vale ressaltar que elas não são, contudo,

respostas às matérias, exclusivamente. Quando da apreensão de CDs que culminou na prisão de

Calixto, por exemplo, os “camelôs” pararam o Centro mais uma vez.

As matérias são recorrentes. Em julho, por exemplo, Zezé foi manchete várias vezes, por ter

sido eleita, em Assembléia na Prefeitura, representante de comércio – formal e informal – nas reuniões

do Orçamento Participativo do Município. Foi eleita por que os comerciantes informais compareceram

em peso na votação. Sempre que conversava com Zezé, falávamos sobre as matérias, que no período

eleitoral cessaram (segundo ela, nesses momentos a imprensa “esquece um pouco deles”), e agora estão

voltando a aparecer. No período eleitoral, de acordo com Zezé, em vez de “criticados” os “camelôs”

são é “procurados” para dar apoio aos candidatos.

Outro exemplo: logo após a apreensão, saiu uma matéria informando que uma nova operação

poderia ocorrer a qualquer momento. Conversando com Zezinho, do Setor Túnel, ele disse estar, como

seus colegas, bastante apreensivo, torcendo para que fosse apenas um “boato”.

Por fim, um terceiro exemplo. Certa vez encontrei Vanderley lendo ao jornal. Naquele dia, na

seção de Cartas, havia saído a opinião de uma leitora, que dizia ser absurda a posição da Prefeitura, que

ajuda os “camelôs” a “emporcalhar” a cidade, ao invés de auxiliar os lojistas. Ele estava indo mostrá-la

para Conceição. Perguntei sobre a matéria. Ele, irritado, respondeu que sai todo dia. Que todo dia tem

alguém para falar “alguma besteira” sobre eles.

A opinião geral acerca dessas matérias entre os trabalhadores, pelo que pude perceber, é a de

que elas ajudam a “estigmatizá-los”, como se eles fossem “vagabundos”, “safados” ou “ladrões”.

93

4 – Considerações Finais

Algumas considerações provisórias podem ser feitas a partir do que foi exposto, tanto no que

diz respeito aos objetivos mais gerais desta pesquisa, quanto a seus objetivos específicos. Comecemos

pelos gerais.

Muito se diz sobre os “camelôs”. Muitas coisas são escritas a respeito deles. Trata-se de uma

prática de trabalho à qual já estamos (ao menos os que vivemos em grandes centros) acostumados a ver

pelas ruas. Muitos de nós compramos seus produtos. Mais do que isso, estamos falando aqui de um

universo específico, um universo de trabalho que, como tal, é visto por quem está de dentro e de fora,

representado de diversas maneiras e vivido por aqueles que o integram. É com isso em mente que

comecei essa pesquisa e é tendo isso em mente que a fecho, por ora. A antropologia tem, sim, muito a

dizer, a falar sobre, a interpretar quando se está tratando de universos como esse. Saber como esses

indivíduos vivem e experienciam sua própria condição – e como a representam, afinal, as duas coisas

estão sempre ligadas – não é banal, e a antropologia pode nos ajudar nesse processo. O que tentei

construir nos últimos meses foi uma relação com alguns indivíduos que (sobre)vivem e trabalham

como “camelôs” no centro da cidade de Campinas, inseridos em um conflito com lojistas da região –

um conflito que aparece e se coloca de várias formas em seu cotidiano. A partir dessa relação, observei,

conversei, questionei e, agora, tento interpretar a interpretação que essas pessoas fazem dessa realidade.

Antropologicamente.

Sejamos, agora, mais específicos. Um primeiro ponto que gostaria de chamar a atenção é o de

que a hipótese inicial dessa pesquisa, de certa forma, se confirma. É no Sindicato que esses

trabalhadores encontram uma via de acesso a certas instâncias e instituições tais como o Poder Público,

a SETEC etc. Dito de outra forma, o Sindicato aparece como a principal via “institucional” encontrada

por esses indivíduos no que diz respeito à representatividade e legitimação política no jogo de forças

que se estabelece com relação ao já mencionado conflito existente entre eles e o Poder Público, a

polícia e os comerciantes estabelecidos. E está presente em seu cotidiano, assim como sua presidente, a

Zezé, se faz presente o tempo todo no seu dia-a-dia. O Sindicato coloca regras, organiza, fiscaliza. É

para isso que ele existe. E é por meio dele que outras instâncias, que ultrapassam as fronteiras do

Terminal Central, são alcançadas, como a arena política, por exemplo. Como instrumento de

legitimidade num conflito tão latente, o Sindicato é, antes de tudo, um instrumento político.

Quanto às trajetórias profissionais e às representações que os trabalhadores fazem de sua

própria condição, não podemos dizer que estar na informalidade seja uma escolha, uma opção. Ou, se

podemos, tal escolha se dá em uma situação muito específica. Chama a atenção, por exemplo, o fato de

94

a maioria das pessoas com quem conversei se arrepender – se culpabilizar – por não ter estudado mais.

Eles sabem que, com a pouca escolaridade que possuem, não conseguem encontrar um emprego

“formal” (com carteira assinada) que lhes possibilite obter os mesmo rendimentos que obtêm como

“camelôs”. Por isso, “preferem” trabalhar na informalidade. Como “camelôs”, não têm patrão, horários,

obrigações para com nenhuma empresa. São “donos de seu próprio negócio”, trabalham para si. Mas

também não têm direito algum, não têm a carteira assinada, benefícios ou aposentadoria. E são alvo de

críticas, de olhares e divagações. Eles são informais precisamente por que não são formais. Isso parece

banal, mas não é: basta atentarmos para a tentativa do Sindicato em garantir que os “funcionários” das

bancas tenham os mesmos direitos que um trabalhador com a carteira assinada, sem a ter. Ou para o

fato de esses trabalhadores preferirem ser chamados de comerciantes, e não de “camelôs”. Isso mostra

que, mesmo com todos os problemas que a CLT possa ter, permanece como um referencial – até

mesmo para indivíduos que não se vêem mais, ou não esperam mais conseguir uma vaga no mercado

de trabalho formal (alguns nem mesmo passaram por ele).41

5 – Notas para uma Pesquisa Futura

Como toda boa pesquisa de caráter qualitativo, esta se encerra com algumas novas questões e

indagações. Como nos ensina Guita Debert (1986), dados qualitativos permitem a redefinição de

hipóteses e pressupostos que o pesquisador possui no início da pesquisa. Dessa forma, as questões que

trago agora foram formuladas, em grande medida, a partir de inquietações surgidas na própria prática

etnográfica, na observação participante e nas entrevistas realizadas com alguns desses trabalhadores.

Além disso, tais questões surgiram a partir da leitura de algumas obras de sociologia e economia do

trabalho, que procuram conceituar e caracterizar o fenômeno da informalidade, a respeito das quais já

falei. Sou, dessa forma, duplamente interpelado: pelo “campo” propriamente dito, e pela literatura

sócio-econômica.

Em primeiro lugar, é importante frisar que há, no Terminal Central, um claro conflito entre os

chamados “camelôs” e os comerciantes formais legalmente estabelecidos. Há uma forte pressão por

parte dos lojistas locais para que os “camelôs” sejam retirados da área central da cidade, o que, de certa

forma, as matérias publicadas na mídia local evidenciam.

O Sindicato dos Trabalhadores da Economia Informal de Campinas (STEIC), filiado à CUT,

surge em meados de 1990, a partir da constatação de indivíduos que trabalhavam naquela área, como

41 A esse respeito, ver French (2001).

95

“ambulantes”, de que era necessário criar instrumentos que lhes possibilitassem maior legitimidade na

situação de conflito em que se encontravam, devido às pressões do Poder Público, da mídia e dos

comerciantes estabelecidos para que saíssem daquele local. É no momento em que surge o sindicato

que os trabalhadores deixam de trabalhar como “ambulantes” e passam a se estabelecer em “pontos

fixos”, segundo os relatos de meus interlocutores.

Assim, o que venho buscando é perceber, por meio de dados qualitativos e à luz da

antropologia, como esses trabalhadores vivenciam e experienciam a sua situação. Dito de outra forma:

tendo em vista I) que o universo empírico em questão é composto por indivíduos que estão excluídos

(por diversos motivos, inclusive “estruturais”) do chamado mercado formal de trabalho e, mais do que

isso, são trabalhadores da economia informal inseridos em uma situação de conflito (expresso nas

relações com os comerciantes, com a mídia e mesmo com o poder público); II) tendo em vista,

também, as transformações pelas quais o universo do trabalho tem passado no Brasil; torna-se relevante

perceber como eles percebem sua própria situação e quais suas expectativas futuras.

Ora, venho constatando que grande parte dos indivíduos que sobrevivem hoje do trabalho

informal na região do Terminal Central trabalham em companhia de familiares e que muitos familiares

dividem um mesmo ponto, ou juntam dois ou mais pontos. A maioria das histórias a respeito de

trajetórias profissionais que coletei ao longo do trabalho de campo faz referência, de alguma forma, a

esse tipo de relação. Sendo assim, a minha hipótese inicial é a de que as relações familiares

estabelecidas entre esses indivíduos constituem uma das formas – certamente não a única – por eles

encontrada a fim de dar conta de sua “situação de vulnerabilidade”, que a bibliografia exposta realça.

Dito de outra forma, se na pesquisa em andamento o sindicato aparece como a principal via

“institucional” encontrada por esses indivíduos no que diz respeito à representatividade e legitimação

política no jogo de forças que se estabelece com relação ao já mencionado conflito existente entre eles

e o Poder Público, a polícia e os comerciantes estabelecidos, a nossa hipótese é a de que não é a única

forma encontrada por esses indivíduos no que diz respeito à obtenção de certa “segurança”. As outras,

não “instituicionais”, seriam redes estabelecidas entre si, das quais as relações familiares seriam,

certamente, um exemplo – embora, muito provavelmente, não seja o único, o que apenas uma pesquisa

de caráter antropológico pode vir a revelar. O objetivo será, portanto, o de investigar essas relações

mais a fundo a fim de obter qual sua dinâmica, assim como as formas pelas quais são representadas

96

pelos indivíduos nelas inseridos.42 É claro que, para tanto, uma discussão a respeito da família enquanto

universo simbólico e social deverá ser desenvolvida ao longo do mestrado.

Parto, inicialmente, de uma idéia um tanto quanto abrangente de “rede social” proposta por

Barnes (1987), segundo a qual poderíamos defini-la como um “conjunto de relações interpessoais

concretas que vinculam indivíduos a outros indivíduos” (op. cit.: 167). É nesse autor que Bott (1976) se

inspira ao estabelecer uma tipologia de “redes” em seu estudo sobre famílias londrinas. Aqui, nos

interessa a idéia que ela faz de uma rede social de “malha estreita”:

Quando muitas das pessoas que alguém conhece interagem entre si, ou seja, quando a rede desta pessoa é de malha estreita, os membros desta rede tendem a alcançar um consenso sobre normas e exercem uma pressão informal consistente uns sobre os outros para que se conformem às normas, para que mantenham um contato uns com os outros e, caso necessário, para que se ajudem uns aos outros (op. cit.: 77).

Outro ponto a ser investigado diz respeito a outros laços, não necessariamente familiares, que

unem os indivíduos que atuam nesse mercado. Pelos dados até então coletados, muitos desses

comerciantes adquirem seus produtos por meio de indivíduos que viajam para o Paraguai, trazem as

mercadorias e as repassam para eles, ganhando uma pequena porcentagem em cima do valor pago no

exterior. Não existe, ao que parece, nenhum mecanismo “legal” que ordene tais transações ou que

garanta o cumprimento dos acordos estabelecidos entre esses indivíduos – e, mais uma vez, a

bibliografia já apresentada aponta para esse fato. Torna-se necessário, desse modo, a partir da

observação direta e de entrevistas com esses comerciantes, tentar perceber como tais transações são

ordenadas e quais os mecanismos inventados a fim de garantir que os acordos sejam cumpridos. Além

disso, tentar-se-á perceber quais as sanções a que estão sujeitos os indivíduos que quebram essas regras

e como os indivíduos inseridos em tais transações as representam.

42 A fim de dar um exemplo, dentre os muitos observados, acredito que, quando um desses comerciantes me diz, por exemplo, que “prefere” trabalhar com parentes, porque “parente não trai” ou porque “parente é parente” etc, estou diante de uma representação sobre a “família” que, como tal, deve ser levada em consideração.

97

6 – Bibliografia

6.1 – Bibliografia – Livros e teses

?? Agier, Michel; Castro, Nadya Araujo & Guimarães, Antonio Sergio Alfredo; “Imagens e

Identidades do Trabalho”, São Paulo, Editora Hucitec, 1995;

?? Alvim, Maria Rosilene Barbosa, “A Arte do Ouro – um estudo sobre os ourives de Juazeiro do

Norte”, Dissertação de Mestrado, Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1972;

?? Amêndola, João, O Comércio de Campinas, in: “Monografia Histórica do Município de

Campinas”, Rio de Janeiro, IBGE, 1952;

?? Baeninger, Rosana, “Espaço e Tempo em Campinas: migrantes e a expansão do pólo industrial

paulista”, Campinas, CMU/Unicamp, 1996;

?? Barnes, J. A., “Redes Sociais e Processo Político”, in: Feldman-Bianco, Bela (org.), A Antropologia das

Sociedades Contemporâneas, São Paulo, Global, 1987.

?? Battistoni Filho, Duílio, “Campinas: uma visão histórica”, Campinas, Pontes, 1996;

?? Bott, Elizabeth, Família e Rede Social, Rio de Janeiro, F. Alves, 1976.

?? Carpio, Jorge & Novacovsky, Irene, Introducción, in: Carpio, Jorge; Klein, Emilio; Novacovsky,

Irene; “Informalidad Y Exclusión Social”, Buenos Aires, Argentina, Siempro, 1999;

?? CESIT/SETEC, “Trabalhadores do Comércio Ambulante de Campinas – diagnóstico sobre as

condições de trabalho”, Campinas, 2001;

?? Coletti, Claudinei (coordenador), “Mercado de Trabalho Informal e Precarização das Condições de

Trabalho: uma análise sobre os vendedores de rua de Jundiaí”, Relatório Final de Pesquisa,

Faculdade Padre Anchieta, Jundiaí, 2001, mimeo;

?? Danieli Neto, Mário, “A Escravidão Urbana em Campinas: a dinâmica histórica e econômica do

trabalho escravo no município em crescimento (1850-1888)”, Campinas, Dissertação de Mestrado,

Unicamp, Instituto de Economia, s.n., 2001;

?? Debert, Guita, “Problemas relativos à utilização da história de vida e história oral”, in: Cardoso, Ruth (org.). A

Aventura Antropológica. São Paulo, Paz e Terra., 1986;

?? French, John D. “Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros”. São

Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2001;

?? Giddens, Anthony, “As Transformações da Intimidade”, Editora da UNESP: São Paulo, 1993;

98

?? Godói, Silvino de, A Indústria de Campinas, in: “Monografia Histórica do Município de

Campinas”, Rio de Janeiro, IBGE, 1952;

?? Hall, Stuart, A questão da identidade cultural, in: “Textos Didáticos”, n.º 18, 1998;

?? Kofes, Suely, “Uma Trajetória, em Narrativas”, Mercado das Letras, Campinas, 2001;

?? Lopes, José Sérgio Leite, “O Vapor do Diabo: o trabalho dos operários do açúcar”, Rio de Janeiro,

Paz e Terra, 2ª edição, 1978;

?? Melo, Hildete Pereira de; Teles, Jorge Luiz; “Serviços e Informalidade: o comércio ambulante no

Rio de Janeiro”, Texto Para Discussão, IPEA, Rio de janeiro, 2000;

?? Moraes, Carmen Cinira Macedo P. de, “A Reprodução da Desigualdade: o projeto de vida familiar

de um grupo operário”, São Paulo, Editora Vértice, 2ª edição, 1985;

?? Moura, Denise Aparecida Soares de, “Saindo das Sombras: homens livres no declínio do

escravismo”, Campinas, CMU/Unicamp, 1998;

?? Portes, Alejandro; Castells, Manuel; Benton, Lauren A., Introduction, in: Portes, Alejandro;

Castells, Manuel; Benton, Lauren A. (orgs.), “The Informal Economy: Studies in Advanced and

Less Developed Countries”, Maryland, USA, The Johns Hopkins University Press, 1989;

?? Portes, Alejandro; Castells, Manuel, World Underneath: The Origins, Dynamics, and Effects of the

Informal Economy, in: Portes, Alejandro; Castells, Manuel; Benton, Lauren A. (orgs.), “The

Informal Economy: Studies in Advanced and Less Developed Countries”, Maryland, USA, The

Johns Hopkins University Press, 1989;

?? Portes, Alejandro, La economia informal e sus paradoxas, in: Carpio, Jorge; Klein, Emilio;

Novacovsky, Irene; “Informalidad Y Exclusión Social”, Buenos Aires, Argentina, Siempro, 1999;

?? Semeghini, Ulysses Cidade, Uma Trajetória Dinâmica: Campinas de 1930 aos dias atuais, in:

“Campinas de Ontem e Hoje”, Campinas, Empresa Lix da Cunha, 1988.

