monografia (especialização ufpa)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO SABERES CULTURAIS E EDUCAÇÃO
AMAZÔNICA
GAMALIEL TARSOS DE SOUSA
Tradição e Sustentabilidade – Saberes Implícitos nas Atividades dos Coletores de Caranguejos da Vila de Acarajó, Bragança-
PA
BRAGANÇA-PA MARÇO/2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE BRAGANÇA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO SABERES CULTURAIS E EDUCAÇÃO
AMAZÔNICA
GAMALIEL TARSOS DE SOUSA
Tradição e Sustentabilidade – Saberes Implícitos nas Atividades dos Coletores de
Caranguejos da Vila de Acarajó, Bragança- PA
Trabalho apresentado ao Curso de
Especialização Saberes Culturais e Educação na Amazônia, da Faculdade de Educação, do Campus Universitário de
Bragança, Universidade Federal do Pará (UFPA), como requisito para obtenção do
diploma de Especialista.
Orientador: Prof. Msc. Luiz Rocha da Silva
BRAGANÇA-PA
SETEMBRO/2009
DEDICATÓRIA
A Núbia Batista, minha esposa, pela força, dedicação e paciência de me ouvir nos momentos difíceis;
Aos Meus Filhos Vitória e Vinícius, inspirações para que eu me
empenhasse ainda mais e olhasse com outros olhos a vida;
Com saudades, à memória do meu pai, Paulo Antonio de Sousa,
cuja vida permanece inscrita na minha;
A minha mãe, Maria Rubenita, pela sinceridade, perseverança e espírito de luta que sempre demonstrou;
Aos meus irmãos Paulo, Elisamar e Israel com amor, por me ensinarem a importância de aceitar e conviver com as diferenças e
incertezas;
Com esperança a todos os meus sobrinhos e cunhadas, que o futuro lhes dê o direito de viver em um ambiente saudável;
A todos os colegas de turma, que superaram com afinco mais essa batalha, além das brincadeiras, dedico.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por me dar força para enfrentar todos os
momentos difíceis da minha vida acadêmica. E que renova, a cada dia,
minha fé e ilumina o meu caminho.
A minha esposa (Núbia) e filhos (Vitória e Vinícius) que tanto me
deram carinho, atenção e incentivo. Por serem pessoas maravilhosas e
merecerem todo meu amor.
A toda minha família pela força que sempre me deram
especialmente à minha mãe (Rubenita) que sempre orou e torceu por
mim.
Ao profº Msc. Luiz Rocha da Silva, por ter aceitado me orientar, por
sua amizade, sua atenção, sua disponibilidade e por ter acreditado na
execução desse trabalho.
Aos professores do curso de Especialização pela amizade, pelas
contribuições, pelas leituras críticas, pelas recomendações e palavras de
incentivo.
Ao Joel, funcionário sempre muito prestativo, dedicado e pela
disponibilidade que sempre apresentou.
A Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçú, na pessoa de Zeca
Rocha; pela disponibilidade de nos atender com suas informações;
Aos amigos da pós-graduação por compartilhar divertidas
disciplinas; pelos momentos de descontração e preocupação diante de
assuntos do curso e diante das nossas vidas e ricos momentos de
discussões.
A todos os coletores de caranguejos da Vila de Acarajó, sempre
prestativos e amigos, pela atenção, amabilidade e confiança que tiveram
em mim, por me receberem e compartilharem comigo os seus saberes.
Pessoas simples que me ajudaram de muitas formas na realização desse
trabalho, pelas lições de humildade e pela amizade que se construíram,
sentirei muitas saudades.
Agradeço também aos cientistas que cito em minhas referências
bibliográficas. Pois nada conseguiria fazer sem o somatório dos esforços
de cada um deles.
Finalmente a todos aqueles que direta ou indiretamente
contribuíram para o meu crescimento e realização deste trabalho.
Muito obrigado a todos.
Gamaliel.
TRADIÇÃO E SUSTENTABILIDADE – SABERES IMPLÍCITOS NAS
ATIVIDADES DOS COLETORES DE CARANGUEJOS DA VILA DE ACARAJÓ, BRAGANÇA- PA
RESUMO
O presente estudo trata da relação dos coletores de caranguejos da Vila de Acarajó, município de Bragança-PA com a natureza, enfocando em que medida
esses trabalhadores podem ser considerados conservacionistas e a forma como lidam com a conservação da natureza, visto que dependem diretamente
dela para a sua sobrevivência e a manutenção de sua atividade profissional. Além disso, discute-se o valor dos conhecimentos tradicionais no sentido de pensar novas formas de conservação da natureza, através do diálogo entre os
saberes científicos e populares e passamos por uma crise sócio-ambiental intensa nos dias atuais, o que nos leva a repensar a relação homem-natureza
contemporânea. Essa relação se torna relevante no presente trabalho, à medida que percebemos o homem como um ser social; sendo assim, sua relação com a natureza se dá a partir do modo de vida que leva, e os coletores
de caranguejos possuem uma grande dependência com o meio ambiente que o cerca, uma vez que dependem diretamente dele para a sobrevivência em sua
atividade profissional. Realizou-se, na Vila de Acarajó, pesquisa de campo, através de entrevistas e observação direta. Partindo da hipótese inicial de que os coletores de caranguejos, por dependerem direta e quase que
exclusivamente da natureza para sobreviverem, teriam práticas conservacionistas permeadas pelos saberes da tradição. Os resultados e
análises da pesquisa empírica permitiram responder não somente se os coletores de caranguejos são ou não conservacionistas, mas também compreender a complexidade da sua atividade profissional, balizada pela
tradição, como o princípio mediador da relação homem-natureza. Para os coletores estudados, a sua vida gira em torno da profissão, onde um saber-
fazer específico constrói a identidade social do grupo.
Palavras-chave: coletores de caranguejos, natureza, conservação, saberes tradicionais.
TRADITION AND SUSTENTABILIDADE - YOU KNOW IMPLICIT IN THE
ACTIVITIES OF THE COLLECTORS OF CRABS OF THE VILLA OF ACARAJÓ, BRAGANÇA - PA
ABSTRACT
The present study treats of the relationship of the collectors of crabs of the Villa
of Acarajó, district of Bragança- PA with the nature, focusing in that measured those workers conservacionistas and the form they can be considered how they
work with the conservation of the nature, because they depend directly on her for your survival and the maintenance of your professional activity. Besides, the value of the traditional knowledge is discussed in the sense of thinking new
forms of conservation of the nature, through the dialogue among you know them scientific and popular and we went by an intense partner-environmental
crisis in the current days, which in the group to rethink the relationship contemporary man-nature. That relationship becomes important in the present work, as we noticed the man as a to be social; being like this, your relationship
with the nature feels starting from the life way that takes, and the handmade fishermen possess a great dependence with the environment that surrounds
him/it, once they depend directly on him for the survival in your professional activity. They were made interviews in the Villa of Acarajó, in order to observe the handmade fishing was the dominant activity in the area. After that stage,
he/she took place the field research, through interviews, direct observation and an exit to the sea with the fishermen to notice the dynamics of relationships that
you/they happen in this situation. Leaving of the initial hypothesis that the collectors of crabs, for they depend direct and almost that exclusively of the nature for us to survive of the fishing, they would have practices
conservacionistas, the results and analyses of the empiric research allowed to answer not only if the collectors of crabs are or non conservacionistas, but also
to understand the complexity of your professional activity, as to main mediadora of the relationship man-nature. For the studied collectors, your life rotates around the profession, where a to know-do specific it builds the social identity of
the group.
Word-key: He/she/you fishes handmade, nature, conservation, you know traditional.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 04
CAPÍTULO I: CRISE AMBIENTAL ............................................................................ 04
1.1 - Conceitos Paradigmáticos ................................................................................. 05
1.2 - Insustentabilidade Ambiental ............................................................................ 06
1.3 - Sustentabilidade ................................................................................................. 17
CAPÍTULO II: SABERES DA TRADIÇÃO ............................................................... 20
2.1 – Os Vários Saberes ............................................................................................. 21
2.2 – Características dos Saberes da Tradição.................................................23
2.3 – Coletores de Caranguejos........................................................................24
2.4 – Reserva Extrativista Marinha....................................................................32
CAPÍTULO III: PONTOS DE CONVERGÊNCIA ENTRE SABERES TRADICIONAIS E SUSTENTABILIDADE.........................................................35
3.1 – Caracterização do Local da Pesquisa......................................................36
3.2 – Perfi l dos Moradores.................................................................................39
3.3 – O que pensam e o que fazem os tiradores de caranguejos... ..................42 3.4 – Existe realmente uma sustentabilidade na Resex....................................45
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................55
INTRODUÇÃO
As atividades de relacionamento homem/natureza, que vêm sendo
praticadas nos últimos tempos, tendo por base o uso de padrões teóricos
racionalistas, deixam um rastro irreversível de destruição, principalmente para
a natureza e se demonstram como modelos paradigmáticos ineficientes e
inadequados para a sustentabilidade planetária.
Por essa razão o trabalho intitulado: Tradição e Sustentabilidade – os
saberes dos coletores de caranguejo da vi la de Acarajó, em Bragança- PA, visa
encontrar na prática dos trabalhadores que coletam caranguejos, saberes
tradicionais que orientem suas atividades e uma vez identificados tais saberes,
relacioná-los com a preservação ou não da Reserva Extrativista Marinha
Caeté-Taperaçú, da qual a comunidade é uma das integrantes.
Desse modo, a pesquisa se deu especificamente na comunidade do
Acarajó, pois dessa maneira estávamos nos limitando ao estudo dentro de uma
das diversas comunidades que formam a RESEX Marinha Caeté-Taperaçú, e a
partir dos resultados específicos dessa investigação possamos visualizá-las em
toda plenitude da Reserva, tal opção é necessária pela escassez de tempo e
por se tratar de uma comunidade que basicamente pratica suas ações
baseadas nos saberes da tradição, assim como o fazem as demais
comunidades que compõem a Reserva.
Por fim, é preciso compreender como os modelos de relação
homem/natureza, orientados pelos saberes da tradição podem servir de
parâmetro na busca da sustentabilidade planetária, além de se buscar
conclusões que dêem conta de responder sobre quais as relações existentes
entre os saberes tradicionais e a sustentabilidade da Resex Marinha Caeté-
Taperaçú? Supõe-se que as práticas extrativistas praticadas dentro da reserva,
baseadas pelos saberes tradicionais, ajudam na preservação da mesma.
Entender como os saberes tradicionais dos coletores de caranguejos, na
comunidade de Acarajó, relacionados a seu trabalho, corroboram na
manutenção da reserva extrativista Caeté-Taperaçú, no município de
Bragança-PA, e seus correlatos para a sustentabilidade.
Identificar o nível de entendimento, dos coletores de caranguejo da
comunidade de Acarajó, a respeito da temática sustentabilidade, baseado em
suas práticas;
Levantar quais os saberes tradicionais que estão intrínsecos nas
atividades de coleta de caranguejos;
Identificar os princípios educativos, adquiridos a partir dessa análise, que
podem servir de eixo para uma discussão educacional formal.
O trabalho investigativo a respeito da temática que envolve saberes
tradicionais e sustentabilidade se faz necessário, pelo fato da possibilidade de
tentarmos visualizar uma nova alternativa que redefina os modelos de relação
homem/natureza, orientados pelos saberes da tradição, podendo ainda, servir
de parâmetro na busca da sustentabilidade planetária tão almejada nos últimos
tempos.
Pois dessa maneira estaremos mantendo contado direto com práticas de
educação informais, baseadas no senso comum; entendendo-as, poderemos
futuramente, sistematizá-las, de forma que as conclusões sejam objetos de
novas discussões, ou sirvam de base para um novo repensar sobre as práticas
danosas ao meio ambiente adotados como modelo de intervenção nos últimos
séculos, que em última análise se têm demonstradas prejudiciais para o
equilíbrio global.
