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FESP FACULDADES Curso de Graduação em Direito Miguel João de Sousa AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SUAS IMPLICAÇÕES NO DIREITO À VIDA HUMANA João Pessoa 2009

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FESP FACULDADES

Curso de Graduação em Direito

Miguel João de Sousa

AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E

SUAS IMPLICAÇÕES NO DIREITO À VIDA HUMANA

João Pessoa

2009

FESP FACULDADES

Curso de Graduação em Direito

Miguel João de Sousa

AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E

SUAS IMPLICAÇÕES NO DIREITO À VIDA HUMANA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito

da Fesp Faculdades, na área de concentração do Biodireito,

como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel

em Direito.

Orientador: Prof. Ms. Renato Cesar Carneiro.

JOÃO PESSOA – PB

2009

S725p Sousa, Miguel João de

As pesquisas com células-tronco embrionárias e suas implicações no direito à vida humana / Miguel João de Sousa. – João Pessoa, 2009.

69f.

Orientador: Prof. Ms. Renato Cesar Carneiro

Monografia (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino

Superior da Paraíba – FESP.

1. Pessoa 2. Direito à vida 3. Células-tronco embrionárias 4.

Fertilização in vitro 5. Embrião 6. Início da vida 7. Nascituro I. Título.

Miguel João de Sousa

AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SUAS

IMPLICAÇÕES NO DIREITO À VIDA HUMANA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito

da Fesp Faculdades, na área de concentração do Biodireito,

como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel

em Direito.

Orientador: Prof. Ms. Renato Cesar Carneiro.

Data da aprovação: ____/____/_____

___________________________________________________________________

Prof. Ms. ___________________________________________________________

Data da aprovação: ____/____/_____

___________________________________________________________________

Prof. Ms. ___________________________________________________________

Data da aprovação: ____/____/_____

__________________________________________________________________

Prof. Ms ___________________________________________________________

João Pessoa

2009

Agradecimentos

Ao professor Ms. Renato César Carneiro, de modo particular, pela paciência, colaboração

e como orientador na conclusão desta Monografia.

À minha família pela tolerância e privações de muitas horas de lazer, em colaboração

com a realização dos meus sonhos.

A Flávio Uchoa e Cristiane Brito pelos incentivos à conclusão desse curso.

A todos os professores que, durante cinco anos, me ensinaram a ser uma pessoa melhor

e a compreender o mundo com uma visão mais ampla dos direitos e garantias para o exercício

da cidadania.

Aos amigos e amigas, de modo especial da turma B, pelos momentos de alegria que

compartilhamos e que me acolheram com todos os meus defeitos.

“Ciência sem consciência é o caminho certeiro à ruína do homem.”

François Rabelais.

RESUMO

Trata a presente monografia de um estudo sobre as implicações das pesquisas com células-

tronco embrionárias no direito à vida, considerando os limites estabelecidos na Lei

11.105/2005. O tema desenvolve-se a partir da premissa inicial, que observa e analisa a pessoa

enquanto ser existencial e sujeito de direitos e obrigações, examinando a sua evolução e

aquisição da personalidade jurídica, observando as transformações e conquistas de direitos

no decorrer dos tempos e a consolidação dos seus direitos universais e fundamentais, onde

numa contextualização mais atual, observa-se que por necessidades humanas, novos

paradigmas são apresentados. Pois no limiar deste novo século, a pesquisa científica em

células-tronco embrionárias humanas vem despontando como a grande promessa da

biomedicina, cujos cientistas supõem que as técnicas que com elas se relacionam, fertilização

in vitro, por exemplo, bem como procedimentos que dela decorrerem, serão capazes de

revolucionar a medicina convencional e de mudar a face da saúde humana, constituindo uma

grande expectativa da sociedade e gerando a esperança de cura de inúmeras doenças, até então

tidas como incuráveis. Por essas razões surgem conflitos de interesses para aplicações de

alguns direitos, a exemplo do direito à vida do embrião e da pessoa humana, da dignidade dos

doentes e da liberdade científica. Diante desse contexto, a pesquisa teve como alvo, discutir as

diversas teorias acerca do início da vida, a proteção conferida pelo ordenamento pátrio ao

nascituro, sendo abordada a constitucionalidade do artigo 5º da lei de Biossegurança. E diante

das controvérsias sobre a questão, incluindo-se as influências religiosas, movimentos populares

em prol da vida, e de grupos capitalistas. Impondo-se ao Biodireito e a sociedade, buscarem

alternativas para conciliação desses conflitos e reconstrução de normas, que venham dar maior

proteção ao embrião e as gerações futuras. Em seu desenvolvimento foi utilizado o método

dedutivo, valendo-se da análise de legislações, doutrinas, jurisprudência, artigos, revistas e

material obtido por meio da Internet.

PALAVRAS-CHAVE: pessoa, direito à vida, células-tronco embrionárias, fertilização in vitro,

embrião, início da vida, nascituro.

ABSTRACT

The present monograph is a study about the implications of embryonic stem cell research, and

the right to life, considering the confines established within by-law 11.105/2005. The theme is

developed from the original premise, which observes and analyzes a person as being existential

and subject to rights and obligations, examining its development and acquisition of a juridical

personality, noting the changes and achievements of rights in the course of time, and the

consolidation of their fundamental and universal rights. In a recent frame of reference it was

observed that due to human needs, new paradigms needed to be presented. Because in the

brink of this new century, scientific research on human embryonic stem cells is drawing near as

the great promise of biomedicine, scientists believe that the techniques with which they relate,

in vitro fertilization, for example, as well as derivative procedures will be able to revolutionize

conventional medicine and change the face of human health, constituting a great expectation

from society and generating hope for the cure of innumerable diseases, previously having been

considered incurable. For these reasons, conflicts of interests arise from certain application of

rights, such as the right to life of the embryo and the person as a human, the dignity of patients

and scientific freedom. In this context, the research had as a highlight, the discussion of

various theories about early life, the protection conferred by the mother to an unborn child, and

addressed the constitutionality of Article 5 of the Law on BioSafety. Given the controversies

on the issue, it is necessary for BioLaw and society, to seek alternatives for conflict

reconciliation and reconstruction of these standards, which come to give greater protection to

the embryo and future generations. In its development the deductive method was used, drawing

from the analysis of laws, doctrine, jurisprudence, articles, magazines and material obtained

through the Internet.

KEY WORDS: individual, right to life, embryonic stem cell, in vitro fertilization, embryo, near

the life´s beginning, unborn child.

ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C. Antes de Cristo.

ACT Advanced Cell Technology (Tecnologia Avançada Celular – empresa sediada no

Estado norte americano de Massachusetts – fundada com o propósito de desenvolver

técnicas de clonagem em rebanos animais transgênicos).

ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Art. Artigo.

Arts. Artigos.

CF/88 Constituição Federal de 1988 (referindo-se a Constituição da República Federativa do

Brasil, promulgada em 10 de outubro de 1988).

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos.

GIFT Gametha Intra Fallopian Transfer (transferência de falopio intra gamenta - método de

inseminação artificial).

ONU Organização das Nações Unidas.

STF Supremo Tribunal Federal.

TIGR The Institute for Genomic Research – (Instituto para pesquisa de Genoma - fundado

pelo médico cientista norte americano J. Craig Venter).

ZIFP Zibot Intra Fallopian transfer (transferência de falopio intra zibot – tipo de fertilização

in vitro).

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................11

CAPÍTULO I.............................................................................................................................14

2 AFIRMAÇÕES HISTÓRICAS DO DIREITO À VIDA..........................................14

2.1 DA PESSOA HUMANA À PERSONALIDADE......................................................14

2.2 DOS DIREITOS HUMANOS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:

EVOLUÇÃO HISTÓRICA........................................................................................18

CAPÍTULO II...........................................................................................................................22

3 A VIDA COMO DIREITO FUNDAMENTAL.........................................................22

3.1 O DIREITO À VIDA NA ESFERA INFRACONSTITUCIONAL..........................25

3.2 TEORIAS DE AQUISIÇÃO DA PERSONALIDADE.............................................26

3.2.1 TEORIA NATALISTA..............................................................................................27

3.2.2 TEORIA CONCEPCIONISTA..................................................................................28

3.2.2.1 TEORIA DA SINGAMIA..........................................................................................30

3.2.2.2 TEORIA DA CARIOGAMIA....................................................................................30

3.2.3 TEORIAS GENÉTICO-DESENVOLVIMENTISTA................................................31

3.2.3.1 TEORIA DA NIDAÇÃO............................................................................................31

3.2.3.2 TEORIA DA FORMAÇÃO DOS RUDIMENTOS DO SISTEMA

NERVOSO..................................................................................................................31

3.2.3.3 TEORIA DO PRÉ-EMBRIÃO...................................................................................32

3.2.4 TEORIA DA PESSOA HUMANA EM POTENCIAL..............................................32

3.2.5 TEORIA DA PERSONALIDADE CONDICIONADA.............................................32

CAPÍTULO III..........................................................................................................................34

4 LAICIDADE DO ESTADO, AS INFLUÊNCIAS RELIGIOSAS

E O JOGO DE INTERESSES DE ORGANIZAÇÕES NO PODER

DE LEGISLAR...........................................................................................................34

4.1 INFLUÊNCIAS RELIGIOSAS NA CONSTRUÇÃO DE UM

DIREITO CONSIDERADO SAGRADO...................................................................37

4.2 INFLUÊNCIA DE GRUPOS CAPITALISTAS E A QUESTÃO DAS

PATENTES ................................................................................................................40

CAPÍTULO IV .........................................................................................................................43

5 DA PESQUISA CIENTÍFICA EM CÉLULAS-TRONCO........................................43

5.1 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA: FERTILIZAÇÃO

IN VITRO E OS EMBRIÕES EXCEDENTES ..........................................................44

5.2 CÉLULAS TRONCO-EMBRIONÁRIAS ................................................................46

5.2.1 A LEGALIZAÇÃO ÀS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO

EMBRIONÁRIAS......................................................................................................49

5.2.2 AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE

ADIN 3510 ST ...........................................................................................................52

CONCLUSÃO..........................................................................................................................55

BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................................59

GLOSSÁRIO ...........................................................................................................................64

11

INTRODUÇÃO

Trata a presente monografia de um estudo sobre as pesquisas com células-

tronco embrionárias e suas implicações no direito à vida humana.

No aspecto legal, este estudo se limitará ao contexto brasileiro,

considerando preceitos jurídicos relativos à Carta Constitucional atual dos direitos e garantias

fundamentais, correlacionando-os com os direitos humanos incorporados no ordenamento

jurídico pátrio, como também em relação à lei nº 11.105 de 24 de março de 2005, denominada

Lei de Biossegurança, dentre outras leis infraconstitucionais que de certa forma possam

contribuir para uma melhor interpretação sobre a definição legal e doutrinária de quando

começa a vida e sua respectiva tutela. Contudo, explora-se os principais acontecimentos no

aspecto histórico evolutivo no que diz respeito às origens dos direitos da pessoa, aquisição da

personalidade, consolidação dos direitos humanos até a sua positivação enquanto direitos

fundamentais, dentre estes, o direito à vida.

O tema se reveste de grande importância na atualidade, considerando que a

pesquisa científica com células-tronco embrionárias humanas vem despontando, no limiar

desde novo século, como a grande promessa da biomedicina. Neste cenário, os cientistas

supõem que as técnicas que com elas se relacionam fertilização in vitro, por exemplo, bem

como procedimentos que dela decorrerem, terapia gênica, diagnose genética, clonagem, entre

outros, que em conjunto, serão capazes de revolucionar a medicina convencional e de mudar a

face da saúde humana, constituindo uma grande expectativa da sociedade e gerando a

esperança de cura de inúmeras doenças até então tidas como incuráveis.

No Brasil, a aprovação da lei 11.105/2005, que dentre outras coisas legaliza

a pesquisa com células-tronco embrionárias, gerou uma série de debates e controvérsias diante

dos riscos que o procedimento acarreta, com implicações diretas no direito à vida humana

individualmente considerada, quanto no que concerne ao ser humano como espécie a ser

preservada, cuja manipulação e instrumentalização do ente humano, com alteração do

patrimônio genético, e de modo especial do embrião humano, entre outras conseqüências que

se revelam jurídica e eticamente questionáveis.

A questão posta para pesquisa é: Quais implicações as pesquisas com

células-tronco embrionárias causam no direito à vida humana?

Essa pesquisa tem como objetivo geral analisar a luz do direito,

especialmente do direito constitucional brasileiro, os principais pontos de divergência sobre as

12

pesquisas com células-tronco embrionárias, no que se refere ao direito à vida e suas

implicações em outros institutos, a exemplo das garantias legais do nascituro e os efeitos no

aborto legal, necessário e humanitário; dentre outras questões relacionadas à proteção da vida

humana.

A principal intenção desta pesquisa é a de encontrar as respostas mais

adequadas e possíveis, quanto ao problema supracitado, com foco especial nos aspectos dos

direitos e garantias fundamentais, visando indicar caminhos mais adequados à proteção das

pessoas, ancorado principalmente no ramo do biodireito.

O método de abordagem utilizado é o dedutivo e os de procedimentos são:

histórico e comparativo; os quais proporcionam ao pesquisador seguir uma linha de raciocínio

e de investigação, partindo dos acontecimentos, processos, instituições, leis e teorias do

passado, observando-se evoluções e afirmações históricas de modo a organizar argumentos

gerais que, por dedução, se chega a conclusões lógicas e verificação das influências desses

fenômenos na sociedade atual, para daí se tirar as hipóteses conclusivas.

A coleta de dados foi feita através da técnica de pesquisa denominada

“pesquisa bibliográfica”1 que abrange significativa bibliografia tornada pública sobre o

tema, que vão desde as publicações avulsas, artigos, boletins, jornais, revistas, livros,

monografias e teses, até o uso dos meios de comunicação como rádio, televisão, internet,

filmes, documentários, leis, doutrina e jurisprudência.

O desenvolvimento do tema foi organizado em quatro capítulos, seguindo

um raciocínio lógico quanto aos aspectos históricos e as afirmações dos fenômenos no

decorrer do tempo e suas repercussões na atualidade.

O primeiro capítulo aborda as afirmações históricas da pessoa enquanto

sujeito que adquire personalidade e é possuidor de direitos e obrigações, inclusive no âmbito

dos direitos humanos de caráter universal, as influências recebidas na sua composição, o

reconhecimento desses direitos pelas sociedades politicamente organizadas, sua positivação

como direitos fundamentais, compondo assim, as cartas constitucionais, as leis, os tratados

internacionais que vigoram internamente nos Estados Soberanos e de modo especial no

Brasil.

O segundo capítulo dedica-se a analisar a vida como direito, indicando quais os

instrumentos legais existentes no Brasil, abrigam o direito à vida humana, quais os institutos

e teorias que justificam essa proteção, explorando os pontos convergentes e divergentes na

1 MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico. 6 ed.São Paulo: Atlas, 2001, p. 107.

13

doutrina, quanto às garantias do nascituro e a correlação com os embriões humanos e a

fertilização in vitro.

O terceiro capítulo expõe e questiona a laicidade do Estado, as influências

religiosas e o jogo de interesses de algumas organizações no poder de legislar, indicando os

riscos das influências desses grupos privados, na questão das patentes e conflitos de interesses

entre o capital e os direitos coletivos, difusos e universais. Trata ainda, do Estado

Democrático de Direito estabelecido pela Ordem Constitucional Brasileira.

O quarto capítulo discorre sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias,

seus aspectos positivos e negativos, opiniões de autoridades científicas e de doutrinadores do

direito, os questionamentos da inconstitucionalidade da lei 11.105/2005, o julgamento da

ADIN 3510 STF e a legalização das pesquisas no Brasil.

Ao concluir a pesquisa, observa-se que por razões sociológicas o direito nasce

da permanente luta de classes, o que em determinadas circunstâncias alguns direitos tidos

com invioláveis e imperativos passam a ser relativos para atender demandas temporárias.

14

CAPÍTULO I

2 AFIRMAÇÕES HISTÓRICAS DO DIREITO À VIDA

Partindo da premissa de que o direito à vida é um direito fundamental e que

os direitos fundamentais são em regra, os chamados direitos humanos reconhecidos pelas

sociedades politicamente organizadas, os quais são positivados e passam a compor as cartas

constitucionais a vigorarem nos Estados Soberanos.

