monografia flagrante preparado

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – NITERÓI RICARDO GUIMARÃES LUIZ ENNES 20502012-2 O FLAGRANTE PREPARADO: Sua admissibilidade no Direito brasileiro. MONOGRAFIA BACHARELADO EM DIREITO

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – NITERÓI

RICARDO GUIMARÃES LUIZ ENNES20502012-2

O FLAGRANTE PREPARADO:Sua admissibilidade no Direito brasileiro.

MONOGRAFIA

BACHARELADO EM DIREITO

NITERÓIJUNHO DE 2010

RICARDO GUIMARÃES LUIZ ENNES20502016-2

FLAGRANTE PREPARADO:Sua admissibilidade no Direito brasileiro

Monografia apresentada à banca examinadorada Universidade Candido Mendes – Niterói,

como exigência parcial para a obtenção do graude bacharel em Direito.

ORIENTADOR: Professora Gisele Veríssimo.

Niterói2010

RICARDO GUIMARÃES LUIZ ENNES

O FLRAGRANTE PREPARADO: Sua admissibilidade no Direito brasileiro

Monografia apresentada à banca examinadorada Universidade Candido Mendes – Niterói,

como exigência parcial para a obtenção do graude bacharel em Direito.

Nota: ________________Aprovada ( )Aprovada com louvor ( )Aprovada com restrições ( )Reprovada ( )Data: ____/____/_______

_____________________________________Professora Gisele Veríssimo

Universidade Candido Mendes

___________________________________Professor Fernando Bartholo

Universidade Candido Mendes

______________________________________Professor Marcelo Gondin

Universidade Candido Mendes

Resumo:

A presente monografia pretende abordar de forma sucinta aspectos básicos

da prisão em flagrante, como natureza jurídica, funções, parte histórica e etc., bem como

abordar todas as modalidades de flagrantes presentes o ordenamento jurídico nacional.

Cabe esclarecer, que estes pontos não são o objeto principal do trabalho e foram

abordados somente por questões didáticas, para efeito de desenvolvimento do

raciocínio.

Com isto, pretende-se traçar as principais diferenças entre as modalidades

de flagrante que vigoram no Brasil para que então, se entenda melhor o flagrante

preparado, o tema principal desta monografia, que merecerá ai sim, grande atenção e

profundidade.

A abordagem do flagrante preparado desenvolvida foge a seara exclusiva do

Direito Processual Penal, entrando desta forma, no Direito material, ponto em que,

ressalta-se não poderia ser diferente, já que conceitos próprios de Direito Penal, e não de

Processo Penal, são utilizados pela doutrina e jurisprudência para justificar ataques a

sua admissibilidade.

Como não poderia deixar de ser, o enunciado nº 145 da súmula do STF

também foi abordado e vale dizer, criticado na monografia ora em análise. Questões

concernentes as teorias penais da conduta, crime impossível, entre outras, também

foram objeto de reflexão no presente tralho.

Sumário.

Introdução1. Visão geral do tema.1.1. Conceito geral.1.2. Conceito de prisão em flagrante e parte histórica.1.3. Fundamentos e função.1.4. Natureza Jurídica.1.5. Formalidades.2. Modalidades de prisão em flagrante.2.1. Flagrante próprio.2.2. Flagrante impróprio.2.3. Flagrante presumido.2.4. Flagrante forjado.2.5. Flagrante diferido.2.6. Flagrante esperado.3. O flagrante preparado.3.1. Visão geral.3.2. A questão do enunciado nº 145 da Súmula do STF.

3.2.1.Críticas relativas ao flagrante preparado ser considerado crime impossível.3.3. As Teorias da Conduta e o flagrante preparado.3.4. A questão da vontade viciada do agente.

3.5. A certeza visual no flagrante preparado.

Conclusão.

Introdução:

Hodiernamente é cada vez mais comum o uso do chamado flagrante

preparado ou provocado. Tornou-se usual vermos em nossas casas, na televisão, ou

lermos em algum periódico, que um terceiro, seja ele repórter ou policial, se passou por

interessado em um serviço de emissão de documentos falsos, por exemplo. Então, ainda

dentro do exemplo, quando o criminoso vai entregar o produto da falsificação, é preso

em flagrante pela polícia, que aguardava escondida na porta ao lado para prender em

flagrante delito o suspeito, efetuando a captura. Em que pensem a negativa de alguns,

isto é sim flagrante preparado, constituindo-se, pois, em um importante instrumento de

combate ao crime, notadamente ao organizado.

Ocorre que tal hipótese, que cabe repetir, é cada vez mais comum, não

encontra guarida na maior parte da doutrina, que a considera inválida. Como se não

bastasse o repúdio doutrinário, existe o enunciado de nº 145 da Súmula do STF, que

reputa como crime impossível, portanto, inválido a modalidade de flagrante por nós

aqui tratada e defendida.

Com a presente monografia se pretende mostrar que a citada súmula foi

editada sob a égide de uma teoria da conduta que não mais é adotada pelo Direito Penal

pátrio, o que modifica completamente o seu sentido, como será esmiuçado no decorrer

do trabalho.

Outro ponto que será aqui, por nós, alvo de severas críticas, é a

admissibilidade do flagrante dito esperado, diante do total repúdio ao seu “irmão”, o

preparado. Pretendemos assim, demonstrar, que não há qualquer diferença significativa

entre esses dois flagrantes de modo a justificar aplausos ao primeiro e vaias ao segundo,

constituindo-se, pois, em questão de simples lógica a dedução de que se o esperado é

admitido, da mesma forma, deverá o preparado sê-lo.

Também constitui-se em argumento de pura e simples lógica o que trata dão

condão da vontade viciada do agente (autor do delito) afastar a validade do flagrante. A

Lei Penal assevera que quando o delinqüente é induzido à prática de crime por terceiro,

pode, sem problemas, ser responsabilizado por sua conduta, sendo o indutor, punido na

medida de sua culpabilidade como partícipe do fato. Porém, quando o mesmo

induzimento se dá em sede de flagrante preparado a doutrina considera que modificaram

o elemento fático-volitivo do criminoso, agindo o agente provocador de forma insidiosa,

viciando desta forma o ato praticado de forma insanável. A doutrina chega ao ponto de

adjetivar o flagrante preparado como sendo uma comédia, na qual o seu personagem

principal é, sem sabê-lo ser, o autor do fato típico. Com todas as vênias, essa não parece

ser a opinião mais acertada. Não podemos infantilizar o criminoso, tratando-o como um

ser ingênuo e sem malícia. Proteger dessa forma quem é pego em flagrante preparado é

fomentar a impunidade, já exageradamente grande em nossa sociedade, é retirar da

polícia um importante instrumento de combate a criminalidade e de prova contra

criminosos cada vez mais organizados.

O crime não para. A cada dia que passa surgem novas táticas para enganar a

polícia, para se desvencilhar das investigações e para burlar a Lei Penal. O

desenvolvimento de técnicas para coibir essa situação também não pode parar. Parece

que em relação ao tema deste trabalho houve sempre houve uma preguiça, tanto

doutrinária, quanto jurisprudencial, para atualizar o entendimento firmado pela Súmula

145 do STF, que vale salientar, é da década de 1960. Modernamente tal entendimento,

por várias razões, não se sustenta e não pode continuar prosperando.

Deve-se, no tema em comento, sopesar os bens jurídicos em jogo. De um

lado uma ideologia garantista exacerbada, que não responde aos anseios da sociedade

moderna, já tão castigada pela criminalidade, do outro, a proteção a essa mesma

sociedade. Não uma proteção cega e desprovida de limites, mas uma proteção com

amparo constitucional. Vale dizer, o flagrante preparado não viola princípios

constitucionais, e neste trabalho, procuraremos demonstrar que a aplicação do princípio

constitucional da proporcionalidade - entre o entendimento do STF e a admissibilidade

do flagrante preparado – deve ser a solução para que restem sanadas as divergências

sobre o tema.

Enfim, todo o dia, quem atua na seara penal se depara com questões

atinentes ao presente tema. Com os meios de interceptação ambiental modernos, novas

dinâmicas investigativas, câmeras de vídeo, etc. a questão ganha relevância. O direito

processual penal moderno, que se pauta pelas garantias constitucionais, mais do que

servir como argumento para proteger delinqüentes, deve servir à efetiva realização da

justiça, proporcionando, sempre dentro dos limites constitucionais do contraditório e da

ampla defesa, os meios necessários à correta persecução penal.

1 - Conceito geral de prisão, de prisão em flagrante, histórico

fundamentos, função e natureza jurídica.

1.1. Conceito Geral de prisão.

O conceito geral de prisão possui natureza ampla e segundo Tales Castelo

Branco, é utilizado para designar qualquer restrição a liberdade individual, seja dentro

de casa, na delegacia, na penitenciária, no quartel etc.

Ainda, segundo o supracitado autor, a palavra prisão nasce da palavra latina

prensione, já esta, advêm do termo prehensio, onis, que significa prender, sendo, pois,

empregada no sentido de recolher o preso, capturá-lo, ter sob custódia, o lugar onde

alguém fica preso. (CASTELO BRANCO, 2001, p. 04)

1.2. Conceito de prisão em flagrante e breve parte histórica.

A prisão em flagrante, bem como a prisão cautelar de modo geral, segundo

José Anselmo de Oliveira , é mais antiga que a própria prisão como pena, tendo,

segundo ele, surgido na Grécia e Roma antigas, sendo assim, destinadas aos

estrangeiros e escravos, existindo, para os cidadãos, o instituto, já então conhecido, da

fiança (OLIVEIRA, 2002, Revista da ESMESE, p.205).

