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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE DIREITO
MONOGRAFIA
EXAME DA VALIDADE DA EXIGÊNCIA
DE MULTA ADICIONAL DE 10% SOBRE O FGTS (LC 110/01)
MARIANA PORTO ANDRADE
NITERÓI
2015
MARIANA PORTO ANDRADE
EXAME DA VALIDADE DA EXIGÊNCIA
DE MULTA ADICIONAL DE 10% SOBRE O FGTS (LC 110/01)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (TCC),
como requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito da Universidade Federal
Fluminense.
Prof. Orientador: Dr. Thiago Rodrigues Pereira.
NITERÓI
2015
Universidade Federal Fluminense
Superintendência de Documentação
Biblioteca da Faculdade de Direito
A553
Andrade, Mariana Porto.
Exame da validade da exigência de multa adicional de 10% sobre o
FGTS (LC 110/01) / Mariana Porto Andrade – Niterói, 2016.
46 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) –
Universidade Federal Fluminense, 2016.
1. Contribuição social. 2. Controle da constitucionalidade. 3. Fundo
de Garantia de Tempo de Serviço (Brasil) (FGTS). 4. Ação direta de
inconstitucionalidade. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de
Direito, Instituição responsável II. Título.
CDD 341.39
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os familiares, amigos e professores que colaboraram de qualquer forma para a
realização deste trabalho, ou que me fizeram ser uma pessoa melhor, somente por existirem em
minha vida.
Não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou pelos bens que possui.
O verdadeiro valor do homem é o seu caráter, suas ideias e a nobreza dos seus ideais.
Charles Spencer Chaplin
RESUMO
ANDRADE, Mariana Porto. Exame da Validade da Exigência de Multa Adicional de 10%
Sobre o FGTS (LC 110/01) – RJ/Brasil. 2015. 47 f.
Este trabalho constitui-se de uma análise da validade, bem como constitucionalidade, da cobrança
da contribuição instituída pelo art. 1º da LC 110/01. A área de concentração deste estudo é o
Direito Tributário, e o objeto é a referida contribuição social e a inconstitucionalidade da
manutenção de sua exigência após superada a finalidade que ensejou sua criação, tendo em vista
que o produto de sua arrecadação passa a ter destinação diversa da finalidade para a qual foi
criada. Para atingir os objetivos foram analisados: o histórico dos fatores que ensejaram a criação
da norma em análise e o conceito de contribuição social de acordo com a doutrina e definições
extraídas da norma tributária e constitucional. Procurou-se demonstrar a inconstitucionalidade da
referida cobrança em razão de sua incompatibilidade com o texto constitucional e,
principalmente, do exaurimento de sua finalidade, tendo em vista que as contribuições sociais são
tributos afetados a fins específicos.
PALAVRAS-CHAVE: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. LC110/01. MULTA ADICIONAL 10%
FGTS. ESGOTAMENTO DA FINALIDADE. DESVIO DE FINALIDADE.
INCONSTITUCIONALIDADE.
ABSTRACT
This work consists in an analysis of the enforceability and constitutionality of the collection of
the contribution introduced by art. 1 of LC 110/01. This study is focused on Tax Law and its
object is the unconstitutionality of the charge of the social contribution after surpassed the
purpose which excused its creation, considering that the product of its collection is diverted to
other destination that not the purpose for which it was created. To reach the objectives were
examined: the historical factors that explains the creation of the said provision and the concept of
social contribution according to legal doctrine and drawn definitions of tax and constitutional
rules. It sought to demonstrate the unconstitutionality of this collection because of its
incompatibility with the Constitution and particularly the depletion of its purpose, given that the
social contributions are taxes allocated to specific purposes.
KEYWORDS: SOCIAL CONTRIBUTION. LC110/01. ADDITIONAL FINE 10 % FGTS.
DEPLETION OF PURPOSE. DEVIATION OF PURPOSE. UNCONSTITUTIONALITY.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
Capítulo 1 PERSPECTIVA HISTÓRICA E LEGAL DO FGTS 12
Capítulo 2 A NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS 16
Capítulo 3 ANÁLISE DA VALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA
CONTRIBUIÇÃO 20
3.1 EXAURIMENTO DA FINALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO 21
3.2 DESVIRTUAMENTO DA FINALIDADE 26
3.3 ALTERAÇÃO DO ART. 149, § 2º, III, 'a' PELA EC 33/01 31
Capítulo 4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL 34
CONCLUSÃO 42
9
INTRODUÇÃO
A arrecadação tributária foi, durante muito tempo, objeto do ramo do Direito
Administrativo. Foi com o advento da Lei Tributária Alemã, em 1919, que o Direito Tributário
começou a ganhar tratamento especial1.
No Brasil, a Emenda Constitucional 18/65 inaugurou o sistema tributário que se
formalizou em 1966 com a edição do Código Tributário Nacional2. Àquele tempo, muitos juristas
contribuíram na interpretação das normas e formulação de princípios próprios, com destaque para
Aliomar Baleeiro, Amílcar Falcão, Geraldo Ataliba e Paulo de Barros Carvalho.
O conceito de tributo está expresso no art. 3º do CTN, mas sua compreensão
remete à análise da Constituição Federal Brasileira de 1988, especialmente do Capítulo “Do
Sistema Tributário Nacional”, que define, sobretudo, competências tributárias e limitações ao
poder de tributar.
Com fundamento no método de classificações dos tributos (mediante análise de
suas estruturas ou funções) adotado por Leandro Paulsen3, baseado no texto constitucional com
os acréscimos e alterações decorrentes das Emendas n° 39/02 e 41/03, temos 5 espécies
tributárias – a saber, impostos, taxas, empréstimos compulsórios, contribuições de melhoria e
contribuições – que compõem a receita tributária no Brasil tal qual ocorre na maior parte do
mundo.
A destinação legal (ou finalidade) do tributo é o critério basilar na identificação de
determinadas espécies tributárias, como as contribuições especiais.
No entanto, não é de hoje que se verifica a crescente participação na arrecadação
tributária de contribuições sociais similares a impostos, que têm sido desviadas de sua finalidade
para permitir o ajuste das contas federais. Sem maiores constrangimentos, o Poder Executivo vem
1 PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 6ª. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2014, p 24. 2 PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. Contribuições – Teoria Geral – Contribuições em Espécie. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 20. 3 Ibid, p. 38.
10
manipulando cada vez mais contribuições sociais como forma disfarçada de cobrar impostos.
Prova disto e a extinta CPMF e seus mecanismos de desvinculação tributária, que foram
sucessivamente prorrogados por 10 anos.
A presente monografia tem o objetivo de analisar a validade e constitucionalidade
da contribuição social instituída pelo art. 1º da Lei Complementar n° 110/01, publicada em 12 de
junho de 2001, autorizando créditos de complementos de atualização monetária em contas
vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, nos percentuais de 16,64% do Plano
Verão (janeiro de 1989) e 44,8% do Plano Collor I (abril de 1990)4.
A análise se concentra no estudo da questão do exaurimento da finalidade da
contribuição e, portanto, desvirtuação da arrecadação, tendo em vista que as citadas contribuições
sociais foram criadas para prover recursos para o pagamento da correção monetária das contas
vinculadas do FGTS, em virtude dos expurgos inflacionários dos citados Planos Econômicos.
No primeiro capítulo faz-se um breve histórico da criação e propósito do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço, especificando as exações (algumas instituídas sob o nome de
“contribuições sociais”) cobradas pelo Poder Público para custear o amparo oferecido aos
trabalhadores.
O segundo capítulo apresenta a evolução da natureza jurídica das contribuições
sociais, discorrendo sobre o conceito e pressupostos extraídos do texto Constitucional, Legislação
Tributária e Doutrina majoritária.
O terceiro capítulo examina os argumentos de invalidade e inconstitucionalidade
da contribuição social criada pelo art. 1º LC 110/01, ante o exaurimento de sua finalidade, o
desvio do produto de sua arrecadação e, ainda, a sua incompatibilidade com texto constitucional
superveniente. Ao instituir a contribuição do art. 2º da LC 110/01, o legislador vinculou sua
vigência por prazo determinado – a saber, sessenta meses, nos termos do §2º do art. 2º –
caracterizando a natureza temporária, bem como a finalidade específica da exação. Contudo,
mesma sorte não possui a contribuição social descrita no art. 1º, singularidade que suscita um dos
debates atuais mais polêmicos na seara jurídica.
4 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp110.htm , acesso em 01.03.2016
11
O quarto capítulo analisa a posição dos tribunais e juízos federais sobre a matéria,
que aguarda a apreciação da Suprema Corte no julgamento do RE 878.313/SC e das ADIs 5050,
5051 e 5053, tendo em vista que na ocasião do julgamento da ADI 2556/DF, se manifestou,
apenas, que as contribuições criadas pela LC 110/01 são tributos da especie “contribuição social
geral”, e portanto, constitucionais. A questão do esgotamento da finalidade da contribuição, seu
desvio de finalidade e mesmo a “inconstitucionalidade material superveniente”, não foi apreciada
pelo STF àquela ocasião.
12
1 PERSPECTIVA HISTÓRICA E LEGAL DO FGTS
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS – foi instituído pela Lei n°
5.1075 em 1966 em vistas de criar uma poupança para o trabalhador. Foi idealizado como regime
alternativo à estabilidade no emprego, adquirida após 10 anos de serviço prestados à um
empregador, assegurada pelo art. 157, XII, da Constituição Brasileira de 19466, onde o
empregado que fosse dispensado depois de conquistar a estabilidade decenal sem justa causa,
teria direito a uma indenização equivalente a um mês de remuneração por ano trabalhado, além
de uma multa de 10%.