6.2 – Bibliografia – Periódicos

?? Desemprego: o pesadelo do fim do século, in: Campinas 226 anos, Caderno Especial do Jornal

Correio Popular, Campinas, 14 de julho de 2000.

99

ANEXO 1 – MATÉRIAS NA IMPRENSA ESCRITA LOCAL

Apresento um pequeno dossiê das matérias publicadas na imprensa local, especialmente no

jornal Correio Popular, sobretudo aquelas que se referem mais diretamente ao conflito entre os

comerciantes “formais” e os “informais”. Elas foram recolhidas ao longo da pesquisa, na edição

eletrônica do jornal – www.cpopular.com.br. Tal dossiê pode servir de apoio a futuros pesquisadores

interessados por essa questão.

Campinas, 14 de fevereiro de 2002. Acic vai à Justiça contra Prefeitura Adriana Leite, da Agência Anhangüera A Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic ) ingressou, na semana passada, com uma ação civil contra a Prefeitura de Campinas, o Departamento de Uso e Ocupação do Solo (Duos) e a Serviços Gerais S.A. (Setec) exigindo que o Poder Público cumpra com a legislação e fiscalize os ambulantes, paredeiros e carrioleiros que estão instalados na região central da cidade. Segundo apurou a reportagem, no documento também é solicitada a retirada dos ambulantes que estão irregulares nas ruas. O presidente da Acic, Mário Dino Gadioli, afirmou ontem que a medida foi tomada porque há um ano a entidade dialoga com a Administração Municipal, mas até agora não houve nenhum resultado concreto. “Nosso interesse é organizar e auxiliar na revitalização do Centro. É obrigação do Poder Público fiscalizar, mas esse trabalho não está sendo feito. O presidente da Setec (Paulo Daniel) afirma que a fiscalização é realizada, porém é só olhar para o que está acontecendo na região central para ver que não existe nenhum controle”, acusa o presidente da entidade. Gadioli lembrou que a Setec tem um regulamento que estabelece as normas de ocupação na região central da cidade, mas que “tudo fica apenas no papel”. O presidente da Acic explicou ainda que a ação judicial pede que a Prefeitura explique porque a fiscalização não está sendo realizada e também exige que os fiscais apliquem a lei. Ele disse que cabe ao Duos verificar os paredeiros e a Setec tem a missão de fiscalizar ambulantes, carrioleiros e camelôs. “Até agora, conversamos amistosamente com o Poder Público. Só que não dá mais para aceitar que ambulantes, carrioleiros e paredeiros fiquem espalhados pela cidade ocupando locais como praças, ruas e pontos de ônibus”, afirmou. A Prefeitura informou ontem, por intermédio de sua assessoria de Imprensa, que a Administração Municipal ainda não foi notificada sobre a ação e que só irá se manifestar depois que tiver conhecimento do conteúdo do documento. O presidente da Setec, Paulo Daniel, também por meio de sua assessoria, disse que “causa estranheza a ação movida pela Acic, já que a Setec vem conversando com a entidade sobre a reestruturação da região central da cidade e também a fiscalização”. De acordo com a assessoria, no ano passado foram emitidos cerca de 1,2 mil autos de apreensão de mercadorias, o que comprovaria a operação de fiscalização. A média é de pouco mais de três autuações por dia. A Setec informou ainda que foi criada na semana passada uma “força-tarefa” – formada por integrantes da Prefeitura – para elaborar um levantamento dos problemas do Centro e também padronizar a forma de fiscalização (leia texto nesta página). A Setec vai aguardar a notificação sobre a ação da Acic para tomar as providências legais. Ambulantes A presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Informal de Campinas, Maria José Marsaioli, vê na atitude da Acic mais um capítulo da batalha que a entidade trava com os ambulantes. “Eles podem entrar com o

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processo que quiserem. Ninguém tira o direito do povo de trabalhar”, comentou. Ela acusou comerciantes de subalugarem espaços para que trabalhadores informais atuem. “A Setec não tem como fiscalizar um local que foi cedido pelo próprio comerciante”, observou. Maria José ressaltou que a Acic deveria “primeiro limpar a sua casa, para depois limpar a casa dos outros”. Campinas, 21 de fevereiro de 2002. Protesto de camelôs tumultua o Centro por 2 horas Diego Zanchetta, da Agência Anhangüera Lojas obrigadas a fechar as portas, trânsito caótico – com 2,5 quilômetros de congestionamentos –, agressões físicas contra comerciantes e palavras de ordem em tom político. Para os cidadãos campineiros que já se habituaram ao caos promovido no Centro pelos constantes protestos, a passeata de ontem, com cerca de mil camelôs e carrioleiros, na Rua 13 de Maio, foi mais um episódio que torna evidente o descontrole do Poder Público em relação às categorias que usam a força para reivindicar supostos direitos. O protesto, que durou pouco mais de duas horas, foi organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Economia Informal de Campinas contra uma ação judicial no qual a Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic) exige providências da Prefeitura contra a instalação desordenada de camelôs na região central da cidade. Com a principal rua do comércio de Campinas invadida por ambulantes, carros de som e manifestantes, poucos consumidores se aventuraram em fazer compras no Centro. O prejuízo nas vendas dos lojistas, calculado pela Acic, foi de 40%, o equivalente a cerca de R$ 1 milhão. "Ninguém mais quer vir no Centro comprar. Toda semana tem um novo piquete não controlado pela Prefeitura", criticou o vice-presidente da Acic, Guilherme Campos Júnior, um dos principais alvos do protesto. "A reivindicação é legítima, mas o uso da força para fechar as lojas desmerece qualquer movimento", afirmou Campos Júnior. Há dez dias, protesto de perueiros no Centro provocou prejuízos superiores a R$ 3 milhões ao comércio do Centro, também segundo a Acic. A ação organizada ontem pelo Sindicato da Economia Informal começou às 8h50, na Rua José Paulino, quando os camelôs foram convocados a deixar suas barracas instaladas próximo ao Terminal Central. Ao invadirem a Rua 13 de Maio, às 9h20, os organizadores do protesto exigiram que os lojistas fechassem suas portas. Um comerciante chegou a ser agredido (leia texto nesta página) e dois homens que estavam entre os manifestantes foram presos em flagrante acusados de roubarem um carro importado (leia texto nesta página). Sem oferecer resistência à imposição do protesto, estabelecimentos comerciais foram fechados em toda Rua 13 de Maio e nas ruas paralelas. Como conseqüência da interdição de algumas ruas para a passagem do protesto, a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas S.A. (Emdec) registrou, em alguns momentos da manhã, um congestionamento de 2,5 quilômetros nas principais vias do Centro. Alvo Depois de andarem por toda a Rua 13 de Maio exigindo o fechamento das lojas, o protesto se concentrou em frente à Casa Campos, propriedade do vice-presidente da Acic. "Quero ver ele (Campos Júnior) aparecer agora, uma pessoa que nunca foi trabalhador e só quer nos prejudicar", discursou aos manifestantes a presidente do Sindicato da Economia Informal, Maria José Marsaiolli Sales. "Ninguém vai nos impedir de trabalhar no Centro", afirmou. As portas fechadas da Casa Campos foram agredidas com socos e pontapés, mas ninguém foi preso pelos 80 policiais e guardas municipais que fizeram a "segurança" do ato. "Tenho o direito de opinar, assim como eles têm o direito do protesto", rebateu Campos Júnior, referindo-se à ação que a Acic move para exigir fiscalização do trabalho dos camelôs no Centro. Política Durante o protesto na Rua 13 de Maio, membros da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de Campinas aproveitaram para pedir votos para o pré-candidato do PT à Presidência, Luís Inácio Lula da Silva. Um carro de som da CUT emitiu uma gravação que dizia "a hora de mudar chegou, vai ser em outubro, com a esquerda na presidência".

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Campinas, 13 de março de 2002. Centro de Campinas, paraíso do contrabando Maria Teresa Costa, do Correio Popular Mercadorias contrabandeadas e falsificadas continuam sendo vendidas no Centro de Campinas sem qualquer interferência da Polícia Federal (PF) e da Receita Federal. Toda a cidade sabe que os camelôs trazem do Paraguai os brinquedos, tênis, relógios, CDs, eletroeletrônicos e cigarros e os vendem sem serem fiscalizados. A maioria dos camelôs, no entanto, já nem se arrisca mais a ir até o Paraguai, porque uma rede de fornecedores se encarrega de abastecer as bancas. "É muito perigoso passar a fronteira", conta um ambulante, que pede para não ser identificado. Mas ele afirma que há pelo menos dois anos que parou de viajar até Ciudad del Este para adquirir os produtos que vende em Campinas. "Perdi muita mercadoria na fronteira, mas agora compro de fornecedores que vão até o Paraguai fazer as compras", conta. A maioria dos ambulantes instalados no Centro da cidade tem utilizado esse sistema de compra. "Se não for desse jeito, a gente não sobrevive. Queremos legalizar nossa situação, pagar os impostos, mas nos tratam como marginais", critica uma dona de banca instalada na Rua Alvares Machado, no Centro. O fato é que, com isso, eles conseguem vender produtos por menos da metade do preço praticado nas lojas. As mochilas falsificadas de Sandy e Júnior, por exemplo, já chegaram aos camelôs, que vendem a R$ 35,00 - enquanto nas lojas o preço está em torno de R$ 80,00. Fitas k-7, que segundo a Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos não são mais fabricadas desde 1999, podem ser adquiridas em qualquer banca de camelô por R$ 1,50 a fita virgem e R$ 2,00 a gravada com os sucessos de Roberto Carlos, Sandy e Júnior e qualquer outro sucesso. Se o camelô não tiver no momento fita ou CD do cantor desejado, basta encomendar. A prática de venda de produtos contrabandeados e falsificados não é exclusiva dos camelôs com bancas em Campinas. Trata-se de uma prática presente em todas as grandes cidades, onde o Poder Público faz vistas grossas, sempre alegando que o problema social do desemprego é maior. Os camelôs, na realidade, são parte desse comércio ilícito e estão nele por causa do desemprego, afirma o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Paulo Gil Introíni. "Eles vendem produtos contrabandeados porque são vítimas do desemprego que é provocado pelo contrabando e acabam alimentando esse círculo vicioso", afirma. Ele observa que o crescimento do comércio informal reduz a arrecadação de tributos, obrigando o Estado brasileiro a buscar formas alternativas de financiar os compromissos assumidos, taxando mais o trabalhador da economia formal. O contrabando gera perdas estimadas em US$ 20 milhões anuais ao País e impede a criação de 1,5 milhão de empregos na indústria, segundo um estudo do Unafisco. O mesmo estudo informa que a perda em arrecadação de impostos chega a US$ 9,6 bilhões anuais, dinheiro que daria para construir 300 mil casas populares e a criação de 20 milhões de bolsa-escola por ano. A fiscalização da economia informal acaba sendo relegada a um segundo plano na Receita Federal, informa Introíni, por falta de recursos humanos para esse trabalho. A Receita tem, segundo ele, apenas 2 mil fiscais para cuidar da aduana em todo o País (portos, aeroportos e fronteiras). A Delegacia da Receita Federal em Campinas foi procurada ontem, mas não retornou a ligação. Campinas - Quinta-Feira, 14 de Março de 2002 Informais são "usados" por criminosos, diz secretário Diego Zanchetta, da Agência Anhangüera O secretário de Transportes Metropolitanos do Estado, Jurandir Fernandes, disse ontem, durante o I Simpósio de Segurança Urbana, promovido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que os trabalhadores do mercado informal e os perueiros da cidade são vítimas da "lavagem" de dinheiro do crime organizado. "Grandes fornecedores", segundo o secretário, comandam a maior parte dos camelôs para viabilizar o contrabando de mercadorias roubadas e de armas. A proliferação dos perueiros também é vista por Fernandes como um meio de

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criminosos utilizarem pessoas inocentes para legalizar um dinheiro ilícito. "Isso já é visto em São Paulo, mas aqui em Campinas está tomando grandes proporções", apontou o secretário. Fernandes disse que pessoas desempregadas são vítimas do oportunismo de bandidos que oferecem uma posição remunerada no mercado informal. "Camelôs, carrioleiros, paredeiros, todos eles são usados pelo crime organizado, como provam as denúncias recentes", ressaltou o secretário. O Departamento de Polícia Judiciária do Interior-2 (Deinter-2) investiga cinco permissionários da linha 3.42 (Castelo-Proença) suspeitos de ligação com o seqüestrador Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho. Um dos 12 permissionários da linha 3.42 é Simone Brandão Bueno Diniz, mulher do investigador Rogério Salun Diniz, preso sob acusação de envolvimento com a quadrilha de Andinho. Representantes das categorias do mercado informal e dos perueiros não foram encontrados para comentar as acusações do secretário de Transportes Metropolitanos. Fiscalização Presente no simpósio, a prefeita Izalene Tiene (PT) disse que a proliferação do mercado informal está sendo favorecida pelos proprietários de estabelecimentos comerciais do Centro de Campinas. "Muitas lojas alugam a fachada para os camelôs. A Prefeitura não pode fazer nada contra esses trabalhadores", disse a prefeita. "Agora, o contrabando no mercado informal é responsabilidade de investigação policial". Procurada pela reportagem para comentar o aluguel de fachadas de lojas citado pela prefeita, a Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic) não retornou ligação até o fechamento desta edição. Campinas, 15 de março de 2002. Lojista aluga fachadas e paredes a camelôs Diego Zanchetta, da Agência Anhangüera Donos de estabelecimentos comerciais no Centro de Campinas estão alugando suas fachadas e paredes para vendedores ambulantes. Por R$ 15,00 por dia, camelôs e paredeiros estão obtendo aval dos próprios lojistas para expor suas mercadorias na parte externa do lojas e lanchonetes. Alguns proprietários de lojas, inclusive, revelam que estão contratando ambulantes para expor seus produtos nas calçadas. A direção da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic) e a prefeita Izalene Tiene (PT) consideram que a prática, reconhecida, favorece ainda mais o crescimento descontrolado do comércio informal na região central. A prática cresce ainda devido à falta de fiscalização. A Serviços Técnicos Gerais (Setec), autarquia municipal responsável pela fiscalização da economia informal, informa contar com apenas 11 funcionários para serviços de fiscalização, oito deles destacados para patrulhar o Centro. A invasão das barracas e entulhos de mercadorias espalhados nas calçadas em frente às lojas, além de irregular, acaba por exigir uma verdadeira ginástica dos pedestres, que são obrigados a evitar as calçadas e andar pelas ruas desviando o corpo dos carros. Sem definir uma data específica, Izalene garantiu ontem, durante a 42ª Reunião da Frente Nacional dos Prefeitos, realizada em Campinas, que vai exigir uma "ampla fiscalização" contra o aumento dos camelôs nas calçadas do Centro. "Está planejado no processo de revitalização do Centro um espaço para acomodar os camelôs e paredeiros", disse a prefeita. "Mas as lojas também serão notificadas a não serem coniventes com o comércio irregular", afirmou. O vice-presidente da Acic, o empresário Guilherme Campos Júnior, afirmou ontem que a entidade já enviou uma notificação aos lojistas solicitando que o espaço dos estabelecimentos não seja "alugado" aos ambulantes. No entanto, o representante da Acic disse não possuir meios legais de multar os seus filiados. "Sem fiscalização, não temos como controlar os estabelecimentos, pois até as lanchonetes estão alugando suas paredes", confirmou o representante dos lojistas. "Essa proliferação exponencial das barracas nas calçadas está alimentando o contrabando de mercadorias roubadas e de produtos falsificados", denuncia Campos Júnior. Paulo Daniel Silva, presidente da Setec, disse ontem que o número de fiscais impossibilita uma atuação mais ampla da Prefeitura contra o comércio informal irregular. "Temos oito funcionários para realizar a fiscalização