No Brasil, esse Direito está previsto de forma genérica no art. 5º, caput da

Constituição de 1988, abrangendo tanto o direito de não ser morto, ou seja, o direito de

continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna.

Para uma melhor compreensão e desenvolvimento do tema em estudo, mais

adiante esse assunto será retomado. Contudo, necessário se faz, uma melhor análise

preliminar sobre a sua origem e precedentes históricos que afirmaram esse direito.

2.1 DA PESSOA HUMANA À PERSONALIDADE

Partindo do pressuposto de que o Direito só pode ser concebido, tendo

como destinatários os seres humanos em convivência, e considerando que o tema a ser

tratado diz respeito diretamente à existência deste ser. É de suma importância que se tenha

uma visão bem clara quanto a sua origem para o universo jurídico.

Para clarificar essa visão é imprescindível rebuscar precedentes históricos

que afirmaram esse direito no decorrer da história da humanidade. Apesar da delimitação do

tema está restrita ao Brasil, essa análise é importante pelo estreito relacionamento com os

fundamentos e hipóteses conclusivas desta pesquisa.

Muitas são as contribuições da noção de pessoa ao longo do tempo, na

formação e desenvolvimento dos direitos da personalidade, bem como as contribuições da

doutrina personalista, permitindo aflorar uma noção de pessoa dotada de conteúdo valorativo.

O surgimento de pessoa enquanto sujeito de direitos, tem suas bases no

direito romano, a idéia primitiva de pessoa remonta as artes cênicas teatrais, onde os atores

ao criarem suas personagens para representação usavam máscaras e a partir do uso dessas

peças, origina-se a palavra pessoa. Vindo significar, o papel da partitura distribuído a um ator

na vida jurídica.

15

Segundo Paulo Faitanin2, a origem da palavra pessoa é resultando da

justaposição das palavras per + sona = persona; (per = por, através; sona = som) significa

máscara ou caraça que os atores punham na cara em cena para disfarçarem a voz (personare),

nas representações teatrais. Posteriormente, essa palavra passou a designar o próprio ser

humano. Portanto, persona seria o mesmo que o vocábulo grego prósopon, que designa

justamente a máscara que, colocada sobre o rosto e diante dos olhos, oculta a face.

A Lei das XII Tábuas (que surge entre 451 e 449 a.C.) e o Corpus Juris

Civilis já faziam menção à noção de pessoa. Os romanistas afirmam que a plena

personalidade jurídica e conseqüentemente integral direito de personalidade só adquiria quem

detivesse os três status: a) status libertatis (atributo de pessoa livre, que era condição da

cidadania), o status familiae (qualidade do pater familias) e o status civitatis (classe de

cidadão, sendo negada, tal categoria, aos estrangeiros e escravos). Todavia, essa divisão dos

homens em classes, castas, raças ou camadas sociais constitui, por esse motivo, uma injustiça,

principalmente no que se refere à tutela da dignidade e desenvolvimento das personalidades

individuais.

Em Roma, o escravo era como um animal, coisa (res), não lhe sendo

reconhecida a qualidade de sujeito de direito. Para que fosse titular de direitos, era necessário

que lhe atribuísse personalidade jurídica. Sofria uma série de advertências tais como: não

podia casar-se legitimamente; não tinha patrimônio; não podia ser parte (autor ou réu) em

juízo; seu proprietário podia transferi-lo, onerosa ou gratuitamente a outro homem livre, e até

matá-lo.

Importante registrar que a escravidão foi mantida oficialmente no Brasil até

a assinatura de sua abolição através da Lei Aurea de 13 de maio de 1888.

Registra-se ainda, que foi com o Cristianismo, através das idéias de amor

fraterno e igualdade perante Deus, que o homem, até então dotado de uma filosofia pré-

socrática (conhece-te a ti mesmo), passa a ser inserido no campo da subjetividade, o homem

deixa de ser objeto e passa a ser sujeito portador de valores. Consoante os ensinamentos do

professor Juan Castan Tobeñas,3 foi o Cristianismo que, desde seus primeiros momentos,

afirmou o indivíduo como um valor absoluto, exaltando o sentimento de dignidade da pessoa

humana e proclamando uma organização da sociedade que viesse a permitir o total

desenvolvimento de sua personalidade, sem prejuízo para o bem comum, ao revés,

2 FAITANIN, Paulo. Pessoa: A essência e a máscara. Revista AQUINATE, n 3, 2006,. Disponível em: <http://www.aquinate.net/revista/caleidoscopio/Ciencia-e-fe/Ciencia-e-fe-3-edicao/Ciencia-3-edicao/03-pessoa%20-revisado.pdf>. Acesso em 04 de maio de 2009.

16

colaborando para desfrutar deste. Portanto, com o Cristianismo, o homem adquire o máximo

valor possível, situando-se acima de qualquer vontade humana.

Na Idade Média, com influência da Era Cristã, a noção de pessoa

desvincula-se da força atrativa das instituições, ganhando unicidade e individualidade, o

homem passa a ser a personificação da imagem do criador. Nesse período, o tema referente à

pessoa humana foi colocado como o cerne das preocupações em nível filosófico, ético,

jurídico e social.

A alteração de modelos filosóficos, ocorrida na Idade Média, representa os

primeiros passos para a construção sólida ao desenvolvimento da noção de pessoa e dos

direitos da personalidade, que se solidificam com o advento da modernidade.

Nos argumentos de Ronald Dworkin,4 a vida humana tem valor intrínseco e

inviolável, cuja conotação tem origem irredutivelmente religiosa, sendo considerada

“sagrada” tanto em sentido histórico secular, quanto no aspecto das influências do

Cristianismo.

A princípio pode-se afirmar que, não existe nenhuma corrente científica ou

filosófica que tenha empenhado tanto tempo, no estudo da pessoa, quanto ao pensamento

cristão. Desde os primórdios, os peritos do Cristianismo buscaram esclarecer dois pontos

fundamentais da doutrina: o mistério da encarnação e o mistério da Trindade.

Santo Agostinho5 dizia que pessoa significava, simplesmente, uma

substância e que, dessa forma, o Pai é pessoa em relação a si mesmo e não em relação ao

filho; e que Deus é o autor da natureza.

Contudo, para o pensamento cristão, a pessoa é feita à imagem e

semelhança de Deus, possuindo um valor infinito. O cristão é um indivíduo em relação com

Deus. E o ser humano é dotado de livre arbítrio, praticando suas ações conforme essa

liberdade e, sempre buscando agir de forma correta e digna com o intuito de alcançar a

Salvação. É neste patamar que insere a personalidade moral, ou seja, homem em relação com

Deus.

Porém, foi São Tomás de Aquino6 que restaurou o significado do conceito

de pessoa como relação, ou seja, a substancialidade da relação in divinis. Entendia ele que não

havia outra forma de elucidar o significado das pessoas divinas, senão a de esclarecer as

3 TOBEÑAS, Juan Castan. Los Derechos del Hombre. Madrid: Editora Reus, 1969, p. 41. 4 DWOKIN, Ronald. O Domínio da vida.São Paulo:Edidora Martins Fontes,2003, p.15 e 33. 5 Ibid., n. 3, p.21. 6 CARVALHO, Virgílio de Jesus Miranda. Pessoa Humana e Ordem de Direito. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p.14.

17

relações entre elas, com o mundo e com os homens. Portanto, ele entende que, mesmo no

sentido comum, a pessoa é distinção e relação. Proclama, ainda, “que o homem é pessoa

exatamente por ser, pela sua inteligência, memória e vontade, imagem de Deus uno e trino.”7

A equivalência entre pessoa, sujeito de direito e capacidade, condutora de

seu registro de nascimento, remontam mais imediatamente, ao pensamento jurídico alemão do

século XIX que procurou sistematizar o direito privado ao redor da figura do subiectum iuris

como representação do homem livre, dotado de vontade e titular de autonomia, cujo nome de

maior expressa para tal concepção é o de o de Savigny.8

Com o advento da Modernidade, surgem inúmeras transformações, com a

eclosão de tendências racionais. É com essa nova concepção, do Iluminismo e do Liberalismo

dos séculos XVIII e XIX, que o saber desvincula-se de Deus e centraliza-se no homem (em

sua racionalidade). Sendo assim, a pessoa humana como ser intelectual capaz de duvidar e

elaborar idéias passa a ser o centro de todo o saber e também a sua fonte, ou seja,

considerando o homem dotado de razão e de dignidade, ele se autodetermina. Essa

autodeterminação passou a ser o absoluto poder de sua vontade individual, ou de deliberação

sobre os destinos da própria existência.

Porém, independentemente de épocas históricas, o homem exige da

sociedade o respeito da sua dignidade; pois o ser humano é fundamento constitutivo de

qualquer sociedade e sua degradação implica necessariamente a degradação social.

O conhecimento de que o homem possui independente de quaisquer

condições, direitos que lhe são inerentes, a saber, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança, entre outros, única e exclusivamente pelo fato de pertencer ao gênero humano, deu

origem os chamados Direitos Humanos.

Observa-se que a proteção aos direitos inerentes da pessoa humana é, até

mesmo, anterior à existência do próprio Estado. Porém a efetiva garantia desses direitos

implica um processo muito mais lento e incerto, permeado por disputas de poder e projetos da

sociedade. Um exemplo disso é a própria evolução do que se entende por direitos humanos,

ao longo dos séculos, até a formulação da noção contemporânea de direitos humanos que hoje

nos serve de referência.

7 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da Personalidade e sua tutela. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p.23. 8 ORESTANO, Riccardo. Il <problema delle persone giuridiche> in diritto romano. Torino: Giappichelli, 1968, p.17-18.

18

2.2 DOS DIREITOS HUMANOS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:

EVOLUÇÃO HISTÓRICA

As declarações de direitos humanos do mundo moderno surgiram a partir de

correntes filosóficas influenciadas pelo racionalismo e jusnaturalismo, nas quais os

intelectuais europeus do século XVIII estiveram imersos. Esse período foi caracterizado como

o do apogeu do Iluminismo ou Ilustração. Sustentava-se, basicamente, que o homem,

enquanto tal teria direitos naturais. Contudo, historicamente, a idéia de direito natural não

surge com o jusnaturalismo moderno; remonta, antes, ao pensamento cristão e clássico, aos

grandes moralistas, poetas e escritores da Antigüidade, especialmente a Sófocles.

Para Daury Cesár Fabriz:9

A idéia em torno dos direitos humanos surge da confluência de várias fontes – filosóficas, jurídicas e teológicas, - num imbricado jogo de concepções em torno de leis universais, que se impõe acima de qualquer lei criada pelo próprio homem. Apregoam-se idéias universalizantes, direitos que possam alcançar todos os indivíduos, independente da nacionalidade, credo ou raça.

À medida que esses direitos são reconhecidos pelas sociedades

politicamente organizadas e são positivados, passam a compor as cartas constitucionais, as

leis, os tratados internacionais, sendo recepcionados nos ordenamentos jurídicos internos dos

Estados, recebem então, o nome de direitos fundamentais, constituindo-se a partir daí em

paradigmas de um Estado Democrático de Direito.

Para alguns doutrinadores esse processo deu origem a quatro “gerações”10

de direitos, assim como entendem Norberto Bobbio e Paulo Bonavides. Outros existem como

ocorre com Willis Santiago Guerra Filho, que consideram mais adequado o uso da expressão

"dimensão de direitos."11

Ressalta-se, todavia, quer como gerações, quer como dimensões, o intuito é

demonstrar que, embora naturais, esses direitos não foram reconhecidos todos, pelo Estado,

de uma só vez. Foram se estabelecendo gradativamente ao longo da história da humanidade,

em conformidade com as necessidades que as sociedades foram experimentando devido às

transformações econômicas, políticas e culturais sofridas.

Os chamados direitos de primeira geração ou dimensão são considerados

direitos naturais porque inerentes à pessoa humana, baseiam-se, sobretudo, em uma clara

9 FABRIZ,Daury César. Bioética e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p.232. 10 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, passim. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993, passim.

19

demarcação entre Estado e não-Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração

individualista.12

Assumem particular relevo no rol desses direitos, o direito à vida, à

liberdade - de reunião, de associação, de religião e de imprensa - e à propriedade,

representando, segundo Fábio Konder Comparato13, "a emancipação histórica do indivíduo

perante os grupos sociais aos quais sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as

organizações religiosas".

Constituem exemplo desse primeiro momento, no qual esses direitos foram

afirmados como liberdades civis e políticas dos cidadãos frente ao poder estatal, a Magna

Carta, firmada em 1215, pelo rei João Sem-Terra e pelos bispos e barões ingleses. As

garantias afirmadas nesse pacto alcançaram somente a nobreza e o clero, não obstante, não se

pode negar que serviram de inspiração para que outros documentos fossem elaborados, tais

como: a lei de habeas corpus de 1679, que limitava o poder real de prender opositores

políticos sem antes submetê-los a um processo regular, garantindo assim, a liberdade de

locomoção; e a Bill of Rights de 1689, que pôs fim ao regime de monarquia absolutista

vigente na Inglaterra, no qual todo poder emanava do rei e em seu nome deveria ser exercido,

estabelecendo a instituição do Parlamento, bem como conferindo a este a competência para

legislar e criar tributos.

A instauração dessas garantias primárias aqueceu uma nova consciência e

preparou o terreno para que, a partir do século XVIII, por meio das Declarações, americana e

francesa, essas afirmações fossem feitas em favor de todos os homens.

Com esse espírito de isonomia, foi declarada, em 1776 a Independência dos

Estados Unidos por meio da Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia e, em 1787,

elaborada a Constituição americana.14

O mesmo ânimo libertário, igualitário e democrático que culminou nas

Declarações acima referidas [...] “conduziu, em 1789, à Revolução Francesa”15 e à

consequente Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Pertinente, neste momento,

registrar que, muito embora os postulados da Revolução Francesa fossem liberdade, igualdade

e fraternidade, o reconhecimento da fraternidade, ou seja, da exigência de uma organização

11 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais, 3ª ed. São Paulo: Celso Bastos, 2003, p. 39. 12 COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.49. 13 Ibid., p 49. 14 Ibid., p.49.

20

solidária da vida em comum, só se logrou alcançar com a Declaração Universal dos Direitos

Humanos, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de

1948.

Essa Declaração surgiu a partir das atrocidades, experiências e horrores

principalmente da segunda guerra mundial, dos regimes liberticidas e totalitários, das

tentativas científicas em escala industrial de extermínios dos judeus e dos povos considerados

injustamente como inferiores. Época que culminará com o lançamento da bomba atômica

sobre Hiroshima e Nagasaki.

Os líderes políticos das grandes potências vencedoras criaram, em 26 de

junho de 1945, em São Francisco, a ONU (Organização das Nações Unidas) e confiaram-lhe a

tarefa de evitar uma terceira guerra mundial e de promover a paz entre as nações,

consideraram que a promoção dos direitos naturais do homem fosse à condição necessária

para uma paz duradoura.

Diante dos horrores decorrentes da II Guerra Mundial em meados do século

XX, com a emergência do fenômeno do totalitarismo nazista e fascista. Ao final do conflito, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi aprovada em 1948, assume nesse momento

pretensões global e procura articular os direitos civis e políticos aos direitos econômicos,

sociais e culturais, estabelecendo sua universalidade, indivisibilidade e interdependência.

Incorporou-se nessa declaração não apenas aquilo que se convencionou chamar de primeira

geração de direitos humanos, que consiste no direito à vida, às liberdades fundamentais – de

locomoção, religião, pensamento, opinião, aprendizado, voto – mas também os direitos de

segunda geração, que abrangem os direitos econômicos, sociais e cultuais como educação,

saúde, oportunidades de trabalho, moradia, transporte, previdência social, participação na vida

cultural da comunidade, das artes, manifestações artísticas.

Para Norberto Bobbio16 [...] “os direitos do homem nascem como direitos

naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente

encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais”.

