monografia (especialização ufpa)

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO SABERES CULTURAIS E EDUCAÇÃO AMAZÔNICA GAMALIEL TARSOS DE SOUSA Tradição e Sustentabilidade Saberes Implícitos nas Atividades dos Coletores de Caranguejos da Vila de Acarajó, Bragança- PA BRAGANÇA-PA MARÇO/2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO SABERES CULTURAIS E EDUCAÇÃO

AMAZÔNICA

GAMALIEL TARSOS DE SOUSA

Tradição e Sustentabilidade – Saberes Implícitos nas Atividades dos Coletores de Caranguejos da Vila de Acarajó, Bragança-

PA

BRAGANÇA-PA MARÇO/2009

Page 2: Monografia (Especialização UFPA)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO SABERES CULTURAIS E EDUCAÇÃO

AMAZÔNICA

GAMALIEL TARSOS DE SOUSA

Tradição e Sustentabilidade – Saberes Implícitos nas Atividades dos Coletores de

Caranguejos da Vila de Acarajó, Bragança- PA

Trabalho apresentado ao Curso de

Especialização Saberes Culturais e Educação na Amazônia, da Faculdade de Educação, do Campus Universitário de

Bragança, Universidade Federal do Pará (UFPA), como requisito para obtenção do

diploma de Especialista.

Orientador: Prof. Msc. Luiz Rocha da Silva

BRAGANÇA-PA

SETEMBRO/2009

Page 3: Monografia (Especialização UFPA)

DEDICATÓRIA

A Núbia Batista, minha esposa, pela força, dedicação e paciência de me ouvir nos momentos difíceis;

Aos Meus Filhos Vitória e Vinícius, inspirações para que eu me

empenhasse ainda mais e olhasse com outros olhos a vida;

Com saudades, à memória do meu pai, Paulo Antonio de Sousa,

cuja vida permanece inscrita na minha;

A minha mãe, Maria Rubenita, pela sinceridade, perseverança e espírito de luta que sempre demonstrou;

Aos meus irmãos Paulo, Elisamar e Israel com amor, por me ensinarem a importância de aceitar e conviver com as diferenças e

incertezas;

Com esperança a todos os meus sobrinhos e cunhadas, que o futuro lhes dê o direito de viver em um ambiente saudável;

A todos os colegas de turma, que superaram com afinco mais essa batalha, além das brincadeiras, dedico.

Page 4: Monografia (Especialização UFPA)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por me dar força para enfrentar todos os

momentos difíceis da minha vida acadêmica. E que renova, a cada dia,

minha fé e ilumina o meu caminho.

A minha esposa (Núbia) e filhos (Vitória e Vinícius) que tanto me

deram carinho, atenção e incentivo. Por serem pessoas maravilhosas e

merecerem todo meu amor.

A toda minha família pela força que sempre me deram

especialmente à minha mãe (Rubenita) que sempre orou e torceu por

mim.

Ao profº Msc. Luiz Rocha da Silva, por ter aceitado me orientar, por

sua amizade, sua atenção, sua disponibilidade e por ter acreditado na

execução desse trabalho.

Aos professores do curso de Especialização pela amizade, pelas

contribuições, pelas leituras críticas, pelas recomendações e palavras de

incentivo.

Ao Joel, funcionário sempre muito prestativo, dedicado e pela

disponibilidade que sempre apresentou.

A Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçú, na pessoa de Zeca

Rocha; pela disponibilidade de nos atender com suas informações;

Aos amigos da pós-graduação por compartilhar divertidas

disciplinas; pelos momentos de descontração e preocupação diante de

assuntos do curso e diante das nossas vidas e ricos momentos de

discussões.

A todos os coletores de caranguejos da Vila de Acarajó, sempre

prestativos e amigos, pela atenção, amabilidade e confiança que tiveram

em mim, por me receberem e compartilharem comigo os seus saberes.

Page 5: Monografia (Especialização UFPA)

Pessoas simples que me ajudaram de muitas formas na realização desse

trabalho, pelas lições de humildade e pela amizade que se construíram,

sentirei muitas saudades.

Agradeço também aos cientistas que cito em minhas referências

bibliográficas. Pois nada conseguiria fazer sem o somatório dos esforços

de cada um deles.

Finalmente a todos aqueles que direta ou indiretamente

contribuíram para o meu crescimento e realização deste trabalho.

Muito obrigado a todos.

Gamaliel.

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TRADIÇÃO E SUSTENTABILIDADE – SABERES IMPLÍCITOS NAS

ATIVIDADES DOS COLETORES DE CARANGUEJOS DA VILA DE ACARAJÓ, BRAGANÇA- PA

RESUMO

O presente estudo trata da relação dos coletores de caranguejos da Vila de Acarajó, município de Bragança-PA com a natureza, enfocando em que medida

esses trabalhadores podem ser considerados conservacionistas e a forma como lidam com a conservação da natureza, visto que dependem diretamente

dela para a sua sobrevivência e a manutenção de sua atividade profissional. Além disso, discute-se o valor dos conhecimentos tradicionais no sentido de pensar novas formas de conservação da natureza, através do diálogo entre os

saberes científicos e populares e passamos por uma crise sócio-ambiental intensa nos dias atuais, o que nos leva a repensar a relação homem-natureza

contemporânea. Essa relação se torna relevante no presente trabalho, à medida que percebemos o homem como um ser social; sendo assim, sua relação com a natureza se dá a partir do modo de vida que leva, e os coletores

de caranguejos possuem uma grande dependência com o meio ambiente que o cerca, uma vez que dependem diretamente dele para a sobrevivência em sua

atividade profissional. Realizou-se, na Vila de Acarajó, pesquisa de campo, através de entrevistas e observação direta. Partindo da hipótese inicial de que os coletores de caranguejos, por dependerem direta e quase que

exclusivamente da natureza para sobreviverem, teriam práticas conservacionistas permeadas pelos saberes da tradição. Os resultados e

análises da pesquisa empírica permitiram responder não somente se os coletores de caranguejos são ou não conservacionistas, mas também compreender a complexidade da sua atividade profissional, balizada pela

tradição, como o princípio mediador da relação homem-natureza. Para os coletores estudados, a sua vida gira em torno da profissão, onde um saber-

fazer específico constrói a identidade social do grupo.

Palavras-chave: coletores de caranguejos, natureza, conservação, saberes tradicionais.

Page 7: Monografia (Especialização UFPA)

TRADITION AND SUSTENTABILIDADE - YOU KNOW IMPLICIT IN THE

ACTIVITIES OF THE COLLECTORS OF CRABS OF THE VILLA OF ACARAJÓ, BRAGANÇA - PA

ABSTRACT

The present study treats of the relationship of the collectors of crabs of the Villa

of Acarajó, district of Bragança- PA with the nature, focusing in that measured those workers conservacionistas and the form they can be considered how they

work with the conservation of the nature, because they depend directly on her for your survival and the maintenance of your professional activity. Besides, the value of the traditional knowledge is discussed in the sense of thinking new

forms of conservation of the nature, through the dialogue among you know them scientific and popular and we went by an intense partner-environmental

crisis in the current days, which in the group to rethink the relationship contemporary man-nature. That relationship becomes important in the present work, as we noticed the man as a to be social; being like this, your relationship

with the nature feels starting from the life way that takes, and the handmade fishermen possess a great dependence with the environment that surrounds

him/it, once they depend directly on him for the survival in your professional activity. They were made interviews in the Villa of Acarajó, in order to observe the handmade fishing was the dominant activity in the area. After that stage,

he/she took place the field research, through interviews, direct observation and an exit to the sea with the fishermen to notice the dynamics of relationships that

you/they happen in this situation. Leaving of the initial hypothesis that the collectors of crabs, for they depend direct and almost that exclusively of the nature for us to survive of the fishing, they would have practices

conservacionistas, the results and analyses of the empiric research allowed to answer not only if the collectors of crabs are or non conservacionistas, but also

to understand the complexity of your professional activity, as to main mediadora of the relationship man-nature. For the studied collectors, your life rotates around the profession, where a to know-do specific it builds the social identity of

the group.

Word-key: He/she/you fishes handmade, nature, conservation, you know traditional.

Page 8: Monografia (Especialização UFPA)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 04

CAPÍTULO I: CRISE AMBIENTAL ............................................................................ 04

1.1 - Conceitos Paradigmáticos ................................................................................. 05

1.2 - Insustentabilidade Ambiental ............................................................................ 06

1.3 - Sustentabilidade ................................................................................................. 17

CAPÍTULO II: SABERES DA TRADIÇÃO ............................................................... 20

2.1 – Os Vários Saberes ............................................................................................. 21

2.2 – Características dos Saberes da Tradição.................................................23

2.3 – Coletores de Caranguejos........................................................................24

2.4 – Reserva Extrativista Marinha....................................................................32

CAPÍTULO III: PONTOS DE CONVERGÊNCIA ENTRE SABERES TRADICIONAIS E SUSTENTABILIDADE.........................................................35

3.1 – Caracterização do Local da Pesquisa......................................................36

3.2 – Perfi l dos Moradores.................................................................................39

3.3 – O que pensam e o que fazem os tiradores de caranguejos... ..................42 3.4 – Existe realmente uma sustentabilidade na Resex....................................45

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................55

Page 9: Monografia (Especialização UFPA)

INTRODUÇÃO

As atividades de relacionamento homem/natureza, que vêm sendo

praticadas nos últimos tempos, tendo por base o uso de padrões teóricos

racionalistas, deixam um rastro irreversível de destruição, principalmente para

a natureza e se demonstram como modelos paradigmáticos ineficientes e

inadequados para a sustentabilidade planetária.

Por essa razão o trabalho intitulado: Tradição e Sustentabilidade – os

saberes dos coletores de caranguejo da vi la de Acarajó, em Bragança- PA, visa

encontrar na prática dos trabalhadores que coletam caranguejos, saberes

tradicionais que orientem suas atividades e uma vez identificados tais saberes,

relacioná-los com a preservação ou não da Reserva Extrativista Marinha

Caeté-Taperaçú, da qual a comunidade é uma das integrantes.

Desse modo, a pesquisa se deu especificamente na comunidade do

Acarajó, pois dessa maneira estávamos nos limitando ao estudo dentro de uma

das diversas comunidades que formam a RESEX Marinha Caeté-Taperaçú, e a

partir dos resultados específicos dessa investigação possamos visualizá-las em

toda plenitude da Reserva, tal opção é necessária pela escassez de tempo e

por se tratar de uma comunidade que basicamente pratica suas ações

baseadas nos saberes da tradição, assim como o fazem as demais

comunidades que compõem a Reserva.

Por fim, é preciso compreender como os modelos de relação

homem/natureza, orientados pelos saberes da tradição podem servir de

parâmetro na busca da sustentabilidade planetária, além de se buscar

conclusões que dêem conta de responder sobre quais as relações existentes

entre os saberes tradicionais e a sustentabilidade da Resex Marinha Caeté-

Taperaçú? Supõe-se que as práticas extrativistas praticadas dentro da reserva,

baseadas pelos saberes tradicionais, ajudam na preservação da mesma.

Entender como os saberes tradicionais dos coletores de caranguejos, na

comunidade de Acarajó, relacionados a seu trabalho, corroboram na

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manutenção da reserva extrativista Caeté-Taperaçú, no município de

Bragança-PA, e seus correlatos para a sustentabilidade.

Identificar o nível de entendimento, dos coletores de caranguejo da

comunidade de Acarajó, a respeito da temática sustentabilidade, baseado em

suas práticas;

Levantar quais os saberes tradicionais que estão intrínsecos nas

atividades de coleta de caranguejos;

Identificar os princípios educativos, adquiridos a partir dessa análise, que

podem servir de eixo para uma discussão educacional formal.

O trabalho investigativo a respeito da temática que envolve saberes

tradicionais e sustentabilidade se faz necessário, pelo fato da possibilidade de

tentarmos visualizar uma nova alternativa que redefina os modelos de relação

homem/natureza, orientados pelos saberes da tradição, podendo ainda, servir

de parâmetro na busca da sustentabilidade planetária tão almejada nos últimos

tempos.