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do Centro, o que impossibilita autuar todos os camelôs irregulares", argumentou Silva. "Precisamos de um concurso público para ampliar nosso quadro efetivo", afirmou. Por enquanto, não há qualquer concurso em andamento. Acusações A presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Economia Informal, Maria José Marsaioli Sales, rebateu ontem as acusações feitas na quarta-feira pelo secretário de Transportes Metropolitanos do Estado, Jurandir Fernandes, que apontou trabalhadores do mercado informal, como os camelôs e perueiros, como vítimas do crime organizado. Para Fernandes, camelôs e perueiros são "usados" por "grandes fornecedores", que lavam dinheiro ilícito por meio das atividades informais. "Não existe influência de bandidos entre os camelôs. Nossa mercadoria vem de São Paulo ou do Paraguai, comprada pelos próprios ambulantes", argumentou a representante do comércio informal. Sobre os camelôs que alugam as paredes e fachadas das lojas para trabalhar, Maria José disse que não há problema se o lojista concorda. "Todo desempregado tem o direito de trabalhar", disse. Campinas, 18 de março de 2002. Degradação afasta morador do Centro Maria Teresa Costa, do Correio Popular A cada dois dias, o Centro de Campinas perde um morador. Nos últimos 10 anos, o processo de degradação e insegurança reduziu de 16.626 para 14.632 o número de habitantes nessa região da cidade, segundo dados da Prefeitura. A redução vai acontecendo lentamente, à taxa de 1,27% ao ano, mas é parte do mesmo processo que vem fazendo os cinemas, os restaurantes e os hotéis saírem do Centro: abandonado pelas administrações municipais recentes, perdeu investimentos, e seu calçadão, avenidas e praças foram sendo tomados pela suje ira, pelo descaso e pelo comércio irregular. O Centro poderia ser o melhor lugar para se morar, se fosse ordenado, limpo, seguro. É privilegiado em infra-estrutura, tem boa oferta de empregos no setor de comércio e serviços, é a região melhor servida em transporte. Mas a degradação do espaço urbano prejudicou a qualidade de vida. Com a ausência de programa de revitalização consistente e economicamente viável, os moradores estão saindo. “Sem morador, o Centro morre à noite”, avalia o conselheiro do Sindicato da Indústria da Construção Civil (SindusCon), Carlos Gargantini. Para ele, não é possível falar em revitalizar o Centro sem pensar em incentivos para que as pessoas morem no Centro. “Isso só acontecerá se o Centro se tornar um local limpo, bem iluminado, com seus prédios históricos valorizados, despoluídos visualmente e se conseguir tornar um espaço seguro”, afirma. No lugar dos moradores, vieram os camelôs que fizeram de espaços públicos como as calçadas e o passeio, um espaço privado. “O comércio também está saindo do Centro por causa dessa concorrência desleal. Se não tivermos ações rápidas e enérgicas, a situação ficará irreversível. Ninguém vai investir no Centro se não tiver certeza de que haverá um processo de revitalização de verdade”, afirma o presidente da Associação Regional da Habitação (Habicamp), Reinaldo Valbert. O esvaziamento habitacional do Centro é crescente. O Sumário de Dados; População de Campinas e Região, uma publicação da Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente (Seplama), mostra que, em 1991, eram 16.626 os moradores do centro de Campinas. Em 2001, estimativas da Coordenadoria Setorial de Banco de Dados (CSBD), da Seplama, indicam que 14.632 pessoas estão morando no Centro. Não há dados atuais sobre o volume de domicílios vagos no Centro (a Prefeitura ainda não recebeu os mapas censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE), mas em 1996 existiam 1.938. O incentivo habitacional no Centro, observa Valbert, acaba se tornando difícil em função do preço do metro quadrado de terreno, que é muito alto. Mesmo assim, diz, há um entorno onde é possível investimentos. “É preciso garantir meios para que as pessoas que residem no Centro permaneçam e que seja incentivado o uso habitacional de muitos imóveis”, afirma.

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Boa parte dos edifícios com uso habitacional tem mais de 40 anos, conforme Valbert e Gargantini, e já necessitariam passar por uma manutenção mais profunda nas instalações elétricas, hidráulicas e nas fachadas para evitar o risco de decadência. Matéria publicada na edição eletrônica do Jornal Correio Popular de 04 de abril de 2002. [Comentário breve: será que a reportagem nem mesmo procurou a Zezé para comentar esse decreto?] Izalene autoriza remoção de ambulantes Fábio Gallacci, da Agência Anhangüera A prefeita de Campinas, Izalene Tiene (PT), baixou um decreto que delega à Serviços Técnicos Gerais (Setec) a competência para cadastrar e remover da "zona nobre" da cidade os "carrioleiros", "paredeiros" e "fruteiros" que hoje estão espalhados irregularmente pelo Centro. O documento foi assinado no último dia 27 de março, publicado no Diário Oficial do Município e já está em vigor. O tema gera polêmica desde o ano passado entre comerciantes formalmente estabelecidos e os ambulantes ilegais. Mesmo irregulares, as dezenas de bancas de carrioleiros e paredeiros que se instalaram há quase um ano próximas aos terminais de ônibus das avenidas Senador Saraiva e Dr. Moraes Salles, no Centro, devem continuar no mesmo local até o segundo semestre, quando serão transferidas para um outro espaço. Apesar de o decreto - de número 13.900 - dar plenos poderes para que a equipe da Setec fiscalize e retire os ambulantes ilegais, nada será feito antes do início do projeto de revitalização da região central da cidade, previsto para começar na segunda metade do ano. Procurado ontem para comentar o assunto, o presidente da Setec, Paulo Daniel Silva, enviou uma resposta oficial por intermédio de sua assessoria de Imprensa afirmando que "não vai usar de força para retirar os ambulantes do local e que está encarando o problema de forma social". De acordo com os assessores, a presença da Polícia simplesmente expulsando os vendedores não resolveria o problema e que uma área exclusiva para eles está sendo estudada. Nenhuma data para a concretização da transferência foi divulgada. Enquanto isso, os carrioleiros trabalham normalmente. "A fiscalização já pegou muito no nosso pé, mas agora não está mexendo com mais ninguém. Trabalho aqui na Moraes Salles porque consigo vender mais frutas", justificou o carrioleiro Marcos Antônio Queirós. "Tenho 74 anos de idade e preciso sobreviver. Só com o dinheiro da aposentadoria não dá", emendou o paredeiro José Alves de Oliveira. Ainda segundo a assessoria da Setec, os fiscais estão atuando apenas para "evitar" a presença de novos ambulantes na área do Terminal 2 (Moraes Salles) e verificar se todos estão comercializando apenas frutas, verduras e legumes, que são os produtos autorizados para o local. Na tentativa de resolver a questão de forma definitiva, os integrantes da Associação Comercial e Industrial de Campinas (ACIC) aguardam o resultado de uma ação judicial de cumprimento, que solicita a retirada dos ambulantes da frente do comércio formal. "Este é um assunto complexo. Queremos que a Prefeitura faça valer o seu poder de fiscalização, sem nenhuma medida paliativa. Dia após dia estamos solicitando uma posição", comentou Mário Dino Gadioli, presidente da Acic. "Omissão" Para o diretor comercial do Sindicato dos Lojistas, Fernando Piffer, o maior problema é a omissão da Setec em cumprir a lei. "O fato de a Setec ser subordinada à Prefeitura e não estar cumprindo um decreto assinado pela própria Izalene Tiene mostra como a imagem da nossa prefeita está denegrida. Se os ambulantes podem continuar no local onde estão sem pagar impostos, também queremos que sejam suspensas as cobranças de IPTU do comércio formal", afirmou Piffer, indignado. Segundo ele, o movimento de consumidores pelas ruas do Centro caiu 5,2% nos últimos meses. "As pessoas estão fugindo dessa bagunça toda", disse. Matéria publicada na edição eletrônica do Correio Popular. Campinas - Sexta-Feira, 05 de Abril de 2002. Ambulantes ficarão no Centro, garante Setec Fábio Gallacci, da Agência Anhangüera Os "carrioleiros", "paredeiros" e "fruteiros" que trabalham atualmente ao longo das avenidas Moraes Salles, Senador Saraiva e próximos aos terminais de ônibus da região central serão mantidos no Centro de Campinas, em um local de "grande movimentação de pessoas" ainda não revelado. Quem garante é o próprio presidente da Serviços Técnicos Gerais (Setec), Paulo Daniel Silva, que já discute a delimitação de um espaço no Plano de Requalificação Urbana da região central – possivelmente na vizinhança de algum terminal de ônibus – para abrigar 60 trabalhadores cadastrados. Uma equipe de apenas 11 fiscais terá que impedir que novos ambulantes engrossem esta lista antes da transferência definitiva, prevista para acontecer durante a implantação do projeto de revitalização do Centro (provavelmente a partir do segundo semestre). Segundo Silva, seriam necessários pelo menos mais dez funcionários rodando pelas ruas para trabalhar de uma forma mais adequada. "Estamos buscando um local onde as pessoas que estão cadastradas continuem vendendo seus produtos, ao contrário do Hortomercado (construído no Terminal Central), que não apresentava movimento. A comissão que estuda a revitalização do Centro conta com um projeto, no qual esse assunto é tratado, que já foi enviado a todos os secretários municipais. É preciso esperar as definições", afirmou Silva. O projeto citado por ele, conforme noticiou ontem o Correio, não deixa claro o que será feito com o comércio informal. O presidente da Setec não

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soube informar ontem a data exata da mudança de endereço dos ambulantes, mas sua assessoria já havia informado que tudo deverá ser colocado em prática apenas a partir do segundo semestre deste ano. Sobre o decreto número 13.900, assinado pela prefeita Izalene Tiene (PT) no último dia 27 de março e publicado no Diário Oficial do Município, que delega à Setec o poder de fiscalizar e retirar os ambulantes irregulares das áreas identificadas como "zona nobre" do Centro, Silva disse que tudo serviu apenas para formalizar um trabalho que já vem sendo feito pela Setec nas ruas há muito tempo. "Ao contrário do que foi publicado, a nossa fiscalização está ativa. O decreto, na verdade, surgiu para minimizar um antigo conflito entre a Setec e o Departamento de Urbanismo sobre os temas relacionados à ocupação do solo da cidade", justificou. Ele apresentou números de apreensões, lacres e multas pela cidade. No ano passado, foram registradas 1.676 ocorrências desta natureza. "Isso mostra que o trabalho está sendo realizado", reforçou o presidente da autarquia. Para o aumento do efetivo de fiscais, o presidente da Setec ainda aguarda o surgimento de verbas provenientes da regularização de espaços públicos para publicidade e a taxação das empresas que utilizam o subsolo da cidade para a passagem das fibras óticas. "Aumentar o efetivo de trabalho é o desejo de todo mundo", comentou Silva. Como exemplo do que deve ser feito com os ambulantes, Silva citou o crescimento no número de feiras de artesanato na cidade, que pulou de três para 40 no período de um ano. "Organizadas, as pessoas trabalham com mais tranqüilidade e têm a consciência de deixar os locais limpos", definiu. Matéria publicada na edição eletrônica do Correio Popular, www.cpopular.com.br. Campinas, 10 de abril de 2002. Pomar vai coordenar revitalização do Centro Maria Teresa Costa, do Correio Popular A prefeita de Campinas, Izalene Tiene (PT), delegou ao secretário de Cultura, Esporte e Turismo, Valter Pomar, a coordenação da elaboração e implantação do Projeto de Revitalização do Centro da cidade. Em decreto publicado ontem no Diário Oficial do Município, a prefeita define prazo de 30 dias para que o secretário apresente a composição dos grupos temáticos necessários à implantação do programa. O secretário informou ontem, por meio da assessoria de Imprensa, que só irá falar sobre o programa de revitalização do Centro na próxima semana, após a reunião do secretariado da Prefeitura. Na pauta dessa reunião, marcada para segunda -feira, o secretariado vai discutir os itens que constam do pré-projeto de revitalização do Centro (veja no quadro os principais). Pomar, que é vice-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e considerado da ala mais radical do partido, já vem trabalhando na elaboração do Plano de Requalificação Urbana do Centro de Campinas, como integrante da Comissão do Centro. Essa comissão é formada por representantes das secretarias de Planejamento, Transportes, Cultura, Obras, Negócios Jurídicos, além da Cohab, Setec e a viúva do prefeito Antonio da Costa Santos, a psicóloga Roseana Garcia. Ela encaminhou pré-projeto para o conjunto do secretariado avaliar e sugerir mudanças. Agora, caberá a Pomar consolidar o conjunto de propostas e iniciativas existentes nos diversos órgãos da Administração. A prefeita também delegou a ele poder para deliberar sobre a utilização dos espaços da área ferroviária, no Centro, que tenham sido cedidos a qualquer título ou que venham a ser cedidos ao município, conforme o decreto. Um convênio com a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) será formalizado para que professores da universidade, junto com os técnicos da Prefeitura, elaborem as diretrizes de ocupação do complexo ferroviário. A Prefeitura ainda não tem a posse da área ferroviária, embora as negociações com a Rede Ferroviária Federal S.A tenham sido retomadas há um mês. As diretrizes de ocupação funcionam como metas a serem alcançadas definindo regras para a utilização desse espaço no centro. Ainda não há um prazo definido para a conclusão do estudo. A diretriz básica já está definida. Ou seja, a estação ferroviária será a mais importante ligação entre o centro histórico e a vila dos antigos ferroviários, a Vila Industrial. Um dos prédios – um armazém ao lado da estação central – já teve seu uso definido e a proposta de ocupação e restauração aprovadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (Condepacc). Nesse armazém será instalado o Centro de Educação Profissional de Campinas Prefeito Antônio da Costa Santos (Ceprocamp), uma escola profissionalizante financiada em sua implantação pelo Ministério da Educação. Campinas, 04 de abril de 2002. Izalene autoriza remoção de ambulantes Fábio Gallacci, da Agência Anhangüera A prefeita de Campinas, Izalene Tiene (PT), baixou um decreto que delega à Serviços Técnicos Gerais (Setec) a competência para cadastrar e remover da "zona nobre" da cidade os "carrioleiros", "paredeiros" e "fruteiros" que

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hoje estão espalhados irregularmente pelo Centro. O documento foi assinado no último dia 27 de março, publicado no Diário Oficial do Município e já está em vigor. O tema gera polêmica desde o ano passado entre comerciantes formalmente estabelecidos e os ambulantes ilegais. Mesmo irregulares, as dezenas de bancas de carrioleiros e paredeiros que se instalaram há quase um ano próximas aos terminais de ônibus das avenidas Senador Saraiva e Dr. Moraes Salles, no Centro, devem continuar no mesmo local até o segundo semestre, quando serão transferidas para um outro espaço. Apesar de o decreto - de número 13.900 - dar plenos poderes para que a equipe da Setec fiscalize e retire os ambulantes ilegais, nada será feito antes do início do projeto de revitalização da região central da cidade, previsto para começar na segunda metade do ano. Procurado ontem para comentar o assunto, o presidente da Setec, Paulo Daniel Silva, enviou uma resposta oficial por intermédio de sua assessoria de Imprensa afirmando que "não vai usar de força para retirar os ambulantes do local e que está encarando o problema de forma social". De acordo com os assessores, a presença da Polícia simplesmente expulsando os vendedores não resolveria o problema e que uma área exclusiva para eles está sendo estudada. Nenhuma data para a concretização da transferência foi divulgada. Enquanto isso, os carrioleiros trabalham normalmente. "A fiscalização já pegou muito no nosso pé, mas agora não está mexendo com mais ninguém. Trabalho aqui na Moraes Salles porque consigo vender mais frutas", justificou o carrioleiro Marcos Antônio Queirós. "Tenho 74 anos de idade e preciso sobreviver. Só com o dinheiro da aposentadoria não dá", emendou o paredeiro José Alves de Oliveira. Ainda segundo a assessoria da Setec, os fiscais estão atuando apenas para "evitar" a presença de novos ambulantes na área do Terminal 2 (Moraes Salles) e verificar se todos estão comercializando apenas frutas, verduras e legumes, que são os produtos autorizados para o local. Na tentativa de resolver a questão de forma definitiva, os integrantes da Associação Comercial e Industrial de Campinas (ACIC) aguardam o resultado de uma ação judicial de cumprimento, que solicita a retirada dos ambulantes da frente do comércio formal. "Este é um assunto complexo. Queremos que a Prefeitura faça valer o seu poder de fiscalização, sem nenhuma medida paliativa. Dia após dia estamos solicitando uma posição", comentou Mário Dino Gadioli, presidente da Acic. "Omissão" Para o diretor comercial do Sindicato dos Lojistas, Fernando Piffer, o maior problema é a omissão da Setec em cumprir a lei. "O fato de a Setec ser subordinada à Prefeitura e não estar cumprindo um decreto assinado pela própria Izalene Tiene mostra como a imagem da nossa prefeita está denegrida. Se os ambulantes podem continuar no local onde estão sem pagar impostos, também queremos que sejam suspensas as cobranças de IPTU do comércio formal", afirmou Piffer, indignado. Segundo ele, o movimento de consumidores pelas ruas do Centro caiu 5,2% nos últimos meses. "As pessoas estão fugindo dessa bagunça toda", disse. Campinas, 05 de Abril de 2002. Ambulantes ficarão no Centro, garante Setec Fábio Gallacci, da Agência Anhangüera Os "carrioleiros", "paredeiros" e "fruteiros" que trabalham atualmente ao longo das avenidas Moraes Salles, Senador Saraiva e próximos aos terminais de ônibus da região central serão mantidos no Centro de Campinas, em um local de "grande movimentação de pessoas" ainda não revelado. Quem garante é o próprio presidente da Serviços Técnicos Gerais (Setec), Paulo Daniel Silva, que já discute a delimitação de um espaço no Plano de Requalificação Urbana da região central – possivelmente na vizinhança de algum terminal de ônibus – para abrigar 60 trabalhadores cadastrados. Uma equipe de apenas 11 fiscais terá que impedir que novos ambulantes engrossem esta lista antes da transferência definitiva, prevista para acontecer durante a implantação do projeto de revitalização do Centro (provavelmente a partir do segundo semestre). Segundo Silva, seriam necessários pelo menos mais dez funcionários rodando pelas ruas para trabalhar de uma forma mais adequada. "Estamos buscando um local onde as pessoas que estão cadastradas continuem vendendo seus produtos, ao contrário do Hortomercado (construído no Terminal Central), que não apresentava movimento. A comissão que estuda a revitalização do Centro conta com um projeto, no qual esse assunto é tratado, que já foi enviado a todos os secretários municipais. É preciso esperar as definições", afirmou Silva. O projeto citado por ele, conforme noticiou ontem o Correio, não deixa claro o que será feito com o comércio informal. O presidente da Setec não soube informar ontem a data exata da mudança de endereço dos ambulantes, mas sua assessoria já havia informado que tudo deverá ser colocado em prática apenas a partir do segundo semestre deste ano. Sobre o decreto número 13.900, assinado pela prefeita Izalene Tiene (PT) no último dia 27 de março e publicado no

