monografia daiana-leao-simas

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I PEDAGOGIA – ANOS INICIAIS Daiana Leão Simas RISCOS E RABISCOS: A CONTRIBUIÇÃO DO DESENHO INFANTIL PARA A ALFABETIZAÇÃO Salvador 2011

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Page 1: Monografia daiana-leao-simas

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I

PEDAGOGIA – ANOS INICIAIS

Daiana Leão Simas

RISCOS E RABISCOS: A CONTRIBUIÇÃO DO DESENHO INFANTIL PARA A

ALFABETIZAÇÃO

Salvador 2011

Page 2: Monografia daiana-leao-simas

DAIANA LEÃO SIMAS

RISCOS E RABISCOS: A CONTRIBUIÇÃO DO DESENHO INFANTIL PARA A

ALFABETIZAÇÃO Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia, com Habilitação em Anos Iniciais, da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Prof.ª Dra. Cecília Conceição Moreira Soares.

Salvador 2011

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FICHA CATALOGRÁFICA : Sistema de Bibliotecas da UNEB

Simas, Daiana Leão

Riscos e rabiscos : a contribuição do desenho infantil para a alfabetização / Daiana Leão Simas . – Salvador, 2011.

48f.

Orientadora: Profª.Drª. Cecília Conceição Moreira.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia.

Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2011.

Contém referências.

Page 4: Monografia daiana-leao-simas

DAIANA LEÃO SIMAS

RISCOS E RABISCOS: A CONTRIBUIÇÃO DO DESENHO INFANTIL PARA A

ALFABETIZAÇÃO Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia, com Habilitação em Anos Iniciais, da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Prof.ª Dra. Cecília Conceição Moreira Soares.

Salvador, 18 de março de 2011.

Aprovada em 18 de março de 2011.

_______________________________________________ Professora Dra. Cecília Conceição Moreira Soares – UNEB

_______________________________________________ Professor Dra. Lúcia Leiro – UNEB

_______________________________________________ Professora Msc. Vívian Antonino da Silva – UNEB

Page 5: Monografia daiana-leao-simas

Dedico este trabalho aos meus pais, Luiz e Edelzuita, que

tanto contribuíram para a minha formação. Ao meu noivo

Silvio, por sua dedicação e carinho, em compreensão a esta

longa caminhada. E em especial, a todas as crianças, que

através do sublime ato de desenhar, nos convidam a se

apaixonar pelos seus traços, por suas cores e nos atraem

para esse mundo maravilhoso que o desenho nos

proporciona.

Page 6: Monografia daiana-leao-simas

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, obrigada Senhor por estar ao meu lado, sempre me encorajando a

caminhar e a nunca desistir.

Com carinho especial aos meus pais, minhas valiosas pérolas, Luiz e Edelzuita, que

me incentivaram a todo instante, me encorajando com palavras sábias e acolhedoras, vocês

são exemplos de força e coragem e fazem parte do meu ser.

Ao meu noivo Silvio, que esteve presente em cada capítulo desta monografia, me

apoiando com o seu saber e com as suas leituras sábias e críticas. Meu singelo obrigado, por

compreender mais uma etapa das nossas vidas, se fazendo presente em todos os momentos

alegres e também nos tristes. E a cada instante, conseguiu compreender o meu silêncio, as

minhas angústias, ausências, inquietudes, transmitindo sempre a segurança necessária para

que pudesse construir este caminho.

Aos meus irmãos Denilson e Alexandre, por compreender a minha ausência nos mais

diversos momentos, e também por ouvir atentamente as minhas leituras e compartilhar das

minhas decisões.

À minha família, em especial a minha tia Denise e a minha avó Tereza, por respeitar

este momento tão particular e pelo apoio prestado a cada instante.

À minha orientadora, a Professora Drª Cecília Soares, por seu carinho, compreensão e

companheirismo nesta grande construção.

Ao meu querido Professor Dr. Luciano Bomfim, por sua dedicação ao meu trabalho e

pelos ensinamentos ao longo da minha trajetória acadêmica. Com você pude aprender a tecer

muitos conhecimentos, obrigada pelos direcionamentos e pelo acolhimento constante a minha

pessoa.

À Professora Vívian Antonino e a Professora Lúcia Leiro, pelo empenho e

disponibilidade de analisar o meu trabalho.

Aos meus amigos, que ao longo desta trajetória construímos e compartilhamos muitos

conhecimentos, o meu muito obrigado a: Aline Rocha, Carla Vanessa, Josefa Dantas, Maria

Caldas, Mariza Mota, Neuza, Lucas Tito e Tailândia Fernandes.

Agradeço, em especial a minha amiga Vânia, que participou com carinho, sempre me

incentivando com palavras que me encorajavam ainda mais diante dos obstáculos.

Page 7: Monografia daiana-leao-simas

À minha amiga Mônica, por se preocupar com meu bem estar, e por me ajudar nos

momentos mais decisivos.

Aos amigos Joselito e Jaqueline pelo apoio e pela disponibilidade em conseguir alguns

livros para a minha pesquisa.

