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Monografia de Mestrado Integrado em Medicina na Universidade da Beira Interior Faculdade de Ciências da Saúde Análise da Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10 Orientação: Dr. Carlos Leitão Aluno: Rafael Casagrande Tango

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Monografia de Mestrado Integrado em Medicina na Universidade da Beira Interior

Faculdade de Ciências da Saúde

Análise da Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10

Orientação: Dr. Carlos Leitão Aluno: Rafael Casagrande Tango

Índice

Sumário

1. Introdução

1.1. Importância do tema

1.2. Critérios de estudo

1.3. Semiologia e psicopatologia diferenciais – nosologia e nosografia

1.4. Elaboração, padronização e finalidade dos novos critérios

1.5. Histórico conforme o prefácio da atual classificação de transtornos

mentais e de comportamento da CID-10

2. Apresentação da estrutura geral da classificação de transtornos mentais e

de comportamento da CID-10

3. Apresentação da estrutura geral da CID-10

4. Análise dos blocos ou categorias gerais

5. Conclusão

6. Bibliografia

Sumário

A classificação de transtornos mentais e de comportamento (CID-10) vem

sendo utilizada para diagnóstico e classificação dos transtornos psiquiátricos

em nosso meio. Apresentam-se nesta monografia suas subdivisões gerais e

características predominantes, analisados de acordo com os seus grupos

principais. Discutem-se os fundamentos para a criação de cada bloco, bem

como as implicações de cada bloco no diagnóstico em psiquiatria. Finalmente,

observou-se que a classificação constitui instrumento que possibilita rápido e

prático diagnóstico, porém necessita ser aprimorada em certos itens que

apresentam incoerências ou necessitam ser substituídos por diretrizes mais

adequadas.

1. Introdução

Pretende-se abordar nesta monografia a Classificação de Transtornos

Mentais e de Comportamento (CID-10).

Mais especificamente, pretende-se discutir uma série de características de

seu conteúdo, desde seu significado no meio social, sua origem e critérios que

permitiram seu desenvolvimento, metodologia e concepções predominantes,

critérios utilizados para selecionar os colaboradores e suas contribuições,

métodos utilizados para padronizar os critérios escolhidos, base teórica

implicitamente envolvida, entre outras.

1.1 Importância do tema

A existência de uma classificação de transtornos mentais possibilita a

padronização de diagnósticos que com ela passam a possuir uma codificação

própria.

Esta padronização tem como finalidade minimizar discrepâncias que podem

ocorrer na ausência de uma classificação de transtornos, pois sem esta,

preferências particulares ou experiência própria dos examinadores pode

determinar diagnósticos que não corresponderão a diagnósticos realizados por

outros profissionais da mesma área; discrepâncias diagnósticas que também

podem vir a determinar como o paciente virá a ser tratado e possivelmente

prejudicar a evolução de seu quadro; com a classificação, busca-se uma

padronização das principais idéias que orientam os diagnósticos psiquiátricos

da atualidade, numa tentativa de unificar condutas de diversos profissionais em

nível internacional.

Esta tentativa de padronização também procura voltar a especialidade

psiquiátrica para a ciência e a objetividade, contrastando com o histórico de

relativa subjetividade das descobertas e diagnósticos do ramo, provavelmente

devido à sua dificuldade e complexidade, e grande número de temas

envolvendo a mente humana que ainda não puderam ser desvendados por

completo. A classificação não tem a pretensão de efetivamente tornar a

psiquiatria uma ciência exata, porém procura servir como instrumento empírico

para que os médicos e outros profissionais tenham uma base mais ou menos

palpável para realizar as suas operações.

A existência da CID-10 também é importante sob o ponto de vista jurídico, ao

procurar estabelecer diretrizes que posteriormente permitirão a elucidação e

resolução de casos baseadas em seus critérios diagnósticos, procurando assim

minimizar erros de julgamento ou condutas tendenciosas dos praticantes da lei,

ou mesmo evitando a impunidade de criminosos que poderiam, caso não

existisse alguma forma de classificar transtornos psiquiátricos, aproveitar

lacunas no sistema legal, forjando transtornos para os quais não haveria

punição pré-estabelecida.

Também se deve salientar a importância da classificação para fins

epidemiológicos, já que uma sistematização e classificação dos transtornos

permite a realização de índices de incidência e prevalência das patologias,

permitindo assim um melhor planejamento da área de saúde responsável e o

estabelecimento de estratégias, como por exemplo a escolha dos

medicamentos necessários bem como estipular a necessidade e quantidade de

cada um, baseando-se nos dados estabelecidos pelas pesquisas possibilitadas

pela existência da classificação.

1.2 Critérios de estudo

Será utilizada a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento

da CID-10 – Descrições Clínicas e diretrizes diagnósticas, como material

básico para a discussão, e outros textos (ou publicações) relacionados à sua

elaboração direta ou indiretamente, além de leituras complementares em certos

tópicos especiais.

1.3 Semiologia e psicopatologia diferenciais – Noso logia e nosografia

A nosologia, ou estudo e classificação das patologias a partir de suas

características tidas como essenciais, de sua etiopatogenia, segue critérios

relativamente homogêneos ao longo da classificação. Segundo estes critérios,

as características essenciais das patologias são agrupadas com base em

conceitos pré-existentes da psiquiatria, como definições de Bleuler, Kraepelin,

Jaspers e Schneider. No entanto, a CID-10 não inclui em seu material

diretamente os conceitos criados por estes autores, mas os menciona de

maneira implícita, na maioria dos casos pressupondo o conhecimento prévio

dos autores tradicionais para a compreensão das características descritas. À

nosografia corresponde a descrição das enfermidades e sistematização dos

diagnósticos, o que a classificação procura realizar evitando o predomínio de

correntes nosológicas doutrinárias ou dogmáticas.

1.4 Elaboração, padronização e finalidades dos novo s critérios

Para realizar esta descrição e sistematização, a CID-10 adota um modelo de

critérios descritivos para as patologias psiquiátricas, baseados em blocos de

sintomas encontrados freqüentemente nas patologias e duração dos mesmos,

segundo um enfoque empírico no qual a importância de um sintoma é

proporcional à quantidade de vezes que este sintoma se manifesta em

pacientes com a mesma patologia, e a duração descrita para o sintoma

correspondente uma média da duração do sintoma entre milhares de

pacientes.