Já Tales Castelo Branco, em livro sobre o tema, sustenta que a distinção

entre a prisão cautelar e a decorrente de sentença condenatória é bastante antiga, já

sendo conhecida no tempo da legislação mosaica, posto ser exclusivamente no caso da

prisão em flagrante, permitida a prisão do indiciado antes do seu comparecimento

perante o tribunal, quando então poderia se defender e seria julgado.

Continua o brilhante autor, aduzindo que na Roma antiga, a Lei das XII

Tábuas já previa a prisão em flagrante, prevendo ainda, o extermínio dos delinqüentes

que a ela resistissem (CASTELO BRANCO, 2001, p. 17).

Já na idade média foi reconhecido o direito de qualquer pessoa a prender um

criminoso em flagrante, aumentando assim, os casos de legítima defesa, tanto própria

quanto de terceiros, gerando, segundo Tales Castelo Branco, “uma conotação prática

que, jamais o iria abandonar, como arma eficiente contra a criminalidade” (CASTELO

BRANCO, 2001, p. 18).

Posteriormente, a igreja católica adotou o instituto da prisão cautelar como

uma maneira eficaz de manter presos os acusados de pecados, que eram, até então,

considerados crimes, aguardando seu julgamento inquisitorial.

Após, já no século XIII, na época da inquisição, a igreja mandou construir

as primeiras prisões. Foi a época da inquisição, sendo, pois, necessário que os acusados

ficassem presos para serem torturados, vale dizer, nesta época, a confissão era a rainha

das provas, podendo ser obtida inclusive por meio de tortura. Ainda, segundo José

Anselmo de Oliveira, neste mesmo período o poder secular mandava construir suas

prisões para que os acusados pudessem aguardar presos por sua futura pena.

Já no século XIV as Ordenações Filipinas vedavam qualquer prisão

desprovida das formalidades legais, salvo o caso da prisão em flagrante delito.

No Direito brasileiro, já na época da colônia, a prisão cautelar sempre foi

bem mais utilizada que a prisão pena. Deste modo, neste período histórico, a prisão em

flagrante delito era possível quando o criminoso era encontrado no lugar da infração,

cometendo a infração, bem como, quando não encontrado no lugar, continuava, de

modo contínuo, fugindo da autoridade que o perseguia.

Deste feita, a prisão em flagrante gerava um duplo efeito, como aponta

Tales Castelo Branco: O primeiro era o de dar ao juiz do caso o direito de proceder ex

officio. O segundo consubstanciava-se no direito de qualquer do povo perseguir o autor

do fato, que caso fosse capturado, poderia ser levado diretamente ao juiz, sem

necessidade de ser apresentado previamente a autoridade policial (CASTELO

BRANCO, 2001, p. 19).

Com a Constituição Imperial de 1824, passou-se a exigir, ordem escrita e

fundamentada, de autoridade competente, para que alguém fosse preso, excetuando-se,

como não poderia deixar de ser, a prisão em flagrante.

Em 1832, com a edição do então Código de Processo Criminal, a prisão em

flagrante ganha contornos mais conhecidos. Ficam instituídos dois tipos de prisão em

flagrante, um obrigatório e outro facultativo. O primeiro era reservado aos Oficias de

Justiça, já o segundo, era autorizado a qualquer do povo, desde que, em qualquer dessas

duas hipóteses, o criminoso fosse capturado no momento em que cometia o crime, ou

quando fugindo, fosse perseguido pelo clamor público.

Já na fase republicana, veio a nova Constituição de 1889 que em nada

inovava. Excetuava a prisão em flagrante em relação as demais, no sentido de permiti-

la, independente de ordem escrita e fundamentada de autoridade competente. Cabe

consignar que a Carta Política de 1889 não definiu o que era flagrante delito, cabendo

assim, a legislação ordinária defini-lo. Como continuou em vigência o Código de

Processo Criminal de 1832 nada foi alterado de fato, cabendo, pois, a prisão em

flagrante nas duas situações acima transcritas.

Com a República também veio a forma federativa de Estado, o que

significa, que cada estado federado é dotado de autonomia política e administrativa, que

naquela época, permitia a edição pelos membros federados de legislações processuais

próprias, tanto em matéria penal quanto em matéria civil. E foi o que fizeram alguns

estados, notadamente o Rio Grande do Sul e Goiás. Influenciados pela escola positivista

e pelo Código de Processo Penal italiano esses dois estados ampliaram o conceito de

flagrante, que passou a englobar, além das duas hipóteses já estudadas supra (é

encontrado cometendo um crime ou foge sendo perseguido pelo clamor público), a

possibilidade de se encontrar o criminoso com armas, instrumentos ou objetos que

induzam a presunção de sua culpabilidade e no caso de Goiás, a hipótese do delinqüente

ser encontrado tendo interrompido a ação criminosa.

1.3 Fundamentos e função.

A etimologia da palavra flagrante, como nos ensina o mestre Paulo Rangel

“vem do latim flagrans, flagrtantis, do verbo flagrare, que significa queimar, ardente,

que está em chamas, brilhando, incandescente (RANGEL, 2003, p.587)

É como o delito se exterioriza, tornado-se inconteste, dando certeza de seu

cometimento.

Ou, nas palavras do douto doutrinador Fernando de Almeida Pedroso:

“Entende-se em flagrante delito o autor de crime ou contravenção que

é colhido e surpreendido em pleno envolvimento com a infração, id

est, antes que se pusesse a bom recato e lograsse afastar de si as

evidências fáticas imediatas que o acrisolam e vinculam com o fato

típico cometido. Representa flagrar o delinqüente ainda em contato

com a infração, revelando a imediata constatação, percepção do fato

de sua autoria. Denota o flagrante, portanto, como reiteradamente

enfatizam os doutrinadores, a certeza visual do ilícito penal, pois

transmite a idéia de algo ardente, de atualidade palpitante,

surpreendido em plena crepitação.”

(PEDROSO, 1994, p.26)

A prisão em flagrante possui fundamento na garantia da ordem jurídica,

evitando a fuga do autor, servindo de exemplo para outros que possam vir a

desobedecer a Lei Penal, protegendo desta forma as provas da materialidade e indícios

de autoria, bem como, protegendo a sociedade, visando atingir a um bem comum.

Assim, pretende o Estado cumprir sua função mais importante, a de dar segurança as

pessoas, sejam elas cidadãos ou não, nacionais ou estrangeiros que aqui estejam.

Segundo Tales castelo Branco a principal função de prisão em flagrante é,

indiscutivelmente, a certeza visual sobre o autor do fato penal ilícito (CASTELO

BRANCO, 2001, p.39). Já Daniel Gerber nos ensina que o objetivo precípuo do

flagrante é a proteção ao bem jurídico ameaçado e garantia da prova de autoria e

materialidade para uma futura ação penal (GERBER, 2003, p.131).

1.4. Natureza Jurídica

O flagrante possui natureza jurídica de prisão cautelar, logo, deve preencher

seus dois requisitos, quais sejam: fumus boni iuris e periculum in mora, que para o

mestre Paulo Rangel, na seara do processo penal, devem ser interpretados no sentido de

fumaça do delito ter sido efetivamente cometido (fumus comissi delicti) e o perigo de se

manter o acusado em liberdade (periculum libertatis) (RANGEL, 2003, p.585). Como

toda medida de natureza cautelar, tem natureza assecuratória, servindo assim, à

instrução criminal, não à realização do direito material. Sem embargo, é bom que fique

claro, desde logo, que a prisão em flagrante não se constitui em uma mera antecipação

de tutela do estado. O fato do acusado ser culpado ou inocente, ou ainda, a gravidade

em abstrato do delito, nada têm a ver com a manutenção de sua prisão cautelar.Em

nosso ordenamento, a regra é a liberdade, sendo a prisão, exceção, que só será admitida

nos casos em que a instrução criminal esteja sendo ameaçada.

Neste sentido, continua o mestre Fernando Almeida Pedroso nos ensinando que:

“Assim, dada a conotação casual ou acidental do flagrante, andou bem

o legislador em determinar, com a reforma operada pela Lei nº

6.416/77, que a segregação dele resultante só seja mantida quando

também ocorrentes motivos permissivos e decretação da prisão

preventiva (parágrafo único, art. 310, CPP)”, ressaltando dessa forma

o aspecto necessário do flagrante. Efetivamente: tão apenas por ter

sido surpreendido no cometer o delito, poderia o réu permanecer

preso, por mera casualidade, enquanto seus cúmplices ou o autor de

outro crime, quiçá portadores de periculosidade maior, aguardariam

soltos o pronunciamento da Justiça, por não terem sido f1agrados.

Nessa conjuntura, a mantença da segregação resultante do flagrante,

hodiernamente somente ocorre se, paralela e simultaneamente,

subsistir ou houver alguma razão que justificasse a decretação da

prisão preventiva. Inexistente esse motivo, ao detido há de ser

concedido o benefício da liberdade provisória (art. 310, parágrafo

único, CPP).”