Além de contribuirmos com os resultados do processo investigativo,
estaremos respondendo aos anseios do curso de especialização: saberes
culturais e educação na Amazônia, pois a discussão central de nosso trabalho
se dará num campo ainda escasso de literatura, dentro da esfera educacional
na Amazônia, envolvendo uma categoria em suas relações com o meio, que de
certa forma reflete no cultural, prioridades estas do curso.
Portanto, a preocupação desse estudo é tentar compreender se há uma
interferência direta ou indireta dos saberes tradicionais dos coletores de
caranguejos na manutenção da Reserva Extrativista Marinha (RESEX) Caeté-
Taperaçú, no município de Bragança-PA.
O trabalho de pesquisa tem o cunho qualitativo, com análise de dados
no enfoque fenomenológico. Em campo, adotou-se o procedimento
metodológico com abordagem da Observação Participativa, tendo em vista que
no trabalho desenvolvido com utilização da modalidade participante tomam
forma internamente às correlações de forças, as condições trabalhistas, as
formam de relação predominante, as prioridades administrativas, as tradições
sociais, que constituem a trama real em que se realiza a construção de
saberes. Baseou-se em dados coligidos nas interações interpessoais, na co-
participação das situações dos informantes, e, analisadas a partir da
significação que estes dão aos seus atos. Nessa abordagem, cabe ao
pesquisador participar, compreender, interpretar e relacionar as ações a uma
totalidade.
"É uma trama em permanente construção que articula histórias locais - pessoais e coletivas -, diante das quais a vontade estatal abstrata pode ser assumida ou ignorada, mascarada ou recriada, em particular abrindo espaços variáveis a uma maior ou menor possibilidade hegemônica. Uma trama, finalmente, que é preciso conhecer, porque constitui, simultaneamente, o ponto de partida e o conteúdo do real em nossas alternativas tanto pedagógicas quanto políticas." (EZPELETA & ROCKWELL, 1986, p.11)
A pesquisa participante permite ao investigador, inserido neste contexto,
"olhar" para o processo de apropriação de conhecimento dos vários segmentos
que fazem parte do ambiente pesquisado, o que possibilita analisar no
cotidiano dos catadores de caranguejo a história acumulada e buscar, no seu
presente, os elementos com os quais a comunidade se construiu.
Por fim, a opção teórica de sustentação deste trabalho terá como base
as informações coletadas e/ou adquiridas em contato direto com os
informantes, além de buscarmos subsídios em outros autores, dentre eles,
Moraes (2007), que analisa os saberes da tradição de pescadores de uma
dada região amazônica e os relaciona a outra região do nordeste brasileiro; já
Chassot (2001) demonstra em sua obra possibilidades de convergência dos
saberes tradicionais em conhecimentos formais, viabilizados por saberes
acadêmicos; Andrade (1989) analisa as relações entre Reservas Extrativistas e
Desenvolvimento Sustentável; Morin (2001) discute sobre as necessidades dos
saberes para educação do futuro; Silva (2006) faz uma abordagem sobre o
desenvolvimento sustentável como um modelo analítico, integrado e
adaptativo, Castro (1997) discute, juntamente com outros autores a
possibilidade de rompimento com interpretações tradicionais sobre
problemáticas do desenvolvimento.
CAPÍTULO I - AMAZÔNIA, MEIO AMBIENTE E RESERVAS EXTRATIVISTAS
Seguramente a Amazônia é o espaço geográfico do planeta que possui
a mais diversificada biodiversidade, sendo também a área que, ultimamente,
mais vem sofrendo com as agressões ambientais nas formas mais
diversificadas: desmatamento, poluição e alteração do curso de rios,
esgotamento do solo, povoamento desordenado, conflitos agrários, extinção de
ecossistemas, da fauna e flora, etc..., de sorte que sua contribuição para a
sustentabilidade ambiental do planeta começa a ser comprometida, fatos que
têm sido observados, principalmente, com a abertura da Amazônia para o
mundo, via provedora de matéria prima, ao seja, com a acentuada
internacionalização da Amazônia, fatos ocorridos mais pontualmente a partir
dos ―grandes projetos‖ implementados na década de 60 (sessenta) do século
passado, onde a visão de lócus provedor ficou ainda mais acentuado.
As lutas sociais pela preservação ambiental na Amazônia possuem um
caráter multidisciplinar na medida em que integram as dimensões complexas
da natureza e da subjetividade do povo que habita essa região. As histórias e
eventos que envolvem as populações amazônicas trazem em seu bojo um
caráter e científico, por que na medida em que ocorre a pesquisa há a
construção de conhecimentos num processo acadêmico, que ao mesmo tempo
envolve a população, as tradições e costumes característicos da cultura de um
povo. Temos observado que a confluência entre ciência e conhecimento
popular tem despertado o interesse de muitos pesquisadores em estudar as
características sócio-culturais do povo da região amazônica, tanto em
dimensão natural quanto antropológica, o que tem contribuído sobremaneira
para o desenvolvimento sustentável dessa região.
No entanto, esses fatos são novos e surgem com a preocupação dos
governos atuais, ou seja, pós ditadura militar, pois a principal característica
dada à região amazônica naquela época era o de integrar a Amazônia ao resto
do Brasil, assim, durante os governos militares, mais precisamente na década
de 60, do século passado, quando de forma oficial se coloca em prática uma
política de ocupação da Amazônia, a palavra extrativismo não passava de um
sinônimo para uma atividade predatória, pautadas por perspectivas
dominantemente negativas, sem futuro e que deixava em seu caminho um
rastro de destruição e prejuízo ambiental, além da pobreza de sua população.
Tal atitude de relacionamento do homem com a natureza começou a
mudar, principalmente depois que se tomou conhecimento dos trabalhos das
primeiras reservas extrativistas, propostas como referência para a
sobrevivência dos povos amazônicos e da defesa da forma de ser e de agir
dessas populações, pautados nos conhecimentos tradicionais, advindos
principalmente da experiência prática. O interesse por este tipo de experiência
aumentou mais ainda quando, na Eco 921, difundiu-se o conceito de
desenvolvimento sustentável.2
Em muitos casos as experiências relacionadas ao respeito e a utilização
dos saberes tradicionais não são respeitados, a exemplo de pesquisadores que
se apossando desses conhecimentos não devolvem os produtos de sua
investigação a sociedade pesquisada, há também uma desvalorização cultural
ou aculturação moral, baseada nas transformações sociais inseridas pelo
contato direto dessas populações com outras formas de cultura, assim, tem-se
início um processo de degradação desses saberes. Pinto, Amorozo & Furlan:
(2006), ao falar sobre o processo de degradação e formas de vidas tradicionais
acrescentam que:
A degradação ambiental e a intrusão de novos elementos culturais acompanhados pela desagregação dos sistemas de vida tradicionais ameaçam, além de um acervo de conhecimentos empíricos, um patrimônio genético de valor
inestimável para as futuras gerações. (2006, p. 751-762)
1 Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro, em 1992.
2 O conceito de desenvolvimento sustentável deve ser visto como uma alternativa ao conceito
de crescimento econômico, o qual está associado a crescimento material, quantitativo, da
economia. Isso não quer dizer que, como resultado de um desenvolvimento sustentável, o crescimento econômico deva ser totalmente abandonado. Admite-se, antes, que a natureza é a base necessária e indispensável da economia moderna, bem como das vidas das gerações
presentes e futuras, desenvolvimento sustentável significa qualificar o crescimento e reconciliar o desenvolvimento econômico com a necessidade de se preservar o meio ambiente, Binswanger, p. 41, 2002.
Ora se a degradação atinge toda uma estrutura sócio-ambiental,
chegando a ameaçar até os patrimônios imateriais que são os saberes
tradicionalmente construídos, urge-se a necessidade de estudar um meio para
aliados a criação de reservas, se construírem possibilidades para preservá-los,
assim, numa dimensão sócio-ambiental aliar esses conhecimentos aos
processos de organização de instrumentos viáveis, para construção de projetos
de manejos que sejam eficientes principalmente para o bem estar da
sociedade. Para isso é importante inserir nesse contexto os diversos setores
ligados ao desenvolvimento social e a sustentabilidade, entre esses a escola
como lócus de construção de conhecimentos. Assim é importante uma
valorização dos mais variados tipos de ciência.
Chassot (2001) postula que:
Há assim uma necessidade de se buscar uma valorização dos saberes populares e uma conscientização do respeito que os mesmos merecem e de como estão inseridos nos distintos contextos sociais. Esta é uma função da escola, e é tanto uma função pedagógica como uma função política. É um novo assumir que se propõe à escola: a defesa dos saberes da comunidade onde ela está inserida. É evidente que isso não significa o estudo dos saberes estranhos ao meio, mas o não-desprezo pelo que é local. É esse ato político que se espera da escola. (2001, p. 211)
As práticas educacionais como resgate de saberes têm levado o
profissional a ser mais reflexiva e nesta reflexão dá maior importância aos
conhecimentos acadêmicos e aos populares, contribuindo desta feita na
construção de habilidades e competências profissionais (PERRENOUD 1999)
tão importantes quanto a reflexão-na-ação e sobre-a-ação (SCHON 1999). A
reflexão, portanto, passa a ser um instrumento imprescindível para uma
educação pautada nas gigantescas e extraordinárias complexidades de
saberes e direciona a formação dos cidadãos reflexivos para o século XXI, ou
seja, o século do conhecimento, o século em que o homem numa dimensão
tecnológica busca alternativas viáveis para explorar de forma racional os
recursos naturais.
1.1 – RESERVAS EXTRATIVISTAS
Revendo a história podemos perceber que data-se do período da
ditadura militar, a inclusão da temática do Desenvolvimento Sustentável e das
questões ambientais, nas preocupações dos governos federais e estaduais.
Então, a criação de reservas extrativistas e a discussão em torno do interesse
das atividades vinculadas ao extrativismo, praticadas por grande parte da
população da região rural amazônica, ganhou maior força. Sendo inserida
inclusive nos meios educacionais e nas pesquisas acadêmicas.
Ao lado de algumas outras categorias, como as áreas de proteção
ambiental e as florestas nacionais, as reservas extrativistas são reconhecidas
pela legislação brasileiras como unidades de conservação de uso direito (ou
unidades de uso sustentável), em contraposição às unidades de uso indireto
(ou de proteção integral), entre as quais se destacam as reservas e os
parques.
Enquanto as unidades de uso indireto são criadas para atender objetivos
não-exploratórios – tais como recreação, pesquisa científica e, em especial,
conservação biológica -, as unidades de uso direto são criadas com fins
explicitamente exploratórias. Reservas extrativistas, em particular, podem ser
descritas como unidades de uso direto, nas quais populações humanas ditas
tradicionais e, previamente estabelecidas nas áreas ou ―neotradicionais‖ vivem
dentro de seus limites, explorando ou mesmo cultivando recursos locais
(madeiras, frutos, animais de caça e pesca etc.).
Portanto, a eficiência das Reservas Extrativistas, como uma alternativa
realista para a conservação ambiental e o atendimento das demandas sócio-
econômicas das populações tradicionais, implica em que estas sejam
ecológica, econômica e sócio-institucionalmente viáveis.
Reserva Extrativista de domínio mínimo é uma área utilizada por
populações tradicionais, cuja sobrevivência baseia-se no extrativismo e,
complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de
pequeno porte. Tem como objetivos básicos proteger os meios da vida e a
cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade, tradicionalmente utilizados pela população extrativista
residente na área de sua abrangência.