Numa análise a respeito dos novos critérios da CID-10, em uma comparação

com a antiga CID-9, JORGE(1996) descreve:

“A CID-10 fornece, em suas Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas,

critérios específicos para que um determinado diagnóstico possa ser

estabelecido. Ou seja, ainda que comportando certa flexibilidade, ocorrerá com

alguma freqüência que um psiquiatra possa ter uma impressão diagnóstica

sobre um determinado paciente que não esteja de acordo com o requerido pela

CID-10. Caso o quadro clínico do paciente preencha parcialmente os critérios

requeridos para aquela condição [por exemplo, um número menor de sintomas

ou uma duração menor na apresentação do quadro], um diagnóstico provisório

ou tentativo poderá ser atribuído a ele”.

O procedimento de diagnóstico provisório, apesar de relativo, é útil à clínica

em psiquiatria já que devido à complexidade de inúmeros quadros, não é

possível estabelecer o diagnóstico definitivo no primeiro dia de internação do

paciente ou após apenas uma entrevista.

“Outro ponto importante diz respeito à atribuição de múltiplos diagnósticos. Na

medida em que a CID-10 estabelece uma classificação de síndromes

psiquiátricas [ chamadas de transtornos] e não de doenças, cada paciente deve

receber tantos diagnósticos quanto tenham seus critérios satisfeitos. Isto não

significará, necessariamente, que o paciente tenha todas estas doenças, porém

o reconhecimento de quadros psicopatológicos concomitantes tem grande

importância do ponto de vista prognóstico e terapêutico. Por exemplo, um

paciente que preencha apenas critérios para a esquizofrenia paranóide poderá

apresentar evolução clínica e requerer medidas terapêuticas bastantes distintas

de um outro que, além de receber este diagnóstico, também preencha critérios

para Dependência do álcool e Transtorno de Personalidade Emocionalmente

Instável [ Tipo Borderline ]. Será sempre útil, no caso de mais de um

diagnóstico, que se assinale em primeiro lugar aquele considerado de maior

relevância clínica ou, na dúvida, pela ordem em que aparecem ao longo da

classificação.”

Nesse aspecto, o DSM-IV apresentou o sistema multiaxial, que complementa

e torna mais precisa a visão de conjunto.

Segundo Sartorius (Classificação de Transtornos Mentais e de

Comportamento da CID-10, 1993), converter critérios diagnósticos em

algarismos diagnósticos incorporados em instrumentos de avaliação foi útil

para revelar inconsistências, ambigüidades e sobreposições e permitir sua

remoção.

1.5 Histórico conforme o prefácio da atual Classifi cação de

Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10

“A idealização da classificação atual dos transtornos mentais remonta à década

de 1960, quando o programa de saúde mental da Organização Mundial de

Saúde (OMS) tornou-se empenhado num programa para melhorar o

diagnóstico e a classificação de transtornos mentais. A OMS naquela época

convocou uma série de encontros para rever o conhecimento, envolvendo

ativamente representantes de diferentes disciplinas, várias escolas de

pensamento em psiquiatria e todas as partes do mundo no programa.

Estimulou e conduziu pesquisa sobre critérios para a classificação e a

confiabilidade de diagnóstico, produziu e estabeleceu procedimentos para a

avaliação conjunta de entrevistas gravadas em vídeo e outros métodos úteis

em pesquisa”.

A pesquisa dos critérios, realizada em âmbito internacional, procura garantir a

homogeneização dos dados colhidos bem como evitar o predomínio de

correntes dogmáticas ou regionalismos que possam ocorrer na classificação de

transtornos.

“Numerosas propostas para melhorar a classificação de transtornos mentais

resultaram do extenso processo de consulta e essas foram usadas no

rascunho da Oitava Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-

8). Um glossário definindo cada categoria de transtorno mental na CID-8 foi

também desenvolvido. As atividades do programa também resultaram no

estabelecimento de uma rede de indivíduos e centros que continuaram a

trabalhar em temas relacionados ao melhoramento da classificação

psiquiátrica”.

As classificações anteriores representam uma tentativa inicial de

sistematização, porém obviamente mais limitadas, como se verifica pela menor

sistematização. Por exemplo, enquanto a CID-10 apresenta 100 dígitos

explicativos, a sua versão anterior apresenta apenas trinta, e não possui o

mesmo padrão de sub-dígitos especificadores da classificação atual.

“A década de 70 assistiu ao crescimento mais extenso do interesse em

melhorar a classificação psiquiátrica por todo o mundo. A expansão de

contatos internacionais, a realização de vários estudos colaborativos

internacionais e a disponibilidade de novos tratamentos, tudo contribuiu para

esta tendência. Várias associações psiquiátricas nacionais encorajaram o

desenvolvimento de critérios específicos para classificação, com o intuito de

melhorar a fidedignidade diagnóstica. Em particular, a Associação Psiquiátrica

Americana desenvolveu e promulgou sua Terceira Revisão do Manual de

Diagnóstico e Estatística, a qual incorporou critérios operacionais em seu

sistema de classificação.”

Esta revisão corresponde ao DSM-IIIR, classificação norte-americana que

representa o pilar básico para o desenvolvimento da classificação de

transtornos mentais da CID-10.

“Em 1978, a OMS entrou em um projeto colaborativo a longo prazo com a

Administração de Saúde Mental e Abuso de Álcool e Drogas (ASMAAD) nos

EUA, visando facilitar melhoramentos ulteriores na classificação e no

diagnóstico de transtornos mentais e problemas relacionados a álcool e drogas.

Uma série de seminários uniu cientistas de muitas tradições psiquiátricas e

culturas diferentes, revisou conhecimentos em áreas específicas e desenvolveu

recomendações para pesquisa futura. Uma grande conferência internacional

em classificação e diagnóstico foi realizada em Copenhagen, Dinamarca, em

1982, para rever as recomendações provenientes destes seminários e para

esboçar ema agenda de pesquisa e diretrizes para trabalho futuro.

Vários esforços importantes de pesquisa foram empreendidos para

implementar as recomendações da conferência de Copenhagen. Um deles,

envolvendo centros em 17 países, teve como seu objetivo o desenvolvimento

da Entrevista Diagnóstica Internacional Composta, um instrumento adequado

para conduzir estudos epidemiológicos de transtornos mentais em grupos da

população geral em diferentes países (O Exame Internacional de Transtorno de

Personalidade).