Note-se que, mesmo com a estabilidade prevista na CRFB/46, o novo regime do
FGTS era constitucional, uma vez que era uma opção do empregado que, para ter direito ao
FGTS, deveria renunciar à estabilidade decenal, conforme ensina Sérgio Pinto Martins7.
Trata-se, portanto, de depósito bancário que constitui um direito social
fundamental do trabalhador, consolidado no art. 7º inciso III da CRFB/88, podendo ser sacado
nas hipóteses previstas na lei, com destaque para a dispensa sem justa causa.
Como dito acima, a Lei de criação do fundo, editada antes da CRFB/88, previa que
os trabalhadores optantes pelo FGTS teriam direito a receber uma indenização de 10% decorrente
de dispensa sem justa causa. No entanto, o art. 10, I, dos Atos de Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT)8, majorou de 10% para 40% o valor da indenização adicional:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I,
da Constituição:
I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da
porcentagem prevista no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de
setembro de 1966;
Atualmente, o fundo é regido pela Lei n° 8.0369 de 1.990, regulamentada pelo
Decreto 99.684 de 1.990, e determina em seu art. 18, §1º, o recolhimento da indenização nos
5 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5107.htm , acesso em 01.03.2016 6 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm , acesso em 01.03.2016 7 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do FGTS. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 9 8 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#adct , acesso em 01.03.2016 9 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8036consol.htm , acesso em 01.03.2016
13
termos da disposição citada acima:
§1º. Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este,
na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por
cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a
vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos
respectivos juros.
O FGTS é constituído por saldos de contas vinculadas aos trabalhadores e de
outros recursos incorporados, cuja curatela é exercida pelo Conselho Curador do FGTS
(administrado pela Caixa Econômica Federal), de acordo com o art. 5º da Lei n° 8.036/90,
destinando-se tanto ao trabalhador quanto ao fomento de programas governamentais voltados
para o desenvolvimento econômico do país.
Para tanto, enquanto não disponibilizados para saque dos trabalhadores, os
recursos arrecadados pelo fundo são aplicados em projetos públicos, principalmente
financiamento de habitação, obras de saneamento básico e infra-estrutura. Veja-se que o art. 9º §
3º da Lei 8.036/90, determina que 60% dos recursos devem ser investidos em moradias
populares.
Nesse sentido, é notório o interesse do Estado em administrar a arrecadação de
contribuições ao fundo, destinando seus recursos aos objetivos expressos no art. 3º da Carta
Magna10, em atenção aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos tutelados pelo Estado,
à luz, inclusive, do art. 193, que assim dispõe: “A ordem social tem como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
As obrigações devidas ao FGTS estão previstas nos arts. 15 e 18, §1º e §2º, da Lei
n° 8.036/90, com redação dada pelo art. 31 da Lei n° 9.491/97, cabendo ressaltar que não
possuem natureza tributária, tratando-se de um ônus de cunho trabalhista.
O art. 15 se refere a uma contribuição mensal correspondente a 8% da
remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, enquanto o art. 18, §1º, ocupa-
se do encargo de 40% devido sobre o montante de todos os depósitos realizados na conta
vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, no caso de dispensa sem justa causa.
10 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm , acesso em
01.03.2016
14
Caso a rescisão do contrato de trabalho se dê por culpa recíproca ou força maior, a
multa será de 20% do saldo da conta vinculada, a teor do art. 18, §2º, da Lei n° 8.036/90.
Note-se que os valores depositados na forma do art. 18 correspondem a uma
sanção por infração legal, possuindo natureza de multa. Por ser decorrente de uma infração legal,
o encargo não poderia ter natureza tributária, pois vai de encontro com a previsão do art. 3º do
CTN, que define o tributo como exação pecuniária compulsória que não constitua sanção de ato
ilícito.
Nesse sentido, importa frisar que o depósito de 8% prescrito no art. 15, configura
uma contribuição social – de natureza trabalhista11 – realizada em benefício do trabalhador que,
na hipótese de injusta dispensa, poderá sacar os valores depositados em sua conta vinculada com
os acréscimos de multa do art. 18.
Nos anos 90, o FGTS viu seu equilíbrio financeiro comprometido, parte por conta
de fatores exógenos que atingiram suas aplicações. No âmbito habitacional, essa crise teve
origem nos subsídios institucionais concedidos aos mutuários finais, agravados pelos efeitos de
planos econômicos de 1989 e 1990, cujas prestações, de forma geral, não cobriam os juros
contratuais por conta da inflação.
Em janeiro de 1989, durante a vigência do Plano Verão, o governo determinou
regras de correção das contas vinculadas diversas do índice divulgado do IPC, culminando numa
perda patrimonial de 16,06% do valor do saldo do fundo. Ademais, no mês de abril de 1990, na
vigência do Plano Collor I, as contas vinculadas do fundo sequer foram atualizadas, embora a
inflação do período tenha atingido 44,8%.
Como os índices de inflação foram aplicados a menor na correção monetária das
contas vinculadas do FGTS, os acumulados resultaram em perda efetiva de aproximadamente
68,9% sobre o rendimento dos valores depositados.
A Caixa Econômica Federal (CEF), então, foi condenada judicialmente a
promover as atualizações monetárias dos saldos das contas vinculadas do FGTS12.
11 VELLOSO, Andrei Pitten. op. cit., p. 103. 12 Recurso Extraordinário n° 226.855, STF, Rel. Min. Moreira Alves, publicado no Dj de 13.10.2000
15
Temendo-se a possibilidade de inúmeros ajuizamentos de demandas judiciais
visando a respectiva correção dos saldos, o que poderia paralisar o processo judiciário brasileiro,
a correção automática dos fundos foi estendida a todos os trabalhadores, independentemente de
decisão judicial, surgindo a necessidade de geração de patrimônio na ordem de bilhões de reais.
Isto ensejou a propositura do Projeto de Lei Complementar nº 195/01 visando
prover as despesas com as atualizações determinadas pelo judiciário, conforme se depreende pela
ementa do referido projeto de lei, abaixo transcrita:
Projeto de Lei Complementar n° 195, de 2001 (Do Poder Executivo) -
Mensagem n° 291/01:
Institui contribuições sociais, autoriza créditos em contas vinculadas do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de complementos de atualização
monetária decorrentes de decisão do Supremo Tribunal Federal, e dá outras
providências.13
O projeto foi convertido na Lei Complementar n° 110/0114, que instituiu, em
especial, em seu art. 1º, a contribuição social de 10% sobre o FGTS, para equilibrar o saldo
afetado pelos expurgos inflacionários decorrentes da implementação de diferentes planos
econômicos editados pelo governo:
Art. 1º. Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso
de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o
montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido
das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.
13 Mensagem n° 291/01, Diário da Câmara dos Deputados n° 044, ano LVI – publicado em 04.04.2001 14 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp110.htm , acesso em 01.03.2016
16
2 A NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS
Na vigência da Constituição Brasileira de 1967, as contribuições se sujeitavam às
normas gerais de direito tributário. No entanto, com a superveniência da Emenda Constitucional
n° 8, de 14 de abril de 1977, tais Contribuições foram transferidas do Capítulo da tributação para
o art. 43, X, referente à Seção IV “Das Atribuições do Poder Legislativo”.
Ato contínuo, o STF se posicionou no sentido de que as contribuições sociais,
referidas no art. 43, X, daquela Constituição, deixaram de ser tributos, mesmo porque, sua
localização “topográfica” em capítulo diverso daquele relativo ao sistema tributário não
permitiria tal classificação15.
As Contribuições Especiais Sociais foram extraídas do capítulo que tratava do
sistema tributário nacional e passaram a integrar o capítulo que tratava das atribuições do Poder
Legislativo, especialmente para explicitar a competência do Congresso Nacional para dispor
sobre as mesmas.
Foi somente com o advento da Constituição Brasileira de 1988, que as
contribuições foram reguladas explicitamente no art. 149, no capítulo do Sistema Tributário
Nacional e reiteradas manifestações do Supremo Tribunal Federal pacificaram o entendimento
acerca de sua natureza tributária.
Ainda assim, muito se questionou que a Constituição tratou as contribuições como
figuras diferenciadas dos demais tributos. Hugo de Brito Machado ressaltou que o Código
Tributário, em seu art. 3°, ao definir tributo, conduz ao entendimento de que este e instrumento de
transferência de recursos financeiros do setor privado para o Estado, motivo provável pelo qual o
CTN não traz em seu conteúdo referência às contribuições16. No entanto, este entendimento
encontra-se superado pelo STF17.
15 Recurso Extraordinário n° 86.595-BA, Pleno, RTJ, 87/271 16 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006,
p. 76. 17 Recurso Extraordinário n° 146.733-SP, STF, Tribunal Pleno, publicado em RTJ, 143:684-704, fev. 1993; Recurso
Extraordinário n° 148.754-RJ, publicado em RTJ, 150:888-921, dez. 1994; etc.
17
Para Hugo de Brito Machado18, as contribuições sociais ostentam características
ora de imposto ora de taxa, tornando complexa sua classificação e determinação de sua natureza
jurídica específica. Assemelham-se com a taxa na medida que possui caráter contraprestacional, e
com o imposto em virtude do fato gerador, que ocorre com a realização de situação definida em
lei.
Todavia, é inafastável o entendimento a respeito de sua natureza tributária, já
sedimentado pelos Tribunais Superiores e doutrinadores, sendo imprescindível admitir que
constituem espécie tributária distinta.
Ora, as contribuições se encaixam perfeitamente no conceito de tributo definido
pelo CTN no art. 3°; são, de fato, prestações pecuniárias compulsórias, vez que derivam da mera
ocorrência do fato imponível, independentemente da vontade do sujeito passivo.
