monografia gilson luiz gabriel - nov. 2004

68
GREVE NAS EMPRESAS DO GRUPO SANTA ROSA NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 1988 Gilson Luiz Gabriel FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE VALENÇA VALENÇA-RJ NOVEMBRO DE 2004

Upload: gilson-gabriel

Post on 14-Dec-2014

101 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

GREVE NAS EMPRESAS DO GRUPO SANTA ROSA

NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 1988

Gilson Luiz Gabriel

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE VALENÇA

VALENÇA-RJ – NOVEMBRO DE 2004

Page 2: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Greve nas empresas do Grupo Santa Rosa Novembro/dezembro de 1988

Monografia de Graduação apresentado pelo acadêmico Gilson Luiz Gabriel, à Professora-Doutora Édina Maria dos Santos, no 6º período de História, como exigência para Conclusão do Curso de Graduação.

Valença – RJ – Novembro de 2004

[GLG1] Comentário:

Page 3: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Sumário

Introdução 04

Capítulo I

01 - A Fábrica 06

01.1 - E surge a Cia. Santa Rosa 06

01.2 – O Grupo Santa Rosa e o Estado 08

01.3 – Atraso Tecnológico 10

01.4 – A “Família” Santa Rosa 12

Capítulo II

02 – Os Sindicatos 14

02.1 – Sob os marcos de Vargas 14

02.2 – O Sindicato dos Metalúrgicos 18

Capítulo III

03 – A Greve 21

03.1 – O antes – A fábrica vai mal (e não sabíamos!) 21

03.2 – A Nova Constituição Federal 22

03.3 – A paralisação 24

03.4 – A mobilização da cidade 26

03.5 – A DRT (Sub Delegacia Regional do Trabalho) e a participação do “Paixão” 27

03.6 – O pós-greve 28

Capítulo IV

Considerações Finais 31

Anexos 34

Entrevista Sr. Klaus Sohler 35

Entrevista Sr. Ori Rodrigues 48

Depoimento Ney Fernandes 54

Entrevista Sr. Valmir Braga 55

Transcrição da Ata de Instalação do Sindicato Têxtil de Valença 61

Transcrição da Ata da Assembléia de 20/11/1988 62

Transcrição da Ata da Assembléia de 30/11/1988 64

Fontes Primárias 66

Bibliografia 67

Page 4: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

INTRODUÇÃO

ntre os objetivos do presente trabalho um faz-se especial: o de registrar uma

série de fatos relativos à história dos trabalhadores valencianos, fatos estes

verificados no decorrer da greve realizada entre 30 de novembro e 09 de

dezembro de 1988 pelos funcionários das empresas do Grupo Santa Rosa. Tal

registro é tão importante pois, embora alguns Jornais da cidade tenham feito

alusões à citada greve, nenhum veículo deu a verdadeira importância ao fato. Sequer o

enxergaram como referência histórica, num momento em que um amplo setor da

sociedade valenciana, os trabalhadores têxteis e metalúrgicos, levantavam suas vozes

publicamente, num movimento reivindicatório de proporções não vistas até então. Além

disso, o movimento paredista em questão, por seu teor político e pelos resultados

alcançados, revela-se um divisor de águas para os Sindicatos da cidade, para o

empresariado local e para a população em geral visto que esta, a partir da greve,

participa, de certa forma, das discussões a cerca da vida dos operários valencianos.

O presente trabalho reveste-se também de importância pessoal para seu autor.

Este, à época da greve, era funcionário da Santa Rosa Máquinas, uma das empresas do

Grupo Santa Rosa e, como tal, participou ativamente de todo o processo que culminou

na paralisação em estudo. Aliás, sua vinculação com o movimento sindical é bastante

anterior à citada greve, tendo, inclusive, sido demitido de outra empresa por conta de tal

envolvimento. No processo da greve atua na área de comunicação, fazendo ainda

articulações com outros setores da cidade que hipotecam apoio ao movimento.

Portanto essa característica de “testemunha ocular da história” o permite relatar fatos ao

mesmo tempo em que apresenta-se como fonte viva de pesquisa sobre o tema.

Outro fato que garante a importância do tema, e que aqui mais que outros, é

objeto de especulação, verifica-se no pós greve. Algum tempo depois da referida greve,

as fábricas da Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa fecham suas portas. Para muitos

setores da sociedade valenciana há uma relação direta entre o movimento paredista e o

fechamento da empresa, o que é reforçado pela postura preconceituosa do empresário.

Para ele, que sempre viu-se como um “benfeitor” da cidade, foi inadmissível aquele

movimento1. Mesmo que este, na prática, tenha sido bom (até certo ponto) para a

1 Cf. entrevista com Sr. Klaus Sohler, em anexo.

E

Page 5: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

empresa. A relação entre a greve e o fechamento da empresa faz parte, até hoje, do

imaginário popular valenciano e o foco da presente pesquisa aqui pretende se fixar,

sendo a hipótese de uma administração falha e incompetente sob o ponto de vista do

mercado, a principal trilha a ser buscada para explicar o encerramento das atividades

fabris.

As entrevistas realizadas com várias personalidades que vivenciaram aqueles

momentos somadas à literatura de apoio, dão conta da resposta, o que amplia a

importância do trabalho. Pois mais que simples registro, este torna-se resgate histórico,

oferecendo, inclusive, elementos para que a cidade reformule sua visão sobre a

contribuição do movimento Sindical a sua história.

Page 6: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

CAPÍTULO I

01 – A Fábrica

fábrica, os trabalhadores e a organização sindical são os principais atores na

greve de operários fabris. A fábrica forma o cenário, o local onde muitas das

ações se desenvolvem, onde os trabalhadores passam boa parte de suas

vidas e onde também a deixam sob a forma de mercadorias. Ë importante

então estudar, minimamente, como essa fábrica específica surge na geografia

valenciana, já que não se configura um ente sobrenatural, não surge como

mágica. Discutiremos um pouco sua trajetória e as relações estabelecidas

nesse período de tempo e os vínculos dessas relações com a sociedade citadina. É,

portanto, a matéria do nosso primeiro capítulo e, como cenário do objeto de estudo,

permeará por inteiro as páginas do presente.

01.1 – E surge a Cia. Santa Rosa

A Companhia de Fiação e Tecidos Santa Rosa nasceu num momento em que a

cidade de Valença reorientava seu rumo econômico. Com a derrocada da atividade

cafeeira na região abriu-se espaço para a implantação de empreendimentos industriais e

comerciais que permitissem a reprodução do capital, sendo que os valores necessários à

instalação desses novos projetos migravam da zona rural para a urbana, da agricultura

do café para a incipiente indústria têxtil valenciana.. E embora não sejam claros os

motivos que levaram os industriais de então a optarem pela fabricação de tecidos, fios e

bordados, é claro que a existência de uma rede ferroviária ligando o interior à capital do

Estado, as relações comerciais estabelecidas por fazendeiros da região com centros

maiores e as relações de alguns “coronéis” com o poder político local, contribuíram para

essa “industrialização”.

A criação da Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa deu-se em 1915. Já a

Companhia Progresso de Valença, em 1926. Estas duas empresas formaram, décadas

depois, o núcleo do que se convencionou chamar “Grupo Santa Rosa”. Esse grupo

especializou-se na produção do brim chamado jeans, principalmente o conhecido com

A

Page 7: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

índigo blue, com o qual o Grupo abocanhou boa fatia do mercado nacional durante

muito tempo (principalmente durante a década de 1970 e início da de 1980), chegando a

patrocinar eventos de grande envergadura, projetando a marca Santa Rosa pelos quatro

cantos do país.

Nessas décadas de trajetória ascendente nem sempre as relações do Grupo foram

muito claras. É certo que o capital acumulado pelas famílias Guimarães e Pentagna,

principais acionistas dos projetos fabris que se instalam em Valença a partir do início do

século XIX, contribuíram para o crescimento e a projeção das já citadas empresas.

Tanto que, diferentemente de outras empresas que se instalam na região, conseguem,

inclusive, produzir a energia elétrica consumida em suas empresas numa usina própria e

ainda vender excedentes dessa energia. A unificação da Cia. de Fiação e Tecidos Santa

Rosa com a Cia. Progresso de Valença gerou o Grupo Santa Rosa. Este transforma-se,

sem dúvida, na formação industrial que mais cresce em Valença, sendo esse

crescimento muito visível durante os anos setenta quando o Grupo amplia suas

instalações, criando, em antigos prédios da Rede Ferroviária Federal S. A. a conhecida

Fábrica Três – terceira unidade fabril do Grupo, em funcionamento na cidade (sem

contar sua ampliação para outros setores produtivos, como por exemplo, a Keramik,

fábrica de produtos refratários usados em fornos, etc).

É também nas instalações da Fábrica Três que, já nos anos oitenta, é criada a

Santa Rosa Máquinas. Esta empresa nasce e se desenvolve a partir dos experimentos de

substituição tecnológica nas tecelagens. Nesse processo de modernização as antigas

“lançadeiras” eram trocadas por formas mais ágeis de produção de tecido. A estrutura

dos teares era mantida sendo a substituição feita nos mecanismos de introdução da

“trama”. Essa transformação dos teares revelou-se positiva, gerando as condições para a

constituição da Santa Rosa Máquinas. Seus kits para adaptação de teares foram

vendidos para várias outras empresas dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo,

Minas Gerais,... Seu fracasso veio juntamente com o da Cia. de Fiação e Tecidos.

Mas a existência prévia de condições materiais para a instalação e funcionamento

das empresas não é suficiente para entender todo o êxito alcançado até a década de

oitenta, época em que se inicia o fracasso econômico do Grupo.

Page 8: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

01.2 – O Grupo Santa Rosa e o Estado

Uma coisa que nunca foi bem esclarecida para Valença localiza-se na relação do

Grupo Santa Rosa com o Estado, em suas várias esferas. Nossa história registra que, já

no final do século XIX, por conta da necessidade em se buscar um outro caminho para a

economia local, a Câmara Municipal de Vereadores concede aos futuros industriais da

cidade um terreno de localização privilegiada2. Nesse terreno foi construída a sede da

Cia. Industrial de Valença, sendo hoje propriedade da Cia. Têxtil Ferreira Guimarães.

Essa informação dá conta do interesse dos políticos locais na construção dessa

alternativa econômica, ainda mais sendo, vários desses políticos, acionistas das

empresas em processo de criação. E essa relação da municipalidade com os interesses

privados não param por aí: mais tarde a Prefeitura Municipal de Valença contribuiu

também para a instalação de outras empresas da área têxtil, promovendo a doação de

terrenos (como no caso da extinta Chueke), ou concedendo permissões reais de uso para

galpões e boxes onde se verificam instaladas outras empresas industriais e

comerciais, sendo que tais práticas são vistas até os dias atuais.

Mas a relação do Grupo Santa Rosa com o Estado vai além. E o caráter nebuloso

dessa relação é o que permite um sem número de especulações. Essas especulações

variam desde como se deu a verdadeira forma de aquisição de prédios e terrenos da

privatizada Rede Ferroviária Federal S.A., passando pela compra ou doação de

equipamentos usados na construção de balsas para transporte de gado até a aquisição de

extensões enormes de terras na cidade de Altamira, no estado do Pará, região apelidada

por seus conhecedores de “Juvilândia”, alusão ao tamanho da área geográfica abrangida

e aos recursos lá aportados. Essas especulações aparecem sob a forma de histórias que

correm “boca-a-boca”, sem, portanto, até o momento, comprovação. Mas como diz o

ditado, onde há fumaça...

Para entender um pouco mais essa relação Grupo Santa Rosa/Estado recorremos

a dois sustentáculos científicos. Do primeiro, Novo Vocabulário Político dos

Gramscianos Pedro Cláudio Cunca Bocayuva e Sandra Mayrink Veiga, usaremos, em

concordância, a conceituação de Estado. Essa conceituação auxilia na compreensão de

que o Estado capitalista, necessariamente, precisa ter tais atitudes, ou seja privilegiar

determinada classe social em alguns momentos:

2 Cf. Arquivos da Câmara Municipal de Vereadores de Valença

Page 9: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

O estado é um conjunto de instituições decorrente do desenvolvimento de

desigualdades sociais quanto ao exercício do poder de

decisão e mando. É classicamente

identificado com a idéia de soberano. A idéia de Estado

advém do desenvolvimento das formas de governo como

resultante das diversas maneiras de dividir o poder entre

governantes e governados. O Estado é um conjunto de

instituições especializadas em expressar um dado

equilíbrio e uma condensação de forças favorável a um

grupo e/ou uma classe social. Ele assegura a unidade de

qualquer sociedade dividida em interesses, particularmente

de classe, mas também estamentais, pois garante o

monopólio (centralizada ou descentralizadamente) do uso

da força nas mãos do grupo, da classe ou do estamento

dominante3.

Do segundo, usaremos a valiosa informação pesquisada e divulgada por René

Armand Dreifuss, em seu 1964: A Conquista do Estado – Ação política, poder e Golpe

de Classe, que relaciona diretamente os proprietários da Cia. Progresso de Valença e da

Cia. de Fiação e Tecidos Santa Rosa à elite econômica nacional que se articulava

através do IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, objetivando “...agir contra o

governo nacional-reformista de João Goulart e contra o alinhamento de forças sociais

que apoiavam sua administração”. No Apêndice H da citada obra, o que se verifica em

sua página 633, a Cia Progresso de Valença é a primeira de uma lista de empresas que

contribuíam financeiramente para a criação e manutenção do IPES, através do Centro

Industrial do Rio de Janeiro, tentando assim manter-se anônima.4

Destarte são possíveis pelo menos duas conclusões: a primeira diz respeito ao

caráter de classe assumido pelos proprietários do Grupo Santa Rosa. E aqui novamente

concordamos com BOCAYUVA e VEIGA, in op. Cit. no que diz respeito à

conceituação de Classes Sociais:

3 BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca e VEIGA, Sandra Mayrink. Novo Dicionário Político, vol. 1. Rio

de Janeiro, FASE/VOZES, 1992 4 DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado – Ação Política, Poder e

Golpe de Classe, Petrópolis – RJ, Vozes, 1981

Page 10: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

As classes sociais são o resultado da

subdivisão dos diferentes grupos e segmentos da

população a partir de sua posição econômica em face da

propriedade e da posse dos meios sociais de produção (...)

As classes sociais são agrupamentos que se formam a

partir das desigualdades sociais na sociedade.5

Ao entrarem decididamente numa organização com tão claros objetivos como o

IPES, aliam-se os empresários do Grupo Santa Rosa a um projeto elaborado tendo em

vista a manutenção do poder por uma determinada classe. Defendendo, inclusive, o

golpe militar ocorrido em 1964, conforme Dreifuss ( 1964: A Conquista do Estado –

Ação política, Poder e Golpe de Classe, p. 162). A manutenção desse poder tem como

conseqüência, ou acima de tudo, a ampliação do poder econômico e o aprofundamento

das desigualdades sociais. Com relação ao golpe de 1964, seria mais exato falar em

evitar a diminuição dessas desigualdades, se observamos as plataformas políticas de

João Goulart.

Já a segunda conclusão, diz respeito diretamente à aquisição de benesses desse

Estado mantenedor do status quo dominante. Fazer parte do grupo (ou apoiá-lo) que

domina diretamente a política nacional, no caso, os governos militares, significa ter

acesso a capitais, a informações, a serviços, enfim, a benefícios aos quais quem “está

de fora” não têm. Desta maneira, aquilo que antes era apenas especulação pode começar

a ganhar tons de verdade. Por exemplo, podemos tentar responder, com esta

aproximação empresa/estado, a questões que dizem respeito à aquisição de certos

imóveis, seja em Valença ou no Pará, ou a questões que envolvem a aquisição de

tanques de locomotivas para a fabricação de balsas.6 Enfim, essa aproximação

empresa/estado pode, inclusive, oferecer os caminhos a quem queira trilhá-los (e este

não é nosso objetivo), para desvendar todo o avanço do Grupo Santa Rosa,

principalmente nas décadas de sessenta e setenta do século XX.

01.3– Atraso tecnológico

5 BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca e VEIGA, Sandra Mayrink, op. Cit.

6 Cf. entrevista do Sr. Ori Rodrigues em anexo

Page 11: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Essa aproximação com o Estado resolveu, de alguma forma, problemas de

expansão geográfica. A Cia. de Fiação e Tecidos Santa Rosa pôde abrir outras unidades

fabris não só em Valença como em outros estados por conta desse tipo de benefício, ao

que tudo indica. Mas a resolução desses problemas não satisfez outros. Por exemplo, a

necessidade de renovação tecnológica do setor têxtil.

Neste e em muitos outros setores da economia brasileira, por conta da

impossibilidade de importação de produtos, distanciamo-nos das indústrias de outros

países como os da Europa Ocidental (Alemanha Itália, ...) e da Ásia (Coréia do Sul,

Taiwan, Indonésia, ...). Esse atraso todo fazia dos produtos Santa Rosa mercadorias

caras, tanto para o mercado nacional quanto para o internacional. Isso, inclusive, é o que

dificulta à empresa continuar disputando mercado no final da década de oitenta, quando

da ocorrência da greve objeto deste trabalho. Enquanto as grandes empresas do setor

(Santista, São Paulo Alpargatas,...) não atuam de forma tão agressiva, empresas como a

Santa Rosa mantém o seu quinhão. Aumenta a agressividade, elas perdem a condição da

disputa7.