A classificação de transtornos de personalidade na CID-10 tem importância

do ponto de vista psiquiátrico e jurídico, e possui um bloco específico (F60-F69)

que será discutido na terceira seção deste estudo.

“Em adição, vários léxicos foram ou estão sendo preparados para prover

definições claras de termos. Um relacionamento mutuamente benéfico evoluiu

entre esses projetos e o trabalho em definições de transtornos mentais e de

comportamento na Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças

e Problemas de Saúde Relacionados (CID-10)”.

2. Apresentação da estrutura geral da Classificação de Transtornos

Mentais e de Comportamento da CID-10

Na classificação, deve corresponder a cada patologia um código numérico

específico. Este código segue o seguinte modelo:

Fxx.xx

Onde x corresponde a um especificador numérico. O primeiro especificador x

logo após a letra F corresponde ao grupo principal de patologias psiquiátricas

onde a doença se enquadra. O segundo especificador torna possível um

diagnóstico mais específico entre as patologias encontradas no grupo, e os

próximos especificadores, que não serão usados necessariamente, definirão

subtipos diagnósticos e características particulares do quadro.

Por exemplo:

F60.31

Neste caso o primeiro dígito especificador (6) corresponde ao grupo principal

dos Transtornos de personalidade e de comportamento em adultos. O segundo

dígito (0) , associado ao primeiro (F60) representa os transtornos específicos

de personalidade, que estão contidos nos transtornos de personalidade e

comportamento em adultos. O terceiro dígito (3) associa-se aos dois primeiros

(F60.3) representando o transtorno de personalidade emocionalmente instável;

e, finalmente o quarto dígito (1) associa-se com os três primeiros (F60.31) para

codificar o Transtorno de personalidade emocionalmente instável, Tipo

Borderline (limítrofe).

As subdivisões do primeiro dígito são as seguintes:

0 – Transtornos mentais orgânicos, incluindo sintomáticos

1 – Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de

substância psicoativa

2 – Esquizofrenia, transtornos esquizotípico e delirantes

3 – Transtornos do humor (afetivos)

4 – Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes

5 – Síndromes comportamentais associadas a perturbações fisiológicas e

fatores físicos

6 – Transtorno de personalidade e de comportamento em adultos

7 – Retardo mental

8 – Transtornos do desenvolvimento psicológico

9 – Transtornos emocionais e de comportamento com início usualmente

ocorrendo na infância e adolescência

As subdivisões do segundo dígito são as seguintes:

F00-F09 Transtornos mentais orgânicos, inclusive os sintomáticos

F00 Demência na doença de Alzheimer

F01 Demência vascular

F02 Demência em outras doenças classificadas em outra parte

F03 Demência não especificada

F04 Síndrome amnésica orgânica não induzida pelo álcool ou por outras

substâncias psicoativas

F05 Delírium não induzido pelo álcool ou por outras substâncias psicoativas

F06 Outros transtornos mentais devidos a lesão e disfunção cerebral e a

doença física

F07 Transtornos de personalidade e do comportamento devidos a doença, a

lesão e a disfunção cerebral

F09 Transtorno mental orgânico ou sintomático não especificado

F10-F19 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância

psicoativa

F10 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool

F11 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de opiáceos

F12 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de canabinóides

F13 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de sedativos e

hipnóticos

F14 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso da cocaína

F15 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de outros

estimulantes, inclusive a cafeína

F16 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de alucinógenos

F17 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de fumo

F18 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de solventes

voláteis

F19 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas

drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas

F20-F29 Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes

F20 Esquizofrenia

F21 Transtorno esquizotípico

F22 Transtornos delirantes persistentes

F23 Transtornos psicóticos agudos e transitórios

F24 Transtorno delirante induzido

F25 Transtornos esquizoafetivos

F28 Outros transtornos psicóticos não-orgânicos

F29 Psicose não-orgânica não especificada

F30-F39 Transtornos do humor [afetivos]

F30 Episódio maníaco

F31 Transtorno afetivo bipolar

F32 Episódios depressivos

F33 Transtorno depressivo recorrente

F34 Transtornos de humor [afetivos] persistentes

F38 Outros transtornos do humor [afetivos]

F39 Transtorno do humor [afetivo] não especificado

F40-F48 Transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o "stress" e

transtornos somatoformes

F40 Transtornos fóbico-ansiosos

F41 Outros transtornos ansiosos

F42 Transtorno obsessivo-compulsivo

F43 Reações ao "stress" grave e transtornos de adaptação

F44 Transtornos dissociativos [de conversão]