São, portanto, “tributos devidos em razão de atos praticados pelos contribuintes,
cuja cobrança gera receita predestinada a financiar atividades estatais ou despesas específicas.”19
Cumpre dizer que as contribuições sociais destinam-se ao custeio do sistema de
seguridade social e outros benefícios na área social, exigindo a atuação do Estado neste segmento
direcionada à coletividade.
No entanto, constata-se que o fato gerador destas contribuições não reside na
atuação estatal em si, não configurando, assim, ações gerais que poderiam ser custeadas através
de impostos ou ações divisíveis e específicas que seriam custeadas por taxas, vez que não
correspondem ao exercício do poder de polícia nem à prestação de serviço público divisível.
Nesse sentido, todas as contribuições especiais estão vinculadas à atuação do
Estado, mas não pela sua hipótese de incidência. A vinculação decorre das metas e finalidades
estatais definidas.
Pode-se dizer, então, que as contribuições têm um caráter “parafiscal” ao passo
que sua função não é meramente arrecadatória. Ainda que tal analogia possa trazer novamente à
debate a natureza tributária das contribuições, a doutrina brasileira é unânime em asseverar que a
18 MACHADO, Hugo de Brito. op. cit., p. 388 19 VELLOSO, Andrei Pitten. op. cit., p. 28.
18
parafiscalidade se submete aos pressupostos do sistema tributário.
Para Aliomar Baleeiro, “há, na parafiscalização, o elemento coativo peculiar a
todos os tributos”20.
O artigo 149 da Constituição Brasileira de 1988 dispõe que compete à União
instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias
profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas21.
Como o objeto de estudo do presente trabalho reside na análise de uma
contribuição social, é importante destacar que estas contribuições compreendem um rol mais
abrangente do que as que se destinam ao custeio da seguridade social, podendo ser instituídas
para qualquer finalidade relacionada ao financiamento das metas fixadas no Título VIII (Ordem
Social) da CRFB/88, custeando a atuação do Estado em todos os campos sociais.
Note-se que a Constituição Brasileira vigente não determina os fatos geradores das
contribuições especiais, salvo as de seguridade social, cujas materialidades possíveis estão
previstas no art. 195, CF, e a CIDE-Combustíveis, contribuição interventiva que tem seus
possíveis fatos geradores previstos no art. 177, § 4º, CF.
Assim, o problema central na análise da natureza das contribuições reside na
validação finalística, que as difere dos impostos e taxas. Isto porque as contribuições possuem
acepção abrangente, tendo em vista que o constituinte adota como critério classificatório das
contribuições a sua finalidade.
A principal peculiaridade das contribuições frente aos impostos reside no fato de
terem o objetivo de realizar as finalidades estatais constitucionalmente definidas. Isto importa
esclarecer que se for instituído um tributo com hipótese de incidência não vinculada, sem
relacionar suas receitas a uma finalidade especifica, teremos um imposto, e não uma
contribuição. Daí decorre o caráter finalístico das contribuições; a finalidade para a qual são
criadas é que autorizam a sua instituição.
20 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças, Rio de Janeiro, Forense, p. 290 21 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm , acesso em
01.03.2016
19
Nesse sentido, a destinação do produto arrecadado deveria ser rigorosamente
observada pelo legislador infraconstitucional no momento da instituição das contribuições.
Ao que tudo indica, o STF tem simplesmente entendido que, se o tributo se destina
a certa finalidade constitucionalmente prevista, cuida-se de contribuição.
Entretanto, merece destaque sua ligação indissociável com a finalidade que
ensejou a sua criação. De acordo com Marco Aurelio Greco, “a contribuição e caracterizada pela
inerência da finalidade à sua essência22”.
22 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições - uma figura sui generis, Dialética, 2000, p. 144
20
3 ANÁLISE DA VALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA
CONTRIBUIÇÃO
As contribuições instituídas pela LC n° 110/01, em especial a contida em seu art.
1º, foram criadas com a finalidade de gerar recursos para que o Governo Federal cobrisse os
rombos nas contas do FGTS provocados pelos expurgos dos Planos Verão e Collor I, de combate
à inflação, em 1989 e 199023.
A título de contribuição, instituiu-se na verdade um tributo com o fito de gerar
recursos para o pagamento de dívida do Governo, o que não se enquadra em nenhuma das
finalidades previstas no art. 149 da CRFB/88. Note-se que sua caracterização como contribuição
social geral só se daria caso instituída para financiar a atuação da União em áreas fixadas os
objetivos do título Da Ordem Social na Constituição.
No entanto, o STF, no julgamento das ADIns 2.556 e 2.568, posicionou-se pela
constitucionalidade das contribuições instituídas pela LC 110/01, entendendo que configuram,
validamente, contribuições sociais gerais.
Todavia, a discussão aqui desenvolvida é outra. Atualmente há três fundamentos
novos e autônomos ainda não apreciados pelo STF até o momento24, capazes de invalidar a
contribuição em questão, pois decorrem de fatos supervenientes.
O primeiro fundamento decorre do esgotamento da finalidade que justificou a
instituição da contribuição diante da consumação da recomposição dos fundos no decurso do
tempo.
O segundo deriva do desvio do produto da sua arrecadação desde 2012. No lugar
de ser incorporado ao FGTS, foi destinado para o reforço do superávit primário, através da
retenção de recursos pela União e, além disso, tem sido utilizado para financiar despesas estatais
diversas, como o programa “Minha Casa, Minha Vida” – PMCMV.
23 VELLOSO, Andrei Pitten. op. cit., p. 103. 24 Até o momento, pois, atualmente, aguarda-se o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 5.050,
5.051 e 5.053.
21
O terceiro é que não há justificativa constitucional que valide a instituição de
contribuição social geral sobre a folha de salários, em virtude das mudanças trazidas pela Emenda
Constitucional n° 33/2001 no art. 149 da CRFB/88.
Como se percebe, nenhum dos três fundamentos acima foi objeto de análise pela
Suprema Corte, provocando a disseminação e expansão de especulações e debates a respeito da
validade do tributo sob análise.
3.1 EXAURIMENTO DA FINALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO
Como já visto, a LC n° 110/01 instituiu a contribuição social do art. 1º com o
escopo de viabilizar a atualização monetária das contas vinculadas de FGTS, que sofreram
expurgos por ocasião da implementação do Plano Verão e do Plano Collor I.
Sobre isto, cabe transcrever a exposição de motivos do Projeto de Lei
Complementar nº 195/01 (mensagem nº 291)25, que se baseou especialmente no julgamento do
Recurso Extraordinário n° 226.855/RS, dando origem à LC n° 110/01:
O reconhecimento por parte do Poder Judiciário de que os saldos das contas
vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foram corrigidos a menor
na implementação dos Planos Verão e Collor I, teve o efeito de aumentar o
passivo do FGTS sem o correspondente aumento do ativo necessário para evitar
um desequilíbrio patrimonial no Fundo. Diante dessa decisão da Justiça, e
devido à possibilidade de que um número excessivamente elevado de
trabalhadores ajuizasse demandas para correção dos saldos na mesma proporção,
o que teria o efeito de paralisar o processo judiciário no País, Vossa Excelência
decidiu estender a todos os trabalhadores a correção automática de seus saldos,
independentemente de decisão judicial. Isto criou uma necessidade de geração
de patrimônio do FGTS da ordem de R$42 bilhões. (…)
Com estas medidas, o FGTS conseguirá alcançar a 92% dos titulares de contas
vinculadas, que têm complementos de atualização monetária não superiores a R$
1.000,00, até junho de 2002. Os demais titulares, que têm valores acima desse
montante, terão o complemento creditado em suas contas entre julho de 2002 e
junho de 2006, finalizando o pagamento em cinco anos, contados a partir de
julho de 2001.
O período necessário para que todos os trabalhadores recebam o que lhes é
devido é, dentro do acordo, bem menor do que provavelmente viria ao correr se
estes tivessem que entrar com demandas judiciais, dado ao acúmulo de
25 Mensagem n° 291/01, Diário da Câmara dos Deputados n° 044, ano LVI – publicado em 04.04.2001
22
processos que ocorreria na Justiça e a consequente lentidão que isto acarretaria
no julgamento destes processos.
Neste cenário, foi aprovado o projeto que resultou na LC n° 110/01, que instituiu a
contribuição social de 10% sobre os depósitos do FGTS nos casos de demissão sem justa causa,
cujo fato gerador é a despedida injusta do empregado, tornando a referida contribuição idêntica
ao depósito de 40% descrito no §1º do art. 18 da Lei n° 8.036/90.
Nesse sentido, a referida "contribuição social” poderia ser considerada adicional
da multa pela rescisão unilateral sem justa causa do contrato de trabalho, certo que seu fato
gerador representa uma infração legal, afastando-se da definição de tributo descrita no art. 3º do
CTN, como já visto anteriormente.
Contudo, os valores recolhidos referentes à multa de 10% não são revertidos para
o trabalhador, que continua percebendo apenas os 40% de multa rescisória sobre os depósitos
realizados no curso de seu contrato de trabalho.
A finalidade das receitas decorrentes das contribuições da LC n° 110/01 sempre
esteve atrelada ao custeio das despesas da União com o pagamento dos expurgos inflacionários
aplicados nos saldos das contas do FGTS do período. Vejamos a redação do artigo 4º da LC n°
110/01:
Art. 4º. Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas
vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de
atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de
dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e
quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas,
respectivamente, no período de 1o de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de
1989 e durante o mês de abril de 1990
Assim, resta implícito que esse adicional vigorará pelo tempo necessário às
atualizações monetárias dos valores das contas vinculadas dos empregados, evidenciando o
caráter temporário desta contribuição, até que se complete a reposição dos índices de inflação nas
contas do FGTS, suprimidos no passado.