(PEDROSO, 1994, p.26)

Imprescindível é também, atentar-se ao princípio da proporcionalidade ou

razoabilidade, para isso, deverá ser verificada se a medida cautelar não será mais

gravosa do que o provimento final esperado. Caso isto ocorra, não é razoável que a

medida cautelar da prisão em flagrante continue produzindo efeitos, sob pena de se ferir

o Princípio Constitucional da Proporcionalidade, devendo assim, ser o acusado solto.

Poderíamos assim dizer que a manutenção de uma prisão cautelar deve ser baseada,

como nos ensina Tales Castelo Branco, em um juízo de probabilidade de futura

condenação do acusado (CASTELO BRANCO, 2001, p. 10).

Sobre o tema, Daniel Gerber, brilhante autor gaúcho, nos ensina que:

“No caso em concreto, será ponderada a gravidade da medida imposta

com a finalidade pretendida – o equilíbrio entre dois deveres do

Estado – a saber: (1) a proteção do conjunto social e a manutenção da

segurança coletiva dos membros da comunidade frente a desordem

provocada pelo injusto típico, através de uma eficaz persecução dos

delitos e de outro lado, (2) a garantia e a proteção efetiva das

liberdades e direitos fundamentais do indivíduos que a integral.”

(GERBER, 2003, p. 98)

Também é possível classificar a prisão em flagrante como sendo

administrativa, posto a lavratura do auto de prisão se dê na seara policial, sem a

participação da jurisdição, pelo menos num primeiro momento. Daí a diferença entre a

prisão cautelar administrativa e a processual: segunda é decretada pelo juízo, como por

exemplo, a prisão preventiva e a prisão temporária. Cabe consignar que em um segundo

momento a prisão em flagrante passa a ter caráter processual, posto, como leciona Tales

Castelo Branco “vai projetar conseqüências na relação processual que se estabelece no

juízo final.” (CASTELO BRNACO, 2001, p.11).

1.5 Formalidades

O grande professor, Fernando da Costa Tourinho Filho, nos ensina, que a

prisão em flagrante deve preencher algumas formalidades que existem, justamente, para

que sejam garantidos certos direitos básicos do acusado.

Assim, segundo o mestre, que em seu livro reconhece com humildade, que

não tem a pretensão exaurir tais formalidades, enumera as que considera serem as

principais, quais sejam, em síntese: a) Verificar-se se a autoridade tem atribuição para

lavrar o auto de prisão em flagrante (APF), na forma do artigo 144 da Constituição

Federal, que em seus parágrafos nos ensina o que compete a polícia federal e a polícia

civil, sendo certo que em caso de infração militar, o APF será presidido por uma

autoridade militar; b) que sejam ouvidos o condutor e duas testemunhas presenciais, ou,

pelo menos, que tenham assistido à apresentação do acusado; c) que seja ouvido o

conduzido; d) o auto de prisão em flagrante deverá ser assinado por todos os

envolvidos, vale dizer, o Delegado, o escrivão, o curador ou defensor, testemunhas e o

condutor; e) se o conduzido for menor, deverá ser nomeado um curador, como assevera

o artigo 15 do Código de Processo penal; f) a Autoridade competente para presidir a

lavratura do APF é a do local onde ocorreu a captura, e não a do local onde foi realizado

o delito; g) quando correr a hipótese de não existir autoridade policial competente onde

se logrou a prisão captura, o APF deverá ser lavrado pela Autoridade do local mais

próximo; h) deverão também, estarem contidas no auto, as assinaturas de todos aqueles

que nele intervieram; i) o auto deverá ser lavrado por um escrivão competente, salvo a

hipótese do artigo 305 do Código de Processo Penal; j) nos termos do artigo 203,

deverão as testemunhas, bem como o condutor, prestarem compromisso; l) o conduzido

tem direito, como não poderia deixar de ser, a um advogado ou um defensor público; m)

o preso tem direito a permanecer em silêncio, desdobramento claro do direito à ampla

defesa insculpido da Carta Política de 1988; n) certo é, que para que seja válida, após a

lavratura do APF, deve ser cumprido o imposto no artigo 306 CPP, notadamente em seu

parágrafo 1º, que nos informa que o auto de prisão em flagrante deverá ser encaminhado

ao juiz competente, juntamente com as oitivas de testemunhas colhidas até então; o)

deverá ser entregue ao preso, no prazo de 24 horas, a chamada nota de culpa, que como

nos ensina o artigo 306 do CPP, deverá conter a acusação que pesa sobre o preso

(TOURINHO FILHO, 1998, p. 445).

Nos ensina ainda o nobre doutrinador, Tourinho Filho, que em certas

situações, o julgador verifica que o flagrante não obedeceu alguma das formalidades

citadas acima, neste caso, a depender da natureza do delito e do caso concreto, poderá o

juiz relaxar o flagrante e decretar a prisão preventiva do acusado, ficando assim,

legalizada a prisão (TOURINHO FILHO, 1998, p. 446).

Cabe consignar, que parte da doutrina entende que o juiz não poderia, de

ofício, decretar a prisão preventiva sob pena de ferirmos o sistema acusatório, adotado

implicitamente pela Constituição da República. Em que pesem tais opiniões neste

sentido, não nos parece esta, a melhor posição sobre o tema, entretanto, por não ser o

objeto de nosso estudo, não nos estenderemos no assunto.

É também um ato complexo, já que seu aperfeiçoamento ocorre em dois

momentos, quais sejam: prisão captura e prisão lavratura. A primeira fase pode ser

realizada por qualquer pessoa do povo que logre capturar o delinqüente no momento da

infração, logo após ou etc., conforme os tipos de flagrantes já explanados. A segunda,

só pode se aperfeiçoar por meio da autoridade policial, que a seu juízo, verificará se o

ato praticado pelo agente constitui ou não delito penal. Caso constitua, verificará se

preenche os requisitos expostos supra, e lavrará o auto de prisão em flagrante.

2 Modalidades de prisão em flagrante.

Antes de adentrarmos nas modalidades de flagrante propriamente ditas cabe

aqui uma consideração acerca da nomenclatura dos sujeitos que participam da prisão em

flagrante. E como o que é perfeito não se pode melhorar, nos permitimos citar

integralmente uma passagem do douto autor, que se dedicou a escrever um livro

exclusivamente sobre o tema da prisão em flagrante, Tales castelo Branco:

“Aquele que é capturado em flagrante é chamado conduzido pelo

condutor da prisão. A Lei Processual vigente levando em consideração

a sua qualidade de quase-imputado, também o chama de acusado. É

comum, também, chamá-lo de preso e de réu (quando menciona a

hipótese de livrar-se solto); e, cautelosamente, apenas de agente, ao

cuidar das excludentes de criminalidade. Corriqueiramente, usa-se,

ainda, chamar o conduzido de autuado e indiciado (expressões muito

utilizadas durante a lavratura o flagrante). A Constituição Federal

utiliza-se da expressão preso.”

(CASTELO BRANCO, 2001, p.39)

2.1. Flagrante próprio

Em primeiro lugar, falaremos do flagrante próprio, também conhecido como

propriamente dito ou real, que é aquele, onde o agente, autor da infração, é pego no

momento em que a cometia ou assim que acaba de cometê-la, estando previsto no artigo

302, incisos I e II do Código de Processo Penal. Sendo certo que o vocábulo “acaba de

cometê-la” deve ser interpretada no sentido de grande imediatidade. É o que no ensina o

sempre brilhante professor Fernando Capez (CAPEZ, 2009, p.308). Outro mestre que

escreve sobre o assunto é Julio Mirabete (MIRABETE, 2007, p.375), ressaltando que a

lei equiparou situações dispares, em dispositivos diferentes.

Assim, uma situação se da quando o agente foi pego no momento em que

praticava o delito. Há neste caso, inserto no inciso I do artigo 302 do Código de

Processo Penal uma certeza visual do crime. É o momento de crepitação máxima das

chamas do flagrante. Sobre o tema, diserta o sempre brilhante doutrinador Daniel

Gerber:

“(...) tem-se que tal inciso traz consigo tanto a existência do periculum

libertatis quanto do fumus comissi delicti, o primeiro concretizado

tanto frente ao perigo ou dano que a ação desenvolvida representa ao

objeto ameaçado quanto à apreensão imediata da prova e o segundo,

por óbvio, junto aos elementos colhidos com a prisão, eis que efetuada

através da certeza visual do ato e de sua autoria.”

(GERBER, 2003, p.131)

Outra diferente acontece quando o autor do crime sofre o flagrante quando

acaba de cometer o fato, razão pela qual, parte da doutrina, sustenta que nessa segunda

hipótese há uma presunção de flagrante. Daniel Gerber discorda veementemente desta

modalidade de flagrante, sustentando inclusive sua inconstitucionalidade. Pra o citado

autor a modalidade de flagrante prevista no inciso II do artigo 302 do Código de

Processo Penal não guarda relação com a definição de ardência, crepitação, chamas, que

são necessárias para caracterizar o flagrante, posto ser, mera presunção de que

determinada pessoa praticou aquele ato. Assevera o nobre doutrinador:

“Desta maneira, o raciocínio a se realizar no sentido de perquerir-se

quanto à legitimidade de se considerar em estado de flagrância um

indivíduo que não foi visto cometendo o ato é se, ante o

(des)conhecimento que nos leva é trazido pela complexidade do

mundo moderno, pode-se afirmar a existência de uma determinada

situação com fulcro, apenas, na utilização de uma lógica indutiva ou

dedutiva, em ambos os modelos, identitária.”