F45 Transtornos somatoformes

F48 Outros transtornos neuróticos

F50-F59 Síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a

fatores físicos

F50 Transtornos da alimentação

F51 Transtornos não-orgânicos do sono devidos a fatores emocionais

F52 Disfunção sexual, não causada por transtorno ou doença orgânica

F53 Transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério, não

classificados em outra parte

F54 Fatores psicológicos ou comportamentais associados a doença ou a

transtornos classificados em outra parte

F55 Abuso de substâncias que não produzem dependência

F59 Síndromes comportamentais associados a transtornos das funções

fisiológicas e a fatores físicos, não especificadas

F60-F69 Transtornos da personalidade e do comportamento do adulto

F60 Transtornos específicos da personalidade

F61 Transtornos mistos da personalidade e outros transtornos da

personalidade

F62 Modificações duradouras da personalidade não atribuíveis a lesão ou

doença cerebral

F63 Transtornos dos hábitos e dos impulsos

F64 Transtornos da identidade sexual

F65 Transtornos da preferência sexual

F66 Transtornos psicológicos e comportamentais associados ao

desenvolvimento sexual e à sua orientação

F68 Outros transtornos da personalidade e do comportamento do adulto

F69 Transtorno da personalidade e do comportamento do adulto, não

especificado

F70-F79 Retardo mental

F70 Retardo mental leve

F71 Retardo mental moderado

F72 Retardo mental grave

F73 Retardo mental profundo

F78 Outro retardo mental

F79 Retardo mental não especificado

F80-F89 Transtornos do desenvolvimento psicológico

F80 Transtornos específicos do desenvolvimento da fala e da linguagem

F81 Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares

F82 Transtorno específico do desenvolvimento motor

F83 Transtornos específicos misto do desenvolvimento

F84 Transtornos globais do desenvolvimento

F88 Outros transtornos do desenvolvimento psicológico

F89 Transtorno do desenvolvimento psicológico não especificado

F90-F98 Transtornos do comportamento e transtornos emocionais que

aparecem habitualmente durante a infância ou a adolescência

F90 Transtornos hipercinéticos

F91 Distúrbios de conduta

F92 Transtornos mistos de conduta e das emoções

F93 Transtornos emocionais com início especificamente na infância

F94 Transtornos do funcionamento social com início especificamente durante a

infância ou a adolescência

F95 Tiques

F98 Outros transtornos comportamentais e emocionais com início

habitualmente durante a infância ou a adolescência

F99 Transtorno mental não especificado

F99 Transtorno mental não especificado em outra parte

3. Apresentação da estrutura geral da CID-10

O primeiro bloco apresentado (0, de F00 a F09) corresponde a transtornos

essencialmente orgânicos, e o segundo faz referência a transtornos

decorrentes da dependência de substâncias psicoativas.

Verifica-se que ao longo da divisão em blocos da CID-10, algumas

características comuns dos transtornos são agrupadas próximas umas as

outras. Neste caso inicial, pode-se notar a proximidade entre transtornos com

causas consideradas exógenas – geralmente nestas, o paciente é acometido

por uma doença que vem a causar uma disfunção cerebral, responsável pela

sintomatologia de ordem psiquiátrica. No caso dos transtornos induzidos por

substância psicoativa, também podem-se observar padrões de lesão cerebral

com o uso contínuo de determinadas substâncias. No entanto, a distinção

básica entre os dois grupos, F0 e F1, é a ocorrência ou não de fenômenos

como dependência e tolerância ao uso de certas substâncias, já que se torna

mais prático classificar os transtornos com este tipo de ocorrência em um único

grupo.

Conforme salientado pela introdução do bloco F0 (OMS, 1993):

“Transtornos cerebrais causados por álcool e drogas, embora logicamente

pertencentes a este grupo, são classificados sob F10-F19, devido a vantagens

práticas em se manter todos os transtornos decorrentes do uso de substância

psicoativa em um único bloco”.

Na seqüência classificam-se em F2 as psicoses relacionadas à esquizofrenia,

e, logo depois, em F3, os transtornos relacionados ao humor. Este

agrupamento (F2+F3) pode ser relacionado às primeiras classificações

realizadas por Kraepelin (CERTCOV, 1985), autor que classificou os

transtornos com base em curso periódico ou episódico, prognóstico, e história

familiar de quadros homólogos (componente endógeno). Assim, estes dois

grupos podem ser relacionados às psicoses endógenas de Kraepelin, mais

especificamente a demência precoce (denominação do autor para a

esquizofrenia) que representaria o bloco F2, e a psicose maníaco-depressiva,

que representaria o bloco F3, dos transtornos de humor. (CERTCOV, 1985).

Em F4 encontram-se os transtornos neuróticos, de estresse e somatoformes.

Quanto ao emprego do termo ‘neurose’ , a CID10 (OMS, 1993) descreve:

“A divisão tradicional entre neurose e psicose que era evidente na CID-9

(ainda que deliberadamente deixada sem qualquer tentativa de definir esses

conceitos) não tem sido usada na CID-10. Contudo, o termo ”neurótico” ainda é

mantido para uso ocasional e é encontrado, por exemplo, no título de um grupo

maior ou bloco de transtornos, F40-F48, Transtornos neuróticos, relacionados

ao estresse e somatoformes. Exceto pela neurose depressiva, a maioria dos

transtornos considerados como neuroses por aqueles que usam o conceito são

encontrados nesse bloco e os restantes estão nos blocos subseqüentes. Ao

invés de seguir a dicotomia neurótico-psicótico, os transtornos são agora

arranjados em grupos de acordo com os principais temas comuns ou

semelhanças descritivas(...)”

Neste trecho verifica-se a preocupação dos autores da classificação em não

ser voltada a conceitos doutrinários, como o que pode ocorrer com o uso do

termo “neurose”, cunhado por William Cullen, médico escocês em 1769, mas

que teve seu uso mais amplo nas escolas psicanalíticas de Freud e Jung.

De qualquer modo, o fato é que a separação entre neurose e psicose na

classificação permanece, de maneira implícita, na divisão dos blocos principais

de transtornos, embora seus autores afirmem não mais seguir esta dicotomia.

Logo em seguida, o bloco F5 da classificação apresenta Síndromes

comportamentais associadas a transtornos fisiológicos e fatores físicos, grupo

de transtornos não de todo compreendidos, mas que guardam certa relação

com os transtornos ansiosos e possivelmente podem ser enquadrados no

termo “neurose”, daí sua proximidade na classificação com o grupo anterior.

A partir do bloco F6 são apresentadas condições que fazem parte do

desenvolvimento do indivíduo. No bloco F06 isto corresponde aos transtornos

específicos de personalidade. Estes podem ser considerados exógenos em

algumas situações e endógenos em outras, como descrito na introdução (OMS,

1993):

“Algumas dessas condições e padrões de comportamento surgem

precocemente no curso do desenvolvimento individual, como um resultado

tanto de fatores constitucionais como da experiência social, enquanto outros

são adquiridos mais tarde na vida”.

Em F7, apresenta-se a seção correspondente ao retardo mental, que se

associa ao bloco anterior, no sentido de ser um grupo relacionado ao

desenvolvimento do indivíduo.

O grupo F8 também relaciona-se ao desenvolvimento. No caso, é descrito

como Transtornos do desenvolvimento psicológico e apresenta transtornos

relacionados à sub-disciplina da psiquiatria infantil. Semelhante a este bloco é

o bloco F9 que apresenta transtornos emocionais e de comportamento com

início usualmente ocorrendo na infância e adolescência. A este bloco

correspondem os subdígitos de F90 a F98, sendo que F99 na classificação

corresponde à categoria transtorno mental não especificado, cujo uso não é

recomendado, a não ser que critérios preenchidos nos outros blocos descritos

não possam ser empregados.