É a tentativa de reverter esse atraso tecnológico o que leva à criação da Santa

Rosa Máquinas, no fim dos anos oitenta. As oficinas mecânicas da Cia. de Fiação e

Tecidos Santa Rosa, localizadas no interior da “Fábrica Três” desenvolvem mecanismos

de “modernização” dos teares antigos, dando a estes uma sobrevida interessante. E além

dessa sobrevida, os teares tinham seu número de peças reduzido, o que, por

conseqüência, reduzia os gastos com peças de reposição e com manutenção mecânica.

Além disso, os teares adaptados produziam mais quantidade em menos tempo,

resultando em ganhos de produtividade. Outro fator advindo dessa adaptação foi a

redução do número de trabalhadores nas fábricas, pois algumas seções da empresa

(como a “espuladeira”, que enchia as “canelas”), simplesmente desapareciam. Como

resultado de menores índices de manutenção, reduzia-se também o número de

mecânicos e por conta do melhor trabalho dos teares, reduzia-se o número de tecelões.

Ou seja, a resolução do problema tecnológico aumentava o problema social do

desemprego. Como dito anteriormente, a Santa Rosa Máquinas transforma-se, no fim da

década de oitenta, em uma empresa que “anda pelas próprias pernas”, visto que os kits

de adaptação de teares são vistos com bons olhos pela indústria têxtil nacional (a média

de idade dos teares nacionais, segundo alguns estudos, era, à época, de dezoito anos.

Alta, portanto, para o mercado mundial).

Page 12: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Mas os problemas continuam, até mesmo ampliando-se, dependendo do

ponto de vista. Com relação a capacidade de produção os problemas são amenizados. Já

na relação patrão/empregado eles crescem, pois, para a Santa Rosa, trata-se de um setor

novo, com novas demandas (inclusive salariais), com um novo mercado para o qual ela

não está tão preparada.

Na relação patrão/empregado por exemplo, a empresa é colocada em contato

com o Sindicato dos Metalúrgicos de Barra do Piraí, Valença e região, vinculado à CUT

– Central Única dos Trabalhadores. Este Sindicato apresenta práticas diferentes das do

Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença. A filiação

à CUT o faz compartilhar de uma outra visão de mundo, onde Sindicatos são

instrumentos para a mudança do modo de produção vigente8. É este Sindicato,

inclusive, que promove e dirige a greve estudada. Nesse campo, a relação dos

trabalhadores metalúrgicos da Santa Rosa Máquinas com o seu Sindicato permite aos

trabalhadores têxteis enxergar outra forma de organização sindical diferente daquela que

predomina no Sindicato dos Têxteis de Valença. A existência da Santa Rosa Máquinas

também resolve outros problemas operacionais para o seu proprietário. Instrumentos a

serem utilizados em suas fazendas são ali construídos, como balsas, rodas d`água,

voadeiras, carros, etc.9

Com relação à presença da Santa Rosa Máquinas num mercado diferente para o

Grupo Santa Rosa, os problemas variam. Vão desde a colocação do produto nesse novo

mercado, visto que concorrem com similares nacionais e importados, passando pela

dificuldade em ter uma equipe eficiente de montagem dos equipamentos vendidos, até

dificuldades em relação à venda e correção de valores, visto ser a década de oitenta,

principalmente o seu final, um período de inflação muito alta e inúmeros mecanismos

de correção monetária. Mesmo com todos esses problemas, a Santa Rosa Máquinas

cumpre a função para a qual foi criada: “modernizar” o maquinário da Cia. de Fiação e

Tecelagem Santa Rosa, garantindo-lhe a necessária sobrevida.

01.4– A “Família” Santa Rosa

Durante muito tempo percebeu-se, entre os proprietários do Grupo Santa Rosa e seus

empregados, uma relação atípica. Tal relação, traspassando os limites das classes sociais

7 Cf. entrevista com o Sr. Klaus Sohler, em anexo

8 Cf. entrevista com o Sr. Klaus Sohler, em anexo

Page 13: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

em voga, estabelecia uma outra forma de convívio, onde as diferenças, durante

anos, mantiveram-se em segundo plano. Nalguns momentos sequer eram observadas,

pelo menos pelos trabalhadores do Grupo. Essa nova relação explicitava-se sob as mais

diversas formas, sendo a inter relação familiar a principal.

O tamanho do município aliado à incapacidade do mesmo em gerar mais postos

de trabalho transformava o empresário e seus familiares e figuras públicas e notórias.

Por manterem as fábricas em funcionamento, eram vistos pelo senso comum como

beneméritos da cidade. Para o povo trabalhador valenciano, durante muito tempo,

permaneceu a imagem de que, na relação patrão/empregado desenvolvida pelo Grupo

Santa Rosa, não existiam muitas diferenças. Todos eram iguais, fazendo parte de uma

mesma “família”, que se concretizava nos apadrinhamentos de batizados e casamentos,

nos quais empresário e familiares eram convidados a serem padrinhos e os afilhados

eram filhos e netos de seus funcionários, quando não os próprios.

A aceitação desse tipo de relação pode ser vista de vários ângulos. Aqui nos

interessam dois: o ponto de vista do empresário e o do empregado. Para o primeiro, tal

relação significava neutralizar possíveis movimentos reivindicatórios e o

estabelecimento de uma subordinação econômica e familiar. Os funcionários não se

rebelariam contra alguém da própria “família” ainda mais se esse alguém fosse quem

lhes provesse as necessidades. Do lado dos empregados essa relação era vista como uma

espécie de nivelamento. Ao aceitar o convite para apadrinhar alguém do círculo de seus

funcionários, o empresário se igualaria a eles (ou se igualariam a ele). Por esse vínculo

“familiar” seriam facilitadas também as relações de trabalho. Não é à toa que, segundo

Klaus Sohler10

, os funcionários mais antigos “guardavam um sentimento de terem

participado de uma coisa boa”. Assim, nessa relação patrão/empregado adulterada, ao

empresário ficava sempre uma boa percepção. As práticas negativas do tipo demissões,

retaliações diversas, negativas para aumentos salariais, etc, eram imputadas àqueles que

ocupavam cargos de chefia. É claro que esse “compadrio” deixava seus reflexos na

organização dos trabalhadores, fortalecendo, inclusive, práticas individualistas, já que

muitos empregados prevaleciam-se dessa proximidade ao empresário para obter

algumas benesses.

9 Cf. entrevista com Sr. Ori Rodrigues, em anexo

10 Entrevista em anexo

Page 14: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

CAPÍTULO II

02 – Os Sindicatos

Sem caracterizar nenhuma escala de importância ou estabelecer algum tipo de

hierarquia, trataremos a seguir dos Sindicatos. Não genericamente. Mas dos Sindicatos

envolvidos diretamente na greve estudada, já que duas categorias profissionais –

Metalúrgicos e Têxteis – envolveram-se na contenda. O Sindicato dos Trabalhadores na

Indústria Metalúrgica, Mecânica, de Material Elétrico e de Informática de Barra do

Piraí, Valença, Vassouras, Mendes, Paulo de Frontin e Piraí, liderando os metalúrgicos

da Santa Rosa Máquinas, foco inicial da greve e o Sindicato dos Trabalhadores na

Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença, não liderando os Têxteis mas

desempenhando o papel cobrado pela institucionalidade, como representante legal

daqueles trabalhadores. A função das duas Entidades Sindicais no conflito se

esclarecerá no capítulo reservado diretamente à greve, já que é naquele momento que

afloram as grandes diferenças entre as duas.

Iniciar falando sobre o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e

Tecelagem (Sindicato dos Têxteis) é apenas uma questão temporal. Este foi fundado em

1932, tendo, portanto, uma história mais longa a ser descrita e anterior ao Sindicato dos

Metalúrgicos. Este só foi fundado em 1984 (desconsiderando seu curto período como

Associação) mas fruto de discussões mais aprofundadas, que ultrapassavam a questão

reivindicatória. É o que veremos abaixo.

02.1 – Sob os marcos de Vargas

O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença é

o que se pode chamar “atrelado por excelência”. Embora houvesse uma organização de

caráter classista operando em Valença desde a década de 1920, a União Operária, sendo

essa organização a responsável por muitas lutas durante o século passado, pelo menos

até a década de sessenta, o Sindicato em questão somente se organizou em 1932, após a

instituição do decreto nº 19.770, de 19 de março de 1931. Tal Decreto segundo Vianna,

Luiz Werneck, in Liberalismo e Sindicalismo no Brasil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e

Page 15: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Terra, 1978, torna-se o diploma regulador do sindicalismo no Brasil não

escondendo sua ação desmobilizadora das antigas lideranças sindicais e, mais ainda:

A via modernizante explicita sua forma corporativa no Decreto nº 19.770, de 19 de

março de 1931: os Sindicatos deveriam servir de pára-choques entre as tendências

conflitivas nas relações do capital com o trabalho. Nesse decreto, é feita a opção pelo

sindicato único, definido-se como sindicato como órgão de colaboração com o poder

público. Quanto a fins econômicos, visava-se disciplinar o trabalho como fator de

produção; quanto a fins políticos, vedar a emergência de conflitos classistas,

canalizando as reivindicações dos grupos sociais envolvidos para dentro do aparato

estatal11

.

Portanto, é com essas características que nasce o Sindicato dos Têxteis de

Valença. Sua afinidade com a União Operária não é suficiente para impregná-lo de

propostas combativas, que dirá revolucionárias. Aliás, essa questão já mostra uma

União Operária, nesse período, não tão combativa e lutadora, parecendo integrar-se à

realidade institucional conforme o desejo do Governo de Getúlio Vargas.

Comprovando a relação entre sindicato e governo, a própria Ata de Instalação do

Sindicato o faz, quando insere são inseridas em seu texto as seguintes palavras:

(...) O Snr. Manoel do Nascimento comunica aos presentes o fim da reunião e

mostrando as vantagens que decorreram para a classe com sua organisação (sic) em

Sindicato, de accordo com o Decreto número 19770, de 19 de março de 1931, propõe

seja considerado installado (sic) o Sindicato Têxtil de Valença, sendo sua proposta

unanimemente aprovada (...)12

.

Nascendo dessa maneira, integra o Sindicato Têxtil de Valença o grupo

apelidado pelas correntes à esquerda no movimento sindical brasileiro de “amarelos” ou

“pelegos”, onde a cor amarela identifica aqueles que têm medo de lutar pelos direitos

dos trabalhadores, aceitando as regras impostas pelo governo central e o adjetivo

11

VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicalismo no Brasil, 2ª ed., Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1978 12

Ata de Instalação do Sindicato Têxtil de Valença, transcrição em anexo

Page 16: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

pelego, criado a partir do objeto confeccionado em pele de carneiro pelos gaúchos e

usado sob os arreios, de modo a não ferir o dorso dos cavalos. Por analogia, os

sindicatos pelegos “amorteciam” o choque entre patrões e empregados. É a idéia de

pára-choques já exposta.

Mas pouco tempo após seu nascimento, o Sindicato Têxtil de Valença é

obrigado a dirigir uma greve dos trabalhadores nas fábricas de tecidos. No dia 08 de

julho de 1932, na tentativa de garantir a implantação dos turnos de oito horas de

trabalho, disposto no Decreto nº 21.364, de 04 de maio de 1932, os trabalhadores têxteis

de Valença paralisaram suas atividades fabris. Ressalte-se que esta paralisação ocorreu à

revelia da Direção do Sindicato, que apostava mais na ação do Ministério do Trabalho

para resolução do problema do que na ação direta dos operários. Tal greve durou até o

dia 12 de julho de 1932, com a assinatura de um acordo entre sindicalistas e

empresários, pelo qual estes assumiam a responsabilidade de, no caso de uma

determinação ministerial, pagar as diferenças salariais correspondentes à alteração da

jornada13

.

É interessante notar, a partir da análise das atas das Assembléias realizadas no

citado período, o esforço dos Diretores do Sindicato em “acalmar” os trabalhadores; em

fazê-los “respeitar” a ordem, mesmo sendo uma ordem “ditatorial” e sobre a qual não se

podia prever o futuro. Demonstravam os Srs. Diretores do Sindicato Têxtil de Valença,

com tal prática, uma submissão completa à ordem legal, inclusive à legislação

produzida por esta ordem, independentemente de como ou quem estivesse à frente dessa

ordem institucional. Aliás, com a assunção da CUT à Direção do Sindicato dos Têxteis

de Valença, verificou-se o quanto a política de “uma vela para dois senhores” era

aplicada: nas paredes do Sindicato figuravam ao mesmo tempo esfinges de Getúlio

Vargas e João Goulart de um lado e quadros com os governantes militares de outro.

A trajetória do Sindicato Têxtil de Valença mantém-se inalterada até o final da

década de 1980. Durante todo esse período, suas direções aprofundaram uma relação de

submissão aos interesses patronais, conforme relatam alguns de seus ex-diretores e se

confirmam nas palavras de Ori Rodrigues14

.

Entre as preocupações fundamentais das direções do Sindicato Têxtil de

Valença, figuram a construção de uma sede social, (com características de um “clube

social”, o que pode ser contemplado ainda hoje), a implantação de consultórios médicos

13

Cf. atas constantes de livro próprio arquivadas no STIFT de Valença

Page 17: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

e odontológicos e a realização de festividades cívicas. Também verifica-se,

principalmente a partir da década de 1950, uma adaptação às propostas da Aliança para

o Progresso e relações, pelo menos documentais, com o AFL – CIO, principal sindicato

estadunidense15

. A luta política ou mesmo a organização dos trabalhadores inexistem

até 1989, assumindo as Direções que passam pelo Sindicato um papel meramente

administrativo. Mais que isso, desmobilizam as tentativas de organização autônoma da

Categoria e impedem que forças de oposição cresçam entre os operários. Para tanto

usam artifícios vários como, por exemplo, divulgar editais de eleições às escondidas, em

jornais de pouca circulação na cidade. Existem histórias que circulam pela cidade que

dão conta de funcionários delatados por Diretores do Sindicato pelo fato de

questionarem sobre as datas de eleições, por terem solicitado cópias dos Estatutos, etc.

Com essas orientações manteve-se o Sindicato dos Têxteis de Valença até o final

da década de 1980, sendo a sua postura durante a greve objeto deste trabalho, uma das

principais provas de seu peleguismo. Também durante a greve geral ocorrida em 14 e

15 de março de 1989, a demonstração foi idêntica. Ao contrário das forças de esquerda

presentes na cidade que conclamavam os trabalhadores à luta contra o Plano Verão, o

Presidente do Sindicato nada fazia, limitando-se a pedir aos trabalhadores em greve que

não permanecessem nas cercanias das fábricas, supondo assim que as lideranças daquele

movimento nacional dispunham-se a criar conflitos com as forças policiais da cidade.

Também com relação à comunicação com os trabalhadores as Direções do

Sindicato não tinham nenhum apreço. Raros eram os boletins ou panfletos produzidos

por aquelas direções e, quando feitos, eram meramente burocráticos ou em defesa

pessoal de algum diretor atingido por crítica.

As campanhas salariais também revelavam-se um festival de afagos entre

sindicalistas e patrões. As Assembléias, embora às vezes contando com presença

significativa de trabalhadores, não passavam de engodos, onde os operários eram

levados a aceitar as proposições da Diretoria. Essa atitude levava ao esvaziamento das

Assembléias e ao descrédito com relação à Entidade. Note-se que neste período não

chegava a ocorrer esvaziamento financeiro nos cofres do Sindicato pois todos os

trabalhadores eram sindicalizados no ato da contratação. Isso, talvez mais que qualquer

outra prova, amarre as direções do sindicato anteriores a 1989 aos industriais da cidade.

Essa prática somente foi quebrada com a entrada da CUT no Sindicato com a eleição

14

Cf. entrevista em anexo 15

Cf. arquivos do STIFT de Valença

Page 18: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

ocorrida em 1989, vencendo a chapa encabeçada por Lucília Ferreira da Silva, a

Baiana, liderança emergente a partir da greve de 1988.

02.2– O Sindicato dos Metalúrgicos

Diferente caminho fez o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica,

Mecânica, de Material Elétrico e de Informática de Barra do Piraí, Valença, Vassouras,

Mendes, Paulo de Frontin e Piraí, denominado daqui prá frente apenas como Sindicato

dos Metalúrgicos. Este inicialmente fazia parte da base territorial do Sindicato dos

Metalúrgicos de Volta Redonda, sendo desmembrado em 07/05/1982. Desse

desmembramento surgiu uma Associação Profissional, criada oficialmente em

20/07/1982.

Esse desmembramento e posterior criação de Associação Profissional atendia a

um interesse político. As eleições que se realizariam em 1983 no Sindicato dos

Metalúrgicos de Volta Redonda poderiam apresentar resultado diferente daquele

buscado por seu Presidente, Waldemar Lustoza ( o que de fato ocorreu , sendo eleito

como Presidente o Sr. Juarez Antunes ), sendo a divisão da base territorial uma forma

de manter um “espaço de poder” institucional. Assim foi feito: a base do Sindicato dos

Metalúrgicos foi dividida e criada uma nova Associação. Essa Associação transformou-

se em Sindicato no ano de 1984, sendo a primeira eleição ocorrida em 1985, onde

elegeu-se Presidente o Sr. Francisco Garcia Sobrinho, funcionário da Thyssen

Fundições16

. A Direção eleita, embora não alinhada com nenhuma Central Sindical,

apoiava-se politicamente na Federação dos Metalúrgicos do Estado do Rio de Janeiro, à

época presidida pelo Sr. Francisco Dal Prá.