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Diário Oficial do Município, que delega à Setec o poder de fiscalizar e retirar os ambulantes irregulares das áreas identificadas como "zona nobre" do Centro, Silva disse que tudo serviu apenas para formalizar um trabalho que já vem sendo feito pela Setec nas ruas há muito tempo. "Ao contrário do que foi publicado, a nossa fiscalização está ativa. O decreto, na verdade, surgiu para minimizar um antigo conflito entre a Setec e o Departamento de Urbanismo sobre os temas relacionados à ocupação do solo da cidade", justificou. Ele apresentou números de apreensões, lacres e multas pela cidade. No ano passado, foram registradas 1.676 ocorrências desta natureza. "Isso mostra que o trabalho está sendo realizado", reforçou o presidente da autarquia. Para o aumento do efetivo de fiscais, o presidente da Setec ainda aguarda o surgimento de verbas provenientes da regularização de espaços públicos para publicidade e a taxação das empresas que utilizam o subsolo da cidade para a passagem das fibras óticas. "Aumentar o efetivo de trabalho é o desejo de todo mundo", comentou Silva. Como exemplo do que deve ser feito com os ambulantes, Silva citou o crescimento no número de feiras de artesanato na cidade, que pulou de três para 40 no pe ríodo de um ano. "Organizadas, as pessoas trabalham com mais tranqüilidade e têm a consciência de deixar os locais limpos", definiu. Campinas, 10 de abril de 2002. Pomar vai coordenar revitalização do Centro Maria Teresa Costa A prefeita de Campinas, Izalene Tiene (PT), delegou ao secretário de Cultura, Esporte e Turismo, Valter Pomar, a coordenação da elaboração e implantação do Projeto de Revitalização do Centro da cidade. Em decreto publicado ontem no Diário Oficial do Município, a prefeita define prazo de 30 dias para que o secretário apresente a composição dos grupos temáticos necessários à implantação do programa. O secretário informou ontem, por meio da assessoria de Imprensa, que só irá falar sobre o programa de revitalização do Centro na próxima semana, após a reunião do secretariado da Prefeitura. Na pauta dessa reunião, marcada para segunda -feira, o secretariado vai discutir os itens que constam do pré-projeto de revitalização do Centro (veja no quadro os principais). Pomar, que é vice-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) e considerado da ala mais radical do partido, já vem trabalhando na elaboração do Plano de Requalificação Urbana do Centro de Campinas, como integrante da Comissão do Centro. Essa comissão é formada por representantes das secretarias de Planejamento, Transportes, Cultura, Obras, Negócios Jurídicos, além da Cohab, Setec e a viúva do prefeito Antonio da Costa Santos, a psicóloga Roseana Garcia. Ela encaminhou pré-projeto para o conjunto do secretariado avaliar e sugerir mudanças. Agora, caberá a Pomar consolidar o conjunto de propostas e iniciativas existentes nos diversos órgãos da Administração. A prefeita também delegou a ele poder para deliberar sobre a utilização dos espaços da área ferroviária, no Centro, que tenham sido cedidos a qualquer título ou que venham a ser cedidos ao município, conforme o decreto. Um convênio com a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) será formalizado para que professores da universidade, junto com os técnicos da Prefeitura, elaborem as diretrizes de ocupação do complexo ferroviário. A Prefeitura ainda não tem a posse da área ferroviária, embora as negociações com a Rede Ferroviária Federal S.A tenham sido retomadas há um mês. As diretrizes de ocupação funcionam como metas a serem alcançadas definindo regras para a utilização desse espaço no centro. Ainda não há um prazo definido para a conclusão do estudo. A diretriz básica já está definida. Ou seja, a estação ferroviária será a mais importante ligação entre o centro histórico e a vila dos antigos ferroviários, a Vila Industrial. Um dos prédios – um armazém ao lado da estação central – já teve seu uso definido e a proposta de ocupação e restauração aprovadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (Condepacc). Nesse armazém será instalado o Centro de Educação Profissional de Campinas Prefeito Antônio da Costa Santos (Ceprocamp), uma escola profissionalizante financiada em sua implantação pelo Ministério da Educação. Campinas, 11 de abril de 2002. CMDU questiona decreto sobre revitalização Maria Teresa Costa, do Correio Popular

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A nomeação do secretário de Cultura, Esporte e Turismo, Valter Pomar, para coordenar a elaboração e a implantação do Projeto de Revitalização do Centro de Campinas causou mal-estar entre técnicos da Prefeitura e já está sendo questionada pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU). O Conselho está enviando correspondência à prefeita Izalene Tiene questionando o motivo de sua opção pela Cultura e não pelo setor de Planejamento nesse processo. Conforme divulgou ontem o Correio, a prefeita delegou a Valter Pomar a tarefa de coordenar o processo de revitalização do Centro, em decreto publicado na terça-feira no Diário Oficial do Município. No decreto, a prefeita estabelece um prazo de 30 dias, contados desde terça, para que Pomar apresente a composição dos grupos temáticos necessários à implementação do projeto. Pomar é vice-presidente nacional do PT. Ele disse na terça-feira, via assessoria de Imprensa, que só fala sobre o assunto na próxima semana. "Revitalização do Centro é uma questão de planejamento urbano", diz o presidente do CMDU, Marcelo Hobeika. O conselho, formado por representantes de diversos setores da sociedade civil, é um organismo de caráter consultivo e fiscalizador que promove, por definição legal, a participação da comunidade no processo de planejamento e discussão da evolução urbana de Campinas. "Não estamos questionando a capacidade do secretário de Cultura para essa tarefa", frisa Hobeika. "Mas os conselheiros entendem que o comando do processo deve estar com a Secretaria de Planejamento", afirma o presidente do CMDU. Além de questionar a nomeação de Pomar, o CMDU também está reivindicando ser ouvido na elaboração do proje to. Críticas O vereador Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho (PT), ex-lider do governo na Câmara, no entanto, tem duvidas em relação à capacidade técnica de Pomar em conduzir o processo. "Ele (Pomar) não tem acúmulo político e nem teórico e falta a ele um conhecimento da vida da cidade para comandar um projeto como esse", critica o vereador. Para Tiãozinho, no entanto, a nomeação de Pomar é parte de um "processo de desconstituição" de tudo o que estava sendo feito pelo prefeito Antonio da Costa Santos. "O Toninho tinha definido o secretário Araken (Araken Martinho, do Planejamento) para propor projetos e comandar a revitalização. Araken e sua equipe estão trabalhando nisso desde o ano passado e agora simplesmente a prefeita passa o comando a outro", condena o vereador. Para ele, o decreto publicado no Diário Oficial é mais para reafirmar uma posição do governo do que um indicativo de iniciativa de que algo vai acontecer no Centro. "Esse tipo de coisa só traz prejuízo a todos. Quem estava trabalhando no projeto fica desestimulado e a cidade fica sempre com a sensação de falta de continuidade. É como se sempre estivéssemos recomeçando e nesse processo isso não pode acontecer", afirma. Campinas, 16 de abril de 2002 Revitalização do Centro integra 14 ações Maria Teresa Costa, do Correio Popular A prefeita Izalene Tiene (PT) definiu ontem um conjunto de 14 ações que deverão estar em andamento até o final do ano para requalificar e revitalizar o Centro de Campinas. Até o dia 8 de maio, informou ela, serão definidos os responsáveis por cada uma das ações e determinados os prazos de apresentação de projetos e cronogramas de implantação. "O importante é deflagrar o processo de revitalização do Centro, definindo prazos para início e término", avaliou Izalene. Ela se reuniu com o secretariado ontem para avaliar o Plano de Requalificação Urbana do Centro de Campinas, elaborado pela Comissão do Centro. As ações elencadas como prioritárias são aquelas que dependem exclusivamente da Prefeitura, quer na execução, quer na bus ca de recursos para a implantação. A prioridade número um é a área da Estação Ferroviária, que vem sendo negociada junto à Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA). "A ocupação do complexo ferroviário será o polo de irradiação da revitalização do Centro", diz a prefeita. O secretário municipal de Cultura, Valter Pomar, que está coordenando a elaboração e implantação da revitalização do Centro, informou ontem que três momentos estão definidos para a área ferroviária. O primeiro é

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a ocupação da estação, que já vem acontecendo com algumas atividades culturais. O segundo momento é a implantação do Centro Profissionalizante de Campinas (Ceprocamp) e o terceiro, a ocupação de todo o complexo ferroviário. Nas ações divulgadas ontem (veja quadro nesta página), estão incluídas melhorias nas ruas 13 de Maio e Costa Aguiar, restauro e ocupação das vilas Manoel Dias e Manoel Freire – ambas tombadas pelo patrimônio histórico –, e intervenções no entorno do Largo do Rosário e da Catedral Metropolitana de Campinas. Para transmitir a quem mora, trabalha ou transita pelo Centro que essa área está sendo cuidada, uma das ações será o que Pomar chamou de "zeladoria". É um plano de embelezamento do Centro, que inclui limpeza de fachadas, das ruas e calçadas. "Vamos dar atenção triplicada para estimular as pessoas a seguirem exemplos, cuidando melhor do Centro e para que sirva também de incentivo para que as pessoas permaneçam no Centro", diz a prefeita. Trânsito e transporte O trânsito e o transporte público terão ações específicas. A prioridade, já definida, é para o transporte coletivo e para o pedestre. "Essas ações serão articuladas com decisões de longo prazo, dentro de um plano mais geral para o Centro", informa Pomar. O que já está definido é que o Terminal 2, na Avenida Dr. Moraes Salles, será desativado para dar lugar à praça que surgirá naquele local, no entorno do Palácio dos Azulejos. Junto com o Terminal 2, sairá também a sede do Corpo de Bombeiros. O restauro do Palácio dos Azulejos já foi aprovado pelo Ministério da Cultura para poder captar recursos com base na lei de incentivos fiscais. Falta apenas a publicação de portaria ministerial autorizando o processo. Campinas, 06 de Maio de 2002. Rua 13 de Maio, antes e depois da deterioração MariaTeresaCosta, Do Correio Popular Cerca de 150 mil pessoas, o equivalente a 15% da população de Campinas, caminham diariamente pela Rua 13 de Maio, enfrentando o calçamento esburacado, iluminação precária, sujeira, pichações, camelôs. A principal rua comercial da área central da cidade, também campeã da poluição visual, está entre as ações emergenciais que a Prefeitura pretende implantar dentro do Programa de Requalificação Urbana do Centro de Campinas. Por entanto, a rua é o retrato da ausência de manutenção. O lixo se espalha pelos 750 metros de extensão do calçadão, apesar de equipes de limpeza estarem presentes. “A gente varre pelo menos dez vezes por dia, mas todo mundo joga papel no chão”, reclama uma das varredeiras. Além da ausência de educação, o que colabora mesmo é a ausência de lixeiras ao longo da Rua 13 de Maio. Há apenas cinco, concentradas em uma única quadra. O calçamento necessita urgentemente de reformas. Mas não da forma como foram feitas, quando o cimento substituiu os ladrilhos soltos. O piso do calçadão, formando quadrados brancos e pretos, vem se soltando e ao longo da rua vários buracos se formaram. “Será que custa tanto arrumar isso aqui? Esse calçadão está abandonado”, reclama a comerciária Ana Luisa de Santana, que todos os dias transita pela extensão do calçadão. Boa parte das fachadas de lojas, remanescentes ainda do casario que existiu nessa rua no século passado, estão longe dos olhos de quem passa pela Rua 13 de Maio. Escondidas atrás de painéis, a publicidade sem nenhum critério entope a rua, polui visualmente e torna o calçadão um lugar feio. “Eu fico atordoada de olhar esses anúncios. São tantos que a gente nem consegue ver, porque um fica em cima de outro”, analisa a bancária Paula Carmezzin. A iluminação existente na 13 de Maio está bem propicia a seu estado geral de falta de manutenção. Quando mais a cidade precisa de luz, menos tem no calçadão. “Aqui é muito escuro à noite. Precisaria ter mais lâmpadas para iluminar mais. Dá medo passar por aqui depois que o comércio fecha”, critica o técnico em informática José Carlos de Siqueira. “A 13 de Maio precisa de ajuda”, afirma o empresário Guilherme de Campos Júnior, vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic). A manutenção, critica, é zero. Ele observa, no entanto, que não adianta muito cuidar da 13 de Maio e deixar o entorno atulhado de camelôs. O Centro, diz, tem que ter um projeto total e não apenas remendos. Campinas, 07 de maio de 2002.