A conceituação de Reserva extrativista surgiu a partir das reivindicações
dos movimentos sociais Amazônicos, que sentiram a necessidade de terem
seus espaços territoriais reconhecidos, a este respeito Andrade (1989),
escreve:
O conceito de Reserva Extrativista (RESEX) surgiu entre os anos 1985 e 1988, a partir dos habitantes da Amazônia, através do Conselho Nacional de Seringueiros, que o propôs como um sistema inovador de direito de propriedade e uso da terra como alternativa de conservação e desenvolvimento sustentável (Allegretti, 1990). Esta proposta foi o resultado de um movimento social de moradores florestais organizados, combinando um regime de manejo e de direitos de propriedade na Amazônia brasileira (Silberling, 1991). O território das RESEX constitui propriedade da União (sob jurisdição do IBAMA), através de um regime de concessão de uso da terra associado a regras de conservação e a mecanismos que asseguram o cumprimento de regras (Almeida, 1990b). Em suma, a idéia de RESEX consiste na combinação de um regime de propriedade assentado na atribuição de direitos de uso à coletividades tradicionais, com um regime de gestão baseado na regulamentação dos direitos de uso através de planos de manejo e regulamentos de uso (Almeida, 1994). (apud ANDRADE, 1989).
As primeiras reservas extrativistas surgiram no Acre, em 1990,
envolvendo grupos de seringueiros e castanheiros, com o objetivo declarado de
tentar conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação biológica.
Desde então, várias outras reservas extrativistas foram criadas, tanto pela
União como pelos estados. No entanto existe uma contrapartida para as
populações tradicionais que habitam tais unidades de conservação.
No momento em que o Poder Público reconhece o direito da população tradicional à sua terra, dentro de uma área protegida, está afirmando também que aquele grupo social tem uma finalidade de relevante interesse público a cumprir, finalidade essa que estará inscrita no ato de criação da unidade, em contratos que se estabelecerão entre o órgão público e a população beneficiada, nos quais constarão as formas de uso e manejo dos recursos naturais, que não
poderão contrariar os objetivos do ato que criou a área ambiental. (BENATTI, 1998).
Como subcategoria das reservas extrativistas, as Reservas Extrativistas
Marinhas (REM) estão abrangidas pela definição do artigo 18 do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (lei n. 9985 de
18/06/2000), que as define como:
Área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
Dessa forma, podemos notar que existe uma diferenciação legal sobre
as Reservas Extrativista, no nosso caso estaremos trabalhando com uma
subcategoria, as reservas marinhas.
Já o extrativismo pode ser definido como um modo de obter recursos
(alimentos e matérias-primas, por exemplo) por meios ou circunstâncias tais
que dispensem as atividades e os custos do cultivo prévio. Nesse sentido, o
lema geral do extrativismo bem poderia ser ―colhendo sem plantar‖; em
contrastes, por exemplo, com o famoso monte da agricultura moderna, ―colhe-
se o que se planta. No Brasil, o extrativismo foi institucionalizado como
instrumento de política ambiental em 1989 e, desde então, as chamadas
reservas extrativistas passaram a serem tutelas como unidades de
conservação.
No que se refere à política publicas direcionadas para as reservas
extrativistas, Simonian (2000), apresenta a possibilidade de configuração de
três abordagens:
Uma abordagem que articula a relação entre seres humanos e a natureza que pode ser mitificada (Basic, 1978; Posey, 1996; Shiva, 1993; Yanomami, 1989) e/ou mesmo traduzida em
símbolos. A outra tendência sustenta-se na teoria econômica clássica (Ricardo, 1863; Smith, [1814] 1835-1839), que por sua vez viabiliza o manejo negativo dos recursos naturais, mesmo os das áreas de reservas, ou seja, realiza-se ante a persistência dos processos de ―acumulação primitiva do capital‖ (Marx, [1867] 1975). (...) Em face da disseminação do manejo negativo, surgem propostas e reflexões que formam uma terceira abordagem em torno do desenvolvimento sustentável, a qual, apesar da existência de divergências, implica a possibilidade de sustentabilidade ecológica e social. Apesar de alguns avanços, as políticas públicas têm sido negativas quanto à sustentabilidade dos recursos naturais, à eficácia econômica e aos interesses sociais, em especial os das áreas de reserva. (SIMOMIAN, 2000, p. 10).
Dessa forma, em seu estudo apregoa-se que apesar dessas
possibilidades de abordagens, ultimamente, Estado, sociedade e instituições
internacionais têm se articulado com vistas à produção de mudanças nas
políticas públicas voltadas para estes recursos, para um manejo positivo e para
o respeito aos interesses das populações tradicionais.
1.2 – POPULAÇÕES TRADICIONAIS
Quanto à definição sobre populações tradicionais podemos defini-las, a
luz dos autores, (BENETTI (1998), LIMA (2005) como:
Categoria mais designativa que conceitual, a fim de operacionalizar a identificação de atores, valorizar papéis e orientar política (Lima,1997; Almeida, s.d; Simonian, 1995). Não se refere a um modelo teórico definido; trata-se de uma denominação geral para um objeto empírico que se caracteriza pela singularidade. Ao ser atribuído a uma população humana, esta categoria delineia perfis de territorialidade, etnicidade e espiritualidade. (LIMA, 2000, p.85). Representam etnias, grupos sociais que construíram sua territorialidade em um meio ambiente específico, por isso é um pressuposto condicional levar em consideração a forma peculiar de apossamento da terra dessas populações, assim como sua forma especial de utilizar os recursos naturais; assegurando deste modo, o seu modo de fazer e viver em comunidade e a sua identidade cultural. (BENATTI, 1998, p. 38).
Como podemos notar tais definições ainda hoje não se tem um conceito
único e definido sobre populações tradicionais, dependendo da ótica da
abordagem se tem um determinado perfil.
Sendo assim, tenta-se fazer uma revalorização dos saberes acumulados
pela herança da tradição e operacionalizá-los no lócus de abrangência da
reserva extrativista, com fim de sua manutenção, pois se entende que tal ação
tem baixo impacto ambiental e, conseqüentemente uma forma equilibrada de
relação homem/natureza.
A este respeito Giansanti (1998), afirma:
Em geral, esses grupos são associados a modos não capitalistas de produção e reprodução de sua existência, com atividades econômicas apoiadas essencialmente no extrativismo e na agropecuária, empregando tecnologias simples – de baixo impacto ambiental – e reduzida divisão técnica e social do trabalho. (GIANSANTI, 1998, p.32).
Isto não significa dizer que estes grupos tradicionais estão alocados
exclusivamente em sociedades simples e rurais, posto que presente em outros
contextos do meio urbano-industrial. Assim a designação populações
tradicionais implica presença da fronteira tradicionalismo/modernidade, isto é,
tradicionalismo e modernidade coexistem em muitas situações sociais.
O fato é que para se encontrar uma definição que sirva de parâmetro
para o que são populações tradicionais, deve ser balizada sob uma ótica social
onde essa classe está inserida, como afirma Forline & Furtado (2002):
Para resolver a questão de definir populações tradicionais é importante propor um caminho que privilegia as realidades socioculturais e suas respectivas complexidades, isto é, trabalhar com a noção de casos limite ou situações polares da fronteira tradicionalismo-modernidade, que no mundo contemporâneo permeia distintos grupos humanos, sejam indígenas, camponeses ou urbanos, em diferentes níveis. (FORLINE & FURTADO, 2002, p.18).
Finalmente, dentro dessa lógica, poderíamos enquadrar vários grupos
na Amazônia, recheada de diversidades onde coexistem traços tradicionais e
modernos num mesmo lugar.
1.3 – SABERES DA TRADIÇÃO
Tentar encontrar um eixo útil que leve em consideração os saberes da
tradição e sua aplicabilidade na sociedade pós-moderna, parecem ser a missão
a ser perseguida por esta sociedade, como forma de resposta às problemáticas
ambientais, resguardado suas devidas peculiaridades.
A noção de ―saberes tradicionais‖ mantém relações entre questões
aparentemente muito distantes entre si como os desastres naturais, a
propriedade intelectual, a conservação do patrimônio cultural e natural, a
elaboração de planos de estudos, a erradicação da pobreza e a gestão da
biodiversidade.
No prefácio da obra de Silva (2007), Ceiça Almeida fala a respeito de
saberes, diferindo-o de conhecimento:
E a sabedoria? Todos os que transformam informação em conhecimento constroem sabedoria? Não! Sabedoria não é o mesmo que conhecimento. O século 21 tem sido chamado de século da informação e fala-se muito hoje em sociedade do conhecimento. Vivemos, é verdade, em meio a um bombardeio de informações, consolidamos muito conhecimento, mas temos à nossa disposição um banco de sabedoria? Pode até ser que sabedoria seja um tipo, uma forma especial ou um determinado modo de ser do conhecimento, mas nem todo conhecimento se expressa ou se expande numa sabedoria. Ela parece ser mais um jeito de viver e sentir do pensamento; uma maneira de falar do mundo que associa simplicidade e sentimento de parentesco, coragem e afeto, vontade de verdade e consciência da incompletude e do erro. Sendo maior, mais plena, mais essencial e duradoura, a sabedoria não se reduz a um conjunto de conhecimentos. (...) O conhecimento se transforma, porém a sabedoria fica porque falo do essencial e permanente que se desdobra nos fenômenos, no particular, no fugaz, no instantâneo. (ALMEIDA in SILVA, 2007).
Portanto, denota-se que conhecimento é o desvelar o desconhecido,
descobrir o novo, enquanto que saberes são as ações herdadas e colocadas
em prática é o relacionamento intimo com a teia dos conhecimentos, portanto
mais abrangente que o conhecimento que se fragmenta.
Diegues (1994) chama atenção para a unicidade que vê nas sociedades
tradicionais, entre as técnicas de produção e o capo do simbólico. Procura
demonstrar isso na relação que percebe entre a atribuição de tempo de pescar,
de caçar e de plantar e os mitos ancestrais em sociedades indígenas, como os
caiçaras do litoral sul do país e os ribeirinhos amazonenses.
Em toda orla costeira do nordeste paraense e nos seus estuários, pescadores de peixe e camarão, ou tiradores de caranguejo, apóiam-se nos saberes sobre o tempo, as marés, os estoques e cardumes, as fases da lua e a ação das chuvas, para explicar seus processos de trabalho, a lógica de suas técnicas e captura e a invenção de sua vida social. (CASTRO, 1999, p.36).
Dessa forma, os saberes tradicionais são vistos como o conjunto
acumulado e dinâmico do saber teórico, a experiência prática e as
representações que possuem os povos com vasta história de interação com
seu meio natural. A propriedade desses conhecimentos, que estão
estreitamente vinculados à linguagem, às relações sociais, à espiritualidade e à
visão de mundo, é geralmente mantida coletivamente. Com demasiada
freqüência, se considera os saberes tradicionais de forma um tanto simplista,
como pálido reflexo dos saberes predominantes, e mais concretamente do
saber científico. Um elemento de referência de notável interesse no plano
internacional é o interesse pela Convenção sobre a Diversidade Biológica. O
item j do Artigo 8 desta Convenção é de transcendência considerável, já que
afirma que ―cada Parte-Contratante ―respeitará, preservará e manterá os
conhecimentos, as inovações e as práticas das comunidades indígenas e
locais que possuem estilos tradicionais de vida pertinentes para a conservação
e a utilização sustentável da diversidade biológica‖ (Brasil, 1992).
Infelizmente o modo moderno de relacionamento do homem com o meio
é algo que deve ser revisto, sob pena de em pouco tempo, não haver mais
possibilidade de ser manter vida em nosso planeta. Alternativas que levam em
consideração os modos operantes das populações tradicionais parecem
apontar como soluções viáveis, ou seja, é necessário que se encontre novas
alternativas que superem ou mesclem-se com o estilo de vida da atualidade.