A Direção eleita do Sindicato dos Metalúrgicos tentou estabelecer uma prática

de negociações com as empresas da base visando melhorias salariais e de condições de

trabalho mas de forma muito amadora até então. Essa Direção liderou algumas greves

em empresas da base territorial do Sindicato (Metalúrgica Barra do Piraí e FN do

Brasil), sem, tampouco, implementar uma política que se projetasse além da luta

econômica. Talvez isso, aliado ao desgaste da Direção dentro da empresa de origem da

maioria dos diretores, a Thyssen Fundições, essa Direção não conseguiu manter seu

16

Cf. arquivos do Sindicato dos Metalúrgicos de Barra do Piraí, Valença e região.

Page 19: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

poder no Sindicato. A eleição realizada em maio de 1988 traria a CUT para dentro

do Sindicato dos Metalúrgicos.

A primeira Direção cutista do Sindicato dos Metalúrgicos era encabeçada pelo

Sr. João Batista Machado Leôncio, conhecido popularmente como Batista, funcionário

da Thyssen Fundições. Na eleição da qual Batista saiu vencedor concorreram duas

chapas: uma situacionista e outra oposicionista, sendo a da situação encabeçada pelo Sr.

José Luzia, tesoureiro do Sindicato na gestão anterior. A vitória de Batista estreitou os

vínculos da Central Única dos Trabalhadores com os metalúrgicos da região, inclusive

com os metalúrgicos de Valença, o mesmo ocorrendo com os metalúrgicos da Santa

Rosa Máquinas. Portanto, é nos primeiros meses de mandato cutista no Sindicato dos

Metalúrgicos que ocorre a greve em questão. E de certa forma isso aponta algumas

dificuldades percebidas durante a tal greve, visto ter sido a primeira a ser comandada

por aqueles sindicalistas17

.

Por sua postura, o Sindicato dos Metalúrgicos tornou-se, durante muito tempo,

espaço de disputa política. Nas eleições realizadas nos anos de 1991, 1994 e 1997 a

direção cutista enfrentou a oposição liderada por outro funcionário da Thyssen

Fundições, conhecido vulgarmente como “Tião Paracambi”. Em todas as eleições este

saiu derrotado, deixando fortalecida a chapa pró-CUT. Interessante perceber que isso

ocorre mesmo tendo o principal bastião da CUT na região – o Sindicato dos

Metalúrgicos de Volta Redonda – ter sido perdido para a Força Sindical, Central

sindical oposicionista à CUT em âmbito nacional.

A ação do Sindicato sob o comando da CUT introduziu, além da prática da luta

direta com greves, operações tartarugas, seminários, atos públicos, etc, uma política de

comunicação inédita naquele Sindicato, criando o Boletim INFORMETAL, circulando

até os dias atuais. Também o Sindicato levantou questões como saúde do trabalhador,

contribuindo de forma incisiva, principalmente, na discussão sobre a silicose, doença

pulmonar que ataca profissionais que lidam com a sílica ou seus derivados. Também o

Sindicato participou das lutas contra o uso do óleo Askarel, usado como isolante em

transformadores, e que na Thyssen Fundições foi pivô de uma grande discussão após

um vazamento do produto.

Hoje o Sindicato continua atuando em várias frentes, participando, inclusive, da

formulação do Comitê Nacional dos Trabalhadores da Thyssen Krupp, juntamente com

sindicalistas de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e outros. Insere-se também

Page 20: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

o Sindicato na organização da Federação Interestadual dos Metalúrgicos da CUT,

cujo Presidente atual é o SR. Valmir Braga, popular Braguinha, ex-presidente do

Sindicato. Tem atuado também na esfera internacional, discutindo com sindicatos

alemães e holandeses, políticas de melhoria na questão da saúde do trabalhador e de

meio ambiente. Essa discussão resulta, inclusive, na aquisição de recursos pelas

empresas do Grupo Thyssen, a serem aplicados em saúde e meio ambiente18

.

17

Cf. entrevista do Sr. Valmir Braga em anexo 18

Cf. arquivos do Sindicato dos Metalúrgicos

Page 21: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

CAPÍTULO III

03 - A Greve

ão é possível falar da greve objeto deste trabalho sem dividir o tema

em três momentos: no primeiro, anterior à greve, são vistas as

condições que resultam no movimento paredista, as reivindicações

dos trabalhadores, as articulações (ou desarticulações) no seio das categorias

profissionais participantes do conflito, os climas,...; no segundo momento, a própria

greve e seu desenrolar, a forma como a sociedade valenciana viu aquele fato,

principalmente considerando-se ser, em cinqüenta e seis anos, a primeira greve nas

fábricas têxteis de Valença, a posição do poder público (prefeitura) e os apoios

explícitos; e no terceiro momento, o pós-greve, o que restou do movimento, tanto

externa quanto internamente à fábrica, o salto qualitativo para o operariado, o

surgimento de lideranças, a relação política dos trabalhadores com a cidade,...

O dia-a-dia da greve não pode ser aqui descrito nem é este o propósito deste

trabalho. Mas o ressaltar de fatos e nomes é importante para a garantia da fidelidade ao

momento histórico em estudo. Boa parte do trabalho é resgate da memória e a história

oral aqui transcrita se comprova também nas entrevistas e contribuições coletadas. E

embora muitos trabalhadores não tenham mais a clareza dos acontecimentos (passaram-

se já dezesseis anos!), o principal está intacto: o saber de que aquele movimento

representou um marco para os trabalhadores valencianos19

.

03.1 – O antes: A Fábrica vai mal (e não sabíamos!)

A década de 1980 é particularmente ruim para a Cia. Santa Rosa de Fiação e

Tecidos. Embora para os trabalhadores e para a população valenciana em geral isso não

transpareça, é o que ocorre. A empresa que até ali conseguia garantir sua fatia no

mercado de jeans, passa a sofrer uma série de problemas sendo que estes se agravam

com a adoção, nos Estados Unidos da América do Norte, de uma política de cotas para a

importação do tecido.

19

Depoimento do Sr. Ney Fernandes, em anexo

N

Page 22: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

As principais exportadoras brasileiras do tecido – as transnacionais

SANTISTA e SÃO PAULO ALPARGATAS – têm seu mercado restringido e o

excesso de sua produção inunda o mercado brasileiro. Isso faz os preços no mercado

interno desabarem e empresas como a Santa Rosa, que já praticavam preços altos,

vêem-se mais ainda à margem desse mercado. No caso da Santa Rosa há uma piora do

quadro, pois a empresa apostava na construção de outra unidade fabril na cidade de

Montes Claros, Minas Gerais, para onde grande parte dos recursos haviam sido

desviados20

. O projeto da Santa Rosa do Nordeste, como era chamada a unidade de

Montes Claros, deveria, com o seu funcionamento, abastecer a empresa com fios de

custo baixo, aumentando também seu quinhão nesse setor, o que foi inviabilizado pelos

fatos que se precipitam.

A Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa é obrigada, então, a estocar grande parte

de sua produção, chegando, de acordo com Klaus Sohler, a Ter um milhão de metros de

jeans em estoque. E a descapitalização da empresa a obrigou a recorrer a empréstimos

bancários, visto enfrentar dificuldades para a manutenção das folhas de pagamento, o

que mostra-se uma política fatal, pois os juros bancários à época são proibitivos. Isso

piora o quadro da empresa já que a situação nacional do mercado do tecido não

melhora. A empresa, no entanto, prefere bancar um “compasso de espera” prolongado,

endividando-se cada vez mais. Em vão...

03.2– A Nova Constituição Federal

Na esfera política também fatos novos estão ocorrendo. A ditadura militar havia

terminado em 1985, o que representou uma remodelação do Estado brasileiro. Embora

continuassem presentes no dia-a-dia nacional, os militares não compõem mais o núcleo

do poder central. O processo de redemocratização do país recoloca em cena antigos

atores, inclusive aqueles que retornaram com a anistia de 1979. O Congresso Nacional

trabalhava desde o início de 1987 na elaboração de uma nova Constituição Federal, que

seria promulgada em outubro de 1988. Há uma clara mudança na relação de forças no

panorama político nacional que afasta boa parte da elite orgânica que sustentava os

governos militares. Novos partidos políticos estão atuando e outros atores surgem,

também relacionados a outros poderes como o Ministério Público, que dificultam muito

20

Cf. Klaus Sohler, entrevista em anexo

Page 23: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

das manobras realizadas no período pós 1964. Para quem “mamou nas tetas da

nação” durante aquele período foi um golpe e tanto...

As relações trabalho/capital também sofrem mudanças com a nova Constituição

Federal - CF. Elaborada por um Congresso Nacional mais progressista que os anteriores

e, em parte, correspondendo a certos anseios da população organizada, a CF ampliou

alguns direitos trabalhistas. No tocante à jornada de trabalho, promoveu sua redução de

quarenta e oito para quarenta e quatro horas semanais. O que se torna o centro das

discussões que redundam na greve de novembro/dezembro de 1988.

A adaptação dos horários dos trabalhadores à jornada estabelecida na CF é feita

unilateralmente. As empresas do grupo Santa Rosa, de acordo com seus interesses,

acomodam as jornadas de forma que, na prática, seus funcionários saem prejudicados,

pois imaginavam um aumento do período de descanso nos finais de semana. Ao

contrário, em alguns turnos os trabalhadores passam a ficar mais tempo dentro da

fábrica do que antes, embora a acomodação da jornada obedeça à norma legal. O quadro

abaixo mostra as diferenças:

Turno Antes da redução Após a redução

Entrada Saída Entrada Saída

1º 05:00 13:00 05:00 13:20

2º 13:00 22:00 13:20 21:40

3º 22:00 05:00 21:40 05:00

Verifica-se assim que a maioria dos operários passa a permanecer mais tempo

dentro da fábrica, não se refletindo a redução da jornada de trabalho em mais descanso.

E essa adaptação de horários também não levou em consideração a reclamação dos

trabalhadores, externada em diversos momentos no interior da Cia de Fiação e Tecidos

Santa Rosa, principalmente em atos de “rebeldia espontânea” ocorridos em vários

sábados, onde os funcionários simplesmente desligavam as máquinas e saiam do local

de trabalho. A empresa, segundo Klaus Sohler, vislumbrava um retorno à normalidade

do mercado de jeans, por isso tentava, ao estabelecer tais jornadas, garantir sua plena

capacidade de produção.

Page 24: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Por seu lado o Sindicato dos Têxteis não encampou a proposta dos

trabalhadores, inversamente ao que estava fazendo o Sindicato dos Metalúrgicos.

Pesquisas nos arquivos do Sindicato dos Têxteis mostram que apenas uma Assembléia

fora convocada para discutir especificamente a questão, onde a Direção sindical sequer

coloca a proposta de greve em votação, alegando falta de quorum e impossibilidade de

cumprir a Lei de Greves. A partir de então os funcionários têxteis diminuíram seu

ímpeto, deixando de acreditar na possibilidade de greve, já que o próprio Sindicato da

Categoria deixava claro sua intenção em não apoiá-los na eventualidade do conflito

apresentar-se.

Por seu lado o Sindicato dos Metalúrgicos promovia discussão do tema com os

trabalhadores da Santa Rosa Máquinas e entabulava negociação com a empresa na

perspectiva de alcançar êxito na reacomodação da jornada de trabalho. A proposta de

greve, caso as negociações não se revelassem exitosas, era discutida entre os

funcionários e já despertava a atenção do empresário, embora este acreditasse mais nos

seus argumentos do que nos dos sindicalistas em convencer os trabalhadores.

03.3 – A Paralisação

(...) Acontece muitas vezes que um patrão procura enganar a todo transe os operários,

apresenta-se diante deles como um benfeitor, encobrir a exploração de seus operários

com uma dádiva insignificante qualquer, promessa falaz. Cada greve sempre destrói de

imediato este engano, mostrando aos operários que seu benfeitor é um lobo com pele de

cordeiro. Mas a greve abre os olhos dos operários também no que se refere ao governo e

às leis (...). Eclode uma greve, apresentam-se na fábrica o fiscal, o inspetor fabril, a

polícia e, não raro, tropas, e então os operários percebem que infringiram a lei (...)21

.

O dia 30 de novembro de 1988 é o marco. É uma terça-feira de primavera mas o

tempo é frio. A parte da manhã é reservada à apreensão sobre os resultados das

conversas entre os sindicalistas metalúrgicos e a direção da empresa Santa Rosa

Máquinas. No Domingo anterior houvera uma assembléia onde as informações não

eram as melhores. As conversas até ali mostravam a irredutibilidade do empresário e

sua intenção em manter as coisas intactas, não aventando possibilidade de acatar a

propostas dos trabalhadores. Como resultado, a Assembléia apontara nova tentativa de

Page 25: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

negociação e nova Assembléia, dessa vez definitiva: acomodação da jornada

conforme proposta dos trabalhadores ou greve. Na terça-feira ocorre a nova reunião

sem, no entanto, ser observado algum avanço. A Assembléia seria às 13:20 horas, na

troca dos turnos, e a proposta a ser votada era de greve como apontado na Assembléia

anterior.

A greve iniciava-se, portanto, a partir dali. Os trabalhadores que deveriam iniciar

seu turno, não o fazem, e aqueles do chamado turno intermediário (trabalhavam das

07:00 às 16:00) que concordavam com a greve, deixavam seus postos de trabalho ou

participariam do dia seguinte em diante. Da parte da empresa nenhuma novidade foi

acrescentada nesse primeiro dia, restando aos sindicalistas e trabalhadores a tarefa de

gerar fatos políticos (entrevistas à rádio, distribuição de panfletos, articulações com

líderes locais, busca de espaço junto à setores da Igreja Católica, planejamento de ações

futuras, etc.), construindo o apoio popular ao movimento.

Outra tarefa reservada às lideranças no primeiro dia da greve dos metalúrgicos

foi procurar a direção do Sindicato dos Têxteis de Valença. Os Trabalhadores têxteis,

percebendo o início daquele movimento, vislumbraram a possibilidade de integrá-lo,

retomando a discussão abortada alguns dias antes pelo Presidente do seu Sindicato. Isto

fez com que se tentasse articular junto ao Presidente do Sindicato dos Têxteis, Sr.

Carlos Alberto Paixão, a adesão dos têxteis à greve, o que foi mais uma vez rechaçado.

Em Assembléia realizada naquela mesma noite na sede do Sindicato dos Têxteis, com

finalidade diversa, o Presidente da Entidade reafirmaria sua disposição em não tomar

conhecimento da situação que se apresentava22

. Mas isso não impediu que os

trabalhadores da Fábrica Três iniciassem conversa com os metalúrgicos já paralisados e,

a partir daquela noite, aderissem ao movimento.

O segundo dia da paralisação dos metalúrgicos marcou a entrada dos têxteis na

greve. Paralisando inicialmente a Fábrica Três, a greve alastrou-se pelas outras duas

Unidades fabris da Cia. de Fiação e tecidos Santa Rosa, atingindo quase 100% de

paralisação no seu auge. Os setores produtivos, na maior parte dos dias, ficaram

completamente paralisados, instalando-se um clima de confronto nas imediações da

Fábrica Três, principalmente nos horários de troca de turnos, onde os piquetes eram

formados para garantir a paralisação completa das atividades. Essa prática realizava-se

também nas demais unidades mas o foco central mantinha-se sobre a unidade Três.

21

LENINE, Vladimir I. Sobre as greves, mimeo. 22

Ata da Assembléia realizada em 20/11/1988, transcrita e em anexo

Page 26: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

03.4 – A mobilização da cidade

Pela primeira vez, em muitos anos, Valença era despertada por seu operariado

(pelo menos por grande parte dele), que gritava por direitos, e, mais que isso,

denunciava uma série de práticas existentes no “chão da fábrica” que passavam

despercebidas aos olhos da população da cidade. E mais do que a reivindicação inicial,

essas denúncias é que provocavam a mobilização das pessoas e de Entidades populares.

As más condições de trabalho, os excessos de jornada, os salários aviltantes, práticas de

assédio sexual, ganhavam o côro das ruas e despertavam os interesses até então inertes e

provocavam reações as mais diversas. Os Partidos políticos de esquerda (PT e PDT)

assumiam as reclamações dos operários e somavam-se a eles nos atos públicos. A Igreja

Católica fez-se presente em vários momentos da greve, solidarizando-se e auxiliando na

sustentação da mesma. A Pastoral Operária também mobilizou-se, visto que um bom

número de trabalhadores da Santa Rosa Máquinas era a ela vinculado. Colégios do

município aproveitavam o momento para discutir com seus alunos os processos de

organização sindical e enxergavam aquela greve como um momento histórico para a

cidade. Os trabalhadores contaram também com o apoio de muitos populares que,

mesmo desvinculados de Entidades ou Instituições oficiais, solidarizavam-se com a

presença e com a doação de materiais utilizados principalmente na alimentação dos que

passavam as noites nos piquetes. O apoio à greve ganha também caráter nacional, visto

que, durante o decorrer da greve, acontecia em Valença o 1º Encontro Nacional das

Mulheres Negras, onde figuras destacadas da política nacional como a ex-ministra

Benedita da Silva e a Deputada Estadual pelo Rio de Janeiro Jurema Batista tomavam

parte. Através destas e de outras participantes do Encontro, as trabalhadoras do Grupo

Santa Rosa puderam transmitir suas denúncias, apreensões e desejos, ampliando o raio

de recepção às suas vozes.

Os Sindicatos cutistas da região Sul Fluminense também fizeram-se presentes.