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Cultura propõe ocupar Estação Ferroviária Maria Teresa Costa, do Correio Popular O coordenador do Programa de Requalificação Urbana do Centro de Campinas, Valter Pomar, informou ontem que pretende levar parte da Secretaria Municipal de Cultura para a Estação Ferroviária, no Centro. A idéia é ocupar o prédio temporariamente e com isso forçar que as decisões sobre o destino do edifício histórico aconteçam. Pomar, que é secretário de Cultura, Esportes e Turismo, acredita que transferindo seu gabinete, a presença de um órgão municipal no local, poderá gerar nova movimentação naquela área. A conveniência e viabilidade dessa transferência será discutida internamente na Secretaria de Cultura, informou. Pomar garantiu que a intenção não é a de instalar a Secretaria de Cultura no prédio, mas utilizá-lo provisoriamente para agilizar sua ocupação. A ocupação de um prédio histórico como sinal da vontade política de revitalizar o Centro de Campinas já havia sido adotada pelo prefeito Antonio da Costa Santos, assassinado em setembro do ano passado. Ele vinha utilizando uma sala do Palácio dos Azulejos como seu gabinete em algumas oportunidades. O prédio da Estação ferroviária é de propriedade da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), que está em liquidação. A Prefeitura propôs a compra do complexo ferroviário em troca da dívida em tributos municipais da Rede, calculada em R$ 12,9 milhões. Enquanto essa negociação não se efetiva, a Prefeitura pleiteia a posse do conjunto de edificações que formam o complexo ferroviário e aguarda decisão da RFFSA sobre a proposta de cessão dos prédios em regime de comodato. A empresa ferroviária ainda não decidiu se irá aceitar a proposta. Por enquanto, a Prefeitura tem apenas um termo de posse, com tempo indeterminado, daqueles imóveis. Esse documento, assinado pelo chefe do Escritório Regional da Malha Paulista (Ermap), Miguel Roberto Ruggiero, autorizou a administração a ocupar sete edificações do seu patrimônio. São elas, a antiga marcenaria, a antiga oficina, o escritório Telex, a estação central, o anexo da estação, o escritório e o armazém das imediações. Além disso, a Prefeitura firmou um contrato de uso em comodato, por 30 anos, de um dos prédios do complexo ferroviário, onde será instalado o Centro de Educação Profissional de Campinas Prefeito Antônio da Costa Santos (Ceprocamp), uma escola profissionalizante, com recursos do Ministério da Educação. A liberação dos recursos da ordem de R$ 3,55 milhões já foi autorizada. Atualmente o complexo ferroviário abriga um Posto Avançado de Segurança (PAV) da Guarda Municipal. O espaço também vem sendo usado para atividades culturais. Campinas, 24 de Maio de 2002. Deic apreende 50 mil CDs piratas em Campinas Adagoberto Baptista, da Agência Anhangüera Cerca de 50 mil CDs piratas foram apreendidos na manhã de ontem em Campinas por policiais do Departamento de Investigações Sobre o Crime Organizado (Deic) da Capital. Os discos, a grande maioria gravada e outros ainda virgens, estavam em uma sala que servia de depósito e em três boxes do chamado “camelódromo” da Rua Álvares Machado, no Centro de Campinas. Um homem, identificado pelo Deic como José Carlos Calixto, de 39 anos, foi preso em flagrante por acusação de crime contra o direito autoral, cuja pena de detenção é de um a quatro anos de detenção. “Foi a maior apreensão de CDs piratas ocorrida este ano no Interior do Estado”, disse o delegado Paulo Sérgio Fleury, do Deic. Também de acordo com ele, o depósito descoberto foi uma grande baixa para quem atua na pirataria. “A quantidade de CDs era muito grande mesmo, de espantar, e deveria estar sendo usada para estocar discos para distribuição em toda a região”, afirmou Fleury. De acordo com o delegado, mesmo na Capital não se encontram locais com tantos discos falsificados. Fleury explicou que, como a delegacia em que atua é especializada no crime de pirataria, seus policiais podem atuar em qualquer cidade do Estado, sendo que as investigações depois continuam no local onde ocorreu a ação. Os CDs apreendidos ficaram à disposição da Justiça. A expansão deste tipo de comércio em Campinas e a ação de ambulantes na venda de CDs piratas na cidade foram mostradas em reportagem especial publicada pelo Correio na edição do último dia 12, domingo. Na época, foi apurado que a venda dos discos piratas chega a render até R$ 4,5 mil por dia na área do camelódromo. O

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mercado informal, além de implicar na não arrecadação de impostos pela Receita Federal e do recolhimento dos direitos autorais dos artistas, fez com que o Brasil, despencasse do 7º para o 12º lugar no comércio de CDs originais. A pirataria incomoda tanto a indústria fonográfica que já está no ar uma campanha de alerta aos consumidores. Denúncia A ação dos policiais civis da 1ª Delegacia de Propriedade Imaterial (Antipirataria) da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) do Deic começou às 6h30 de ontem na Rua Álvares Machado. Eles se aproveitaram do horário em que a maioria dos boxes estava ainda fechado para efetuar a operação na barraca de José Carlos Calixto. Segundo o delegado do Deic, houve uma denúncia que chegou até a associação que cuida dos direitos autorais, que, por sua vez, comunicou a Polícia. Os investigadores fizeram um levantamento e, ontem, vieram a Campinas com mandado de busca e apreensão da Justiça. O delegado afirmou que não foram vistoriadas mais barracas para se evitar um confronto com os camelôs. “Fizemos tudo em duas horas, mas ao final do trabalho a situação começou a se complicar, com uma multidão se formando. Mas ações deste tipo vão continuar em todo o Estado. É um combate à pirataria, que é crime”, afirmou Fleury. Defesa O comerciante José Carlos Calixto se defendeu, já na Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Campinas. “Eu vendia os CDs piratas porque tenho uma família com três filhos para criar. Não estava roubando nem maltratando as pessoas”, afirmou. O camelô contou que apenas vendia os CDs no varejo, com preços variando de R$ 4,00 a R$ 5,00. Os CDs eram comprados na Capital e montados no cômodo onde estavam estocados. “Eu comprava o CD por R$ 1,00 e ainda gastava R$ 0,40 com o encarte. Era um risco fazer isto, porque sabia que não era legal. Agora, resta pagar pelo que fiz”, afirmou na DIG. Calixto dissse que vende CDs piratas há um ano e meio, e que ganhava cerca de R$ 1,2 mil com o comércio dos discos, mantendo na barraca três funcionários. Campinas, 18 de junho de 2002. Lideranças do comércio acusam Setec de ‘favelizar’ o Centro Maria Teresa Costa, do Correio Popular Entidades que representam o comércio de Campinas reagiram ontem com indignação às afirmações do presidente da Serviços Técnicos Gerais (Setec), Paulo Daniel Silva, publicadas na edição de domingo no Correio, quando defendeu a permanência dos camelôs no Centro da cidade. O presidente da Setec afirmou não acreditar que a presença da economia informal, com varais e barracas, seja responsável pela degradação da área central e pela ocupação predatória dos espaços públicos. “Ele (Paulo Daniel) está favelizando o Centro da cidade e enquanto continuar presidindo a Setec, será daí para pior”, reagiu o vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic), Guilherme Campos Júnior, ouvido ontem pela reportagem. Na reportagem publicada domingo, Paulo Daniel falou em “inclusão social”. “Todo mundo quer uma cidade bonita e organizada. Nós também queremos, mas com inclusão social”, disse ele, que afirmou ainda ser possível revitalizar o Centro com a participação dos camelôs. “Queremos incluir, organizar e disciplinar a economia informal”, afirmou o presidente da Setec. Para o diretor do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Campinas e Região (Sindlojas), Fernando Piffer, o projeto de revitalização do Centro está seriamente comprometido com o posicionamento de Paulo Daniel. “Ele fala em inclusão dos camelôs, mas o que ele está fazendo, na verdade, é promovendo mais exclusão”, diz o sindicalista. Para Piffer, na medida em que a Administração Municipal faz vistas grossas ao avanço da economia informal, ela vai cada vez mais aumentando o desemprego. “Os camelôs promovem a redução do faturamento do comércio que paga impostos, levando a uma situação que obriga os comerciantes a demitir”, observa. Piffer acredita que a prefeita Izalene Tiene (PT) deve tomar a frente dessa questão, porque cada vez mais a presença maciça de camelôs afasta investimentos que poderiam gerar postos de trabalho. Para o vice-presidente da Acic, Guilherme Campos Júnior, o presidente da Setec confessou agora o que estaria

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fazendo veladamente. “Ele está fazendo um eficiente trabalho de conquista do espaço público. Está deixando os camelôs ocuparem todos os lugares. A Rua 13 de Maio só está sendo preservada porque não é interesse dos camelôs. Tomar a 13 de Maio chamaria muito a atenção. Por isso estão tomando todos os cantos da cidade”, avalia. O destino dos vendedores, dentro do processo de revitalização do Centro, está em discussão na Comissão do Centro, formada por secretários e técnicos da Prefeitura. O presidente da Setec afirmou que se depender de sua vontade a economia informal permanecerá no Centro, mas de forma organizada e disciplinada. “Não faremos nada que seja inviável para esse pessoal trabalhar e o critério do fluxo de pessoas é fundamental na hora de definir os locais onde eles (camelôs) ficarão”, afirmou. A presença dos camelôs, conforme Campos Júnior, impossibilita qualquer processo de revitalização, além de reforçar a exclusão. “A economia informal como está sendo conduzida na cidade expulsa para os shoppings centers o comércio tradicional. Só que a Prefeitura está esquecendo que é justamente o comércio tradicional quem emprega em maior quantidade e que movimenta a economia”, compara. Tanto Campos Júnior como Fernando Piffer acreditam que há um nicho onde os camelôs podem atuar, mas defendem que a lógica de ocupação seja invertida. “Se eles partem para esse tipo de trabalho para sobreviver, então precisam seguir as regras como todos. Tem que pagar impostos, tem que se instalar onde for determinado pela lei e não da forma predatória como fazem”, observa Piffer. Para ele, os camelôs são responsáveis pela degradação dos espaços coletivos, da ordem e da paisagem urbana. Campinas, 19 de junho de 2002. Camelôs sitiam lojas e declaram guerra Adriana Leite, da Agência Anhangüera A apreensão de pelo menos 11 mil CDs piratas pela Polícia Civil de Campinas, na manhã de ontem, no Centro, foi o estopim para que mais de 200 camelôs ocupassem a Rua 13 de Maio durante quase todo o dia em protesto. O fato serviu de pretexto para que os camelôs promovessem uma manifestação - que já vinha sendo organizada. O ato culminou com um protesto em frente à Casa Campos, cujo proprietário é o vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic), Guilherme Campos Júnior. Houve tumulto e a maioria das lojas fechou suas portas (muitos dos comerciantes foram obrigados a fechar as lojas). Durante o protesto, a presidente do Sindicato da Economia Informal, Maria José Salles, revelou que os camelôs, se preciso for, vão partir até para um confronto para garantir a permanência dos ambulantes no Centro (leia texto ao lado). A estimativa oficial do comércio aponta que os prejuízos dos lojistas com o protesto tenha atingido entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões, segundo o Sindicalista dos Lojistas de Campinas. Durante quase cinco horas houve uma queda de braço entre os informais e o vice-presidente da Acic. Intransigência e confusão marcaram a disputa em frente a loja de Campos. Os informais exigiam que o lojista fechasse o estabelecimento durante a passagem da manifestação. Campos Júnior se recusou a fechar a loja, argumentando que nada tinha a ver com o ato dos camelôs - ao contrário do que ocorreu com a maioria das lojas da Rua 13 de Maio. A PM acompanhou a manifestação dos ambulantes e postou dez homens e duas viaturas em frente à Casa Campos. Os camelôs estavam particularmente revoltados as declarações do vice-presidente da Acic, publicadas na edição de ontem do Correio. Na reportagem, Campos Júnior acusou a Serviços Técnicos Gerais (Setec) de “favelizar” o Centro de Campinas com sua política em relação à economia informal. A afirmação fala de Campos Júnior foi uma resposta às declarações do presidente da Setec, em reportagem publicada no último domingo pelo Correio, quando Paulo Daniel falou em “inclusão social” dos camelôs e se mostrou favorável à permanência dos informais no Centro. A posição do presidente da Setec gerou ainda mais indignação entre os lojistas, que apontam a proliferação dos camelôs como prejudicial ao comércio formal, que paga impostos. Para os lojistas, a presença maciça de ambulantes no Centro empurra o comércio tradicional para os shoppings.

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Protesto Ontem, os camelôs afirmaram que a intenção de Campos seria acusá-los de ter ligação com o crime organizado. Disseram que as declarações desrespeitaram os camelôs. Os manifestantes empunhavam faixas com diversas frases, como “Querem nos transformar em bodes-expiatórios da violência e do crime organizado”. Os camelôs promoveram até um churrasco no horário de almoço. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Economia Informal de Campinas, Maria José Salles, afirmou que a manifestação tinha como objetivo mostrar a indignação da categoria com a posição do vice-presidente da Acic. “Nós não temos nada contra a Acic. O problema é o Guilherme Campos”, comentou. Do outro lado, Campos dizia que qualquer manifestação é legítima desde que isso não cerceasse o direito de outras pessoas. “Vou permanecer com a minha loja abe rta. Tenho o direito de manter minha atividade e a Polícia está garantido isso”, afirmou o lojista, postado à porta de seu estabelecimento. Campos avaliou como uma “afronta” a atitude dos ambulantes em exigir que ele fechasse a loja. Acordo forçado Durante o protesto, vários dirigentes lojistas buscaram uma conciliação entre as partes. O presidente da Câmara dos Diretores Lojistas (CDL), Edvaldo de Sousa Pinto, entrou em contato com a Prefeitura e a Setec. O secretário de Cultura, Valter Pomar, chegou no local por volta das 13h, mas não conseguiu resolver a questão. Os ambulantes desocuparam a Rua 13 de Maio por volta das 15h, depois de uma hora de conversas entre as lideranças da categoria e o presidente da Setec, Paulo Daniel. O presidente da Setec foi convocado pelos lojistas, mas a reportagem apurou que ele se dirigiu ao local apenas após um pedido formal do secretário Valter Pomar, que chegou a colocar em risco a permanência de Paulo Daniel no cargo. Na negociação com os ambulantes, Paulo Daniel pediu a desocupação pacífica do local e lembrou que o governo municipal está dialogando com a categoria sobre o projeto de revitalização do Centro. Indagado por um ambulante sobre a atitude de Campos em não fechar a porta de sua loja, Paulo Daniel respondeu que “isso era para desgastar o governo”. O presidente da Setec se recusou a falar com a Imprensa. Por meio de sua assessoria, ele informou que não iria comentar o assunto e que o objetivo de sua ida ao local foi “liberar a área e evitar um conflito”. Campinas, 25 de junho de 2002. Comerciantes ameaçam romper com Izalene Maria Teresa Costa, do Correio Popular A manutenção dos camelôs no Centro de Campinas e a inclusão desta categoria no processo de revitalização da área central, defendidas pelo presidente da Serviços Técnicos Gerais (Setec), Paulo Daniel Silva, estão gerando conseqüências que podem ser irreversíveis para o governo municipal na relação com o comércio formal e resultar no rompimento das entidades do comércio com a Prefeitura. As entidades já começam a sinalizar com a possibilidade de rompimento. O Correio apurou que a Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic), por exemplo, se recusou a organizar um café da manhã para receber em Campinas o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), deputado José Dirceu, na próxima semana. A Acic, além de avaliar como desastrosa a visão que o presidente da Setec tem em relação à inclusão dos camelôs no Centro, considerou inadequada a forma como Paulo Daniel tratou a manifestação organizada por camelôs na última quarta-feira, quando os comerciantes informais sitiaram o vice-presidente da Acic, Guilherme Campos Júnior, em frente sua loja na Rua 13 de Maio. A manifestação só terminou depois que o coordenador do projeto de revitalização do Centro, Valter Pomar, intimou o presidente da Setec a interferir e retirar os camelôs da frente da Casa Campos. “Como podemos organizar esse encontro (com Zé Dirceu) depois da forma como o vice-presidente foi tratado”, comentou um membro da Acic, que preferiu não ser identificado. O presidente e vice-presidente da Acic não