Ademais, o Decreto n° 3.913/0126, regulamentador da LC nº 110/01, esclarece, em
26 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3913.htm , acesso em 01.03.2016
23
seu art. 4º, II, o cronograma de pagamento das complementações de atualização monetária do
FGTS, indicando que os dispêndios se encerrariam no ano de 2007. Vejamos:
Art. 4º. O titular da conta vinculada manifestará, no Termo de Adesão, sua
concordância: (…)
II - com a forma e os prazos do crédito na conta vinculada, consoante as
seguintes especificações: (...)e) o complemento de atualização monetária no
valor total acima de R$ 8.000,00 (oito mil reais), definido antes da dedução de
que trata o inciso I, alínea d, será creditado em sete parcelas semestrais, a partir
de janeiro de 2004, para os titulares de contas vinculadas que tenham firmado o
Termo de Adesão até o dia 30 de dezembro de 2003.
Todavia, é certo que trata-se de mera presunção de vigência pelo prazo necessário
ao ressarcimento dos valores sonegados nas contas vinculadas do FGTS por conta dos Planos
Econômicos Verão e Collor I, diferente do que ocorre com a contribuição instituída pelo art. 2º da
LC n° 110/01, que traz prazo de vigência prefixado, caracterizando sua natureza de tributo
temporário com finalidade específica.
Ademais, a referida lei desencadeou calorosas discussões a respeito de sua
constitucionalidade, sob inúmeras alegações de que as contribuições por ela instituídas seriam, na
verdade, impostos27, violando dispositivos constitucionais, com destaque para o princípio da
anterioridade (art. 150, III, 'b', CRFB/88).
O Supremo Tribunal Federal declarou a validade e a constitucionalidade das
exações no julgamento nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 2.556 e 2.568 pelo
Plenário, admitindo-as como contribuições sociais gerais, mas apenas a partir de janeiro de 2002,
em atenção ao princípio da anterioridade.
A caracterização das contribuições como “gerais”, afasta o tratamento do art. 195
da CRFB/88, sendo regidas pelo art. 149.
A finalidade das cobranças é manifestamente cobrir a dívida pública decorrente
dos rombos nas contas do FGTS, tornando mandatória a destinação da receita arrecadada para o
cumprimento do objetivo pretendido ao instituir as contribuições.
Note-se que as exações em estudo não podem ser caracterizadas como imposto,
27 Discussão objeto das ADIs nºs 2.556 e 2.568.
24
em virtude da proibição expressamente contida no inciso IV do art. 167, da CRFB/88, que veda a
vinculação de receita de impostos a qualquer órgão, fundo ou despesa, atentando-se também para
o disposto no art. 154, I, que proíbe a instituição de impostos que tenham o mesmo fato gerador
ou base de cálculo dos constitucionalmente já previstos.
Nesse sentido, o próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 16, veda a
instituição de imposto com destinação específica.
O art. 4º da LC 110/01 vinculou a receita do produto da arrecadação dos tributos
para restituir o saldo deficitário das contas vinculadas do fundo, hipótese vedada pelo art. 167, IV,
CF/88 que estabelece:
Art. 167 . São vedados:
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas
a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts.
158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde e
para manutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado pelo art. 212,
e a prestação de garantia às operações de crédito por antecipação de receita,
previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no §4º deste artigo.
Ocorre que em 08 de fevereiro de 2012, a Caixa Econômica Federal, responsável
pela administração das contas do FGTS, informou, por meio do Ofício n° 038/201228, dirigido ao
Secretário-Executivo do Conselho Curador do FGTS, que o saldo negativo já havia sido
equilibrado.
Certo que a CRFB/88 não submeteu as Contribuições ao regime jurídico dos
impostos (com destaque à vedação do art. 167, proibindo a vinculação da receita gerada com a
arrecadação a órgão, fundo ou despesa), mas a um regime jurídico próprio, inexiste a
possibilidade de se dar nova destinação à contribuição, vez que possui finalidade específica.
Diante disto, não se poderia exigir uma contribuição social cuja finalidade
originalmente atrelada à sua instituição resta exaurida, pois ameaça o princípio da segurança
jurídica, diante da confiança dos cidadãos nos atos do Poder Público.
28 Informação obtida em consulta à Ata da 128ª Reunião Ordinária do Conselho Curador do Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço, realizada em 15 de maio de 2012, disponível em http://www.caixa.gov.br/Downloads/fgts-
atas-conselho-curador/20120515_Ata_128_Reuni%C3%A3o_Ordin%C3%A1ria_CCFGTS.pdf , acesso em
01.03.2016
25
Tendo em vista que a recomposição dos expurgos inflacionários das contas
vinculadas do FGTS foi atingida, culminando na situação superavitária do fundo29, a Câmara dos
Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar n° 200/12 (n° 198/07 no Senado Federal),
que tinha como objetivo acrescentar um parágrafo ao artigo 1º da LC 110/01, para fazer constar
um prazo para a extinção da contribuição social em análise.
Contudo, o citado projeto foi vetado pela Presidência da República, que, em sua
mensagem de veto nº 30130, publicada no DOU de 25.07.2013, afirmou expressamente que a
extinção da contribuição em análise geraria um impacto superior a três bilhões de reais por ano
nas contas do FGTS, o que reduziria os investimentos em programas sociais, em particular o
Programa Minha Casa, Minha Vida. O Congresso Nacional, em sessão realizada no dia
18.09.2013, decidiu manter tal veto.
As razões para o veto presidencial evidenciam o exaurimento da finalidade que
legitimou a instituição da contribuição, tanto é que os valores arrecadados passaram a ser
direcionados para programas sociais do governo.
Por conseguinte, uma vez alcançada a finalidade da contribuição, cessa a
compulsoriedade, pois, do contrário, quebra-se a confiança entre o Estado e os contribuintes, pilar
de todo processo de positivação do direito.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de
29 Notícia veiculada pelo site do FGTS em março de 2013, destacando a situação superavitária das contas do FGTS.
Disponível em: http://www.fgts.gov.br/noticias/noticia.114.asp , acesso em 01.03.2016 30 MENSAGEM Nº 301, DE 23 DE JULHO DE 2013: Senhor Presidente do Senado Federal, Comunico a Vossa
Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por contrariedade ao
interesse público, o Projeto de Lei Complementar nº 200, de 2012 (nº 198/07 no Senado Federal), que
"Acrescenta § 2º ao art. 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, para estabelecer prazo para a
extinção de contribuição social". Ouvidos, os Ministérios do Trabalho e Emprego, do Planejamento, Orçamento e
Gestão e da Fazenda manifestaram-se pelo veto ao projeto de lei complementar conforme as seguintes razões: "A
extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de
reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, contudo a proposta não está
acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas
compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção do texto levaria à redução de
investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas
realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FI-FGTS.
Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida,
cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS." Essas, Senhor Presidente, as razões
que me levaram a vetar o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do
Congresso Nacional.
26
Inconstitucionalidade (ADI) n° 255631, declarou que a contribuição é harmônica com a
Constituição Federal Brasileira de 1988, entendendo, no entanto, que “o argumento relativo à
perda superveniente de objeto dos tributos em razão do cumprimento de sua finalidade deverá ser
examinado a tempo e modo próprios”.
Ressalte-se que a Egrégia Suprema Corte posicionou-se, quanto à natureza jurídica
das contribuições sociais, in litteris:
(...) Min° JOAQUIM BARBOSA (Relator): A especie tributária “contribuição”
ocupa lugar de destaque no sistema constitucional tributário e na formação das
políticas públicas. Espécie tributária autônoma, tal como reconhecida por esta
Corte, a contribuição caracteriza-se pela previsão de destinação específica do
produto arrecadado com a tributação.
(...) Assim, a existência das contribuições, com todas as suas vantagens e
condicionantes, somente se justificam se preservadas sua destinação e sua
finalidade. (...)
Tendo o STF optado por não analisar, naquela oportunidade, a alegada perda de
objeto da contribuição pelo cumprimento da finalidade que havia justificado a sua instituição, a
controvérsia atual – matéria também discutida na ADI n° 5050, na ADI n° 5051, na ADI n° 5053
e no RE n° 878.313/SC – envolve definir se, atingido o motivo para o qual foi criada, a obrigação
tributária em estudo torna-se inconstitucional.
3.2 DESVIRTUAMENTO DA FINALIDADE
Como já exposto, o veto presidencial ao PLC 200/12 sob o argumento de
contrariedade ao interesse social, pois a “medida impactaria fortemente o desenvolvimento do
Programa Minha Casa, Minha Vida32”, evidencia que os recursos do tributo são desviados de sua
finalidade33.
Cumpre acrescentar que em 2013 o Poder Executivo apresentou ao Congresso
31 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2556, STF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, publicado no Dj
de 03.10.2012. 32 Mensagem de veto nº 301, publicada no DOU de 25.07.2013, disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Msg/Vet/VET-301.htm , acesso em 01.03.2016 33 O desvio de finalidade é tratado neste trabalho de acordo com a concepção do direito administrativo, onde a
realização de finalidade estranha à prevista pelo ordenamento jurídico para o ato administrativo resulta na
invalidade do ato.
27
Nacional o Projeto de Lei Complementar n° 328, exatamente com o objetivo de assegurar a
continuidade da cobrança da contribuição social a que se refere o art. 1º da LC 110/01. Veja-se,
portanto, que a arrecadação da contribuição social é manifestamente utilizada para fins diversos
daqueles estabelecidos quando de sua instituição.