Ainda estava bastante viva e próxima a greve dos metalúrgicos de Volta Redonda, onde

haviam sido mortos três funcionários da CSN sob as balas do exército, o que ajudou a

crescer a solidariedade entre os trabalhadores. O medo de novo massacre mobilizava as

pessoas, garantindo que o movimento pudesse ser levado a cabo sem maiores seqüelas.

Por parte dos sindicalistas havia ainda a oportunidade de continuar denunciando a

Page 27: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

barbárie verificada em Volta Redonda, ao mesmo tempo que se ampliava a luta

contra o modelo repressivo ainda instalado no Brasil.

Embora grande parte da população valenciana demonstrasse apoio à greve dos

Trabalhadores da Santa Rosa, alguns setores levantavam sua voz contra o movimento.

Explicitavam seus motivos alardeando a “bondade do empresário” que dava empregos

em suas quatro fábricas. Eram a própria voz do senso comum defendendo o “Dr. Júlio”:

“é preciso que existam os ricos para que os pobres também existam!”, repetiam. Por

todos os seus componentes o discurso solidário à greve obteve muito mais ressonância

do que o contrário.

O poder público manteve-se à distância. Numa aparente neutralidade, o chefe do

executivo não pronunciou-se. Aliás, tentou manter uma agenda de normalidade, embora

isso o tenha colocado, num dado momento, em rota de colisão com o movimento23

.

Também os Vereadores do município preferiram a distância, mesmo tendo a Câmara

Municipal uma afinidade com setores da Igreja Católica. O próprio Chefe do

Departamento Pessoal das empresas ocupava uma cadeira na Câmara Municipal (o Sr.

Manoel “Português”), o que talvez explique um pouco essa distância. Os Partidos mais

de esquerda não possuíam representação parlamentar, inviabilizando o acesso popular à

Casa Legislativa. Se houve alguma participação do poder público no movimento, ela

ocorreu apenas no apoio ao empresário, principalmente pelo uso do aparato policial

durante todo o decorrer da greve.

03.5– A DRT (Sub Delegacia Regional do Trabalho) e a participação do “Paixão”

Durante o desenrolar da greve, embora muitos fatos políticos tenham sido

concretizados, a política das empresas manteve-se inalterada. Sua proposta para

acomodação da jornada de trabalho era aquela já implantada, da qual não abria mão.

Inicialmente os sindicalistas operavam com a idéia de que a greve poderia durar uns três

dias. Com o prolongamento da greve, as lideranças foram obrigadas a buscar respaldos

legais para o movimento, visto que ele se iniciou sem as devidas observações.

Vislumbraram então, sindicalistas e advogados, a chance de obter essa sustentação

através da Sub Delegacia Regional do Trabalho, em Volta Redonda. Acionado, o Sub

Delegado compareceu à Valença transformando-se numa esperança para os grevistas e

conseguiu intermediar uma reunião com os representantes das empresas. Outro

Page 28: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

problema detectado pelo Sub Delegado foi a ausência do Sindicato dos Têxteis no

processo. Legalmente o Sindicato dos Metalúrgicos não poderia representá-los, já que

havia um Sindicato próprio da Categoria na cidade. Isso resultou em outra tarefa:

obrigar o Presidente Sr. Carlos Alberto Paixão, o “Paixão”, a assumir seu lugar frente à

Categoria, mesmo tendo sido ele, por negar-se a apoiar a greve, execrado pelos

operários em greve.

A direção do Sindicato dos Metalúrgicos juntamente com o Sub Delegado

Regional do Trabalho e uma Comissão de Trabalhadores Têxteis conseguiram

convencer o “Paixão” a integrar-se ao movimento. Também construíram, sob orientação

do Sub Delegado, uma Pauta de Reivindicações, visto que a reivindicação de alteração

na jornada de trabalho não cabia, já que as empresas, embora a tenham definido

unilateralmente, o fizeram dentro dos parâmetros legais. Essa pauta, lógico, apenas

servia para dar argumentos ao Sub Delegado para agendar a negociação, pois a data-

base dos trabalhadores têxteis fora em outubro e terminaram a Campanha Salarial há

pouco, não restando, portanto, pelo menos do ponto de vista legal, o que discutir. Por

seu lado, o Sindicato dos Metalúrgicos apenas encetaria sua Campanha Salarial em

maio do seguinte ano.

Nas reuniões de negociação intermediadas pelo Sub Delegado Regional do

Trabalho poucos avanços foram verificados, e estes viriam, principalmente, nos campos

onde as empresas não cumpriam a legislação (realização de eleições para as CIPAs das

empresas, implantação de refeitórios, instalação de bebedouros, por exemplo), na “não

punição aos grevistas” e na definição de critério para desconto dos dias parados.

Também houve sucesso quanto ao remanejamento de chefes sobre os quais recaiam

denúncias de assédio sexual, embora não se registre ocorrência de ação judicial contra

os mesmos. Com relação à jornada de trabalho, nada mudou. O argumento da legalidade

da medida tomada pela empresa defendido pelo Sub Delegado Regional do Trabalho

esfriou mais ainda os ânimos, que já se encontravam exauridos após dez dias de greve.

03.6 – O pós-greve

O dia nove de dezembro de 1988 marcou o final da greve. Após registrar o

Acordo final na Delegacia Regional do Trabalho, a Direção do Sindicato dos

Metalúrgicos, em Assembléia, discute o fim do movimento e a forma como os

23

Cf. entrevista do Sr. Valmir Braga em anexo

Page 29: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

trabalhadores voltariam ao trabalho. A proposta de retorno à normalidade é

aprovada por unanimidade, embora alguns operários ainda defendessem a continuidade

da greve.

Os primeiros dias após o retorno são uma incógnita tanto para os trabalhadores

quanto para a direção das empresas. Ninguém sabe exatamente o que pode ocorrer, visto

pairar no ar ainda um clima de conflito. Os trabalhadores grevistas, mesmo sem ganhos

materiais, sentiam-se vitoriosos por terem sido, naqueles dias, protagonistas de um

movimento aguardado à décadas. Sentiam-se, de certa forma, a encarnação do desejo de

milhares de trabalhadores do Grupo Santa Rosa que, através do tempo acumularam no

próprio corpo tensões, humilhações, marcas várias da exploração patronal, ódio. Por

conta dos trabalhadores “fura-greves” ou ligados à s chefias, o sentimento também era

de vitória. Primeiro porque , como não aderiram à greve, não teriam descontos nos

salários; segundo, viam a greve como fracassada pois não trouxe benefício material

algum; terceiro, entendiam que os benefícios alcançados, ainda que poucos, também se

disponibilizariam para eles. Ganharam, portanto, sem despender força alguma.

Pouco tempo após o greve a empresa começou a realizar uma série de

demissões. Grevistas e não grevistas foram demitidos, no que, talvez, tenha sido um dos

aspectos mais marcantes do pós-greve. Tanto trabalhadores quanto parte da população

via tal atitude como retaliação aos que fizeram a greve. Mas, e os “fura-greves”

demitidos ? A explicação é outra e faz parte do rol de questões não levantadas pelos

Sindicatos ao iniciarem a greve e que são presentes nas palavras de Klaus Sohler24

.

Outro aspecto marcante do pós-greve é a organização de uma Oposição Sindical

com vistas à eleição que se realizaria no ano seguinte. As eleições para as CIPAs

garantidas no acordo do fim da greve permitiram preservar as principais lideranças

surgidas no movimento. Estas, com o apoio de vários outros Sindicatos da região,

principalmente do Sindicato dos Metalúrgicos de Barra do Piraí, assumiram a tarefa de

organizar a Oposição que, meses após a greve, viria ganhar a eleição no Sindicato dos

Têxteis de Valença, introduzindo uma prática política orientada pela Central Única dos

Trabalhadores. Ressalte-se que no processo eleitoral a que nos referimos, houve a

participação de outra chapa, aparentemente não alinhada a nenhuma corrente política. O

grupo situacionista não disputou o pleito, limitando-se a promovê-lo segundo as normas

estatutárias.

24

Cf. entrevista em anexo.

Page 30: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Outro fato que verifica-se no pós-greve é o fechamento das fábricas da Cia

de Fiação e Tecidos Santa Rosa. Este fechamento, apesar de ocorrer quase dois anos

após a greve, é visto por grande parte da população valenciana como reflexo do

movimento de 1988. E, por falta de veículos de comunicação adequados e também pela

ausência de informações corretas, acaba servindo como argumento desmobilizador por

grupos de direita. Esse reflexo se perceberá não só nas eleições sindicais futuras como

também nas eleições municipais.

O fechamento da empresa em 1990 não é definitivo. Ela passava por um

processo de concordata a essa época, o que já demonstrava sua situação financeira ruim.

Alguns meses após esse encerramento de atividades, a empresa reabre suas portas,

readmitindo boa parte daqueles funcionários que haviam sido demitidos. Ao reabrir a

Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa forma uma parceria com uma empresa sediada em

Montes Claros – MG, a PACULDINO. Essa parceria dura até 1995, quando, por

motivos estranhos à maioria da população valenciana, é encerrada. A Santa Rosa

novamente fecha suas portas, dessa vez, definitivamente. Aqui o Sindicato dos Têxteis

apresenta uma proposta de empresa autogestionária, chegando a criar uma Associação

com os empregados demitidos com o intuito de gerenciar tal empresa. Como não foi

possível negociar o arrendamento do prédio e das máquinas, a proposta não alcançou

êxito.

A Santa Rosa Máquinas por sua vez vive um processo diferente. Após a greve

seus funcionários, em negociação direta, conseguem acomodar a jornada de trabalho

conforme proposto anteriormente. Também lá ocorrem eleições para a CIPA, onde

lideranças da greve são preservados. Por atuar numa outra faixa de mercado, a empresa

consegue manter-se ativa por mais tempo, embora sofra os reflexos do fechamento da

Cia de Fiação e Tecidos Santa Rosa, visto que boa parte dos seus serviços eram

endereçados a esta. Alguns anos depois a empresa foi vendida para um empresário

originário de Volta Redonda mas, por conta de uma gestão duvidosa, acabou entregando

todo o maquinário aos seus funcionários em pagamento de dívidas trabalhistas. Os

funcionários fundaram uma Cooperativa, a CTMV – Cooperativa dos Trabalhadores

Metalúrgicos de Valença, mas, por dificuldades várias, encontra-se em processo de

encerramento de atividades.

Page 31: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004
Page 32: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

CAPÍTULO IV

Considerações Finais

Como se percebe, tal greve despertou uma enorme expectativa na população

valenciana quanto ao mundo dos operários têxteis. Este mundo, até então, restrito aos

trabalhadores daquela Categoria, a partir dali se descortinava, permitindo as mais

variadas previsões quanto ao seu futuro. A greve permitiu a observação mais concisa da

relação empregador/empregado ali explicitada, expondo fraquezas e possibilidades

futuras.

Do lado do empregador, expôs-se a sua incapacidade em lidar com conflitos,

ainda mais de se antecipar a eles, mesmo tendo condições para prevê-los. No caso

específico da greve em questão, a Direção das empresas possuía dados para aguardar

sua eclosão. Houvessem as empresas flexibilizado sua postura, buscando possíveis

propostas alternativas (implantação da acomodação temporária da jornada, por

exemplo), o movimento provavelmente não se concretizaria. Também as empresas

manteriam a situação em suas mãos caso assim agissem Mais uma vez ganhariam o

estigma de “benfeitoras”, podendo adiar o sonho de ruptura no movimento sindical

regional, garantindo a continuidade de uma Direção “pelega” por mais algum tempo. Ou

seja, ao optar pelo confronto, permitiram as empresas a constituição de um movimento

que, não só denunciaria posturas reacionárias do Sindicato dos Têxteis como

centralizaria sua ação no conjunto de trabalhadores do Grupo Santa Rosa, sendo

interessante notar o que diz Ney Fernandes em seu depoimento:

Na essência o que queremos caracterizar é que a greve de 1.988, trouxe uma nova

consciência para o trabalhador e foi, aquele momento, da maior importância pois, os

trabalhadores na indústria têxtil em agosto de 1989, elegeram uma nova direção para o

Sindicato dos Trabalhadores na Ind. de Fiação e Tecelagem de Valença, direção esta

com a ideologia da classe operária, estando à frente a operária Lucilia Ferreira da Silva,

a Baiana, que imprimiu um outro ritmo ao movimento sindical25

.

25

Depoimento em anexo

Page 33: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Tal depoimento consolida a opinião já expressada anteriormente, de que a

greve, para o movimento sindical, caracteriza-se como divisor de águas. Ao dar as

condições para a criação da Oposição Sindical, o movimento paredista contribui para

essa ruptura, despertando essa “consciência” a qual refere-se Ney Fernandes. Ganha a

Categoria e, em última instância, a Classe Trabalhadora. Dessa forma também se pode

entender que os trabalhadores do Grupo Santa Rosa ganharam. Mesmo que não sejam

apontadas conquistas materiais imediatas, elas viriam a partir da mudança de ótica na

organização sindical. As Campanhas Salariais seguintes ganham outras cores, sendo a

prática da realização de amplas Assembléias uma constante, resultando em outros

movimentos paredistas, que não cabem no presente trabalho.

Com relação à hipótese aventada sobre o fechamento das empresas, esta se

confirma. Klaus Sohler, ex – gerente financeiro da empresa é enfático ao dizer :

“(...) A empresa estava numa situação difícil

financeiramente. Tanto é que, um ano depois, ela pediu

concordata. Ela entrou em concordata em razão disso, prá

ganhar tempo, ganhar prazo prá ver se conseguia sair e

acabou se enredando, se complicando e acabou sendo

fechada. (...) foi uma experiência que precisa ser

assimilada. Não adianta ficar com a idéia de que pudesse

(a greve ) ter sido a causa de alguma catástrofe, algum

fechamento, não acho”.26

Portanto, se alguma dúvida ainda pairava sobre a questão do encerramento das

atividades industriais do Grupo Santa Rosa em Valença, aqui ela se dissolve, visto que

as palavras têm origem na, talvez, principal autoridade financeira do Grupo à época da

greve. Discurso semelhante elabora o Sr. Ori Rodrigues27

, ex-diretor do Sindicatos dos

Têxteis de Valença. Ori relaciona também a influência das empresas junto à Direção do

citado Sindicato.

Além de aspectos administrativos, outros podem ser apontados, como por

exemplo, mudanças na estrutura do estado (fim dos governos militares), que

provocaram um “descolamento” de empresários e empresas de setores políticos

dominantes anteriormente. Mas, de qualquer maneira, fica clara a relação entre a

qualidade administrativa do Grupo Santa Rosa e o fechamento de suas fábricas. Essa

26

Cf. entrevista em anexo 27

Cf. entrevista em anexo

Page 34: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

“má qualidade administrativa” verifica-se em vários momentos, principalmente no

tocante à não renovação de maquinário, à manutenção de um modelo arcaico de

produção e à negativa em enfrentar de maneira profissional os conflitos envolvendo

seus funcionários e respectivos sindicatos.

Restam, com certeza, muitos pontos a serem vasculhados. Mesmo essa relação

do Grupo Santa Rosa com as várias esferas do Estado precisam ser melhor estudadas.

Da mesma forma, a relação entre empresas e Sindicato deve ser objeto futuro de

pesquisa, na tentativa de responder até que ponto essa relação impediu avanços da

Categoria profissional têxtil na cidade. Precisa também ser aprofundada toda a relação

de “compadrio” verificada na história do Grupo Santa Rosa, na busca de soluções para

as interrogações surgidas: Tais relações ocorriam deliberadamente ? Ou havia

realmente um entendimento, tanto patronal quanto do ponto de vista dos empregados,

de que esse tipo de relacionamento poderia construir algum outro modelo social? E

além destas, poderão também ser aprofundadas questões relativas à proposta de empresa

autogestionária, colocada na ordem do dia por conta do fechamento definitivo das

empresas Santa Rosa, e não concretizada.

Enfim, embora se esclareçam aqui os verdadeiros motivos do encerramento das

atividades das empresas Santa Rosa, sobra ainda muito o que estudar, revirar, pesquisar,

o que redundará em novos trabalhos, complementando o presente ou atiçando outros

olhares sobre a greve estudada e suas relações com as empresas e com a cidade.

Page 35: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

ANEXOS

Page 36: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Entrevista com o Sr. Klaus Sohler, ex-gerente financeiro da Cia. de Fiação e

Tecidos Santa Rosa, tendo exercido tal cargo no período da greve em estudo.

Sr. Klaus Sohler: Combinando a divisão dos momentos, eu falarei primeiro sobre o

contexto, a posição da empresa, sua situação e como ela se achava no momento em que

ocorreu a manifestação grevista. A situação da empresa já era de dificuldades

financeiras. Em virtude de um deslocamento de uma parte dos recursos para Montes

Claros, onde a empresa havia iniciado a montagem de uma fiação, que chegou a

funcionar lá em Montes Claros, fornecendo fios para Valença, ela estava endividada no

sistema bancário. O sistema bancário foi acionado justamente, contra inclusive os

princípios da empresas porque não me consta que antes ela recorresse a créditos em

bancos, a não ser em situações esporádicas como compra de maquinários que havia

ocorrido já há muitos anos, essa situação acabou deixando que ela ficasse com valores

que foram sendo aumentados. Para se pagar um empréstimo era necessário fazer um

outro de maior valor. E então, o grau de endividamento aumentava. É claro que se

imaginava que a outra empresa começaria produzindo os fios e isso colaboraria com a

Santa Rosa em Valença e as coisas acabariam por se equilibrarem. Mas, juntamente

com esse esforço, esse investimento em Montes Claros, ocorreu um fato comercial que

agravou bastante a situação: a indústria brasileira de jeans

que tinha como principais fabricantes a Santista, a São Paulo Alpargatas, que são

empresas multinacionais, que faziam a sua fabricação e ao mesmo tempo

transformavam o jeans em confecção e vendiam para o exterior, toda a produção dessas

empresas era geralmente destinada ao mercado externo, principalmente o americano,

ocorreu que o mercado americano criou as cotas de importação. Então o que que

acontece, mandavam prá lá o que se quisesse mandar, como o americano decidiu dizer:

“vamos dividir aqui o nosso mercado. Vai se comprar tanto da China,...e o Brasil só tem

direito de exportar prá nós tantas cotas, não sei números, mas era um

contingenciamento. E esse contingenciamento então, toda aquela produção não podia

mais ser mandada prá lá, mandava só uma parte, e essas empresas colocaram esse jeans

no Brasil.