Pelo que se ver, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é fruto das

lutas que o homem travou por sua própria emancipação e das transformações das condições

de vida que essas lutas produzem. “É apenas um início de um longo caminho a ser

15 Ibid., p.49 16 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 50.

21

percorrido, na busca constante de um ideal comum a ser alcançado por todos os povos e

todas as nações.”17

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 representa o principal marco

jurídico do processo de transição democrática, são positivados direitos advindos tanto da

declaração universal dos direitos humanos, quanto dos diversos pactos internacionais, de

modo a institucionalizar na lei maior do país como direitos fundamentais, os direitos

humanos preconizados universalmente. Sem omitir, portanto, que durante um bom período

antecedente a vigência desta constituição, o Brasil viveu um regime de ditadura militar,

onde os direitos humanos e fundamentais eram violados.

O Brasil ao instituir o Estado Democrático de Direito, define como seus

fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores do trabalho e

da livre iniciativa e o pluralismo político. Vale ainda ressaltar que a República Federativa do

Brasil, regendo-se em suas relações nacionais e internacionais pelo respeito aos direitos

humanos, traz como seus objetivos fundamentais, dentre outros, a erradicação da pobreza e da

marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Indica, desse modo, sua

consonância com a concepção contemporânea de direitos humanos, que abrange a garantia

não apenas de direitos políticos e civis, mas também de direitos econômicos, sociais e

culturais.

17 Ibid.p.50

22

CAPÍTULO II

3 A VIDA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O direito à vida está previsto na Constituição da República Federativa do

Brasil de forma genérica, no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais no art. 5º,

caput. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”18 (grifei).

Embora a constituição traga de maneira genérica o dispositivo que tutela à

vida humana, este preceito se constitui em princípio constitucional, cuja finalidade é de dar a

vida humana a dignidade e respeito, e que este respeito não deriva somente de uma

imposição jurídica, advém, principalmente, por se constituir a vida humana um bem, na

acepção mais comum do termo, que designa aquilo que enseja as condições ideais ao

equilíbrio, à manutenção, ao aprimoramento e ao progresso de uma pessoa ou de um

empreendimento humano ou de uma coletividade.

Com base nesse entendimento, Maria Helena Diniz19 ensina:

O respeito a ela e aos demais bens jurídicos correlatos decorre de um dever absoluto erga omnes, por sua própria natureza, ao qual a ninguém é lícito desobedecer. Ainda que não houvesse tutela condicional ao direito à vida, que, por ser decorrente da norma de direito natural é deduzida da natureza do ser humano, legitimaria aquela imposição erga omnes, porque o direito natural é o fundamento do dever-ser, ou melhor, do Direito Positivo, uma vez que se baseia num consenso, cuja expressão máxima é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, fruto concebido pela consciência coletiva da humanidade. [...] A vida humana é um bem anterior ao direito, que a ordem jurídica deve respeitar. O direito ao respeito da vida não é um direito à vida. Esta não é uma concessão jurídico-estatal, nem tampouco, o direito de uma pessoa sobre si mesma.

Nesse sentido, a vida humana, ao ser reconhecida pela ordem jurídica,

torna-se um direito primário, personalíssimo, essencial, absoluto, irrenunciável, inviolável,

imprescritível, indisponível e intangível, sem o qual todos os outros direitos subjetivos

perderiam o interesse para o indivíduo.

A vida integra-se elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais

(espirituais) e, no conteúdo dos direitos, envolvem-se os direitos à dignidade da pessoa

humana, à liberdade, à igualdade, à solidariedade, à privacidade, à integridade físico-corporal,

18 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 3 ed. Brasília: Senado Federal, 2006, p.15.

23

à integridade moral, à existência, ao nascimento, à prestação de alimentos, à saúde, entre

outros.

A vida além de ser tutelada pelo art. 5º da Constituição Federal de 1988,

também assim encontra-se em outros dispositivos constantes na Magna Carta de 1988, tais

como: o direito à saúde ( arts. 194 e 196), a inadmissibilidade da pena de morte ( art. 5º,

XLVII, a), a proteção à criança e ao adolescente ( art. 227, caput e §1º, II), o direito de

subsistência ( art. 7º), o amparo aos idosos e assistência àqueles que dela necessitem ( arts.

230, 203, IV e 3º IV), e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ( art. 225).

Importante ressaltar o que afirma Ingo Wolfgang Sarlet20 que, na sua

essência, todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais gravitam, direta ou

indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e da

solidariedade, tendo, na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa.

No âmbito do direito internacional, como já foi visto, o direito à vida, à

dignidade, à liberdade, à igualdade etc., estão previstos tanto na Declaração Universal dos

Direitos Humanos assim como no Pacto Internacional do Direitos Civis e Políticos, dentre

outros, que também por preceito constitucional brasileiro são recepcionados no direito

interno, conforme disposto no art. 5º, §§ 2º e 3º , da Constituição Federal de 1988, que

estabelece, in verbis:21

§ 2º Os direitos e garantias fundamentais expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do congresso nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

No que concernente ao § 3° do art. 5° da Constituição, acrescido por

ocasião da Emenda Constitucional n° 45/2004, o referido parágrafo teve a faculdade de

regulamentar definitivamente a posição hierárquica dos tratados e convenções internacionais,

guiando-os à categoria de emendas constitucionais desde que aprovados, em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.

Dessa forma, pretende-se suplantar as divergências interpretativas instaladas em torno do §

2° do texto constitucional, ratificando-se o entendimento daqueles que vislumbram o

19 DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do biodireito. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.24-25. 20 SARLET, Ingo Wolfgng. A eficácia dos direitos fundamentais. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.59. 21 BRASIL, Constituição Federal. VADE MECUM, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 11.

24

reconhecimento expresso dos tratados que versem sobre direitos humanos ao patamar

constitucional.

Os demais tratados, na forma preconizada pelo art. 102, III, b, da

Constituição de 1988, esses sim, equiparam-se às leis ordinárias federais. Pela utilização do

contido no § 3° do texto, os tratados transformados em Emendas Constitucionais passariam a

produzir efeitos mais amplos pois reformariam a Constituição e todos os seus textos

conflitantes; além disso, não poderiam ser denunciados nem pelo Congresso Nacional sob

pena de responsabilidade do Presidente da República, nem pelo próprio presidente, de forma

unilateral, pois as emendas constitucionais referentes aos direitos humanos constituem-se em

cláusulas pétreas insculpidas no art. 60, § 4°, IV, da CF/ 1988, por tratar-se de direitos e

garantias individuais.

A tutela constitucional do direito à vida, embora prevista como garantia

individual na Carta Magna, não há dispositivo que defina o ponto a partir do qual passa a ser

considerada a pessoa de direitos, a saber, a partir de qual momento da vida se inicia essa

tutela, o que fica a cargo da legislação infraconstitucional, além das diversas teorias adotadas

no campo doutrinário que se utilizam da hermenêutica para as mais diversas interpretações,

se constituindo em várias correntes de pensamento, embora haja certo consenso no que diz

respeito à teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro, que se compõe de forma temperada ou

mista, onde são consideradas tanto a teoria concepcionista, quanto natalista, que a seguir será

estudada com maior profundidade.

A eminente Ministra do STF, Ellen Gracie22 ao se pronunciar sobre a

questão disse: “Não há, por certo, uma definição constitucional do momento inicial da vida

humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que já não estejam explícita

ou implicitamente plasmados na Constituição Federal.”

A esse respeito, também se pronunciou o constitucionalista José Afonso da

Silva:23

Não intentaremos dar uma definição disto que se chama vida, porque é aqui que se corre o grave risco de ingressar no campo da metafísica supra-real, que não nos levará a nada. Mas alguma palavra há de ser dita sobre esse ser que é objeto de direito fundamental. Vida, no texto constitucional (art. 5°, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção

22 GRACIE, Ellen. VOTO ADIN 3510 STF. Brasília, 2008. p. 2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510EG.pdf> .Acesso em 05 outubro 2008. 23 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 200.

25

biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é algo de difícil compreensão, porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida.

Importante registrar que o direito à vida se constitui em cláusula pétrea da

Constituição Brasileira, não sendo objeto de deliberação através de emenda constitucional.

Para que haja introdução no ordenamento jurídico deste País, de qualquer

dos vários marcos propostos pela Ciência, deverá ser um exclusivo exercício de opção

legislativa, passível de controle quanto a sua conformidade com a Carta de 1988.

A esse respeito, surge a questão que enseja maior debate, que é o motivo

primordial deste estudo, que está relacionado às pesquisas com células-tronco embrionárias e

suas implicações no direito à vida, em razão do confronto entre o direito a pesquisa e o

direito à vida, motivado pela a utilização de embriões humanos como matéria prima para

pesquisa científica, o que tem gerando muitas controvérsias.

Uma das principais questões a ser respondida é quanto à identificação das

causas destas controvérsias. Cujo desdobramento leva a outro grande questionamento que se

faz: A partir de qual momento a vida humana é tutelada pelas leis brasileiras?

Para responder as essas questões, necessário se faz recorrer às teorias

aplicadas no ordenamento jurídico brasileiro, como também quanto aos conhecimentos

científicos relacionados com a reprodução humana mais especificamente na área de

embriologia e suas conexões com os demais ramos do conhecimento humano.

3.1 O DIREITO À VIDA NA ESFERA INFRACONSTITUCIONAL

O art. 2º do novo Código Civil resguarda os direitos do nascituro desde a

concepção, prevê o direito a existência ( arts. 1.694 a 1.710, 948 e 950 e Leis nº 5.478/1968,

nº 8.971/1994, art. 1º e parágrafo único, e nº 9.278/1996, art. 7º); impõe responsabilidade

civil ao lesante em razão de dano moral ou patrimonial por atentado a vida alheia; indica

ainda o direito sucessório, legitimando-se a suceder ( arts. 1.798 e 1799), inclusive para os

filhos, ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao

abrir-se a sucessão.

Além da outorga da proteção constitucional e civil, a vida humana também

tem amparo jurídico penal, onde são tipificados como crimes pelo Código penal brasileiro, o

26

homicídio simples (art. 121) e qualificado (art. 121, §2º), o infanticídio (art. 123), o aborto

(arts. 124 a 128), o induzimento, a instigação e o auxilio a suicídio ( art. 122).

3.2 TEORIAS DE AQUISIÇÃO DA PERSONALIDADE

Neste tema, o Direito valeu-se do relacionamento com outras áreas do

conhecimento científico, a exemplo das ciências biológicas, face à necessidade da ciência

jurídica se utilizar da sabedoria e definições preceituadas por estes outros campos. Dessa

forma, o Direito importa conceitos de outros segmentos científicos, a fim de regrar com maior

exatidão os acontecimentos de que decorrem efeitos jurídicos.

É consabido que, um dos fatos jurídicos revestido da mais elevada

importância para o Direito é o nascimento de um ser humano. Sem o nascimento, não há

pessoa; sem pessoa, não há direito.

Não é competência direta de o jurista definir quando se dá o início da

personalidade, esse tipo de definição fica a cargo das ciências biológicas. É interesse

primordial da Ordem Jurídica, dizer quando passa existir o direito na vinda de uma pessoa

para o mundo; quando esta adquire aptidão para contrair direitos e obrigações, transformando-

se em sujeito de direitos e possuindo personalidade jurídica.

Neste item serão abordadas mais detidamente as duas teorias adotadas pelo

Código Civil Brasileiro, consideradas as mais discutidas na doutrina: a teoria natalista e teoria

concepcionista, as quais defendidas por quantidade razoável de famosos juristas, com boa

quantidade de argumentos.

Sobre a questão da definição do marco inicial da vida humana, não há

consenso, por tratar-se de um assunto bastante polêmico, tanto no campo das ciências

biológicas, principalmente para os estudiosos da área da embriologia, reprodução humana e

da biomedicina, quanto para os demais ramos do conhecimento humano. Motivo pelo qual, já

existe um variado número de teorias no que diz respeito à definição do começo da vida

humana.

Importante destacar, para uma melhor compreensão, que apesar dos

estudiosos tratarem de forma análoga os termos “fertilização e concepção”24 embora estejam

intimamente ligados, esses conceitos exprimem realidades distintas e representam estágios

sucessivos no processo de geração do ser humano, o que tem proporcionado uma série de

24ROCHA, Renata. A pesquisa em célula-tronco. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.76.

27

discussões no campo da embriologia, originando também um razoável número de teorias, as

quais serão exploradas em seções seguintes.

A princípio, é importante saber, que a fertilização ocorre no exato momento

em que o espermatozóide consegue atravessar a zona pelúcia do óvulo. Após essa travessia,

ocorre lapso temporal de aproximadamente 12 horas, necessário para que se realize a

concepção. Somente nesse momento é que se pode falar realmente em concepção.

Em que pese à existência de várias teorias sobre o inicio do processo vital

humano, a doutrina brasileira baseada no Código Civil de 2002, discute o início da

personalidade basicamente através de duas teorias: Teoria Natalista, Teoria Concepcionista,

apesar da existência de uma terceira corrente defensora da idéia de que o Código Civil

adota a teoria da personalidade condicional, também entendida como teoria mista que de

certo modo resulta da união e da interpretação dessas duas teorias.

Essas teorias são adotadas no ordenamento jurídico nacional e tem como

finalidade determinar o início do processo vital humano, no sentido de instrumentalizar o

ordenamento jurídico quanto ao começo da capacidade e conseqüentemente a personalidade

civil, de modo a se estabelecer a devida interpretação no que diz respeito ao momento em que

se inicia essa tutela.

De acordo com o Novo Código Civil o Art. 2º preconiza que: “A

personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a

concepção, os direitos do nascituro.”25

Observa-se de plano que a norma relaciona o surgimento da personalidade

civil com dois marcos temporais de grande relevância: a concepção e o nascimento com vida.

Por nascituro deve-se entender, segundo a doutrina civilista, o ser vivo que está por nascer.

Expressa ainda, a denominação do produto da concepção que ainda não foi retirado do ventre

materno.

3.2.1 TEORIA NATALISTA

Para aqueles que defendem a teoria natalista, o nascituro não é considerado

pessoa, embora receba proteção legal e a sua personalidade está subordinada ao nascimento

com vida, pois, trata-se de um evento futuro e certo. Nesse contexto, a posição do nascituro é

25 BRASIL, Código Civil. Vade Mecum, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.143.

28

de um expectador de direitos, pois essa expectativa se constitui numa mera possibilidade de

adquirir um direito.

Um dos principais expoentes dessa teoria é o jurisconsulto Francisco

Cavalcanti Pontes de Miranda. Os aliados dessa corrente também são Silvio Rodrigues, San

Tiago Dantas, Caio Mário da Silva Pereira e Sílvio de Salvo Venosa, que se amparam na

argumentação de que não existe direito subjetivo sem que haja titular, do mesmo modo que

não há titular sem personalidade jurídica.

Consideram ainda, que o nascimento seja um fato concreto para que se

atribua a personalidade ao ser já nascido. A constatação da existência jurídica se dar somente

com o nascimento com vida, presumindo apenas verificar se a criança recém-nascida chegou

a respirar, para essa constatação é realizado um teste médico legal, utilizado quando há

dúvida se o neonato, apesar de se encontrar morto, chegou a respirar em algum momento após

o parto, esse teste é denominado como Docimásia Hidrostática de Galeno, cuja análise

baseia-se na densidade pulmonar, de maneira que: o pulmão que ainda não respirou possui

densidade maior que a água, contrariamente ao que respirou que possui densidade menor.

A interpretação hermenêutica da aplicabilidade da teoria natalista no sistema

jurídico brasileiro está relacionada precisamente ao que preceitua a primeira parte do art. 2º

do Código Civil, que estabelece: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento

com vida;”26 haja vista, que literalmente a segunda parte do mesmo artigo expressa: “mas a

lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”27 Afirmando assim outro

fundamento teórico defendido pelos concepcionistas.

3.2.2 TEORIA CONCEPCIONISTA

A Teoria concepcionista afirma que a personalidade do homem começa a

partir da concepção, sendo que, neste momento, o nascituro é considerado pessoa. Essa

corrente entende que o embrião possui um estatuto moral semelhante ao de um ser humano

adulto, para alguns equivale a afirmar que o ciclo vital humano inicia-se com a fertilização

do óvulo pelo espermatozóide. Para outros a partir do evento da concepção propriamente

dito, que se dar aproximadamente 12 horas após a fertilização.