(GERBER, 2003, p. 134)

2.2. Flagrante impróprio

Curioso é a denominação da próxima modalidade que iremos estudar,

conhecido como quase-flagrante ou flagrante impróprio. Explico o motivo de

adjetivarmos a nomenclatura, ora em análise, como curiosa. É que a hipótese de sua

ocorrência encontra-se inserta no art. 302, III, do CPP, cujo caput diz o seguinte:

”Considera-se em flagrante delito quem:”

Ora, como chamar de quase-flagrante algo que o próprio CPP assevera ser

hipótese de flagrante? Se fosse intenção do legislador que essa modalidade fosse assim

reconhecida, trataria em lugar apartado sobre ela, e não no artigo que enumera as

hipóteses de flagrante. Como prender alguém em flagrante quando sua prisão se deu em

“quase-flagrante”? Sendo certo que o CPP, como não poderia deixar de ser, não prevê

em nenhum artigo a prisão por um quase-flagrante.

Por esta razão, Tales Castelo Branco, citando Roberto Lyra, critica tanto a

nomenclatura utilizada, quanto a constitucionalidade do dispositivo ora em análise.

“Flagrante é flagrante mesmo, íntegro, líquido, certo, incontestável.

Não há flagrância fora da flagrância, acima de dúvida e desfalque.

Quase isto não é isto. Estaria faltando o elemento da evidência, do

melindre, do alarma. Numa democracia, a liberdade é a regra. A

exceção a de ser expressa e exclusiva na sede constitucional. A

própria palavra – flagrante – flameja e queima. Flagrância não é fogo

de artifício, não é calor frio. A lei ordinária não pode disfarçar

violações sobre o “travesti” de assimilações ou adaptações, expondo a

liberdade individual a controvérsias incessantes e a “exigências

práticas” – máscara do arbítrio.”

(CASTELO BRANCO, 2001, p. 37 apud LYRA, 1971, v.3, p. 12)

Certo é que o flagrante impróprio não passa se ficção legal, de uma mera

adaptação legal as necessidades práticas posto só ocorrer a certeza visual do

cometimento do delito na hipótese inserta no artigo 302, I, CPP.

Daniel Gerber também critica o flagrante impróprio. Segundo este autor, tal

modalidade de flagrante foi trazida para ao CPP pelo Código de Processo Penal italiano

da década de 30, de concepção claramente fascista. Salienta ainda que da redação do

inciso III do artigo 302 do CPP (“é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo

ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;”)

inferem-se duas situações díspares. A primeira, sem muitos problemas, posto tratar-se

de hipótese que se amolda a certeza visual do cometimento do crime, se dá quando a

autoridade ou qualquer do povo visualiza o cometimento da infração penal, postando-se

em seguida, a perseguição do agente delinqüente. Já a segunda situação, ocorre quando

mesmo sem a visualização do ato criminosos, terceiros ou a autoridade se põem em

posição de perseguir o acusado (GERBER, 2003, p.146). Como se admitir flagrante sem

a visualização do ato? Para Daniel Gerber seria um contra-senso.

A despeito das discussões sobre nomenclatura, o flagrante impróprio

(chamaremos assim a hipótese prevista no art. 302, III, CPP, como também o faz grande

parte da doutrina) acontece quando o agente, autor da infração, é perseguido logo após a

prática do fato criminoso, pela polícia, pela vítima, ou por terceiros, em situação tal, que

seja lícito presumir que seja ele o autor da infração.

Diante disso, pende que seja aqui, exposto um conceito de perseguição.

Sendo assim, tal palavra detém várias acepções, podendo significar, segundo Tales

Castelo Branco: seguir de perto, ir atrás, correr atrás, ir no encalço, atormentar,

importunar, vexar com insistência, transmitindo, pois, a idéia de insistência,

continuidade. Entretanto, ainda para este autor, a acepção de tal palavra no Código tem

sentido de ir atrás, correr atrás, ir ao encalço, com insistência, continuidade e rigor.

Significa isto dizer, que para que este requisito quede-se completo, pende que a

perseguição realize-se de forma material, seja pela autoridade ou por terceiros

(CASTELO BRANCO, 2001, p. 47).

Da mesma forma, faz-se oportuno, que se analise o significado da expressão

“logo após”, empregada no referido dispositivo. Para Mirabete, deve-se entender a

expressão “logo após” como o tempo entre a prática do crime e a colheita da

informação, fazendo com que o autor passe imediatamente a ser perseguido

(MIRABETE, 2007, p.376). O STJ já firmou entendimento no sentido de atribuir

elasticidade a referida expressão, podendo assim, segundo este tribunal, transcorrer

várias horas até a efetivação do flagrante.

Ainda, para Mirabete, não importa se a perseguição foi iniciada pela polícia

ou por populares que tomaram conhecimento da prática do delito. Também não importa

se a perseguição demorou mais de 24 horas, como aponta, equivocadamente, parte da

doutrina (MIRABETE, 2007, p.376). Entretanto, faz-se mister que a perseguição não

tenha sofrido interrupção de continuidade. Caso isto ocorra, segundo Paulo Rangel, não

haverá flagrante, devendo ser, portanto relaxada a prisão nos termos do artigo 5º, LXV

da Carta Política (RANGEL, 2003, p. 595).

2.3. Flagrante presumido

O artigo 302, IV, do Código de Processo Penal, enumera ainda mais uma

forma de flagrante, esta, conhecida como flagrante presumido, ficto ou assimilado.

Neste caso, o CPP estabelece que a prisão poderá ocorrer em flagrante

quando alguém for encontrado logo depois, com objetos, armas ou papeis, que façam

presumir ser ele o autor do crime.

Percebe-se que agora, o legislador emprega a expressão logo depois,

abandonando a expressão do inciso anterior do mesmo artigo, qual seja, logo após.

A doutrina majoritária sustenta não haver distinção entre essas duas

expressões. Para esta corrente, tanto em um caso quando em outro se deve fazer uma

interpretação restrita, buscando não ampliar o prazo, que a Lei quer que seja exíguo. No

entanto, para os defensores desta tese, distinguir os dois vocábulos seria completamente

desprovido de sentido prático, posto a distinção entre os dois incisos se dê em outra

seara, qual seja, em um o agente é perseguido, em outro é encontrado.

Já outra parte da doutrina sustenta opinião diversa. É o caso do sempre

brilhante autor Paulo Rangel. Para este autor, há sim uma diferença entre as duas

expressões (“logo após” e “logo depois”), posto a Lei não conter palavras inúteis.

Assim, para ele, os incisos do artigo 302 do CPP estão dispostos em ordem decrescente

de imediatidade. No primeiro inciso (flagrante próprio) a chama está acesa, em

crepitação máxima, indo ao longo dos demais incisos apagando-se, diminuindo de

intensidade. Já no quarto inciso (flagrante presumido), sustenta Rangel, não haver

sequer mais a chama, restando, pois, somente uma cinza, sendo certo que no caso da

flagrante impróprio o lapso temporal é menor que no presumido.

Ainda, para Paulo Rangel:

“o que difere o flagrante impróprio do presumido é o elemento

volitivo no impróprio, que não há no presumido; o lapso de tempo da

expressão logo depois, que é maior do que na expressão “logo após”,

e os vestígios encontrados com o autor da infração penal no

presumido (instrumentos, armas, objetos ou papeis), que não são

exigidos no impróprio.”

(RANGEL, 2003, p. 599)

Fernando Capez nos ensina que para que esta modalidade se concretize, não

é necessário que ocorra perseguição, bastando assim, que o agente, suposto autor do

fato, seja encontrado “logo depois” da prática do crime em situação suspeita (CAPEZ,

2009, p.308).

Já Mirabete, ressalta que o ponto crucial de diferenciação entre o flagrante

presumido e o impróprio é que enquanto no primeiro ele é encontrado, no segundo é

perseguido (MIRABETE, 2007, p.378).

Daniel Gerber critica o flagrante presumido assim como o faz com o

flagrante impróprio. O maior problema destes tipos de flagrante (artigo 302, II, III, IV

do CPP), sustenta o autor, é a não visualização por parte da autoridade ou terceiro do ato

criminoso. Aduz ainda que:

“Depreende-se, pois, que tanto a hipótese do inciso III (flagrante

impróprio) quando a hipótese do inciso IV (flagrante presumido),

atingem frontalmente os direitos básicos do indivíduo não apenas por

desprezarem, de forma absoluta, o preceito constitucional da

presunção da inocência mas, indo além, por elasticizarem dita prisão

em acordo com a conveniência do caos concreto. Se, em um regime

fascista, tal passo é facilmente explicável, não há como se entender a

contínua aplicação das mesmas em um Estado que traz como premissa

maior o respeito ao indivíduo.”

(GERBER, 2003, p. 151)

2.4. Flagrante forjado.

Outra modalidade é o flagrante forjado que se constitui num verdadeiro

imbróglio processual. O crime de fato nunca existiu muito menos o flagrante.

Segundo Eugenio Pacelli, ele ocorre quando agentes policiais plantam

provas, objetivando incriminar um determinado suspeito, ou até um desafeto. Logo, o

flagrante forjado não produzirá conseqüências, salvo para quem planejou e executou a

fraude, que no caso em análise, poderá responder por crime de denunciação caluniosa

ou abuso de autoridade (PACELLI, 2009, p.445).