4. Análise dos blocos ou categorias gerais

O primeiro bloco encontrado em F00-F09 corresponde aos Transtornos

mentais orgânicos, incluindo sintomáticos. Para que um dado transtorno seja

incluído nessa categoria, é necessário que o mesmo tenha uma etiologia

demonstrável de doença ou lesão cerebral, ou outra afecção que leve a uma

disfunção cerebral. Segundo a CID-10 (OMS, 1993):

“A disfunção pode ser primária, como em doenças, lesões e afecções que

afetam o cérebro direta ou preferencialmente; ou secundária, como em

doenças e transtornos sistêmicos que atacam o cérebro somente como um dos

múltiplos órgãos ou sistemas corporais envolvidos. Transtornos cerebrais

causados por álcool e drogas, embora logicamente pertencentes a este grupo,

são classificados sob F10 a F19, devido a vantagens práticas em se manter

todos os transtornos decorrentes do uso de substância psicoativa em um único

bloco.”

Neste trecho nota-se a preocupação em classificar separadamente os

transtornos causados por álcool e drogas devido à praticidade destes

ocuparem sua própria categoria, portanto abre-se uma exceção já que estes

transtornos seriam adequados ao bloco encontrado em F00-F09.

“O uso do termo ”orgânico” não implica que condições incluídas em outros

blocos desta classificação sejam “não orgânicas”, no sentido de não terem um

substrato cerebral. No presente contexto, o termo orgânico significa

simplesmente que a síndrome assim classificada pode ser atribuída a uma

doença ou transtorno cerebral ou sistêmico, independentemente

diagnosticável.”

Uma ressalva que explica de que forma esta subdivisão considera o termo

orgânico, possibilitando a existência de afecções sem um substrato cerebral,

mas que necessariamente tem um envolvimento com uma doença ou

transtorno sistêmico, diagnosticado paralelamente.

“Decorre do que foi dito acima que, na maioria dos casos, o registro de um

diagnóstico de qualquer um dos transtornos neste bloco vai exigir o uso de dois

códigos: um para a síndrome psicopatológica e outro para o transtorno

subjacente. O código etiológico deve ser escolhido do capítulo pertinente da

classificação global da CID-10”.

Portanto um único diagnóstico entre F00-F09 não é suficiente, fazendo-se

necessária a inclusão do transtorno envolvido, responsável pela codificação no

grupo F00-F09.

No segundo bloco F10-F19 encontram-se os Transtornos decorrentes do uso

de substâncias psicoativas. Este bloco, como já mencionado, apresenta

transtornos que poderiam ser adequados aos transtornos encontrados em F00-

F09 mas isto não foi realizado devido á praticidade de organizar transtornos

devido ao uso de substâncias psicoativas em um único grupo. Encontra-se na

introdução do bloco da CID-10 (OMS, 1993):

“A substância envolvida é indicada por meio do segundo e terceiro caracteres

(isto é, os primeiros dois dígitos depois da letra F) e o quarto e quinto

caracteres especificam os estados clínicos. Para economizar espaço, todas as

substâncias psicoativas são listadas primeiro, seguidas pelos códigos de quatro

caracteres; estes devem ser usados, quando necessários, para cada

substância especificada, porém deve-se notar que nem todos os códigos de

quatro caracteres são aplicáveis a todas as substâncias.”

As subdivisões citadas permitem especificar características do uso de

substâncias. Por exemplo, F1x.0 corresponde a uma intoxicação aguda, e a

subdivisão F1x.05 corresponde à intoxicação aguda com coma.

F20-F29: Esquizofrenia, transtornos esquizotípico e delirantes

Conforme a classificação, a esquizofrenia é o transtorno fundamental no bloco

F20-F29 e os outros diagnósticos podem ser relacionados a ela direta ou

indiretamente. Implicitamente, pode-se verificar a influência da classificação de

Kraepelin com suas divisões entre a Demência Precoce, correspondente à

esquizofrenia, e à Psicose Maníaco-Depressiva, correspondente aos

transtornos afetivos/ transtorno bipolar. Também neste bloco pode-se verificar

que a maioria dos critérios empregados segue um modelo descritivo qualitativo,

contrastando com os critérios empregados para descrever o próximo bloco. Isto

significa que há uma tentativa de se explicar a sintomatologia das patologias

deste grupo, o que somente é possível com a contribuição implícita dos autores

antigos, por exemplo Bleuler com suas definições para a esquizofrenia e

Jaspers definindo os princípios de organicidade dos transtornos; bem como

sua influência na definição de delírio, entre outros.

Critérios descritos por Schneider também fazem parte da classificação neste

bloco, que cita a percepção delirante descrita pelo autor como sintomas que

podem permitir o diagnóstico do processo esquizofrênico.

Como descreve a classificação de transtornos mentais da CID-10(OMS,

1993),

“Embora nenhum sintoma estritamente patognomônico possa ser identificado,

para fins práticos é útil dividir os sintomas acima em grupos que têm

importância especial para o diagnóstico e freqüentemente ocorrem juntos, tais

como (...)”

Anunciam-se assim os blocos de sintomas que servirão como base para o

diagnóstico da esquizofrenia, alguns suficientes isoladamente para o

diagnóstico:

- Eco do pensamento, inserção ou roubo do pensamento, irradiação do

pensamento;

- Delírios de controle, influência ou passividade claramente referindo-se ao

corpo ou movimentos dos menbros ou pensamentos específicos, ações ou

sensações, percepção delirante;

- Vozes alucinatórias comentando o comportamento do paciente ou discutindo

entre elas sobre o paciente ou outros tipos de vozes alucinatórias vindo de

alguma parte do corpo;

- Delírios persistentes de outros tipos que são culturalmente inapropriados e

completamente impossíveis, tais como identidade política ou religiosa ou

poderes e capacidades sobre-humanas, por exemplo ser capaz de controlar o

tempo ou de se comunicar com alienígenas.

Cada um destes critérios é suficiente para realizar o diagnóstico de

esquizofrenia segundo a CID-10, sendo que outros sintomas como discurso

incoerente, neologismos, sintomas negativos, flexibilidade cérea, alucinações

com idéias sobrevaloradas, retraimento social, etc. são complementares,

necessitando estar presentes simultaneamente para que se realize o

diagnóstico.

Em seguida, a classificação convenciona um período maior ou igual a um

mês para a ocorrência dos sintomas e realização do diagnóstico, critério

quantitativo com fins de separar os diagnósticos e realizar uma distinção entre

transtorno psicótico (F23) e esquizofrenia (F20) baseado na duração dos

sintomas.