À Nilda, por seu carinho e dedicação com meu trabalho.

E a todos aqueles que participaram indiretamente desta sábia caminhada.

Page 8: Monografia daiana-leao-simas

“Os olhos, os ouvidos e a língua vêm antes da mão. Ler vem

antes de escrever e desenhar antes de traçar as letras do

alfabeto”.

(MAHATMA GANDHI)

Page 9: Monografia daiana-leao-simas

RESUMO

Este trabalho monográfico tem como finalidade analisar a contribuição do desenho infantil para a aquisição da língua escrita da criança na alfabetização. Assim, discutimos alguns pontos relevantes sobre a contribuição do desenho infantil no processo de alfabetização, tais como: as diferentes linguagens da criança neste período, o significado do desenho para a criança e a importância do desenho infantil na alfabetização. Por isso, alguns autores foram essenciais para embasar a nossa discussão, tais como: Philippe Ariès, Bernard Charlot, Florence Mèredieu, Henri Luquet, Emilia Ferreiro, entre outros. Para desenvolver este estudo, a metodologia utilizada constituiu-se da pesquisa bibliográfica e, no intuito de atingir o intento proposto nesta investigação, estruturamos este trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo discutimos inicialmente a construção histórica do conceito de infância e também apresentamos as diferentes formas de linguagem da criança na alfabetização. Já no segundo capítulo tratamos sobre as especificidades do desenho infantil, apresentando as suas fases de desenvolvimento. E por fim, no terceiro capítulo, dialogamos com alguns autores sobre o processo de aquisição da língua escrita e também traçamos as etapas de desenvolvimento da escrita na alfabetização. Para concluir a nossa pesquisa, apresentamos nas considerações finais uma reflexão diante do tema estudado e, a partir das discussões teóricas, concluímos que o desenho infantil enquanto linguagem gráfica e artística contribui significativamente não só para o desenvolvimento da escrita, como também auxilia na coordenação motora da criança na alfabetização.

Palavras-chave: Desenho infantil. Alfabetização. Língua escrita.

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ABSTRACT

This monograph aims to analyze the contribution of children's drawing for the acquisition of written language in children's alphabetization. Thus, this discuss some relevant points about the contribution of children's drawing in the alphabetization process, such as: the different languages of the child during this period, the significance of drawing to the child and the importance of drawing in children's alphabetization. Therefore, some authors have been essential to base our discussion, such as: Philippe Aries, Bernard Charlot, Florence Mèredieu Henri Luquet, Emilia Ferreiro and others. To develop this study, the methodology consisted of literature research and in order to achieve the intent of this proposed research we designed this work in three chapters. In the first chapter initially discuss the historical concept of childhood and also present the different forms of language in children's alphabetization. In the second chapter deal about the specifics of children's drawing showing the stages of their development. Finally, the third chapter we dialogue with some authors on the acquisition of written language and also traced the stages of writing development in alphabetization. To complete our research presented in the final reflection on the topic in question and from the theoretical discussions we conclude that while the drawing graphic and artistic language not only contributes significantly to the development of writing, but also helps in child's motor skills in alphabetization. Keywords: Child's drawing. Alphabetization. Written language.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM DA CRIANÇA NA

ALFABETIZAÇÃO

13

1.1 CONCEITO DE INFÂNCIA 13

1.2 AS DIFERENTES LINGUAGENS DA CRIANÇA NA ALFABETIZAÇÃO 19

2 O DESENHO NO UNIVERSO INFANTIL 23

2.1 DO DESENHO À PALAVRA ESCRITA: OS ESTÁGIOS DO DESENHO

INFANTIL

23

2.2 RISCOS E RABISCOS: O SIGNIFICADO DO DESENHO PARA A CRIANÇA 30

3 A ESCRITA E O DESENHO: CONTRIBUIÇÕES NECESSÁRIAS PARA

A ALFABETIZAÇÃO

35

CONSIDERAÇÕES FINAIS 46

REFERÊNCIAS 48

Page 12: Monografia daiana-leao-simas

10

INTRODUÇÃO

O processo de alfabetização na vida de uma criança é de suma importância para o seu

desenvolvimento cognitivo e social, tendo em vista que é neste período que a criança tem a

oportunidade de desenvolver as suas habilidades e construir este conhecimento devido às suas

experiências vividas dentro e fora do ambiente escolar.

No período de alfabetização, a criança traz consigo as suas primeiras experiências

gráficas na forma de desenho que a possibilitam expressar suas ideias, seus sentimentos,

desejos e comunicar as suas descobertas, seus anseios e vontades. Assim, o desenho é uma

linguagem significativa, pois é através dele que a criança manifesta sua concepção de mundo.

Sabemos que existem crianças que possuem uma experiência com a linguagem escrita

através de participação indireta e natural no contexto no qual está inserida. Assim, podemos

destacar a observação atenta às formas como se apresentam os materiais escritos no seu

ambiente familiar, ao ver alguém escrever um bilhete, assinar o próprio nome, lista de

supermercado, rótulos de produtos utilizados no contexto familiar, etc. Dessa forma, este

contato inicial com o mundo da leitura e escrita permite que a criança perceba que a escrita

serve para se comunicar com alguém e que esta tem um sentido social.