Para tanto, o Projeto de Lei n° 328, de 2013, de iniciativa do Executivo, não altera
a destinação originalmente prevista, apenas acrescentando que a CEF poderá empregar parte do
produto da arrecadação da contribuição social depositada no FGTS no financiamento do
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), mantendo a titularidade dos recursos no FGTS.
Destaque-se que, desde 1998, a partir da publicação da Resolução n° 289/98 do
Conselho Curador34, o FGTS concede descontos nos financiamentos para aquisição de imóveis,
possibilitando a ampliação do acesso ao crédito às famílias de baixa renda.
Com a implementação do PMCMV pela Lei n° 11.977/09, o Fundo de Garantia
revisou seu orçamento para financiar o programa, onde arca com 82,5% dos descontos
concedidos, enquanto o Tesouro Nacional completa com 17,5%35.
Desde 1998, a soma dos descontos concedidos pelo FGTS alcança cerca de R$
45,5 bilhões. Para o PMCMV, desde Abril de 2009, o FGTS ofereceu descontos que já
ultrapassam R$ 30,5 bilhões36.
A propósito, assevera Hugo de Brito Machado que “a função das contribuições
sociais, em face da vigente Constituição, decididamente não é a de suprir o Tesouro Nacional de
recursos financeiros.”
Visto então que a destinação é parte integrante da regra-matriz da natureza das
contribuições sociais, cumpre questionar: havendo desvio da destinação seria considerada
inconstitucional a arrecadação tributária? Para alcançar uma conclusão satisfatória, é necessário
compreender se o desvirtuamento da finalidade resta configurado.
34 Disponível em
http://acesso.mte.gov.br/data/files/FF8080812C12AA70012C12D1BBFF1AA2/r_19980630_289.pdf , acesso em
01.03.2016 35 Informação obtida no sítio do FGTS. Disponível em: http://www.fgts.gov.br/desconto.asp , acesso em 01.03.2016 36 Ibid.
28
É fundamental ter em mente que a utilização dos recursos arrecadados pela CEF
no financiamento do PMCMV, em linha com o que já e feito com o uso dos recursos em
saneamento, habitação e outros investimentos, visa custear a atuação Estatal na área social.
Nesse sentido, a finalidade da contribuição social é necessariamente aquela
descrita no momento de sua instituição mediante lei complementar ou seria a constitucionalmente
definida no art. 149?
Leandro Paulsen37 explica que não se deve confundir a finalidade que caracteriza a
contribuição e autoriza sua cobrança com a destinação efetiva dos recursos, usando o seguinte
argumento:
a finalidade ou destinação legal e requisito inafastável para a caracterização da
contribuição. O enquadramento da finalidade apontada na lei instituidora dentre
aquelas constitucionalmente previstas como autorizadoras da instituição de
contribuição é requisito de validade da mesma. Verifica-se qual é a finalidade
pela análise da destinação legal do produto da arrecadação.
Ademais, ensina que “o legislador não pode alterar a destinação das contribuições,
sob pena de retirar-lhes o suporte constitucional que decorre, justamente, da adequação às
finalidades previstas no art. 149 e 149-A da Constituição”. Nesse sentido, a instituição de
contribuições deve obedecer uma finalidade constitucionalmente definida:
Não há, pois, uma competência irrestrita, uma carta branca ao legislador para a
criação de tributos simplesmente justificados como destinados a uma finalidade
social. A validade da contribuição dependerá da finalidade buscada que,
necessariamente, terá de encontrar previsão no Título atinente à Ordem Social.38
Kiyoshi Harada defende que “uma das características essenciais da contribuição
social é exatamente a vinculação do produto de sua arrecadação a uma determinada finalidade,
assumindo características próprias de um imposto especial39”.
Veja-se que não se trata de um debate meramente político, diante da intenção do
Executivo em manipular a arrecadação do tributo determinando novo desígnio a este, em mais
uma nítida tentativa de instituir exações não submetidas a imunidades e demais princípios
37 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência.
7ª. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: ESMAFE, 2005, p. 140, 141 38 VELLOSO, Andrei Pitten. op. cit., p. 98. 39 HARADA, Kiyoshi. Contribuições Sociais Doutrina e Prática. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 139.
29
constitucionais tributários de alta relevância.
A tese da finalidade constitucionalmente definida40 não pode ser invocada
porquanto contribuição e um tributo que se caracteriza precisamente em função de sua finalidade
específica. A admissão de uma contribuição “sem finalidade constitucionalmente definida”,
permitiria a arrecadação de absolutamente tudo atraves de “contribuições gerais”, vez que seu
âmbito constitucional de incidência e quase que ilimitado, o que esvaziaria a competência
residual estabelecida no art. 195, § 4°, da CRFB/88, além da própria competência para instituir
taxas e imposto.
Isto posto, ainda que a referida contribuição originalmente tenha por objetivo
custear o déficit no FGTS causado pelos expurgos inflacionários, tal qual expresso da exposição
de motivos, esta intenção parece não ter sido incorporada à norma, que de fato não condiciona a
cessação da exigibilidade do tributo a termo ou condição.
Com efeito, as razões deduzidas na exposição de motivos não vinculam a
interpretação da norma, certo que a eventual intenção do legislador nada vale formalmente para a
interpretação jurídica, ainda que influencie significativos debates.
Note-se que a destinação dos recursos se encontra definida pelo artigo 3°, § 1°, da
LC n° 110/0141 e corresponde, estritamente, ao aporte de receitas ao FGTS, como se vê de seu
teor transcrito a seguir:
Art. 3° As contribuições sociais de que tratam os arts. 1° e 2o aplicam-se as
disposições da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990 e da Lei n° 8.844 de 20 de
janeiro de 1994, inclusive quanto a sujeição passiva e equiparações, prazo de
recolhimento, administração, fiscalização, lançamento, consulta, cobrança,
garantias, processo administrativo de determinação e exigência de créditos
tributários federais.
§ 1° As contribuições sociais serão recolhidas na rede arrecadadora e
transferidas à Caixa Econômica Federal, na forma do art. 11 da Lei no 8.036, de
11 de maio de 1990, e as respectivas receitas serão incorporadas ao FGTS.
Nessa lógica, ao serem incorporadas ao FGTS por previsão legal, as contribuições
40 Entendida aqui segundo a imposição do art. 149 da CRFB/88 para instituição de contribuições que tenham
finalidade prevista no texto constitucional, ainda que implicitamente, conforme demonstrado no desenvolvimento
deste trabalho. 41 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp110.htm , acesso em 01.03.2016
30
somam-se às demais fontes de receitas do Fundo, podendo admitir-se, como consequência, a sua
utilização tanto para fazer frente ao pagamento das correções monetárias das contas, como para
financiar outras atividades a ele vinculadas.
No art. 4°, encontramos a disposição que autoriza expressamente o crédito de
valores visando precisamente equilibrar o saldo afetado pelos expurgos inflacionários decorrentes
da implementação dos planos econômicos referentes aos períodos de 1989 e 1990:
Art. 4° Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas
vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de
atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de
dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e
quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas,
respectivamente, no período de 1° de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de
1989 e durante o mês de abril de 1990, desde que:
I – o titular da conta vinculada firme o Termo de Adesão de que trata esta Lei
Complementar;
II – até o sexagésimo terceiro mês a partir da data de publicação desta Lei
Complementar, estejam em vigor as contribuições sociais de que tratam os arts.
1° e 2°; e (Vide: ADIN 2.556-2 e ADIN 2.568-6)
III – a partir do sexagésimo quarto mês da publicação desta Lei Complementar,
permaneça em vigor a contribuição social de que trata o art. 1°. (Vide: ADIN
2.556-2 e ADIN 2.568-6)
Sendo assim, seria admissível a hipótese de que a aplicação da receita no
investimento de programas sociais pelo FGTS não configuraria um desvio de finalidade.
A contribuição tem incrementado o fluxo de caixa do FGTS, possibilitando ao
Fundo dar continuidade à expansão da aplicação de recursos no financiamento de programas de
habitação popular, de saneamento básico e de infraestrutura urbana.
Não obstante, por mais nobre que seja a nova destinação desses recursos, os
indícios de inconstitucionalidade da norma são visíveis.
Portanto, a incumbência de resolver o imbróglio e examinar a
inconstitucionalidade superveniente da exação descrita no art. 1º da LC n° 110/01 é da Suprema
Corte, com o julgamento das ADIs n° 5050, n° 5051 e n° 5053 e do RE n° 878.313/SC.
Frise-se que, em manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral do
31
Recurso Extraordinário42, o ministro Marco Aurélio salientou que na ADI n° 2556, o STF
declarou a contribuição constitucional, mas que “a controvérsia, passível de repetição em
inúmeros casos, está em saber se, constatado o exaurimento do objetivo para o qual foi instituída
a contribuição social, deve ser assentada a extinção do tributo ou admitida a perpetuação da
cobrança ainda que o produto da arrecadação seja destinado a fim diverso do original”.
3.3 ALTERAÇÃO DO ART. 149, § 2º, III, 'a' PELA EC 33/01
Por fim, outro aspecto que carece de enfrentamento diz respeito à superveniência
da Emenda Constitucional 33, de 11 de dezembro de 2001, publicada cerca de seis meses após a
LC 110/01, de 11 de junho de 2001.
A EC 33/01 introduziu expressivas limitações à competência tributária da União
para instituição de contribuição social, acrescentando três parágrafos ao art. 149 da Carta
Magna43 (com o objetivo de regular os mercados de importação e comercialização de petróleo e
seus derivados, gás natural e álcool combustível e etc.), restringindo as bases econômicas
(materialidades) passíveis de tributação a título de contribuições sociais no art. 149, § 2°, III, a,
ao faturamento, receita bruta, valor da operação ou valor aduaneiro:
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de
que trata o caput deste artigo:
III - poderão ter alíquotas:
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da
operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro
Certo que a obrigação instituída pelo art. 1° da LC 110/01 incide sobre “montante
de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS,
durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas
vinculadas”, não há hesitação para se concluir pela revogação da norma, vez que não se
42 O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada
(Acórdão proferido no RE nº 878.313/SC, STF, Relator Min. Marco Aurélio, Dje de 22.09.2015.) 43 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm , acesso em
01.03.2016
32
harmoniza com a nova redação constitucional.