Pois dessa maneira estaremos mantendo contado direto com práticas de

educação informais, baseadas no senso comum; entendendo-as, poderemos

futuramente, sistematizá-las, de forma que as conclusões sejam objetos de

novas discussões, ou sirvam de base para um novo repensar sobre as práticas

danosas ao meio ambiente adotados como modelo de intervenção nos últimos

séculos, que em última análise se têm demonstradas prejudiciais para o

equilíbrio global.

Além de contribuirmos com os resultados do processo investigativo,

estaremos respondendo aos anseios do curso de especialização: saberes

culturais e educação na Amazônia, pois a discussão central de nosso trabalho

se dará num campo ainda escasso de literatura, dentro da esfera educacional

na Amazônia, envolvendo uma categoria em suas relações com o meio, que de

certa forma reflete no cultural, prioridades estas do curso.

Portanto, a preocupação desse estudo é tentar compreender se há uma

interferência direta ou indireta dos saberes tradicionais dos coletores de

Page 11: Monografia (Especialização UFPA)

caranguejos na manutenção da Reserva Extrativista Marinha (RESEX) Caeté-

Taperaçú, no município de Bragança-PA.

O trabalho de pesquisa tem o cunho qualitativo, com análise de dados

no enfoque fenomenológico. Em campo, adotou-se o procedimento

metodológico com abordagem da Observação Participativa, tendo em vista que

no trabalho desenvolvido com utilização da modalidade participante tomam

forma internamente às correlações de forças, as condições trabalhistas, as

formam de relação predominante, as prioridades administrativas, as tradições

sociais, que constituem a trama real em que se realiza a construção de

saberes. Baseou-se em dados coligidos nas interações interpessoais, na co-

participação das situações dos informantes, e, analisadas a partir da

significação que estes dão aos seus atos. Nessa abordagem, cabe ao

pesquisador participar, compreender, interpretar e relacionar as ações a uma

totalidade.

"É uma trama em permanente construção que articula histórias locais - pessoais e coletivas -, diante das quais a vontade estatal abstrata pode ser assumida ou ignorada, mascarada ou recriada, em particular abrindo espaços variáveis a uma maior ou menor possibilidade hegemônica. Uma trama, finalmente, que é preciso conhecer, porque constitui, simultaneamente, o ponto de partida e o conteúdo do real em nossas alternativas tanto pedagógicas quanto políticas." (EZPELETA & ROCKWELL, 1986, p.11)

A pesquisa participante permite ao investigador, inserido neste contexto,

"olhar" para o processo de apropriação de conhecimento dos vários segmentos

que fazem parte do ambiente pesquisado, o que possibilita analisar no

cotidiano dos catadores de caranguejo a história acumulada e buscar, no seu

presente, os elementos com os quais a comunidade se construiu.

Por fim, a opção teórica de sustentação deste trabalho terá como base

as informações coletadas e/ou adquiridas em contato direto com os

informantes, além de buscarmos subsídios em outros autores, dentre eles,

Moraes (2007), que analisa os saberes da tradição de pescadores de uma

dada região amazônica e os relaciona a outra região do nordeste brasileiro; já

Chassot (2001) demonstra em sua obra possibilidades de convergência dos

saberes tradicionais em conhecimentos formais, viabilizados por saberes

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acadêmicos; Andrade (1989) analisa as relações entre Reservas Extrativistas e

Desenvolvimento Sustentável; Morin (2001) discute sobre as necessidades dos

saberes para educação do futuro; Silva (2006) faz uma abordagem sobre o

desenvolvimento sustentável como um modelo analítico, integrado e

adaptativo, Castro (1997) discute, juntamente com outros autores a

possibilidade de rompimento com interpretações tradicionais sobre

problemáticas do desenvolvimento.

Page 13: Monografia (Especialização UFPA)

CAPÍTULO I - AMAZÔNIA, MEIO AMBIENTE E RESERVAS EXTRATIVISTAS

Seguramente a Amazônia é o espaço geográfico do planeta que possui

a mais diversificada biodiversidade, sendo também a área que, ultimamente,

mais vem sofrendo com as agressões ambientais nas formas mais

diversificadas: desmatamento, poluição e alteração do curso de rios,

esgotamento do solo, povoamento desordenado, conflitos agrários, extinção de

ecossistemas, da fauna e flora, etc..., de sorte que sua contribuição para a

sustentabilidade ambiental do planeta começa a ser comprometida, fatos que

têm sido observados, principalmente, com a abertura da Amazônia para o

mundo, via provedora de matéria prima, ao seja, com a acentuada

internacionalização da Amazônia, fatos ocorridos mais pontualmente a partir

dos ―grandes projetos‖ implementados na década de 60 (sessenta) do século

passado, onde a visão de lócus provedor ficou ainda mais acentuado.

As lutas sociais pela preservação ambiental na Amazônia possuem um

caráter multidisciplinar na medida em que integram as dimensões complexas

da natureza e da subjetividade do povo que habita essa região. As histórias e

eventos que envolvem as populações amazônicas trazem em seu bojo um

caráter e científico, por que na medida em que ocorre a pesquisa há a

construção de conhecimentos num processo acadêmico, que ao mesmo tempo

envolve a população, as tradições e costumes característicos da cultura de um

povo. Temos observado que a confluência entre ciência e conhecimento

popular tem despertado o interesse de muitos pesquisadores em estudar as

características sócio-culturais do povo da região amazônica, tanto em

dimensão natural quanto antropológica, o que tem contribuído sobremaneira

para o desenvolvimento sustentável dessa região.

No entanto, esses fatos são novos e surgem com a preocupação dos

governos atuais, ou seja, pós ditadura militar, pois a principal característica

dada à região amazônica naquela época era o de integrar a Amazônia ao resto

do Brasil, assim, durante os governos militares, mais precisamente na década

de 60, do século passado, quando de forma oficial se coloca em prática uma

política de ocupação da Amazônia, a palavra extrativismo não passava de um

Page 14: Monografia (Especialização UFPA)

sinônimo para uma atividade predatória, pautadas por perspectivas

dominantemente negativas, sem futuro e que deixava em seu caminho um

rastro de destruição e prejuízo ambiental, além da pobreza de sua população.

Tal atitude de relacionamento do homem com a natureza começou a

mudar, principalmente depois que se tomou conhecimento dos trabalhos das

primeiras reservas extrativistas, propostas como referência para a

sobrevivência dos povos amazônicos e da defesa da forma de ser e de agir

dessas populações, pautados nos conhecimentos tradicionais, advindos

principalmente da experiência prática. O interesse por este tipo de experiência

aumentou mais ainda quando, na Eco 921, difundiu-se o conceito de

desenvolvimento sustentável.2

Em muitos casos as experiências relacionadas ao respeito e a utilização

dos saberes tradicionais não são respeitados, a exemplo de pesquisadores que

se apossando desses conhecimentos não devolvem os produtos de sua

investigação a sociedade pesquisada, há também uma desvalorização cultural

ou aculturação moral, baseada nas transformações sociais inseridas pelo

contato direto dessas populações com outras formas de cultura, assim, tem-se

início um processo de degradação desses saberes. Pinto, Amorozo & Furlan:

(2006), ao falar sobre o processo de degradação e formas de vidas tradicionais

acrescentam que:

A degradação ambiental e a intrusão de novos elementos culturais acompanhados pela desagregação dos sistemas de vida tradicionais ameaçam, além de um acervo de conhecimentos empíricos, um patrimônio genético de valor

inestimável para as futuras gerações. (2006, p. 751-762)

1 Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada

no Rio de Janeiro, em 1992.

2 O conceito de desenvolvimento sustentável deve ser visto como uma alternativa ao conceito

de crescimento econômico, o qual está associado a crescimento material, quantitativo, da

economia. Isso não quer dizer que, como resultado de um desenvolvimento sustentável, o crescimento econômico deva ser totalmente abandonado. Admite-se, antes, que a natureza é a base necessária e indispensável da economia moderna, bem como das vidas das gerações

presentes e futuras, desenvolvimento sustentável significa qualificar o crescimento e reconciliar o desenvolvimento econômico com a necessidade de se preservar o meio ambiente, Binswanger, p. 41, 2002.

Page 15: Monografia (Especialização UFPA)

Ora se a degradação atinge toda uma estrutura sócio-ambiental,

chegando a ameaçar até os patrimônios imateriais que são os saberes

tradicionalmente construídos, urge-se a necessidade de estudar um meio para

aliados a criação de reservas, se construírem possibilidades para preservá-los,

assim, numa dimensão sócio-ambiental aliar esses conhecimentos aos

processos de organização de instrumentos viáveis, para construção de projetos

de manejos que sejam eficientes principalmente para o bem estar da

sociedade. Para isso é importante inserir nesse contexto os diversos setores

ligados ao desenvolvimento social e a sustentabilidade, entre esses a escola

como lócus de construção de conhecimentos. Assim é importante uma

valorização dos mais variados tipos de ciência.

Chassot (2001) postula que:

Há assim uma necessidade de se buscar uma valorização dos saberes populares e uma conscientização do respeito que os mesmos merecem e de como estão inseridos nos distintos contextos sociais. Esta é uma função da escola, e é tanto uma função pedagógica como uma função política. É um novo assumir que se propõe à escola: a defesa dos saberes da comunidade onde ela está inserida. É evidente que isso não significa o estudo dos saberes estranhos ao meio, mas o não-desprezo pelo que é local. É esse ato político que se espera da escola. (2001, p. 211)

As práticas educacionais como resgate de saberes têm levado o

profissional a ser mais reflexiva e nesta reflexão dá maior importância aos

conhecimentos acadêmicos e aos populares, contribuindo desta feita na

construção de habilidades e competências profissionais (PERRENOUD 1999)

tão importantes quanto a reflexão-na-ação e sobre-a-ação (SCHON 1999). A

reflexão, portanto, passa a ser um instrumento imprescindível para uma

educação pautada nas gigantescas e extraordinárias complexidades de

saberes e direciona a formação dos cidadãos reflexivos para o século XXI, ou

seja, o século do conhecimento, o século em que o homem numa dimensão

tecnológica busca alternativas viáveis para explorar de forma racional os

recursos naturais.

Page 16: Monografia (Especialização UFPA)

1.1 – RESERVAS EXTRATIVISTAS

Revendo a história podemos perceber que data-se do período da

ditadura militar, a inclusão da temática do Desenvolvimento Sustentável e das

questões ambientais, nas preocupações dos governos federais e estaduais.

Então, a criação de reservas extrativistas e a discussão em torno do interesse

das atividades vinculadas ao extrativismo, praticadas por grande parte da

população da região rural amazônica, ganhou maior força. Sendo inserida

inclusive nos meios educacionais e nas pesquisas acadêmicas.

Ao lado de algumas outras categorias, como as áreas de proteção

ambiental e as florestas nacionais, as reservas extrativistas são reconhecidas

pela legislação brasileiras como unidades de conservação de uso direito (ou

unidades de uso sustentável), em contraposição às unidades de uso indireto

(ou de proteção integral), entre as quais se destacam as reservas e os

parques.

Enquanto as unidades de uso indireto são criadas para atender objetivos

não-exploratórios – tais como recreação, pesquisa científica e, em especial,

conservação biológica -, as unidades de uso direto são criadas com fins

explicitamente exploratórias. Reservas extrativistas, em particular, podem ser

descritas como unidades de uso direto, nas quais populações humanas ditas

tradicionais e, previamente estabelecidas nas áreas ou ―neotradicionais‖ vivem

dentro de seus limites, explorando ou mesmo cultivando recursos locais

(madeiras, frutos, animais de caça e pesca etc.).

Portanto, a eficiência das Reservas Extrativistas, como uma alternativa

realista para a conservação ambiental e o atendimento das demandas sócio-

econômicas das populações tradicionais, implica em que estas sejam

ecológica, econômica e sócio-institucionalmente viáveis.

Reserva Extrativista de domínio mínimo é uma área utilizada por

populações tradicionais, cuja sobrevivência baseia-se no extrativismo e,

complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de

pequeno porte. Tem como objetivos básicos proteger os meios da vida e a

Page 17: Monografia (Especialização UFPA)

cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos

naturais da unidade, tradicionalmente utilizados pela população extrativista

residente na área de sua abrangência.