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foram localizados ontem. O presidente da Câmara dos Diretores Lojistas (CDL), Edvaldo de Sousa Pinto, cauteloso, disse ontem que a vontade dos lojista é romper relações com a Prefeitura, mas que o CDL só não faz isso agora porque a cidade seria a prejudicada. A CDL é proponente, junto ao Ministério da Cultura, do projeto de restauro do Palácio dos Azulejos, o principal ícone do programa de revitalização. O projeto já está aprovado e aguarda apenas publicação de portaria ministerial para que tenha início a captação de recursos. “Se saíssemos agora desse projeto, a cidade seria a grande prejudicada”, afirma o presidente da CDL. O Sindicato dos Lojistas do Comércio de Campinas (Sindlojas) avalia que está havendo ausência de respeito da Prefeitura aos lojistas. “Sempre colaboramos em tudo e o que pedimos é respeito. Estamos esperando que a prefeita faça alguma coisa, mas o que parece é que ela não tem idéia do que está ocorrendo na cidade, especialmente no Centro”, afirmou o diretor do Sindlojas, Fernando Piffer. “Os camelôs fazem e desfazem na cidade. A Setec, ao invés de fiscalizar como deveria, se alia aos camelôs e rompe a harmonia que deveria existir entre Prefeitura e o comércio. As conseqüências disso poderão ser desastrosas”, comentou Piffer. Matéria publicada na edição eletrônica do Correio Popular. Campinas, 26 de junho de 2002. Solução para camelô é de longo prazo, diz líder do PT Maria Teresa Costa, do Correio Popular “É querer demais que o governo do PT resolva agora um problema tão antigo como é o da presença dos camelôs no Centro”, disse ontem o líder da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara Municipal, Ângelo Barreto. As pressões do comércio formal sobre a Prefeitura, na avaliação do vereador, não darão resultados. As entidades do comércio estão prestes a romper relações com a Prefeitura em função da forma como o Poder Público vem encaminhando soluções para o comércio informal. A tensão surgiu a partir de declarações do presidente da Serviços Técnicos Gerais (Setec) Paulo Daniel Silva ao Correio, no último dia 16, de que a revitalização do Centro irá acontecer com a inclusão dos camelôs e que eles irão permanecer na região. As entidades criticaram essa postura. Na semana passada, os camelôs protestaram no Centro, sitiando, depois da apreensão de cerca de 11 mil CDs piratas pela Polícia, o vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic), Guilherme Campos, em frente à sua loja, na Rua 13 de Maio. Durante cinco horas, os camelôs permaneceram em frente à loja, fazendo ameaças, sem que a Prefeitura e a Polícia Militar, que estava presente no local, tomassem alguma atitude. A ausência de uma resposta efetiva sobre o destino dos camelôs no Centro está fazendo as entidades ameaçarem com rompimento. “Os camelôs estão aí tomando o Centro porque tiveram liberdade para se instalar e eu não vejo possibilidade de a administração do PT tirá-los e jogá-los em qualquer lugar apenas porque o comércio formal quer se livrar deles”, completou Barreto. “Tem alguns que ganharam muito com desgovernos anteriores e que hoje querem uma solução para continuar ganhando ainda mais no governo do PT. Isso não vai acontecer. Temos que encontrar uma solução para o camelô, com a participação dele e não só com a visão do comércio formal. Algumas pessoas não têm moral para cobrar nada porque estavam em governos anteriores e nada fizeram”, criticou, sem citar nomes. O vereador observa, no entanto, que, com diálogo, será possível apaziguar os ânimos no Centro. “Só não é possível resolver do dia para a noite algo que começou no passado e se perpetuou”, afirmou o líder da bancada do PT. Ele acha que é possível resolver esse conflito criando um espaço para os camelôs, que, na opinião do vereador, poderia ser o Terminal Moraes Salles. Para ele, o que não é possível é existir uma saída que beneficie o comércio formal apenas e prejudique os camelôs. O líder do PC do B, Sérgio Benassi, disse ontem que a situação estabelecida no Centro é extremamente preocupante diante da ausência de uma estratégia de ação por parte da Prefeitura. Ele lembra que, dentro do próprio partido governista, não há um entendimento sobre o que fazer com os camelôs. “Nesse ambiente, não vejo solução e a tendência é que esses conflitos sejam intensificados e as disputas cada vez mais arraigadas, onde cada um trata de salvar o que conseguiu”, disse. O vereador sugeriu que a Prefeitura se lembre que o solo é público, tem dono e há um gerente, apesar de o gerente não estar agindo como deveria, disse, referindo-se ao presidente da Setec, Paulo Daniel Silva. ”A Prefeitura, tem que dizer o que quer de forma clara, tem que fiscalizar, e não deixar correr solto como vem fazendo”, criticou. Campinas, 27 de junho de 2002. Comerciantes exigem ação anticamelô Maria Teresa Costa, do Correio Popular

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Diretores da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic) se reuniram com o coordenador do Programa de Revitalização do Centro, Valter Pomar, e cobraram, enfaticamente, que a Serviços Técnicos Gerais (Setec) exerça seu papel de órgão fiscalizador do uso do solo e passe a coibir a ação dos camelôs no Centro. A entidade deixou claro que não confia no presidente da Setec, Paulo Daniel Silva, porque, além de acordos não terem sido cumpridos, ele também teria se mostrado, em diversas vezes, um defensor do comércio informal. Embora a reunião entre diretores da Acic e Pomar já estivesse agendada anteriormente para que ele explicasse os encaminhamentos do projeto de revitalização, o encontro da última terça-feira à noite na entidade acabou se tornando uma tentativa de acalmar as tensões geradas na última semana entre o comércio formal e a Prefeitura. Os comerciantes gostaram de ter Pomar como interlocutor com a Prefeitura, elogiando sua “habilidade e a demonstração da vontade política em melhorar o Centro”. “Foi um encontro muito bom. Mostramos que estamos dispostos a participar do programa de revitalização. Mas também é necessário a devida interferência da Prefeitura na questão dos camelôs”, afirmou ontem o presidente da Acic, Mário Dino Gadioli. “O que queremos é que os acordos sejam cumpridos e que situações como aquela dos ‘carrioleiros’ não aconteçam mais”, exemplificou. Neste episódio dos carrioleiros (vendedores de frutas), ocorrido no ano passado, órgãos municipais e entidades dos comércios formal e informal passaram cerca de oito meses costurando uma negociação que acabou por resultar na decisão de instalar os carrioleiros no Hortomercado do Terminal Central. O acordo foi descumprido uma semana depois e os carrioleiros voltaram para as ruas, mas agora com barracas, diante da passividade da Setec em fiscalizar. “Como podemos confiar na Setec?”, pergunta Gadioli. O fato é que as quebras de acordo, somadas às declarações do presidente da Setec (que as entidades consideram desastrosas, como a defesa da permanência dos camelôs no Centro) e mais o protesto dos camelôs – que na semana passada obrigaram o comércio a baixar as portas e sitiaram Guilherme Campos Filho por cinco horas em frente sua loja na Rua 13 de Maio –, acabaram tensionando e desgastando o relacionamento entre o comércio formal e a Prefeitura. As entidades chegaram a ameaçar romper com a Prefeitura. “Com a continuidade do Paulo Daniel na Setec não haverá progresso algum porque falta a ele vontade política para resolver a situação”, afirma o presidente da Câmara dos Diretores Lojistas (CDL), Edvaldo Sousa Pinto. O dirigente lojista disse que Pomar comentou sobre a existência de uma proposta da Setec para retirar os “paredeiros” da Avenida Francisco Glicério e transferi-los para a Rua Benedito de Sousa (ao lado do Terminal Central). “Não dá para aceitar isso, porque só abrirá mais espaço para que outros paredeiros apareçam, como aconteceu com os carrioleiros”, afirmou. Os comerciantes avisaram que, se existir outra manifestação dos camelôs, irão seguir o exemplo de Guilherme Campos Júnior e manterão as portas abertas. Pomar evitou comentar ontem a reunião, mas afirmou que o encontro foi bastante produtivo e que o assunto que mais preocupa o comércio, que é a existência dos ambulantes no Centro, será resolvido desde que tratado com tranqüilidade pelas partes envolvidas. Como o foco central e essencial para os comerciantes é uma solução efetiva em relação à permanência dos camelôs, está sendo organizado agora um encontro com a prefeita Izalene Tiene (PT), em data ainda a ser agendada. Campinas, 02 de julho de 2002 Izalene quer evitar esvaziamento do Centro Maria Teresa Costa, do Correio Popular A prefeita Izalene Tiene (PT) disse ontem que vai manter contato com os lojistas instalados no Centro de Campinas para discutir medidas que a Prefeitura poderá adotar para evitar a fuga de investimentos na região. A grande quantidade de imóveis vazios, que espelha o desânimo dos setores do comércio e de serviço com a região central, precisa ser revertida, observa a prefeita. “Precisamos encontrar formas de despertar o interesse novamente pelo Centro. Quero conversar com os lojistas para ouvir deles porque alguns estabelecimentos estão fechando e ver como nós podemos participar para evitar isso”, afirmou Izalene.

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A prefeita não acredita que a fuga de investimentos esteja sendo causada, além da situação econômica do País, pelos camelôs, como afirmam as entidades do comércio. “Os camelôs não disputam com o comércio (formal), porque não vendem os mesmos tipos de produtos”, defende. Além disso, diz Izalene, os camelôs também querem melhorar a cidade, como o quer o comércio tradicional. A prefeita lembrou que, na reunião do Orçamento Participativo (OP) sobre o tema “Desenvolvimento Econômico e Tributação”, na semana passada, representantes da economia informal conseguiram incluir a reforma do Terminal Central entre as 10 prioridades definidas pelos segmentos relacionados ao tema. Os segmentos que participam da temática são: Comércio e Indústria, Economia Informal, Sindicalistas, Cooperativas, Microempresários e Serviços. As prioridades elencadas ainda serão detalhadas para a definição de recursos. Mas o fato é que o esvaziamento no Centro vem acontecendo paulatinamente . Embora não haja um levantamento da quantidade de imóveis vagos na região central, as placas de “aluga -se” proliferam por todo o bairro. O urbanista Eduardo Homem de Mello, em entrevista publicada no último domingo pelo Correio, alertou para a ocupação predatória dos espaços pelos camelôs no Centro. “Hoje, essa ação é muito predatória. E os recentes acontecimentos mostram que isso pode realmente causar um desânimo, uma desocupação de imóveis, uma desvalorização imobiliária. E aí sim vai custar muito para a Prefeitura. Vai custar muito para a sociedade se reorganizar para reocupar esse espaço”, avaliou o especialista. Além das ações emergenciais anunciadas para o Centro e que devem se caracterizar como o início de um processo de revitalização, Izalene acredita na necessidade de motivar os lojistas a investir e a despertar o interesse pelo Centro. “Estamos com disposição para ajudar no que for possível para evitar que o comércio saia do Centro”, garantiu a prefeita. Campinas, 03 de julho de 2002. Líder de camelôs representa comércio e indústria no OP Maria Teresa Costa, do Correio Popular A eleição da presidente do Sindicato da Economia Informal, Maria José Salles, para o Conselho Municipal do Orçamento Participativo (OP) da Prefeitura de Campinas está abrindo nova crise entre os setores formais da economia e a Administração. A líder dos camelôs foi eleita na última sexta-feira para representar, no OP, os interesses dos setores do comércio, da indústria, do serviço, dos microempresários e dos sindicalistas na destinação dos recursos do orçamento municipal para 2003. “Isso é inadmissível. Como é que a Prefeitura pode juntar a economia formal, que paga os impostos que formam o orçamento da cidade, com os camelôs, que não pagam imposto nenhum? E vai ser a representante dos ilegais que vai defender nossos interesses? Não vamos aceitar isso”, criticou o diretor do Sindicato dos Lojistas (Sindlojas), Fernando Piffer. Na assembléia do OP realizada no Clube Semanal de Cultura Artística compareceram 564 pessoas, representantes de cinco segmentos da economia. Eles foram eleger, além do conselheiro e suplente, as dez prioridades da temática “Desenvolvimento Econômico e Tributação” do OP. O secretário de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, Gerardo Mendes de Melo, coordenou a assembléia. Os camelôs foram maioria presente e elegeram, com 64% dos votos, a líder da categoria para representar as demais no Orçamento Participativo. Os representantes da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic) e da Câmara dos Diretores Lojistas (CDL) se retiraram da assembléia, em protesto. “Não tinha a menor condições de participar. Como iríamos discutir com camelôs? Aquela assembléia estava direcionada. Pensávamos que seria uma assembléia democrática, mas quando vimos a quantidade de camelôs presente, percebemos que tudo estava dirigido”, afirmou o presidente do CDL, Edvaldo Souza Pinto. O presidente da Acic, Mário Dino Gadioli, afirmou que até agora “está pasmo” em ver o que está acontecendo. “Vamos ter que repensar essa situação e o Gerardo (secretário Gerardo Mendes Melo) vai ter que rever essa situação”, afirmou. Gadioli afirmou que as entidades vão tentar reverter a eleição, porque não consideram que a líder dos camelôs possa representar a economia formal. “Foi um erro político muito grande. Como quem paga imposto pode ser liderado por quem não paga?”, perguntou. Ele afirmou que espera explicações do secretário Gerardo Mendes de Melo. Já o representante da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Pedro Celso Gonçalves, que na reunião chegou a se inscrever em uma chapa como candidato, disse que a

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assembléia foi constrangedora diante da presença dos camelôs. “O secretário (Melo) nos disse que depois de definidas as dez prioridades dentro do tema, quem fosse eleito teria que defender essas prioridades no OP. Mas como é que a informalidade poderá fazer isso?”, questiona. Ele lembra que se tivesse havido omissão total do setor formal da economia na assembléia, nenhum interesse do setor teria sido incluído nas prioridades. Mesmo assim, das dez prioridades elencadas, apenas três são de interesse direto do setor formal. As demais são do interesse da economia informal (leia texto ao lado). O secretário Gerardo Melo não foi localizado ontem. A Prefeitura foi procurada, por meio de sua assessoria de Imprensa, mas não retornou às ligações até as 20h. Campinas, 04 de julho de 2002. Líder dos camelôs no OP é legítimo, diz prefeita Maria Teresa Costa, do Correio Popular A prefeita Izalene Tiene (PT) afirmou ontem que a eleição da líder dos camelôs Maria José Salles para representar os setores da economia formal e informal no Conselho Municipal do Orçamento Participativo (OP) foi legítima. “Se os setores do comércio, indústria e serviços não conseguiram eleger um representante para o Conselho, isso se deve à falta de articulação desses setores”, afirmou. Izalene disse ontem não acreditar que esse episódio leve a uma nova crise entre esses setores e a Prefeitura. “O importante são as prioridades definidas pelo conjunto de representantes dos segmentos que integram a temática ‘Desenvolvimento Econômico e Trabalho’”, afirmou. A eleição de Maria José – que foi escolhida por 64% dos votos das 564 pessoas presentes à assembléia do OP na última sexta-feira – revoltou o setor produtivo da cidade, abrindo mais críticas ao relacionamento já abalado entre esses setores e a Prefeitura. Há duas semanas, entidades do comércio ameaçaram romper com a prefeita Izalene em virtude da manifestação dos camelôs na Rua 13 de Maio, no dia 18 de junho. Na ocasião, o vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic), Guilherme Campos Júnior, foi mantido sitiado durante cinco horas em frente à sua loja, que permaneceu cercada por camelôs. A prefeita, ao contrário do setor empresarial, que não vê legitimidade na participação da economia informal no OP, afirmou ontem que os camelôs são cidadãos desempregados e retirá-los da discussão seria um ato de violência. “Não é uma pessoa que decide onde será aplicado o recurso do orçamento, mas o Conselho. E cada conselheiro luta para que os segmentos que representa tenham suas reivindicações contempladas”, considerou. Para Izalene, o problema não é o camelô, mas a cidade, que passou por um processo acelerado de desmandos e falta de planejamento. “Nesse contexto, cada vez mais as pessoas foram perdendo espaço e buscando qualquer lugar para tentar sobreviver. Temos que pensar a cidade como um todo e não apenas como uma parte”, disse a prefeita. Informais A presidente do Sindicato da Economia Informal, Maria José Salles, afirmou ontem que não vê nenhum motivo para a reação do setor produtivo em relação à sua eleição. “Por que eles não se mobilizaram antes? Todo mundo foi avisado da assembléia. Nós (informais) estamos participando desde o início. Conseguimos eleger 11 delegados para o fórum de representantes. A assembléia foi aberta e, se eles não se mobilizaram como nós, paciência”, afirmou. Maria José garantiu ontem que vai lutar, no Conselho Municipal do OP, para que as 10 prioridades elencadas pelos cinco segmentos englobados na temática Desenvolvimento Econômico e Trabalho sejam contempladas no orçamento de 2003. Educação A ausência da participação de segmentos interessados acaba por provocar reações conflitantes. Na Assembléia da Educação, acontecida no último sábado, apenas 50 pessoas compareceram e acabaram elencando como primeira prioridade da Educação a introdução de capoeira nas escolas. Manutenção e reforma das unidades, por exemplo, foi a quarta prioridade. Para a secretária municipal de Educação, Corinta Geraldi, essa relação de prioridades acabará sendo sobreposta, certamente, pelas prioridades elencadas pelos bairros, onde irão aparecer reivindicações de mais escolas, professores, ampliação de vagas etc. Campinas, 27 de julho de 2002. Opinião do Jornal Do Correio Popular