Infelizmente é comum, por exemplo, maus policiais colocarem sustância

definida como entorpecente no bolso de um suspeito, ou dentro de seu carro, para tentar

assim incriminá-lo. Vale dizer, tal prática é inaceitável, promovendo uma inversão de

papeis, onde quem age descumprindo a lei é o agente policial e não o suposto bandido.

2.5. Flagrante diferido.

Flagrante diferido ou controlado está previsto na Lei nº. 9.034/95 que trata

da possibilidade de agentes policiais não efetuarem o flagrante no caso dos crimes

praticados por organizações criminosas, desde que obtenham autorização judicial e

mantenham os suspeitos sob estrita vigilância.

Segundo Pacelli, diante da complexidade das ações criminosas realizadas

por grupos do crime organizado, permite a lei, mediante autorização judicial, que um

agente policial se infiltre na organização criminosa com o objetivo de conhecer sua

organização (PACELLI, 2009, p.446).

Desta forma, conhecendo a estrutura, a cadeia de comando, as práticas

delituosas da organização em tela, poderá a polícia prender posteriormente em flagrante

os criminosos. O agente policial que esteja infiltrado não responde pelo crime de

prevaricação, mesmo presenciando as ações delituosas, não está obrigado a prender o

criminoso no momento da consumação.

Deverá ele, desta forma, esperar até uma conduta de maior gravidade, ou até

que saiba como funciona a estrutura criminosa da quadrilha, para só então, de forma

diferida no tempo, prender os criminosos em flagrante, sendo certo que neste momento,

estarão incluídos no flagrante, por expressa previsão legal, todos os crimes cometidos

preteritamente pelos criminosos.

Sobre o tema, Paulo Rangel assevera que, caso não haja observação e

acompanhamento dos suspeitos pelos policiais estes, poderão incorrer em crime de

prevaricação (RANGEL, 2003, p. 607).

2.6. Flagrante esperado.

O flagrante esperado, segundo Fernando Capez e Julio Fabbrini Mirabete,

consubstancia-se quanto a atividade policial se da somente no sentido de aguardar o

cometimento do crime pelo agente, sem interferir na conduta do mesmo, vale dizer, sem

instigá-lo, induzi-lo (CAPEZ, 2009, p.310 e MIRABETE, 2007, p.380).

A polícia aguarda a prática do delito e cerca o infrator, deixando-o

praticamente sem chance de fuga (em tese, sempre há chance de fuga). Assim, conforme

o caso, a autoridade aguarda a consumação do delito ou prende o agente por crime em

sua forma tentada, a depender do caso concreto e sua conveniência.

Logo, seria este tipo de flagrante válido, posto o elemento volitivo do

acusado não estar viciado pelo agente provocador. Para Eugênio Pacelli, o traço

determinante para definirmos a supracitada modalidade de flagrante, é que não há, no

caso em tela, a intervenção de terceiros, somente existindo, pois, a informação acerca da

futura prática de crime. A ação policial seria de espera e não de provocação (PACELLI,

2009, p. 442).

3. O flagrante preparado

3.1. Visão Geral.

O flagrante preparado nasce, segundo Fernando Capez, quando a polícia ou

terceiro, instigam, induzem, a prática do crime, interferindo, modificando o elemento

volitivo do agente, transformando as circunstâncias fáticas, fazendo assim, o criminoso

crer que o crime compensa (CAPEZ, 2009, p.309). Ainda para o retro citado professor,

como não há chance de fuga, se configura o flagrante em questão como crime

impossível, razão pela qual, deve ser inadmitido.

Paulo Rangel nos ensina, citando Manuel Augusto Alves Meires, que o

flagrante preparado surgiu:

“Historicamente, o flagrante preparado, o delito putativo por obra do

agente provocador, surgiu na França, durante o período do Ancién

Régime (Antigo Regime), quando o Estado não mais conseguia fazer

frente a onda de criminalidade que assolava a cidade, necessitando

criar o cargo de “lugar-tenente de polícia” no ano de 1667. Como o

cargo era dispendioso para o governo, recorreu-se a contratação de

outros agentes,denominados Comissários e Inspetores de Polícia, que,

por sua vez, necessitavam de outras pessoas para ajudá-los no

combate ao crime, afim de dar uma satisfação ao governo. Os

inspetores valiam-se de pessoas da classe mais baixa da sociedade

parisiense, tais como reclusos, que negociavam sua liberdade a troco

de cooperação, ou de pessoas de níveis sociais mais elevados,

dependendo do local em que deveriam se infiltrar. O papel desses

espiões, era o que hoje é exercido pelo “alcagüete” ou modernamente

pelo chamado X9:”seguir, escutar criminosos, mais também provocá-

los a praticar crimes para prede-los”, tudo com a permissão dos

inspetores. A revolução francesa não põe fim a esse estado de coisas e

esse agentes passam a ser utilizados pelo governo para se poder

libertar de sujeitos incômodos, mas contra os quais não há provas

suficientes para condenação.”

(RANGEL, 2003, p.604)

Para Mirabete, o que é decisivo para que inste caracterizado o flagrante

preparado é que a ação da polícia ou de terceiro tornem impossível a consumação do

delito. Hipótese, em que para o aludido mestre, também ocorrerá o crime impossível

(MIRABETE, 2007, p. 379). Em sentido oposto aos doutrinadores citados, Eugênio

Pacelli reputa como válido o flagrante preparado. Para o douto processualista paulista, a

modalidade de flagrante que ora analisamos ocorre nos moldes do que foi dito pelos

autores supracitados. Entretanto, nem o induzimento à prática do delito por um agente

provocador, nem a remota chance de fuga pelo suspeito, teriam o condão de tornar

inválido o flagrante em tela.

Pacelli levanta ainda outro argumento a favor do flagrante preparado. É que

estão previstos no Código Penal crimes em que a vontade do agente está viciada pela

atuação de um partícipe, que induz ou instiga a prática do delito. Entretanto, nessas

hipóteses, não se discute que o autor do delito deve ser preso em flagrante, mesmo

tendo seu elemento volitivo alterado pelo partícipe, caso em que serão ambos presos, e

punidos na medida de sua participação.

Entretanto, pra o douto doutrinador ora citado, o ponto crucial da crítica a

proibição ao flagrante preparado não é este, mas sim a incoerência em se admitir o

flagrante esperado, enquanto o preparado segue sendo rejeitado pela doutrina e

jurisprudência. Segundo Pacelli, por uma questão lógica, se consideraremos o flagrante

preparado inadmissível, teríamos, pois, que da mesma forma, que considerar

inadmissível o flagrante esperado, posto que a diferença entre as duas modalidades

residiria no fato da influência do agente provocador no caso do flagrante preparado e a

mera observação, espera, no caso do esperado.

Sobre o tema, aduz o supracitado autor que:

“No flagrante esperado, não há intervenção de terceiros na prática do

crime, mas informação de sua existência. Ocorreria, por exemplo,

quando alguém, que, por qualquer motivo tivesse conhecimento da

prática futura de um crime, transmitisse, tal infração às autoridades

policiais que então se deslocariam para o local da infração, postando-

se de prontidão para evitar a sua consumação ou o seu exaurimento.

Nesse caso, a ação policial seria de espera, e não de provocação,

donde a diferença de ser esse um flagrante válido, a contrário

daquel’outro.

Note-se, porém, que ambas as situações podem estar tratando de uma

única e mesma realidade: a ação policial suficiente a impedir a

consumação do crime (ou o seu exaurimento), tudo dependendo de

cada caso concreto. Não nos parece possível, com efeito, fixar

qualquer diferença entre a preparação e a espera do flagrnate, no que

se refere à impossibilidade de consumação do crime, fundada na idéia

da eficiente atuação policial. E, ambos os casos, como visto, seria

possível, em tese, tornar impossível, na mesma medida, a ação

delituosa em curso. Por que então a validade de um (esperado) e

invalidade de outro (o preparado)?”

(PACELLI, 2009, p. 443)

Diante da breve explanação feita até aqui, percebe-se que a crítica da

doutrina (ao menos a grande maioria dela) em relação ao flagrante preparado tem dois

pontos nucleares:

1º) A suposta impossibilidade da fuga pelo autor da infração, acarretando

assim, para os que defendem esta tese, em crime impossível;

2º) A questão da vontade do agente estar viciada por um agente provocador.

No decorrer do presente trabalho, iremos nos preocupar em desconstruir tais

argumentos, procurando mostrar assim, que existem contradições e questões não

resolvidas em relação a matéria.

3.2. Críticas ao enunciado nº 145 da Súmula do STF.

O Enunciado nº. 145 da Súmula do STF assevera: “Não há crime, quando a

preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.”

A doutrina, como visto, considera se tratar, na hipótese aventada na súmula

em tela, de crime impossível. O conceito de crime impossível está inserto no Art. 17 do

Código Penal e diz: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio

ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.”