Em um contexto social, o processo de aquisição e compreensão da língua escrita

possibilita a inclusão e a participação da criança no mundo letrado. Assim, ao vivenciar

situações em que o sistema de escrita encontra-se presente, a criança se arrisca e até mesmo

constrói hipóteses sobre o que supostamente escreveu e desenhou.

Portanto, este trabalho monográfico tem como finalidade analisar a contribuição do

desenho infantil para a aquisição da língua escrita da criança na alfabetização. A escolha por

esta temática baseou-se nas minhas inquietações pessoais sobre o desenho infantil e sua

relação com a alfabetização escolar da criança.

Ao me reportar à minha infância, lembro-me que o ato de desenhar esteve presente nos

diversos momentos da minha vida. Sempre fui motivada pela minha família com os mais

Page 13: Monografia daiana-leao-simas

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variados tipos de materiais que me possibilitavam aventurar graficamente no mundo do

desenho. Na adolescência, o desenho esteve imbuído nas minhas confissões pessoais, na

expressão das minhas vontades e desejos, nas aulas no colegial e na escolha do curso de

vestibular. Assim, na minha trajetória acadêmica, tive a possibilidade de confrontar as teorias

sobre o desenho infantil e a realidade vivida em sala de aula e, ao longo do Curso de

Pedagogia, começaram a aflorar algumas perguntas sobre o desenho infantil, tais como: “Por

que a criança desenha?” “Qual o significado do desenho para ela?”, “Por que a escola trata o

desenho como uma atividade para passar o tempo?”, dentre outras indagações.

Nesse ínterim, tive a possibilidade de observar e conviver com crianças que faziam

parte de uma turma de alfabetização na instituição escolar na qual trabalho e na época era

estagiária. Ao longo desta convivência, percebi que no processo de alfabetização as crianças

não tinham tempo para desenhar devido à quantidade de exercícios que visavam à aquisição

da leitura e escrita e, mesmo quando sobrava tempo, a educadora promovia uma atividade

extra como contação de histórias. Após a leitura, era solicitado aos alunos que realizassem

uma produção de desenhos baseado no que foi lido. O resultado era que muitas crianças não

participavam deste momento, pois diziam que não sabiam desenhar.

Desse modo, durante minha observação, percebi que no processo de alfabetização

existe uma inibição do desenho infantil, pois é dado mais ênfase na aprendizagem da escrita.

Por isso, acreditamos que a temática abordada neste trabalho monográfico é relevante para os

fins acadêmicos e também para a atuação do educador em sala de aula, visto que é necessário

o conhecimento da essência do desenho infantil como linguagem gráfica e seu papel na

construção do conhecimento da criança.

Diante das inquietações sobre o tema abordado, investigamos o seguinte problema de

pesquisa: Qual a contribuição do desenho infantil para a aquisição da língua escrita da criança

na alfabetização?

Para desenvolver este estudo a metodologia, utilizada constituiu-se da pesquisa

bibliográfica com base nos pressupostos de autores considerados renomados e que analisam o

conceito de infância e as suas diferentes linguagens, tais como: Philippe Ariès (2006),

Vygotsky (1984), Bernard Charlot (1979), Jacques Gélis (1991), Walter Benjamin (1984),

Bruno Bettelheim (1988), Sônia Kramer (2003) e outros. Também foram analisadas as obras

de autores que desenvolveram seus estudos sobre o desenho infantil, dentre eles, podemos

destacar: Henri Georges Luquet (1969), Viktor Lowenfeld e Brittain (1977), Florence

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Mèredieu (2006), Jean Arfouilloux (1988), Edith Derdyk (1993), Ana Angélica Albano

(2009), Maria Isabel Leite (2003), Sueli Ferreira (2003), dentre outros. Assim, para que

pudéssemos compreender o processo de aquisição da língua escrita da criança na

alfabetização, utilizamos como referenciais teóricos os estudos de autores como: Emília

Ferreiro e Ana Teberosky (1999), Suely Amaral (2005), Maria Graça Azenha (1993) e

Analice Pillar (1996). Vale ressaltar que também consultamos os documentos oficiais do

Ministério de Educação sobre o Ensino Fundamental de Nove Anos.

Neste sentido, para atingir o intento proposto nesta investigação, estruturamos este

trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “O desenvolvimento da linguagem

da criança na alfabetização”, discutimos inicialmente a construção histórica do conceito de

infância, a partir das concepções teóricas dos autores Philippe Ariès (2006) e Bernard Charlot

(1979). Ainda neste capítulo, discutimos sobre as diferentes formas de linguagens da criança

na alfabetização, destacamos as principais formas de expressões que fazem parte da vida da

criança e aquelas que se encontram imbuídas neste processo.