A partir da revitalização dos benefícios do crescimento urbano industrial é possível apreender a persistência e relevância de outros modos de vida, assim como de mecanismos adaptativos e cognitivos de outras sociedades (Roué, 1997). Neste sentido formula-se a noção de ―populações tradicionais‖ como categoria mais designativa que conceitual, a fim de operacionalizar a identificação de atores e valorizar papéis e orientar políticas (Lima, 1997; Almeida, s.d.; Simonian, 1995). (...) Ao ser atribuída a uma população humana, esta categoria delineia perfis de territorialidade, etnicidade e espiritualidade. (LIMA apud COELHO, 2000)
Portanto, falar de populações tradicionais e se falar em conceitos que
extrapolam mais que uma simples terminologia envolve muitas noções
fundamentais. As comunidades locais não podem mais ser vistas como
receptoras passivas da ajuda ao desenvolvimento. Elas possuem rico acervo
de conhecimentos específicos sobre o meio natural, assim como visão própria
da forma como se deve efetuar sua gestão. Quando os cientistas e os
responsáveis pela administração dos recursos naturais ignoram esse acervo e
essa visão, os esforços realizados para conservar os ecossistemas locais
podem fracassar e os meios de subsistência que proporcionam podem ser
destruídos.
Quando nos referimos à questão dos saberes tradicionais e sua
efetivação nas práticas de relação homem/natureza e seus correlatos para a
manutenção de espaços geográficos de forma equilibrada, Moraes (2007), nos
relata que as ações produtivas levam em consideração mais que uma grande
teia de conhecimentos, ultrapassando inclusive as questões míticas,
exemplifica tais ações ao observar os saberes que são empregados na pesca,
realizada no Estado do Pará e no Estado do Rio Grande do Norte e identifica
três tipos de domínios:
Domínio da inferência – permite aos pescadores inferir sobre a quantidade e espécie de peixes de determinada região; domínio da interferência – há uma intervenção no meio aquático, objetivando capturar maior quantidade de pescado; e domínio de precaução – trata-se de medidas preventivas ou mesmo crenças em forças sobrenaturais que possam prejudicar as pescarias; para tanto, alguns procedimentos são adotados para evitar avarias. (MORAES, 2007, p. 131).
Essa articulação de saberes culturais permite aos diversos habitantes de
áreas destinadas às populações tradicionais uma relação harmônica com a
natureza, a partir de experiência acumuladas ao longo da vida, demonstrando
um saber empírico que concebe a natureza como uma grande mãe provedora,
que deve ser respeitada, para que assim suas dádivas sejam merecidas.
Os exemplos que as populações tradicionais dão a sociedade de modo
geral reafirmam a necessidade de diálogo constante com todos os segmentos
sociais e, principalmente a superação de visão científica e racional de
relacionamento com a natureza, a este respeito Edgar Morin (2001), propõe:
Um diálogo recorrente entre a sociedade e a natureza e, para tanto, a ciência deveria se despojar de todos os dogmas engendrados em sua evolução histórica. Para este autor, a ciência moderna ocidental sempre se revestiu de um caráter de complexidade, ―mesmo quando tinha por objetivo único revelar as leis simples que governam o universo e a matéria de que ele é constituído‖ (MORIN, 2001, p. 8). Nessa fase, a ciência ―só vivia em e por uma dialógica de complementaridade e de antagonismo entre empirismo e racionalismo, imaginação e verificação‖. O autor também reafirma a complexidade da ciência em função de sua inseparabilidade com seu contexto histórico e social, revelada, por exemplo, pela sua emergência ―na efervescência cultural da Renascença, na efervescência econômica, política e social do Ocidente europeu dos séculos XVI e XVII‖ (MORIN , 2001, p. 9).
Dessa forma, este autor, entende que todas as formas de
conhecimentos são válidas, mas principalmente aqueles que levam em sua
essência a articulação de todos os saberes, tornando-se uma grande teia na
qual todos se interligam e interagem e principalmente, rearticulando-se os
saberes.
1.4 – IMPLEMENTAÇÃO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS
No que se refere à criação das Reservas Extrativistas no Brasil, estas
trazem em sua essência a marca do desenvolvimento sustentável, pois os
integrantes que habitam tais áreas devem ter essa preocupação. Sobre
desenvolvimento sustentável se entende:
É o processo político, participativo que integra a sustentabilidade econômica, ambiental, espacial, social e
cultural, sejam elas coletivas ou individuais, tendo em vista o alcance e a manutenção da qualidade de vida, seja nos momentos de disponibilização de recursos, seja nos períodos de escassez, tendo como perspectivas a cooperação e a solidariedade entre os povos e as gerações. (SILVA, 2006, 132).
Quanto à conceituação de sustentabilidade Silva (2006), escreve:
O conceito foi introduzido no início da década de 1980 por Lester Brown, fundador do Wordwatch Institute, que definiu comunidade sustentável como a que é capaz de satisfazer às próprias necessidades sem reduzir as oportunidades das gerações futuras. (CAPRA in TRIGUEIRO, 2005, 19). É a propriedade de um processo que, além de continuar a existir no tempo, revela-se capaz de: (a) manter padrão positivo de qualidade, (b) apresentar, no menor espaço de tempo possível, autonomia de manutenção (contar com suas próprias forças), (c) pertencer simbioticamente a uma rede de coadjuvantes também sustentáveis e (d) promover a dissipação de estratégias e resultados, em detrimento de qualquer tipo de concentração e/ou centralidade, tendo em vista a harmonia das relações sociedade-natureza. (SILVA, 2006, p. 132).
Nesse sentido, foi configurado a Reserva Extrativista (Resex) Caeté-
Taperaçú, no município de Bragança/PA, pelo Decreto no 4.340, de 20 de maio
de 20053. Na área de sua abrangência habitam as comunidades de Acarajó,
Bacuriteua, Tamatateua, Treme, Vila do Bonifácio e Vila de Ajuruteua, que
desenvolvem pesca de peixes e crustáceos, englobando ainda os manguezais
dos rios Caeté, Furo Grande e desembocadura do rio Taperaçú.
3 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. DECRETO DE 20 DE MAIO DE 2005. Dispõe sobre a
criação da Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçú, no Município de Bragança,
no Estado do Pará , Diário Oficial da União de 23.5.2005.
CAPÍTULO II – A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O DIÁLOGO DE SABERES
À medida que o homem foi se distanciando da natureza e passou a
encará-la como uma gama de recursos naturais disponíveis a serem
transformados em bens consumíveis, começaram a surgir problemas
socioambientais e a ameaça da sobrevivência no nosso planeta. A Educação
Ambiental surgiu então como uma necessidade de mudança na forma de
encarar o papel do homem no mundo, uma vez que parte da sensibilização
para conscientizar os indivíduos sobre suas atitudes em relação ao meio em
que vivem.
Para que se possa compreender a Educação Ambiental em um contexto
mais amplo, que englobe o seu caráter não só biológico e social, mas cultural,
político e histórico, é necessário primeiramente entendermos as relações da
natureza com o homem e a sociedade, uma vez que essas relações indicam
caminhos diferentes para pensar a educação ambiental.
A compreensão dessas relações implica no entendimento de
representações diferenciadas acerca do meio ambiente, que se caracterizam,
segundo TOZONI-REIS (2004), por ―três concepções distintas e tendenciais da
relação homem-natureza: aquelas que consideram pressuposto básico o
sujeito natural, o sujeito cognoscente ou o sujeito histórico‖ (p.33). A primeira
concepção diz respeito às idéias de que o homem deve se submeter às leis da
natureza, uma vez que ele é apenas mais um elemento presente nela.
Percebe-se que esta é uma visão bastante romantizada, idílica, onde para se
voltar ao equilíbrio ambiental deve-se voltar ao equilíbrio natural; o homem é
um perturbador, dominador da natureza. A humanidade domestica, domina e
se apropria de seus recursos; qualquer intervenção humana é intrinsecamente
negativa, sendo que todas as vezes que o homem se volta para a natureza tem
a intenção de tirar algum proveito em seu próprio benefício. Essa
representação se caracteriza como o sujeito natural, e em muitas ciências,
ainda hoje, prevalece esse pensamento. Essa representação se caracteriza
como o sujeito natural, e em muitas ciências, ainda hoje, prevalece esse
pensamento.
Na representação do sujeito cognoscente, aponta-se a falta de
conhecimentos sobre as leis da natureza como sendo a causadora dos
problemas ambientais. Aqui a natureza não é intocável, mas deve ser usada
racionalmente, e, portanto, a degradação ambiental pode ser amenizada pelo
avanço dos conhecimentos técnico-científicos adquiridos pelo homem. O
conhecimento é o mediador da relação homem-natureza e deve ser transmitido
através da educação, e a partir dessa conscientização garantir que o homem
haja como fiscalizador da natureza. É uma representação que percebe essa
mediação como mecânica, ou seja, basta conhecer para preservar, ―saber usar
(conhecimentos técnicos e científicos), para poder usar mais e sempre, mas
sempre usar‖ (TOZONI-REIS, 2004, p.34). O conhecimento sobre a natureza é
fundamental, mas essa tendência nega a forma do uso desse conhecimento
pelos diferentes indivíduos, que muitas vezes utilizam esses saberes para
poderem se aproveitar mais dos recursos naturais.
A terceira tendência vê a relação homem-natureza construída a partir
das relações sociais, portanto histórica e social, conceituada como uma relação
não mais entre o homem e a natureza, mas entre a sociedade e a natureza.
Nessa relação sociedade-natureza a história e a cultura são mediadoras,
e as conseqüências das ações do homem são historicamente determinadas.
Nessa concepção, denominada sujeito social, os determinantes dos problemas
ambientais são a política e a economia, e a cultura capitalista tem papel
fundamental no processo de degradação do meio ambiente, uma vez que esse
modelo econômico produz cada vez mais necessidades (ou desejos?) e,
conseqüentemente, mais meios para satisfazê-las, utilizando os recursos
naturais. A conscientização ambiental entra aqui como um processo de
reflexão histórica, articulando conhecimentos e valores para a transformação
da relação homem-natureza sociedade.
O meio ambiente se gera e se constrói no processo histórico das inter-
relações entre sociedade e natureza, portanto a compreensão dessas relações
deve ser mediada pelos estilos de desenvolvimento vigentes. A mentalidade
consumidora gerada pelo modelo econômico vigente é, nessa concepção, a
causa imediata dos problemas ambientais, uma vez que o que se valoriza não
é o ―ser‖, mas o ―ter‖. Produz-se nos indivíduos o espírito consumista, onde a
prioridade é adquirir coisas desnecessárias, sem que haja a real necessidade.
A separação entre o homem e a natureza reflete-se em toda produção
humana, em particular no conhecimento produzido pelo modelo de
desenvolvimento da nossa sociedade. A fragmentação do saber, ou seja, as
especializações do conhecimento aprofundaram a compreensão das partes.
Mas o meio ambiente é em primeiro lugar uma unidade que precisa ser
compreendida inteira, e é através de um conhecimento interdisciplinar, que
possibilite uma visão holística da realidade, que poderemos assimilar
plenamente o equilíbrio dinâmico do ambiente em que se vive.
A interdisciplinaridade tem sido apontada como exigência da Educação
Ambiental, também sendo apresentada como uma perspectiva de abordagem
importante para o enriquecimento da compreensão da dinâmica homem
natureza pressupondo o diálogo entre os diversos saberes. A educação
ambiental coloca a necessidade de ampliar o diálogo entre o homem e a
natureza e dos homens entre si, e, além disso, uma prática dos conhecimentos
das ciências e a integração de um conjunto de saberes não acadêmicos. É
preciso, para LEFF (2001), um novo diálogo que englobe a tradição e a
modernidade, implicando um processo de hibridação cultural, onde se
valorizem saberes populares produzidos por diferentes culturas.