A conceituação de Reserva extrativista surgiu a partir das reivindicações

dos movimentos sociais Amazônicos, que sentiram a necessidade de terem

seus espaços territoriais reconhecidos, a este respeito Andrade (1989),

escreve:

O conceito de Reserva Extrativista (RESEX) surgiu entre os anos 1985 e 1988, a partir dos habitantes da Amazônia, através do Conselho Nacional de Seringueiros, que o propôs como um sistema inovador de direito de propriedade e uso da terra como alternativa de conservação e desenvolvimento sustentável (Allegretti, 1990). Esta proposta foi o resultado de um movimento social de moradores florestais organizados, combinando um regime de manejo e de direitos de propriedade na Amazônia brasileira (Silberling, 1991). O território das RESEX constitui propriedade da União (sob jurisdição do IBAMA), através de um regime de concessão de uso da terra associado a regras de conservação e a mecanismos que asseguram o cumprimento de regras (Almeida, 1990b). Em suma, a idéia de RESEX consiste na combinação de um regime de propriedade assentado na atribuição de direitos de uso à coletividades tradicionais, com um regime de gestão baseado na regulamentação dos direitos de uso através de planos de manejo e regulamentos de uso (Almeida, 1994). (apud ANDRADE, 1989).

As primeiras reservas extrativistas surgiram no Acre, em 1990,

envolvendo grupos de seringueiros e castanheiros, com o objetivo declarado de

tentar conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação biológica.

Desde então, várias outras reservas extrativistas foram criadas, tanto pela

União como pelos estados. No entanto existe uma contrapartida para as

populações tradicionais que habitam tais unidades de conservação.

No momento em que o Poder Público reconhece o direito da população tradicional à sua terra, dentro de uma área protegida, está afirmando também que aquele grupo social tem uma finalidade de relevante interesse público a cumprir, finalidade essa que estará inscrita no ato de criação da unidade, em contratos que se estabelecerão entre o órgão público e a população beneficiada, nos quais constarão as formas de uso e manejo dos recursos naturais, que não

Page 18: Monografia (Especialização UFPA)

poderão contrariar os objetivos do ato que criou a área ambiental. (BENATTI, 1998).

Como subcategoria das reservas extrativistas, as Reservas Extrativistas

Marinhas (REM) estão abrangidas pela definição do artigo 18 do Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (lei n. 9985 de

18/06/2000), que as define como:

Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.

Dessa forma, podemos notar que existe uma diferenciação legal sobre

as Reservas Extrativista, no nosso caso estaremos trabalhando com uma

subcategoria, as reservas marinhas.

Já o extrativismo pode ser definido como um modo de obter recursos

(alimentos e matérias-primas, por exemplo) por meios ou circunstâncias tais

que dispensem as atividades e os custos do cultivo prévio. Nesse sentido, o

lema geral do extrativismo bem poderia ser ―colhendo sem plantar‖; em

contrastes, por exemplo, com o famoso monte da agricultura moderna, ―colhe-

se o que se planta. No Brasil, o extrativismo foi institucionalizado como

instrumento de política ambiental em 1989 e, desde então, as chamadas

reservas extrativistas passaram a serem tutelas como unidades de

conservação.

No que se refere à política publicas direcionadas para as reservas

extrativistas, Simonian (2000), apresenta a possibilidade de configuração de

três abordagens:

Uma abordagem que articula a relação entre seres humanos e a natureza que pode ser mitificada (Basic, 1978; Posey, 1996; Shiva, 1993; Yanomami, 1989) e/ou mesmo traduzida em

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símbolos. A outra tendência sustenta-se na teoria econômica clássica (Ricardo, 1863; Smith, [1814] 1835-1839), que por sua vez viabiliza o manejo negativo dos recursos naturais, mesmo os das áreas de reservas, ou seja, realiza-se ante a persistência dos processos de ―acumulação primitiva do capital‖ (Marx, [1867] 1975). (...) Em face da disseminação do manejo negativo, surgem propostas e reflexões que formam uma terceira abordagem em torno do desenvolvimento sustentável, a qual, apesar da existência de divergências, implica a possibilidade de sustentabilidade ecológica e social. Apesar de alguns avanços, as políticas públicas têm sido negativas quanto à sustentabilidade dos recursos naturais, à eficácia econômica e aos interesses sociais, em especial os das áreas de reserva. (SIMOMIAN, 2000, p. 10).

Dessa forma, em seu estudo apregoa-se que apesar dessas

possibilidades de abordagens, ultimamente, Estado, sociedade e instituições

internacionais têm se articulado com vistas à produção de mudanças nas

políticas públicas voltadas para estes recursos, para um manejo positivo e para

o respeito aos interesses das populações tradicionais.

1.2 – POPULAÇÕES TRADICIONAIS

Quanto à definição sobre populações tradicionais podemos defini-las, a

luz dos autores, (BENETTI (1998), LIMA (2005) como:

Categoria mais designativa que conceitual, a fim de operacionalizar a identificação de atores, valorizar papéis e orientar política (Lima,1997; Almeida, s.d; Simonian, 1995). Não se refere a um modelo teórico definido; trata-se de uma denominação geral para um objeto empírico que se caracteriza pela singularidade. Ao ser atribuído a uma população humana, esta categoria delineia perfis de territorialidade, etnicidade e espiritualidade. (LIMA, 2000, p.85). Representam etnias, grupos sociais que construíram sua territorialidade em um meio ambiente específico, por isso é um pressuposto condicional levar em consideração a forma peculiar de apossamento da terra dessas populações, assim como sua forma especial de utilizar os recursos naturais; assegurando deste modo, o seu modo de fazer e viver em comunidade e a sua identidade cultural. (BENATTI, 1998, p. 38).

Page 20: Monografia (Especialização UFPA)

Como podemos notar tais definições ainda hoje não se tem um conceito

único e definido sobre populações tradicionais, dependendo da ótica da

abordagem se tem um determinado perfil.

Sendo assim, tenta-se fazer uma revalorização dos saberes acumulados

pela herança da tradição e operacionalizá-los no lócus de abrangência da

reserva extrativista, com fim de sua manutenção, pois se entende que tal ação

tem baixo impacto ambiental e, conseqüentemente uma forma equilibrada de

relação homem/natureza.

A este respeito Giansanti (1998), afirma:

Em geral, esses grupos são associados a modos não capitalistas de produção e reprodução de sua existência, com atividades econômicas apoiadas essencialmente no extrativismo e na agropecuária, empregando tecnologias simples – de baixo impacto ambiental – e reduzida divisão técnica e social do trabalho. (GIANSANTI, 1998, p.32).

Isto não significa dizer que estes grupos tradicionais estão alocados

exclusivamente em sociedades simples e rurais, posto que presente em outros

contextos do meio urbano-industrial. Assim a designação populações

tradicionais implica presença da fronteira tradicionalismo/modernidade, isto é,

tradicionalismo e modernidade coexistem em muitas situações sociais.

O fato é que para se encontrar uma definição que sirva de parâmetro

para o que são populações tradicionais, deve ser balizada sob uma ótica social

onde essa classe está inserida, como afirma Forline & Furtado (2002):

Para resolver a questão de definir populações tradicionais é importante propor um caminho que privilegia as realidades socioculturais e suas respectivas complexidades, isto é, trabalhar com a noção de casos limite ou situações polares da fronteira tradicionalismo-modernidade, que no mundo contemporâneo permeia distintos grupos humanos, sejam indígenas, camponeses ou urbanos, em diferentes níveis. (FORLINE & FURTADO, 2002, p.18).

Finalmente, dentro dessa lógica, poderíamos enquadrar vários grupos

na Amazônia, recheada de diversidades onde coexistem traços tradicionais e

modernos num mesmo lugar.

Page 21: Monografia (Especialização UFPA)

1.3 – SABERES DA TRADIÇÃO

Tentar encontrar um eixo útil que leve em consideração os saberes da

tradição e sua aplicabilidade na sociedade pós-moderna, parecem ser a missão

a ser perseguida por esta sociedade, como forma de resposta às problemáticas

ambientais, resguardado suas devidas peculiaridades.

A noção de ―saberes tradicionais‖ mantém relações entre questões

aparentemente muito distantes entre si como os desastres naturais, a

propriedade intelectual, a conservação do patrimônio cultural e natural, a

elaboração de planos de estudos, a erradicação da pobreza e a gestão da

biodiversidade.

No prefácio da obra de Silva (2007), Ceiça Almeida fala a respeito de

saberes, diferindo-o de conhecimento:

E a sabedoria? Todos os que transformam informação em conhecimento constroem sabedoria? Não! Sabedoria não é o mesmo que conhecimento. O século 21 tem sido chamado de século da informação e fala-se muito hoje em sociedade do conhecimento. Vivemos, é verdade, em meio a um bombardeio de informações, consolidamos muito conhecimento, mas temos à nossa disposição um banco de sabedoria? Pode até ser que sabedoria seja um tipo, uma forma especial ou um determinado modo de ser do conhecimento, mas nem todo conhecimento se expressa ou se expande numa sabedoria. Ela parece ser mais um jeito de viver e sentir do pensamento; uma maneira de falar do mundo que associa simplicidade e sentimento de parentesco, coragem e afeto, vontade de verdade e consciência da incompletude e do erro. Sendo maior, mais plena, mais essencial e duradoura, a sabedoria não se reduz a um conjunto de conhecimentos. (...) O conhecimento se transforma, porém a sabedoria fica porque falo do essencial e permanente que se desdobra nos fenômenos, no particular, no fugaz, no instantâneo. (ALMEIDA in SILVA, 2007).

Portanto, denota-se que conhecimento é o desvelar o desconhecido,

descobrir o novo, enquanto que saberes são as ações herdadas e colocadas

em prática é o relacionamento intimo com a teia dos conhecimentos, portanto

mais abrangente que o conhecimento que se fragmenta.

Page 22: Monografia (Especialização UFPA)

Diegues (1994) chama atenção para a unicidade que vê nas sociedades

tradicionais, entre as técnicas de produção e o capo do simbólico. Procura

demonstrar isso na relação que percebe entre a atribuição de tempo de pescar,

de caçar e de plantar e os mitos ancestrais em sociedades indígenas, como os

caiçaras do litoral sul do país e os ribeirinhos amazonenses.

Em toda orla costeira do nordeste paraense e nos seus estuários, pescadores de peixe e camarão, ou tiradores de caranguejo, apóiam-se nos saberes sobre o tempo, as marés, os estoques e cardumes, as fases da lua e a ação das chuvas, para explicar seus processos de trabalho, a lógica de suas técnicas e captura e a invenção de sua vida social. (CASTRO, 1999, p.36).

Dessa forma, os saberes tradicionais são vistos como o conjunto

acumulado e dinâmico do saber teórico, a experiência prática e as

representações que possuem os povos com vasta história de interação com

seu meio natural. A propriedade desses conhecimentos, que estão

estreitamente vinculados à linguagem, às relações sociais, à espiritualidade e à

visão de mundo, é geralmente mantida coletivamente. Com demasiada

freqüência, se considera os saberes tradicionais de forma um tanto simplista,

como pálido reflexo dos saberes predominantes, e mais concretamente do

saber científico. Um elemento de referência de notável interesse no plano

internacional é o interesse pela Convenção sobre a Diversidade Biológica. O

item j do Artigo 8 desta Convenção é de transcendência considerável, já que

afirma que ―cada Parte-Contratante ―respeitará, preservará e manterá os

conhecimentos, as inovações e as práticas das comunidades indígenas e

locais que possuem estilos tradicionais de vida pertinentes para a conservação

e a utilização sustentável da diversidade biológica‖ (Brasil, 1992).

Infelizmente o modo moderno de relacionamento do homem com o meio

é algo que deve ser revisto, sob pena de em pouco tempo, não haver mais

possibilidade de ser manter vida em nosso planeta. Alternativas que levam em

consideração os modos operantes das populações tradicionais parecem

apontar como soluções viáveis, ou seja, é necessário que se encontre novas

alternativas que superem ou mesclem-se com o estilo de vida da atualidade.