Os adeptos principais dessa teoria são os eminentes juristas Augusto

Teixeira de Freitas, Maria Helena Diniz, Clovis Beviláqua. Os partidários dessa corrente

26 Ibid., n 24, p.143. 27 Ibid.,p.143.

29

sustentam que o nascituro, já a partir do momento de sua concepção, é sujeito de direito. Eles

interpretam que, o Código Civil ao dizer que os direitos do nascituro estão resguardados

desde o momento da concepção, passam a ter capacidade de exercer direitos, e sendo a

capacidade a medida da personalidade, o nascituro é considerado dono de personalidade

jurídica.

Nesse sentido a civilista Maria Helena Diniz 28 argumenta, que o nascituro

possui “personalidade jurídica formal” no que atina aos direitos personalíssimos e passa a ter

"personalidade jurídica material", alcançando os direitos patrimoniais e obrigacionais que se

encontravam em estado potencial, somente com o nascimento com vida.

No que concerne a personalidade jurídica formal já mencionada, registra-

se como exemplo, os que são legitimados à sucessão, tanto o nascituro como também os

filhos, ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao

abrir-se a sucessão. Nesse aspecto o nascituro é considerado um ser humano concebido, só

que não nascido, aquele que repousa no ventre da mãe. Não possui personalidade jurídica,

contudo, a lei já confere a este, determinados direitos eventuais, como vida, integridade e

sucessão. Uma parte da doutrina crê que tais direitos são considerados eventuais em virtude

do fato de estarem condicionados ao nascimento com vida (efetiva respiração) do nascituro.

Outra corrente acredita que o fato consiste em expectativa de direito. Contudo, não há uma

corrente majoritária, em virtude disso, o assunto ainda constitui uma questão confusa, de

difícil solução no ordenamento jurídico pátrio

O problema maior da teoria concepcionista é definir o exato momento da

aquisição da personalidade civil. Enquanto que com a teoria natalista, é fácil indicar este,

bastando o registro do momento do nascimento com vida, considerando que as ciências

biológicas ainda não provaram com exatidão o momento da concepção de um embrião e a

partir de qual momento passa a existir um ser humano. Daí a origem de todo o debate

nacional e além fronteira, sempre que se cria uma norma que tem impacto no direito à vida.

Para os concepcionistas, o embrião já possui a condição plena de pessoa,

compreendendo essa condição, a complexidade de valores inerentes ao ente em

desenvolvimento.Toda essa transformação é auto impulsionada e autogovernada pelo próprio

embrião.

É bem verdade, que há desdobramentos na própria teoria concepcionista,

nessa direção, o mundo jurídico auxiliado por outras áreas do conhecimento, tais como a

28 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v.1, 25 ed.São Paulo, 2008, p.185.

30

biologia, embriologia e a biomedicina, e diante da necessidade de se estabelecer um marco a

partir do qual se garantisse respeito efetivo ao embrião humano, foram elaboradas diferentes

teorias acerca do início da vida humana. Essas teorias foram produzidas sempre com base nas

diversas etapas do desenvolvimento embrionário e com a finalidade de servirem de orientação

na implementação por parte do Estado, de normas que determinassem o estatuto jurídico do

embrião humano, e, por conseqüência, foram também formuladas com o propósito de nortear

o implemento de políticas públicas relacionadas às pesquisas com células-tronco embrionárias

humanas.

3.2.2.1 TEORIA DA SINGAMIA

Essa teoria relaciona o início da vida ao instante em que ocorre a penetração

do espermatozóide no óvulo, no momento preciso da fertilização, antes mesmo da concepção.

Os adeptos dessa corrente defendem que, com a fertilização, inúmeras

reações químicas são desencadeadas e o processo de individualização e personalização de um

novo ser humano é posto em andamento, sendo irrelevante a não ocorrência, ainda, da fusão

dos pronúcleos das células germinativas e, conseqüentemente, a formação do zigoto.29

3.2.2.2 TEORIA DA CARIOGAMIA

Por sua vez, a cariogamia, relaciona o início da vida ao momento da

concepção, isto é, ao momento em que ocorre a fusão dos pronúcleos dos gametas masculino

e feminino. Os partidários dessa corrente sustentam que, só após essa fusão, ocorrerá a

formação de um novo ser, dotado de uma identidade genética individualizada.

Fundamentam essa posição em quatro argumentos cientificamente

comprovados, de acordo com os quais: somente com a junção dos pronúcleos inicia-se uma

nova célula, constituída de uma estrutura única, diferente de qualquer outra existente; essa

nova célula desenvolve-se de forma autônoma, gradual e coordenada por informações

contidas no seu próprio código genético; a força que impulsiona essa célula é intrínseca e

29 *ADORNO, Roberto. El derecho argentino ante los riesgos de coisificacioón de La persona em La fecundacion invitro. In: Adorno, Roberto (org.). El derecho frente a La fecundación artificial. Buenos Aires:Editorial Ábaco de Rodolfo de Palma, 1997.** ROCHA, Renata. A pesquisa em célula-tronco. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.77. *texto original/**texto consultado.

31

contínua; de sorte que o zigoto, resultado desse processo precedente, representa o primeiro

estágio de um ser humano original no limiar de seu ciclo vital.30

3.2.3 TEORIAS GENÉTICO-DESENVOLVIMENTISTA

A teoria supra relaciona o início da vida humana à eleição das fases que vão

se impondo no decorrer do desenvolvimento embrionário. Para os partidários dessa corrente,

o embrião humano adquire status jurídico e moral gradualmente, à medida que seu

desenvolvimento avança no tempo.

Desse modo, tomando-se como ponto de partida os diferentes estágios

constantes do processo evolutivo embrionário, decorrem da teoria genético-

desenvolvimentista as mais diversas teorias acerca do início da vida humana, dentre as quais

destacam-se: a teoria da nidação do ovo, a teoria da formação dos rudimentos do sistema

nervoso central e a teoria do pré-embrião.31

3.2.3.1 TEORIA DA NIDAÇÃO

A nidação consiste na fixação do ovo no útero da mulher. Para essa teoria,

somente após a ocorrência desse fato é que se origina uma nova vida humana. Aqueles que se

filiam a essa corrente defendem que sem fixar-se no útero materno o embrião não teria

condições de se desenvolver. Todavia, em maio de 1983, a imprensa divulgou o nascimento,

com êxito, de uma menina oriunda de uma gestação abdominal.32

3.2.3.2 TEORIA DA FORMAÇÃO DOS RUDIMENTOS DO SISTEMA

NERVOSO

A teoria dos rudimentos do sistema nervoso central relaciona o início da

vida humana ao aparecimento dos primeiros sinais de formação do córtex central, que ocorre

entre o décimo quinto dia e o quadragésimo dia da evolução embrionária.

Os adeptos dessa teoria defendem que a atividade elétrica do cérebro

começa a ser registrada a partir da oitava semana de desenvolvimento embrionário. O

30 Ibid., n.29 p.78. 31 MARTINEZ, Stella Maris.Manipulação genética e o direito penal.São Paulo: ibccrim Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1998, p. 262

32

conhecimento desse fato levou os simpatizantes da teoria da formação do sistema nervoso

central a sustentar que somente após a verificação da emissão de impulsos elétricos cerebrais

é que se pode afirmar que se iniciou uma vida especificamente humana. O principal defensor

dessa teoria é o renomado biólogo Jaques Monod, entendendo que, por ser o homem um ser

fundamentalmente consciente, não é possível admiti-lo como tal antes do quarto mês de

gestação, momento em que se verifica, eletroencefalograficamente, a atividade do sistema

nervoso central diretamente relacionado à possibilidade de possuir consciência.33

3.2.3.3 TEORIA DO PRÉ-EMBRIÃO

A teoria do pré-embrião, dentre as teorias genético-desenvolvimentistas, é a

que mais exerceu influência no cenário legislativo mundial. Surgiu como resultado de um

parecer para assuntos de reprodução assistida, formulado no ano de 1984, na Inglaterra, sob a

epígrafe de Relatório Warnock.

A comissão que elaborou o relatório entendeu que até o 14° dia após a

concepção o que existe não é um ser humano, mas sim uma célula progenitora dotada de

capacidade de gerar um ou mais indivíduos da mesma espécie, pronunciando-se, assim,

favoravelmente à experimentação científica em embriões humanos até essa data.34

3.2.4 TEORIA DA PESSOA HUMANA EM POTENCIAL

A teoria que considera o embrião humano uma pessoa em potencial

apresenta-se como alternativa às duas teorias anteriormente apresentadas, a saber, a

concepcionista e a genético-desenvolvimentista.

Sob a ótica da teoria da pessoa humana em potencial, não é possível

identificar totalmente o embrião humano com a pessoa humana, uma vez que ainda não é

dotado de personalidade e, para tanto, o embrião teria que ser capaz de exercer direitos e de

contrair obrigações. Por outro lado, também não se admite reduzir seu status a um mero

aglomerado de células, uma vez que seu desenvolvimento destina-se, inelutavelmente, à

formação de um ente humano.

32 Ibid., p. 88. 33 Ibid., n.31, p.87. 34 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro dos. Imaculada Concepção: nascendo in vitro e morrendo in machina. São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 128-9

33

Diante disso, os autores que se filiam a essa corrente preferem reconhecer

no embrião uma pessoa humana em potencial, referindo-se à potencialidade de pessoa para

designar a autonomia embrionária e reivindicar um estatuto próprio.35

3.2.5 TEORIA DA PERSONALIDADE CONDICIONADA

Segundo esta teoria, o início da personalidade começa com a concepção,

entretanto, mediante a condição suspensiva do nascimento com vida, ou seja, nascendo o feto

com vida, a sua personalidade retroage à data de sua concepção. Durante a gestação, o

nascituro tem a proteção da lei, que lhe garante certos direitos personalíssimos e patrimoniais

sujeitos a uma condição suspensiva.

Seus doutrinadores argumentam que, durante a gestação, o nascituro tem a

proteção da lei, que lhe garante certos direitos personalíssimos e patrimoniais sujeitos a uma

condição suspensiva. O curador ou o seu representante legal o representará, a fim de garantir-

lhe os direitos assegurados eventualmente.

São simpatizantes desta teoria: Washington de Barros Monteiro, Miguel

Maria de Serpa Lopes, Gastão Grossé Saraiva, Walter Moraes, entre outros.

35 BARTH, Wilmar Luiz. Célula-tronco e bioética: o progresso biomédico e os desafios éticos. Porto Alegre: Edipucrs, 2006, p.98.

34

CAPÍTULO III

4 LAICIDADE DO ESTADO, AS INFLUÊNCIAS RELIGIOSAS E O

JOGO DE INTERESSES DE ORGANIZAÇÕES NO PODER DE LEGISLAR

A lógica que leva um Estado a ser laico, reside em um longo processo

histórico resultante de um conjunto de forças que a princípio marcharam em busca da

afirmação dos chamados direitos humanos de primeira geração, que inclui os direitos civis e

políticos, quais sejam: os direitos à vida, à liberdade, o direito à liberdade de religião, à

propriedade, à segurança pública; proibição da escravidão, proibição da tortura; à igualdade

perante a lei, a proibição da prisão arbitrária, o direito a um julgamento justo, o direito de

habeas corpus, o direito à privacidade do lar e ao respeito da própria imagem pública; à

garantia de direitos iguais entre homens e mulheres no casamento, de livre expressão do

pensamento; à liberdade de ir e vir dentro do País e entre os países, a asilo político, a ter uma

nacionalidade, à liberdade de imprensa e de informação, à liberdade de associação, à

liberdade de participação política direta ou indireta; o princípio da soberania popular e as

regras básicas da democracia: a liberdade de formar partidos, de votar e ser votado.

Conforme preceitua o artigo 19 inciso I da atual Carta Magna é vedado a

União, aos Estados e Municípios relações de dependência ou aliança com quaisquer religiões.

Desse modo, conceitua-se Estado Laico, como aquele que não se confunde com determinada

religião, não adota uma religião oficial, permite a mais ampla liberdade de crença, descrença e

religião, com igualdade de direitos entre as diversas crenças e descrenças, no qual

fundamentações religiosas não podem influir nos rumos políticos e jurídicos da nação.

Essa garantia constitucional à liberdade religiosa representa a amplitude

democrática de uma nação, permitindo a livre manifestação de princípios religiosos que

guiam os atos do homem na sua busca divina e abrange atitudes internas como o pensamento,

a moral e a adoração, e também externas, como a liturgia, o culto e as orações. O respeito do

Estado à Constituição resulta na livre existência das diversas crenças, nas exposições dos

pensamentos religiosos e permissão para que o indivíduo opte por aderir ou não ao que lhe

está sendo proposto: a fé em Deus.

A laicidade compõe as constituições brasileiras desde 1891, com a primeira

constituição republicana, e desde então se justifica em razão do princípio da neutralidade.

35

Como afirma Mahon36

O princípio da Neutralidade proíbe o Estado de interferir diretamente nos negócios religiosos e impõe ao mesmo se afastar, nos atos públicos, de toda consideração religiosa suscetível de comprometer a liberdade dos cidadãos dentro de uma sociedade pluralista. No entanto, a exigência de neutralidade não é absoluta. O Estado não é obrigado a fazer prova de uma indiferença total aos olhos da religião, pois ele pode manifestar-se em relação à religiosidade, na forma da lei, em nome do interesse público.

É certo que o Estado deve buscar a imparcialidade em relação às religiões,

evitando discriminações em todos os sentidos. A criação de igrejas e cultos religiosos não é

permitida às pessoas de direito público, não podendo, inclusive, participar de forma alguma

no funcionamento delas.

No relacionamento entre Estado e a religião permite exceções. Assim, o

artigo 19, inciso I da Constituição Federal apesar de impedir relações de dependência ou

aliança entre o Estado e as religiões, mesmo assim, em colaboração com o interesse público,

permite as relações diplomáticas entre o Estado da Santa Sé e o Brasil. O referido artigo

salienta a expressão, na forma da lei, ao permitir vínculos extraordinários entre os dois

poderes.

Ao adotar a laicidade, o Estado deixou de possuir uma religião oficial, mas

não foi extremo para se tornar um Estado ateu, pois respeita as crenças religiosas. Houve,

assim, por parte do Estado brasileiro o reconhecimento dos valores universais, como a

liberdade de pensamento, consciência e religião.

A interpretação da relação entre Estado e Religião albergada na

Constituição, somente se viabiliza com a utilização dos princípios basilares de todo o

ordenamento em questão; ressaltam-se a igualdade, a tolerância e a laicidade que equalizam

esta relação que ainda vivencia fortes influências tendentes a posicionar o pêndulo para o lado

mais conveniente.

Por essa razão é preciso que o povo e de modo especial os legisladores

brasileiros estejam atentos na observação da conjugação de forças e dos mais diversos

interesses a influenciarem na composição legislativa para feitura de leis, para regrar as mais

variadas situações

36 *MAHON, P. Droit Constitutionnel - Les droits fondamentaux, volume III, 2001, p.32. **NAME, Paula Carmo. Dos princípios que fundamentam a relação Estado e Religião. Revista Ponto-e-vírgula 4. PUC. São Paulo, p 82. ** Disponível em: <http://www.pucsp.br/ponto-e-virgula/n4/artigos/pdf/8_Paula_Carmo_Name(revisado).pdf> Acesso em 07 de maio de 2008. *texto original/**texto consultado.

36

Conforme ensinamento de Flávia Piovesan37 ao tratar sobre o tema do

Estado laico, observa-se que um dos grandes obstáculos à implementação dos direitos

humanos, configurados constitucionalmente como direitos fundamentais e direitos e garantias

individuais, reside exatamente na questão da laicidade estatal, isto porque o Estado laico é

garantia essencial para o exercício dos direitos humanos, especialmente nos campos da

sexualidade e reprodução, suas argumentações indicam que:

Confundir Estado com religião implica a adoção oficial de dogmas incontestáveis, que, ao impor uma moral única, inviabiliza qualquer projeto de sociedade aberta, pluralista e democrática. A ordem jurídica em um Estado Democrático de Direito não pode se converter na voz exclusiva da moral de qualquer religião. Os grupos religiosos têm o direito de constituir suas identidades em torno de seus princípios e valores, pois são partes de uma sociedade democrática. Mas não têm o direito a pretender hegemonizar a cultura de um Estado constitucionalmente laico. No Estado laico, marcado pela separação entre Estado e religião, todas as religiões mereçam igual consideração e profundo respeito, inexistindo, contudo, qualquer religião oficial, que se transforme na única concepção estatal, a abolir a dinâmica de uma sociedade aberta, livre, diversa e plural. Há o dever do Estado em garantir as condições de igual liberdade religiosa e moral, em um contexto desafiador em que, se de um lado o Estado contemporâneo busca separar-se da religião, esta, por sua vez, busca adentrar nos domínios do Estado (ex: bancadas religiosas no Legislativo).