Ainda que evidente a incompatibilidade entre a base de cálculo definida da LC
110/2001 e a aquela determinada CRFB/88, com a redação da EC 33/01, mostrando-se patente a
“inconstitucionalidade material superveniente”, uma vez que a Emenda Constitucional e posterior
à LC, a contribuição em estudo foi julgada constitucional pelo Supremo.
No entanto, cumpre sublinhar que a EC n° 33/01 já estava em vigor há mais de dez
anos à época do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2556, realizado em 13 de
junho de 2012, de modo que sua edição não caracterizaria fato superveniente para motivar a
reapreciação da constitucionalidade da norma.
Ressalte-se, contudo, que esta questão não foi analisada naquela ocasião, visto que
a Suprema Corte julgou as alegações de violação dos arts. 5°, LIV, 150, III, 'b', 145, §1°, 157, II,
167, IV, todos da CRFB/88.
Neste sentido, importa dizer que a validade da norma não foi expressamente
apreciada à luz do pressuposto de seu próprio conflito com o texto constitucional, diante da
edição da Emenda à Constituição que afeta diretamente a validade da Lei Complementar em
exame.
Isto porque, de acordo com a jurisprudência do próprio Supremo, a superveniência
de uma norma constitucional materialmente incompatível com legislação ordinária anterior, opera
a revogação desta, ensejando sua alteração para adequar-se ao novo texto constitucional. Em
outras palavras, no fenômeno da recepção constitucional de normas infraconstitucionais, a
incompatibilidade provoca a revogação tácita da lei.
No entanto, ainda que a questão da constitucionalidade do direito anterior à
Constituição não tenha sido expressamente tratada pela CRFB/88, é impossível admitir que o
legislador deva observar a Constituição futura. Nesse sentido, as leis anteriores à Constituição
não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio mais tarde, mesmo porque o vício de
inconstitucionalidade é congênito, e nunca superveniente.
Ora, a nova redação constitucional não guarda qualquer vínculo com o
ordenamento infraconstitucional anterior. Dessa forma, analisa-se quais normas
33
infraconstitucionais se harmonizam com o novo ordenamento. As normas compatíveis serão,
portanto, recepcionadas, enquanto as incompatíveis restarão revogadas e sem eficácia.
Sobre isto, merece destaque o julgamento da ADI 244, na qual o Plenário não
conheceu da ação pela impossibilidade jurídica do pleito, vez que a Ação Direta de
Inconstitucionalidade não tem por objetivo o exame da revogação – ou não – de leis por
Constituição superveniente.
CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE.
REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE.
IMPOSSIBILIDADE. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei
inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando
fiel à Constituição; inconstitucional, na medida em que a desrespeita,
dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é
congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao
tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em
relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir
Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna
inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato
de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios.
Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao
ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei
ordinária. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que
cinquentenária. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade
jurídica do pedido.
Oportuno frisar que inicialmente a CRFB/88 outorgava competência para a
instituição de contribuições se observado unicamente o critério da finalidade (finalidade social).
No entanto, com o advento da EC 33/01, a outorga constitucional depende também da obediência
do critério da base econômica, condicionando a instituição de contribuições sociais sobre o
faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro.
Destarte, os pronunciamentos judiciais se manifestam tanto no sentido da higidez
da exação descrita no art. 1° da LC 110/01, quanto no de sua inconstitucionalidade, cabendo ao
Supremo Tribunal Federal o deslinde definitivo.
44 ADI nº 2, STF, Relator Min. Paulo Brossard, Dj de 21.11.1997
34
4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Ao passo que a questão ainda depende de análise pela Excelsa Corte, a primeira e
segunda instâncias veem oscilando sobre a manutenção da contribuição. Os poucos tribunais que
analisaram a tese têm se posicionado contrários ao reconhecimento de invalidade da obrigação.
No entanto, um precedente do TRF da 4ª Região desencadeou uma verdadeira
chuva de ajuizamentos no judiciário, que se acentuou quando foi reconhecida a repercussão geral
pelo Plenário Virtual do Supremo em 04.09.2015 no RE 878.313/SC.
Isto porque o fenômeno do “direito jurisprudencial”45 vem notoriamente ganhando
espaço inclusive no ordenamento jurídico brasileiro, tanto que o próprio NCPC (Lei nº
13.105/15) traz expressas disposições – nos arts. 926 e 927 – com o fito de ampliar o caráter
vinculante das decisões.
A tendência atual é que se estabeleça uma cultura de precedentes na qual a
jurisprudência deixe de ser mera fonte secundária do direito, aproximando-se do Common Law.
Insta, portanto, colacionar o teor da decisão proferida em 2007 pelo
Desembargador Federal Leandro Paulsen, que defende o caráter temporário da contribuição sob
estudo:
A Lei Complementar no 110/01 criou duas novas contribuições de modo a
viabilizar o pagamento correto da atualização monetária das contas vinculadas
de FGTS, que sofreram expurgos por ocasião do Plano Verão (janeiro de 1989) e
do Plano Collor (abril de 1990), reconhecidos pelos Tribunais Superiores quando
do julgamento, pelo Plenário do STF, do RE no 226.855-7/RS, rel. o Ministro
Moreira Alves, publicado no DJU de 13.10.2000, e, pela 1a Seção do STJ, do
REsp no 265.556/Al, Rel. Ministro Franciulli Netto, por maioria, DJU de
18.12.2000.As novas contribuições, diferentemente das anteriores, têm natureza
tributária, não sendo um encargo decorrente do contrato de trabalho. Veja-se que
o STF, nas ADIns 2.556 e 2.568, pronunciou-se pela constitucionalidade da LC
110/01, entendendo que as novas contribuições para o FGTS são tributos e que
configuram, validamente, contribuições sociais gerais. Transcrevo a decisão: -
Novas contribuições para o FGTS. LC 110/01. Natureza tributária. -
Constitucionalidade das novas contribuições ao FGTS (LC 110/01) como
contribuições sociais gerais. Sujeição à anterioridade de exercício. STF. "Ação
45 Aqui referido como a influência das decisões judiciais na aplicação da norma.
35
direta de inconstitucionalidade. Impugnação de artigos e de expressões contidas
na Lei Complementar federal no 110, de 29 de junho de 2001. Pedido de liminar.
- A natureza jurídica das duas exações criadas pela lei em causa, neste exame
sumário, e a de que são elas tributárias, caracterizando-se como contribuições
sociais que se enquadram na subespécie `contribuições sociais gerais' que se
submetem à regência do artigo 149 da Constituição, e não à do artigo 195 da
Carta Magna. - Não-ocorrência de plausibilidade jurídica quanto às alegadas
ofensas aos artigos 145, § 1o, 154, I, 157, II, e 167, IV, da Constituição. -
Também não apresentam plausibilidade jurídica suficiente para a concessão de
medida excepcional como e a liminar as alegações de infringência ao artigo 5o,
LIV, da Carta Magna e ao artigo 10, I, de seu ADCT. - Há, porém, plausibilidade
jurídica no tocante à arguição de inconstitucionalidade do artigo 14, caput,
quanto à expressão `produzindo efeitos', e seus incisos I e II da Lei
Complementar objeto desta ação direta, sendo conveniente, dada a sua
relevância, a concessão da liminar nesse ponto. Liminar deferida em parte, para
suspender, ex tunc e ate final julgamento, a expressão `produzindo efeitos' do
caput do artigo 14, bem como seus incisos I e II, todos da Lei Complementar
federal no 110, de 29 de junho de 2001." (STF, Plenário, maioria, ADIn
2.568/DF, out/02) Vide também: ADInMC 2.556/DF. Ocorre que a finalidade
para a qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do pagamento
dos expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e já foi atendida. Como as
contribuições têm como característica peculiar a vinculação a uma finalidade
constitucionalmente prevista, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há
que justifique a cobrança dessas contribuições. Por isso, entendo que não se
pode continuar exigindo das empresas, ad eternum, as contribuições instituídas
pela Lei Complementar no 110. Verifico, portanto, a relevância no fundamento
do pedido. Saliento que a lei exige, para a análise dos pedidos de liminar e de
antecipações de tutela, que haja risco para o autor de modo a justificar a medida,
mas que não se coloque em risco o réu, impondo-lhe dano irreversível. Em
matéria tributária, contudo, o risco de dano e, via de regra, exatamente o mesmo
para ambas as partes: não ter a disponibilidade imediata de recursos financeiros.
O contribuinte vê-se na iminência de ter de efetuar pagamento indevido e o
Fisco na de deixar de receber prestação devida, com prejuízo às atividades de
cada qual. Em qualquer caso, porém, a compensação futura e absolutamente
viável. Daí por que me parece que se estabelece uma certa neutralidade quanto a
tal requisito, assumindo caráter hegemônico para a decisão quanto aos pedidos
de liminar a relevância dos argumentos, traduzida nas fórmulas do forte
fundamento de direito (mandado de segurança), da fumaça do bom direito
(cautelar) ou da verossimilhança (antecipação de tutela). Desta forma, concedo
efeito suspensivo, determinando à agravada que se abstenha de exigir as
contribuições que ora se discute. Oficie-se ao Juiz de Primeira Instância,
comunicando os termos desta decisão. Intime-se o agravado para apresentar
contraminuta no prazo de 10 dias, forte no artigo 527, V, do CPC. Publique-se.