2.1 - OS SABERES TRADICIONAIS DOS COLETORES DE CARANGUEJOS
O conhecimento tradicional dos coletores artesanais, centrando-os
especialmente em seus aspectos socioambientais. Em primeiro lugar, é
necessário que se faça uma descrição destes coletores, destacando-os em
suas características mais essenciais e que os diferenciam dos outros tipos de
trabalhadores.
Os coletores de caranguejos estão incluídos na categoria de pescadores
artesanais e dessa maneira se caracterizam, principalmente, pela simplicidade
da tecnologia e pelo baixo custo da produção, produzindo com equipes de
trabalho formadas por relações de parentesco e compadrio. A produção é em
parte consumida pela família e em parte comercializada, sendo a coleta
baseada em conhecimentos transmitidos ao coletor por seus ancestrais, pelos
mais velhos da comunidade, ou que este tenha adquirido pela interação com os
companheiros do ofício. (MALDONADO, 1986).
Para DIEGUES (1995), os pescadores artesanais possuem percepções
e representações em relação ao mundo natural marcadas pela idéia de
associação com a natureza e dependência de seus ciclos. Estão associados a
modos de produção pré-capitalistas, próprios de sociedades em que o trabalho
ainda não se tornou mercadoria, onde há uma grande dependência dos
recursos naturais e dos ciclos da natureza, em que a dependência do mercado
já existe, mas não é total.
A utilização do manguezal exige um domínio muito amplo de
conhecimentos variados e especializados sobre o meio ambiente, construídos
com base em dados empíricos que provêm de uma tentativa contínua da
atividade coletora. Esses conhecimentos permitem ao coletor se reproduzir
enquanto tal, através da ação, onde experimentam, contrastam, atualizam e
aprendem novos saberes no meio em que atuam, que vão servir para confirmar
ou modificar algumas crenças, possibilitando um contínuo aprendizado.
Ao caracterizar ao enquadrar os coletores de caranguejos na condição
de pescadores artesanais, diz que o ponto que o define não se resume ao ato
de viver da coleta, mas em dominar plenamente os meios de produção de sua
coleta, ou seja, possuem ―controle de como coletar e do que coletar, em suma,
o controle da arte da coleta‖.
Aprende-se com os ―mais velhos‖ e com a própria experiência. O
domínio do saber-fazer é que forma o cerne da profissão do coletor, e esse
saber-fazer se configuram na figura do ―experiente‖, onde estão depositados os
segredos do manguezal (DIEGUES, 1995). A necessidade de transmitir esse
conhecimento ao longo das gerações é a medida de confiança nele depositado.
Muitos coletores de caranguejos podem ser considerados, por outros da
mesma profissão, como artistas do mangue, mas os mais velhos são os que
conseguem ser o guardião da tradição.
A coleta artesanal, nesta perspectiva, se torna uma arte, mas uma arte
diferenciada dos outros trabalhos artesanais, como DIEGUES (1983) coloca:
Podemos dizer que no caso da coleta, o domínio da arte exige um período de
experiência mais longo que nas outras formas de artesanato. Se compararmos
o pescador artesanal a um artesão de móveis, constatamos algumas
diferenças importantes. Este adapta seus instrumentos de trabalho a uma
matéria-prima relativamente homogênea: a madeira. Já o pescador artesanal é
obrigado a dominar o manejo de diferentes instrumentos de capturas utilizados
para diferentes espécies, num meio em contínua mudança (p.198). O mesmo
podemos aplicar ao coletor de caranguejos.
Desse modo, sua habilidade e talento circunscrevem-se em seu
conhecimento e na utilização dos seus instrumentos de trabalho em momentos
precisos. Mas, o objeto da ação do seu trabalho, diferente de um artesão, não
é estático, exigindo um saber-fazer sobre um meio em constante movimento e
transformação. Na compreensão de DIEGUES (1983), ―o importante não é
conhecer um ou outro aspecto, mas saber relacionar os fenômenos naturais e
tomar as decisões relativas às capturas‖ (p.199).
Nesse contexto, a tradição é interpretada como algo em movimento, um
conhecimento inveterado passado de geração a geração. O saber tradicional
dos coletores de caranguejos é cumulativo, ou seja, produzido por gerações
sucessivas e evoluindo a cada passagem; é empírico, pois se confronta com o
teste da experiência diária, com a ―ida‖ ao mangue, e é dinâmico, uma vez que
se transforma em função das mudanças socioeconômicas, tecnológicas e
físicas.
Devido à vida que levam do conhecimento acumulado e da educação
que receberam desde pequenos, os coletores de caranguejos conhecem
também os limites da coleta de acordo com o ritmo da natureza, tendo, na
maioria das vezes, como condição de sua reprodução a manutenção do
equilíbrio ambiental.
Os saberes tradicionais são muitas vezes desvalorizados também pela
comunidade científica, por estarem localizados, segundo ALLUT (2000), na
parte mais baixa da ―árvore do saber‖, no que diz respeito à formação que os
coletores possuem. Nesse pensamento, os coletores não podem gerar
conhecimento confiável porque não receberam a instrução necessária para
isso, ou seja, não freqüentaram escolas, nem universidades para o ensino
dessas habilidades. Então não é possível que esses saberes tenham valor de
verdade, uma vez que não derivam do método científico.
Os saberes, nesse contexto, são vistos como insuficientes, pois foram
construídos com base em um empirismo ingênuo, resultante somente de
percepções causais elaboradas sem controle no processo de observação.
Negam a relação secular que os coletores têm com o ambiente marítimo; todo
o rico e detalhado conhecimento acumulado ao longo de várias gerações. Para
CASTRO (2000), esses conhecimentos devem sim serem priorizados,
objetivando valorizar os recursos naturais para poderem controlar e racionalizar
seus usos sob padrões ocidentais de sustentabilidade. Cada um em seu âmbito
busca objetivo semelhante: oferecer um certo controle da natureza, no primeiro
caso na forma de explicações causais, marcados por teorias complexas de
médio e longo alcance e, no segundo caso, recorrendo a outras estratégias
explicativas que necessitam de interpretação rápida a fim de possibilitar a
tomada de decisões objetivas e pontuais. (ALLUT, 2000).
CAPÍTULO III: UM “OLHAR” SOBRE A RESERVA EXTRATIVISTA –
CAETÉ –TAPERAÇU
3.1 – DESCREVENDO O LOCAL DA PESQUISA
A Comunidade de Acarajó fica localizada na zona rural do município de
Bragança, distante da sede cerca de 6 km, fazendo divisa ao norte com a
Comunidade de Bacuriteua, a leste com o Rio caeté, a oeste com as Vilas de
Maçarico e Taperaçu-Campo e a sul com a Vila do Abacateiro. (IBGE, 2009).
Figura 2 – Mapa de localização da Comunidade de Acarajó
Fonte: ZMT-MADAM (1998)
Em 2002 a população da Vila era estimada em torno de 2.138
habitantes, com 428 casas; desses, 76% são naturais do lugar e 24% vindos
da própria região. O acesso feito por via terrestre, facilitado pela rodovia
Bragança – Ajuruteua (PA-458), mas antigamente o acesso era feito a pé, ou
de canoa. Atualmente a Vila possui em torno de 2.700 habitantes (IBGE, 2009),
com um grande número de tiradores de caranguejo, em to rno de 300 homens
adultos (SANTOS 1996); (DRUDE, 2003).
A Vila de Acarajó fica inserida na Resex Caeté-Taperaçú existindo uma
certa contradição entre o discurso dos tiradores de caranguejos da
Comunidade de Acarajó e a Reserva extrativista, pois eles se re ferem aos
terrenos como particular, ignorando, ou desconhecendo a implantação da
Reserva criada em 20 de maio de 2005, através do Decreto Lei de nº 4.340, de
22 de agosto de 2002, artigo 84, Inciso IV da Constituição Federal, que
abrange uma área de aproximadamente quarenta e dois mil, sessenta e oito
(42.078) hectares. Localizada na divisa entre os Municípios de Augusto Corrêa
e Bragança, segue pelo rio Caeté, passa pelo Igarapé do Raimundo e segue
pelo limite da zona terrestre do manguezal e rio Maniteua. Sobre a divisa dos
Municípios de Bragança e Tracuateua, segue a montante pelo furo da Estiva
com o furo Maguari, até a sua foz no Oceano Atlântico, ao longo da costa da
localidade Ajuruteua, pela margem direita do furo do Chavascal, perfazendo o
perímetro da rodovia PA 458, que interliga a sede do Município de Bragança à
localidade de Ajuruteua, no Estado do Pará, que inclui a Vila do Acarajó.
A Resex criada com o objetivo de proteger os meios de vida e garantir o
uso e conservação dos recursos naturais renováveis, tradicionalmente
utilizados pela população extrativista residente na área de sua abrangência.
Cabe ao IBAMA administrar esta Resex e adotar medidas necessárias para a
sua implantação e controle, como a execução de desapropriações e contratos
de cessão de uso gratuito.
3.2 - O USO DO ECOSSISTEMA MANGUEZAL
O manguezal é um dos mais importantes ecossistemas da costa
brasileira, constituindo uma fonte essencial de vários recursos, tais como
madeira, remédio, tinturas, peixes, crustáceos e moluscos.
Manguezal é um ecossistema costeiro da zona intertropical do planeta que costuma se desenvolver entre a terra e a água, entre a
água doce e a água salgada, mantendo sua integridade e coerência. Apresentando unidade ecológica, ele não pode ser considerado um ecótono, ou seja, ambiente de transição entre outros. Ecossistema de
alta produtividade biológica, ele cumpre quatro funções ecológicas básicas. 1- Suas árvores ajudam a conter a erosão hídrica e eólica costeira. Ele funciona como fixador de terras, aplacando a força
erosiva dos rios e dos movimentos marinhos bem como a das tempestades e dos ventos. 2- É ambiente extremamente favorável à reprodução de incontáveis espécies de água doce e salgada, além
daquelas que vivem exclusivamente no seu interior, onde a água, via de regra, é salobra. Abriga também animais terrestres e alados em sua fase de acasalamento e reprodução. Em seu interior, criam -se
condições apropriadas de proteção e de alimentação para espécies animais procriarem. 3- Sua constituição torna-o excelente local protetor de animais na fase jovem. Ao atingirem estados de
desenvolvimento para habitarem seus ambientes nativos, podem elas, então, migrarem para o mar, subirem os rios, saírem para outros ecossistemas ou continuarem no manguezal. Há espécies vegetais e
animais exclusivos do manguezal, chamadas residentes, como as plantas dos gêneros Rhizophora, Avicennia e Laguncularia, e como o caranguejo-uçá (Ucides cordatus). Há também as espécies semi-
residentes e visitantes. 4- É produtor e exportador de alimentos para o mar, sobretudo pelos movimentos das marés. Esta produtividade elevada atraiu, desde o Paleolítico, grupos humanos que, em grande
medida, passaram a depender dele como fonte de alimento. (SOFFIATI, 2000, p. 03).
O litoral do Brasil, possui aproximadamente vinte mil quilômetros
quadrados, de área, desde da foz do rio Oiapoque, no estado Amapá (4°30’
latitude Norte), até o município de Laguna em Santa Catarina (28°30’ lati tude
Sul). Nesta extensa área encontra-se uma estreita faixa de floresta
denominada Manguezal (Figura 1), formada por um reduzido universo de
espécies arbóreas, que se desenvolvem geralmente nas zonas, de estuário, e
foz dos rios, onde encontra o ambiente propício a suas necessidades
ambientais, ou seja, água salobra, e proteção contra a ação física das ondas
(ALVES, 2001).