Fundamentado na argumentação lógica que preceitua a laicidade estatal, é

importante refletir sobre a seguinte questão:

A produção legislativa nacional é isenta de influências de grupos

articulados que abrigam interesses, quer sejam religiosos, científicos, filosóficos, culturais,

quer sejam capitalistas, ideológicos ou de qualquer natureza ?

Dependendo do público alvo a refletir sobre tal indagação, certamente,

várias seriam as respostas, cuja visão individual poderia ser bem diferente da coletiva.

Influências sempre vão existir, o mais importante é que o resultado desses

atos, sejam fruto do consenso da maior parte da população atingida.

Cabendo restringir, tudo aquilo que for malefício para a sociedade. Porém,

outras indagações surgem: Como identificar e comprovar tais malefícios? Quais os

instrumentos de eliminação? Há disposição clara para esse combate?

Uma boa resposta baseia-se nos ensinamentos da Sociologia Jurídica. É

fácil compreender que o direito nasce da luta de classes, dos conflitos sociais, do permanente

desejo de libertação e superação das desigualdades. É um processo em construção

37 PIOVESAN, Flávia. Caderno de direito constitucional. 4ª Região EMEGIS, 2006, p. 15.

37

permanente, produto e produtor das transformações históricas. Daí a lógica de que o Direito

só pode ser concebido, tendo como destinatários os seres humanos em convivência.

Nessa perspectiva, entende-se que o direito, na sociedade capitalista, não é a

pura e simples expressão da vontade da classe dominante. Nem é o simples reflexo das

determinações econômicas, que uma concepção simplista da relação entre infra-estrutura e

superestrutura poderia nos fazer crer. Pode-se dizer que o direito moderno, pela sua função

ideológica, institui-se como mediador entre as classes, desse modo, para que o direito apareça

como justo é necessário que possa manter uma lógica coerente com os critérios de igualdade,

que possa ser utilizado como um obstáculo à exploração desenfreada da classe dominada pela

classe que está no poder.

Contudo, não se pode esquecer que um dos grandes malefícios da

humanidade é a corrupção, a busca desenfreada pelo poder nas mais diversas formas, onde o

principal bem perseguido é o dinheiro, e para sua conquista são violados todos os princípios

éticos e como bem diz Jean Bernard:38 [...]“ a ética não tem pior adversário que o dinheiro.”

Para evitar tais acontecimentos é preciso que a sociedade esteja sempre vigilante à defesa

permanente, principalmente dos direitos humanos, que os constituintes nacionais os

classificaram como direitos e garantias fundamentais.

4.1 INFLUÊNCIAS RELIGIOSAS NA CONSTRUÇÃO DE UM DIRE ITO

CONSIDERADO SAGRADO

Não é de hoje, que é sabido por muitos, que as religiões têm fortes

influências na consolidação dos direitos ditos como naturais, ou aqueles inerentes ao ser

humano, de caráter intrínseco, cuja particular atenção reside no direito à vida, que na crença

da maioria das religiões, de modo especial do Cristianismo, a vida tem um valor que pela

própria natureza da pessoa humana, este direito está dentro de si e lhe é próprio, interior,

íntimo, sagrado, tendo assim uma conotação irredutivelmente religiosa. Direito esse que não

depende de nenhum pressuposto sobre os direitos ou interesses da pessoa, para que o Estado

possa tutelar.

O conhecimento religioso ou teológico diferentemente do científico, não é

fundado na comprovação, pois suas verdades não são submetidas ao teste da observação ou

da experimentação, pois se trata de uma questão de crença e de fé no seu dogma, que é o

38 BERNARD,Jean. Da biologia à ética. Campinas: Editorial PSY, 1994, p.247.

38

ponto fundamental e indiscutível em razão de apoiar-se em doutrinas e contém proposições

sagradas, valorativas, por terem sido reveladas pelo sobrenatural, por ser fruto de inspiração

divina tais verdades são consideradas infalíveis e indiscutíveis, sendo entendido que o

mundo é obra do criador divino.

Desde as épocas mais remotas da história, a religião exerceu um domínio

absoluto sobre as coisas humanas. A falta de conhecimento científico era suprida pela fé. O

Direito era considerado como a expressão da vontade divina. O movimento de separação entre

direito e religião cresceu ao longo do séc. XVIII, especialmente na França, nos anos que

antecederam a Revolução Francesa que culminou na Declaração de Direitos do Homem e do

Cidadão.

A adesão das pessoas passa a ser um ato de fé, pois, a visão sistemática do

mundo é interpretada como decorrente de um ato de um criador divino, cujas evidências não

são postas em dúvida, nem sequer verificáveis.

Nem por isso, as suas crenças e valores não deixam de ser pautados em

determinadas comprovações, a exemplo das escrituras sagradas e de conhecimentos mais

aprofundados da teologia, em muitos casos, também se busca auxilio através de outras áreas

do conhecimento, de modo a se estabelecer determinada comprovação daquilo que se

apresenta pairando dúvidas e controvérsias, a exemplo do marco a partir do qual se dar o

início da vida humana.

A grande controvérsia da atualidade é sobre a definição do começo da vida,

contudo, há uma posição muito firme do Cristianismo, e conforme estudos realizados por

teólogos e filósofos cristãos, a exemplo de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, os

quais influenciaram durante séculos a Igreja Católica, onde se observa que no decorrer do

tempo e até os dias atuais, não houve uma posição única, que durante séculos a igreja se

posicionou através de procedimentos disciplinares que consistiam na diferenciação entre feto

animado e não animado, ou seja, este sem alma e aquele com alma, também denominada de

doutrina da animação.39

Um dos temas a despertar a defesa pela preservação da vida defendida pela

Igreja Católica, está relacionada à questão do aborto que no mundo Grego-romano era um

prática comum, mas já em seus primórdios com o Cristianismo a impor-se como religião do

Estado, inicia-se o período em que o aborto ganhara o estatuto de crime abominável, um

pecado que atenta contra a ação criadora de Deus, destruindo uma criatura que Lhe pertence.

39 DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida-Aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 55-63.

39

Apesar deste princípio geral, a posição sobre o momento em que o feto passa plenamente a

pessoa nunca foi unânime.

A polêmica atravessará séculos, o que após a separação da Igreja do Estado,

fato esse influenciado pela revolução francesa, a Igreja Católica vem reafirmar que o

nascituro é pessoa desde o momento da concepção.

Sobre tais argumentos Ronald Dworkin40, esclarece:

Muitos acreditam que o decreto papal de 1869, no qual Pio IX declarava que até mesmo o aborto prematuro podia ser punido com a excomunhão, marcou a primeira rejeição oficial da concepção tradicional de que o feto é dotado de alma, algum tempo depois da concepção, e a adoção oficial da concepção atual da animação imediata. Há um debate considerável entre historiadores e filósofos da religião a propósito do que teria deflagrado tal mudança. Alguns filósofos católicos sugerem que as descobertas da biologia moderna encontram-se na origem dessa mudança, mas, como vimos essas descobertas foram no mínimo capazes de levar líderes religiosos a acreditar que a animação ocorre não antes, mas depois do ponto assinalado por Santo Tomás de Aquino.

Importante ressaltar, que com os avanços das teses sustentadas pelo

iluminismo, desde o século XVIII, as democracias ocidentais haviam começado a rejeitar, na

esfera política, os argumentos explicitamente teológicos, ocasião em que são fortalecidos os

argumentos com bases científicas.

É verdade que a posição atual da Igreja Católica mudou para a doutrina da

animação imediata, preconizando que a vida humana é sagrada desde o momento da

concepção.

Hodiernamente a posição oficial da Igreja sobre a vida do feto está prevista

em suas Instruções sobre o respeito pela vida humana em sua origem e sobre a dignidade da

procriação, publicada em 1987, pela Sagrada Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé,

com a respectiva permissão do Papa. Esse documento anuncia que “ todo ser humano tem

direito à vida e à integridade física desde o momento da concepção até a morte”41

Não se podem desprezar as influências de outros segmentos religiosos que

em regra, seguem as mesmas argumentações defendidas pela Igreja católica, com raras

exceções. Como exemplo da lei judaica, ao defender que um feto não é uma pessoa, e pessoa

alguma existirá enquanto não ocorrer o nascimento.

Apesar do posicionamento das religiões, não significa dizer que exista

unanimidade de pensamento, quanto aos seus seguidores e doutrinadores. Mas uma coisa é

40 Ibid., n.38, p. 62.

40

certa, que as idéias da Igreja tem significativa influência na configuração e consolidação dos

direitos e garantias fundamentais relacionadas à vida e a dignidade da pessoa humana, isso

não há dúvida, mesmo porque, agregam-se ao pensamento religioso um variado número de

Movimentos em Prol da Vida, que comungam dos mesmos propósitos e se articulam em

defesa da vida, apesar de muitos desconsiderarem esses movimentos contrários a utilização de

embriões humanos em pesquisas, a influência desses grupos, religiosos ou não, não é

pequena. Suas atuações e opiniões contrárias influenciam muitos países católicos e fazem

grande diferença para a formulação de legislações e decisões políticas.

4.2 INFLUÊNCIA DE GRUPOS CAPITALISTAS E A QUESTÃO D AS

PATENTES

É notório que há uma célere expansão da pesquisa científica na área de

reprodução humana, cujos estudos necessitam de fortes investimentos financeiros,

normalmente os Estados enquanto entes públicos cheios de amarras burocráticas, dificultam

os investimentos necessários às áreas de ciência e de tecnologia.

A forte presença do setor privado em áreas que deveriam ser,

essencialmente, subvencionadas pelo setor público, entre elas a saúde, tem sido um tranço

característico das sociedades capitalistas. Assim a falta de investimentos de recursos públicos

nesse âmbito acabou conduzindo a uma lenta e gradual privatização desses setores.

Considerando o imenso e atrativo mercado biomédico e às indiscutíveis

possibilidades de retorno financeiro observa-se, uma grande corrida de grupos privados a

unir-se com cientistas e pesquisadores, no intuito de acelerar novas descobertas.

Exemplos não faltam, pois o médico e cientista norte-americano J. Craig

Venter, fundou em 1994 o Instituto de Pesquisas TIGR (The Institute for Genomic Research),

subsidiado por empresas privadas com a finalidade de começar a decodificação do genoma

humano em grande escala. E, quatro anos após, o cientista fundava a empresa Celera

Genomics, seu próprio projeto privado de seqüenciamento do genoma, em parceria com outra

empresa americana, a Perkin-Elmer Corporation.

A partir da divulgação oficial dessas parcerias, inaugurou-se um novo

espaço, pois inúmeras empresas privadas ligadas ao setor de biotecnologia e biomedicina

41 *Tradução inglesa (Londres: Catholic truth society, 1987).** DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida-Aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 54. * texto original/**texto consultado.

41

acrescentaram outras pesquisas relacionadas ao conhecimento do código genético, entre elas

destaca-se a pesquisa envolvendo células-tronco embrionárias humanas.

Nesse sentido, Marília Bernardes Marques42 observa:

No reino empresarial [...] a principal referência da atualidade é a Advanced Cell Techonology – ACT [...] empresa sediada no estado norte-americano de Massachusetts, fundada [...] com propósito de desenvolver técnicas de clonagem em rebanhos e animais transgênicos, usados para produzir medicamentos no leite. Sua trajetória tecnológica mescla animais e humanos nas pesquisas com células-tronco e clonagem, gerando elementos híbridos. Mais recentemente, essa empresa direcionou o foco de seu interesse para as técnicas em medicina regeneradora, voltando-se para as pesquisas em célula-tronco embrionárias humanas.

Começa a fazer sentido, o pesado investimento privado no Projeto Genoma

Humano, quando se leva em conta o retorno financeiro, que adviria desse mercado promissor

e descoberto pela ciência.

Assim se pronunciou Jeremy Rifkin:43

[...] há um potencial e crescente mercado para os testes genéticos que são estimados em dezenas de bilhões de dólares, já nos primeiros anos do século 21, pois tudo indica que o fio condutor da economia desse século será a engenharia genética, tendo como locomotiva o projeto Genoma Humano.

Assim, para garantir o retorno dos investimentos, o grande receio reside na

questão ética, haja vista, relação de dependência entre a produção científica e os

investimentos em pesquisa e desenvolvimento e as questões bioéticas decorrentes do possível

patenteamento de células-tronco torna esta questão de interesse universal, pois como já foi

dito anteriormente ao citar Jean Bernard44, [...] “ a ética não tem pior adversário que o

dinheiro.” Ficando evidente, que o setor privado não vai fazer investimento em vão, e

visando tão somente o interesse da coletividade.

Um fato marcante que chamou atenção da imprensa mundial a esse

respeito, trata-se do caso das patentes de células-tronco animais e humanas promovidas pelo

pesquisador John Thomson45 que ganhou repercussão mundial e tem sido um tema de grande

controvérsia.

42 MARQUES, Marília Bernardes. O que é célula-tronco. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 46. 43 RIFIKIN, Jeremy. O século da biotecnologia: a valorização dos genes e a reconstrução do mundo. São Paulo: Makron Books, 1999, p. 28. 44 Ibid., n.31, p. 247. 45 *Plas JV. There´s a new dynamic in the stem cell debate- Impact of new stem cell extraction on WARF patents remains unclear." Wisconsin Technology Network 2006. Disponível em:<http://www.wistechnology.com.>**FERNANDES, Márcia Santana. CÉLULAS-TRONCO HUMANAS E AS PATENTES.Disponível em < http://www.seer.ufrgs.br/index.php/hcpa/article/view/7220/4595>. Acesso em 08 Mai 2009. *texto original/**texto consultado.

42

O debate torna-se central à medida que o próprio cientista John Thomson, em 28 de maio de 2008, publicou na revista Forbes a notícia que estava deixando a Universidade de Wisconsin para formar a empresa Cellular Dynamics International, esta tem o seu foco na realização de testes de drogas experimentais e seus efeitos colaterais na área cardíaca, utilizando para tanto as linhagens de células-tronco embrionárias como instrumentos de pesquisa. Este cientista afirmou, em outras palavras, que seria pouco provável que as linhagens celulares embrionárias pudessem ser utilizadas em terapias, como o transplante, ou mesmo curar doenças, como Câncer, Parkinson e Alzheimer, mas sim elas seriam úteis para realização de teste de medicamentos. Esta prospecção à utilização das células-tronco embrionárias tem sido, já há algum tempo, comentada por outros cientistas da área e isso justifica o interesse econômico para referidas linhagens.

Por essa razão, pode-se afirmar que as patentes não são o instrumento

jurídico adequado para garantir a promoção da pesquisa com células-tronco, visando

salvaguardar a saúde pública ou até mesmo o compartilhamento dos conhecimentos gerados

pelas pesquisas neste campo. Daí, a grande apreensão e medo quanto o possível dano a

humanidade, com esse tipo de desvio, no que se relaciona aos rumos que as pesquisas em

célula-tronco embrionárias possa tomar. Pois desse modo o conhecimento científico equipara-

se a uma ideologia, pois abriga valores e interesses, nem sempre percebidos ou tornados

explícitos por seus protagonistas.

43

CAPÍTULO IV

5 DA PESQUISA CIENTÍFICA EM CÉLULAS-TRONCO

Partindo da premissa maior de que todo ser humano adulto é composto de

um conjunto expressivo de células ( aproximadamente 75 trilhões)46, desde a antiguidade até

os dias atuais, esse ser pensante foi o grande protagonista a realizar mudanças que foram

produzidas ao olhar do homem em relação a si e ao universo que o cerca.