Intime-se.
(AG 2007.04.00.024614-7, Segunda Turma, Relator Desembargador Federal
Leandro Paulsen. Dje 27.08.2007)
Nesse sentido, alguns órgãos de primeira instância se estimularam a proferir
36
decisões descaracterizando a validade do tributo em questão.
A Justiça Federal de São Paulo concordou com a tese de que a finalidade da
contribuição, que rende anualmente R$ 3 bilhões ao governo, findou-se, conforme se vê pelo
trecho da sentença abaixo transcrita:
No caso dos autos, a parte autora pretende afastar a exação veiculada pelo art. 1º
da Lei Complementar 110/2001, à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o
montante dos depósitos ao FGTS, devida na hipótese de demissão sem justa
causa. Consoante se verifica dos dispositivos da LC nº 110/2001, ela instituiu
duas contribuições sociais, uma, a prevista no art. 1º, devida pelos empregadores
em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento
sobre os depósitos devidos referentes ao FGTS, durante a vigência do contrato
de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas, por
prazo indefinido. A segunda, a do art. 2º, devida pelos empregadores, à alíquota
de 0,5% sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador,
incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de
1990, pelo prazo de sessenta meses. O E. STF, nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade n.ºs 2.556-2/DF e 2.568-6/DF, pronunciou-se pela
constitucionalidade da LC 110/01, entendendo que as novas contribuições para o
FGTS são tributos e que configuram, validamente, contribuições sociais gerais,
ressalvando-se expressamente o exame oportuno de sua inconstitucionalidade
superveniente pelo atendimento da finalidade para a qual o tributo foi criado. No
voto condutor, proferido pelo relator Ministro Joaquim Barbosa na Ação Direta
de Inconstitucionalidade n.º 2.556-2/DF, foi consignado que, conforme
informações prestadas pelo Senado Federal, as contribuições foram criadas
visando, especificamente, fazer frente à atualização monetária dos saldos das
contas fundiárias, quanto às perdas inflacionárias dos Planos Verão e Collor I
(abr/90), em benefício de empregados que firmaram o Termo de Adesão referido
no artigo 4º da LC n.º 110/01. Assim, o tributo não se destinaria à formação do
próprio fundo, mas teria o objetivo de custear uma obrigação da União que
afetaria o equilíbrio econômico-financeiro daquela dotação. E, conforme
ressaltou o relator Ministro Joaquim Barbosa a existência das contribuições, com
todas as suas vantagens e condicionantes, somente se justifica se preservadas sua
destinação e sua finalidade. Afere-se a constitucionalidade das contribuições
pela necessidade pública atual do dispêndio vinculado (motivação) e pela
eficácia dos meios escolhidos para alcançar essa finalidade. A finalidade para a
qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do pagamento dos
expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e já foi atendida, tendo em
vista que a última parcela dos complementos de correção monetária foi paga em
2007, conforme cronograma estabelecido pelo Decreto n.º 3.913/01. Desta
forma, como as contribuições têm como característica peculiar a vinculação a
uma finalidade prevista, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há que
justifique a continuidade da cobrança dessas contribuições. Vale lembrar que o
Projeto de Lei Complementar n.º 198/07, aprovado pelo Congresso Nacional,
estabelecia termo final em 01.06.2013 para a exigência da contribuição prevista
no artigo 1º da LC n.º 110/01, considerando a saúde financeira do FGTS. O veto
presidencial total restou assim justificado: A extinção da cobrança da
37
contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três
bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
– FGTS, contudo a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto
orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas compensatórias, em
contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção do texto levaria à
redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações
estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do
Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FI-FGTS.
Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do
Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os
próprios correntistas do FGTS. Fica evidente que a própria Administração
Pública admite o desvio de finalidade da contribuição em questão. O tributo não
foi criado para fazer frente às políticas sociais ou ações estratégicas do Governo,
mas, sim, para viabilizar o pagamento de perdas inflacionárias nas contas
individuais do Fundo. Sendo assim, restando esgotada a finalidade da
contribuição, reconheço a violação a direito líquido e certo da impetrante.
Assim, ante ao exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução do
mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para
afastar a incidência da contribuição prevista no art. 1º da Lei Complementar
110/2001, nos termos da fundamentação. Reconheço, ainda, o direito da parte
impetrante à restituição dos valores indevidamente pagos, respeitada a
prescrição quinquenal. A correção monetária e os juros devem obedecer ao
disposto no Manual de Orientações e Procedimentos para os Cálculos na Justiça
Federal. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio
de dano irreparável, já que o Autor pode vir a ser prejudicado por medidas
tomadas pelo órgão fazendário na exigência desses créditos tributários, revejo a
decisão de fls. 174/177 e concedo a tutela antecipada, nos termos do art. 461, 3º,
do CPC, para determinar a suspensão da exigibilidade desses créditos tributários
até decisão final. Condeno a Ré ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.
Sentença sujeita ao reexame necessário. Noticie-se nos autos do agravo de
instrumento nº 0020740-66.2014.403.0000 a prolação desta sentença.
(Ação Ordinária nº 0011685-27.2014.403.6100, JFSP, 14º Vara Federal, Juiz
José Carlos Francisco. Dje 01.07.2015)
Merece destaque, também, a sentença proferida na 9ª Vara da Justiça Federal do
Distrito Federal, citada abaixo, que reconheceu a “inconstitucionalidade superveniente” da
contribuição pelo exaurimento da finalidade para a qual foi criada:
Discute-se nos autos subsistência de amparo constitucional a justificar a
manutenção, no mundo jurídico, do tributo previsto no art. 1º da Lei
Complementar n. 110/2001. A tese do autor, como relatado, é basicamente a de
que o tributo questionado (art. 1º da LC nº 110/2001) foi criado com a finalidade
específica de recompor as perdas geradas em decorrência dos pagamentos dos
expurgos inflacionários referentes aos Planos Econômicos Collor I e Verão, mas
como essa finalidade já foi alcançada, não mais subsistente base fática e jurídica
a legitimar a sua subsistência desde o início de 2007.
38
Trata-se, como já pacificado, de uma contribuição social geral, que, no plano
conceitual, consiste em um tributo que, apesar de ter hipótese de incidência
desvinculada de atuações estatais, é juridicamente afetado à realização de
finalidade específica.
Especificamente no caso, a sua instituição foi motivada na necessidade de
pagamento do passivo dos chamados expurgos inflacionários (Planos Verão e
Collor I), conforme exposição de motivos do Projeto de Lei Complementar. O
próprio Supremo Tribunal Federal adotou essa premissa quando do julgamento
do Recurso Extraordinário (RE) 226.855-7, Relator Ministro Moreira Alves, Dj
de 13/10/2000. Com efeito, consta da exposição de motivos do Projeto que deu
origem à LC 110/2001:
(...)
Conforme ressaltou o Ministro Joaquim Barbosa, Relator da ADI 2. 556-2, em
que reconhecida a constitucionalidade da contribuição em testilha, “a existência
das contribuições, com todas as suas vantagens e condicionantes, somente se
justifica se preservadas sua destinação e finalidade. Afere-se a
constitucionalidade das contribuições pela necessidade pública atual do
dispêndio vinculado (motivação) e pela eficácia dos meios escolhidos para
alcançar essa finalidade”
Isso significa que, assim que cumprida a finalidade que motivou a instituição da
contribuição, esta perde seu fundamento de validade, de modo que a exigência
passa, então, a ser despida de embasamento constitucional.
E é justamente essa a situação atual da contribuição social instituída pelo art. 1º
da lC 110/2001, considerando que a última parcela dos complementos de
correção monetária foi paga em janeiro de 2007, conforme cronograma
estabelecido na alínea 'e' do inciso II do art. 4º do Decreto 3.913/2001.
Não por acaso é que o Projeto de Lei do Senado 198/2007, recebido na Câmara
como Projeto de Lei Complementar 200/2012, estabelecia prazo para a extinção
da contribuição social do art. 1º da LC 110/2001. Embora o mesmo tenha sido
vetado, por meio da Mensagem 300, publicada no DOU de 25/07/2013, pág. 01,
integralmente por contrariedade ao interesse público, o exaurimento de sua
finalidade legal fica bastante claro quando da leitura da motivação do veto.
'A sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas
sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas
realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço - FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o
desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são
majoritariamente os próprios correntistas do FGTS.'
Logo, tenho que há de se reconhecer que a contribuição instituída pelo art. 1º da
lC 110 cumpriu a sua finalidade, não havendo mais fundamento constitucional
nem legal para a sua subsistência no mundo jurídico.
O desvio na destinação nada mais é do que nova destinação a demandar, se for o
caso, a instituição de nova contribuição.
Concluo, pois, pela “inconstitucionalidade superveniente” da aludida
39
contribuição pelo atendimento da finalidade para a qual foi criada. Como as
contribuições vinculam-se a uma finalidade constitucionalmente prevista,
admitida ou ao menos justificada, não se pode mantê-las após cumpridos os seus
objetivos, ao menos não sem nova deliberação legislativa nesse sentido.
No sentido que exponho, segue a lição de Leando Paulsen:
'A finalidade para a qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do
pagamento dos expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e já foi
atendida. Como as contribuições tem como característica peculiar a vinculação a
uma finalidade constitucionalmente prevista, nada há que justifique a
permanência da cobrança dessas contribuições da LC 110 após atendidos os
objetivos fixados pela norma.' (L. Paulsen, Direito Tributário, 2 Edição, Editora
Livraria do Advogado, 2013, p. 118).