Page 23: Monografia (Especialização UFPA)

A partir da revitalização dos benefícios do crescimento urbano industrial é possível apreender a persistência e relevância de outros modos de vida, assim como de mecanismos adaptativos e cognitivos de outras sociedades (Roué, 1997). Neste sentido formula-se a noção de ―populações tradicionais‖ como categoria mais designativa que conceitual, a fim de operacionalizar a identificação de atores e valorizar papéis e orientar políticas (Lima, 1997; Almeida, s.d.; Simonian, 1995). (...) Ao ser atribuída a uma população humana, esta categoria delineia perfis de territorialidade, etnicidade e espiritualidade. (LIMA apud COELHO, 2000)

Portanto, falar de populações tradicionais e se falar em conceitos que

extrapolam mais que uma simples terminologia envolve muitas noções

fundamentais. As comunidades locais não podem mais ser vistas como

receptoras passivas da ajuda ao desenvolvimento. Elas possuem rico acervo

de conhecimentos específicos sobre o meio natural, assim como visão própria

da forma como se deve efetuar sua gestão. Quando os cientistas e os

responsáveis pela administração dos recursos naturais ignoram esse acervo e

essa visão, os esforços realizados para conservar os ecossistemas locais

podem fracassar e os meios de subsistência que proporcionam podem ser

destruídos.

Quando nos referimos à questão dos saberes tradicionais e sua

efetivação nas práticas de relação homem/natureza e seus correlatos para a

manutenção de espaços geográficos de forma equilibrada, Moraes (2007), nos

relata que as ações produtivas levam em consideração mais que uma grande

teia de conhecimentos, ultrapassando inclusive as questões míticas,

exemplifica tais ações ao observar os saberes que são empregados na pesca,

realizada no Estado do Pará e no Estado do Rio Grande do Norte e identifica

três tipos de domínios:

Domínio da inferência – permite aos pescadores inferir sobre a quantidade e espécie de peixes de determinada região; domínio da interferência – há uma intervenção no meio aquático, objetivando capturar maior quantidade de pescado; e domínio de precaução – trata-se de medidas preventivas ou mesmo crenças em forças sobrenaturais que possam prejudicar as pescarias; para tanto, alguns procedimentos são adotados para evitar avarias. (MORAES, 2007, p. 131).

Page 24: Monografia (Especialização UFPA)

Essa articulação de saberes culturais permite aos diversos habitantes de

áreas destinadas às populações tradicionais uma relação harmônica com a

natureza, a partir de experiência acumuladas ao longo da vida, demonstrando

um saber empírico que concebe a natureza como uma grande mãe provedora,

que deve ser respeitada, para que assim suas dádivas sejam merecidas.

Os exemplos que as populações tradicionais dão a sociedade de modo

geral reafirmam a necessidade de diálogo constante com todos os segmentos

sociais e, principalmente a superação de visão científica e racional de

relacionamento com a natureza, a este respeito Edgar Morin (2001), propõe:

Um diálogo recorrente entre a sociedade e a natureza e, para tanto, a ciência deveria se despojar de todos os dogmas engendrados em sua evolução histórica. Para este autor, a ciência moderna ocidental sempre se revestiu de um caráter de complexidade, ―mesmo quando tinha por objetivo único revelar as leis simples que governam o universo e a matéria de que ele é constituído‖ (MORIN, 2001, p. 8). Nessa fase, a ciência ―só vivia em e por uma dialógica de complementaridade e de antagonismo entre empirismo e racionalismo, imaginação e verificação‖. O autor também reafirma a complexidade da ciência em função de sua inseparabilidade com seu contexto histórico e social, revelada, por exemplo, pela sua emergência ―na efervescência cultural da Renascença, na efervescência econômica, política e social do Ocidente europeu dos séculos XVI e XVII‖ (MORIN , 2001, p. 9).

Dessa forma, este autor, entende que todas as formas de

conhecimentos são válidas, mas principalmente aqueles que levam em sua

essência a articulação de todos os saberes, tornando-se uma grande teia na

qual todos se interligam e interagem e principalmente, rearticulando-se os

saberes.

1.4 – IMPLEMENTAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS

No que se refere à criação das Reservas Extrativistas no Brasil, estas

trazem em sua essência a marca do desenvolvimento sustentável, pois os

integrantes que habitam tais áreas devem ter essa preocupação. Sobre

desenvolvimento sustentável se entende:

É o processo político, participativo que integra a sustentabilidade econômica, ambiental, espacial, social e

Page 25: Monografia (Especialização UFPA)

cultural, sejam elas coletivas ou individuais, tendo em vista o alcance e a manutenção da qualidade de vida, seja nos momentos de disponibilização de recursos, seja nos períodos de escassez, tendo como perspectivas a cooperação e a solidariedade entre os povos e as gerações. (SILVA, 2006, 132).

Quanto à conceituação de sustentabilidade Silva (2006), escreve:

O conceito foi introduzido no início da década de 1980 por Lester Brown, fundador do Wordwatch Institute, que definiu comunidade sustentável como a que é capaz de satisfazer às próprias necessidades sem reduzir as oportunidades das gerações futuras. (CAPRA in TRIGUEIRO, 2005, 19). É a propriedade de um processo que, além de continuar a existir no tempo, revela-se capaz de: (a) manter padrão positivo de qualidade, (b) apresentar, no menor espaço de tempo possível, autonomia de manutenção (contar com suas próprias forças), (c) pertencer simbioticamente a uma rede de coadjuvantes também sustentáveis e (d) promover a dissipação de estratégias e resultados, em detrimento de qualquer tipo de concentração e/ou centralidade, tendo em vista a harmonia das relações sociedade-natureza. (SILVA, 2006, p. 132).

Nesse sentido, foi configurado a Reserva Extrativista (Resex) Caeté-

Taperaçú, no município de Bragança/PA, pelo Decreto no 4.340, de 20 de maio

de 20053. Na área de sua abrangência habitam as comunidades de Acarajó,

Bacuriteua, Tamatateua, Treme, Vila do Bonifácio e Vila de Ajuruteua, que

desenvolvem pesca de peixes e crustáceos, englobando ainda os manguezais

dos rios Caeté, Furo Grande e desembocadura do rio Taperaçú.

3 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. DECRETO DE 20 DE MAIO DE 2005. Dispõe sobre a

criação da Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçú, no Município de Bragança,

no Estado do Pará , Diário Oficial da União de 23.5.2005.

Page 26: Monografia (Especialização UFPA)

CAPÍTULO II – A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O DIÁLOGO DE SABERES

À medida que o homem foi se distanciando da natureza e passou a

encará-la como uma gama de recursos naturais disponíveis a serem

transformados em bens consumíveis, começaram a surgir problemas

socioambientais e a ameaça da sobrevivência no nosso planeta. A Educação

Ambiental surgiu então como uma necessidade de mudança na forma de

encarar o papel do homem no mundo, uma vez que parte da sensibilização

para conscientizar os indivíduos sobre suas atitudes em relação ao meio em

que vivem.

Para que se possa compreender a Educação Ambiental em um contexto

mais amplo, que englobe o seu caráter não só biológico e social, mas cultural,

político e histórico, é necessário primeiramente entendermos as relações da

natureza com o homem e a sociedade, uma vez que essas relações indicam

caminhos diferentes para pensar a educação ambiental.

A compreensão dessas relações implica no entendimento de

representações diferenciadas acerca do meio ambiente, que se caracterizam,

segundo TOZONI-REIS (2004), por ―três concepções distintas e tendenciais da

relação homem-natureza: aquelas que consideram pressuposto básico o

sujeito natural, o sujeito cognoscente ou o sujeito histórico‖ (p.33). A primeira

concepção diz respeito às idéias de que o homem deve se submeter às leis da

natureza, uma vez que ele é apenas mais um elemento presente nela.

Percebe-se que esta é uma visão bastante romantizada, idílica, onde para se

voltar ao equilíbrio ambiental deve-se voltar ao equilíbrio natural; o homem é

um perturbador, dominador da natureza. A humanidade domestica, domina e

se apropria de seus recursos; qualquer intervenção humana é intrinsecamente

negativa, sendo que todas as vezes que o homem se volta para a natureza tem

a intenção de tirar algum proveito em seu próprio benefício. Essa

representação se caracteriza como o sujeito natural, e em muitas ciências,

ainda hoje, prevalece esse pensamento. Essa representação se caracteriza

como o sujeito natural, e em muitas ciências, ainda hoje, prevalece esse

pensamento.

Page 27: Monografia (Especialização UFPA)

Na representação do sujeito cognoscente, aponta-se a falta de

conhecimentos sobre as leis da natureza como sendo a causadora dos

problemas ambientais. Aqui a natureza não é intocável, mas deve ser usada

racionalmente, e, portanto, a degradação ambiental pode ser amenizada pelo

avanço dos conhecimentos técnico-científicos adquiridos pelo homem. O

conhecimento é o mediador da relação homem-natureza e deve ser transmitido

através da educação, e a partir dessa conscientização garantir que o homem

haja como fiscalizador da natureza. É uma representação que percebe essa

mediação como mecânica, ou seja, basta conhecer para preservar, ―saber usar

(conhecimentos técnicos e científicos), para poder usar mais e sempre, mas

sempre usar‖ (TOZONI-REIS, 2004, p.34). O conhecimento sobre a natureza é

fundamental, mas essa tendência nega a forma do uso desse conhecimento

pelos diferentes indivíduos, que muitas vezes utilizam esses saberes para

poderem se aproveitar mais dos recursos naturais.

A terceira tendência vê a relação homem-natureza construída a partir

das relações sociais, portanto histórica e social, conceituada como uma relação

não mais entre o homem e a natureza, mas entre a sociedade e a natureza.

Nessa relação sociedade-natureza a história e a cultura são mediadoras,

e as conseqüências das ações do homem são historicamente determinadas.

Nessa concepção, denominada sujeito social, os determinantes dos problemas

ambientais são a política e a economia, e a cultura capitalista tem papel

fundamental no processo de degradação do meio ambiente, uma vez que esse

modelo econômico produz cada vez mais necessidades (ou desejos?) e,

conseqüentemente, mais meios para satisfazê-las, utilizando os recursos

naturais. A conscientização ambiental entra aqui como um processo de

reflexão histórica, articulando conhecimentos e valores para a transformação

da relação homem-natureza sociedade.

O meio ambiente se gera e se constrói no processo histórico das inter-

relações entre sociedade e natureza, portanto a compreensão dessas relações

deve ser mediada pelos estilos de desenvolvimento vigentes. A mentalidade

consumidora gerada pelo modelo econômico vigente é, nessa concepção, a

causa imediata dos problemas ambientais, uma vez que o que se valoriza não

Page 28: Monografia (Especialização UFPA)

é o ―ser‖, mas o ―ter‖. Produz-se nos indivíduos o espírito consumista, onde a

prioridade é adquirir coisas desnecessárias, sem que haja a real necessidade.

A separação entre o homem e a natureza reflete-se em toda produção

humana, em particular no conhecimento produzido pelo modelo de

desenvolvimento da nossa sociedade. A fragmentação do saber, ou seja, as

especializações do conhecimento aprofundaram a compreensão das partes.

Mas o meio ambiente é em primeiro lugar uma unidade que precisa ser

compreendida inteira, e é através de um conhecimento interdisciplinar, que

possibilite uma visão holística da realidade, que poderemos assimilar

plenamente o equilíbrio dinâmico do ambiente em que se vive.

A interdisciplinaridade tem sido apontada como exigência da Educação

Ambiental, também sendo apresentada como uma perspectiva de abordagem

importante para o enriquecimento da compreensão da dinâmica homem

natureza pressupondo o diálogo entre os diversos saberes. A educação

ambiental coloca a necessidade de ampliar o diálogo entre o homem e a

natureza e dos homens entre si, e, além disso, uma prática dos conhecimentos

das ciências e a integração de um conjunto de saberes não acadêmicos. É

preciso, para LEFF (2001), um novo diálogo que englobe a tradição e a

modernidade, implicando um processo de hibridação cultural, onde se

valorizem saberes populares produzidos por diferentes culturas.