O ser humano pela sua própria natureza é derivado de um processo vital,

mutatório e transformador, constituído de um ciclo que tem em si, o seu início com a

fertilização do óvulo pelo espermatozóide, em seguida, por meio de um processo autônomo,

forma o zigoto, este evolui naturalmente transformando-se em mórula, esta em blastócito, e

assim sucessivamente, toda essa transformação é auto-impulsionada e autogovernada pelo

próprio embrião. Ao nascer e ainda neófito ao universo que o cerca, continua o seu processo

inquietador de mudanças, constituindo-se de ações permanentes.

Penetrar nos mistérios da vida sempre foi um desejo latente do ser humano.

Desvendar o espaço exterior, o cosmo, e descer às profundezas abismais e enigmáticas dos

oceanos. O desconhecido e o culto sempre fascinaram o imaginário do homem e o desafiaram

a pesquisar o que pode ser desvendado pela ciência.

Por essas razões, pode-se afirmar que as respostas aos questionamentos

humanos mais íntimos e legítimos não foram apenas encontrados nos mitos, na religião, nem

tão pouco na filosofia; na modernidade estes questionamentos estão sendo oferecidos pela

revolução científica.

Sendo a célula o elemento básico da composição do ser humano, que lhe

proporciona vida e sendo esse elemento objeto de pesquisas pela ciência, cabe ao próprio ser

humano compreender melhor esse processo e estabelecer os limites de uso e proteção.

As células-tronco embrionárias estão presentes nos primeiros estágios do

desenvolvimento embrionário. Surgem quando da estruturação de um novo organismo.

As primeiras pesquisas com células-tronco foram realizadas em 1960,

porém, somente em meados de 1970 esses estudos começaram a se aprofundar.

Em 1994, foram diferenciadas as primeiras células-tronco de blastócitos

humanos, a partir de embriões excedentes da técnica de fertilização in vitro, criados para fins

46 FRANÇA,Martha San Juan. Células-tronco Esses ‘mihages’ merecem fé. São Paulo: Mostarda editora, 2006, p.13.

44

reprodutivos e doados para fins de pesquisas. Embora as células-tronco extraídas tivessem

apresentado cariótipo normal, isto é, o número de cromossomos pertinente a um embrião

humano regular, essa cultura só se manteve até o estágio de duas células não alcançando,

portanto, a fase em que a célula-tronco embrionária apresenta sua principal propriedade, isto

é, a pluripotência.

No final de 1998, a empresa Geron Corporation, de Mellon Park, na

Califórnia, Estados Unidos, anunciou que seus pesquisadores James Thomson da

Universidade de Wisconsin, em Madison, e John Gearhart, da Universidade de Johns

Hopkins, em Baltimore, haviam conseguido isolar e cultivar em laboratório linhas de células-

tronco provenientes de embriões humanos em estágio de blástula.

Nesse estágio, as células-tronco embrionárias humanas destacadas,

caracterizam-se quando o embrião está na fase contendo aproximadamente duzentas células

e contando com quatro ou cinco dias de fecundação, são aquelas que apresentam a

característica da pluripotência, equivale dizer, que possuem a capacidade de se converter nas

mais de duas centenas de tecidos que constituem o ser humano, além de possuírem a

habilidade de se auto-replicar e de se auto-renovar infinitamente.

A pesquisa desenvolvida pelo cientista James Thomson isolou e cultivou

células-tronco de embriões humanos em fase de blastócito, oriundos de clínicas de fertilização

in vitro. Esses embriões haviam sido produzidos com vistas a atender a um projeto parental.

Contudo, como não seriam mais utilizados para essa finalidade foram destinados às pesquisas.

5.1 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA: FERTILIZAÇÃO IN VITRO

E OS EMBRIÕES EXCEDENTES

Antes de adentrar a questão das pesquisas com células-tronco embrionárias

humanas, é importante lembrar e assentar, que foi por intermédio da medicina reprodutiva

que a ciência recentemente alcançou, com suas intervenções, o embrião humano.

Uma das necessidades humanas de sua perpetuação é a procriação, no

sentido de garantir a existência de gerações futuras, porém, pela própria natureza, algumas

pessoas não têm a capacidade natural de reproduzir, sendo necessária a ajuda da ciência, daí o

surgimento do propagado bebê de proveta, que corresponde à reprodução humana

medicamente assistida, que é a prática terapêutica que tem por fim promover a realização de

um projeto parental e se verifica por meio da união artificial dos gametas feminino e

masculino, que são as células germinativas humanas, dando origem, assim, a um novo ser.

45

A ausência de filhos quebra a cadeia familiar, em regra frustra todos os

projetos do casal. É por essa razão que a Constituição Federal de 1988 consagra, em seus

arts. 226, § 7°, e 227, § 1°, I, entre outros, o direito de constituir família, o direito ao

planejamento familiar, e, ainda, a proteção da maternidade.

Essa técnica de reprodução assistida desenvolve-se de duas formas: pela

ectogênese, ou fertilização in vitro, e pela inseminação artificial.

Como nos ensina Renata da Rocha47 a inseminação artificial processa-se

pelo método GIFT (Gametha Intra Fallopian Transfer), por meio do qual ocorre a inoculação

do sêmen na mulher sem que haja qualquer manipulação externa de óvulo ou embrião. Já a

ectogênese ou fertilização in vitro, conhecida pela sigla ZIFT (Zibot Intra Fallopian Transfer),

concretiza-se na retirada de óvulo da mulher, na sua fecundação em uma proveta, com o

sêmen do marido ou de outro homem e na introdução do embrião no útero da mulher ou no de

outra.

Dar-se-á ênfase à fertilização in vitro, em detrimento da inseminação

artificial, em razão de ser ela a técnica que tornou possível a manipulação do embrião humano

nos primeiros estágios de seu desenvolvimento, bem como por ser o procedimento que resvala

na produção dos denominados embriões excedentes nos quais os pesquisadores, embevecidos

pelas infinitas possibilidades terapêuticas, pleiteiam pesquisar.

Dessa maneira, a mulher que se submete à terapia de fertilização in vitro é

estimulada, por meio de hormônios, a produzir uma múltipla ovulação, em seguida, esses

óvulos são retirados e colocados junto ao esperma em meio a uma cultura de 37 graus

centígrados por um período de 12 a 18 horas, na expectativa de que a fecundação se processe.

Em caso positivo, os pré-embriões são transferidos ao útero feminino, dando início à

gestação.

Na maioria das vezes, em virtude da hiperovulação provocada com intuito

de atingir êxito na utilização da técnica, um grande número de fecundações é observado,

contudo, somente três, ou no máximo, quatro pré-embriões devem ser transferidos ao útero

feminino, de acordo com a orientação médica majoritária. Assim é em razão do risco da

ocorrência de uma gravidez múltipla, de aborto espontâneo, ou mesmo, de nascimento

prematuro.

No Brasil, o Conselho Federal de Medicina através da resolução nº

1.358/1992, recomenda que o número ideal de pré-embriões a serem transferidos para a

47 Ibid., n.23, p.46

46

receptora não seja superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de

multiparidade.

Os pré-embriões que não são transferidos ao útero feminino, também

denominados de embriões excedentes ou supranumerários, são submetidos à crioconservação

ou congelamento, técnica que permite conservar durante longo tempo os óvulos fecundados

possibilitando tornar concreta uma nova gravidez na doadora do gameta ou seu implante

numa mulher estéril.

Entretanto, na prática as hipóteses acima vislumbradas para o

aproveitamento dos embriões concebidos não vêm sendo verificadas. O que se tem de fato

observado é que, alcançando-se êxito na utilização da técnica e consumando-se a gravidez, os

embriões produzidos em excesso são, frequentemente, abandonados, esquecidos, deixados ao

largo nas clínicas de fertilização ín vitro, sendo, após um determinado período, sumariamente

descartados.

A partir desse ponto é que se deriva a matéria-prima para a realização das

pesquisas com células-tronco embrionárias. Nesse sentido Jussara Maria Leal de Meirelles48

adverte que há uma série de questionamentos, especulações e rumores, a exemplo das

possibilidades de estarem sendo deliberadamente produzidos embriões em número superior ao

que seria necessário para atender ao projeto familiar, com propósito único de destiná-los à

pesquisa científica.

Contudo, a reprodução assistida, além de poder ser utilizada como terapia

para superar a incapacidade, ou mesmo, a dificuldade física de ordem natural do ser humano,

também pode ser utilizada para fins espúrios. Isso porque, por meio da reprodução humana

assistida, é permitido ao médico identificar o conteúdo genético das células germinativas e

dos embriões, sendo possível intervir geneticamente para evitar o desenvolvimento de um feto

portador de determinada doença genética, bem como garantir a presença de certos fenótipos.

5.2 CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

Para uma percepção mais compreensiva acerca das células-tronco

embrionárias exige, necessariamente, uma pré-compreensão dos diferentes tipos de células-

tronco já identificados pela ciência.

48 MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e a sua proteção jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, passim.

47

Assim é possível informar que as células-tronco caracterizam-se por duas

propriedades fundamentais: a primeira delas consiste na capacidade que elas têm de se

autoperpetuar ou auto-replicar, dividindo-se a partir delas mesmas, dando origem a outras

células com características idênticas; a segunda propriedade representa o principal interesse

dos cientistas nas pesquisas com células-tronco humanas e consiste na habilidade que algumas

apresentam de, em determinadas circunstâncias, se converterem em outros tipos celulares

especializados, responsáveis pela formação dos mais diferentes órgãos do corpo humano.

A respeito de sua capacidade de diferenciação, as células-tronco podem ser:

totipotentes, pluripotentes, multipotentes e unipotentes.49

As células-tronco totipotentes são aquelas que apresentam a capacidade de

se desenvolver em um embrião e em tecidos e membranas extra-embrionárias. Contribuem

para a formação de todos os tecidos celulares de um organismo adulto.

A totipotência é a capacidade funcional de uma célula de gerar um indivíduo

completo após um processo de desenvolvimento normal. Seu representante único é o óvulo

fecundado ( zigoto), pois somente a partir dessa célula é possível surgir um individuo adulto.

As células-tronco pluripotentes, presentes nos estágios iniciais do de-

senvolvimento embrionário, podem gerar todos os tipos de célula no feto e no adulto e são

capazes de auto-renovação, no entanto, não são capazes de se desenvolver em um organismo

completo, pois não dão origem a anexos embrionários como a placenta. Deriva da massa

celular interna de um embrrião com cinco dias de formação.

Já as células-tronco multipotente são encontradas em estágios posteriores do

desenvolvimento e que persistem após o nascimento. Também chamadas de células-tronco

adultas, e encontram-se localizadas em regiões distintas do corpo e tem capacidade de

originar subtipos celulares, mas não todas as células do corpo. São de difícil isolamento e

estão presentes em condições limitadas. A multipotência é a característica presente nos tecidos

e órgãos adultos, apropriadamente também são chamadas de células somáticas - do grego, que

significa soma, corpo -, porque não são, necessariamente, coletadas em um corpo adulto,

podem ser extraídas de uma criança, do sangue do cordão umbilical, placenta etc. A

capacidade regenerativa, mesmo que restrita a alguns órgãos, sempre chamou a atenção dos

cientistas. As células-tronco adultas são responsáveis pela manutenção de diversos tecidos e,

com certas limitações, pela recuperação de órgãos lesionados.

49 REHEN, Steves. PALSEN, Bruna. Células-tronco, O que são?Para que servem? Rio de Janeiro:Vieira&Lent,2007, p.24-25.

48

Muitos utilizam o termo plasticidade ao se referirem às células-tronco somáticas, a

plasticidade equivale, pois, à capacidade funcional que uma célula tem de gerar algumas

linhagens celulares, mas não todas.

Os pesquisadores destacam ainda as células-tronco unipotentes, apresentam

a capacidade de se converter em apenas um tipo de célula, mas que possuem a habilidade de

se auto-renovar, o que as distingue das células que não são células-tronco50

A fonte de pesquisa com células-tronco embrionárias surge a partir dos

diversos embriões formados durante a fertilização in vitro, em razão de apenas poucos serem

considerados saudáveis para serem implantados no útero materno, onde adquirirão a

capacidade de se desenvolver em um novo indivíduo. Os embriões considerados inviáveis,

por terem morfologia inapropriada serão descartados, e os demais permanecerão por um

longo tempo congelados nas clínicas de fertilização até que tenham sua viabilidade reduzida a

0% quando serão descartados. É a partir desses embriões descartados que são geradas as

células-tronco embrionárias humanas, quando há consentimento dos genitores.

Como se observa, é no embrião que são encontradas, em abundância, as

células-tronco embrionárias humanas, também conhecidas como células ES (Embryo Stem

Cell) dotadas de pluripotência, capazes de se converterem em outros tipos celulares e de

serem utilizadas na reparação de tecidos específicos, ou mesmo, na produção de órgãos.

São derivadas do embrioblasto em uma fase onde já estão orientadas a se

desenvolver em um embrião, sendo, por isso, chamadas de pluripotentes, porque, segundo a

conclusão dos cientistas, elas podem formar todos os tipos celulares que compõem um

organismo, incluindo as células das três linhas primordiais, elas são capazes de formar um

organismo completo mas, por não darem origem às células que formarão o trofoblasto, essas

células não conseguirão originar um embrião viável. Para melhor compreender a questão, é

importante recordar o processo da reprodução humana. Segundo Marília Bernardes

Marques:51

O óvulo fecundado inicia seu processo de divisão celular e, pelo menos até o estágio em que atinge oito células, denominado mórula, considera-se que as primeiras células resultantes dessa divisão possuem capacidade para diferenciação total (totipotência) [...] entre cinco e sete dias, segue-se o estágio denominado blastócito, quando o conjunto dessas células precoces ganham a forma de uma bola, com uma cavidade interna. Nesse blastócito, as células se agruparão em uma camada mais externa, de nome trofoblasto. É esse conjunto denominado trofoblasto que dará origem à placenta e aos anexos embrionários. Outras células se agruparão em uma capa que reveste a

50 MARQUES, Marília Bernardes. O que é célula tronco. São Paulo: Brasiliense, 2006, p.11-12. 51 Ibid., p.25-26.

49

cavidade interna do blastócito, formando uma espécie de parede interna, com cerca de trinta células-tronco ditas embrionárias. Será a partir dessa camada de células mais interna que se dará o processo comumente denominado organogênese, ou seja, de gênese de vários órgãos que um organismo adulto possui. São, portanto, células dotadas de pluripotência, de capacidade de engendrar as mais de duas centenas de tecidos que compõem o corpo de um embrião humano, menos a placenta e os demais anexos embrionários e fetais, que por isso são ditas pluripotentes e não totipotentes. Essas são as células-tronco embrionárias com as quais muitos almejam realizar pesquisas.

Geneticamente manipuláveis, as células-tronco embrionárias, derivadas de

embriões humanos, podem ser congeladas e clonadas, isto é, de uma única célula embrionária

pode-se criar uma colônia de células geneticamente idênticas, com as mesmas propriedades da

célula original, a serem induzidas a se proliferar ou se diferenciar, podendo ser utilizadas, de

acordo com os cientistas, na reparação de tecidos específicos e na produção de órgãos.

5.2.1 A LEGALIZAÇÃO ÀS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO

EMBRIONÁRIAS

No Brasil, anteriormente a vigência da Lei 11.105/2005, vigorava a Lei de

Biossegurança nº 8.794/95, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso,

em 1995, que proibia as pesquisas em embriões, a qual fora revogada, em 2005, com o

advento lei atual.

As pesquisas com células-tronco embrionárias são legalizadas no Brasil,

através da Lei 11.105, de 24 de Março de 2005, conhecida como Lei de Biossegurança.

Esta lei, trata em especial, de organismos geneticamente modificados, mas, em seu artigo

quinto, permite a pesquisa com células-tronco embrionárias humanas, cuja aprovação foi

fruto de um grande esforço das classes articuladoras dos interessados pró-pesquisa, após

uma grande campanha da comunidade científica, relacionada à área biomédica, classe essa,

envolvida nas pesquisas, e de milhares de pessoas portadoras de doenças incuráveis, como

mal de Parkinson e Alzheimer, diabetes, câncer, doenças cardíacas, doenças degenerativas

diversas, dentre outras, as quais vêem na utilização de células-tronco a última esperança para

a cura de tais doenças.