Ante o exposto, julgo procedente o pedido, com base no art. 269, inciso I, do
CPC, para declarar a inexigibilidade da contribuição sobre o saldo do FGTS, em
caso de despedida sem justa causa, de que trata o art. 1º da Lei Complementar
110/2001.
(Ação Ordinária nº 49872-13.2014.4.01.3400, JFDF, 9ª Vara, Juíza Liviane
Kelly Soares Vasconcelos. Proferida em 08.09.2014)
No entanto, como já adiantado, verifica-se que grande parte das decisões
favoráveis conquistadas pelos contribuintes em 1ª instância são revertidas pelos órgãos
colegiados dos tribunais.
Para ilustrar o referido comportamento, aponta-se o acórdão do Tribunal Regional
Federal da 1° Região, que reverteu, em sede de Recurso de Apelação, a sentença proferida pela
Juíza Ivani Silva da Luz (publicada em 10.07.2014) – que declarou a inexigibilidade do crédito
tributário referente à contribuição social geral criada pelo art. 1° da LC 110/01.
A Quinta Turma entendeu que a norma não possui vigência temporária legalmente
prescrita e que inexiste disposição legal obrigando a destinação integral da arrecadação oriunda
das contribuições instituídas ao FGTS após 2003, nos termos da ementa abaixo reproduzida:
FGTS. CONTRIBUICAO DO ART. 1° DA LEI COMPLEMENTAR No
110/2001. PRECEITO NAO SUJEITO A VIGENCIA TEMPORARIA.
ALEGACAO DE INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE POR
EXAURIMENTO DE FINALIDADES. NAO ACOLHIMENTO.
1. A contribuição social prevista no art. 1° da Lei Complementar no 110/2001,
ao contrario da contribuição prevista no art. 2° da mesma lei, não teve nenhum
prazo de vigência fixado. Não se trata de um preceito temporário, a viger de
modo limitado no tempo, descabendo investigar se a finalidade pretendida foi ou
não alcançada. Ocorrido o fato gerador, enquanto a lei estiver em vigor, será
40
devido o tributo.
2. Não e relevante a alegação de inconstitucionalidade da contribuição criada
pelo art. 1o da Lei Complementar 110/2001. O egrégio STF entendeu que não
havia inconstitucionalidade que ensejasse a suspensão da eficácia de seus arts.
1° e 2° (ADI 2556, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe-185 divulg. 19-09-
2012 public. 20-09-2012).
3. Não e verossímil a tese de que, tendo sido editada a LC 110/2001 com a
finalidade de recompor as perdas geradas em decorrência do pagamento dos
expurgos inflacionários referentes aos Planos Econômicos Collor I e Verão, e
tendo sido tais parcelas integralmente creditadas nas contas de FGTS dos
trabalhadores, não haveria mais razão jurídica a legitimar a sua cobrança,
bastando, para tanto, lembrar das milhares de ações ainda em curso, seja na fase
de conhecimento ou fase de execução, nas quais se postula a recomposição dos
referidos expurgos inflacionários.
4. A circunstância de ser o tributo em questão contribuição social e não imposto
não implica concluir que se destine, apenas, a cobrir os valores gastos com o
pagamento dos acordos. A Lei prevê que apenas nos exercícios de 2001, 2002 e
2003 será assegurada a destinação integral ao FGTS de valor equivalente à
arrecadação das contribuições de que tratam os arts. 1o e 2o. Assim, nos anos
posteriores não há comando legal que imponha a destinação integral da receita
ao FGTS.
5. A alegação de que o patrimônio líquido do FGTS encontra-se superior ao
déficit gerado pelo pagamento dos expurgos não constitui motivo, por si só,
capaz de afastar a cobrança da contribuição em discussão, já que, nos termos do
artigo 2o da Lei de Introdução ao Código Civil, “não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor ate que outra a modifique ou revogue”. Enquanto não
sobrevier lei revogando a referida contribuição, legítima será sua cobrança.
6. Apelação e remessa oficial a que se dá provimento.
(Apelação n° 0061948-40.2012.4.01.3400, TRF1, Quinta Turma, Relator
Desembargador Federal Néviton Guedes. Dje 29.04.2015)
Como o cerne da questão, que é saber qual seria a real finalidade do tributo, ainda
não foi ostensivamente enfrentado, é compreensível a hesitação do judiciário em consolidar um
posicionamento mais convicto e preciso. Somente a manifestação do Supremo definirá
solidamente a constitucionalidade ou não da contribuição social instituída pelo art. 1° da LC
110/01.
Há, portanto, de se buscar a resposta constitucionalmente mais adequada para o
enfrentamento desta demanda. Sobre isto, Lenio Luiz Streck46 entende que “argumentos para a
46 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso - Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas; Da possibilidade
à necessidade de respostas corretas em direito. 3ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 546/547.
41
obtenção de uma resposta adequada a Constituição (resposta correta) devem ser de princípio, e
não de política”.
Neste sentido, pede-se vênia aos Tribunais para afirmar que a análise do texto
constitucional não permite concluir senão pela inconstitucionalidade da exação estudada. A
exigência da contribuição é manifestamente incompatível com a Constituição Federal Brasileira
de 1988 e deveria, portanto, ser extinta, vez que sua cobrança não se mostra mais necessária para
atender a finalidade para a qual foi instituída.
42
CONCLUSÃO
A CRFB/88 não foi categórica ao determinar limitações à instituição de
contribuições, ao contrário dos impostos e taxas, permitindo assim a instituição de exações não
submetidas a imunidades e outros expressivos princípios constitucionais, que invadem
competências de outros entes federados.
A limitação imposta pelo constituinte originário simplesmente indica finalidades a
serem alcançadas mediante recursos obtidos com as contribuições e, como os objetivos fixados
compreendem um rol demasiado abrangente, possibilita-se a criação de tributos inconstitucionais
sob o desígnio de “contribuição social geral”.
É cediço que a jurisprudência do STF reconhece a validade da espécie tributária
contribuição social enquanto sua destinação se mantiver subordinada à qual motivou sua criação,
assentando que a destinação legal (ou finalidade) é característica particular das contribuições
sociais gerais.
A finalidade originária presumida das receitas decorrentes das contribuições da LC
n° 110/01 é promover as atualizações monetárias das contas vinculadas do FGTS, sonegadas na
implementação dos Planos Verão e Collor I de combate à inflação.
O STF, ao julgar a constitucionalidade do tributo em destaque, nas Ações Diretas
de Inconstitucionalidade nºs 2556/DF e 2568/DF, não se ocupou em analisar o cumprimento da
finalidade da contribuição, seu desvio de finalidade ou mesmo a “inconstitucionalidade material
superveniente”, fatos e fundamentos que inegavelmente demandam novo julgamento da materia
na Excelsa Corte.
O entendimento manifestado pela Corte àquela ocasião limitou-se a reconhecer
que as contribuições criadas pela LC 110/01 são tributos e que irrefutavelmente configuram
contribuições sociais gerais.
Ora, sob o desígnio de contribuição, o tributo instituído no art. 1° tem a insolente
finalidade de gerar recursos para o pagamento de divida do Governo. Ainda assim, a finalidade da
43
exação imposta já se encontra superada, em razão do reequilibro das contas do FGTS.
O desvio da arrecadação do tributo de sua finalidade originalmente definida
importa a instituição de uma nova contribuição, dependendo de deliberação legislativa. Quanto a
isso, os Projetos de Lei 200/12 e 328/2013 apresentados, respectivamente, com o propósito de
extinguir e ampliar a destinação original não vigoraram.
Resta claro que a finalidade das contribuições sociais é aquela definida em lei, em
atenção aos objetivos constitucionalmente prefixados. Nesse sentido, ainda que a destinação do
produto arrecadado vise financiar programas sociais compreendidos na Ordem Social da
Constituição, o desvirtuamento da arrecadação é patente e compromete flagrantemente a validade
da manutenção da contribuição.
Ademais, a incompatibilidade da norma com a redação do art. 149 da CRFB/88,
conferida pela Emenda Constitucional nº 33/01, impele concluir pela sua revogação diante da não
recepção pelo novo texto constitucional.
Nesse sentido, a afetação jurídica é traço conceitual das contribuições especiais, e
não simplesmente requisito de validade. Contribuição não afetada sequer de modo implícito não é
contribuição, mas imposto – inconstitucional, mas ainda assim um imposto – e não contribuição.
Isso significa dizer que: se a Constituição outorga competência para a realização
de uma determinada finalidade específica, ao exercê-la, o legislador fica obrigado a persegui-la
de forma plena e efetiva, caso contrário, terá criado um tributo inconstitucional.
Tendo em vista que a finalidade que justificou a criação da contribuição resta
superada, não há razão para que a mesma continue sendo exigida, ainda que vise custear
programais sociais compreendidos nos objetivos fixados na CRFB/88. A finalidade da
contribuição é aquela descrita pelo legislador no momento da instituição do tributo. Ainda que o
legislador infraconstitucional não o tenha feito de maneira expressa, é incontestável que a
finalidade – claramente temporária – e destinação do adicional de multa de 10% estão implícitas
na norma instituidora.
Seja pela “inconstitucionalidade material superveniente”, seja pelo esgotamento da
finalidade ou mesmo pelo desvio da destinação do produto arrecadado, a contribuição social
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instituída pelo art. 1º da LC 110/01 representa flagrante afronta à Constituição Federal. Assim, o
tributo não poderia mais ser exigido, visto que seu propósito específico teria deixado de existir.
Sendo assim, aguarda-se a manifestação final do STF sobre esta questão. Uma
decisão de mérito declarando a inconstitucionalidade da manutenção da exigência da contribuição
social descrita no art. 1º da LC 110/01, com modulação de efeitos, resolverá o problema em
definitivo.
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