2.1 - OS SABERES TRADICIONAIS DOS COLETORES DE CARANGUEJOS

O conhecimento tradicional dos coletores artesanais, centrando-os

especialmente em seus aspectos socioambientais. Em primeiro lugar, é

necessário que se faça uma descrição destes coletores, destacando-os em

suas características mais essenciais e que os diferenciam dos outros tipos de

trabalhadores.

Os coletores de caranguejos estão incluídos na categoria de pescadores

artesanais e dessa maneira se caracterizam, principalmente, pela simplicidade

da tecnologia e pelo baixo custo da produção, produzindo com equipes de

Page 29: Monografia (Especialização UFPA)

trabalho formadas por relações de parentesco e compadrio. A produção é em

parte consumida pela família e em parte comercializada, sendo a coleta

baseada em conhecimentos transmitidos ao coletor por seus ancestrais, pelos

mais velhos da comunidade, ou que este tenha adquirido pela interação com os

companheiros do ofício. (MALDONADO, 1986).

Para DIEGUES (1995), os pescadores artesanais possuem percepções

e representações em relação ao mundo natural marcadas pela idéia de

associação com a natureza e dependência de seus ciclos. Estão associados a

modos de produção pré-capitalistas, próprios de sociedades em que o trabalho

ainda não se tornou mercadoria, onde há uma grande dependência dos

recursos naturais e dos ciclos da natureza, em que a dependência do mercado

já existe, mas não é total.

A utilização do manguezal exige um domínio muito amplo de

conhecimentos variados e especializados sobre o meio ambiente, construídos

com base em dados empíricos que provêm de uma tentativa contínua da

atividade coletora. Esses conhecimentos permitem ao coletor se reproduzir

enquanto tal, através da ação, onde experimentam, contrastam, atualizam e

aprendem novos saberes no meio em que atuam, que vão servir para confirmar

ou modificar algumas crenças, possibilitando um contínuo aprendizado.

Ao caracterizar ao enquadrar os coletores de caranguejos na condição

de pescadores artesanais, diz que o ponto que o define não se resume ao ato

de viver da coleta, mas em dominar plenamente os meios de produção de sua

coleta, ou seja, possuem ―controle de como coletar e do que coletar, em suma,

o controle da arte da coleta‖.

Aprende-se com os ―mais velhos‖ e com a própria experiência. O

domínio do saber-fazer é que forma o cerne da profissão do coletor, e esse

saber-fazer se configuram na figura do ―experiente‖, onde estão depositados os

segredos do manguezal (DIEGUES, 1995). A necessidade de transmitir esse

conhecimento ao longo das gerações é a medida de confiança nele depositado.

Muitos coletores de caranguejos podem ser considerados, por outros da

Page 30: Monografia (Especialização UFPA)

mesma profissão, como artistas do mangue, mas os mais velhos são os que

conseguem ser o guardião da tradição.

A coleta artesanal, nesta perspectiva, se torna uma arte, mas uma arte

diferenciada dos outros trabalhos artesanais, como DIEGUES (1983) coloca:

Podemos dizer que no caso da coleta, o domínio da arte exige um período de

experiência mais longo que nas outras formas de artesanato. Se compararmos

o pescador artesanal a um artesão de móveis, constatamos algumas

diferenças importantes. Este adapta seus instrumentos de trabalho a uma

matéria-prima relativamente homogênea: a madeira. Já o pescador artesanal é

obrigado a dominar o manejo de diferentes instrumentos de capturas utilizados

para diferentes espécies, num meio em contínua mudança (p.198). O mesmo

podemos aplicar ao coletor de caranguejos.

Desse modo, sua habilidade e talento circunscrevem-se em seu

conhecimento e na utilização dos seus instrumentos de trabalho em momentos

precisos. Mas, o objeto da ação do seu trabalho, diferente de um artesão, não

é estático, exigindo um saber-fazer sobre um meio em constante movimento e

transformação. Na compreensão de DIEGUES (1983), ―o importante não é

conhecer um ou outro aspecto, mas saber relacionar os fenômenos naturais e

tomar as decisões relativas às capturas‖ (p.199).

Nesse contexto, a tradição é interpretada como algo em movimento, um

conhecimento inveterado passado de geração a geração. O saber tradicional

dos coletores de caranguejos é cumulativo, ou seja, produzido por gerações

sucessivas e evoluindo a cada passagem; é empírico, pois se confronta com o

teste da experiência diária, com a ―ida‖ ao mangue, e é dinâmico, uma vez que

se transforma em função das mudanças socioeconômicas, tecnológicas e

físicas.

Devido à vida que levam do conhecimento acumulado e da educação

que receberam desde pequenos, os coletores de caranguejos conhecem

também os limites da coleta de acordo com o ritmo da natureza, tendo, na

maioria das vezes, como condição de sua reprodução a manutenção do

equilíbrio ambiental.

Page 31: Monografia (Especialização UFPA)

Os saberes tradicionais são muitas vezes desvalorizados também pela

comunidade científica, por estarem localizados, segundo ALLUT (2000), na

parte mais baixa da ―árvore do saber‖, no que diz respeito à formação que os

coletores possuem. Nesse pensamento, os coletores não podem gerar

conhecimento confiável porque não receberam a instrução necessária para

isso, ou seja, não freqüentaram escolas, nem universidades para o ensino

dessas habilidades. Então não é possível que esses saberes tenham valor de

verdade, uma vez que não derivam do método científico.

Os saberes, nesse contexto, são vistos como insuficientes, pois foram

construídos com base em um empirismo ingênuo, resultante somente de

percepções causais elaboradas sem controle no processo de observação.

Negam a relação secular que os coletores têm com o ambiente marítimo; todo

o rico e detalhado conhecimento acumulado ao longo de várias gerações. Para

CASTRO (2000), esses conhecimentos devem sim serem priorizados,

objetivando valorizar os recursos naturais para poderem controlar e racionalizar

seus usos sob padrões ocidentais de sustentabilidade. Cada um em seu âmbito

busca objetivo semelhante: oferecer um certo controle da natureza, no primeiro

caso na forma de explicações causais, marcados por teorias complexas de

médio e longo alcance e, no segundo caso, recorrendo a outras estratégias

explicativas que necessitam de interpretação rápida a fim de possibilitar a

tomada de decisões objetivas e pontuais. (ALLUT, 2000).

Page 32: Monografia (Especialização UFPA)

CAPÍTULO III: UM “OLHAR” SOBRE A RESERVA EXTRATIVISTA –

CAETÉ –TAPERAÇU

3.1 – DESCREVENDO O LOCAL DA PESQUISA

A Comunidade de Acarajó fica localizada na zona rural do município de

Bragança, distante da sede cerca de 6 km, fazendo divisa ao norte com a

Comunidade de Bacuriteua, a leste com o Rio caeté, a oeste com as Vilas de

Maçarico e Taperaçu-Campo e a sul com a Vila do Abacateiro. (IBGE, 2009).

Figura 2 – Mapa de localização da Comunidade de Acarajó

Fonte: ZMT-MADAM (1998)

Page 33: Monografia (Especialização UFPA)

Em 2002 a população da Vila era estimada em torno de 2.138

habitantes, com 428 casas; desses, 76% são naturais do lugar e 24% vindos

da própria região. O acesso feito por via terrestre, facilitado pela rodovia

Bragança – Ajuruteua (PA-458), mas antigamente o acesso era feito a pé, ou

de canoa. Atualmente a Vila possui em torno de 2.700 habitantes (IBGE, 2009),

com um grande número de tiradores de caranguejo, em to rno de 300 homens

adultos (SANTOS 1996); (DRUDE, 2003).

A Vila de Acarajó fica inserida na Resex Caeté-Taperaçú existindo uma

certa contradição entre o discurso dos tiradores de caranguejos da

Comunidade de Acarajó e a Reserva extrativista, pois eles se re ferem aos

terrenos como particular, ignorando, ou desconhecendo a implantação da

Reserva criada em 20 de maio de 2005, através do Decreto Lei de nº 4.340, de

22 de agosto de 2002, artigo 84, Inciso IV da Constituição Federal, que

abrange uma área de aproximadamente quarenta e dois mil, sessenta e oito

(42.078) hectares. Localizada na divisa entre os Municípios de Augusto Corrêa

e Bragança, segue pelo rio Caeté, passa pelo Igarapé do Raimundo e segue

pelo limite da zona terrestre do manguezal e rio Maniteua. Sobre a divisa dos

Municípios de Bragança e Tracuateua, segue a montante pelo furo da Estiva

com o furo Maguari, até a sua foz no Oceano Atlântico, ao longo da costa da

localidade Ajuruteua, pela margem direita do furo do Chavascal, perfazendo o

perímetro da rodovia PA 458, que interliga a sede do Município de Bragança à

localidade de Ajuruteua, no Estado do Pará, que inclui a Vila do Acarajó.

A Resex criada com o objetivo de proteger os meios de vida e garantir o

uso e conservação dos recursos naturais renováveis, tradicionalmente

utilizados pela população extrativista residente na área de sua abrangência.

Cabe ao IBAMA administrar esta Resex e adotar medidas necessárias para a

sua implantação e controle, como a execução de desapropriações e contratos

de cessão de uso gratuito.

3.2 - O USO DO ECOSSISTEMA MANGUEZAL

O manguezal é um dos mais importantes ecossistemas da costa

brasileira, constituindo uma fonte essencial de vários recursos, tais como

madeira, remédio, tinturas, peixes, crustáceos e moluscos.

Page 34: Monografia (Especialização UFPA)

Manguezal é um ecossistema costeiro da zona intertropical do planeta que costuma se desenvolver entre a terra e a água, entre a

água doce e a água salgada, mantendo sua integridade e coerência. Apresentando unidade ecológica, ele não pode ser considerado um ecótono, ou seja, ambiente de transição entre outros. Ecossistema de

alta produtividade biológica, ele cumpre quatro funções ecológicas básicas. 1- Suas árvores ajudam a conter a erosão hídrica e eólica costeira. Ele funciona como fixador de terras, aplacando a força

erosiva dos rios e dos movimentos marinhos bem como a das tempestades e dos ventos. 2- É ambiente extremamente favorável à reprodução de incontáveis espécies de água doce e salgada, além

daquelas que vivem exclusivamente no seu interior, onde a água, via de regra, é salobra. Abriga também animais terrestres e alados em sua fase de acasalamento e reprodução. Em seu interior, criam -se

condições apropriadas de proteção e de alimentação para espécies animais procriarem. 3- Sua constituição torna-o excelente local protetor de animais na fase jovem. Ao atingirem estados de

desenvolvimento para habitarem seus ambientes nativos, podem elas, então, migrarem para o mar, subirem os rios, saírem para outros ecossistemas ou continuarem no manguezal. Há espécies vegetais e

animais exclusivos do manguezal, chamadas residentes, como as plantas dos gêneros Rhizophora, Avicennia e Laguncularia, e como o caranguejo-uçá (Ucides cordatus). Há também as espécies semi-

residentes e visitantes. 4- É produtor e exportador de alimentos para o mar, sobretudo pelos movimentos das marés. Esta produtividade elevada atraiu, desde o Paleolítico, grupos humanos que, em grande

medida, passaram a depender dele como fonte de alimento. (SOFFIATI, 2000, p. 03).

O litoral do Brasil, possui aproximadamente vinte mil quilômetros

quadrados, de área, desde da foz do rio Oiapoque, no estado Amapá (4°30’

latitude Norte), até o município de Laguna em Santa Catarina (28°30’ lati tude

Sul). Nesta extensa área encontra-se uma estreita faixa de floresta

denominada Manguezal (Figura 1), formada por um reduzido universo de

espécies arbóreas, que se desenvolvem geralmente nas zonas, de estuário, e

foz dos rios, onde encontra o ambiente propício a suas necessidades

ambientais, ou seja, água salobra, e proteção contra a ação física das ondas

(ALVES, 2001).