A esse respeito a jornalista Martha San Juan França52 narra os

acontecimentos do dia da aprovação na Câmara do deputados:

[...] desde as primeiras horas da manhã era grande a movimentação no Salão Verde da Câmara, no qual pesquisadores, religiosos e - principalmente –

52 Ibid.,n.46, p.11-12

50

deficientes físicos e portadores de doenças degenerativas em cadeiras de rodas conversavam com deputados. [...] “Estou radiante. Foi uma história muito suada, mas valeu a pena” – disse Mayana Zats, geneticista do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo [...] Por sua vez, o padre Márcio Fabri, teólogo e especialista em bioética do Centro Universitário São Camilo, em são Paulo, criticou o que considerava um erro de foco. “Infelizmente, a discussão toda tomou um caminho no qual interesses não declarados fizeram uma onda maior. Esses interesses não são apenas pelo progresso da humanidade, mas para transformar os serviços em produtos.”

As duas opiniões supracitadas simbolizam as articulações de forças

envolvidas na discussão à disputa da aprovação dessa lei. O que num sistema democrático,

esse tipo de concorrência, torna-se um processo até natural.

Desde a sua concepção até mesmo após aprovação, essa Lei vem sofrendo

severas críticas, especialmente quanto aos dispositivos que regulam as pesquisas com células-

tronco embrionárias.

Há certo consenso de que a Lei foi redigida com linguagem imprecisa,

confusa, ambígua e de valor semântico demasiadamente amplo, a lei mescla temas

extremamente relevantes, polêmicos, controversos e dissociados como a questão da produção

de sementes transgênicas e a disponibilização de embriões humanos para fins de pesquisa e

terapia, autorizando em seu art. 5°, in verbis:

Art. 5º - É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis; ou II - sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data do congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.53

Além disso, ainda está consignado no texto dessa norma jurídica, algumas

exigências e proibições quanto aos procedimentos da pesquisa, atribuindo-se sanções penais

às ocorrências de violações à lei, conforme enunciado nos artigos 6º e 24 ao 26, a seguir:

Art. 6º. Fica proibido: [...]

53 BRASIL, Lei 11.105, 24 de março de 2005,. Vade Mecum, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.716.

51

III - engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano; IV - clonagem humana; Art. 24. Utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5o desta Lei: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 26. Realizar clonagem humana: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa54

Digna de severas críticas, tanto por parte de representantes da comunidade

médica científica, posto que conscientes do risco que tais pesquisas representam aos seres

humanos e da necessidade de pautarem suas atividades sempre em sólidos princípios éticos,

quanto por parte de renomados juristas no que se refere à inobservância do respeito do direito

à vida humana e da dignidade que lhe é inerente, revela-se, desse modo, um contra-senso

jurídico e ético.

Nesse sentido Ives Gandra Martins e Lílian Piñero Eça55 asseveram:

Do ponto de vista jurídico, dúvida não existe. Declara a Constituição que o direito à vida é inviolável. O tratado internacional sobre os direitos fundamentais de São José determina que a vida começa na concepção e que a pena de morte é condenável tanto para o nascituro quanto para o nascido. E o Código Civil impõe que todos os direitos do nascituro sejam garantidos desde a concepção. Seria, pois, ridículo, se todos os direitos estivessem garantidos, menos o direito à vida. A vida começa, portanto, na concepção, não se justificando que seres humanos sejam, como nos campos de concentração de Hitler, também no Brasil objeto de manipulação embrionária. A lei é manifestamente inconstitucional do ponto de vista jurídico. Do ponto de vista científico, a lei não merece melhor sorte. Inconcebível, desse modo, emprestar legitimidade à Lei nº 11.105/ 2005, que à revelia da ordem jurídica interna posta e dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, permite a manipulação e a instrumentalização do embrião humano.

Em relação aos parâmetros fixados pela referida lei, em seus incisos I e II,

que informam que os embriões humanos utilizados para fins de pesquisa e terapia devem ser

considerados inviáveis ou estarem congelados há três anos ou mais, Cristiane Beuren

Vasconcelos56 indaga:

Afinal, qual o exato sentido do termo inviável constante no normativo? Se no sentido literal a palavra inviável quer dizer "não executável", como então classificar a inviabilidade dos embriões? Por acaso seriam aqueles padecedores de anomalias genéticas ou defeitos congênitos resultantes da

54 Ibid., n. 53, p.1716. 55 MARTINS, Ives Gandra da Silva; PIÑERO EÇA, Lílian. "Verdade sobre células-tronco embrionárias. Tendências e debates". Folha de S. Paulo, 8 jun. 2005. 56 VASCONCELOS, Cristiane Beuren. Proteção Jurídica do ser humano in vitro na era da biotecnologia. São Paulo: atlas, 2006, p.127.

52

fertilização? Ou seriam aqueles que, já restando excluídos da chance de integração em projeto parental, por motivos econômicos, também restaram excluídos da possibilidade de criopreservação? Afinal, qual o alcance legal do termo? Pelo subjetivismo interpretativo que encerra, chega-se à conclusão de que qualquer hipótese poderia facilmente configurar uma inviabilidade!

Quanto à observação do prazo de três anos determinado pela Lei de

Biossegurança para a permissão do uso de embriões, indaga-se ainda, que referido normativo

consegue ser ainda mais incongruente quando, em seu art. 6º, III, prescreve taxativamente a

proibição de se promover engenharia genética em célula germinal, zigoto e embrião humanos;

ao passo que no art. 5º permite para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco

embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, a respeito

dessa proibição, presume-se que somente prevalece, antes de expirado o prazo

5.2.2 AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ADIN 3510 STF

A Lei 11.105/2005 sendo considerada ofensiva por boa parte dos juristas,

violando direitos e às garantias relacionadas à proteção da vida, expressos na Carta

Constitucional Federal, dos quais o Biodireito vem se firmando na ordem jurídica - interna e

externa - como guardião, em razão da observância de vícios intrínsecos essenciais no plano

da validade e da legitimidade, tornou-se, portanto, suscetível de denúncia por

inconstitucionalidade tanto pela via do controle jurisdicional incidental quanto pela via direta.

Nesse sentido, essa foi alvo de Ação Direita de Inconstitucionalidade

interposta em 30 de maio de 2005 pelo então procurador-geral da República Cláudio Lemos

Ponteles, que contestou especificamente a permissão ao uso de células-tronco embrionárias

para fins de pesquisa e terapia. Protocolada sob o nº 3510-0 junto ao Supremo Tribunal

Federal (tendo como relator o ministro Carlos Ayres Britto), esta ADIN defende a

inconstitucionalidade do art. 5° da Lei na 11.105/2005 e seus incisos e parágrafos, alegando

sua manifesta afronta ao art. 5°, caput e inciso III da CF/88.

O julgamento dessa ação concluido em 29 de maio de 2008, se revestiu de

tamanha importância, que tornou-se um marco histórco nos anais do Supremo Tribunal

Federal, a matéria da ADIN foi rejeitada no mérito pela apertada margem de 6 a 5, mesmo

após incansáveis dias de intensos debates, ou seja, o Art. 5º e seus incisos, foram considerados

constitucionais.

Este resultado refletiu também na opinião pública, que para alguns, o

resultado da ação abriu um sério e perigoso precedente, à vista do possível agendamento do

53

julgamento desta vez sobre o pedido de liberação do abortamento de anencéfalos. Para outros

a decisão foi mais que justa, em razão de abrir excelentes perspectivas e esperanças de cura

para doenças até então tidas como incuráveis.

Apesar de tudo, remanesce a esperança de que o Estatuto do Nascituro, em

trâmite na Câmara (Projeto de Lei 478/07), contemple a proteção dos embriões ou, no

mínimo, que as pesquisas com células-tronco embrionárias permitam chegar-se à conclusão

de que existe algo extra-físico no material genético.57

Antes do julgamento da ADIN 3510, Supremo Tribunal Federal realizou

primeira audiência pública de sua história, no intuito de reunir informações científicas para

julgar o processo, onde uma das principais questões arguidas nos debates foi a tentativa de

justificar ou identificar o marco inicial da vida, em razão das questões incluídas na ADIN,

onde o procurador-geral da República, sustentou que o preceito constitucional da

inviolabilidade da vida depende de definição do momento em que ocorre o início dessa

mesma vida, o que subliminarmente, foram argumentos que poderiam ter reflexos

terminativos sobre determinada modalidade do aborto no Brasil, caso fosse julgado pelo STF

pela inconstitucionalidade e considerada a normatização do início da vida.

Foram convidadas diversas autoridades no assunto e ouvidas vinte e duas

pessoas especialistas das mais diversas áreas do conhecimento científico, sendo onze delas

favoráveis às pesquisas e onze contra. Os convidados pela Corte do STF apresentaram

naquela ocasião suas convicções sobre o início da vida, atendendo a sugestão apresentada

pelo ex-subprocurador da república Cláudio Fonteles, cujo plano era de auxiliar os Ministros

no sentido de melhor julgar a ADIN 3510.

O resultado dessa audiência representou um cenário de contradições,

vefiricadas conforme a própria composição dos debatedores, onde de um lado ficaram onze

especialistas na linha de defesa e favoráveis as pesquisas com células-tronco embrionárias,

dentre os quais se destacaram: Mayana Zatz; Patrícia Helena Lucas Pranke; Stevens Rehen;

Rosália Mendez Otero; Júlio César Voltarelli; Ricardo Ribeiro dos Santos; Lygia V. Pereira;

Luiz Eugênio de Moraes Mello e Débora Diniz, entre outros. Enquanto no lado oposto,

contrários as pesquisas, os especialistas e pesquisadores sobre o assunto: Lenize aparecida

57 NOBRE, Marlene Rossi Severino. “Visão espírita sobre o emprego de células-tronco”. Reformador, maio de 2008, p.13.

54

Martins, Claudia Maria de Castro Batista, Robert Spalmann, Lilian Piñero-Eça, Alice Teixeira

Ferreira, dentre outros.58

Em síntese, verificou-se que não há consenso sobre o tema em debate, e os

motivos são basicamente os mesmos já abordados anteriormente. Os que são favoráveis

defendem a tese dos benefícios a serem alcançados para cura de doenças até o momento

incuráveis, e que os embriões a serem estudados, são aqueles destinados ao lixo, assim sendo,

melhor seria aproveitá-los nas pesquisas.

Aqueles que são contra, argumentam e justificam suas posições, afirmando

que as pesquisas com células-tronco adultas, já apresentam resultados práticos bem mais

consistentes do que as embrionárias. Que os embriões destinados à pesquisa, têm vida e que

não é compreensível do ponto de vista ético, mesmo em nome do progresso da ciência,

envolver o ser humano em uma pesquisa que precisará destruí-lo. O que atenta contra o

direito fundamental à vida (art. 5a, caput da CF/88), em que pese que a liberdade científica

seja também, um direito fundamental de acordo com o próprio art. 5º, inciso IX da CF/88.

Contudo, neste sentido há de ser observado o limite do exercício da liberdade científica

determinado pela Constituição, bem como pelo Biodireito no que se refere ao princípio da

dignidade da pessoa humana e à ética da responsabilidade.

O principal argumento do julgado foi que não há ofensa à dignidade ou ao

direito à vida, quando se usa um embrião gerado somente para o fim de pesquisa. Em face do

Direito Civil, tais embriões não possuem personalidade civil, pois essa só se alcança, com o

nascimento com vida nem tem seus direitos resguardados pela lei. Portanto, eles não são

titulares do direito subjetivo à vida, garantido pela constituição. O STF confirmou a inteira

validade do artigo 5º da Lei de Biossegurança e liberou as pesquisas, observados os limites

estabelecidos pelo próprio artigo, optando assim pela teoria natalista.

58 MONTENEGRO, Karla Bernardo Mattoso. Matérias exclusivas – entrevista “ O inicio da vida”. Portal Ghente. Rio de Janeiro. Passim. Disponível em http://www.ghente.org/entrevistas/inicio_da_vida.htm. Acesso em: 05 Out 2008.

55

CONCLUSÃO

Ao estudar as causas que justificam a positivação do direito à vida em

dispositivo constitucional, após ser consolidado e incluído nos direitos e garantias

fundamentais, observa-se que suas bases foram afirmadas graças a um processo longo de

lutas por direitos inerentes a pessoa humana, que durante muito tempo, foi tratada de forma

desigual, onde a pessoa pertencente a determinada classe era considerada como coisa, objeto

ou produto. E como visto, foi principalmente o Cristianismo que desde seus primeiros

momentos, afirmou o indivíduo como um valor absoluto, exaltando o sentimento de dignidade

da pessoa humana.

Hodiernamente, esses Direitos foram derivados da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, que pela sua origem e historicidade, enquanto resultado de reivindicações

morais são frutos de um período simbólico de luta e ação social na busca por dignidade.

Nessas bases, há de se considerar que na construção de determinado direito,

certamente estarão envolvidas forças influenciadoras e detentoras de interesses.

Observa-se que a Igreja Católica sempre influenciou com suas posições,

quer políticas ou dogmáticas. Do mesmo modo os demais segmentos religiosos, porém,

conclui-se que essas influências de uma forma geral têm um sentido benéfico da valorização e

busca da dignidade humana, principalmente nos seus aspectos éticos e morais.

A mesma coisa não se pode dizer das influências de grupos privados, com

interesses próprios numa sociedade capitalista, pelo fato da maioria esmagadora das novas

descobertas relacionadas ao setor farmacêutico estarem atualmente sob responsabilidade de

empresas, clínicas e laboratórios, ligados ao setor privado; cujas empresas têm fortes

interesses nas pesquisa com embriões e fetos humanos.

Nesse sentido há uma séria incompatibilidade de interesses. Pois está mais

que evidenciado que a ética não tem adversário maior que o dinheiro, pois, este é o maior

bem para o capitalismo, acumulação de capitais e a ganância por lucros cada vez maiores, o

que inviabiliza essa relação, neste caso a sociedade precisa está atenta, quanto a questão das

patentes.59

Registra-se que o direito à vida introduzido na Constituição de 1988, deve

ser entendido como uma parte de um conjunto de direitos inter-relacionados, indivisíveis e

59 Ibid., n.31, p. 247.

56

interdependentes. Pois não se pode conceber, por exemplo, a aplicação do direito à vida,

dissociado do direito a dignidade e a liberdade.

Ficou demonstrado na presente pesquisa, que a busca pelo conhecimento

levou o homem a encontrar inúmeras descobertas no decorrer dos tempos, e na modernidade a

medicina, de posse desses conhecimentos, passou a conceber a vida humana em laboratório -

fertilização in vitro - técnica que, além de realizar o projeto parental de casais inférteis, fez

surgir a questão dos embriões excedentes, nos quais a ciência, sob o argumento de que serão

descartados e de que as células que os constituem possuem grande potencial terapêutico,

pleiteia pesquisar, cujas pesquisas foram aprovadas pela Lei 11.105/2005. Prevalecendo assim

os fundamentos da teoria natalista, que se amparam na argumentação de que não existem

direitos subjetivos sem que haja titular, do mesmo modo que não há titular sem a devida

personalidade jurídica.

Surge então, o dilema jurídico e ético, quando se informa que as retiradas

de células-tronco embrionárias diferenciadas nos primeiros estágios do desenvolvimento

embrionário (cinco a sete dias após a fecundação) provoca a destruição do embrião, e o ser

humano passa a ser tratado como coisa ou produto. O que implica riscos às presentes e às

futuras gerações.

Alheia a esses contra-argumentos, a ciência tem considerado que no estágio

em que as células-tronco são retiradas do embrião humano, não há que se falar em ser

humano, em vida humana, tampouco em dignidade, o que há é somente um "amontoado

disforme de células."60

Diante dessa realidade, o Direito enquanto ciência que regula a vida em

sociedade, pois sua finalidade é reger as relações oriundas da convivência humana é chamado

a balizar essa questão. Para tanto, é importante fixar parâmetros que permitam determinar

quando tem início a vida humana e a partir de que momento o respeito a ela se impõe frente a

qualquer outro, em razão da existência de recursos científicos que já permitem tal

mensuração.

Porém, por ser a vida um termo para além da ciência jurídica, o Direito para

determinar seu início, busca auxílio em outras ciências. Onde se constata divergências de

opiniões dentro do próprio meio científico. A exemplo das argumentações e posições

antagônicas das diversas teorias exploradas nesta pesquisa, como também entre os vinte e

dois especialistas que participara da audiência pública no STF, sobre a ADIN 3510.