Apesar deste modo de distinguir as duas entidades ser bastante simples, os

autores da classificação consideraram este critério adequado aos fins

descritivos da classificação já que para realizar uma distinção mais acurada

inevitavelmente teriam que aludir a autores tradicionais e descrições bastante

detalhadas para distinguir os dois grupos.

Após a descrição da esquizofrenia (F20) encontra-se o transtorno

esquizotípico (F21), que conforme citado apenas encontra-se neste bloco

devido à semelhança com a esquizofrenia. Além disso, cita-se que

ocasionalmente tal transtorno pode evoluir para a esquizofrenia franca, além

de um certo envolvimento em indivíduos geneticamente aparentados com

esquizofrênicos. Em seguida encontram-se os transtornos delirantes,

caracterizados pela manifestação de delírios isolados, e em seguida os

transtornos psicóticos, episódios com teor semelhante ao da esquizofrenia

mas de caráter agudo e transitório.

Os transtornos esquizoafetivos (F25) conforme a própria CID-10 descreve,

possuem uma natureza controversa porém foram mantidos neste bloco, não

havendo uma explicação muito detalhada a respeito desta decisão dos

organizadores.

Em seguida (F30-F39) são apresentados os transtornos afetivos ou do humor.

São apresentados preferencialmente com base em critérios descritivos

quantitativos como tempo de duração dos sintomas e presença de grupos de

sintomas determinados para que o diagnóstico seja estabelecido. Apresenta a

herança implícita de autores tradicionais como Schneider, envolvendo

conceitos como o da ciclotimia, e Leonhard com sua contribuição referente às

formas mistas dos transtornos do humor, notadamente o transtorno afetivo

bipolar. Na introdução ao bloco da classificação(OMS, 1993)

encontra-se:

“A relação entre etiologia, sintomas, processos bioquímicos subjacentes,

resposta ao tratamento e evolução dos transtornos do humor ainda não é

suficientemente bem compreendida para permitir sua classificação de forma a

receber a aprovação universal (...)”

Portanto os autores compreendem a dificuldade de se realizar tais divisões, e

afirmam que esta é uma tentativa de se criar algo relativamente aceitável

neste sentido, a partir de pesquisas e estudos realizados, porém sujeitos a

mudanças que tornem as divisões criadas mais aceitáveis no futuro.

“Os principais critérios pelos quais os transtornos afetivos tem sido

classificados foram escolhidos por razões práticas, de maneira que eles

permitam que transtornos clínicos comuns sejam facilmente identificados.

Episódios únicos foram distinguidos de transtornos bipolares e de outros

transtornos de episódios múltiplos, porque proporções substanciais de

pacientes têm somente um episódio de doença e é dada proeminência à

gravidade por causa das implicações para o tratamento e para a oferta de

diferentes níveis de serviços(...)”

Portanto características como presença de um ou mais episódios foram

levadas em conta, bem como a gravidade do quadro, por razões envolvendo a

praticidade do diagnóstico, ainda que haja uma grande dificuldade para se

firmar características universais que possam diferenciar os diferentes tipos de

transtornos. Assim, existem os episódios isolados, como por exemplo o

episódio depressivo (F32) e o episódio maníaco (F30), e o transtorno afetivo

bipolar (F31) que engloba vários episódios ao longo da vida. A diferenciação

com relação à intensidade dos sintomas pode ser verificada em blocos como o

F32 (episódio depressivo), que é subdividido em episódio leve (F32.0),

moderado (F32.1) e grave (F32.3), com base preferencialmente em critérios

quantitativos como tempo de duração de sintomas.

O próximo bloco (F40-F49) descreve os transtornos neuróticos, relacionados

ao estresse e somatoformes. É apresentado logo após os transtornos afetivos

talvez pelo seu freqüente envolvimento com estes. O termo neurose é

mencionado na classificação para orientar profissionais que já estejam

familiarizados com ele, porém não é intenção da classificação preservar esta

denominação, que é apenas citada por motivos práticos:

“Os transtornos neuróticos, relacionados a estresse e somatoformes foram

colocados juntos em um grande grupo global devido à sua associação

histórica ao conceito de neurose e à associação de uma substancial, embora

incerta, proporção desses transtornos à causação psicológica. Como

ressaltado na introdução geral a esta classificação, o conceito de neurose não

foi conservado como um princípio organizador superior, mas tomou-se o

cuidado de permitir a identificação fácil de transtornos que alguns usuários

ainda possam, se desejarem, considerar como neuróticos em seu uso próprio

do termo”

Os autores demonstram conhecimento de que algumas denominações ainda

apresentam aceitação em certas escolas psiquiátricas ou psicanalíticas e

pretendem com isto facilitar o emprego da classificação também por estes

grupos, embora não considere estas denominações adequadas ao uso

cotidiano.

Em primeiro lugar são descritos transtornos fóbico-ansiosos (F40) , nos quais

a ansiedade é gerada a partir de determinadas situações bem definidas que

passam a ser evitados pelo paciente. Inclui a agorafobia, as fobias específicas

e a fobia social. O restante é descrito em F41 ( Outros transtornos de

ansiedade):

“Manifestações de ansiedade são os sintomas principais desses transtornos

e não estão restritas a qualquer situação ambiental em particular. Sintomas

depressivos e obsessivos e mesmo alguns elementos de ansiedade fóbica

podem também estar presentes, desde que sejam claramente secundários ou

menos graves.”

A esta descrição corresponde o transtorno de pânico (F41.0) e o transtorno

de ansiedade generalizada (F41.1), além de outros transtornos e o transtorno

misto de ansiedade e depressão, porém com presença controversa no bloco

por sua própria definição, na qual nem ansiedade nem depressão deveriam

predominar para que fosse firmado o diagnóstico.

No próximo grupo (F42) trata-se do transtorno obsessivo compulsivo, descrito

separadamente provavelmente devido a descobertas que o relacionam a

determinadas alterações cerebrais, diferentemente do que ocorre nos outros

subgrupos. Em seguida (F43) são apresentados transtornos relacionados às

reações a estresse e transtornos de ajustamento, cuja diferença com relação

ao primeiro bloco descrito seria de que o transtorno surgiria após um evento

de vida excepcionalmente estressante, porém com base em substrato

genético de cada paciente, já que determinados eventos estressantes não

produzem o mesmo transtorno em todos os pacientes que os vivenciam.