Os ecossistemas de manguezal têm sofrido ao longo dos anos, com um

acentuado processo de antropização4, principalmente por ter sido associado a

doenças como a febre amarela e a malaria, e neste ínterim a palavra mangue

passou a conotar, desordem, sujeira, local não saneado. Conceito que levou a

4 Antropização: significa processo de transformação da natureza pela ação humana.

Page 35: Monografia (Especialização UFPA)

crença que sua aparência inóspita, deveria ser transformada, e o progresso do

litoral passaram a se traduzir em praias limpas, aterros saneados, e portos

confinados por concreto. Desta forma, a revelia da importância real deste

ecossistema para economia natural, e para a subsistência das comunidades

adjacentes, e tendo em vista o enfoque equivocado que se cristalizou, as áreas

de manguezal foram ocupadas por portos, balneários, e rodovias (DOV POR,

2007).

Figura 2 – Distribuição dos manguezais no litoral brasileiro

Fonte: Alves (2001)

Desde tempos remotos, a abundância de alimentos existente nas

florestas de mangue já atraía grupamentos humanos que viviam próximos ao

litoral, o que pode ser comprovado pela existência de sambaquis em áreas

costeiras do Brasil, que, segundo Simões (1981), i lustram os recursos

alimentares que os ―primitivos‖ habitantes do litoral aí encontraram para a sua

subsistência: ostras, mexilhões, siris, caranguejos, peixes, além de répteis,

mamíferos e aves.

Page 36: Monografia (Especialização UFPA)

Os manguezais brasileiros, a exemplo do que ocorreu em outros países,

foram utilizados pelas populações indígenas antes da chegada dos

colonizadores, como testemunham as acumulações de ostras encontradas em

sambaquis e retiradas das raízes do mangue.

Durante o período colonial, além de fonte de alimento (peixes e

crustáceos), o mangue era utilizado para a produção de madeira para lenha,

tanino para curtir, etc. No século XVIII, a extração da madeira do mangue era

tão intensa, particularmente no Nordeste, que o Rei Don José teve que proibir,

por decreto (10/07/1760), o corte para preservar a vegetação para a extração

de tanino para curtir o couro.

Até as primeiras décadas do século XX, os setores do mangue eram

explorados de maneira pouco intensa pela pesca, pela construção de viveiros

(aqüicultura extensiva) na zona do estuário, pela pesca desportiva, pela

retirada de caiçaras (ramos de mangues uti lizados para a construção de

habitats para peixes) e pela extração de material para a construção. No

Nordeste, especialmente no Rio Grande do Norte, os mangues começaram a

ser deslocados pelas salinas. A exceção desta última atividade, os mangues

ainda são utilizados pela comunidade de pescadores que dependem deles para

sua sobrevivência (Diegues, 1987).

A partir da década de 50, as áreas estuarinas e de mangues começaram

a ter uma utilização intensa, de caráter industrial e de expansão imobiliária.

Grandes superfícies desta formação foram por estas motivas cortadas, para

facilitar a construção de polígonos mineiro-metalúrgicos e industriais.

Dessa forma, o manguezal pode ser tratado como um recurso renovável,

porém finito, quando se considera a produção natural de mel, ostras,

caranguejos, camarões, siris e mariscos, além das oportunidades

recreacionais, científicas e educacionais.

Por outro lado, o manguezal também pode ser considerado como um

recurso não- renovável, quando o espaço que ele ocupa é substituído por

prédios, atracadouros, residências, portos, marinas, aeroportos, rodovias,

salinas, aqüicultura, etc.

Page 37: Monografia (Especialização UFPA)

Para as comunidades ribeirinhas que vivem próximas aos manguezais,

os caranguejos representam um dos grupos de maior relevância econômica.

Dentre as espécies capturadas e comercializadas, merecem destaque: os siris

(Callinectes spp) e o caranguejo-uçá (Ucides cordatus). Este último, entretanto,

representa a espécie mais extraída e de maior relevância para a economia

doméstica das comunidades que vivem no entorno dos manguezais paraenses.

De acordo com Blandtt e Glaser (2000), as sociedades humanas e o recurso

caranguejo constituem uma rede estrutural econômica que se envolve em

meios e processos de produção e comercialização, através de práticas

rudimentares de exploração social do homem e ecossistêmica do recurso

caranguejo.

As maiores extensões de manguezal do mundo cobrem cerca de

172.000 km quadrados das costas tropicais. Aproximadamente um quarto

desse total encontra-se no Brasil, que apresenta a mais extensa área de

manguezais com 26.000 km quadrados que representam mais de 15% dos

manguezais do mundo inteiro, seguido pela Indonésia, com 21.000 km

quadrados.

O Brasil é, portanto, o país que tem a maior extensão de manguezal no

mundo, que se estende do extremo litoral norte brasileiro (Oiapoque AP), até

Laguna/SC formando uma verdadeira barreira entre o mar, os campos

alagados e a terra firme. Do sudeste do Maranhão até o Espírito Santo, os

manguezais são mais reduzidos, localizando-se ao longo dos rios e associados

a lagunas, baías e estuários e voltam a ser extensos na Baia da Guanabara,

apesar do intenso processo de degradação que estão sofrendo. Os estados do

Pará e Maranhão possuem quase a metade da área total de manguezais

brasileiros estruturalmente os mais complexos do país. (MANESCHY, 1993).

Somente no estado do Pará, os manguezais ocupam uma área de 4.500 km

quadrados, correspondendo a cerca de 1/5 dos manguezais brasileiros.

No uso social dos manguezais, verificam-se importantes mudanças que

se acentuaram nas três últimas décadas do século XX, sobretudo em razão de

implantação de transportes rodoviários que proporcionaram a intensificação da

tiração do caranguejo, modificando a base econômica dos tiradores e

Page 38: Monografia (Especialização UFPA)

provocaram investimentos de algumas famílias na captura e beneficiamento

dos caranguejos. Segundo Maneschy (1993), as restrições na oferta de

trabalho e empregos nas cidades têm fornecido um contingente suplementar

nas atividades de extrativismo do caranguejo. São homens e mulheres que

desenvolvem formas de ajustamento ao ecossistema para extrair os meios de

vida dos manguezais, que no estado do Pará constituem-se em grandes áreas.

Os manguezais são áreas de transição entre terra e mar, formando um

complexo ecossistema, típico de regiões tropicais e subtropicais. Abrigam

multiplicidade de espécies animais e vegetais e permitem inúmeras condições

de exploração dos recursos (SCHAEFFER-NOVELLI, 1995). Suas raízes

funcionam como filtros na retenção de sedimentos, constituindo importante

banco genético para a recuperação de áreas degradadas.

Os manguezais desempenham também importante papel como

exportador de matéria orgânica para o estuário, contribuindo para produtividade

primária na zona costeira. É no manguezal que peixes, moluscos e crustáceos

encontram as condições ideais para reprodução e criadouro para várias

espécies, com considerável valor econômico e sociocultural. Os manguezais do

estuário do rio Caeté são responsáveis, segundo Glaser (2005), pela produção

de 95% de alimento que os seres humanos retiram do mar, vital para sua

subsistência.

Devido à riqueza de sua vegetação e dos animais, os manguezais

brasileiros são explorados desde o período colonial o que naquele momento já

era objeto de preocupação por parte de D. José, Rei de Portugal, que proibiu o

corte de árvores de manguezal, utilizado para coloração de velas das

embarcações e da roupa em geral, quando a atividade de tiração de

caranguejo era complemento alimentar da dieta dos índios neste período

(LOUREIRO, 1985);

Dentre as várias categorias de trabalhadores que utilizam o espaço da

Reserva extrativistas marinha, estão os coletores de caranguejo, que se

utilizam da captura artesanal do caranguejo, praticando a atividade econômica

Page 39: Monografia (Especialização UFPA)

mais importante relacionada ao manguezal de acordo com Paludo e Klonowski

(1999). Estes coletores atuam especificamente dentro de uma faixa litorânea

denominada ―manguezal‖, assim definida por Soffiati (2000) como um

ecossistema costeiro da zona intertropical do planeta que costuma se

desenvolver entre a terra e a água, entre a água doce e a água salgada,

mantendo sua integridade e coerência.

Os coletores de caranguejo utilizam o espaço ―manguezal‖ para tirarem

seus sustentos, sendo a principal fonte de renda para estas populações, como

afirma GLASER (2005):

Mais de oito em dez domic ílios extraem produtos do ecossistema dos mangues ou trabalham em ocupações que dependem dos mangues. 68% dos domicílios vendem produtos do ecossistema dos mangues.

A dependência comercial nos mangues segue uma escala de intensidades, indo desde aqueles que coletam e beneficiam caranguejos do mangue para a venda, cuja dependência é a mais

direta e exclusiva, até os que extraem produtos do mangue apenas quando as suas outras fontes de renda falham, passando pelos que pescam no litoral ou em alto-mar, cuja captura depende da função de berçário do ecossistema dos mangues. (GLASSER, 2005, p. 44 -45).

Dessa maneira, é fácil perceber que existe uma ação direta dos

―moradores do mangue‖, dentro dos sistemas do ecossistema manguezal,

dependendo quase que exclusivamente dos produtos ofertados por esse

ambiente.

Em especial na Vila de Acarajó a condição econômica desfavorável da

maioria dos moradores é a principal força motriz que impulsiona os que

procuram o manguezal exercendo a função de coletor de caranguejo, como

podemos constatar em depoimentos colhidos, quando se foi questionado sobre

o que leva os coletores a escolherem essa profissão.

- É onde eu tiro meu sustento e da minha família

- Não tinha para onde eu ir...era a única profissão que dava prá mim

-Eu sou pobre, né? e o mangue e o local mais fácil de ganhar dinheiro

-Eu casei e precisava sustentar a família, então do mangue era onde

eu podia sobreviver

-É o serviço que tem para ganhar dinheiro, né?

- A falta de emprego e eu precisava ganhar dinheiro e fui para o

mangue

Page 40: Monografia (Especialização UFPA)

É necessário destacar que as populações de catadores sofrem a

influência de transformações históricas, estando integradas as economias de

mercado e aos sistemas políticos, o que acaba por interferir no modo de vida,

nas formas de exploração do recurso e na riqueza cultural dessas

comunidades. Nordi (1992) ressalta que a situação de extrema carência por

que passam essas comunidades, associada aos fatores que influenciam a

pesca artesanal, como a imprevisibilidade de captura e a incerteza do mercado

podem levar a situações em que as populações não sejam capazes de atuar

em harmonia com a natureza.

3.3 - O QUE DIZEM OS MORADORES DA VILA DO ACARAJÓ SOBRE A

CRIAÇÃO DA RESEX

Entre os vários aspectos jurídicos que dão bases legais para a criação

da Resex está a reestruturação político-geográfica das populações tradicionais

alocadas nas áreas atingidas pela mesma, há por exigência legal, a

preocupação no que se refere à preservação da cultura, da questão ambiental

e dos meios de sobrevivência.

Inclusive no próprio Decreto de criação da reserva Extrativista Marinha

Caeté-Taperaçú no seu Art. 2º, em referência aos saberes tradicionais, este

especifica o seguinte:

A Reserva Extrativista ora criada tem por objetivo proteger os meios de vida e garantir a utilização e a conservação dos recursos naturais

renováveis, tradicionalmente utilizados pela população extrativista residente na área de sua abrangência. (BRASIL, 2005).

Apesar de um parecer jurídico que dá legalidade a Reserva extrativista,

que leva em conta, principalmente, a conservação de seus recursos naturais,

através dos conhecimentos da tradição, esse não é o entendimento das

principais autoridades responsáveis por esta área, pois como afirma o líder dos

moradores da vila de Acarajó, a criação se deu mais para estreitar os laços de

políticas públicas assistencialistas.