60 SCHOCKENHOFF, Eberhard.Quem é o embrião? In :Bioética. Rio de Janeiro: Cadernos Adenauer, ano III, n.1, 2002, passim.

57

Como já foi visto a teoria concepcionista, adotada também pelo código civil

de 2002, define que a vida humana se inicia a partir da fecundação do óvulo pelo

espermatozóide. A par dessa teoria, outras foram elaboradas no intuito de determinar o início

vital do ser humano. Lapsos temporais arbitrário (teoria do pré-embrião - 14 dias) e eventos

que decorrem de uma evolução natural do processo de desenvolvimento embrionário (teoria

do surgimento dos rudimentos do sistema nervoso e teoria da nidação) são fixados com o

desiderato de justificar a pesquisa em células-tronco embrionárias. Essas tentativas de

desvincular o embrião do instante inicial da concepção, certamente não são motivadas com

fim único e altruístico de promover a saúde humana.

Abalizada na teoria concepcionista, foi impetrada ADIN 3510, contra o art.

5º da Lei 11.105/2005, cujo julgamento se processou dentro de uma perspectiva de que os

valores assegurandos na constituição, não foram afrontados pelo referido dispositivo. Infere-

se que a maioria da Corte do STF seguindo os argumentos da teoria natalista, atribuiu uma

certa poderação ao intrepretar o direito à vida, interrelacionando a diginidade da pessoa

humana ao direito fundamental à liberdade científica. Presume-se então, ser prioritária a

diginidade da pessoa com doença incurável e por consequência o direito à pesquisa científica,

em detrimento dos direitos do embrião. Evidenciando-se que trata-se do caso específico e nos

limites dessa lei.

Nessa direção, se tem relativizado preceitos constitucionais importantes, em

prol de algumas exceções jurídicas em detrimento do direito à vida. Exemplo das hipóteses

de abortos previstos no art. 128 do Código Penal61, quando se trata de situações em que não

se pune o aborto, como também a pena de morte em caso de guerra declarada, ( arts. 5º

XLVII, a; e 84 XIX da CF/88)62; além da exclusão de ilicitude penal quando o agente

pratica o crime em estado de necessidade, em legítima defesa e em estrito comprimento de

dever legal ou no exercício regular de direito (art. 23 e incisos do Código Penal).63

Contrariamente a esse pensamento de relatividade do direito à vida, é voz

corrente e ativa da doutrina, a pauta-se na compreensão da vida, como um processo vital, na

necessidade de lhe assegurar tutela onde quer que se encontre, entendendo o embrião humano

como um continuar do mesmo ser, a vida tem um valor sagrado e intrínseco, como bem diz

Miguel Reale, “ela vale de per si.”64

61 BRASIL,Código Penal. VADE MECUM, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 552 62 BRASIL, Constituição Federal. VADE MECUM, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 9-34. 63.Ibid.,n.60. P.541. 64 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p.232.

58

Um aspecto que reafirma a dignidade como limite é o aparente conflito

entre o direito fundamental à vida (art. 5a, caput da CF/88) e o direito fundamental à liberdade

científica (art. 5°, inciso IX CF/88). Havendo conflito entre a livre expressão da atividade

científica e outro direito fundamental da pessoa humana, a solução ou o ponto de equilíbrio

deverá ser o respeito à dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito,

previsto no art. 1°, inciso III da Constituição Federal.65

Pelas razões expostas, faz sentido concluir, que em determinadas

circunstâncias, esses valores e princípios são deixados de lado, ou até mesmo relativados,

para ser fortalecida a tese da sociologia jurídica de que o direito nasce da luta de classes, dos

conflitos sociais, do permanente desejo de libertação e superação das desigualdades. Daí se

considerar o Direito “uma invenção humana, em constante processo de construção e

reconstrução.”66

Nesse cenário, o Biodireito ramo específico do Direito Público que tem por

objetivo a proteção da vida tanto a existência, quanto a subsistência (arts. 5a e 225 da CF/88),

passa a determinar as fronteiras a serem observadas quando da prática da pesquisa científica

em células-tronco embrionárias.

Por tais razões, bem como, pelo fato de "inexistir até o presente, qualquer

relato de sucesso terapêutico baseado nas células-tronco embrionárias"67 e, afinal, por

constituírem as células-tronco adultas uma alternativa segura e eficaz uma vez que "pesquisas

recentes têm confirmado a habilidade de as células-tronco adultas se especializarem em

diferentes tecidos"68 e considerando o julgamento pela constitucionalidade da lei

11.105/2005, incumbem ao Biodireito e a sociedade buscarem alternativas para reconstruirem

uma nova norma que venha dar maior proteção ao embrião e as gerações futuras.

Por tais razões, conclui-se que: as principais implicações das pesquisas com

células-tronco embrionárias no direito à vida residem na flexibilização e relativização do

princípio da inviolabilidade da vida, pelos legisladores e por aqueles que são responsáveis

pela aplicação da lei, onde por vezes se deixam influeciar através pressões populares ou de

grupos representativos de diversos segmentos sociais e empresariais.

65 Ibid.,n.60. p.7-9. 66 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8 ed. São Paulo: Saraiva, p.109. 67 MARQUES, Marília Bernardes. O que é células-tronco. São Paulo: Brasiliense, 2006, passim. 68 BARTH, Wilmar Luiz. Célula-tronco e bioética: o progresso biomédico e os desafios éticos. Porto Alegre: Edipucrs, 2006, passim.

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GLOSSÁRIO

Antropologia - Ciência do homem no sentido mais lato, que engloba origens, evolução,

desenvolvimento físico, material e cultural, fisiologia, psicologia; características raciais,

costumes sociais, crenças.

Biomedicina - É a ciência e que conduz estudos e pesquisas no campo de interface entre

biologia e medicina, voltada para a pesquisa das doenças humanas, seus fatores ambientais e

ecoepidemiológicos, com intuito de encontrar sua causa, prevenção, diagnóstico e tratamento.

Blastócisto - Um dos primeiros estágios embrionários, caracterizado por uma massa celular

esférica, derivada da divisão do zigoto (óvulo fertilizado). Contém uma cavidade preenchida

por fluido, um grupo de células conhecido como massa celular interna (de onde deriva as

células-tronco embrionárias) e uma camada de células externa chamada trofoblasto (de onde

deriva a placenta).

Célula - Unidade estrutural e funcional dos organismos vivos. Representa a menor porção da

matéria viva dotada de capacidade de replicação independente.

Célula-tronco - Células com capacidade de se auto-renovar (dar origem a mais células-tronco

a partir da divisão celular) assim como se diferenciar em tipos celulares mais maduros, ou

seja, células mais especializadas.

Células-tronco adultas - Têm capacidade limitada de diferenciação, em geral restrita ao

tecido de onde derivam. Também podem dar origem a alguns tipos de células diferenciadas.

São classificadas em células-tronco multipotentes ou oligopotentes. Estão presentes em vários

tecidos, como medula óssea, sangue, fígado, pulmão etc. Essas células circulam no sangue de

adultos e, em especial, no sangue do feto. No momento do nascimento, o sangue fetal retido

na placenta após a secção do cordão umbilical pode ser recuperado e constitui rica fonte

dessas células que podem ser usadas para tratar doenças.

Célula-tronco multipotente - Células-tronco com capacidade para gerar múltiplos tipos de

células diferenciadas, mas todas de um mesmo tecido, órgão ou sistema fisiológico. Por

exemplo, as células-tronco hematopoiéticas, que são células multipotentes, só dão origem às

células que formam o sangue.

65

Célula-tronco pluripotente - Células-tronco que podem dar origem a todos os tipos celulares

que formam o feto e o indivíduo adulto, mas não formam anexos embrionários como a

placenta.

Célula-tronco totipotente - Células-tronco capacitadas a produzir todos os tipos celulares

que formam o embrião, o feto e o indivíduo adulto, incluindo os anexos embrionários como a

placenta. O zigoto e todas as células das primeiras divisões embrionárias são consideradas

totipotentes.

Clonagem reprodutiva - Transferência nuclear de uma célula adulta para um óvulo com o

objetivo de gerar um indivíduo adulto geneticamente igual ao doador da célula adulta.

Clonagem terapêutica - Transferência nuclear de uma célula adulta para um óvulo com a

finalidade de se obter células-tronco embrionárias. As células-tronco embrionárias são

derivadas do blastócisto (muito antes deste virar um feto) e podem ser induzidas a formar um

tipo celular particular (ex. músculo cardíaco) para ser implantado no tecido lesado (ex.

coração) e recuperar a sua função perdida. Se a célula-tronco for implantada no indivíduo que

doou a célula adulta para a transferência nuclear, pelo fato de ambas as células serem

geneticamente idênticas serão também imunocompatíveis (não serão rejeitadas pelo corpo do

paciente).

Criopreservação de Embriões – É a técnica realizada quando há produção de mais

embriões do que o necessário para a transferência. Apenas aqueles de boa qualidade têm

maior chance de sobrevivência. Os embriões excedentes são colocados em uma solução

especial com uma substância chamada crioprotetor, que evita que os embriões sejam

danificados com o frio excessivo; são então estocados em botijões de nitrogênio líquido,

aonde a temperatura chega a 196º C negativos e podem permanecer por tempo indeterminado.

DNP – Diagnóstico Pré- natal, para verificação de malformações ou enfermidade genéticas.

Docimásia Hidrostática de Galeno – É a técnica medico legal utilizada para comprovar o

nascimento com vida (pulmão colocado em vasilha com água, se flutuar existiu respiração =

vida)

DPI – Diagnóstico Pré-implantação. Realizado durante o curso de uma fivete, deve permitir a

verificação das características dos óvulos fecundados antes da implantação

66

Diferenciação - Processo pelo qual uma célula-tronco não especializada se diferencia em

músculo, neurônio etc. Durante esse processo são ativados certos genes enquanto outros ficam

inativos. Como resultado, a célula diferenciada desenvolve estruturas específicas que realizam

determinadas funções. Por exemplo, uma célula-tronco adulta diferenciada como neurônio

desenvolve projeções semelhantes a fibras que mandam e recebem sinais eletroquímicos que

permitem a comunicação com outras células nervosas. No laboratório, já se conseguiu

manipular essas células-tronco para torná-las especializadas ou parcialmente especializadas.

Engenharia tecidual - Área do conhecimento que estuda o comportamento dos tecidos com o

objetivo de sua utilização clínica, seja para substituir, restaurar ou aprimorar algum órgão.

Ética – Este termo vem do grego; moral vem do latim. Os dois termos, com freqüência são

usados indiscriminadamente; contudo cada uma tem sua denotação própria. – Ética: conjunto

de regras e preceitos de ordem valorativa de um indivíduo, de um grupo social, ou de uma

comunidade. – Moral: Conjunto de valores, como a honestidade, a bondade, a virtude

considerados universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta dos homens;

os bons costumes, a boa conduta.

Embriologia – É a ciência biológica que estuda nos vegetais e animais, o desenvolvimento da

semente ou do ovo até constituir um espécime completo. Para alguns, seu campo de aplicação

se estende aos processos de formação dos gametas e à fecundação.

Fecundação - Momento em que um espermatozóide (gameta masculino) penetra num óvulo

(gameta feminino) durante o processo da reprodução.

Fenótipo - Característica de um indivíduo, determinada pelo seu genótipo e pelas condições

ambientais.

Fertilização in vitro – É a união do espermatozóide com o óvulo no laboratório (também

conhecida como bebê de proveta), formando o embrião que posteriormente será transferido

para cavidade uterina. Podendo ser realizada de duas formas: uma coloca-se um óvulo em

contato com vários espermatozóides; e o outra, injeta-se um espermatozóide dentro do óvulo.

Feto – Termo usado para designar a fase pré-natal do bebê, a partir do quarto mês.

Fivete – Fecundação in vitro com transferência de embrião. Trata-se se uma das técnicas de

PMA - Procriação Médica Assistida. É também designada como Técnica do Bebê de Proveta.

67

Gameta – Termo que designa as células germinais reprodutivas. Para o ser humano,

espermatozóide (homem), e óvulo (mulher). Sua união (fecundação) produz o zigoto.

Hipocampo - Região do cérebro considerada a principal sede da memória e importante

componente do sistema límbico (conjunto de regiões celebrais responsáveis pelas emoções). É

responsável pela conversão da memória de curta duração em memória de longo duração.

Genoma – Conjunto de todos os genes de uma espécie de ser vivo. Contém todo o patrimônio

genérico de um indivíduo.

Genótipo - Composição gamética total do indivíduo ou zigoto; conjunto dos genes de um

indivíduo. ( ver genoma)

IAC – Inseminação Artificial com o esperma do cônjuge. É também designada como

“Fecundação homóloga.

IAD – Inseminação Artificial com um doador externo. Também designada como “Fecundação

Heterogênea.

ICSI – Técnica que consiste em implantar, em laboratório, um espermatozóide no interior de

um óvulo. Este é mantido imóvel por micro-aspiração, enquanto o operador injeta o

espermatozóide por meio de uma micro-pipeta.

Inseminação intra-uterina ou artificial - é o depósito de espermatozóide dentro do útero,

através de um cateter que transpassa o colo do útero.

Intrínseca – Que é própria do objeto ou do sujeito em consideração; que lhes pertence e os

define essencialmente.

In vitro - expressão latina utilizada para designar processos biológicos que ocorrem fora dos

sistemas vivos, em ambiente controlado e fechado de um laboratório e que são realizados

normalmente em um recipiente de vidro, que acontece no interior do útero ou da matriz (por

exemplo, a fecundação natural).

Medicina regenerativa - intervenção médica com o objetivo de reparar órgãos e tecidos

danificados. Geralmente utilizam-se células-tronco para substituir células e tecidos perdidos

com a idade ou com doenças.

68

Mórula - Massa compacta, constituída por 16 ou mais blastômeros, e proveniente da

segmentação de ovo fecundado.

Neuroectoderma - Camada de células precursoras neurais presente no embrião.

Plasticidade - Experimentos recentes mostram que, dependendo das condições, células-

tronco adultas de um tecido podem ser geneticamente reprogramadas para diferenciar-se em

outras. Por exemplo, células-tronco do sangue se diferenciam em células do sistema

neurológico, hepático ou cardíaco. Essa capacidade, no entanto, ainda não foi muito bem

compreendida.

Pluripotencialidade - Capacidade de uma célula em gerar todos os tipos celulares maduros

presentes no indivíduo adulto (ver também Célula-tronco pluripotente).

Pronúcleo - Núcleo dos gametas masculino ou feminino.

Terapia – Sinônimo de terapêutica. Parte da medicina que trata da maneira de curar

enfermidades. A terapia somática se refere às células do corpo. A terapia germinal se refere às

células reprodutivas. Toda modificação que se provocar nos gametas por uma terapia germinal

se transmite por herança.

Transplante autólogo - Transplante de célula, órgão ou tecido de um indivíduo para ele

mesmo. Esses transplantes não induzem uma resposta imune e não são rejeitados.

Trofoblasto - Massa celular externa do blastocisto, e que formará, mais tarde, parte da

placenta

Tubo neural - Estrutura embrionária que dará origem ao cérebro e à medula espinhal.

Útero – Órgão muscular oco do aparelho genital feminino, entre a vesícula e o reto, que

acolhe o ovo fecundado durante seu desenvolvimento, e o expulsa, finda a sua gestação.

Xenotransplante - Qualquer procedimento de transplante, implante ou infusão, em pacientes

humanos, de células, tecidos ou órgãos vivos de outra espécie; ou de fluidos corporais, células

ou órgãos humanos que tenham tido algum tipo de contato fora do corpo com células, tecidos

ou órgãos de outras espécies.

69

Zigoto – Sinônimo do óvulo fecundado. Os gêmeos nascido da divisão de um mesmo ovo são

chamados de monozigóticos, ou univitelinos. Têm o mesmo patrimônio genético. Os gêmeos

heterozigóticos ou “falsos gêmeos” nascem de dois óvulos fecundados.

Zona subventricular - Estrutura cerebral situada na parede dos ventrículos laterais

(cavidades do cérebro onde se encontra o líquido cefa-lorraquidiano). É um reservatório de

células-tronco neurais, contendo diversas células em proliferação.

Zona Pelúcia do óvulo - É uma capa que recobre o óvulo.