Já no segundo capítulo, “O desenho no universo infantil”, tratamos sobre as

especificidades do desenho infantil, apresentando as fases de desenvolvimento do desenho da

criança nas perspectivas de diferentes autores. Em um segundo momento, discutimos sobre o

significado do desenho infantil, pontuando como a criança desenha e sua perspectiva sobre o

seu desenho.

No terceiro capítulo, “A escrita e o desenho: contribuições necessárias para a

alfabetização”, dialogamos com alguns autores sobre o processo de aquisição da língua escrita

e também traçamos as etapas de desenvolvimento da escrita ao longo deste processo. Logo

após, abordamos a importância do desenho infantil para o processo de alfabetização,

principalmente, no que diz respeito à aquisição da linguagem escrita.

Para concluir a nossa pesquisa, nas considerações finais, apresentamos a nossa

reflexão diante do tema estudado a partir das discussões teóricas analisadas, as quais foram

desenvolvidas ao longo dos capítulos anteriores como também explicitamos como o desenho

infantil contribui para a aquisição da língua escrita da criança na alfabetização.

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13

1 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM DA CRIANÇA NA

ALFABETIZAÇÃO

1.1 CONCEITO DE INFÂNCIA

O termo infância nos faz resgatar da memória os momentos de peraltices vividos

enquanto criança. Para alguns, é reviver as lembranças do brinquedo preferido, das melhores

brincadeiras inventadas com os amigos, das histórias contadas em família, enfim, das

vivências agradáveis, cuja alegria e inocência se fazem presentes. Já para outros, as

recordações da infância traz à tona lembranças das experiências tristes, marcadas por

situações adversas que englobam a violência, o abandono da família, o trabalho ilegal e até

mesmo a exclusão e as injustiças ocasionadas na sociedade. Assim, ao lembrarmos da

infância, somos convidados a pensar sobre o tempo e a condição de ser criança.

A ideia que temos sobre criança pode apresentar diferentes significados e possuir

distintas acepções para cada indivíduo, bem como está diretamente ligada aos aspectos

econômicos, culturais, políticos e ao contexto social em que ela se encontra. Em meio a tantas

ressignificações que podemos ter sobre o tempo de ser criança, surge como primeiro desafio

nesta pesquisa analisar o conceito de infância. E para compreendê-lo, precisamos refletir

sobre o que é ser criança e de que maneira a visão que temos hoje da infância foi construída

ao longo da nossa história.

Existem diferentes definições sobre o que é ser criança, segundo Damazio (1994,

p.20), criança “é um sujeito em seu processo de crescimento, com suas possibilidades

orgânicas e mentais portadora de seus próprios meios de viver e conhecer a realidade”. A

partir do ponto de vista do autor, podemos dizer que a criança é um indivíduo em contínuo

crescimento, que se desenvolve fisicamente e intelectualmente com características próprias,

identificadas pelo grupo a partir dos comportamentos e inserção na sociedade. De modo geral,

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essa é a reflexão que responde imediatamente à concepção ou à fase de vida do ser humano.

Mas, também a condição de ser criança foi relacionada às faixas etárias1.

O conceito de infância caracteriza-se como uma etapa específica do ser criança. Nesta

fase, a mesma encontra-se em constante desenvolvimento cognitivo, físico e social, além

disso, tem características singulares e necessidades peculiares, tais como: assistência da

família e proteção do adulto.

O estudo da infância difundiu-se nos diversos campos de investigação devido às

contribuições teóricas que começaram a surgir no intuito de ampliar as discussões e reflexões

sobre o papel social e histórico da criança. Destacamos, particularmente, os estudos do

historiador francês Philippe Ariès (1981) 2, considerado o precursor na discussão sobre a

criança e o desenvolvimento social infantil.

Na obra A História Social da Criança e da Família (Ariès: 1970) buscou identificar a

descoberta do sentimento atribuído à criança, através da análise de pinturas, iconografias,

diários, testemunhos, fotografias, dentre outros fatos da vida cotidiana da Idade Média à Idade

Moderna. O autor começa a sua investigação com a apreciação da arte medieval. No século X,

a arte desconhecia o conceito da infância, era visível a carência da retratação infantil em

alguns séculos da Idade Média. Era comum pensar que não havia preocupação em falar da

infância na sociedade. Além disso, alguns pintores não faziam retratação infantil em suas

obras, principalmente nas civilizações arcaicas.

Segundo Ariès, por volta do século XIII, as pinturas medievais começaram a

representar as crianças como adultos em miniaturas. Nestas representações artísticas, elas

eram retratadas fisicamente não como crianças, mas como pequenos homens. Não só na arte

as crianças eram tratadas como mini adultos, mas na vida cotidiana eram caracterizadas com

trajes não peculiares à sua idade, efetivamente participavam das festas e reuniões, cujos

termos e palavras utilizadas nas conversas eram impróprios para elas. Com base em suas

1 A infância é uma fase demarcada pelas faixas etárias estabelecidas por uma categoria social, através da organização e estrutura de cada sociedade, como também está diretamente ligada a determinada época histórica. Tomaremos como base para nossa discussão, a divisão proposta pelo INEP. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, a infância divide-se em três fases: Primeira infância: período de 0 a 3 anos, quando se completa a dentição de leite (30 a 36 meses); segunda infância: período de 3 a 6 ou 7 anos e terceira infância: período de 7 anos até a puberdade (12 anos para as mulheres e 14 anos para os homens). 2 O estudo Philippe Ariès reflete as novas tendências historiográficas, a partir da escola “anales” que representou uma revolução teórica-metodológica da pesquisa histórica.