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Há contradições latentes, e patentes em alguns aspectos, na abordagem da Prefeitura de Campinas, ao tratar dos obstáculos à revitalização do Centro, como sumariamente relacionamos abaixo. Ao anunciar que vai debater a questão com a sociedade civil, mediante equipe especial, entretanto deixou fixa a disposição, já colocada, de manter os camelôs no Centro, sequer acenando com alteração dessa férrea decisão. Isso significa que, quaisquer que venham a ser as propostas, esse item essencial já estaria decidido. A discussão já foi posta pela prefeita Izalene Tiene (PT) de forma restritiva, obviamente sem admitir que é. Isso constitui uma das contradições latentes, no bojo da estratégia da Prefeitura no trato dessa questão crucial para o deslanche da cidade. Mas há outras, aqui apenas relacionadas. São as seguintes: Uma equipe especial debaterá o chamado Projeto Centro, enquanto a Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural (CSPC) do Conselho de Defesa do Patrimônio (Condepacc) fará levantamento de imóveis a tombar, número de moradores no Centro e investimentos necessários para recuperação de prédios degradados. Logicamente, revitalização implica em projeto mais abrangente. É por isso que o arquiteto Marcelo Hobeika, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB - seção Campinas) e presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU) lembrou que a revitalização só vai produzir resultados objetivos quando a Prefeitura adotar estratégia séria para a organização da área. Tal estratégia, conforme afirmou, depende basicamente da retirada dos ônibus do Centro. Não é por outro motivo, também, que o presidente da Associação Regional dos Escritórios de Arquitetura (Area), Alexandre Giovanetti, precisa apressar o diálogo da prefeita com os lojistas legalmente estabelecidos. Nesse aspecto, a Prefeitura tem incorrido em duas contradições: na prática, vem privilegiando o comércio informal, em detrimento do legal; além disso, perceba-se que, quando a prefeita fala em “ouvir”, isso não tem significado absorver, de fato, propostas pertinentes, de modo que contradiz o pressuposto da eventual conversação. Só seria diálogo se as verdades colocadas prevalecessem, após o encontro. Daí que as 36 entidades ligadas ao Conselho de Apoio à Cidade de Campinas (que serão convocadas por Giovanetti para fazer propostas à Prefeitura) precisam pôr tento nesse modo peculiar de a Prefeitura ouvir interessados. Outra contradição da Prefeitura: ao mesmo tempo em que ostensivamente se bandeia para o comércio informal, praticamente desconhecendo, ou desvalorizando, a posição e as propostas do comércio legal, diz que a revitalização só sairá se os empresários do Centro se comprometerem com o financiamento de obras e projetos. Essa contradição não poderia ser mais retumbante, em face dos obstáculos que a Prefeitura tem colocado às reivindicações e propostas do comércio estabelecido. Isso, além do fato de que o Poder Público deve contar com a iniciativa privada, mas não pode lavar as mãos, descartar investimentos, omitir-se, em problema básico, como é a qualidade urbanística do Centro. Obviamente, o Centro carece de intervenções importantes em espaços públicos, e a Prefeitura já frisou como sendo da iniciativa privada a futura origem dos recursos a investir. Não se sabe quando a revitalização se concretizará, portanto. Campinas, 30 de julho de 2002. Lojistas adotam ‘tática camelô’ no Centro Rogério Verzignasse, Do Correio Popular O comércio formal estabelecido nas ruas e avenidas da região central de Campinas está passando por um curioso processo de “camelização”. Incomodados com a concorrência dos trabalhadores informais, os lojistas estão espalhando suas próprias bancas pelas calçadas e calçadões. Ao mesmo tempo em que divulga as promoções do estabelecimento, o lojista legalmente estabelecido consegue “disputar” a clientela com os camelôs. As bancas da JG Calçados, repletas de sapatos e sandálias, avançam cerca de um metro para fora do estabelecimento e se espalham pela calçada da movimentada Avenida Moraes Salles, disputada por camelôs que vendem tapetes de crochê e frutas, a poucos metros do Terminal Central, no Viaduto Cury. De acordo com os funcionários, a medida serve “apenas para divulgar os produtos da loja”. A gerência não se manifestou sobre o assunto. Na primeira quadra da Rua Álvares Machado, a Rede Global também se utiliza do calçadão para fazer propaganda dos calçados. O funcionário Evandro Filadelfo, de 26 anos, passa os dias divulgando as promoções. O

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proprietário da Rede Global, Sérgio Sávio Modesto, 32 anos, há sete naquele ponto, afirma que a iniciativa foi necessária para despertar na clientela as vantagens oferecidas pela loja. “O cliente potencial fica sabendo, por exemplo, que a Rede Global possui planos interessantes de crediário, benefício que não é oferecido pelos camelôs”, diz. “Conseguimos, dessa forma, conquistar clientes sem prejudicar o trabalho dos informais”. Na prática, ele diz, a iniciativa deu bons resultados. Desde que a Global avançou as bancas para o calçadão, diz o comerciante, o faturamento cresceu 20%. Ele admite, ainda, que existe um “acordo informal” com os camelôs, para que as bancas de ambulantes, naquele ponto, não vendam os produtos oferecidos pela loja nas banquinhas avançadas. “Existe um respeito mútuo”, afirma. Aluguel Um outro fenômeno interessante, iniciado há alguns meses, também avança. Ao invés de protestar contra a presença dos “informais”, alguns comerciantes estão alugando espaços na frente das lojas para que os camelôs continuem trabalhando. Ou seja, o comerciante também está lucrando com o comércio informal. A gerência da Padaria Victory, na Álvares Machado, por exemplo, alugou a fachada para duas bancas informais. Uma vende frutas. A outra, eletrônicos. O camelô Ivo Domingos, 38 anos, espalhou os CDs e os aparelhos de som na frente da padaria. E paga R$ 20,00 por dia para permanecer ali, sem ser incomodado. Se não consegue vender bem, paga do mesmo jeito. Mas a gerência da padaria, que pede para não se identificada, afirma que aceita cobrar menos se cai a venda dos informais. Campinas, 19 de agosto de 2002. Projeção aponta Campinas com 1 milhão de habitantes MariaTeresaCosta, Do Correio Popular Campinas ganhará seu milionésimo habitante no próximo dia 24, conforme cálculos do instituto PróPesquisa, Pesquisa de Opin ião e Mercado. Com um milhão de habitantes, Campinas poderá aumentar o número de vereadores na Câmara Municipal, dos atuais 21 para 33. A cidade, no entanto, só poderá afirmar que tem um milhão de habitantes quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmar. Somente o IBGE define o tamanho das populações das cidades. A empresa chegou a essa data projetando um crescimento populacional de 1,59% ao ano para 2001 e 2002. O instituto de pesquisa parte do pressuposto que Campinas vem mantendo a taxa de crescimento anual verificada pelo IBGE entre 1996 e 2000. “Nada, por enquanto, indica mudanças importantes no comportamento demográfico da cidade”, diz o diretor da PróPesquisa, Roberto Zammataro. Em 1996, o IBGE encontrou, na contagem população, 908.906 pessoas residindo em Campinas. O Censo Demográfico de 2000 apurou uma população de 967.921 pessoas residindo na cidade em 1º de agosto daquele ano. Para 2001 e 2002, o IBGE projetou uma população de 982.977 e de 995.024 habitantes respectivamente, utilizando como taxa de crescimento 1,59%. Essas estimativas do IBGE foram feitas para o Tribunal de Contas da União (TCU), a instituição que define as cotas do Fundo de Participação do Município (FPM). O coeficiente de participação de Campinas no FPM hoje é de 1,8. Como esse coeficiente é definido pelo TCU, pode ser que seja mudado quando o IBGE atestar que a cidade atingiu um milhão de habitantes. Esse fundo é formado por 22,5% da arrecadação da receita líquida do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produto Industrializado, e é distribuído entre os Municípios aplicando-se os coeficientes individuais estabelecidos pelo TCU. Do total de recursos do FPM destinado aos municípios, 10% ficam nas capitais, 86,4% para os municípios do interior e 3,6% para os Municípios do interior que fazem parte da reserva, com mais de 142.633 habitantes (excluídas as capitais). Com o coeficiente atual, de 1,8, Campinas recebeu R$ 6,1 milhões no primeiro semestre do ano passado e R$ 7,4 milhões no mesmo período desse ano, apontando um crescimento de 21,35%. Conforme técnicos da Secretaria Municipal de Finanças, esse crescimento se deu por conta do aumento de arrecadação dos impostos e não por mudança de alíquota. O aumento populacional também implicará em aumento de repasses do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme os técnicos das Finanças. O sistema faz os repasses seguindo coeficientes populacionais. Zammataro explica que para chegar a data – na verdade a estimativa indica as proximidades do dia 24 – calculou a quantidade de pessoas que, teoricamente, passaram a viver em Campinas no último ano. Entre nascimentos,

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mortes, entradas e saída, a cidade vem ganhando 42 novos habitantes por dia. Com esse dado, os cálculos levam a projetar que o primeiro milhão de habitantes da cidade entra em Campinas no dia 24, ou próximo dele. “Isso já era esperado”, diz o economista da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic), Laerte Martins. Os dados de crescimento, lembra ele, indicavam que somente em 2002 ou 2003, se a migração se mantivesse pequena, a cidade alcançaria um milhão de habitantes. Esse número tem um valor impactante, observa o diretor da PróPesquisa. Mais que uma marca, observa, um milhão de habitantes é significativo na medida em que, além de mexer com repasses de recursos, implicará em maior número de vereadores na cidade, e conseqüentemente, mais gastos. “A cidade precisa de qualidade e nem tanto de quantidade no Legislativo”, diz. Campinas, 20 de agosto de 2002. CDL negocia parcerias para revitalização MARIA TERESA COSTA, do Correio Popular O presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Campinas (CDL), Edvaldo de Souza Pinto, disse ontem que a entidade já está sendo procurada por empresas e bancos dispostos a financiar a restauração do Palácio dos Azulejos. “Provavelmente, nem será preciso fazer uma campanha para arrecadar os recursos”, acredita o presidente da entidade, autorizada pelo Ministério da Cultura (Minc) a captar investimentos junto a empresas para financiar o restauro daquele edifício histórico. Portaria ministerial autorizando o CDL a arrecadar R$ 2,1 milhões deverá ser publicada amanhã. A entidade é proponente do projeto de restauro para receber os benefícios da Lei Rouanet (ou Lei do Mecenato). Essa lei (veja no quadro abaixo) permite que os projetos aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) recebam patrocínios e doações de empresas e pessoas, que poderão abater, ainda que parcialmente, os benefícios concedidos do Imposto de Renda devido. O presidente do CDL não quis adiantar quais empresas e bancos já manifestaram interesse em investir na recuperação do prédio. O prefeito Antonio da Costa Santos (PT), morto em setembro último, queria tornar o Palácio dos Azulejos, no Centro de Campinas, uma vitrine de preservação para incentivar investimentos privados na recuperação da cidade. A autorização permite que o CDL capte os recursos até o dia 31 de dezembro para custear a restauração do prédio histórico instalado na Rua Regente Feijó esquina com a Rua Ferreira Penteado. O prédio é remanescente do auge da exploração do café em Campinas. A edificação, conforme o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), é formada por duas residências. O prédio da esquina, datado de 1878, foi construído pelo Barão de Itatiba (Joaquim Ferreira Penteado); o outro, de idêntica solução de fachada, pertenceu ao fazendeiro Antônio Carlos Pacheco, e data da mesma época. O edifício precisa de restauro. Nos azulejos portugueses, no piso marchetado, nas portas e janelas, nas estátuas, na pintura. Para o Iphan, que tombou o prédio em 1967, as construções são significativas por pretenderem criar uma unidade de grande destaque. Além do revestimento das fachadas, incomum nesta região, apresentam platibanda encimada por estátuas, sacadas com gradis de ferro trabalhado, bem como outras características típicas da arquitetura urbana do final do Império. Esse edifício histórico, construído em 1878, foi o antigo Solar do Barão de Itatiba e passou a ser utilizado por órgãos públicos a partir de 1906 - Câmara e Prefeitura já estiveram instaladas no solar, junto com o antigo serviço de abastecimento de Campinas. A partir de 1968, a Câmara e Prefeitura se mudaram para o atual prédio na Avenida Anchieta, e a Sociedade de Saneamento e Abastecimento de Água S.A. (Sanasa) passou a ocupar sozinha as instalações até deixar o prédio, em 1995. Campinas, 22 de agosto de 2002. Prefeitura planeja operação para limpar o Centro MARIA TERESA COSTA, do Correio Popular

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Uma operação “pente-fino” será desencadeada no Centro de Campinas a partir de setembro para intervenções que tornem essa área limpa, acessível e visualmente despoluída. A operação é parte da constituição da Zeladoria do Centro, uma das 14 ações emergenciais anunciadas pela Prefeitura, dentro do programa de revitalização do Centro. O diretor do Departamento de Serviços Públicos (Desp) da Prefeitura de Campinas, Reinaldo Cicone, informou ontem que está sendo definida primeiramente uma área dentro do Centro que irá funcionar como um projeto piloto. Nessa área, serão realizados os levantamentos, definidas as ações e testadas metodologias de trabalho antes de expandir as ações para todo o Centro. “Faremos uma operação pente-fino para elencarmos o que precisa ser feito para melhorar a acessibilidade da área, como consertos ou remodelações do passeio, retirada de elementos que poluem visualmente, melhorar a sinalização, lavagem de praças e calçadas, pinturas”, disse. As ações que estão sendo definidas não irão se resumir apenas às áreas públicas, afirmou Cicone, responsável pela implantação da Zeladoria do Centro. “Queremos fazer intervenções também nos prédios, com limpeza e pintura de fachadas, remodelação da publicidade”, diz. Ele explica, no entanto, que em relação a imóveis particulares, a ação da Zeladoria será no convencimento dos comerciantes e prestadores de serviço. Essa Zeladoria terá uma espécie de central de informações com computadores e telefones, e uma equipe de trabalho disponível para a realização dos trabalhos emergenciais. Para isso, Cicone está tentando conseguir que recursos orçamentários sejam destinados no orçamento de 2003. A proposta (o valor não foi informado) está em debate no Orçamento Participativo (OP) como uma das prioridades para a definição de verbas. A idéia central é que a cidade perceba que o Centro está sendo cuidado com zelo, afirma o diretor. Será um programa de embelezamento, com melhorias na iluminação, limpeza, troca de equipamentos danificados, conserto de calçadas e remoção de obstáculos nessa região. O lixo depositado em plena rua, as calçadas e calçadões esburacados e entulhados de obstáculos, a pichação desenfreada, entre outros problemas, tornam o Centro de Campinas feio e desleixado, bem longe da visão abrangente do que deve ser um centro metropolitano. A Zeladoria do Centro poderá estancar a degradação de uma área de encantos múltiplos e esquecidos Até a próxima semana, informou, estará definida qual quadra do Centro irá servir de projeto piloto para o programa. Campinas, 12 de setembro de 2002. Ponto de camelô custa até R$ 100 mil Evandro Coev, Do Correio Popular Um ponto do comércio informal na Rua Álvares Machado, no Centro de Campinas, que abrange espaço de quatro barracas, custa R$ 100 mil. A constatação foi feita pela reportagem do Correio, que negociou a compra com uma permissionária da Serviços Técnicos Gerais (Setec), autarquia da Prefeitura, que regulamenta o trabalho de camelôs. Além da venda, outros pontos alugados chegam a custar entre R$ 350,00 e mais de R$ 2 mil mensais, segundo revelaram alguns camelôs. Pela Setec, a comercialização do ponto é legal. De acordo com a permissionária Sandra (nome fictício), ela “entrega na hora” sua banca por R$ 100 mil. A reportagem tentou negociar o preço, mas Sandra foi irredutível. “É R$ 100 mil na hora, uma em cima da outra. Daqui uns dias esse ponto vale R$ 200 mil. Aqui é o único lugar regulamentado. Lá pra cima (da Rua Álvares Machado, subindo em direção à Rua Costa Aguiar) ninguém tem documento e por uma banca metade da minha você vai pagar R$ 100 mil, R$ 120 mil”, disse. Ela observou que na área em que está situada sua banca, nas proximidades do Mercado Municipal, é legal a venda de ponto e que mais ao alto da rua não há garantia alguma. “Aqui, se você comprar, ninguém vai te tirar. Aqui é como se fosse patrimônio histórico. Aqui é legalizado, lá em cima é clandestino, você corre o risco de amanhã o prefeito tirar você da rua”, argumentou. A banca de Sandra soma quatro pontos de comércio. De acordo com a resolução da Setec número 9, de 1º de agosto de 1997, cada banca deve ter 1,20 metro quadrado. Como o espaço de Sandra eqüivale ao de quatro bancas, a preço de R$ 100 mil, cada metro quadrado do comércio informal no Centro de Campinas custa R$ 20,8 mil. O presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Campinas, Edvaldo de Souza Pinto, disse que uma loja do comércio formal, situada na Rua 13 de Maio, com 157 metros quadrados de área de venda, custa R$ 100 mil. Ele considera essa “disparidade” preocupante.