O subgrupo seguinte relaciona os transtornos dissociativos ou conversivos,

relacionados geralmente ao termo histeria:

“Esses transtornos foram anteriormente classificados como tipos diversos de

“histeria de conversão”, mas agora parece melhor evitar o termo “histeria”

tanto quanto possível, em virtude de seus muitos e variados significados.(...)

Conceitos derivados de qualquer teoria em particular, tais como “motivação

inconsciente” e “ganho secundário” não estão incluídos entre as diretrizes ou

critérios para o diagnóstico.”

Novamente demonstra-se a preocupação da classificação em não seguir

doutrinas, porém a necessidade de aludir a temas que ainda possuem

aceitação no meio psiquiátrico. O termo “conversão” ainda é aceito, e

representa que o “afeto desprazeroso produzido pelos problemas e conflitos

que o paciente não pode resolver é de alguma forma transformado nos

sintomas.”

Transtornos somatoformes são descritos logo em seguida (F45) e

apresentam grande relação com os anteriores, porém neste caso as

experiências frustrantes de vida levariam à produção de sintomas físicos que

não podem ser justificados com base em investigações médicas ou resultados

de exames. Neste caso o paciente também pode desenvolver certo

histrionismo em relação aos sintomas que estaria apresentando, já que os

repetidos exames e resultados negativos levam à sua incapacidade de

persuadir as outras pessoas a respeito de suas queixas. Isto pode ser

encontrado no transtorno hipocondríaco que também faz parte deste

subgrupo.

O próximo bloco apresenta síndromes comportamentais associadas a

transtornos fisiológicos e fatores físicos (F50-F59). Este bloco apresenta

relação com os transtornos ansiosos, daí sua proximidade ao grupo F40-F49,

no entanto a sintomatologia somática é muito marcante, com a presença de

alguns casos extremos em que o transtorno assume a gravidade necessária

para uma nova codificação em transtorno delirante (F22). Compreende as

anorexias e a bulimia, cujas causas fundamentais permanecem obscuras.

Segundo a CID-10(OMS, 1993):

“Embora as causas fundamentais da anorexia nervosa permaneçam

imprecisas, há evidência crescente de que a interação sociocultural e fatores

biológicos contribuem para sua causação, assim como mecanismos

psicológicos menos específicos e uma vulnerabilidade de personalidade (...)”

Portanto este grupo compreende afecções que são relativamente

intermediárias aos outros transtornos psiquiátricos, com componentes de

diversas outros transtornos atuando de maneira incerta. Talvez este seja um

dos motivos pelo qual este grupo ocupe um bloco intermediário ao longo da

classificação.

Outros transtornos que fazem parte deste bloco são os transtornos de sono,

transtornos relacionados a disfunção sexual não causados por transtorno

orgânico, e transtornos mentais associados ao puerpério.

O próximo grupo, F60 a F69, relaciona transtornos de personalidade e de

comportamento em adultos. Possui grande influência da classificação norte-

americana DSM-3R e tem a sua presença assegurada para a resolução de

questões jurídicas ou relacionadas à psiquiatria forense.

Num primeiro subgrupo são descritos transtornos de personalidade mais

próximos da psicose. São eles o Transtorno de personalidade paranóide

(F60.0) e transtorno de personalidade esquizóide (F60.1). Em seguida há uma

descrição de transtornos relacionados à falta de controle dos impulsos:

Transtorno de personalidade emocionalmente instável (F60.3), inclui

personalidades impulsivas e borderline . Também inclui o transtorno de

personalidade histriônica e anti-social, que de alguma forma também estão

relacionados à falta de controle dos impulsos.

Em seguida descreve-se um grupo semelhante às neuroses, com alterações

de personalidade após experiências catastróficas e outras (F62). O subgrupo

seguinte pode ser correlacionado ao espectro obsessivo-compulsivo e compõe

os transtornos de hábitos e impulsos (F63), que inclui jogo patológico ,

piromania, cleptomania e outros.

Os subgrupos F64, F65 e F66 descrevem alterações de identidade e

preferência sexual (parafilias), como transexualismo , transvestismo,

fetichismo , voyeurismo, pedofilia e sadomasoquismo. Há certa influência

política e psicanalítica para a existência deste subgrupo na classificação. Vale

notar que homossexualidade e bissexualidade não são identificados como um

transtorno , mas podem ser codificados como um quinto caractere

complementar para o diagnóstico.

O grupo F70-F79 da classificação descreve o retardo mental. A introdução da

CID-10 para este grupo descreve:

“(...) é uma condição de desenvolvimento interrompido ou incompleto da

mente , a qual é especialmente caracterizada por comprometimento de

habilidades manifestadas durante o período do desenvolvimento, as quais

contribuem para o nível global de inteligência, isto é, aptidões cognitivas, de

linguagem, motoras e sociais.”

Percebe-se que a CID-10 nota a importância da existência de uma alteração

ao longo do desenvolvimento individual. No entanto, devido à necessidade

intrínseca à classificação de apresentar critérios descritivos e padronizados,

esta utiliza o teste de QI como parâmetro para diferenciar os diferentes graus

de retardo mental, embora este teste esteja sujeito a erros na técnica de

execução, alterações de nível cultural, ou ainda problemas do próprio teste

que não o tornam um instrumento muito confiável para o diagnóstico, ainda

que a classificação o aceite como parâmetro. Assim, divide-se o retardo

mental em leve (F70), moderado (F71) e grave (F72) e há faixas esperadas

para o QI correspondentes a cada diagnóstico. Existe uma descrição do

desenvolvimento dos pacientes com retardo mental leve, moderado e grave

mas aparentemente estas descrições são complementares e o diagnóstico da

CID-10 depende da pontuação do teste de QI em suas diretrizes diagnósticas.

O próximo bloco F80-F89 discute transtornos do desenvolvimento psicológico.

Este bloco possui influência marcante da psiquiatria infantil, daí as prováveis

vantagens de se agrupar os transtornos relacionados à infância em um único

bloco. São critérios para a ocorrência destes transtornos, segundo a CID-

10(OMS, 1993):

“ (a) um início que ocorre invariavelmente durante a infância

(b) um comprometimento ou atraso no desenvolvimento de funções que

são fortemente relacionadas à maturação biológica do sistema

nervoso central e

(c) um curso estável que não envolve as remissões e recaídas que

tendem a ser características de muitos transtornos mentais. “

Na maioria dos casos há evidência presuntiva de um componente genético,

porém fatores ambientais também podem aparentemente estar envolvidos,

com a etiologia sendo desconhecida para a maioria dos transtornos discutidos

no bloco.