Page 17: Monografia daiana-leao-simas

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pesquisas, o autor chegou à seguinte conclusão sobre os momentos que caracterizavam o ser

criança e a infância:

(...) a primeira idade é a infância que planta os dentes, e essa idade começa quando a criança nasce e dura até os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce é chamado de enfant (criança), que quer dizer não-falante, pois nessa idade a pessoa não pode falar, nem formar perfeitamente as suas palavras, pois ainda não tem os seus dentes ordenados, nem firmes (...) (2006, p.6)

A palavra enfant aqui apresentada por Ariès tem a sua referência etimológica

procedente do francês, que significa criança. Já o termo infância tem a sua origem do latim

infans, que quer dizer aquele que não é capaz de falar. Segundo Ariès, a infância é um período

que se inicia com o nascimento da criança e se estende até os sete anos. Este período da

infância era caracterizado pela ausência da linguagem, isto quer dizer que a criança não

apresentava a faculdade de expressar o seu pensamento através da fala. Nesta perspectiva, a

criança é vista como um ser não dotado de “razão”, pois, na concepção dos adultos, a criança,

por não ser racional, possuía comportamentos inadequados e não aceitáveis. Ao completar

sete anos, a criança atingiria a “idade da razão”, chamada assim porque nesta idade a criança

estaria apta a conviver com os adultos e desempenhar funções, como por exemplo, aprender

um ofício.

Ainda segundo Ariès, o nascimento de dois sentimentos da infância nos séculos XVI

e XVII criou uma nova perspectiva para as crianças. Estes sentimentos revelam-se

significativos para o reconhecimento da infância, pois, como veremos mais adiante, o

sentimento de paparicação e moralização da criança caracterizam-se em duas atitudes

contraditórias dos adultos perante a criança. (ARIÈS, 2006, p.99)

Inicialmente, o sentimento da infância pode ser entendido não como afeição pela

criança, mas, na verdade, corresponde à consciência da particularidade infantil que não havia

na civilização medieval. Conforme Philippe Ariès, as crianças não eram maltratadas ou

abandonadas, o que realmente não existia era um sentimento pela infância. No período

medieval, os adultos não tinham consciência desta particularidade e, por este motivo, quando

as crianças tornavam-se independentes de suas mães ou amas de leite, misturavam-se ao

mundo dos adultos e de seus trabalhos.

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O primeiro sentimento da infância começa a existir no seio da família, e era “(...)

reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela era uma coisinha

engraçadinha (...)” (ARIÈS, 2006, p.2), assim chamado de “paparicação”. Essa prática para

além do zelo e mimos tendia para o escárnio, “(...) as pessoas se divertiam com a criança

como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes

acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso”

(Ibidem). O sentimento descrito pelo autor denuncia o tratamento superficial dedicado à

criança, enquanto ainda era pequenina e engraçadinha, ela poderia ser comparada certamente

ao animal de estimação.

Se analisássemos este tratamento dado à criança hoje, em nosso contexto social,

iríamos nos espantar com tamanha insensibilidade. Portanto, como a infância era algo

passageiro, as pessoas não se preocupavam com o falecimento da criança. Embora Philippe

Ariès tenha descrito sobre a facilidade de substituir a criança morta, na prática isso não

acontecia nesta simplicidade.

O segundo sentimento apontado por Ariès, ao contrário do primeiro sentimento,

“proveio de uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou dos homens das leis, (...) e de

um maior número de moralistas (...), preocupados com a disciplina e a racionalidade dos

costumes” (ARIÈS, 2006, p.105). Estes segmentos da sociedade do século XVIII

consideravam a criança um ser incompleto e ingênuo que precisava da “moralização” e da

disciplina realizada pelo adulto. Isto quer dizer que a criança deveria ser disciplinada através

dos ensinamentos ligados à Igreja e à família, que agora se interessavam pelos estudos de seus

filhos. Pode-se notar que surge um novo sentimento, no sentido de conduzir a criança no

caminho direcionado pelo adulto, a criança é reconhecida socialmente, mas encontra-se

submissa ao adulto.

Apesar da obra de Philippe Ariès ser um marco na história social da criança,

surgiram várias pesquisas com objetivo de reinterpretar e problematizar o desenvolvimento

social da infância e a visão linear que se tem na história da criança nos períodos pesquisados.