Os ecossistemas de manguezal têm sofrido ao longo dos anos, com um
acentuado processo de antropização4, principalmente por ter sido associado a
doenças como a febre amarela e a malaria, e neste ínterim a palavra mangue
passou a conotar, desordem, sujeira, local não saneado. Conceito que levou a
4 Antropização: significa processo de transformação da natureza pela ação humana.
crença que sua aparência inóspita, deveria ser transformada, e o progresso do
litoral passaram a se traduzir em praias limpas, aterros saneados, e portos
confinados por concreto. Desta forma, a revelia da importância real deste
ecossistema para economia natural, e para a subsistência das comunidades
adjacentes, e tendo em vista o enfoque equivocado que se cristalizou, as áreas
de manguezal foram ocupadas por portos, balneários, e rodovias (DOV POR,
2007).
Figura 2 – Distribuição dos manguezais no litoral brasileiro
Fonte: Alves (2001)
Desde tempos remotos, a abundância de alimentos existente nas
florestas de mangue já atraía grupamentos humanos que viviam próximos ao
litoral, o que pode ser comprovado pela existência de sambaquis em áreas
costeiras do Brasil, que, segundo Simões (1981), i lustram os recursos
alimentares que os ―primitivos‖ habitantes do litoral aí encontraram para a sua
subsistência: ostras, mexilhões, siris, caranguejos, peixes, além de répteis,
mamíferos e aves.
Os manguezais brasileiros, a exemplo do que ocorreu em outros países,
foram utilizados pelas populações indígenas antes da chegada dos
colonizadores, como testemunham as acumulações de ostras encontradas em
sambaquis e retiradas das raízes do mangue.
Durante o período colonial, além de fonte de alimento (peixes e
crustáceos), o mangue era utilizado para a produção de madeira para lenha,
tanino para curtir, etc. No século XVIII, a extração da madeira do mangue era
tão intensa, particularmente no Nordeste, que o Rei Don José teve que proibir,
por decreto (10/07/1760), o corte para preservar a vegetação para a extração
de tanino para curtir o couro.
Até as primeiras décadas do século XX, os setores do mangue eram
explorados de maneira pouco intensa pela pesca, pela construção de viveiros
(aqüicultura extensiva) na zona do estuário, pela pesca desportiva, pela
retirada de caiçaras (ramos de mangues uti lizados para a construção de
habitats para peixes) e pela extração de material para a construção. No
Nordeste, especialmente no Rio Grande do Norte, os mangues começaram a
ser deslocados pelas salinas. A exceção desta última atividade, os mangues
ainda são utilizados pela comunidade de pescadores que dependem deles para
sua sobrevivência (Diegues, 1987).
A partir da década de 50, as áreas estuarinas e de mangues começaram
a ter uma utilização intensa, de caráter industrial e de expansão imobiliária.
Grandes superfícies desta formação foram por estas motivas cortadas, para
facilitar a construção de polígonos mineiro-metalúrgicos e industriais.
Dessa forma, o manguezal pode ser tratado como um recurso renovável,
porém finito, quando se considera a produção natural de mel, ostras,
caranguejos, camarões, siris e mariscos, além das oportunidades
recreacionais, científicas e educacionais.
Por outro lado, o manguezal também pode ser considerado como um
recurso não- renovável, quando o espaço que ele ocupa é substituído por
prédios, atracadouros, residências, portos, marinas, aeroportos, rodovias,
salinas, aqüicultura, etc.
Para as comunidades ribeirinhas que vivem próximas aos manguezais,
os caranguejos representam um dos grupos de maior relevância econômica.
Dentre as espécies capturadas e comercializadas, merecem destaque: os siris
(Callinectes spp) e o caranguejo-uçá (Ucides cordatus). Este último, entretanto,
representa a espécie mais extraída e de maior relevância para a economia
doméstica das comunidades que vivem no entorno dos manguezais paraenses.
De acordo com Blandtt e Glaser (2000), as sociedades humanas e o recurso
caranguejo constituem uma rede estrutural econômica que se envolve em
meios e processos de produção e comercialização, através de práticas
rudimentares de exploração social do homem e ecossistêmica do recurso
caranguejo.
As maiores extensões de manguezal do mundo cobrem cerca de
172.000 km quadrados das costas tropicais. Aproximadamente um quarto
desse total encontra-se no Brasil, que apresenta a mais extensa área de
manguezais com 26.000 km quadrados que representam mais de 15% dos
manguezais do mundo inteiro, seguido pela Indonésia, com 21.000 km
quadrados.
O Brasil é, portanto, o país que tem a maior extensão de manguezal no
mundo, que se estende do extremo litoral norte brasileiro (Oiapoque AP), até
Laguna/SC formando uma verdadeira barreira entre o mar, os campos
alagados e a terra firme. Do sudeste do Maranhão até o Espírito Santo, os
manguezais são mais reduzidos, localizando-se ao longo dos rios e associados
a lagunas, baías e estuários e voltam a ser extensos na Baia da Guanabara,
apesar do intenso processo de degradação que estão sofrendo. Os estados do
Pará e Maranhão possuem quase a metade da área total de manguezais
brasileiros estruturalmente os mais complexos do país. (MANESCHY, 1993).
Somente no estado do Pará, os manguezais ocupam uma área de 4.500 km
quadrados, correspondendo a cerca de 1/5 dos manguezais brasileiros.
No uso social dos manguezais, verificam-se importantes mudanças que
se acentuaram nas três últimas décadas do século XX, sobretudo em razão de
implantação de transportes rodoviários que proporcionaram a intensificação da
tiração do caranguejo, modificando a base econômica dos tiradores e
provocaram investimentos de algumas famílias na captura e beneficiamento
dos caranguejos. Segundo Maneschy (1993), as restrições na oferta de
trabalho e empregos nas cidades têm fornecido um contingente suplementar
nas atividades de extrativismo do caranguejo. São homens e mulheres que
desenvolvem formas de ajustamento ao ecossistema para extrair os meios de
vida dos manguezais, que no estado do Pará constituem-se em grandes áreas.
Os manguezais são áreas de transição entre terra e mar, formando um
complexo ecossistema, típico de regiões tropicais e subtropicais. Abrigam
multiplicidade de espécies animais e vegetais e permitem inúmeras condições
de exploração dos recursos (SCHAEFFER-NOVELLI, 1995). Suas raízes
funcionam como filtros na retenção de sedimentos, constituindo importante
banco genético para a recuperação de áreas degradadas.
Os manguezais desempenham também importante papel como
exportador de matéria orgânica para o estuário, contribuindo para produtividade
primária na zona costeira. É no manguezal que peixes, moluscos e crustáceos
encontram as condições ideais para reprodução e criadouro para várias
espécies, com considerável valor econômico e sociocultural. Os manguezais do
estuário do rio Caeté são responsáveis, segundo Glaser (2005), pela produção
de 95% de alimento que os seres humanos retiram do mar, vital para sua
subsistência.
Devido à riqueza de sua vegetação e dos animais, os manguezais
brasileiros são explorados desde o período colonial o que naquele momento já
era objeto de preocupação por parte de D. José, Rei de Portugal, que proibiu o
corte de árvores de manguezal, utilizado para coloração de velas das
embarcações e da roupa em geral, quando a atividade de tiração de
caranguejo era complemento alimentar da dieta dos índios neste período
(LOUREIRO, 1985);
Dentre as várias categorias de trabalhadores que utilizam o espaço da
Reserva extrativistas marinha, estão os coletores de caranguejo, que se
utilizam da captura artesanal do caranguejo, praticando a atividade econômica
mais importante relacionada ao manguezal de acordo com Paludo e Klonowski
(1999). Estes coletores atuam especificamente dentro de uma faixa litorânea
denominada ―manguezal‖, assim definida por Soffiati (2000) como um
ecossistema costeiro da zona intertropical do planeta que costuma se
desenvolver entre a terra e a água, entre a água doce e a água salgada,
mantendo sua integridade e coerência.
Os coletores de caranguejo utilizam o espaço ―manguezal‖ para tirarem
seus sustentos, sendo a principal fonte de renda para estas populações, como
afirma GLASER (2005):
Mais de oito em dez domic ílios extraem produtos do ecossistema dos mangues ou trabalham em ocupações que dependem dos mangues. 68% dos domicílios vendem produtos do ecossistema dos mangues.
A dependência comercial nos mangues segue uma escala de intensidades, indo desde aqueles que coletam e beneficiam caranguejos do mangue para a venda, cuja dependência é a mais
direta e exclusiva, até os que extraem produtos do mangue apenas quando as suas outras fontes de renda falham, passando pelos que pescam no litoral ou em alto-mar, cuja captura depende da função de berçário do ecossistema dos mangues. (GLASSER, 2005, p. 44 -45).
Dessa maneira, é fácil perceber que existe uma ação direta dos
―moradores do mangue‖, dentro dos sistemas do ecossistema manguezal,
dependendo quase que exclusivamente dos produtos ofertados por esse
ambiente.
Em especial na Vila de Acarajó a condição econômica desfavorável da
maioria dos moradores é a principal força motriz que impulsiona os que
procuram o manguezal exercendo a função de coletor de caranguejo, como
podemos constatar em depoimentos colhidos, quando se foi questionado sobre
o que leva os coletores a escolherem essa profissão.
- É onde eu tiro meu sustento e da minha família
- Não tinha para onde eu ir...era a única profissão que dava prá mim
-Eu sou pobre, né? e o mangue e o local mais fácil de ganhar dinheiro
-Eu casei e precisava sustentar a família, então do mangue era onde
eu podia sobreviver
-É o serviço que tem para ganhar dinheiro, né?
- A falta de emprego e eu precisava ganhar dinheiro e fui para o
mangue
É necessário destacar que as populações de catadores sofrem a
influência de transformações históricas, estando integradas as economias de
mercado e aos sistemas políticos, o que acaba por interferir no modo de vida,
nas formas de exploração do recurso e na riqueza cultural dessas
comunidades. Nordi (1992) ressalta que a situação de extrema carência por
que passam essas comunidades, associada aos fatores que influenciam a
pesca artesanal, como a imprevisibilidade de captura e a incerteza do mercado
podem levar a situações em que as populações não sejam capazes de atuar
em harmonia com a natureza.
3.3 - O QUE DIZEM OS MORADORES DA VILA DO ACARAJÓ SOBRE A
CRIAÇÃO DA RESEX
Entre os vários aspectos jurídicos que dão bases legais para a criação
da Resex está a reestruturação político-geográfica das populações tradicionais
alocadas nas áreas atingidas pela mesma, há por exigência legal, a
preocupação no que se refere à preservação da cultura, da questão ambiental
e dos meios de sobrevivência.
Inclusive no próprio Decreto de criação da reserva Extrativista Marinha
Caeté-Taperaçú no seu Art. 2º, em referência aos saberes tradicionais, este
especifica o seguinte:
A Reserva Extrativista ora criada tem por objetivo proteger os meios de vida e garantir a utilização e a conservação dos recursos naturais
renováveis, tradicionalmente utilizados pela população extrativista residente na área de sua abrangência. (BRASIL, 2005).
Apesar de um parecer jurídico que dá legalidade a Reserva extrativista,
que leva em conta, principalmente, a conservação de seus recursos naturais,
através dos conhecimentos da tradição, esse não é o entendimento das
principais autoridades responsáveis por esta área, pois como afirma o líder dos
moradores da vila de Acarajó, a criação se deu mais para estreitar os laços de
políticas públicas assistencialistas.