Gilson L. Gabriel: Abarrotando o mercado interno...

Page 37: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Klaus Sohler: É. O Mappin, lá em São Paulo, chegava a vender uma calça de

jeans por um preço um pouquinho superior ao metro do tecido da Santa Rosa. Quer

dizer: o sujeito comprava uma calça de jeans por um pouquinho mais que o preço do

metro do jeans,...então, o que aconteceu: a empresa ficou com estoque violento, chegou

a ter um milhão de metros estocados dentro daquele galpão lá. Estava tudo abarrotado.

É claro que era mercadoria e esperava-se que uma hora aquilo passasse, mas o fato é

que coincidiu a inflação alta, a queda dos preços de venda (que teve que obrigar a

vender muito mais barato, porque também não dava prá estocar a vida toda. Não havia

quem conseguisse agüentar aquilo) e o custo do financiamento bancário que era

proibitivo. Até hoje a questão do financiamento bancário é a mesma: qualquer pessoa

que procure dinheiro no banco, desde que seja uma quantidade expressiva para começar

qualquer negócio ou qualquer coisa, ela acaba sendo empregada do banco. Porque vai

trabalhar prá pagar o banco. E geralmente não vai pagar. Porque é uma cobrança de

juros, não é propriamente só o juro. O juro talvez até não seja tão grande, porque diante

da inflação o juro acaba sendo uma coisa menor, porém o spread, o que você paga pela

segurança, por toda uma história que torna impossível se dever em banco.

A empresa estava numa situação difícil financeiramente. Tanto é que, um ano depois,

ela pediu concordata. Ela entrou em concordata em razão disso, prá ganhar tempo,

ganhar prazo prá ver se conseguia sair e acabou se enredando, se complicando e acabou

sendo fechada. Isso é um processo que levou um certo número de anos. Então a gente

pode dizer que a situação da empresa já era difícil. Eu cheguei inclusive a fazer alusão

disso em reunião com o Sindicato que a gente recebia lá na Fábrica Dois. Eu fazia

questão de receber o pessoal e eu cheguei a aludir. Eu fazia reunião com os

funcionários, explicava a situação, que as coisas estavam complicadas, estava tudo

difícil, logo depois começou haver problemas de caixa para pagamento de salários, que

atrasavam dois dias, três dias, cinco dias, não me lembro quanto, mas havia seguidos

atrasos de pagamento. Então realmente já havia um contexto de grandes dificuldades.

Era uma situação difícil.

...Quando foi deflagrada a Greve, a greve, por incrível que pareça, era uma coisa muito

favorável para a Santa Rosa. Porque quanto mais gente ficasse parada e a gente não

precisasse pagar,... por que essa é a diferença da greve no setor privado para a greve no

setor público: o público nunca deixa de pagar os dias e o setor privado nunca paga os

dias...

Page 38: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Gilson L. Gabriel: Eu lembro que nós tivemos que negociar uma forma de

descontar os dias. Os dias foram descontados nos meses de trinta e um dias. Levamos

quase um ano pagando os dias da greve.

Klaus Sohler: ...Para a empresa até que a greve seria um bom negócio. Mas o grande

problema é que a motivação de greve não tinha maior sentido. Porque a motivação da

greve não era salarial,. Era conseguir uma facilidade, claro, tentar fazer uma semana

inglesa, conseguir uma folga maior no fim de semana, ...

Gilson L G: Conseguir uma acomodação da jornada de trabalho segundo a Constituição

de 1988 mas acordo com a visão dos trabalhadores. E não aquela que a empresa estava

implantando...

Klaus Sohler: Exatamente. Mas não é o problema da empresa. O grande problema é o

seguinte: prá Santa Rosa, naquele período, não haveria o mínimo problema em atender.

Não haveria o mínimo problema porque estava parada, não precisava produzir... O

grande problema é que uma empresa de produção intensiva, que trabalha com mais de

um turno, que trabalha com três turnos, porque o que acontecia? Toda vez que havia

uma demanda maior, se punha três turnos de trabalho. Quando a demanda era menor,

esses turnos eram reduzidos para dois, então não tínhamos o turno noturno. E o grande

problema era não abrir mão dessa possibilidade. Porque o abrir mão seria, digamos,

decretar, no futuro, um problema talvez insolúvel...

Gilson L. G.: Fechar limites à produção...

Klaus Sohler: Depois que estivesse implantado, ou seja, que a negociação levasse a

uma jornada de (...) 44 horas, fazendo com que uma parte do Sábado fosse liberada para

os operários, voltar isso atrás seria, praticamente, uma coisa difícil demais. Nunca

houve assim um trabalho de convencimento de patrão e empregado de que eles são

parceiros. Essa é a verdade. E aqui no Brasil, claro que em virtude de muitas

modificações ao correr dos anos, dos tempos, porque antes não havia qualquer limite de

horários, depois o horário foi sendo implantado: o horário de oito horas. Então tudo isso

foram ganhos dos operários conseguidos quase a poder de lei. Quase nunca sendo

negociação. Então havia realmente uma razão prá que o movimento sindical que

Page 39: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

representava o operariado, procurasse reivindicar esse tipo de coisa. Mas não havia

um diálogo que mostrasse que uma empresa é uma parceria entre os patrões, o capital, e

o trabalho. O fechamento da empresa deixa todo mundo sem emprego. Só o capital é

que fica, podendo ser aplicado em outra coisa. Mas tanto patrão quanto empregado

ficam desempregados. E não há interesse nisso, porque na realidade eu acho que o

grande problema brasileiro no momento é exatamente, e já era naquela época, de

facilitar as coisas prá que haja mais empregos, mais pessoas interessadas em gerar mais

negócios, porque gerar negócio é gerar emprego. Só que agora a gente faz o seguinte:

pega o dinheiro, entrega ao governo, o governo gasta o dinheiro todo, paga um juro

razoável prá quem emprestou para o governo, e ninguém pega o dinheiro para abrir uma

marcenaria, abrir uma pequena produção, qualquer coisa que possa dar emprego. Que se

der emprego só prá família, já está diminuindo o mercado de trabalho para o resto. ...É

fundamental que se pense na posição de uma empresa. Porque é a empresa é uma

entidade jurídica e ela depende tanto de quem trabalha, que seriam patrão e empregado,

como do capital, e todo mundo depende dela. Então, ela não devia ser atingida.

Existe o conflito entre os interesses do operário e do patrão. O patrão, quanto

mais lucro ele tiver, melhor. O operário, quanto mais salários e vantagens tiver, melhor.

Então esse deve ser o foco, que deve ser discutido entre patrão e empregado através do

Sindicato. Sendo que se busque sempre um equilíbrio e forçando, naturalmente, para

obter as coisas na medida em que elas se tornem possíveis. Mas estando preparados

também para abrir mão se durante um momento ou um período, elas não são possíveis.

É o que acontece, por exemplo, nos Sindicatos europeus, onde se negocia não só

aumento de salários como diminuição de salários. A compensação de jornadas, enfim,

essas coisas que hoje estão começando a ser tratadas aqui no Brasil. Naquela época não

havia isso. E como a greve teve como princípio, eu acredito que a greve teve lá um

caldo de insatisfação, porque, segundo eu soube depois também, havia alguns excessos

praticados por alguns elementos, poucos talvez, que se viam em posição de relevância e

talvez não agissem bem lá com os operários. (...) A idéia que eu tenho é que havia isso.

E isso, naturalmente, essa insatisfação, juntou com aquela possibilidade de se conseguir

uma semana melhor de trabalho, não há menor dúvida, e gerou o interesse de fazer a

greve...

Gilson L. G.: Tanto que a greve começa no setor metalúrgico. Na Santa Rosa

Máquinas... e depois ela se estende para o setor têxtil, o que, inclusive, traz tudo isso

Page 40: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

que o Sr. está falando. A discussão dentro do setor metalúrgico com o Sindicato

dos metalúrgicos, que era quem estava dando encaminhamento à questão, tinha um

certo limite, era principalmente a questão da jornada de trabalho. É quando este

movimento se estende para o setor têxtil que ele vai ganhar essa outra conotação... Essas

várias denúncias que vão surgir, que depois vão ser trazidas à público, vão inclusive

fazer com que a greve dure os nove ou dez dias que ela durou. Sem isso talvez ele não

tivesse sustentação prá tanto.

Klaus Sohler: Então, o que eu quero dizer é que a reivindicação era válida, mas, para a

empresa que naquele momento se beneficiaria com isso, ela não poderia ser aberta a

precedentes porque, vamos dizer, no momento em que a produção tivesse que ser

reiniciada em pleno vapor, aquela história de capacidade de produção de 80, 90%,

conforme nós estamos ouvindo hoje, que o Brasil está, ou ele faz novos investimentos

ou vai faltar mercadoria para o consumo e vai haver aumento de preços, é a tal da

inflação de demanda. Então, naquele tempo a Santa Rosa não tinha necessidade de

demanda pois ela não estava conseguindo vender. Estava vendendo num preço péssimo.

Abaixo do que ela realmente podia para poder continuar mantendo as coisas, esperando

uma época melhor. E estocando o que era possível estocar. Muito bem. Então a única

razão do não atendimento era uma razão pragmática. (...) Nós poderíamos fazer isso

durante seis meses depois nós voltamos. Mas isso evidentemente não funcionaria. Eu

acredito que dentro das conversas e da mentalidade que imperava naquele momento não

conseguiríamos chegar a uma solução negociada em termos de prazo, uma coisa assim.

Porque seria muito difícil voltar atrás. Aí nós teríamos a Ferreira Guimarães trabalhando

nos três turnos, a “não sei o que” trabalhando nos três turnos, e a Santa Rosa não podia

por causa do problema do Sábado, já que não podia se trabalhar Sábado e Domingo...

Gilson L. G.: Mas caso isso ocorresse na Santa Rosa, havia uma tendência de que isso

também se estendesse para as outras empresas...

Klaus Sohler: Poderia ser... Mas é muito arriscado fazer qualquer acordo particular.

Esse acordo teria que ser negociado em termos nacionais, com todos os concorrentes.

Agora, veja bem, não seria também, porque os concorrentes estrangeiros não estão aí.

Aquela produção que nós não faríamos nos sábados e nos domingos estaria sendo feita

lá na China, no Japão, e abarrotando o mercado mundial. Então era o tipo da coisa que

Page 41: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

era inconveniente aceitar esse tipo de redução de jornada. Não era redução da

jornada, mas era uma acomodação da jornada que seria muito difícil voltar atrás depois

que os sábados e domingos, uma grande parte do Sábado, estivessem estabelecidos

como folga. Então foi só por essa razão. Não havia outra razão prá não atender. Porque

se fosse a questão econômica, seria aceito. Era vantajoso prá Santa Rosa fazer aquilo.

Então era isso aí... E essa visão era, lá dentro, todo mundo pensava assim. Na época

chegou-se a fazer algumas reuniões com as chefias prá ver se a gente começava

concatenar melhor as coisas, porque não era só um chefe ir lá, vir discutir que quer isso,

quer aquilo. Precisava se Ter um programa mais coordenado em que a gente pudesse:

“não, agora eu não posso te atender nisso, mas talvez possa atender naquilo”. O

dinheiro, quer dizer, o financeiro, o administrativo, o comercial e a gerência de

produção de maneira a fazer com que as coisas ocorressem em épocas mais bem

programadas. E a idéia de todo mundo era exatamente essa. Não tinha diferença.

Gilson L. G.: E a questão do pós greve?

Klaus Sohler: Se isso influenciou o fechamento da empresa? Não. Não vejo isso. A

empresa fechou porque a situação do mercado estava complicada. Já se previa...

Gilson L. G.: Até pelo quadro que o Sr. coloca, anterior, se pode traçar uma tendência...

Klaus Sohler: Já havia uma dificuldade financeira. Tanto é que a concordata não foi

por causa da greve. Com a greve a Santa Rosa lucrou, deixando de pagar uma coisa que

ela precisava pagar. (...) Não vejo isso. Já ouvi falar que os proprietários teriam ficado

aborrecidos, não vejo razão prá isso. É claro que sempre há a primeira vez, não sei o

que, a pessoa fica, (...) aquilo fica um tanto incômodo, não há a menor dúvida. Mas eu

não vejo que isso tenha levado a coisa nenhuma não. O que aconteceu foi, exatamente

as dificuldades porque passava o setor têxtil todo, a proximidade e a tendência que já se

revelava de que haveria uma abertura de mercado com redução de tarifas. Porque na

realidade o nosso jeans era vendido muito caro. Caríssimo, diante do mercado

internacional. Então, o que que acontece: já está em dificuldade, a dificuldade vem

maior porque vai-se poder comprar em qualquer lugar do mundo a um preço que talvez,

tirando o imposto de importação, ele já não compensasse, entendeu? Porque a

produtividade no exterior geralmente é maior, porque essas empresas têm acesso a

Page 42: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

máquinas mais modernas, (...) têm uma economia estável, então quando se faz um

projeto, se faz um projeto para dez anos, vinte anos, não há problemas. Aqui no Brasil o

sujeito não podia fazer nada. Podia fazer até o mês que vem, talvez até no dia seguinte

você já não podia fazer mais. Então essa inflação desesperada que houve, ela realmente

atrapalhou toda essa questão da evolução e as empresas acabaram fechando por causa

disso. (...) Hoje os impostos de importação são muito menores, inclusive tendo sido

obrigados a serem aumentados outra vez para os têxteis para poder dar um “colchão” ,

mas a verdade é que todas as empresas á deviam estar contando com isso há mais

tempo. Isso não é uma coisa que a gente tem que enfrentar na hora. Você tem que

começar a reduzir custos, prá começar a produzir mais barato prá poder continuar no

mercado. Porque o mercado é um ser impessoal e ele não perdoa. (...) Os eficientes, os

bons em termos de administração, de possibilidades, de criatividade, etc, vão em frente,

enquanto que aqueles que estão em dificuldade, etc, não vão. É a seleção das espécies.

Porque quem não conseguir acompanhar vai morrer na praia (um “darwinismo

empresarial”). É por isso que eu digo: essa história de privatização, não precisava

privatizar nada, bastava falar assim: as empresas do governo estão sujeitas à falência,

acabou, morreu o assunto. Mas deixar falir mesmo...

Gilson L. G.: Pois se elas produzem para o mercado, elas também têm que se integrar

às regras do mercado. Aqui a gente abre um parêntese para dizer que antes da

privatização da CSN, o aço fabricado por ela era vendido pelo preço de uma dúzia de

bananas. É um absurdo. Uma empresa estatal que existe em função do setor privado mas

não pode disputar, não pode concorrer com o setor privado. Ao passo que outras

empresas do governo e que também foram privatizadas conseguiam uma lucratividade

razoável se comparadas com as empresas privadas na época.

Klaus Sohler: E depois a questão é a seguinte: o governo é falido. Ele não tem dinheiro

prá botar na siderúrgica nacional. Não tem dinheiro prá botar na Petrobras. Não tem

dinheiro. (...) a Siderúrgica nunca pagou nada ao governo. Não pagava ICMS, não

pagava light, era um Deus nos acuda. A Light por sua vez não pagava não sei quem, a

outra também não. Corrigir isso aí foi um trabalho super violento. Agora, o grande

problema do Brasil é seriedade nas empresas. Empresa tem que ser empresa...

Page 43: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Gilson L. G.: Implantou-se uma cultura nas empresas estatais que foi a cultura do

cabide. Eram enormes cabides de emprego. Onde ninguém tinha compromisso com

nada...

Klaus Sohler: E era assim que começava o próprio político que também não tinha

compromisso com coisa nenhuma, podia endividar a vontade e que se dane... Fazia

trezentas mil obras das quais a metade pelo menos não tinha grande sentido. Então

quando chegava o outro, largava às vezes aquelas que não tinha sentido e aquelas que

tinha sentido só prá não dar nome ao outro. Isso é o fim a picada. Mas por que? Porque

o endividamento não refletia... A ponto de ser obrigado a engolir que fala: se você está

tomando conta, você é responsável. Se você der prejuízo, vai ter que repor, vai ter que

responder com seus bens. Só que por enquanto ainda está no faz de conta ainda e

renegocia prá mais duzentos anos, ...

Gilson L. G.: E vai prá justiça e tem todas as coberturas judiciais.

Klaus Sohler: O grande problema do Brasil é uma boa Lei de falências (a falta de). E

outra coisa: uma reciclagem, e aí eu acho que os Sindicatos poderiam fazer um grande

trabalho. Prá começar, é uma vergonha a proporção de sindicalizados. É uma vergonha.