O primeiro bloco discute transtornos do desenvolvimento da fala e linguagem,

F80, e o seguinte transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades

escolares.

Em seguida são descritos transtornos que afetam a função motora. O Autismo

é descrito no subgrupo F84 e suas características não se encaixam

completamente nas diretrizes descritas acimas para o grupo F80-F89, o que a

classificação(OMS, 1993)

procura explicar da seguinte forma:

“ (...) Há transtornos que são definidos primariamente mais em termos de

desvio do que de um atraso no desenvolvimento de funções; isto se aplica

especialmente ao autismo. Os transtornos autistas são incluídos neste bloco

porque, embora definidos em termos de desvio, um atraso de desenvolvimento

de algum grau é quase invariável. Ademais, há coincidência com os outros

transtornos do desenvolvimento em termos de ambos os aspectos de casos

individuais e agrupamento familiar. “

Portanto os transtornos autistas fazem parte deste bloco por causa de suas

semelhanças com outros transtornos do desenvolvimento e porque na maioria

dos casos existe um certo atraso do desenvolvimento, por exemplo retardo

mental. Para formas distintas como na síndrome de Asperger na qual

freqüentemente não há atraso no desenvolvimento global, verifica-se que estas

não se enquadram adequadamente nos requisitos pré-determinados pela CID-

10 para serem classificadas no bloco de F80 a F89.

No último bloco, F90 a F98, descrevem-se transtornos emocionais e de

comportamento com início usualmente ocorrendo na infância e adolescência.

Aparentemente um apêndice da categoria anterior, apresentando transtornos

da infância que não devem ser descritos em F80-F89 por não afetar o

desenvolvimento global. Transtornos semelhantes aos de personalidade (F60-

69) são descritos aqui, na seção referente a transtornos de conduta (F91, F92),

além dos transtornos hipercinéticos (F90), transtornos envolvendo tiques (F95)

e outros que não puderam ser classificados como tal e que comportam certa

semelhança (F98), envolvendo enurese não-orgânica, encoprese, gagueira,

transtornos de alimentação na infância, pica na infância, movimentos

estereotipados, fala desordenada e outros.

Ao último item da classificação, F99, correspondem transtornos mentais não

especificados. Este item não está presente em nenhum dos blocos e seu uso é

reservado a ocasiões onde uma impressão diagnóstica não foi realizada,

portanto seu uso não é geralmente recomendado pelos autores desta

classificação.

5. Conclusão

Verifica-se ao longo da classificação o empenho dos autores em realizar uma

padronização de inúmeros transtornos psiquiátricos a partir de critérios

predominantemente descritivos, como por exemplo duração de sintomas,

freqüência de determinados sintomas, presença ou não de certos sintomas que

permitem ou não o diagnóstico. Foi resultado de pesquisas que apresentaram

resultados da mesma maneira descritivos, segundo um modelo epidemiológico

de descrição, sistematização e quantificação de dados, e portanto este modelo

predomina na classificação de transtornos mentais da CID-10.

Esta abordagem foi utilizada preferencialmente por suas vantagens práticas,

pois permite a rápida idealização de uma classificação como a presente, com

utilidade imediata para classificar os diferentes transtornos seguindo estes

critérios.

No entanto, tal método apresenta falhas, que decorrem do fato da psiquiatria

ser tema de grande profundidade, e em muitos casos dificuldade para o

diagnóstico. É provavelmente uma das especialidades médicas que envolvem

um maior número de temas subjetivos, necessitando da impressão geral do

psiquiatra e seu conhecimento prévio de quadros e evolução de sintomas.

Muitas vezes a simples presença de determinados itens que possibilitam o

diagnóstico da CID-10, portanto, não correspondem ao diagnóstico efetivo do

paciente devido a certas particularidades de cada caso. Isto não significa que a

classificação foi um esforço inútil de seus idealizadores, mas que deve ser

aprimorada e rever certos critérios diagnósticos que utiliza, talvez adicionando

especificadores ou introduzindo descrições mais detalhadas. Uma das

dificuldades inerentes ao projeto é a tentativa de evitar correntes doutrinárias

dentro da psiquiatria, pois em alguns casos, uma descrição mais detalhada

como a de autores tradicionais pode ser muito mais elucidativa para o

diagnóstico do que a simples listagem de sintomas, ou duração de sintomas. É

o caso da descrição da CID-10 para esquizofrenia que, enquanto possibilita o

diagnóstico rápido e preciso seguindo seus critérios, não descreve

adequadamente o quadro, sendo necessária a leitura complementar dos

autores tradicionais a respeito do tema e observação de pacientes para se

entender melhor a respeito do assunto.

A própria classificação reconhece a deficiência dos critérios para alguns

blocos, que foram definidos com base nas necessidades de se haver um

diagnóstico determinado. É o caso das gradações realizadas para os

transtornos afetivos, por exemplo, as divisões do transtorno depressivo em

quadros leves, moderados, e graves, baseadas principalmente em critérios

quantitativos bastante simples. Em outros blocos enfatiza critérios que não

deveriam ocupar o destaque apresentado: é o caso dos transtornos

relacionados ao retardo mental, onde o resultado do teste de QI é apresentado

como diretriz diagnóstica para as diferentes gradações do quadro, em

detrimento de uma análise mais detalhada a respeito do desenvolvimento

global do indivíduo.

A classificação em blocos também não possibilitou o encaixe adequado de

alguns transtornos. É o caso do transtorno esquizoafetivo, que , por definição ,

não poderia fazer parte nem do grupo das esquizofrenias, nem do grupo dos

transtornos afetivos, tendo sido no entanto colocado no primeiro grupo. A

síndrome de Asperger foi colocada em um grupo cujo pré-requisito são

alterações globais do desenvolvimento, sendo que a maior parte dos pacientes

não os apresenta.

Portanto, a classificação representa a possibilidade de sistematizar os

diferentes diagnósticos em psiquiatria, mas apresenta imprecisões e deve ser

aprimorada; talvez minimizar a presença de critérios quantitativos e a

apresentação de descrições mais detalhadas seja necessário para a evolução

de suas próximas edições.

6. Bibliografia

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