A finalidade da Resex dentro da comunidade, né, foi um termo de unir
uma junção[sic] de pessoas em um todo para que a gente pudesse ter a condição de mesmo receber aquilo que no passado nós não
tínhamos do governo, então, através da reserva eu tenho certeza que
a comunidade ela melhorou não 100%, mas melhorou bastante porque fomos beneficiado através da reserva. (João Gama, 28/07/2009)
Diferente do discurso do líder da comunidade está o do presidente da
Resex Caeté-Taperaçú que afirma em seu discurso o seguinte:
A maior finalidade é de fazer do mangue, né? Da nossa
sobrevivência...do mar, era...sustentável, né? Para que a gente possa daí fazer com que é....nós termos, todo tempo, seja farto. Esse objetivo capital do meio ambiente, cuidar dele de forma mais
adequada, tendo regras básicas para que nós pescadores e tiradores de caranguejos sejamos beneficiados com isso né? Isso é um dos maiores objetivos. (Zeca Rocha, 08/08/2009)
Podemos encontrar ainda, nos depoimentos colhidos junto aos coletores
de caranguejo da vila do Acarajó, afirmações que se distanciam da verdadeira
finalidade de criação das Reservas Extrativistas, em especial a Caeté-
Taperaçú, vejamos alguns desses depoimentos obtidos sob a ótica dos
coletores de caranguejos quando se questionou sobre o porquê da criação da
reserva extrativista:
- Ela foi criada... Por causa que tinha essa comunidade aqui né? Aí foi criada essa reserva aqui.
- Não sei, eu acho para mim até agora, dá reserva que eu tenho pa ra mim, que eu não tinha, que tá chegando...é uma barraquinha, que me
deram uma casa, forno, (inaudível) que eu ganhei; fogão também que eu tinha, eu tinha um mas estava velho, esbandalhei e ganhei este...outro uma cesta básica, também ganhei uns terçado também para trabalhar, só não ganhei botas...
- Não sabemos como foi feito isso (criação da Resex), mas a gente agora, alguns recebam casa, geladeira, facão, carrinho de mão, botas. Por isso eu acho que ela foi criada.
Como podemos perceber existe uma distancia entre os discursos dos
que administram a área da Reserva e das pessoas que efetivamente a habitam
e a utilizam de alguma forma, pois a grande maioria dessas pessoas não tem
informações sobre a real finalidade de sua criação, apesar de admitirem em
alguns casos já terem uma postura diferente em relação à questão ambiental,
porém de forma bem limitada e pontual.
3.4 - A COLETA DE CARANGUEJOS COMO FATOR SOCIAL
Em grande parte do litoral do nordeste paraense, a exploração do
caranguejo-uçá (U. cordatus) reveste-se de grande importância social, já que
dela se ocupa um grande contingente de pessoas residentes em áreas
costeiras próximas aos manguezais, gerando milhares de empregos diretos e
indiretos. A captura é realizada manualmente ou com a utilização de alguns
instrumentos, adaptados pelo próprio catador para facilitar o acesso ao recurso.
A comercialização geralmente é feita através de intermediários, uma vez
que os catadores têm dificuldade de vender o produto eliminando a figura do
intermediário, pois essas atividades conflitam com as coletas e necessitam de
habilidade adicional (Nordi, 1995, 1994).
Os catadores de caranguejo são grupos economicamente marginais,
extremamente pobres e pouco reconhecidos entre outros pescadores
artesanais. Resistem a uma desagregação cada vez mais intensa, provocada
pela degradação crescente do ambiente de coleta e pela falta de incentivos
externos (Nordi, 1992). Para esses trabalhadores, a catação de caranguejo-uçá
consiste na principal atividade, ainda que em muitos lugares eles
complementem sua renda com atividades agrícolas em pequena escala e o
extrativismo. Costumam ficar à margem da participação das organizações de
produção, não sendo identificados, inclusive, em cadastro como pescadores
(IBAMA, 1994).
De acordo com os coletores de caranguejos do Acarajó, a quantidade de
caranguejo tem diminuído o que vem obrigando alguns deles a se deslocarem
para distancias maiores no manguezal, onde a espécie ainda é aparentemente
abundante. Havendo unanimidade dos coletores de caranguejos ouvidos, em
afirmarem que a diminuição do número de caranguejos se deu
proporcionalmente ao aumento do número de coletores, impulsionados pelo
aumento da comercialização nas últimas décadas, pois o trabalho no
manguezal é um das únicas saídas para os que não querem enveredar pelos
caminhos da marginalidade, sendo, portanto, o único campo de trabalho
disponível na comunidade.
Quanto ao número de caranguejos capturados, a totalidade dos
catadores ouvidos afirma coletar a quantidade de conseguir encontrar, não
havendo limites pré-fixados de capturas de caranguejos por dia. Nos meses de
novembro, dezembro e julho, a captura é intensificada devido à elevação do
fluxo de turistas para o litoral.
O discurso do presidente da comunidade e antagônico aos dos próprios
coletores, pois enquanto estes afirmam que não há números limites de
caranguejos que podem ser capturados, este diz que existe sim uma
quantidade pré-estabelecida, que são de quinze cambadas ou cordas, com
quatorze caranguejos cada, pó dia.
Outro ponto relevante quanto à captura de caranguejos se dá no período
da ―andada‖, momento em que os caranguejos saem de suas tocas e inic iam o
período de acasalamento, ou seja, onde a um aumento considerável do fluxo
de caranguejos no manguezal, o que atrai um número maior de coletores, que
geralmente são pessoas que não adentram frequentemente o manguezal e
geralmente são familiares ou amigos de coletores que habitualmente estão
neste ecossistema. É o que Nishida (2003) chama de catadores esporádicos,
ou melhor, predadores esporádicos, vindos de outras profissões, que se
dedicam à cata na época da andada.
Ainda em relação à diminuição do número de caranguejos, outras
possíveis causas são apontadas pelos catadores, mostrando que esses são
conscientes da existência de diversos fatores que degradam o ambiente e que
têm influência na redução da quantidade de caranguejos. A maioria manifesta
essa percepção quando mostra preocupação com a escassez de caranguejos
e com a qualidade ambiental, associando a queda acentuada na produção a
fatores como: poluição, introdução de técnicas de captura predatórias,
intensificação do esforço de pesca e falta de fiscalização por parte dos órgãos
ambientais.
Desse modo, os catadores demonstram estar conscientes da
necessidade de preservação ambiental, apontando sua preocupação com a
diminuição crescente do estoque de caranguejo-uçá, pois sentem que sua vida
cotidiana está intimamente relacionada à preservação da espécie. Castanheira
(1997) menciona que, em muitos locais, os próprios caranguejeiros solicitam e
buscam formas de conservar os estoques desse crustáceo, pois já perceberam
que seu meio de sobrevivência é proporcionalmente afetado quando as
populações de caranguejo do seu local de coleta são alteradas.
Essas informações, referentes às questões ambientais, segundo os
coletores, são discutidas e socializadas, principalmente em reuniões feitas na
sede da comunidade, envolvendo alguns órgãos públicos ligados a Resex,
entre os quais a Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Como fator negativo a escassez dos crustáceos verificada nos últimos
anos tem tirado o sustento de centenas de famílias que sobrevivem da captura
desses. A situação socioeconômica desses trabalhadores, assim como seus
conhecimentos sobre a biologia do recurso, devem ser levados em conta, no
tocante à elaboração de planos de manejo. Como afirma Rodrigues ET al.
(2000):
O sucesso de qualquer medida de ordenamento requer fundamentalmente o envolvimento efetivo do interessado,
sensibilizado à necessidade de conservação do recurso, como garantia da manutenção da atividade produtiva por tempo indeterminado. A gestão participativa é uma ferramenta poderosa de
mobilização da sociedade para melhorar a situação permanente de baixa organização social das comunidades tradicionais ao longo do litoral brasileiro. (RODRIGUES ET AL., 2000, P.)
Em relação ao tempo de moradia no local, nas comunidades estudadas
mostrou que a maioria dos entrevistados reside na área por mais de 20 anos.
De acordo com Cabral (2001), o tempo de permanência no local é um fator
importante de inclusão das populações dentro do conceito de comunidades
tradicionais. Desse modo, tempos maiores de fixação de residência na área
estudada sugerem que entre a categoria dos coletores de caranguejo ainda
existe um sentimento de vínculo e pertinência ao ambiente. Para Marcelino
(2000), em áreas estuarinas tradicionais, é comum a permanência média de
moradores em comunidades pesqueiras por mais de 30 anos.
A permanência do morador por mais tempo no local de trabalho pode
ser interpretada como resultado da disponibilidade de alimento oferecido
gratuitamente pelo ambiente à população que habita áreas próximas aos
manguezais (Cabral 2001). Como não há necessidade de custos adicionais
(moradia, alimentação, transporte e água, por exemplo) não há motivos para
migração. Esses fatos podem estar relacionados à manutenção de vínculos
tradicionais das populações ribeirinhas com o meio em que vivem.
Essas populações são romanticamente percebidas como praticantes de
atividades de baixo impacto no ambiente e por isso paradigmática na
organização de uma economia que corresponde às diretrizes do chamado
desenvolvimento sustentável na Amazônia, com seus três pilares:
desenvolvimento econômico, sociocultural e ecológico de forma equilibrada e
combinada com a diversidade do conhecimento das populações sobre os
diversos ambientes explorados. Há que considerar a sua vulnerabilidade social
e política.
A tiração de caranguejo constitui atividade extrativa, em que o tirador
―tira‖ (extrai, captura) diretamente da natureza o maior número possível de caranguejos que irá trocar com dinheiro, elemento de troca bastante valorizado na compra e venda dos caranguejos.
Fatos que contribuem, em parte, para a preferência na inserção no
manguezal, porque, segundo alguns tiradores, o dinheiro que levaria a semana
inteira para ganhar na terra, que não é sua no manguezal, ganha-se em
apenas dois dias. Portanto, a profissão de tirador está associada a ganhar
dinheiro com vantagem em relação custo-benefício. Polanyi (2000) lembra que
existe certa transformação na motivação de alguns membros de uma
sociedade no sentido de que o desejo de lucro substitui a simples vontade de
subsistência. Bastante evidenciado por parte dos tiradores da Vila do Acarajó
na ocasião da entrevista quando foram perguntados por que tiram
caranguejos?
- Porque se ganha dinheiro
- Porque é única profissão que faço
- Não existe outro tipo de emprego
- Para não roubar e dá de comer para meus filhos
- Para sustentar minha família
- É a maneira que eu encontrei mais rápido par ganhar dinheiro
- Por que estudei pouco....é uma profissão que não exige muito estudo
Percebe-se que a preocupação da maioria dos coletores de caranguejos
entrevistados se dá pelo fato destes poderem em curto espaço de tempo, mas
sob muito sacrifício, conseguirem através da venda dos crustáceos obtidos
certa quantia de dinheiro, que resolvem seus problemas apesar de forma
momentânea. O que parece ser uma das faces da comercialização que se deu
ao crustáceo e seus derivados.
Muitos caranguejeiros manifestaram a disposição de deixar a profissão,
caso tivessem outra alternativa, entretanto, fora atividade de catação,
praticamente não há possibilidade de se conseguir emprego ou outra fonte de
renda. A impossibilidade de conseguirem trabalho em centros urbanos maiores
deve-se ao baixo grau de instrução, de modo que as opções disponíveis são,
geralmente, as de menor nível de remuneração.
A totalidade dos tiradores de caranguejos entrevistados foram unânimes
em afirmarem que a escolha de suas profissões foram influenciadas por
questões econômicas e pela falta de opção no mercado de trabalho, soma-se a
isso a baixa escolaridade e a cobrança da família, afirmaram ainda que o
processo de inicialização das atividades no mangue se deu sob a conveniência
de algum familiar, principalmente dos pais, a este respeito responderam o
seguinte, quando questionados sobre como aprenderam a lidar com as
atividades do mangue?
- Foi com meu pai, prá ter o que comer.
-Meu pai morreu, aí eu fiquei, né...como arrimo de família, aí meu tio
me convidou e foi me ensinando, aí eu aprendi, né?
-Meu padrinho, mandou me mandou pedir para minha mãe para ir
tirar caranguejo com ele, aí eu foi...fiquei olhando, colocava
caranguejo no paneiro, aí me acostumei.