O pessoal não se interessa em se sindicalizar. Por isso que a contribuição sindical tinha

que acabar. Tinha que haver um esforço em se conseguir associados. E esses associados,

uma vez associados,... mas devia haver possibilidade de juntar sindicatos, porque não

adianta sindicato pequeno feito esse aqui, outro pequeno ali,... É preciso que haja a

possibilidade de união dessas forças, ou que pudessem discutir em nível maior. É

exatamente essa postura, houve uma manifestação negativa dos sindicalistas quando eu

propus na Santa Rosa que o sujeito para entrar tinha que Ter curso fundamental. Aquilo

era o começo... Se você não força as pessoas a terem, a sentirem a importância da

atualização, é porque tá tudo errado. Um grave problema, as empresas também não

procuram ouvir o empregado. Eu me lembro: meu pai trabalhou 50 anos dentro de

indústria, ele começou com dezoito e morreu com oitenta e quatro, sempre trabalhando.

O Zezito me falava. O Zezito era técnico mecânico. Ele chamava o Zezito, ele estava lá

dentro do escritório e dizia: “Zezito, você está ouvindo alguma coisa? - Não! Zezito,

não tá ouvindo lá, naquele setor tem um barulho errado. Quer dizer, ele, dali ouvia e

sabia que tinha alguma coisa de manutenção numa máquina, num setor tal. Ele não

Page 44: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

sabia qual era mas que tinha um troço errado, tinha. Agora você imagina: o

operário fica oito horas na frente de uma máquina e que não é ouvido e que não

É treinado para dizer: olha essa máquina vai quebrar. Vamos trocar esse rolamento... O

sujeito hoje tem um automóvel, o barulho do automóvel tá diferente ele sabe que vai dar

problema. Que vai pifar. E o que é que custa o operário ser instruído, ser preparado prá

que se interesse por aquilo, prá que a máquina dele produza o melhor possível. Enfim,

esse tipo de coisa que vão trazer vantagens para o empregado que também é ouvido,

passa a ser valorizado porque ele tem alguma coisa a acrescentar, está acrescentando e,

eu acredito que o resultado disso acabe sendo exatamente uma melhoria de nível e de

relacionamento patrão empregado a ponto de gerar uma divisão melhor... porque é

muito difícil dizer o que é lucro. Porque o sujeito tem um lucro, mas ele é obrigado a

tirar uma quantia muito grande daquele lucro para renovar máquinas, comprar máquinas

novas daqui a tanto tempo. Ele tem que Ter uma série de assuntos, prá reciclar seus

empregados para que eles acompanhem a evolução das máquinas novas. Enfim, todas

essas coisas que são custos e que têm que sair do lucro...

Gilson L. G.: Eu tenho acompanhado um pouco mais de perto o Sindicato dos

Metalúrgicos daqui da região, que continua ainda com uma base razoável, porque o

setor não foi tão atingido igual ao setor têxtil. Eu tenho acompanhado algumas

discussões que têm sido feitas junto à Thyssen Fundições e junto à MBP – Grupo

Metalúrgica Barra do Piraí, sediado também em Barra do Piraí. E uma das grandes

discussões que têm sido feitas lá hoje é a questão da formação e da qualificação

profissional. O Sindicato inclusive participa dessa discussão oferecendo propostas de

formação dos trabalhadores. A CUT hoje, e já é uma experiência de alguns anos

iniciada no ABC através da CNM – Confederação Nacional dos Metalúrgicos, que

desenvolveu um projeto, o Projeto Integrar. O Projeto Integrar faz a formação do Ensino

Fundamental e também trabalha a qualificação profissional dos trabalhadores.

Começou trabalhando isso com os setores desempregados depois ela amplia isso para os

setores que ela chama de “passíveis de desemprego”, quer dizer, todo mundo. Então ela

oferece isso para os trabalhadores...

Klaus Sohler: Existem os setores de risco que de uma hora prá outra podem acabar...

Page 45: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Gilson L. G.: Os bancários, por exemplo, com essa reorganização, foi um dos

setores que mais sofreu. Então isso vem sendo feito por alguns sindicatos...

Klaus Sohler: Você desculpe, mas há muito amadorismo nisso. O grande problema que

se tem no Brasil é... “Ah! Vou reciclar o fulano.” Sessenta dias recicla alguém? Tem

uma série de coisas... O governo tá soltando dinheiro prá ver se incentiva essa coisa...

Eu sou contra... Quer dizer, eu não sou contra, mas isso tem que Ter uma fiscalização e

uma filosofia que realmente ... porque está se desviando dinheiro prá tudo que é lado...

Gilson L. G.: É preciso que esses programas sejam frutos de um planejamento e que

haja demanda prá isso...

Klaus Sohler: O nosso povo está preparado prá se esforçar, prá melhorar? Esse é o

ponto. Você tem a demanda? O pessoal vai prá sala de aula convencido daquilo, não

vai. Então não uma,... a eficiência dessa aplicação é muito restrita. E quando você

emprega uma pessoa dessa você não tem como funcionar com ele. Você vê que ele não

aprendeu nada. São fantasias que se criam... era o caso aqui do CEPROVA. A fantasia

de que o CEPROVA aqui formava alguém. Eu me lembro, eu que negociei na época, o

Gerente do Banco do Brasil mandou que eu acompanhasse os belgas quando eles

vieram aqui, e eles queriam saber como seria, a situação de Valença, queriam saber se

tinha lazer aqui, (...), e a preocupação deles, e eles estavam todos satisfeitos porque

aqui tinha o CEPROVA. Mas eles pensavam que o CEPROVA fosse uma coisa séria,

compreende. E esse faz de conta é que não funciona. Sabe como é que funciona na

Alemanha as coisas? Por isso é que a Alemanha se reorganizou logo depois da guerra. É

claro que teve o dinheiro americano mas não é só o dinheiro. Era a mão – de – obra

preparada. Porque lá nenhum médico, nenhum engenheiro, ninguém é formado em

qualquer coisa sem Ter um curso nível básico. O ensino lá são nove anos de básico mais

dois anos de profissionalizante. (....) Então p médico, antes de ser médico, ele é

serralheiro, e na hora que precisa... Só que este serralheiro não é de faz de conta não. E

não é de faz de conta porque o aluno é encaminhado a uma serralheria e o chefe da

serralheria é o professor dele, que é, ao mesmo tempo quem lhe aplica as provas. Não

tem meu pé me dói, não. O cara tem que aprender. E depois, uma vez por semana, todos

os que estudam serralheria se reúnem para discutir os aspectos teóricos. Então você

imagina que nível de profissional você tem. (....) Eu acho que o movimento sindical

Page 46: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

precisa partir prá isso aí. Lá, quem recicla é o Ministério do Trabalho. Você fica

desempregado e passa a ganhar 70% do seu salário por conta do Ministério do Trabalho.

Durante um ano. E você pode também ser matriculado num curso (...) e nesse meio

tempo o seu nome está lá. Você recebe uma proposta: “O, você tem um emprego em tal

lugar”, e esse lugar não precisa ser na cidade (...) e você é obrigado a aceitar o emprego,

senão eles te cortam. Então é assim que funciona a coisa lá. Esse tipo de coisa tinha que

se implantar devagarzinho. Claro que não se muda a cultura de uma hora prá outra.

Agora, a primeira coisa que se tem que fazer é colocar na cabeça que a melhor coisa que

existe num país é Ter muitos empresários. Porque empresário é aquele que vai gerar

emprego. Não é governo. Governo não faz gerar emprego, quem faz gerar emprego é

empresário. É a iniciativa privada, particular. E ele arrisca o dinheiro, o tempo, prá ver

se dá certo ou não. O risco é todo dele. E o governo é o sócio privilegiado. Porque o do

governo sai de qualquer jeito. E olha a quantidade de imposto que se é obrigado a pagar.

Então eu acho, que no nosso caso lá, foi uma experiência que precisa ser

assimilada. Não adianta ficar com a idéia de que pudesse Ter sido a causa de alguma

catástrofe, algum fechamento, não acho.

Gilson L. G.: É que a questão tem a ver com o senso comum da cidade. (...) A

população, por não ter acesso a outras fontes de informação, estabelece esse tipo de

relação. Mesmo que ela veja, por exemplo, que em outros setores onde já houve greves,

como é o caso dos bancos, onde esses movimentos são mais explícitos. Tivemos greve

agora nos bancos particulares, nos bancos estatais, e nem por isso os bancos fecham. A

CSN chegou a viver greves de um mês, nem por isso ela fechou. A gente sabe

perfeitamente, e conhece um pouco a cabeça do nosso empresário proprietário da Cia

Santa Rosa, um empresário antigo aqui na cidade, a empresa tem toda uma trajetória

que foi ascendente durante muito tempo. Uma empresa que foi criada lá no início do

século passado e que chega ao final do século, de certa forma, bem. Pelo menos até

onde a gente sabe, durante esse tempo não houve nenhum processo de degradação nesse

período todo.

Klaus Sohler: (....) Eu vejo entre os funcionários antigos um sentimento de ter

participado de uma coisa boa. (...) Essa relação de proximidade do empresário para com

seus funcionários ficou um pouco manchada, vamos dizer. Na realidade nós temos que

olhar friamente. Os tempos mudam. A posição do operário na época da inflação é uma

posição degradante porque você nunca sabe o que você tem. E realmente é complicado.

Page 47: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

E essas coisas teriam que, fatalmente, um dia acontecer. É claro que prá quem tinha

uma relação, talvez até de “benfeitor”, isso se torne um pouco chocante. O fato é que é

um contexto histórico. O problema daquela greve é que ela foi uma afirmação válida

mas com uma pretensão que não tinha muito sentido aquela pretensão de mudar os

horários por causa das conseqüências que poderiam vir no futuro. Não naquele

momento, naquele momento era um grande negócio para a Santa Rosa. Foi isso que, na

época, a gente conversou na Direção, mas eu nunca conversei isso com o Dr. Júlio a

respeito disso não. Ele sempre tinha umas restrições, não queria que recebesse a fulana,

...

Gilson L. G.: É parte de uma cultura nossa. A partir do momento que ele começa a se

colocar com uma espécie de “benfeitor” da cidade, e se coloca, de certa forma num

pedestal, passando a olhar tudo dali do seu pedestal. “E qualquer coisa que venha a

mexer comigo, me deixa um pouco mal. Eu estou sendo questionado. E talvez até pelos

processos todos dos governos militares, e o nosso Sindicato dos Têxteis sempre teve

uma atuação extremamente omissa com relação a muitas coisas, evitando, inclusive,

discutir com os associados questões inerentes a eles. Em todos os anos em que eu

trabalhei nas fábricas têxteis de Valença, eu me lembro de um ou dois panfletinhos do

Sindicato falando sobre alguma coisa . Ou seja, a questão da informação, a

discussão com os operários sobre os seus direitos, as suas aspirações, os seus desejos,

isso também nunca foi fomentado...

Klaus Sohler: Nunca houve esse trabalho de entrosamento entre Sindicato e

sindicalizado. E por isso que a turma também não estava nem aí.

Gilson L. G.: Mas é preciso que se diga que nesse período inclusive a sindicalização era

obrigatória. Todos os trabalhadores eram sindicalizados. O número de trabalhadores

sindicalizados em Valença, em relação ao Sindicato dos Têxteis cai, em 90, quando há

uma revisão dos cálculos de pagamento das mensalidades dos associados. Antes todo

mundo pagava a mesma coisa. A contribuição tinha como base o salário mínimo e todos

pagavam a mesma contribuição. Depois a Direção do Sindicato achou por bem rever

isso e estabelecer uma outra forma, progressiva, de acordo com o que vinha sendo

praticado em outros Sindicatos, e isso trouxe um certo esvaziamento durante certo

tempo prá o Sindicato dos Têxteis.

Page 48: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Klaus Sohler: Talvez faltasse uma comunicação melhor, uma motivação, isso porque as

pessoas não podem pura e simplesmente serem levadas. A conseqüência é esse

alheamento. Eu sempre achei que havia uma defasagem, entre a comunicação e o

interesse dos trabalhadores e dos sindicalistas. Bem, eu espero ter contribuído para a

trabalho que está sendo feito e espero também que ele sirva para melhorar a concepção

das pessoas sobre aquele momento histórico e para dirimir dúvidas que porventura

ainda pairem sobre o episódio em questão.

Page 49: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Entrevista com o Sr. Ori Rodrigues, ex Diretor do Sindicato dos Trabalhadores na

Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença – RJ. Foi Funcionário da Cia. de Fiação e

Tecidos Santa Rosa, tendo participado da greve dos Trabalhadores, objeto do presente

trabalho.

Entrevistador: O que eu quero ouvir do Sr. é o seguinte: qual a visão que o Sr tem no

seguinte sentido: o antes da greve e qual a consequência imediata que a greve ofereceu.

Porque hoje Valença tem essa idéia de que a Santa Rosa fechou por causa da greve. Eu

gostaria que o Sr contasse um pouco dessa história...

Sr. Ori: A maioria das pessoas hoje, quer dizer, a cidade de Valença, foi passado isso

prá eles, que devido ao Júlio Vito ser um grande empresário, que quem fechou a Santa

Rosa foi a CUT (Central Única dos Trabalhadores). Mas existe uma coisa aí que o

pessoal desconhece, ou seja, a negociação que o Sindicato teve, e inclusive tivemos no

Rio de Janeiro com a Classe Patronal, com os advogados da Classe Patronal das

Indústrias Têxteis de Valença. Eu era apenas um Diretor do Sindicato. E fomos lá, na

época do Paixão, (...) antes da CUT. Quando nós íamos discutir, levávamos as coisas na

Diplomacia, sem precisar alterar nada. Vamos tentar negociar com eles um melhor

salário. Melhores condições de trabalho para as fábricas. Só que, a partir daí, eu estava

vendo, estava parecendo uma outra coisa no Sindicato Têxtil na época do Paixão:

parecia que eles tinham muita convivência, ou seja, não tinha diferença entre o

Sindicato e o patrão. E você sabe que aí tem que Ter diferença: o Sindicato é o oposto

do que é o patrão. Ele luta por causa dos trabalhadores. E nesse caso aí, eles não

estavam assumindo a real função do Sindicato. Se for olhar bem, na época que seu

estava lá, a coisa era muito formal. “Vamos contar umas piadinhas, tomar um cafezinho,

comer um biscoitinho”, e a negociação ficava ... Nós tínhamos ido ao Rio naquela

época, por causa de cinco por cento de aumento de salário. Quando chegamos lá, nos

reunimos no salão grande do Sindicato Patronal, um troço luxuoso, e todo mundo

falava: “Não doutor, o Sr. vê aí o que pode fazer, estamos precisando desse aumento.

Os funcionários estão apertando a gente em Valença. Eles estão precisando disso ou

daquilo, atendam alguma reivindicação. Como se diz: façam isso prá gente ficar bem...”

E eu via essa coisas e fui o único opositor naquele dia. Estavam o Dr. Darnlei, advogado

do Sindicato, o Paixão, o Adilson, Diretores do Sindicato, estava também a Maria

Antônia, e mais alguém que não me lembro. (...) Parecia que tínhamos ido lá prá nada.

Page 50: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

”Se der bem, se não der, amém”. Eu pedia licença a eles e falei: “Eu sei que vocês

são advogados formados prá defender a Classe Patronal. Mas nós não viemos de

Valença aqui simplesmente prá tomar cafezinho e contra piada. (...) Eu não vim de

Valença, me sujeitando a entrar dentro de uma Kombi, prá vir aqui discutir cinco por

cento do salário e ficar ouvindo piadinhas, comendo biscoitinhos ... Nossa cidade é

considerada rica, é cidade universitária, é cidade padrão do Estado do Rio, nós temos as

indústrias têxteis trabalhando lá, precisamos resolver os problemas dos nossos

funcionários, e queríamos que vocês cedessem esses cinco por cento. Por que a nossa

cidade têm oferecido muito prá vocês aqui “de baixo” mas para o povo de Valença não

está oferecendo nada. Porque quando se trata de discutir cinco por cento para uma

Classe que tem quatro mil empregados, vocês estão relutando e falando um monte de

besteiras. E se vocês vão autorizar esse aumento, muito bem. Se não vão, não temos

mais o que discutir com os Srs. Eu vou levantar e vou sair (...) O Paixão e o DR. Darnlei

ficaram ofendidos comigo (...) Os empresários não deram os 5%. Viemos embora e as

coisas continuaram: o Sindicato comendo na mão dos patrões e eles empurrando com a

barriga. Eles sempre me chamavam para as reuniões que faziam com os patrões e eu

falava a verdade que tinha que ser dita mas em tom não agressivo. (...) E eles criaram a

Santa Rosa Máquinas, sobre a qual havia uma grande expectativa (...) e durante um

tempo foi realmente muito bom trabalhar lá. Mas aí começara a surgir problemas de

salários. Eles queriam reajustar os salários dos metalúrgicos pelos mesmos índices que

os têxteis. Queriam que os salários fiassem equiparados a Santa Rosa Têxtil. E nós,

como éramos uma fábrica independente, queríamos o aumento acompanhando os

metalúrgicos da região. (...) Havia alguns Companheiros em nosso meio ligados à CUT

e ela influenciava (...) E isso abriu caminho para que a greve acontecesse. Um dia o

Batista (que era o Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos) me encontrou e pediu que

o levasse até a casa do Paixão. Ele se identificou e fui com ele, o que fez, inclusive, o

Paixão ficar com uma “diferença” comigo, pois ele achava que eu não poderia Ter

indicado sua casa ao Batista. (...) Depois do período de greve ficou uma coisa chata, um

clima pesado, pessoas que estavam querendo quebrar tudo..., e eu era o único Diretor do

Sindicato Têxtil que participava da greve. Dentro da greve começou uma negociação e

dentro desse processo o empresário falou: “eu posso ficar pobre, mas quando eu estiver

pobre vocês já serão mendigos há muito tempo”. Hoje, vendo a linha dos

acontecimentos, todo mundo ainda culpa a CUT. A CUT não fechou a fábrica. Prova

disso é que, se a CUT tivesse fechado a Santa Rosa, também teria sido fechada a

Page 51: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Ferreira Guimarães, a Chueke, a Fábrica de Rendas, e outras indústrias têxteis que

existiam por aqui. A Santa Rosa fechou porque ele (o Júlio Vito) não cedia. (...) Num

determinado período, o empresário mandou encher seus depósitos de algodão e depois

pediu concordata. Aí eu pergunto: quem que fechou a Santa Rosa? Quem foi o

irresponsável? O que significa uma concordata? Concordata é você estar falindo, não ter

como pegar matéria prima e sem ter recurso... Quem acabou com as fábricas foi a

incompetência de um patrão confiando em certos funcionários incompetentes, (...),

havia também muito desperdício que não era controlado por esses funcionários. A CUT

quando chegou em Valença chegou com um tom agressivo e eu muitas das vezes

chamei o Batista e disse: “Olha Batista, se vocês não mudarem o sistema, que vocês

estão conduzindo essa greve, eu estou saindo fora. Porque eu estou vendo, no meio dos

grevistas litros e mais litros de cachaça. As pessoas não estão sendo sóbrias para

conduzir a greve. E você, enquanto Presidente da CUT tem que dizer prá eles que não

quer bebida no meio dos grevistas”. Tentamos encaminhar as coisas com diplomacia

mas muitas vezes a Santa Rosa não aceitou essa diplomacia. Nas vezes que

conseguíamos negociar, sempre faltava alguém com a cabeça fria... Até hoje a chefia a

Santa Rosa me trata bem porque eu sempre soube lhes respeitar. Se saiu alguém ferido

dessa história, esse alguém foi o Paixão. Aliás, o Paixão não me aceitava dentro

Sindicato porque sempre deixei claras as minhas posições. Eu inclusive dizia prá ele,

quando me convidou para sua chapa, que ao me colocar no Sindicato ele estava

arrumando uma pedra para o próprio sapato pois eu não aceitaria certas coisas que via lá

não.... O Paixão morava numa casa da Ferreira Guimarães, tinha todas as vantagens que

os patrões davam a ele, eu não posso provar, mas, de repente, ele tinha até salário pago

pelos patrões para empurrar com a barriga os funcionários. Era uma coisa muito

estranha...