3.2.1. Críticas relativas ao flagrante preparado ser crime impossível.

Percebe-se, pelo enunciado transcrito, que o conceito de crime impossível

não se molda necessariamente ao do flagrante preparado, posto não ocorrer, nesta

modalidade de prisão em flagrante, a absoluta impropriedade do objeto, tão pouco a

absoluta ineficácia do meio. Neste sentido é o magistério de Eugênio Pacelli:

“Observa-se, primeiro, que não é inteiramente correto falar-se em

crime impossível, por quanto, pelo menos em tese, será sempre

possível a fuga. E, no ponto, convenhamos: elaborar uma construção

teoria fundada na eventualidade de cada caso concreto (se houver

fuga, é crime; se não houver, não é), parece-nos demasiadamente

inconsistente e arriscado. Para que pudéssemos falar em

impossibilidade, teríamos de nos referir à impossibilidade absoluta do

meio (a ação criminosa), na qual não houvesse nenhuma possibilidade

de fuga do autor, o que não nos parece correto nem adequado fixar

para toda e qualquer hipótese de preparação do flagrante.”

(PACELLI, 2009, p. 443)

A possibilidade ou não de fuga pelo agente, diferentemente do que é

defendido por grande parte da doutrina, não se coaduna com o conceito supracitado. O

elemento fuga (a possibilidade de sua ocorrência), não interfere no meio, tão pouco no

objeto. Além disso, como nos alerta Eugênio Pacelli, sempre existe, pelo menos em

tese, a chance do criminoso conseguir escapar, ou então consumar a infração.

Nas precisas palavras de Rogério Greco:

“Quando o legislador inicia a redação do artigo que prevê o crime

impossível, parte da premissa que o agente já ingressara na fase dos

chamados atos de execução , e a consumação da infração penal só não

ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade.”

(GRECO, 2006, p.305)

Com o passar do tempo, como assevera Greco, surgiram três principais

teorias sobre o crime impossível. A teoria subjetiva defende que não importa se o meio

ou o objeto são absoluta ou relativamente ineficazes ou impróprios, assim, basta para

esta teoria que o agente tenha agido com vontade de praticar a infração penal para que

seja configurada a tentativa. A segunda teoria é a Teoria Objetiva Pura, que assevera

não interessar se os meios ou objetos eram absolutamente ou relativamente incapazes de

alcançar o resultado pretendido. Tanto em um caso quanto no outro não haverá bem

jurídico em perigo, não existindo fato punível. A terceira é a Teoria Objetiva

Temparada, adotada por nós, hoje em dia no Brasil. Pra esta teoria os atos praticados

pelo agente só são puníveis se os meios e os objetos são relativamente eficazes, vale

dizer, quando há, como no caso do flagrante preparado, alguma possibilidade de se

alcançar os resultados pretendidos (GRECO, 2006, p. 306)

Verifica-se que o conceito de crime impossível divide-se em duas situações

diferentes. Em primeiro lugar, a ineficácia absoluta do meio, que deve ser entendido

como a impossibilidade do resultado pretendido pelo agente, ser produzido, posto o

meio empregado para tal não possuir as características necessárias a alcançar os

resultados esperados. Um exemplo clássico e certamente conhecido por todos é o da

pessoa, que portando arma de brinquedo, atira contra seu inimigo, pretendendo produzir

a morte deste, ou da pessoa que tenta matar por envenenamento seu desafeto com

substância que pensava ser veneno, mas na verdade era açúcar.

Em segundo lugar, a absoluta impropriedade do objeto, que ocorre quando o

objeto do crime (neste caso, crime impossível), diferentemente do que pensa o autor do

fato, não existe, é coisa diversa da arquitetada pelo agente, ou está em situação tal, que

torna impossível produzir os resultados pretendidos. São exemplos desta hipótese, o

caso do médico que pensando realizar um aborto, submete ao procedimento abortivo

mulher que de fato não estava grávida, ou então, o caso mais do que conhecido do

homem que atira contra seu desafeto que na verdade já estava morto.

Por questão de lógica, se há meios e objetos absolutamente ineficazes, há de

haver, da mesma forma os que sejam relativamente ineficazes, caso contrário, a eficácia

seria um conceito absoluto, não necessitando assim de adjetivos quanto a seu grau.

Assim é a lógica e assim aponta a doutrina. Ainda para Greco, a ineficácia

relativa do meio ocorre quando este, embora normalmente capaz de produzir o evento

intencionado, falha no caso concreto, por uma circunstância acidental na sua utilização.

Quando isto acontece estamos diante de um crime tentado. Como o meio é

relativamente ineficaz o resultado pode ou não ocorrer, o crime pode ou não se consuma

(GRECO, 2006, p. 308).

Já a impropriedade relativa do objeto, segundo o autor citado no parágrafo

supra, ocorre quando o bem jurídico protegido é colocado efetivamente numa situação

de perigo, ou seja, pode ser ferido com a conduta do agente, que pode ou não vir a

alcançar o resultado inicialmente pretendido. Caso alcance, o crime é consumado, caso

não alcance será tentado (GRECO, 2006, p. 309).

É visível que no caso do flagrante preparado, assim como no esperado, por

mais diligente que seja a polícia, quando da ocorrência da conduta típica, existirá, seja

pela destreza do agente criminoso, seja por um descuido por parte dos agentes da lei,

sempre a possibilidade do crime vir a se consumar, sendo assim, pode se considerar um

crime tentado em flagrante preparado meio relativamente ineficaz para produzir os

resultados almejados, sendo, pois, punível. Vale ressaltar que o crime só é impossível

pela absoluta impropriedade, seja do meio, seja do objeto. Ocorre que, como já foi dito,

sempre há a possibilidade da consumação, razão pela qual, estamos diante, no caso sob

análise, de uma impropriedade relativa.

Por questão de coerência, se considerarmos o flagrante preparado como

sendo hipótese de crime impossível na forma do artigo 17 do Código Penal, também o

será o flagrante esperado. Perceba-se que a única distinção entre os dois institutos é a

questão da influência do agente provocador, no caso do preparado. Em comum, existe o

fato da polícia permanecer em tocaia, aguardando tudo a distância com o fito de prender

os criminosos, que se presos antes da consumação da infração responderão pelo delito

em sua forma tentada.

A figura da tentativa ocorre quando uma infração penal não se consuma por

motivos alheios a vontade do agente, portanto, na hipótese da preparação do flagrante

pela polícia, se o crime não se consuma, deverá o criminoso, responder pelo delito em

sua forma tentada como assevera a Lei Penal.

Neste sentido se manifesta o mestre Fernando de Almeida Pedroso:

“O verbete nº 145 do Supremo Tribunal Federal, apreciando a

hipótese, enfatiza que “não há ,crime quando a preparação do

flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”

A súmula citada, destarte, desloca o problema para os domínios do

crime impossível, ao contrário de Hungria, que preferiu situá-lo no

terreno do delito putativo.

Antolha-se-nos melhor e mais consentânea, nesse aspecto, a posição

pretoriana, no que atine com a fixação do enfoque jurídico do

problema, não porém com sua solução.

Não se há de falar, concessa venia, em crime putativo ou imaginário

quando, em tese e abstratamente considerado, o fato que se almejava

cometer encontre-se definido e consagrado como crime na lei penal,

quando para ele haja um tipo que o preveja.

Para a égide do delito impossível, portanto, há de propender a

apreciação jurídica da questão, para o deslinde que se fizer cabível.

Como doutrina Anibal Bruno, no caso, embora a inidoneidade não

exista no meio ou no objeto, existe no conjunto das circunstâncias,

adrede preparadas, que eliminam a possibilidade de constituir-se o

crime.

Não obstante, dentro desta ótica, afigura-se-nos perfaça o

comportamento do delinqüente, no contexto do crime de ensaio, a

figura penal da tentativa, válida e regular despontando,

conseqüentemente, a prisão em flagrante que se efetivar.

Embora a frustração do momento consumativo do ilícito decorra de

eficiente atuação policial, não se há de desdenhar e olvidar a margem

de possibilidade com que contava o agente, não obstante pequena e

quiçá insignificante, para burlar e ludibriar a vigilância que lhe era

exercida, de modo que poderia ter consumado o delito a que fora

provocado e induzido.

Por conseguinte, para que se fizesse azado o reconhecimento jurídico

do delito impossível, imperioso seria que o dano sobressaísse

totalmente incogitável, não estampando qualquer potencialidade. Se

assim não sucede, o bem jurídico tutelado, com o início de execução

por obra do agente, é exposto a uma situação de perigo, dado este

configurador da tentativa.

Ora, se não é possível desprezar-se, por menor que se apresente, uma

perspectiva de consumação, se há um vislumbre ou aceno da

possibilidade de êxito do sujeito ativo, inelutável é que a inidoneidade

adquire natureza relativa, corporificando assim o conatus.

Os que sustentam opinião diversa -acertadamente ressalta Magalhães

Noronha- deveriam explicar qual a solução que dariam se, não

obstante todas as providências tomadas, o executor lograsse a

consumação, o que, certamente, não seria sobrenatural.”

(PEDROSO, 1994, p. 36)

Percebe-se que ocorre uma verdadeira confusão em relação ao tema,

entretanto, para entendermos melhor porque isto acontece, é necessário entrarmos na

seara das Teorias da Conduta.

3.3. As Teorias da Conduta e o flagrante preparado.

Analisaremos agora, as teorias da conduta, que buscam explicar a ação e o

comportamento humano. As duas principais teorias são a causalista e a finalista. A

primeira, diz que devemos analisar modificações que o agente produziu no mundo

exterior. Não importa, para esta teoria, a vontade do agente, não se faz presente deste

modo o elemento axiológico na conduta, bastando a mera produção de resultado no

mundo fático.