A finalidade da Resex dentro da comunidade, né, foi um termo de unir

uma junção[sic] de pessoas em um todo para que a gente pudesse ter a condição de mesmo receber aquilo que no passado nós não

Page 41: Monografia (Especialização UFPA)

tínhamos do governo, então, através da reserva eu tenho certeza que

a comunidade ela melhorou não 100%, mas melhorou bastante porque fomos beneficiado através da reserva. (João Gama, 28/07/2009)

Diferente do discurso do líder da comunidade está o do presidente da

Resex Caeté-Taperaçú que afirma em seu discurso o seguinte:

A maior finalidade é de fazer do mangue, né? Da nossa

sobrevivência...do mar, era...sustentável, né? Para que a gente possa daí fazer com que é....nós termos, todo tempo, seja farto. Esse objetivo capital do meio ambiente, cuidar dele de forma mais

adequada, tendo regras básicas para que nós pescadores e tiradores de caranguejos sejamos beneficiados com isso né? Isso é um dos maiores objetivos. (Zeca Rocha, 08/08/2009)

Podemos encontrar ainda, nos depoimentos colhidos junto aos coletores

de caranguejo da vila do Acarajó, afirmações que se distanciam da verdadeira

finalidade de criação das Reservas Extrativistas, em especial a Caeté-

Taperaçú, vejamos alguns desses depoimentos obtidos sob a ótica dos

coletores de caranguejos quando se questionou sobre o porquê da criação da

reserva extrativista:

- Ela foi criada... Por causa que tinha essa comunidade aqui né? Aí foi criada essa reserva aqui.

- Não sei, eu acho para mim até agora, dá reserva que eu tenho pa ra mim, que eu não tinha, que tá chegando...é uma barraquinha, que me

deram uma casa, forno, (inaudível) que eu ganhei; fogão também que eu tinha, eu tinha um mas estava velho, esbandalhei e ganhei este...outro uma cesta básica, também ganhei uns terçado também para trabalhar, só não ganhei botas...

- Não sabemos como foi feito isso (criação da Resex), mas a gente agora, alguns recebam casa, geladeira, facão, carrinho de mão, botas. Por isso eu acho que ela foi criada.

Como podemos perceber existe uma distancia entre os discursos dos

que administram a área da Reserva e das pessoas que efetivamente a habitam

e a utilizam de alguma forma, pois a grande maioria dessas pessoas não tem

informações sobre a real finalidade de sua criação, apesar de admitirem em

alguns casos já terem uma postura diferente em relação à questão ambiental,

porém de forma bem limitada e pontual.

Page 42: Monografia (Especialização UFPA)

3.4 - A COLETA DE CARANGUEJOS COMO FATOR SOCIAL

Em grande parte do litoral do nordeste paraense, a exploração do

caranguejo-uçá (U. cordatus) reveste-se de grande importância social, já que

dela se ocupa um grande contingente de pessoas residentes em áreas

costeiras próximas aos manguezais, gerando milhares de empregos diretos e

indiretos. A captura é realizada manualmente ou com a utilização de alguns

instrumentos, adaptados pelo próprio catador para facilitar o acesso ao recurso.

A comercialização geralmente é feita através de intermediários, uma vez

que os catadores têm dificuldade de vender o produto eliminando a figura do

intermediário, pois essas atividades conflitam com as coletas e necessitam de

habilidade adicional (Nordi, 1995, 1994).

Os catadores de caranguejo são grupos economicamente marginais,

extremamente pobres e pouco reconhecidos entre outros pescadores

artesanais. Resistem a uma desagregação cada vez mais intensa, provocada

pela degradação crescente do ambiente de coleta e pela falta de incentivos

externos (Nordi, 1992). Para esses trabalhadores, a catação de caranguejo-uçá

consiste na principal atividade, ainda que em muitos lugares eles

complementem sua renda com atividades agrícolas em pequena escala e o

extrativismo. Costumam ficar à margem da participação das organizações de

produção, não sendo identificados, inclusive, em cadastro como pescadores

(IBAMA, 1994).

De acordo com os coletores de caranguejos do Acarajó, a quantidade de

caranguejo tem diminuído o que vem obrigando alguns deles a se deslocarem

para distancias maiores no manguezal, onde a espécie ainda é aparentemente

abundante. Havendo unanimidade dos coletores de caranguejos ouvidos, em

afirmarem que a diminuição do número de caranguejos se deu

proporcionalmente ao aumento do número de coletores, impulsionados pelo

aumento da comercialização nas últimas décadas, pois o trabalho no

manguezal é um das únicas saídas para os que não querem enveredar pelos

caminhos da marginalidade, sendo, portanto, o único campo de trabalho

disponível na comunidade.

Page 43: Monografia (Especialização UFPA)

Quanto ao número de caranguejos capturados, a totalidade dos

catadores ouvidos afirma coletar a quantidade de conseguir encontrar, não

havendo limites pré-fixados de capturas de caranguejos por dia. Nos meses de

novembro, dezembro e julho, a captura é intensificada devido à elevação do

fluxo de turistas para o litoral.

O discurso do presidente da comunidade e antagônico aos dos próprios

coletores, pois enquanto estes afirmam que não há números limites de

caranguejos que podem ser capturados, este diz que existe sim uma

quantidade pré-estabelecida, que são de quinze cambadas ou cordas, com

quatorze caranguejos cada, pó dia.

Outro ponto relevante quanto à captura de caranguejos se dá no período

da ―andada‖, momento em que os caranguejos saem de suas tocas e inic iam o

período de acasalamento, ou seja, onde a um aumento considerável do fluxo

de caranguejos no manguezal, o que atrai um número maior de coletores, que

geralmente são pessoas que não adentram frequentemente o manguezal e

geralmente são familiares ou amigos de coletores que habitualmente estão

neste ecossistema. É o que Nishida (2003) chama de catadores esporádicos,

ou melhor, predadores esporádicos, vindos de outras profissões, que se

dedicam à cata na época da andada.

Ainda em relação à diminuição do número de caranguejos, outras

possíveis causas são apontadas pelos catadores, mostrando que esses são

conscientes da existência de diversos fatores que degradam o ambiente e que

têm influência na redução da quantidade de caranguejos. A maioria manifesta

essa percepção quando mostra preocupação com a escassez de caranguejos

e com a qualidade ambiental, associando a queda acentuada na produção a

fatores como: poluição, introdução de técnicas de captura predatórias,

intensificação do esforço de pesca e falta de fiscalização por parte dos órgãos

ambientais.

Desse modo, os catadores demonstram estar conscientes da

necessidade de preservação ambiental, apontando sua preocupação com a

diminuição crescente do estoque de caranguejo-uçá, pois sentem que sua vida

Page 44: Monografia (Especialização UFPA)

cotidiana está intimamente relacionada à preservação da espécie. Castanheira

(1997) menciona que, em muitos locais, os próprios caranguejeiros solicitam e

buscam formas de conservar os estoques desse crustáceo, pois já perceberam

que seu meio de sobrevivência é proporcionalmente afetado quando as

populações de caranguejo do seu local de coleta são alteradas.

Essas informações, referentes às questões ambientais, segundo os

coletores, são discutidas e socializadas, principalmente em reuniões feitas na

sede da comunidade, envolvendo alguns órgãos públicos ligados a Resex,

entre os quais a Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Instituto Brasileiro de Meio

Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Como fator negativo a escassez dos crustáceos verificada nos últimos

anos tem tirado o sustento de centenas de famílias que sobrevivem da captura

desses. A situação socioeconômica desses trabalhadores, assim como seus

conhecimentos sobre a biologia do recurso, devem ser levados em conta, no

tocante à elaboração de planos de manejo. Como afirma Rodrigues ET al.

(2000):

O sucesso de qualquer medida de ordenamento requer fundamentalmente o envolvimento efetivo do interessado,

sensibilizado à necessidade de conservação do recurso, como garantia da manutenção da atividade produtiva por tempo indeterminado. A gestão participativa é uma ferramenta poderosa de

mobilização da sociedade para melhorar a situação permanente de baixa organização social das comunidades tradicionais ao longo do litoral brasileiro. (RODRIGUES ET AL., 2000, P.)

Em relação ao tempo de moradia no local, nas comunidades estudadas

mostrou que a maioria dos entrevistados reside na área por mais de 20 anos.

De acordo com Cabral (2001), o tempo de permanência no local é um fator

importante de inclusão das populações dentro do conceito de comunidades

tradicionais. Desse modo, tempos maiores de fixação de residência na área

estudada sugerem que entre a categoria dos coletores de caranguejo ainda

existe um sentimento de vínculo e pertinência ao ambiente. Para Marcelino

Page 45: Monografia (Especialização UFPA)

(2000), em áreas estuarinas tradicionais, é comum a permanência média de

moradores em comunidades pesqueiras por mais de 30 anos.

A permanência do morador por mais tempo no local de trabalho pode

ser interpretada como resultado da disponibilidade de alimento oferecido

gratuitamente pelo ambiente à população que habita áreas próximas aos

manguezais (Cabral 2001). Como não há necessidade de custos adicionais

(moradia, alimentação, transporte e água, por exemplo) não há motivos para

migração. Esses fatos podem estar relacionados à manutenção de vínculos

tradicionais das populações ribeirinhas com o meio em que vivem.

Essas populações são romanticamente percebidas como praticantes de

atividades de baixo impacto no ambiente e por isso paradigmática na

organização de uma economia que corresponde às diretrizes do chamado

desenvolvimento sustentável na Amazônia, com seus três pilares:

desenvolvimento econômico, sociocultural e ecológico de forma equilibrada e

combinada com a diversidade do conhecimento das populações sobre os

diversos ambientes explorados. Há que considerar a sua vulnerabilidade social

e política.

A tiração de caranguejo constitui atividade extrativa, em que o tirador

―tira‖ (extrai, captura) diretamente da natureza o maior número possível de caranguejos que irá trocar com dinheiro, elemento de troca bastante valorizado na compra e venda dos caranguejos.

Fatos que contribuem, em parte, para a preferência na inserção no

manguezal, porque, segundo alguns tiradores, o dinheiro que levaria a semana

inteira para ganhar na terra, que não é sua no manguezal, ganha-se em

apenas dois dias. Portanto, a profissão de tirador está associada a ganhar

dinheiro com vantagem em relação custo-benefício. Polanyi (2000) lembra que

existe certa transformação na motivação de alguns membros de uma

sociedade no sentido de que o desejo de lucro substitui a simples vontade de

subsistência. Bastante evidenciado por parte dos tiradores da Vila do Acarajó

na ocasião da entrevista quando foram perguntados por que tiram

caranguejos?

- Porque se ganha dinheiro

Page 46: Monografia (Especialização UFPA)

- Porque é única profissão que faço

- Não existe outro tipo de emprego

- Para não roubar e dá de comer para meus filhos

- Para sustentar minha família

- É a maneira que eu encontrei mais rápido par ganhar dinheiro

- Por que estudei pouco....é uma profissão que não exige muito estudo

Percebe-se que a preocupação da maioria dos coletores de caranguejos

entrevistados se dá pelo fato destes poderem em curto espaço de tempo, mas

sob muito sacrifício, conseguirem através da venda dos crustáceos obtidos

certa quantia de dinheiro, que resolvem seus problemas apesar de forma

momentânea. O que parece ser uma das faces da comercialização que se deu

ao crustáceo e seus derivados.

Muitos caranguejeiros manifestaram a disposição de deixar a profissão,

caso tivessem outra alternativa, entretanto, fora atividade de catação,

praticamente não há possibilidade de se conseguir emprego ou outra fonte de

renda. A impossibilidade de conseguirem trabalho em centros urbanos maiores

deve-se ao baixo grau de instrução, de modo que as opções disponíveis são,

geralmente, as de menor nível de remuneração.

A totalidade dos tiradores de caranguejos entrevistados foram unânimes

em afirmarem que a escolha de suas profissões foram influenciadas por

questões econômicas e pela falta de opção no mercado de trabalho, soma-se a

isso a baixa escolaridade e a cobrança da família, afirmaram ainda que o

processo de inicialização das atividades no mangue se deu sob a conveniência

de algum familiar, principalmente dos pais, a este respeito responderam o

seguinte, quando questionados sobre como aprenderam a lidar com as

atividades do mangue?

- Foi com meu pai, prá ter o que comer.

-Meu pai morreu, aí eu fiquei, né...como arrimo de família, aí meu tio

me convidou e foi me ensinando, aí eu aprendi, né?

Page 47: Monografia (Especialização UFPA)

-Meu padrinho, mandou me mandou pedir para minha mãe para ir

tirar caranguejo com ele, aí eu foi...fiquei olhando, colocava

caranguejo no paneiro, aí me acostumei.