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Contrariamente ao pensamento de Ariès sobre o sentimento da infância, Jacques

Gélis 3 revela que “a indiferença medieval pela criança é uma fábula” (1991, p.318), já que no

século XVI, “os pais se preocupavam com a saúde de seu filho” (Ibidem). Conforme o autor:

devemos interpretar a afirmação do “sentimento da infância” no século XVIII - quer dizer, nosso sentimento da infância - como o sintoma de uma profunda convulsão das crenças e das estruturas de pensamento, como indício e uma mutação sem precedente da atitude ocidental com relação à vida e ao corpo. (1991, p.318)

Vemos que o autor nega a existência da indiferença perante a infância, pois a família

tinha interesse pela vida da criança e demonstrava afetividade pela mesma. Gélis propõe

claramente que a existência do sentimento da infância, em tempos antigos e na Idade Média,

proporcionou uma transformação radical no pensamento da sociedade referente à preservação

da vida da criança. Para ele, a criança não era submissa ao adulto, mas parte do coletivo e

sinônimo de renovação da geração dos seus pais.

Para Moysés Kuhlman Júnior 4, com base nos autores Franco Cambi e Uliveri,

analisa que “a transformação que se observa em relação à infância não é linear e ascendente

como descreve Ariès” (1998, p.21). Kuhlman critica a concepção da infância construída por

Ariès, este argumenta que a concepção do historiador francês apresenta uma visão linear e que

generaliza o seu desenvolvimento histórico, já que fundamentou sua pesquisa em fontes

históricas sobre as famílias burguesas na França. Observa-se que a descoberta do sentimento

da infância é ascendente, partindo primeiramente da nobreza e, logo após, estende-se para as

camadas populares.

Historicamente, a infância pode ser considerada um difícil objeto de estudo a ser

analisado, segundo Corazza “(...) não existia a figura social e cultural chamada criança e por

isso mesmo nem o objeto discursivo que chamamos de infância” (2002, p. 81). A partir da

afirmativa de Corazza, podemos ressaltar que tal ausência não se origina da escassez física

das crianças, ao contrário do que podia se pensar, elas existiam em grande número no

3 O autor Jacques Gélis participou da organização do livro História da Vida Privada, publicada na França, no ano de 1980, nesta obra apresentam-se várias interpretações dos estudos de Ariès. 4 Na sua obra Infância e Educação Infantil: Uma abordagem histórica, o autor Moysés Kuhlman Júnior analisou a trajetória histórica e social da criança nos tempos passados, e reinterpretou os estudos de Ariès.

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passado. Assim, a dificuldade de analisar a infância ocorre não pela falta de documentos

históricos no que diz respeito às crianças, mas sim pelo fato de serem ignoradas em seu

contexto social. Sabe-se que a história da infância é compreendida pela concepção dos

adultos, já que a voz e o testemunho da criança encontram-se ausentes na elaboração da

própria trajetória social e construção da sua história.

Em sua obra A Mistificação Pedagógica, o autor Bernard Charlot (apud KRAMER,

p.22, 2003) “favoreceu a crítica à naturalização infantil e consolidou a análise de caráter

histórico, ideológico e cultural”. Vale dizer que ele partilha a ideia com argumentos

filosóficos e pedagógicos, pois acredita que na relação adulto-criança, a criança não é

dependente pelo fator natural, e sim por uma questão social. Para ele, a construção da

concepção da infância é construída socialmente, através de uma perspectiva histórica, ou seja,

sofre modificações de acordo com a estrutura de cada sociedade.

A partir de uma perspectiva social e histórica da infância, é possível perceber que um

novo cenário surgiu - a criança saiu do anonimato e ganhou um novo status social. Ao longo

do século XX, diversas áreas do conhecimento - Psicologia, Sociologia, Antropologia,

Pedagogia, Psicanálise, Linguística e outras - surgiram com o objetivo de estudar as

especificidades da infância. Vemos na atualidade uma grande preocupação de estudiosos e

cientistas sociais em desvendar e elucidar os caminhos traçados pela criança ao longo da sua

história na humanidade.

Atualmente, falamos sobre “as características da infância, suas necessidades e

interesses, a partir da ideia de que a criança é diferente do adulto e deve ocupar um lugar

distinto no universo social” (GOUVEA, 2006, p. 13). A partir da consideração da autora,

podemos dizer que felizmente temos a consciência de que a criança não é um adulto em

miniatura. Ao contrário, apresenta especificidades próprias de sua idade e compreender isso já

é um grande passo para o reconhecimento da infância.

Desse modo, a infância é uma etapa essencial para o desenvolvimento integral do ser

humano. Ao procurar levar em conta essa fase da vida, retratando como etapa distinta do

mundo do adulto, e também ao pesquisar e ao escrever sobre o tempo de ser criança, não

podemos esquecer a criança que fomos e temos ainda dentro de nós. Assim, concordamos

com autora Sônia Kramer, quando diz que:

Ao contrário dos animais, o homem tem infância, não foi sempre falante, e precisa, para falar, constituir-se em sujeito da linguagem. A linguagem é,

Page 21: Monografia daiana-leao-simas

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pois, condição da humanidade do homem, já que só o ser humano pode ser in-fans (aquele que não fala), e nessa descontinuidade é que se funda historicidade do ser humano. Se há uma história, se o homem é um ser histórico, é só porque existe uma infância do homem, é porque ele deve se apropriar da linguagem (2002, p.46).