Entrevistador: E fica muito clara essa relação dele por algo que consta na ata de uma

Assembléia realizada no mesmo dia em que se inicia a greve. Ele diz que a greve não é

responsabilidade dele, deixando isso muito claro. Tirando o corpo fora...

Ori: Porque se ele fosse realmente o Presidente do Sindicatos dos funcionários têxteis,

o que iria acontecer? Ele iria dizer (para o Batista): Olha, você pode ser o Presidente da

CUT. Nós vamos sentar e juntos vamos resolver essa parada. Mas isso só se ele não

fosse conivente com a Classe patronal.

Page 52: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Entrevistador: Porque nos documentos que o Sindicato possui fica muito claro isso.

Em nenhum momento ele participa da greve. Mantém-se à distância. Segundo o Gilson,

o Sr. foi o único Diretor sindical que ficou os dez dias da greve.

Ori: Isso. Mas eu estava a favor da greve. Passei um “perrengue danado”, mas

permaneci ao lado dos funcionários. Porque eu tinha ido ao Rio e visto claramente que

eles estavam comendo na mão dos patrões... Eu não aceitava aquilo... Pois se eu

aceitasse aquilo eu estava traindo os meus colegas, os companheiros da minha classe....

Eles (Paixão e os demais membros da Diretoria do Sindicato) chegavam a fazer

reuniões sem a minha presença quando iam tratar de assuntos do interesse deles, me

jogando prá escanteio... E se alguém quiser provar prá mim que a Santa Rosa fechou por

causa da CUT, vai dormir, não existe nenhuma prova disso...

Entrevistador: Uma outra coisa que eu percebi é que o Júlio Vito abria, naquele

momento, uma outra fábrica em Minas, em Montes Claros, me parece...e pelo que me

consta, era uma fábrica de fios, uma fiação.

Ori: Era uma fábrica de fios que iria também produzir barbantes, qualquer coisa assim.

E o que aconteceu nessa fábrica? É mais uma prova de que a Santa Rosa não fechou por

causa da CUT. Ele (Júlio Vito) pegou todos os recursos que ele tinha disponível aqui e

enfiou lá em Montes Claros, uma cidade longínqua daqui da nossa área, comprou

galpão, ficou aquela coisa lá que nunca funcionou... Ele não dava os cinco por cento prá

nós mas pegava o seu recurso e enfiava lá no estado de Minas, tudo bem que os recursos

eram dele, mas ele fez a sua riqueza aqui... Essa família Guimarães Mourão tirou sua

riqueza daqui de Valença... Na Santa Rosa Máquinas nós fizemos umas cinco balsas

curral... É uma balsa feita com tambores de óleo de máquinas de Central do Brasil. Prá

você Ter idéia, dois tambores daqueles encostados um no outro, fecha a rua. E eles

usavam mais ou menos, dez ou doze tambores daqueles. E a gente fazia aquele troço, ia

soldando um no outro, soldando um no outro, e quando ia carregar aquilo, tinha que

levar numa carreta. E não era uma só não. Era duas, três carretas prá carregar aquilo. Já

saiam daqui pré moldadas. Quando chegava lá na beira do rio, porque eram balsas prá

carregar boiada. Tinha só cabina, motor e aquele monte de boi ali em cima. Fizeram

umas cinco ou seis. Fizemos na Santa Rosa tudo prá onde? Para o Pará. Onde era a

Page 53: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

fazenda dele. Ele tem tanto gado lá que a vista dele não alcança. Boi já virou

selvagem no meio do mato... Nós não ficamos pobres porque não somos burros... Não

recebi um tostão de ninguém, nem de Sindicato nem de ninguém para amaciar nada,

pois se fizesse estaria sendo corrupto.

Entrevistador: Os teares da empresa no período da greve, eram antigos?

Ori: Eram todos “Picañol” ultrapassados. Prá se ter uma idéia, a sua equipe de chefes

era incompetente, a ponto de amarrarem peças de tear com arame... Não compravam

peças como deveriam...

Entrevistador: Eu também descobri que a qualidade do jeans piorava por conta dessas

coisas...

Ori: Quando eles abriram a concordata, ficando dois anos sem pagar nada, ficaram sem

crédito na praça. Isso inclusive trouxe problemas ao abastecimento de matérias

primas.... Não tenho raiva ou rancor... Algumas vezes o Júlio Vito agiu de forma

arbitrária contra os funcionários que o ajudaram a enriquecer.

Entrevistador: Logo após a greve ele demite funcionários?

Ori: Logo depois ele começou a demitir. Passou a greve nada se resolveu, começou a

demitir: mandava dez, cinco, vinte... Até que nessa época eu “tirei meu time de campo”.

Eles demitiram um colega meu que precisava mais. Pois aqui fora eu me virava:

trabalhava de garçom, com a pastelaria, eu então abri mão do meu emprego, da

estabilidade sindical, para que o companheiro fosse mantido na empresa. Bati uma carta

abrindo mão da imunidade que ainda possuía, eles me pagaram o que eu tinha direito e

eu saí numa boa. Sem tumulto nenhum...

Entrevistador: Há um episódio em que o empresário puxa uma arma para um Diretor

do Sindicato...

Ori: É. Ele saiu dando pontapé no Batista. Ele pegou o Batista na porta da fábrica de

socos e pontapés, sendo que o Batista não podia revidar sob pena de perder a razão.

Page 54: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Algumas pessoas que andavam em volta do Júlio Vito se doíam por ele e um

desses que trabalhava como segurança foi quem puxou a arma. O Dr. Lourenço

Capobianco, no meio da greve, quis saber o que estava acontecendo, e nós falamos prá

ele. Ele então, se dizendo muito amigo do Júlio Vito, disse que o procuraria para

resolver o problema. Algumas pessoas que o ouviram dizer ser amigo do empresário

queriam “meter a mão” na cara dele. Eu tirei ele dali e expliquei o que estava ocorrendo.

Ele começou a chorar não entendendo aquilo e não aceitando que o “seu amigo” era o

estopim daquele movimento por não atender a reivindicação dos trabalhadores... Disse-

lhe ainda que. Se ele realmente tivesse alguma influência junto ao empresário, que

solicitasse a resolução do problema mas que não permanecesse junto aos operários

porque estes poderiam interpretar de outra forma sua presença, podendo, até mesmo,

agredí-lo.

Entrevistador: E depois, o Júlio Vito cede?

Ori: Ele fez algumas coisas. Mas eu acho que ele nem condições de tocar a fábrica

tinha. Ele ficou tão desacreditado dentro da fábrica que só chegava lá nervoso, se tivesse

que dar esporro, não escolhia hora nem lugar, não tinha nenhuma ética... Diziam

algumas pessoas que o problema do Dr. Júlio é que o pai dele não lhe deu umas boas

correadas nas pernas quando era menino prá deixar de ser turrão... Valença perdeu com

o fechamento da Santa Rosa. Mas isso é o que eu lembro e posso afirmar por Ter

participado.

Entrevistador: E com relação a possibilidade de redução de jornada de trabalho que se

colocava naquela época?

Ori: Havia isso sim. Mas muitas das propostas pelas quais o Sindicato lutava lá, hoje já

estão superadas como conseqüência das lutas. Agora, Valença perdeu. Não por causa de

CUT ou de Sindicato, mas por causa de má administração... e também por culpa das

autoridades do município, que desde a chegada ao poder do Fernando Graça, Luiz

Antônio, Graciosa, etc, Valença esvaziou economicamente, quase que se acabando.

Veja por exemplo, o episódio do fechamento da Chueke. Ela não tinha dívidas, tinha

mercado, os donos fecharam e o Prefeito na época nem se mexeu.

Page 55: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

UMA NOVA FASE NO MOVIMENTO SINDICAL EM VALENÇA

A greve da Santa Rosa Máquinas, e posteriormente com a participação dos

trabalhadores na indústria têxteis, representou uma nova fase no movimento sindical

em Valença, até então, precedido por uma prática de acomodação com o patronal, o que

caracterizamos como uma postura peleguista, e que era uma prática de anos e mais

anos, no movimento sindical.

A greve articulada em fins de novembro e término em princípios de dezembro de 1.988,

foi iniciada pelos metalúrgicos da Santa Rosa Máquinas que buscavam ajustar seus

salários e acomodar a jornada de trabalho dentro de um entendimento que não

encontrava ressonância junto a direção da empresa, que se mostrava irredutível a

qualquer tipo de negociação.

O Sindicato dos Metalúrgicos de Barra do Pirai, negociador dessas ações viu fortalecido

o movimento com a entrada dos trabalhadores têxteis, que por sua vez na luta por

melhores condições de trabalho, reforçaram o movimento grevista.

A greve, independente dos metalúrgicos e dos têxteis, encontrou apoio junto a outros

segmentos da sociedade e do próprio movimento sindical, com a participação do

Sindicato da Construção Civil de Volta Redonda e do Sindicato dos Engenheiros de

Volta Redonda. Na essência o que queremos caracterizar é que a greve de 1.988, trouxe

uma nova consciência para o trabalhador e foi, aquele momento, da maior importância

pois, os trabalhadores na indústria têxtil em agosto de 1989, elegeram uma nova direção

para o Sindicato dos Trabalhadores na Ind. de Fiação e Tecelagem de Valença, direção

esta com a ideologia da classe operária, estando à frente a operária Lucilia Ferreira da

Silva, a Baiana, que imprimiu um outro ritmo ao movimento sindical.

A partir de 1.989, foi uma fase de crescimento do movimento sindical em Valença,

cujas reivindicações ficaram registradas não só na memória do movimento como na de

todos aqueles que sempre estiveram à frente dessas lutas. – Fins de novembro e

principio de dezembro de 1988, realmente marcaram o movimento sindical em Valença.

Valença, 08/11/2004

Ney Fernandes

Page 56: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Entrevista com o Sr. Valmir Braga, ex presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de

Barra do Piraí e Valença, que teve uma participação destacada na greve de 1988 nas

fábricas do grupo Santa Rosa.

Valmir Braga: Primeiramente eu gostaria de lembrar que nesse período nós estávamos

assumindo o Sindicato, era o primeiro ano de mandato nosso e nós também não

tínhamos muita experiência com relação ao movimento de greve. Mas eu me lembro

que a gente tinha um debate sobre a redução de jornada, o qual culminou, com os

trabalhadores da Santa Rosa Máquinas (SRM) resolvendo paralisar suas atividades. E

no segundo dia a gente se deparou com as Companheiras têxteis, que também sofriam

muita exploração, tinham dificuldades no seu relacionamento (com o empresário) e a

partir daí a gente acabou fazendo uma greve dos metalúrgicos e também dos

Companheiros têxteis. Uma greve, prá nós, muito difícil, porque Valença é uma cidade

muito conservadora, uma cidade onde os atores sociais quase não tinham organização,

mas uma greve que mostrou prá nós que naquele momento estávamos certos. Que havia

necessidade de estarmos na luta pelos trabalhadores. Um fato importante que eu me

lembro dessa greve, foi num momento em que, numa passeata, num Domingo, quando a

gente estava com o Companheiro Baianinho, que hoje é Vereador em Barra Mansa, que

na época era Diretor da CUT Regional, e a gente fazia uma passeata pela cidade,

tentando sensibilizar toda a cidade com relação a situação dos trabalhadores e

principalmente, tentando sensibilizar o poder executivo e o legislativo, sendo que

nenhum deles participou ou deu apoio, sequer ouviu o Sindicato naquele momento. E

nós passávamos em frente à Câmara de Vereadores e o Prefeito na época, não lembro

bem o nome dele, estava inaugurando um busto. A gente passava em passeata...

Gilson Luiz Gabriel: O Prefeito na época era o cara que hoje é o Presidente do

Tribunal de Contas do Estado, Sr. José Graciosa.

Valmir Braga: E a gente passou em frente. Ele inaugurava um busto, e as pessoas

ligadas à PMV pediram que a gente não fizesse muito barulho, não tumultuasse muito.

Eu lembro que o Companheiro Baianinho falou com os organizadores que iríamos

passar pacificamente, sem fazer barulho e quando chegamos em frente, ele pediu para

aumentar o som e com algumas palavras de ordem, dizia que era lamentável que,

Page 57: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

enquanto os trabalhadores passavam por dificuldades, tanto os metalúrgicos

quanto os têxteis, e o prefeito nem dava a mínima. Estava ali inaugurando um busto.

Aquele foi um momento interessante pois espalhou todo mundo, acabou atrapalhando

um pouco a inauguração, porque o que a gente queria, de fato, era sensibilizar ...

G L G: Mas que revelou as posições naquele momento na cidade. Do lado dos

trabalhadores quem é que estavam. O poder público queria mais é que os trabalhadores

se lascassem e continuassem submetidos àquele processo de exploração sob o qual

viviam e se posicionava claramente ao lado do empresário quando se omitia em apoiar

os trabalhadores.

Valmir Braga: Durante muitos anos nós acabamos levando, por parte da sociedade, e

no decorrer da greve, algumas insinuações. De que o Sindicato estava interessado em

fechar a empresa, sendo que, no momento, a gente só queria a redução de jornada e

consequentemente estar gerando mais emprego. Pois nós entendíamos que, naquele

momento, a redução de jornada iria ajudar os trabalhadores gerando mais vagas, ao

invés de ficar trabalhando horas excessivas. Quanto a situação dos têxteis, a gente ficou

assim um pouco preocupado. Mas uma coisa ficou clara: por ser a categoria maior, a

empresa que tinha maior número de funcionários na época era a Cia de Fiação e Tecidos

Santa Rosa, eles acabaram absorvendo como lideranças mulheres naquele momento. O

presidente do Sindicato à época, o Paixão, sequer quis participar das negociações,

sequer foi ou apoiou a posição dos trabalhadores. E nós tivemos que montar Comissão,

tivemos que discutir, e o Sindicato dos Têxteis sequer se pronunciou. E a partir daí a

gente começou a perceber o quanto foi importante ao longo dos anos essa situação da

greve em Valença. O que eu vejo é que foi um momento novo, principalmente prá mim,

Diretor do Sindicato num primeiro mandato, entramos para o Sindicato em maio de 88 e

fizemos a greve em novembro. Então praticamente a experiência, ou a visão que nós

tínhamos, talvez naquele momento, era a visão mais acertada. Eu não sei como seria

uma análise hoje caso pudéssemos voltar. Mas naquele momento foi a visão mais

acertada. E após a greve a gente percebeu que resultou em pontos positivos.

Principalmente no setor têxtil. Porque o Setor Têxtil tinha um sindicato que não tinha

compromisso nenhum com os trabalhadores e a partir dali nós começamos a integrar

alguns companheiros na CIPA prá poder garantir sua estabilidade, e a partir daí nós

Page 58: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

criamos uma Oposição Sindical. E que logo em seguida, em 89, nós apoiamos e ela

foi eleita no setor têxtil.