Rogério Greco nos ensina que para a escola casual-naturalista, a ação pode

ser definida, como o movimento humano que se dá de forma voluntária, destinando-se

assim, a produzir uma modificação no mundo exterior.

Assevera o mestre supracitado, citando Von Liszt, que:

“Nas palavras de Franz Von Liszt “ação é, pois, o fato que repousa

sobre a vontade humana, a mudança do mundo exterior referível à

vontade do homem. Sem ato de vontade não há ação, não há injusto,

não há crime. Mas também não há ação, não há injusto, não há crime

sem uma mudança operada no mundo exterior, sem um resultado”

(GRECO, 2006, p. 154, apud VON LISZT, p.193)

Logo, se não houver modificação não há ação. O que significa dizer, que

não há crimes tentados na lógica da teoria causalista, posto inviabilizada fica a conduta.

Tão pouco há crimes culposos, já que não são considerados os elementos axiológicos do

tipo, não há preocupação em saber o fim da conduta do agente, sua intenção é ignorada

importando, pois, somente, os resultados efetivamente alcançados com a conduta. A

teoria causalista não é mais adotada pelo Código Penal brasileiro, ela foi substituída por

outra teoria, mais evoluída, que estudaremos a seguir.

Ela recebia inúmeras críticas por parte da doutrina posto padecer de mal

grave. Explicava de modo razoavelmente satisfatório o crime em sentido estrito,

entretanto, não encontrava solução para os crimes omissivos, razão pela qual, foi

perdendo adeptos junto a doutrina.

Posteriormente, nasceu a Teoria Causalista Neoclássica como uma tentativa

de dar nova roupagem a teoria causalista. Tal teoria teve relevância na medida em que

conseguia resolver o problema dos crimes omissivos. Greco cita o Doutrinador Paz

Aguado para explicá-la, a saber:

“deixa de ser absolutamente natural para estar inspirada de um certo

sentido normativo que permita a compreensão tanto da ação em

sentido estrito (positiva) como a omissão. Agora a ação se define

como o comportamento humano voluntário manifestado no mundo

exterior.”

(GRECO, 2006, p.155 apud AGUADO, p.48)

Se contrapondo a teoria causalista, surgiu a teoria finalista da ação. Tal

teoria, que inclusive é a adotada hodiernamente pela nossa Lei Penal, sustenta que para

que se conceitue a conduta de modo satisfatório é necessário considerarmos a questão

do fim à que se destina aquela determinada ação, ou, nas palavras de Rogério Greco,

“ação passa a ser entendida como o exercício de uma atividade final. Ação é um

comportamento humano voluntário, dirigido a uma finalidade qualquer.”

Assim sendo, o elemento volitivo passa a integrar o tipo penal. Descobrir a

intenção que motivou determinada conduta passa a ser peça fundamental. A Lei nº

7.209/84 adotou a teoria finalista da ação e, por conseguinte, criou tipos penais

culposos, como é o caso de homicídio, que passou a ser admitido em suas duas formas,

quais sejam, culposo e doloso. Da mesma forma, a citada Lei criou a figura do crime

tentado, que ocorre quando, iniciada a execução, não se consuma o delito por

circunstâncias alheias à vontade do agente.

A conclusão que se chega é que a Lei nº 7.209/84 promoveu uma verdadeira

revolução no Código Penal ao adotar a Teoria Finalista, passando desta forma, a

considerar o fim da conduta do agente. Uma conduta que antes, não era considerada

crime por não obter modificações no mundo exterior, pode agora, passar, dependendo

da situação, a ser considerada delituosa, conforme a finalidade do delinqüente. A figura

do crime tentado, que considera a intenção do agente, isto é, o fim que aquela

determinada conduta visava alcançar, preocupando-se em verificar se a vontade do

mesmo era de cometer ou não fato definido em lei como crime entra em cena. Deixam

de importar somente os resultados obtidos, passa a importar também a intenção, o

elemento volitivo.

Frise-se que a preocupação com o resultado não desparece, mas muda de

foco. Antes, era essencial se saber se ocorreu modificação no mundo exterior para fins

de determinação de eventual conduta típica, isto é, se o resultado previsto no tipo penal

fora ou não alcançado. Não ocorrendo modificação não existi conduta.

Agora, a necessidade de saber se o resultado almejado foi, em verdade

alcançado, possui, muitas vezes, utilidade para se determinar se a infração foi tentada

(quando cabível) ou consumada, mas não para se definir se a conduta aconteceu. Se

existiu a intenção e a conduta foi iniciada, não sendo entretanto consumada por vontade

alheia ao agente, diz-se que a conduta ocorreu em sua forma tentada, sem no entanto,

negar-se sua existência.

Neste sentido, à luz de tais modificações, é que devemos analisar a Súmula

nº. 145 do STF. Ela foi editada no dia 13/12/1963, quando a teoria da conduta adotada

pelo Código Penal ainda era a causalista, que vale lembrar, pune o agente, autor da

infração, exclusivamente pelos resultados obtidos, desconsiderando a intenção do

mesmo, inexistindo punição pela tentativa, se esta não produzir efeitos no mundo fático.

Ora, pela teoria causalista, realmente o flagrante preparado é totalmente

inadmissível já que o delito pretendido pelo agente, e frustrado por terceiros, nunca veio

a se concretizar, a produzir resultados no mundo exterior. O crime realmente era

impossível já que para haver a conduta, frise-se, de acordo com a teoria causalista, faz-

se, como já exaustivamente explicado, imperioso a modificação no mundo externo, e

mais que isto, a modificação deve ser definida em lei como crime, desconsiderando o

elemento volitivo. Se ele teve a intenção, mas não produziu resultado algum, não haverá

sequer conduta típica.

A intenção teleológica da edição do enunciado da súmula já citada foi

desvirtuada já que naquele momento (década de 60) era impossível ocorrer crime

tentado. Os então ministros do STF, quando da edição do citado enunciado, não

pretendiam proteger delinqüentes, mas fazer valer a Lei Penal da época. A realidade do

século XXI é completamente diferente, criminosos se aproveitam desta interpretação

doutrinária com o fito de ficarem livres, quando de fato, cometeram crimes, que foram

no mínimo tentados ou, em certos casos, consumados. Por isto, cabe ainda salientar que

flagrante preparado pode também ensejar a prisão de um agente por crime consumado.

O agente, no flagrante preparado, em verdade realiza a conduta típica, que

pode ou não se aperfeiçoar, dependendo do caso concreto. A conduta pode ou não

ocorrer na forma tentada ou consumada, caso isto aconteça, não há que se falar em

delito putativo, como assevera Nelson Hungria, posto não estar só na imaginação do

sujeito, isto é, existe e está realmente definido em Lei como crime, possuindo todos os

elementos que ensejam o crime, sendo, pois, típico, ilícito e culpável. Aliais, cumpre

esclarecer a diferença entre o delito putativo e o crime impossível. No primeiro, o

agente acha que está cometendo um crime, mas de fato, aquela conduta não está

definida em lei como tal, sendo portanto, fato atípico. Já no segundo caso, como já foi

exaustivamente abordado no presente trabalho, a conduta é típica, entretanto, por

absoluta impropriedade, seja do meio, seja o objeto, o tipo penal não se realiza.

3.4. A questão da vontade viciada do agente.

A doutrina majoritária considera que o flagrante preparado não passa de

uma comédia montada por agentes policiais, onde a vontade do agente, autor do delito,

foi viciada por um terceiro provocador, que instiga ou induz o suspeito a prática do

delito, viciando assim sua vontade de forma insanável.

Neste sentido, leciona Paulo Rangel:

“No flagrante preparado, há toda uma montagem de um palco, onde o

agente é o artista principal, porém desconhecendo que o seja. Somente

ele não sabe que, no cenário que escolheu para praticar o crime, se

passa uma peça teatral, onde os policiais (ou terceiras pessoas) vão

impedir a lesão ao bem jurídico. Na verdade a atuação dos policias faz

nascer e alimenta o delito, o qual não seria praticado não fosse a sua

intervenção.”

(RANGEL, 2003, p. 605)

Ora, a doutrina considera que a vontade do autor do fato está viciada pelo

agente provocador e por isso, não deverá o autor do fato responder pela tentativa do

delito.

Ocorre que o Diploma Punitivo em seu artigo 29 assevera que: “Quem, de

qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida

de sua culpabilidade.”, o que faz o mestre Damásio de Jesus concluir que o instigador

ou o indutor são meros partícipes, posto não terem o domínio subjetivo do fato, que no

caso do instituto em comento está na mão do sujeito ativo (DE JESÚS, 2006, p.141).

Vale lembrar que para a doutrina majoritária o Código Penal adotou a teoria

do domínio do fato, que nas palavras de Damásio de Jesus, significa que :

“autor é quem tem o controle final do fato, domina finalisticamente o

decurso do crime e decide sobre sua prática, interrupção e

circunstâncias (“se”, “quando”, “onde”, “como”, etc.)”

(DE JESÚS, 2006, p.137)

Cabe ainda consignar que o policial ou terceiro que age provocando o delito

não estaria cometendo crime, posto no caso cogitado, faltar o elemento subjetivo do

dolo, neste sentido, leciona Paulo Rangel:

“Discordamos do entendimento de que os policiais cometem crime

quando preparam o cenário e o sujeito ativo inicia a tentativa. Nesse

caso, falta o elemento subjetivo do tipo, que é o dolo para que

possamos responsabilizar os policias. Os policias têm a intenção, mas

não de cometer o crime e sim de prender o sujeito ativo.”