A partir da contribuição desta autora, entendemos a importância da infância na vida

humana. Entretanto, é necessário tratar a criança do jeito que ela é e respeitá-la enquanto

sujeito que constrói as suas relações no meio social em que vive, pois é um ser capaz de

descobrir-se no mundo, marcado por sua linguagem individual e características pessoais.

Assim, para melhor compreender a criança e necessariamente a sua infância é preciso

aprender a observar as suas brincadeiras, o movimento do seu corpo, a maneira como desenha

e as suas músicas prediletas, pois ao compreendermos essas peculiaridades estaremos

aprendendo como constrói a sua história.

1.2 AS DIFERENTES LINGUAGENS DA CRIANÇA NA

ALFABETIZAÇÃO

A linguagem está presente nas diversas relações sociais que estabelecemos com o

meio em que vivemos, seja numa conversa, ao ouvir uma canção, através dos nossos gestos,

na leitura de um livro, ao escrever um bilhete, dentre outras experiências da vida cotidiana. É

na linguagem e por meio dela, que emitimos os nossos pensamentos, expressamos os

sentimentos, as emoções e as nossas ideias. Nos tornamos autores, atores, pintores,

dançarinos, leitores, escritores e por que não, verdadeiros artistas da vida?

Ao analisar as variadas interações sociais, podemos considerar que a linguagem é

inerente ao homem, pois está diretamente vinculada a todas as ações humanas que são

movidas por ela. Ao nascer somos inseridos em um mundo, cuja linguagem é um instrumento

de comunicação, o qual nós aprimoramos através das diferentes relações com as pessoas e

com o meio social.

Desde os primeiros momentos da infância, a criança aprende a se comunicar através

do corpo, da fala, dos gestos, sons bem como explora o mundo em sua volta e compreende a

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20

si mesma através das diferentes formas de linguagens. Assim, quando uma criança “seleciona

e elege um objeto para brincar, uma música para cantar, um sapato para calçar, uma cena para

desenhar, está exercendo uma apropriação de recortes da realidade” (DERDYK, 1993, p.107).

Esta “leitura da realidade se manifesta através da representação por meio de linguagens:

gráfica, plástica, teatral, corporal, escrita e falada” (Ibidem).

Não podemos pensar a infância sem essas linguagens, já que são necessárias para

aprendizagem e construção de novos conhecimentos da criança. É pensando na importância

dessas linguagens para o desenvolvimento infantil que surgiram algumas inquietações, as

quais permeiam esta pesquisa, no que se refere, particularmente, a criança e suas diferentes

linguagens na alfabetização.

As diferentes formas de linguagens encontram-se presentes na vida da criança, seja

em sua casa, na escola, e nos diversos espaços frequentados por ela. Aos poucos, a criança em

contato com essas linguagens aprende a explorá-las e a descobrir novas formas de estar no

mundo. Na alfabetização, uma das mais importantes linguagens peculiar à criança é o brincar.

O brincar é uma linguagem importante na vida do ser humano e em especial na vida

da criança. Esta linguagem “é uma necessidade natural. A criança que brinca experimenta-se e

constrói-se através do brinquedo. Ela aprende a dominar a angústia, a conhecer seu corpo, a

fazer representações do mundo exterior e mais tarde agir sobre ele” (ARFOUILLOUX, 1988,

p.94). Diante desta reflexão, o brincar beneficia o desenvolvimento humano, especialmente na

infância. Assim, esta linguagem peculiar à criança lhe proporciona alegria, sensação de

prazer, satisfação, bem como, desenvolve a sua capacidade criadora e naturalmente amplia o

seu conhecimento sobre o mundo em que vive.

Ao brincar, a criança adquire novas experiências, busca satisfazer as suas

curiosidades, realiza as suas fantasias e experimenta diferentes sensações. De acordo com a

autora Leni Vieira:

Através do brincar a criança experimenta, organiza-se, regula-se, constrói normas para si e para o outro. Ela cria e recria, a cada nova brincadeira, o mundo que a cerca. O brincar é uma forma de linguagem que a criança usa para compreender e interagir consigo, com o outro, com o mundo (2001, p.104).

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21

Refletindo sobre as palavras da autora, podemos expor que ao brincar, a criança

constrói novas relações consigo e com o outro. Ela inventa e recria diferentes formas para

experimentar e compreender a realidade que está inserida. É pela linguagem do brincar que a

criança manifesta os seus interesses mais íntimos e a sua própria forma de ver o mundo.

Muitas vezes, o ato de brincar é considerado pelo adulto como uma atividade para

passar o tempo, ou até mesmo, como um momento sem muita importância. Entretanto, como

comenta Bruno Bettelheim:

Nenhuma criança brinca espontaneamente só para passar tempo, embora ela e os adultos que a observam possam pensar assim. Mesmo quando participa de uma brincadeira em parte para preencher momentos vagos, sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. O que se passa na mente da criança determina suas atividades lúdicas; brincar é sua linguagem secreta, que devemos respeitar mesmo que não a entendemos (1988, p.65).