-Desde de miudinho eu já acompanhava meu pai e meus irmão mais
velhos...Eu chorava quando não ia. Seu moço, eu aprendi vendo os
outros fazendo.
Quanto ao uso dos conhecimentos sobre a tiração do caranguejo na
preservação da área de trabalho, os coletores dizem que são orientados em
palestras e encontros sob a necessidade de alguns cuidados em relação ao
ambiente para manter o equilíbrio do sistema, afirmam que alguns atos e
atitudes em relação ao meio ambiente já foram mudados e outros
incorporados, mas afirmam também que essa nova postura parece ter vindo
mais de uma consciência subjetiva do que das informações socializados nos
encontros e discussões.
As informações acumuladas pelos mais velhos e transmitidas aos mais
novos, a respeito do trabalho no mangue, são transmitidas pela oralidade e no
aprender-fazendo, estando estas revestidas de valores familiares e senso de
moral e ética, pois como afirmam é através do trabalho, no caso específico, o
trabalho no mangue, que não os deixam enveredar pelos caminhos da i licitude.
Os impactos ambientais a nível global também ressoam nos
manguezais, onde grande partes vem sofrendo degradação ambiental,
principalmente causadas pela interferência humana nesse ecossistema. Alguns
manguezais tendem a desaparecer outras já foram aterrados ou servem de
depósitos de lixos. Alguns desses impactos ambientais, em grau menor são
atribuídos ao próprio coletor de caranguejo, que suas incursões afetam a
dinâmica do ambiente manguezal.
No entanto, uma nova concepção sobre esse ecossistema, por parte dos
coletores, parece tentar reverter essa situação, pois alguns vícios, frutos de
uma análise de que tudo é eterno e de que os recursos são inesgotáveis,
parece está surgindo, pois quando perguntados sobre como os coletores de
caranguejos contribuem para a questão ambiental nos manguezal onde atuam
responderam o seguinte:
- Eu levava garrafa com água, sacola, corda e sempre deixava
alguma coisa para trás, no mangue, né?
-Não jogamos mais lixo no mangue, pois sabemos que isso é ruim
para o mangue.
- A gente agora pastora os outros prá mode não fazer besteira no
mangue e prejudicar todos nós.
- A gente procura esclarecer os colegas para não deixar sacos,
sacolas, garrafas, maço de cigarros, nada no mangue, pois isso pode
acabar matando os caranguejos.
- Não pegamos as fêmeas do caranguejo, pois não se vai ter mais
caranguejos depois.
Dessa forma, podemos detectar nas falas dos coletores que hoje,
podendo parecer pouco, mas já há certa preocupação quanto à necessidade
de se manter uma nova postura ambiental de respeito com o local onde se os
coletores de caranguejos desenvolvem suas atividades, pois estes percebem
uma estreita relação entre as atitudes de degradação ambiental e a
produtividade da espécie a ser capturada, ou seja, o caranguejo.
Mas nem todos praticam ações que contribuem para um melhor
relacionamento homem-natureza, pois os coletores afirmam que existem
alguns grupos que ainda continuam degradando o manguezal, principalmente,
derrubando e retirando madeiras, que segundo os coletores servem para as
construções de casas e como estrutura para a confecção de currais, afirmam
também que esses grupos são oriundos de outras comunidades que também
fazem parte da área de abrangência da Resex.
Quanto às consequências dessas ações danosas, os coletores de
caranguejos afirmam que a área desmatada recebe maior incidência solar, o
que resseca a lama do mangue, inviabilizando a construção de tocas dos
caranguejos o que faz com que estes procurem novos locais para habitarem,
pois além de não possuírem moradia ficam sem alimentação e expostas ao
calor excessivo.
Os coletores afirmam também que as autoridades responsáveis pela
Resex já tomaram conhecimento da situação, mas que ações concretas de fato
ainda não foram tomadas, ou pelo menos ainda não foram percebidas, pois o
vandalismo no mangue ainda continua.
É sabido que o uso dos recursos naturais é uma atividade diretamente
vinculada ao conhecimento da natureza e dos seus ciclos, transmitido
oralmente de geração a geração (ALVES E NISHIDA, 2002; DIEGUES, 2000b).
O depoimento de um coletor de caranguejo ilustra, de forma bem explícita, o
papel meritório da vida na comunidade como origem do conhecimento que ele
tem sobre o manguezal.
Aprendi só vendo, porque lá no Acarajó todo o mundo aprende só. Se acaso não tivesse colégio, todo o mundo aprendia‖ (João)
Um outro coletor experiente, explica seu labor de ―mestre‖ ensinando
seus conhecimentos aos seus filhos.
Eu passo ou que eu sei nos meus filhos quando estou com eles, quando estou trabalhando. Às vezes até saem comigo. Agora tem
uns deles que não se dedicam que não querem nem procurar saber. Eu estou sempre ativando isto aqui funciona desse jeito, isso aqui é assim, esse peixe,.. passo tudo para eles. Todo pouco que eu sei eu
vou passando para eles, não aprendem quando eles não querem mesmo. Mais eles sabem. Eu tenho um filho que desde oito anos que eu levava ele, quando ele vinha da escola, não tinha um dever:
vamos embora, vamos conhecer a pesca. Hoje ele investe no setor da pesca, é pai de cinco filhos. (Sr Paulo).
Para CHASSOT (2005) a observação dos fenômenos é um dos atos
requisitórios no processo de construção das ciências. Os resultados de nossa
pesquisa evidenciam que nossos estudantes observam seu entorno, o
manguezal e que, em determinados aspectos, observam-no até com grande
muita sutileza de detalhes. Os resultados também apontam que, mesmo sem
dominar a terminologia científico-acadêmica, os estudantes conhecem e
utilizam todo um conjunto conceitos para se referir e explicar suas
observações.
Os fatos e os fenômenos estão em nosso redor. A observação é uma das exigências primeiras para fazer Ciências. Quem não vê o
fenômeno não pode fazer qualquer outra inferência sobre o mesmo. Fenômenos acontecem ao nosso lado. (CHASSOT, 2005).
Diversas pesquisas realizadas em comunidades litorâneas do nordeste
de brasileiro têm evidenciando a concordância entre ambos os tipos de
conhecimento, aquele da comunidade de pescadores tradicionais e o da
comunidade científica (MARQUES (1995); ALVES E NISHIDA (2002); SOUTO
(2004)). Ao nosso entender, muitos dos conceitos explicados por nossos
estudantes guardam estreita relação com aqueles próprios do domínio
científico. Mais ainda, muitos deles encontram-se incluídos nos currículos de
ciências.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação Ambiental é de grande importância para a conservação do
meio ambiente, se constituindo em um dos principais meios de se alcançar a
conscientização acerca das questões ambientais. Representa um instrumento
essencial para superar os atuais impasses da nossa sociedade. A realidade
atual exige uma reflexão cada vez menos linear, e isto se produz na relação
entre saberes e práticas coletivas que possibilitem a criação de identidades e
valores comuns e ações solidárias em busca da reapropriação da natureza,
numa perspectiva que privilegie o diálogo entre os diversos saberes.
Tendo em vista a atual situação em que se encontra o meio ambiente, é
imprescindível o desenvolvimento de uma nova cultura. A crise mundial
socioambiental que afeta a sociedade é reflexo de seus próprios valores,
condutas e estilos de vida coletivos, como já foi discutido anteriormente.
Constitui, portanto, uma crise cultural. A cultura modela a maneira que
concebemos o mundo e a nós mesmos, e como nos relacionamos com ele.
Nessa perspectiva, a Educação Ambiental tem como objetivo a conscientização
das pessoas em relação ao mundo em que vivem para que possam ter cada
vez mais qualidade de vida sem desrespeitar o meio ambiente natural que a
cercam.
Essa conscientização se dá a partir do conhecimento dos recursos
específicos de cada região, os problemas ambientais causados pela
exploração do homem, assim como os aspectos culturais que vão se
modificando com o passar do tempo e da mudança dos recursos naturais.
Sendo assim, o principal objetivo é tentar criar uma nova mentalidade
com relação a como usufruir os recursos oferecidos pela natureza causando
um baixo impacto sobre eles, criando assim um novo modelo de
comportamento. Um bom exemplo disso é a postura com que os pescadores
artesanais têm em relação à natureza e seus recursos. Seus conhecimentos
tradicionais são muito ricos para a conservação da natureza, se configurando
em um instrumento de sensibilização muito importante para a educação
ambiental. Sensibilização entendida, neste contexto, como um processo
educativo de tornar sensível, possibilitando uma vivência que pode construir
conhecimentos não só pela racionalidade, mas também a partir de sensações,
intuição e sentimentos.
Dada a importância dos saberes tradicionais tanto para a educação
ambiental como para seus próprios possuidores, necessitamos de uma
abordagem holística e interdisciplinar, onde os saberes acadêmicos e
tradicionais se unam em busca de caminhos para o uso e aproveitamento dos
recursos da natureza, respeitando seus limites e sua diversidade.
Os saberes tradicionais podem possibilitar um novo olhar sobre o meio
ambiente, confirmando a hipótese deste estudo, uma vez que, como dependem
diretamente de Natureza para sua sobrevivência, os pescadores artesanais
consideram a conservação dos recursos naturais como sendo fundamental.
Dessa forma, não podemos observar a Natureza como se ela fosse
simplesmente uma bela paisagem, já que fazemos parte dela. Devemos ter
uma consciência ambiental, tentando evitar a degradação do meio ambiente,
uma vez que, assim como os próprios pescadores artesanais entrevistados
observam, já estamos sofrendo com as conseqüências de nossas próprias
atitudes frente a Natureza.
Ao revelarem-se instrumentos de controle dos espaços de uso comum,
as reservas extrativistas de modo geral, contribuem para a melhoria ou
manutenção da qualidade do meio ambiente, além de proteger a reprodução do
modo de vida dessas populações, promover o respeito pelo enraizamento
(Weil, 2001) dos membros das comunidades locais e trazer benefícios
biológicos.
Além disso, a inclusão das comunidades de pescadores artesanais, aí
incluindo-se os coletores de caranguejos, na gestão da reserva garante o
respeito dos domínios tradicionais evitando a perda dos saberes locais
ameaçados pela reorganização dos espaços ditada pelos avanços da
economia urbano/industrial e pasteurização cultural global.
A incapacidade conservacionista dos modelos estrangeiros adotados no
Brasil e a importância do envolvimento das comunidades tradicionais no
sucesso da conservação do meio ambiente natural (Diegues, 1993) em
composição com os diferentes atores sociais revela-se uma necessidade para
a definição das políticas públicas de conservação do meio natural.
Existe assim, um indicativo de que este tipo de unidade de conservação,
ao reconhecer os direitos tradicionais de segmentos excluídos da sociedade,
consolidar-se como uma forma endógena de desenvolvimento social e
ecologicamente desejável. Neste sentido a regulamentação do Estado e a
necessidade de ir-se além das regras de mercado são fundamentais para o
sucesso das reservas extrativistas.
Todas às vezes em que é confrontado com a mais vaga sensação de
insustentabilidade, o Homem instintivamente retorna às suas raízes. Quando
travado nos seus caminhos por circunstâncias fora do seu controle ele terá
apenas uma forma de sair da sua difícil situação: agarrar-se àquilo que tem:
suas tradições, sua história, sua cultura — numa palavra, suas 'raízes'.
Procurar uma maior compatibilidade entre desenvolvimento econômico,
democratização de oportunidades e proteção ambiental, recusando-se
soluções uniformizantes, centralizadas e inapropriadas para a multiplicidade de
situações existentes é o desafio a ser enfrentado.
Finalmente, as Reservas Extrativistas, ao serem capazes de permitir
formas sociais alternativas da lógica dominante de consumo e exploração,
revelam-se institutos que podem contribuir positivamente para a solução dos
conflitos entre homem e meio ambiente.
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