(RANGEL, 2003, p. 605)

Para ilustrar melhor nossa linha de raciocínio, pensemos na seguinte

hipótese: João encontra com seu amigo José, que não vê a muito tempo. José, após os

cumprimentos de praxe comenta com João que o dono da padaria da esquina guarda

muito dinheiro em seu estabelecimento e que não há qualquer tipo de segurança, diz

ainda que o local poderia ser furtado sem muito esforço. João escuta a fala do amigo e

sente-se constrangido, entretanto, José continua o encorajamento à prática delituosa.

Após mais alguns minutos de conversa, João, até então ofendido com a proposta,

começa a pensar seriamente em furtar o estabelecimento, afinal, não haveria qualquer

tipo de segurança no local e ele poderia conseguir arrecadar muito dinheiro. João agora

está decidido a realizar o furto, tudo por obra e graça de seu amigo, José, que o induziu.

Pergunta-se: No caso narrado acima, caso seja realizado o furto, poderá João

escusar-se de responder pelo delito alegando que foi induzido por José? A resposta para

essa pergunta só pode ser negativa. O fato de João ter realmente sido induzido não tem

o condão afastar sua responsabilidade penal. Ele, como sujeito ativo, queria

finalisticamente o fato, tendo da mesma forma seu domínio. Pela teoria do domínio do

fato José, indutor, responderá como simples partícipe, já João será considerado o autor.

Tanto no caso narrado quando no flagrante preparado a vontade o sujeito

ativo do delito foi de alguma forma alterada. Perceba-se que aqui não há diferença, pois

se no caso em baila, narrado supra, fosse José, agente provocador um policial, da

mesma forma o ânimo criminoso iria nascer no autor do fato. Assim, não há como

considerar o mero fato do indutor/instigador estar preparando o flagrante como exceção

à regra geral insculpida no artigo 29 do Código penal. Se o induzimento/instigação

tivessem o poder de afastar ou diminuir a responsabilidade ou culpabilidade do agente

ativo, que assim o fosse, por questão de coerência, em todos os delitos, mas não só,

como hoje ocorre, unicamente em sede de flagrante preparado.

Neste sentido, ensina o sempre brilhante Eugênio Pacelli:

“Ora, basta ver que o Direito Penal brasileiro prevê pelo menos uma

modalidade de participação dolosa em crime, na qual a conduta do

partícipe é precisamente no sentido de provocar a atuação do agente

(autor). E não há a menor dúvida de que, pelo nosso Direito, ambos

(tanto partícipe quanto autor) são punidos, na medida de sua

culpabilidade (art.29, CP).

Com efeito, na participação por determinação (art.31, CP), a idéia do

crime nem sequer existia na mente do autor, mas por obra e graça

(ainda chegaremos a questão da comédia e seu autor não-ciente) da

ação provocadora do partícipe, a vontade é gerada e o crime praticado.

Solução: punição do autor e do partícipe.

Ora, se assim é, não vimos como afastar a responsabilidade penal do

autor que age por provocação de terceiro, pelo menos sob o argumento

da influência no ânimo a contaminação da vontade do agente.”

(PACELLI, 2009, p. 442)

Diante dos argumentos colocados supra, forçoso é concluir-se que o

argumento simplista de que a vontade do sujeito ativo estaria viciada no flagrante

preparado não merece ser agasalhado. Se o criminoso realizou a ação é porque quis e se

quis, sendo capaz, pode-se dizer que finalisticamente a sua vontade era a concretização

daquela conduta penalmente ilícita, devendo ele, portanto, responder pelo delito, seja na

forma tentada, seja na consumada.

3.5. A certeza visual do flagrante preparado.

Outrossim, cabe aqui, mais um importante apontamento. É que o flagrante

preparado ocorrerá sempre na hipótese prevista no inciso I do artigo 302 do CPP

(flagrante próprio), que vale dizer, assevera estar em situação de flagrância quem está

cometendo a infração penal. Tal inciso é o único do presente artigo, em que há a certeza

visual do cometimento do delito, constituindo-se assim, na mais explícita situação de

flagrância do CPP. Em todos os outros incisos há uma mera presunção, no inciso I há

certeza, ou seja, a chama está em crepitação máxima.

Daniel Gerber não aborda a questão do flagrante preparado em seu livro,

entretanto, aborda o inciso I do artigo 302 do CPP. Sobre o tema, o referido autor

escreveu que “Tal inciso encerra o conceito estrito de flagrante, eis que se refere a

prisão que ocorre no momento do delito, ou seja, enquanto a ação criminosa está a

“arder” (GERBER, 2003, p.131). Continua o citado autor, de forma brilhante, aduzindo

que:

“indo além, é de se notar que a hipótese descrita no inciso primeiro é a

única que permite a prisão de um indivíduo antes da própria

consumação do delito (basta, para tanto, que a fase executória com

inter criminis já tenha se iniciado), ou seja, relativiza-se a presunção

em prol da própria defesa do bem jurídico ameaçado pela agressão.”

(GERBER, 2003, p.132)

E que não se diga, que não há, em sede de flagrante preparado, nenhuma

possibilidade de lesão, como já demonstrado, ele está longe de constituir-se em crime

impossível, como já exaustivamente exposto no ponto nº 3.2.1.

Paulo Rangel também ressalta que o flagrante próprio do inciso primeiro é a

expressão máxima de tal instituto, para ele:

“A diferença que deve ser, desde já, percebida pelo intérprete é que,

no caso do inciso I do art. 302, o delito (crime ou contravenção) é

atual, presente, é visível, ou seja, está sendo praticado. A chama está

acesa, queimando. Entretanto, nas outras hipóteses (incis. II, III, e IV)

o delito é passado, já ocorreu, não é mais visível, não havendo certeza

visual do crime.”

(RANGEL, 2003, p. 594)

Ora, como explicar que admitamos um flagrante sem certeza visual

enquanto um outro, em que há plena certeza acerca do cometimento, ou tentativa da

infração criminosa é tipo por nulo, inválido, inadmissível, tanto pela doutrina, quanto

pela jurisprudência predominante?

Em verdade, a adoção em maior escala do flagrante preparado geraria maior

segurança jurídica, posto a certeza visual do cometimento da infração penal.

Conclusão.

O flagrante preparado deve sim ser admitido no ordenamento processual

penal pátrio e como ficou demonstrado supra, existem argumentos sólidos para sustentar

a presente tese. Ao longo do texto, pretendemos ter rechaçado de forma veemente as

teses em sentido contrário a admissibilidade do flagrante preparado, que são as

seguintes:

1. O flagrante preparado não poderia prosperar posto constituir-se em crime

impossível. Entretanto, como demonstrado, não ocorre absoluta impropriedade do meio

ou do objeto, ocorrendo, pois, somente impropriedade relativa, que vale salientar, não

tem o condão de torná-lo crime impossível.

Não há como sustentar, como pretende parte da doutrina, que quando existe

a preparação do flagrante, não ocorrendo a consumação, a conduta será atípica,

constituindo-se em crime impossível, e caso a conduta se consume ocorrerá crime

consumado.

Estaríamos diante de um caso em que, mesmo sem previsão legal, nunca

seria permitida a tentativa, posto quando iniciada a execução, se o crime não se

consumasse por vontade alheia a do agente, o mesmo seria sempre considerado crime

impossível, mas se ocorresse a consumação, o que não seria certamente improvável, o

crime seria consumado. Está claro que esta tese não funciona.

2. A questão de que toda construção doutrinária que embasou a proibição do

flagrante preparado se deu quando a teoria da conduta adotada pelo Código Penal era a

causalista, de modo à realmente torná-lo crime impossível.

Entretanto, a partir da década de 1980, o Diploma Punitivo adotou a Teoria

Finalista, que vale dizer, permite o crime tentado, tornando assim, perfeitamente

admissível o flagrante preparado, posto caso a ação policial seja efetiva e não se

aperfeiçoe a conduta pretendida pelo criminoso, poderemos, no bojo do disposto no

artigo 14, II do CP, considerar que houve uma tentativa.

3. O fato da vontade do agente não estar em verdade viciada e muito menos

ser ele personagem de uma comédia como pretende grande parte da doutrina. Como

demonstrado no corpo da presente monografia o fato do autor do delito ter sido

influenciado por um agente provocador, não tem o poder de afastar seu dolo, sendo

certo que a Lei Penal admite que haja partícipes a influenciar a vontade do delinqüente,

neste caso, respondendo cada um na medida de sua participação. A bem da verdade

cabe aqui, explicitarmos que o policial que funciona como agente provocador não

responderá nunca como partícipe já que o seu dolo, seu elemento subjetivo, era o de

obter o flagrante do delito cometido pelo criminoso, e não o de cometer o crime, ou de

qualquer forma tirar proveito da empreitada criminosa.

Demonstramos também que sempre que nos depararmos com um flagrante

preparado, estaremos diante de um flagrante próprio, mas especificamente o inserto no

inciso I do artigo 302 do CPP, ou seja, a única modalidade de flagrante com certeza

visual, onde as chamas da flagrância estão em grau máximo.