Nós também temos que lembrar que o fato das empresas terem fechado não tem nada a

ver com a greve. Sabemos que no início do Governo Collor se fez uma abertura

desenfreada de mercado onde o setor têxtil foi o mais prejudicado. O que veio fazer com

que o setor têxtil, não só em Valença, mas no Brasil, juntamente com o de calçados,

vivesse grandes problemas. Desemprego, problemas com relação ao fechamento de

fábricas. Porque essa abertura de mercado possibilitou a entrada de mercadorias a um

custo muito barato, e com isso os setores têxtil e de calçados foram muito prejudicados.

Nós temos clareza que a greve em si não teve participação no processo de fechamento

da empresa. O fechamento da empresa se deu por outros motivos, por conseqüência da

própria política econômica do governo, e pelo que a gente percebe, pela própria

administração da empresa.

G L G: Enquanto Diretores do Sindicato dos Metalúrgicos vocês tinham alguma

informação sobre a situação da empresa naquele momento? O Grupo Santa Rosa tinha

um setor que era o têxtil, majoritário, e esse setor depois foi subdividido no ramo

metalúrgico. O que era antes uma oficina mecânica de manutenção do setor têxtil

transformou-se numa empresa metalúrgica que foi o que colocou esse Sindicato em

relação com aqueles trabalhadores. Vocês tinham alguma informação sobre a situação

da empresa, ou do Grupo Santa Rosa em geral? Sobre a sua situação econômico

financeira, se ela passava por um bom momento ou não, se essa greve poderia trazer

algum reflexo positivo ou negativo prá economia da empresa? Vocês tinham alguma

informação desse gênero?

Valmir Braga: É preciso ressaltar que, além de termos assumido o Sindicato naquele

ano (1988), tínhamos grandes dificuldades nessa área. As empresas até diziam que

estavam com problemas mas não tinham transparência ou democraticamente se abriam

para fazermos esse debate. Então isso dificultava muito. Nós realmente não tínhamos

informação do quadro da empresa, da sua estrutura, de seus fornecedores, do campo de

mercado, ou como estava de fato a sua situação. Ou porque fazer, por exemplo, porque

ela pegou sua oficina de manutenção e transformou numa metalúrgica? Quais eram suas

perspectivas, qual a visão que ela tinha sendo metalúrgica, para o seu rendimento?

Porque na verdade quando ele muda prá metalúrgica ele está pensando num rendimento

Page 59: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

maior. Ele não está pensando somente na manutenção, ele está pensando num outro

ramo de atividade onde ele poderia obter muito mais lucros. Mas na verdade as

informações não chegavam até a gente. E essa tem sido uma das dificuldades do

Sindicato. Não só naquele momento como hoje também. A gente tem algumas empresas

que na verdade não conseguem fazer esse debate transparente. Ou seja, prá você obter

essas informações é preciso primeiro se Ter um diálogo permanente com a empresa, é

preciso Ter confiança entre as partes e é preciso estabelecer uma forma de transparência

nas relações capital/trabalho. Porque nós éramos vistos como trabalhadores

anarquistas, baderneiros, que não queríamos fazer essa discussão. Que queríamos só

reivindicar. O que na verdade não era isso. O Sindicato tem um papel também

propositivo. Naquele momento a nossa proposta de redução (de jornada) atendia a esse

caráter. A gente defendia a redução da jornada mas a empresa não abriu prá gente qual

era a sua real situação. Porque com certeza, se ela faz isso, a gente poderia fazer uma

avaliação se iríamos ou não continuar a greve. Com os dados na mão nós poderíamos

fazer essa discussão. Não tinha, de fato, essas informações. (....) Tivemos alguns

momentos difíceis como por exemplo o próprio Julio Vito ameaçando o Presidente do

Sindicato, que resultou numa queixa crime na Delegacia, (depois da greve). Afirmo

novamente: nós acertamos. Foi a minha primeira experiência em greves. Na época eu

era Diretor Suplente, não estava de fato à frente das discussões, das negociações, mas

acompanhava o movimento. Acompanhava as Assembléias, as passeatas, e às vezes não

fazia uso da palavra nas Assembléias. Mas estava ali, acompanhando a situação. (...) Foi

um momento muito tenso. Eu acho que essa tensão se deu até pela própria cidade que

nunca esperava que um dia a gente fosse Ter um movimento que mexesse com toda a

estrutura conservadora daquela cidade, como eu disse, o poder executivo, o legislativo,

os empresários, as pessoas que estavam ali achando que a sua relação com o trabalhador

era uma relação onde todos eram “amigos”, onde as pessoas estavam fazendo favor

gerando emprego, mas que na verdade era uma relação de exploração de fato. Havia

uma exploração muito grande no setor têxtil e no setor metalúrgico.

G L G: (...) Você participou de alguma reunião de negociação anterior à greve? Você

tem alguma informação sobre essas reuniões, sobre os argumentos que a empresa usava

para negar o estabelecimento do horário que estava sendo pleiteado?

Page 60: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Valmir Braga: Não. Não tinha conhecimento porque isso era feito por uma

Comissão (...) Minha participação era mais junto aos trabalhadores, as Assembléias,

passeatas,...

G L G: Mas o Sindicato dos Metalúrgicos teve uma participação decisiva no processo

de formação da Oposição Sindical que ganha as eleições realizadas em 1989. Uma

eleição inclusive bastante marcante em Valença porque nunca havia ocorrido uma

eleição no Sindicato que mobilizasse tanta gente, tantos recursos, tanto material

humano, tantas correntes políticas, divergentes até, e depois, com essa nova Direção

eleita, próxima à CUT, vocês continuam apoiando. Dessa relação tem alguma coisa que

você queira destacar?

Valmir Braga: Naquele momento a gente vive num processo de muitas oposições

sindicais em todo o Brasil. A CUT naquele momento tinha um trabalho estratégico de

garantir as oposições em todos os Sindicatos, independente de Categoria que a gente

estivesse organizando. (...) Naquela época tínhamos uma CUT regional e havia uma

proposta de fortalecimento da luta de classes naquele período. O objetivo era espalhar as

oposições sindicais prá poder melhorar não só a CUT mas também dar uma nova cara

para o Brasil, inclusive a nossa região. O único Sindicato representativo que tínhamos

na região era o dos Metalúrgicos de Volta Redonda. Tivemos apoio deles e depois

fomos para Valença. Começou a se espalhar um movimento de oposições sindicais para

trazer essas oposições para o campo da CUT. A CUT Sul Fluminense teve um papel

fundamental prá gente organizar. E já era objetivo nosso pois na greve ficou muito claro

que o presidente do Sindicato não tinha nenhum compromisso com os Trabalhadores. E

nós, sob a bandeira da CUT, defendíamos que o Diretor de Sindicato tivesse autonomia,

liberdade, para defender os direitos dos trabalhadores. E aquela greve despertou

algumas lideranças. As mulheres foram as que mais se destacaram. E essas lideranças,

caso não participassem da chapa, ficariam desempregadas. Era a possibilidade de se

montar uma estrutura num Sindicato que abrangia várias empresas com a perspectiva de

ser um Sindicato forte. Vivíamos um momento de grande número de oposições

sindicais. E da mesma forma como recebemos apoio nos sentíamos na responsabilidade

de também apoiar a oposição dos têxteis.

Page 61: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

G L G: Era uma política da CUT como um todo ou tinha a ver com alguma

corrente interna com a qual vocês tivessem alguma afinidade?

Valmir Braga: Era uma política da CUT como um todo. Apesar das divergências

internas, naquele período a CUT tinha uma política que não acontece hoje. Onde

houvesse uma oposição cutista todas as correntes estavam juntas prá fazer a campanha e

defender o direito dos trabalhadores. Não era a política de uma corrente. Era a política

da Central.

G L G: Quer acrescentar mais alguma coisa?

Valmir Braga: Eu espero ter contribuído com esse trabalho, e dizer que a gente precisa,

de fato desse trabalho, pois é objetivo nosso, antes de deixarmos esse Sindicato já que

não ficaremos aqui prá sempre, resgatar nossa memória, nossa história, para o nosso

Sindicato.

Page 62: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Ata de instalação do Sindicato Têxtil de

Valença

Aos quinze dias do mês de Maio de mil novecentos e trinta e dois, nesta cidade

de Valença: Estado do Rio de Janeiro, a Rua Dona Anna Jannussi (sic), 376, reunidos

trinta e cinco (35) trabalhadores representando grande parte da classe de empregados em

Fábrica de Tecidos, o Snr. Claudemiro de Oliveira Mello, convida os presentes a

designarem um presidente para dirigir os trabalhos da Reunião, sendo chamado o Snr.

Manoel do Nascimento, que convida para constituir a mesa os Snrs. Job Nascimento e

Jorge Toledo.

O Snr. Manoel Nascimento comunica aos presentes o fim da reunião e

mostrando as vantagens que decorreram (sic) para a classe com a sua organização em

Sindicato, de acordo com o Decreto numero 19770, de 19 de março de 1931, propões

seja considerado installado o Sindicato Têxtil de Valença sendo a sua proposta

unanimemente aprovada. Em seguida procede-se a apreciação dos Estatutos sendo os

mesmos aprovados, artigos por artigos (sic). Nada mais havendo a tratar e nenhum dos

presentes querendo fazer uso da palavra, o Snr. Presidente dá por encerrada a secção

(sic) e eu, Job do Nascimento, servindo de secretário, lavrei a presente acta, que vai por

mim datada e assignada.

Valença, 15 de Maio de 1932

Job do Nascimento 1º Secretário

Page 63: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA REALIZADA NA SEDE DO

SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DE FIAÇÃO E

TECELAGEM DE VALENÇA, NO DIA 20 DE NOVEMBRO DE 1988, NA SEDE

SOCIAL, CONFORME EDITAL DE CONVOCAÇÃO, COM OS

TRABALHADORES DA CIA. DE FIAÇÃO E TECIDOS SANTA ROSA A FIM DE

DELIBERAREM SOBRE A SEGUINTE ORDEM DO DIA: ATENDIMENTO DAS

PRETENSÕES DOS EMPREGADOS QUANTO À JORNADA DE TRABALHO

CONFORME JÁ PLEITEADO JUNTO À EMPRESA OU GREVE.

Aos vinte dias do mês de novembro de

mil novecentos e oitenta e oito, às oito e trinta horas, em sua sede social, instalou-se em

Segunda convocação, com a presença de 10 (cento e vinte) trabalhadores da Cia. de

Fiação e Tecidos Santa Rosa, a Assembléia Geral Extraordinária do Sindicato dos

Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença, por Edital enviado pelo

ofício 84/88 para se afixar nos quadros de aviso da Cia., convites individuais e

programas colados em pontos estratégicos nas imediações das unidades 1, 2 e 3 da Cia.,

a fim de deliberarem sobre o seguinte: Atendimento das pretensões dos empregados

quanto à jornada de trabalho conforme já pleiteado junto à empresa ou greve. A

instalação foi procedida pelo Sr. Carlos Alberto Paixão Pereira, Presidente do Sindicato

dos Trabalhadores, que depois de explicar o plenário que o Sindicato já teria feito a

pedido dos Companheiros da Cia. de Fiação e Tecidos Santa Rosa, contato com a

Direção da Fábrica, inclusive com uma Comissão especialmente tirada da Assembléia

para tratar do assunto, e que após várias tentativas não foi possível entrarmos em

entendimento pois a Diretoria da Empresa se colocou irredutível quanto ao atendimento.

O Sr. Presidente, consternado, fez ver aos companheiros presentes que somente cento e

vinte companheiros das três unidades de um total de quase mil estava dispostos, mas

que o número de companheiros presentes não representava nem 1/3 dos companheiros e

seria difícil parar toda a Cia (unidades 1, 2 e 3) como também não estava satisfazendo o

que a Lei de greve determina. O Senhor Presidente comentou ainda que o Sindicato não

iria esfriar o movimento pelo fato da empresa implantar o sistema de horário de

trabalho, muito pelo contrário, iríamos continuar através da esfera judicial e também

pelo Ministério do Trabalho. Em seguida o Sr. Presidente explanou que por falta de

QUORUM não seria possível decidir o que estava determinado na Ordem do Dia.

Alguns Companheiros do Plenário se exaltaram no sentido de que os próprios Colegas

Page 64: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

de trabalho não atenderam o chamamento do Sindicato. Tratando-se de Assembléia

Geral Extraordinária e tendo sido cumprida a Ordem do Dia, nada mais foi discutido ou

deliberado, encerrando-se os trabalhos às 10:00 (dez) horas, tendo sido lavrada esta ata

por mim, Secretário do Sindicato, que assino juntamente com o Sr. Presidente, depois

de lida e aprovada.

Valença, 20 de novembro de 1988.

Adilson Pereira dos Santos – Diretor Secretário

Carlos Alberto Paixão Pereira – Diretor Presidente

Page 65: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

ATA DA ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA DO SINDICATO DOS

TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DE FIAÇÃO E TECELAGEM DE

VALENÇA, CONFORME EDITAL PUBLICADO NO JORNAL “VOZ DE

VALENÇA” E AFIXADO NOS LOCAIS DE TRABALHO PARA DELIBERAREM

SOBRE A VOTAÇÃO DO BALANÇO FINANCEIRO DE 1987 E PREVISÃO

ORÇAMENTÁRIA PARA O EXERCÍCIO DE 1988.

Aos trinta dias do mês de novembro de

mil novecentos e oitenta e oito na sede social do Sindicato dos Trabalhadores na

Indústria de Fiação e Tecelagem de Valença sita a Travessa Fonseca nº 112 em Segunda

convocação às 19:00 horas foi dado início aos trabalhos conforme Edital de Convocação

publicado no Jornal “A Voz de Valença” e afixado nos locais de trabalho. O Presidente

pediu ao Secretário que fizesse a leitura do Edital de Convocação. Após a leitura

comentou aos companheiros presentes que não adiantava esperar para ver se chegava

mais alguns companheiros, pois como a Santa Rosa estava em movimento de greve,

achávamos que ficaria difícil a presença dos mesmos. Ressaltou ainda que o movimento

para a greve não tinha sido iniciado pela Diretoria do Sindicato. Sendo assim,

poderíamos iniciar a referida Assembléia apesar de termos poucos companheiros no

plenário. Esclareceu ainda que por este fato deveríamos fazer o processo de votação

pela aprovação de todos os itens da ordem do dia já que com poucas pessoas no plenário

ficava bem mais fácil esclarecer qualquer dúvida seja do Relatório da Diretoria seja do

Balanço Financeiro referente ao exercício de 1987, ou da Previsão Orçamentária de

1989. Para ficar mais fácil foi solicitado pelo Presidente que fizesse a leitura de todos

os itens do Ordem do Dia em sua íntegra, a qual foi lida sem restrições, inclusive a

Previsão Orçamentária para o exercício de 1989 que previu uma receita de CZ$

7.880.000,00 contra uma despesa de CZ$ 7.738.000,00. Superávit previsto de CZ$

142.000,00. Antes de passar para o processo de votação o Presidente pediu a Maria

Vilma A Leite que fizesse os trabalhos. Assumindo os trabalhos verificou se todo o

material para a votação estava de acordo. Foi então pelo livro de presença foi feita a

chamada até que o último votasse. Foi apurado de que todos haviam votado com a

cédula sim ou seja, pela aprovação de todos os itens unanimemente. Passando ao item

assuntos gerais esclareceu o Sr. Presidente que ele estava muito desolado com os

Companheiros das Fábricas, pois a taxa de Dissídio solicitada em Assembléia com

determinação para o término da quadra polivalente (sic) estava sendo recusado e com

Page 66: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

isso ele verificava que a parte arrecadada seria só para saldar alguns compromissos

mas sem condições de terminar a obra nas dependências do Sindicato. Perguntou aos

Companheiros presentes se alguém queria fazer alguma conotação (sic). Todos ficaram

em silêncio. Concluída o que determinava a Ordem do Dia, o Sr. Presidente novamente

franqueou a palavra e como ninguém fez uso da mesma, pediu que eu, Adilson Pereira

dos Santos, secretário da Entidade, lavrasse a presente ata, que vai por mim datada e

assinada, seguindo-se as assinaturas dos demais Diretores e Escrutinador.

Valença, 30 de novembro de 1988.

Adilson Pereira dos Santos – Secretário

Carlos Alberto Paixão Pereira – Presidente

Joel André Pereira – Tezoureiro

Maria Vilma Adão Leite - Escrutinador

Page 67: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

Fontes Primárias

01 – Arquivos da Câmara Municipal de Vereadores de Valença

02 – Arquivos do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de

Valença

03 – Arquivos do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica, Mecânica, de

Material Elétrico e de Informática de Barra do Piraí, Valença, Vassouras, Mendes,

Paulo Frontin e Piraí

Page 68: Monografia Gilson Luiz Gabriel - Nov. 2004

BIBLIOGRAFIA

01- BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca e VEIGA, Sandra Mayrink. Novo

Dicionário Político, Volume 1. Rio de Janeiro, FASE /Vozes, 1992.

02- DREIFUSS, René Armand. 1964 – A Conquista do Estado – Ação Política,

Poder e Golpe de Classe. Petrópolis, Vozes, 1981, 3ª ed.

03- GIANNOTTI, Vito. A CUT por dentro e por fora. Petrópolis, Vozes, 1991, 2ª

ed.

04- LENINE, Vladimir I. Sobre as Greves. Mimeografado.

05- MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Lisboa,

Edições Avante, 1984, 2ª ed.

06- MARX, Karl. Introdução à Crítica da Economia Política, in Obras Escolhidas,

Vol. 1. São Paulo, Alfa Ômega,

07- THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa I – A árvore da

liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

08- VIANA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro,

Paz e terra, 1976, 2ª ed.