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Em relação ao ponto citado por Souza, o preço do metro quadrado no comércio informal, R$ 20,8 mil, é 32 vezes maior que o praticado no comércio formal, R$ 637,00. Aluguel Conforme apurou o repórter do Correio, que se fez passar por um migrante recém-chegado a Campinas e interessado em adquirir uma banca no local, alguns pontos podem ser alugados. Um vendedor de CDs revelou pagar R$ 2 mil mensais de aluguel. Outra vendedora disse que esse valor seria um absurdo e que R$ 350,00 é o preço cobrado por donos de pontos que usam as bancas para especulação. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Economia Informal de Campinas, Maria José Marsaiolli, que também é representante do comércio no Orçamento Participativo (OP) da Prefeitura, disse que em sua área de atuação a transferência de pontos não é permitida. Ela disse ainda que o aluguel não é uma prática legal. “O que é permitido é o preposto. Quando a pessoa fica doente ela apresenta outra para trabalhar no seu lugar enquanto vai se tratar”, disse. Ela informou que o Sindicato tem uma lista de espera de mais de 2 mil nomes que pretendem entrar para o mercado informal. Questionada sobre a venda e aluguel de pontos, Maria disse que na sua área de atuação isso não existe e que a transferência só é possível aos permissionários da Setec. Paulo Daniel, presidente da Setec, não foi localizado para comentar o assunto. A assessoria de Imprensa da autarquia informou que a comercialização das bancas que circundam o Terminal 1, na frente do Mercado Municipal, é legal. Para este ponto de camelô, não há lista de espera na Setec. De acordo com a resolução número 10, de 14 de dezembro de 1998, da época da gestão do prefeito Chico Amaral e assinada pelo então presidente Celso Lorena de Mello, a transferência do ponto comercial é legal após carência de 24 meses do início de atividades pelo interessado em vendê-lo. Na resolução número 9, da própria Setec, a venda, transferência, repasse ou doação do ponto era proibida e, em outro artigo, determinava que a Setec mantivesse um livro de espera de interessados em obter uma banca. Campinas, 20 de setembro de 2002. Izalene abafa crise na revitalização Maria Teresa Costa, do Correio Popular A prefeita Izalene Tiene (PT) teve que realizar uma operação de apaziguamento para evitar mais uma crise no primeiro escalão do governo e manter o secretário de Cultura, Valter Pomar, na coordenação do Programa de Revitalização do Centro. Pomar avisou ao secretariado, na semana passada, que deixava a coordenação por se sentir desautorizado pelo secretário de Planejamento, Araken Martinho, que estava encaminhando a celebração de um convênio com a PUC-Campinas para a elaboração de um plano urbanísticos para a área da Estação Ferroviária Central antes de a Comissão do Centro ter discutido amplamente o assunto. “Houve precipitação de todos, mas conseguimos resolver de uma forma bastante satisfatória”, disse ontem a prefeita. Pomar vai continuar na coordenação do Programa de Revitalização porque obteve da prefeita a garantia de que a Comissão do Centro será soberana nas decisões. “Cada secretaria tem autonomia de trabalho, mas na questão do Centro todas estão envolvidas. Eu reafirmei minha confiança nele (Pomar) e garanti o compromisso de que a Comissão do Centro tenha papel de decisão”, informou a prefeita. A Comissão do Centro, que se reúne mensalmente, é formada pelos titulares das secretarias de Cultura, Planejamento, Obras, Finanças, Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas S.A. (Emdec) e Serviços Técnicos Gerais (Setec), sob a coordenação do secretário de Cultura. Pomar não quis falar a respeito e Martinho não estava em Campinas ontem. Embora a prefeita tenha garantido que a situação, agora, está mais tranqüila porque os papéis foram melhor definidos, o fato é que, desde a nomeação de Pomar para coordenar o Programa de Revitalização do Centro, existe um forte mal-estar na relação entre a Secretaria de Planejamento e o secretário de Cultura. Os técnicos do Planejamento se sentiram desautorizados quando Pomar foi nomeado, porque vinham trabalhando em propostas de revitalização. Até agora, não digeriram essa nomeação. Esse conflito anterior levou Pomar a se sentir desautorizado quando viu, no Diário Oficial do Município do dia 5 de setembro, despacho da prefeita Izalene Tiene referente ao protocolo da Secretaria de Planejamento

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autorizando a celebração de convênio entre o Município e a PUC-Campinas para a elaboração de um plano urbanístico geral para a Estação Ferroviária Central. Por isso, entregou a coordenação da Comissão do Centro. “Reafirmei minha satisfação com o trabalho que ele vem desenvolvendo e agora ficou mais claro o papel da Comissão. Ela é que definirá os projetos e a forma como serão realizados e as secretarias relacionadas executarão as propostas da Comissão”, informou a prefeita ontem. Campinas, 24 de outubro de 2002. Lojista impõe condição para investir no Centro Maria Teresa Costa, Do Correio Popular Os comerciantes do Centro de Campinas irão investir na remodelação das ruas 13 de Maio e Costa Aguiar mediante duas condições: se tiverem incentivo fiscal como contrapartida municipal ao que for investido e clareza da Prefeitura sobre o que será feito com os camelôs. As intervenções naquelas duas ruas começam em janeiro, conforme anunciou o coordenador do Projeto Centro, o secretário de Cultura Valter Pomar. Ele observou que a Prefeitura não dispõe de recursos para grandes obras e, por isso, o que será feito nessas ruas estará condicionado aos recursos que vierem do setor privado. Se houver participação empresarial, informou, além da remodelação do piso, das fachadas, despoluição visual e novos equipamentos urbanos, será feito também o aterramento de toda a rede de energia, a cabo e de telefonia. Caso contrário, a repaginação das ruas 13 de Maio e Costa Aguiar serão mais modestas. “Todos querem participar do processo de revitalização, mas para que haja aporte de re-cursos nos projetos, o comércio precisa de algumas certezas”, disse o diretor do Sindicatos dos Lojistas do Comércio de Campinas e Região (Sindilojas), Fernando Piffer. “Não vamos investir enquanto os camelôs estiverem tomando conta do Centro”, completou. As entidades comerciais acham essencial uma política de descontos ou isenção de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) como contrapartida do poder público aos investimentos privados que vierem a se realizar no Centro. O presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), Edvaldo de Sousa Pinto, defende que é uma obrigação da entidade discutir com os lojistas e sensibilizá-los a participar da revitalização do Centro. “Isso abrirá novos mercados para empreendedores, que poderão investir em atividades que tragam vida à noite do Centro, como casas noturnas, boliches, enfim, uma série de atividades. Todos ganharão com isso”, afirmou. Ele disse que espera ter em mãos o orçamento do conjunto de obras que serão necessárias nas ruas 13 de Maio e Costa Aguiar para começar a conversar com os lojistas em busca de adesão. “Claro que todos esperam que a Prefeitura, pelo menos como contrapartida ao investimento que vier a ser feito, estabeleça uma clara política em relação aos camelôs”, comentou. Para o vice-presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), Guilherme Campos Júnior, a participação financeira dos comerciantes é possível, mas difícil. “Como ficará o gerenciamento do solo público no processo? Quem vai impedir que no dia seguinte à remodelação dessas ruas os camelôs invadam novamente com suas barracas e varais?”, pergunta o empresário, que também é vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic). Ele lembra que o calçadão da 13 de Maio é parte do Centro e que de nada adiantará embelezar apenas esse eixo se todo o entorno se mantiver abarrotado de barracas de camelôs. “Se não tivermos clareza sobre o que será feito com os camelôs, acho difícil que alguém invista nesse processo”, afirmou. Campinas, 11 de novembro de 2002. Revitalização empolga pouco o consumidor Maria Teresa Costa, do Correio Popular A revitalização do Centro de Campinas, uma das principais bandeiras da atual Administração Municipal, ainda não conseguiu empolgar a população, mais precisamente as pessoas que freqüentam a região central. Pesquisa realizada pelo DataCorp com consumidores do Centro constatou que quase a metade, 44,5%, está pouco

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empolgada com a idéia da revitalização. A revitalização anima, de fato, apenas 11% dos entrevistados que se disseram bastante empolgados e 24,5% que se consideram empolgados, totalizando 35,5%. A pesquisa, que ouviu 200 pessoas, foi realizada entre os dias 28 e 31 de outubro pelo DataCorp, instituto de pesquisa da Rede Anhangüera de Comunicação (RAC), publicadora dos jornais Correio Popular e Diário do Povo e mantenedora do portal Cosmo On Line e da Agência Anhangüera de Notícias (AAN). Foram ouvidas pessoas com idades acima de 15 anos e que costumam fazer suas compras no Centro, independente do ponto de venda (loja ou camelô) e local de residência. O DataCorp quis saber a avaliação do consumidor em relação às compras no Centro, avaliação de compras realizadas nos camelôs e shoppings de Campinas e a opinião da população sobre a revitalização da área central. O estudo tem uma margem de erro máxima de 6,8%, para mais ou para menos. A ausência de ânimo em relação à revitalização não significa, no entanto, que a população esteja rejeitando a idéia de que o Centro de Campinas precisa passar por uma grande reformulação para torná-lo mais limpo, bonito e prazeiroso a seus freqüentadores, inclusive à noite. A pesquisa, organizada por José Refugio Ramírez Funes, coordenador do DataCorp, constatou ainda que 52,5% dos consumidores são totalmente favoráveis à revitalização. Uma parcela importante, de 28%, também é favorável, mas com restrições. Consumidores contra a repaginação do Centro são apenas 9% e há ainda 10,5% de indiferentes. Desinformação Um dado que pode estar pesando na ausência de empolgação dos consumidores em relação ao futuro do Centro é a desinformação. Poucas pessoas se consideram informadas (10%) ou bem informadas (8%) sobre as propostas de revitalização que vêm sendo discutidas no âmbito da Administração Municipal desde abril, quando a prefeita Izalene Tiene (PT) elencou 14 ações emergenciais e uma de longo prazo para tentar reverter o processo de degradação do Centro. A maioria dos consumidores (64,5%) se considera pouco informada e há ainda 17,5% que estão ou desinformados ou indiferentes. Campinas, 12 de novembro de 2002. Comerciantes defendem revitalização do Mercadão Maria Teresa Costa, Do Correio Popular Os permissionários do Mercado Municipal de Campinas querem incluir o histórico “Mercadão” no programa de revitalização do Centro e começam elaborar propostas para serem entregues à coordenação do Projeto Centro. Uma das propostas dos comerciantes é cercar o prédio com grades, para garantir a segurança do comércio. “A instalação de grades, junto com um projeto paisagístico, ajudaria também a proteger o edifício histórico”, afirmou ontem o presidente da Associação dos Permissionários do Mercado Municipal, Marcus Cesar Husemann. A entidade já manteve contato com o coordenador do Projeto Centro, Valter Pomar, que também é secretário municipal de Cultura, e está relacionando, a pedido dele, as reivindicações. Os comerciantes consideram essencial aumentar a área de estacionamento e acreditam que ela poderia avançar em direção ao terminal de ônibus que fica ao lado do Mercadão. “Esse terminal tem pouco movimento e poderia muito bem ficar com dois corredores, em vez de três, como é hoje”, disse o vice-presidente da associação, Celso Tasso. Essa área, na opinião do comerciante, poderia ser utilizada também como espaço cultural para abrigar shows musicais que pudessem levar público ao Mercadão. Os comerciantes reivindicam também um posto da Guarda Municipal ao lado do túnel de acesso ao mercado. A revitalização do prédio deve incluir, conforme os comerciantes, a mudança do atual piso, já desgastado. E também a reformulação das barracas que ficam do lado de fora do prédio histórico. Os permissionários vão propor uma estrutura com arcos, como os existentes no prédio principal. “Queremos melhorar o Mercadão para atrair mais consumidores. E achamos que a Setec (Serviços Técnicos Gerais, que administra o local) deve fazer as melhorias necessárias porque a empresa arrecada muito dinheiro aqui dentro, com o aluguel das bancas e estacionamento”, considerou Husemann.

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Natal Enquanto as melhorias pretendidas não chegam, o Mercado Municipal começará a ser preparado para o Natal. Pinheiros e muitas luzes vão decorar a fachada do prédio. A partir do dia 3 de dezembro, haverá apresentação de teatro em frente ao Mercadão, além de uma banda que circulará dentro do espaço, aos sábados. No dia 20, está programada a apresentação de show de música country no estacionamento. Tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Turístico do Estado em 1983, este edifício passou por muitas transformações nos seus 94 anos de existência. O Mercado Municipal de Campinas, inaugurado em 12 de abril de 1908 pelo então prefeito Orosimbo Maia, surgiu numa época em a cidade tinha 35 mil habitantes e 5 mil edificações. O prédio de 7.308 metros quadrados, grande demais no início do século para as necessidades de abastecimento de hortigranjeiros da cidade, teve uma parte cedida à Estrada de Ferro Funilense, que instalou uma estação la teral ao prédio (a Estação Carlos Botelho). Era aí que chegavam as marias-fumaças trazendo sacas de açúcar (mascavo), fardos de arroz e feijão e frangos da região, principalmente de Cosmópolis, para abastecer Campinas. Essa estação foi transferida, em meados de 1925, para o bairro Bonfim. Embora sua cor original seja a mesma que hoje reveste o prédio, o mercado já teve a cor azul-claro (na década de 70). O antigo leito do trem e o lugar onde as carroças paravam se transformaram em estacionamento de carros controlados pela Setec. Campinas, 13 de novembro de 2002. Polícia estoura 3 ‘estúdios’ com CDs piratas da Agência Anhangüera Policiais civis da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) descobriram ontem em Campinas três “estúdios” de fabricação de CDs piratas. Cinco homens foram presos e autuados em flagrante por falsificação de direitos autorais, crime previsto no artigo 184 do Código Penal. As bases dos piratas estavam montadas em residências do Jardim Paulicéia e Vila União, na região Oeste da cidade, e em um apartamento localizado na principal avenida do Centro – a Francisco Glicério. Nos três locais, os policiais civis encontraram aparelhos para a gravação de CDs, como computadores e impressoras – utilizadas para a confecção dos encartes dos discos –, além de boxes (caixinhas) para acondicionar os piratas. Foram encontrados 4,5 mil CDs gravados e outros 3,5 mil virgens. A Polícia Civil também encontrou um mapa do Estado de São Paulo onde estão pregadas alfinetes com “cabeça” colorida demarcando as cidades onde os CDs seriam vendidos. Pelo menos dez cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) estão no mapa da quadrilha. Segundo a Polícia, nos três estúdios poderiam ser feitos 2,5 mil CDs por dia. “É uma nova tática de pirataria de CDs. Em vez de os falsificadores manterem um estúdio de grandes dimensões, eles montaram bases menores. Desta forma, se forem descobertos, os piratas perdem pouco em termos de máquinas e de CDs virgens”, explicou o delegado Hamilton Caviolla Filho, titular da DIG. Esta tática de montar pequenos locais de gravação é semelhante a que é usada pelos traficantes no chamado “tráfico formiga”, em que os vendedores de entorpecentes sempre agem com pequenas quantidades, como forma de evitar perdas significativas, caso haja repressão policial. Foram presos Rodrigo Fernandes, de 23 anos, o “Digo”; Roberto Alexandre Hermes, de 22, o “Beto”; José Roberto Venancio de Morais, de 21 anos; Rubens Perez, de 50; e, Emerson Max de Almeida, de 32. Eles foram levados para a cadeia do 2º Distrito Policial (São Bernardo). Os policiais acharam também as iniciais C. e C. que, segundo Caviolla Filho, representam Carlão e Carlinhos, que são os “patrões” do esquema de pirataria em Campinas. Segundo o delegado, um dos eixos de comercialização dos CDs piratas é Campinas-Hortolândia-Sumaré-Americana. O mapa encontrado pelos policiais servirá como base para novas investigações, segundo o Caviola Filho. A apreensão

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As ações desencadeadas pela DIG de Campinas começaram por volta das 8h de ontem, com equipes de policiais civis indo para os locais levantados pela investigação: Rua Conselheiro Martim Francisco (Jardim Paulicéia), Rua Paulo Viana de Souza (Vila União) e no Edifício Guilherme Gargantini, na Avenida Francisco Glicério, no Centro. Este apartamento foi apontado por equipe da Superintendência de Polícia Técnico-Científica (SPTC) como sendo o que dispunha de melhor aparelhagem. Eram três equipamentos informatizados de gravação com programas instalados e que possibilitavam a realização de 15 cópias de cada vez. O estúdio estava montado em um dos três quartos de um apartamento do sexto andar do edifício. Além dos equipamentos de gravação, havia cerca e 2,3 mil CDs gravados, além de uma impressora colorida, para a montagem dos encartes. Em maio deste ano, policiais civis do Departamento Estadual de Investigações Sobre o Crime Organizado (Deic), da Capital, realizaram apreensão de cerca de 38 mil CDs piratas em depósito do “camelódromo” de Campinas. Após esta ação, outras apreensões foram feitas pela DIG de Campinas, assim como o estouro de estúdios.