-Desde de miudinho eu já acompanhava meu pai e meus irmão mais

velhos...Eu chorava quando não ia. Seu moço, eu aprendi vendo os

outros fazendo.

Quanto ao uso dos conhecimentos sobre a tiração do caranguejo na

preservação da área de trabalho, os coletores dizem que são orientados em

palestras e encontros sob a necessidade de alguns cuidados em relação ao

ambiente para manter o equilíbrio do sistema, afirmam que alguns atos e

atitudes em relação ao meio ambiente já foram mudados e outros

incorporados, mas afirmam também que essa nova postura parece ter vindo

mais de uma consciência subjetiva do que das informações socializados nos

encontros e discussões.

As informações acumuladas pelos mais velhos e transmitidas aos mais

novos, a respeito do trabalho no mangue, são transmitidas pela oralidade e no

aprender-fazendo, estando estas revestidas de valores familiares e senso de

moral e ética, pois como afirmam é através do trabalho, no caso específico, o

trabalho no mangue, que não os deixam enveredar pelos caminhos da i licitude.

Os impactos ambientais a nível global também ressoam nos

manguezais, onde grande partes vem sofrendo degradação ambiental,

principalmente causadas pela interferência humana nesse ecossistema. Alguns

manguezais tendem a desaparecer outras já foram aterrados ou servem de

depósitos de lixos. Alguns desses impactos ambientais, em grau menor são

atribuídos ao próprio coletor de caranguejo, que suas incursões afetam a

dinâmica do ambiente manguezal.

No entanto, uma nova concepção sobre esse ecossistema, por parte dos

coletores, parece tentar reverter essa situação, pois alguns vícios, frutos de

uma análise de que tudo é eterno e de que os recursos são inesgotáveis,

parece está surgindo, pois quando perguntados sobre como os coletores de

Page 48: Monografia (Especialização UFPA)

caranguejos contribuem para a questão ambiental nos manguezal onde atuam

responderam o seguinte:

- Eu levava garrafa com água, sacola, corda e sempre deixava

alguma coisa para trás, no mangue, né?

-Não jogamos mais lixo no mangue, pois sabemos que isso é ruim

para o mangue.

- A gente agora pastora os outros prá mode não fazer besteira no

mangue e prejudicar todos nós.

- A gente procura esclarecer os colegas para não deixar sacos,

sacolas, garrafas, maço de cigarros, nada no mangue, pois isso pode

acabar matando os caranguejos.

- Não pegamos as fêmeas do caranguejo, pois não se vai ter mais

caranguejos depois.

Dessa forma, podemos detectar nas falas dos coletores que hoje,

podendo parecer pouco, mas já há certa preocupação quanto à necessidade

de se manter uma nova postura ambiental de respeito com o local onde se os

coletores de caranguejos desenvolvem suas atividades, pois estes percebem

uma estreita relação entre as atitudes de degradação ambiental e a

produtividade da espécie a ser capturada, ou seja, o caranguejo.

Mas nem todos praticam ações que contribuem para um melhor

relacionamento homem-natureza, pois os coletores afirmam que existem

alguns grupos que ainda continuam degradando o manguezal, principalmente,

derrubando e retirando madeiras, que segundo os coletores servem para as

construções de casas e como estrutura para a confecção de currais, afirmam

também que esses grupos são oriundos de outras comunidades que também

fazem parte da área de abrangência da Resex.

Quanto às consequências dessas ações danosas, os coletores de

caranguejos afirmam que a área desmatada recebe maior incidência solar, o

que resseca a lama do mangue, inviabilizando a construção de tocas dos

caranguejos o que faz com que estes procurem novos locais para habitarem,

Page 49: Monografia (Especialização UFPA)

pois além de não possuírem moradia ficam sem alimentação e expostas ao

calor excessivo.

Os coletores afirmam também que as autoridades responsáveis pela

Resex já tomaram conhecimento da situação, mas que ações concretas de fato

ainda não foram tomadas, ou pelo menos ainda não foram percebidas, pois o

vandalismo no mangue ainda continua.

É sabido que o uso dos recursos naturais é uma atividade diretamente

vinculada ao conhecimento da natureza e dos seus ciclos, transmitido

oralmente de geração a geração (ALVES E NISHIDA, 2002; DIEGUES, 2000b).

O depoimento de um coletor de caranguejo ilustra, de forma bem explícita, o

papel meritório da vida na comunidade como origem do conhecimento que ele

tem sobre o manguezal.

Aprendi só vendo, porque lá no Acarajó todo o mundo aprende só. Se acaso não tivesse colégio, todo o mundo aprendia‖ (João)

Um outro coletor experiente, explica seu labor de ―mestre‖ ensinando

seus conhecimentos aos seus filhos.

Eu passo ou que eu sei nos meus filhos quando estou com eles, quando estou trabalhando. Às vezes até saem comigo. Agora tem

uns deles que não se dedicam que não querem nem procurar saber. Eu estou sempre ativando isto aqui funciona desse jeito, isso aqui é assim, esse peixe,.. passo tudo para eles. Todo pouco que eu sei eu

vou passando para eles, não aprendem quando eles não querem mesmo. Mais eles sabem. Eu tenho um filho que desde oito anos que eu levava ele, quando ele vinha da escola, não tinha um dever:

vamos embora, vamos conhecer a pesca. Hoje ele investe no setor da pesca, é pai de cinco filhos. (Sr Paulo).

Para CHASSOT (2005) a observação dos fenômenos é um dos atos

requisitórios no processo de construção das ciências. Os resultados de nossa

pesquisa evidenciam que nossos estudantes observam seu entorno, o

manguezal e que, em determinados aspectos, observam-no até com grande

muita sutileza de detalhes. Os resultados também apontam que, mesmo sem

dominar a terminologia científico-acadêmica, os estudantes conhecem e

utilizam todo um conjunto conceitos para se referir e explicar suas

observações.

Os fatos e os fenômenos estão em nosso redor. A observação é uma das exigências primeiras para fazer Ciências. Quem não vê o

fenômeno não pode fazer qualquer outra inferência sobre o mesmo. Fenômenos acontecem ao nosso lado. (CHASSOT, 2005).

Page 50: Monografia (Especialização UFPA)

Diversas pesquisas realizadas em comunidades litorâneas do nordeste

de brasileiro têm evidenciando a concordância entre ambos os tipos de

conhecimento, aquele da comunidade de pescadores tradicionais e o da

comunidade científica (MARQUES (1995); ALVES E NISHIDA (2002); SOUTO

(2004)). Ao nosso entender, muitos dos conceitos explicados por nossos

estudantes guardam estreita relação com aqueles próprios do domínio

científico. Mais ainda, muitos deles encontram-se incluídos nos currículos de

ciências.

Page 51: Monografia (Especialização UFPA)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação Ambiental é de grande importância para a conservação do

meio ambiente, se constituindo em um dos principais meios de se alcançar a

conscientização acerca das questões ambientais. Representa um instrumento

essencial para superar os atuais impasses da nossa sociedade. A realidade

atual exige uma reflexão cada vez menos linear, e isto se produz na relação

entre saberes e práticas coletivas que possibilitem a criação de identidades e

valores comuns e ações solidárias em busca da reapropriação da natureza,

numa perspectiva que privilegie o diálogo entre os diversos saberes.

Tendo em vista a atual situação em que se encontra o meio ambiente, é

imprescindível o desenvolvimento de uma nova cultura. A crise mundial

socioambiental que afeta a sociedade é reflexo de seus próprios valores,

condutas e estilos de vida coletivos, como já foi discutido anteriormente.

Constitui, portanto, uma crise cultural. A cultura modela a maneira que

concebemos o mundo e a nós mesmos, e como nos relacionamos com ele.

Nessa perspectiva, a Educação Ambiental tem como objetivo a conscientização

das pessoas em relação ao mundo em que vivem para que possam ter cada

vez mais qualidade de vida sem desrespeitar o meio ambiente natural que a

cercam.

Essa conscientização se dá a partir do conhecimento dos recursos

específicos de cada região, os problemas ambientais causados pela

exploração do homem, assim como os aspectos culturais que vão se

modificando com o passar do tempo e da mudança dos recursos naturais.

Sendo assim, o principal objetivo é tentar criar uma nova mentalidade

com relação a como usufruir os recursos oferecidos pela natureza causando

um baixo impacto sobre eles, criando assim um novo modelo de

comportamento. Um bom exemplo disso é a postura com que os pescadores

artesanais têm em relação à natureza e seus recursos. Seus conhecimentos

tradicionais são muito ricos para a conservação da natureza, se configurando

Page 52: Monografia (Especialização UFPA)

em um instrumento de sensibilização muito importante para a educação

ambiental. Sensibilização entendida, neste contexto, como um processo

educativo de tornar sensível, possibilitando uma vivência que pode construir

conhecimentos não só pela racionalidade, mas também a partir de sensações,

intuição e sentimentos.

Dada a importância dos saberes tradicionais tanto para a educação

ambiental como para seus próprios possuidores, necessitamos de uma

abordagem holística e interdisciplinar, onde os saberes acadêmicos e

tradicionais se unam em busca de caminhos para o uso e aproveitamento dos

recursos da natureza, respeitando seus limites e sua diversidade.

Os saberes tradicionais podem possibilitar um novo olhar sobre o meio

ambiente, confirmando a hipótese deste estudo, uma vez que, como dependem

diretamente de Natureza para sua sobrevivência, os pescadores artesanais

consideram a conservação dos recursos naturais como sendo fundamental.

Dessa forma, não podemos observar a Natureza como se ela fosse

simplesmente uma bela paisagem, já que fazemos parte dela. Devemos ter

uma consciência ambiental, tentando evitar a degradação do meio ambiente,

uma vez que, assim como os próprios pescadores artesanais entrevistados

observam, já estamos sofrendo com as conseqüências de nossas próprias

atitudes frente a Natureza.

Ao revelarem-se instrumentos de controle dos espaços de uso comum,

as reservas extrativistas de modo geral, contribuem para a melhoria ou

manutenção da qualidade do meio ambiente, além de proteger a reprodução do

modo de vida dessas populações, promover o respeito pelo enraizamento

(Weil, 2001) dos membros das comunidades locais e trazer benefícios

biológicos.

Além disso, a inclusão das comunidades de pescadores artesanais, aí

incluindo-se os coletores de caranguejos, na gestão da reserva garante o

respeito dos domínios tradicionais evitando a perda dos saberes locais

ameaçados pela reorganização dos espaços ditada pelos avanços da

economia urbano/industrial e pasteurização cultural global.

Page 53: Monografia (Especialização UFPA)

A incapacidade conservacionista dos modelos estrangeiros adotados no

Brasil e a importância do envolvimento das comunidades tradicionais no

sucesso da conservação do meio ambiente natural (Diegues, 1993) em

composição com os diferentes atores sociais revela-se uma necessidade para

a definição das políticas públicas de conservação do meio natural.

Existe assim, um indicativo de que este tipo de unidade de conservação,

ao reconhecer os direitos tradicionais de segmentos excluídos da sociedade,

consolidar-se como uma forma endógena de desenvolvimento social e

ecologicamente desejável. Neste sentido a regulamentação do Estado e a

necessidade de ir-se além das regras de mercado são fundamentais para o

sucesso das reservas extrativistas.

Todas às vezes em que é confrontado com a mais vaga sensação de

insustentabilidade, o Homem instintivamente retorna às suas raízes. Quando

travado nos seus caminhos por circunstâncias fora do seu controle ele terá

apenas uma forma de sair da sua difícil situação: agarrar-se àquilo que tem:

suas tradições, sua história, sua cultura — numa palavra, suas 'raízes'.

Procurar uma maior compatibilidade entre desenvolvimento econômico,

democratização de oportunidades e proteção ambiental, recusando-se

soluções uniformizantes, centralizadas e inapropriadas para a multiplicidade de

situações existentes é o desafio a ser enfrentado.

Finalmente, as Reservas Extrativistas, ao serem capazes de permitir

formas sociais alternativas da lógica dominante de consumo e exploração,

revelam-se institutos que podem contribuir positivamente para a solução dos

conflitos entre homem e meio ambiente.

Page 54: Monografia (Especialização UFPA)

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