Conforme aponta o autor, o brincar é a linguagem secreta da criança, pois quando ela

brinca, externaliza os seus sentimentos, os seus anseios e também os desejos do seu

pensamento. É brincando que a criança constrói novos significados sociais e estabelece

algumas regras através da interação com outras crianças.

Imaginemos que enquanto brinca, a criança imita a ação dos adultos e se incorpora

em alguns papéis sociais, ou seja, utiliza a sua imaginação para fantasiar. Assim, representa

ser um professor, médico, escritor, ator, motorista, enfermeiro, cientista, dentre outras

possibilidades idealizadas e sonhadas por ela. Desta forma, aproveita os diversos materiais

presentes no seu cotidiano e atribui a eles novos valores e significados. Ela “transforma

panela em volante, cabo de vassoura em cavalo, lençol em cabana, régua em avião, areia em

estrada, inventa novos heróis, dá soluções às desigualdades e injustiças” (BENJAMIN, 1984,

p.14). A partir da reflexão do autor, consideramos que o uso de objetos e materiais que fazem

parte do cotidiano da criança, lhe proporciona diferentes maneiras de organizar as suas

relações sociais e inventar as suas próprias regras. Neste mundo do imaginário, a criança

vivencia os diversos personagens criados por ela e experimenta muitas situações do seu

contexto social.

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22

Ao brincar, a criança também pode estabelecer relação com outra linguagem

importante e significativa para ela, que é o desenho. Na ação do brincar, pode ao mesmo

tempo desenhar, e sobre isso o autor Paulo Sans nos diz que:

O brincar e o desenhar para a criança manifestam-se impulsionados pela mesma essência motivadora, que é caracterizada pela ação lúdica. Acontece um constante relacionamento mútuo entre esses dois atos que podem estar tão interligados que em vários momentos estarão simultaneamente numa mesma função. A ação do brincar pode acontecer no ato de desenhar, assim como a ação do desenhar pode também se inserir no ato de brincar (1994, p.39).

Como afirma o autor, o brincar pode estar incorporado no desenhar, como também o

desenhar pode estar inserido no brincar. Por exemplo, a criança pode estar desenhando um

trem e imaginar que ele esteja em movimento, este pode se transformar em avião e ela pode

usar a sua criatividade e brincar que ele esteja voando. O desenho pode ter várias

possibilidades no jogo do faz-de-conta.

Muito mais que o “brinquedo, o desenho da criança fascina. A criança desmancha o

seu brinquedo quando o adulto chega, mas o desenho permanece como coisas escritas. Ele é

um traço, é um testemunho” (ARFOUILLOUX, 1988, p.128). Ele é admirado, observado, “é

exposto ao olhar alheio, é colocado no álbum que será folheado alguns anos mais tarde em

busca do que foi, das marcas de uma história. (...) Ele tem para nós a força de nossas próprias

lembranças da infância” (Ibidem). Assim, o desenho é uma linguagem gráfica significativa

para o desenvolvimento da infância, ele vive nas nossas memórias, marcando os melhores

momentos das nossas vidas.

Quando uma criança possui a liberdade de se expressar, atua com mais confiança no

que realiza e constrói com mais segurança o seu conhecimento. A criança, ao desenhar,

“canta, dança, conta histórias, teatraliza, imagina ou até silencia... O ato de desenhar

impulsiona outras manifestações, que acontecem juntas, numa unidade indissolúvel,

possibilitando uma grande caminhada pelo quintal do imaginário” (DERDYK, 1993, p.19).

Constatamos que as outras formas de linguagens estão associadas ao desenho, pois a criança

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23

quando desenha movimenta-se, imagina, cria e se sente livre para experimentar e representar

da sua forma a realidade.

O desenho como linguagem “requisita uma postura global. Desenhar não é copiar

formas, figuras, não é simplesmente proporção, escala. (...) Desenhar objetos, pessoas,

situações, animais, emoções, ideias são tentativas de aproximação com o mundo. Desenhar é

conhecer, é apropriar-se” (DERDYK, 1993, p.24). O desenho enquanto linguagem está ao

alcance de todos, qualquer criança tem a capacidade de desenhar, no entanto a partir da sua

própria criação. A ideia de apropriação surge justamente para enfatizar que o elemento

essencial deste ponto é que ao desenhar o indivíduo projeta as suas concepções de mundo.

De acordo com Paulo Sans, a criança “(...) mostra claramente em seus desenhos as

influências da cultura na qual está inserida (...)” (1994, p.29). Daí, podemos perceber o quanto

o desenho é uma linguagem subjetiva e está associada à maneira como a criança vê o mundo a

sua volta. Nesta perspectiva, o desenho assim como o brincar são formas de expressão que

permitem a criança conhecer a realidade que está inserida.

A partir das considerações, podemos observar que a linguagem faz parte da

aprendizagem da criança, ou seja, “brincando, falando, lendo, construindo coisas, explorando

o mundo, exprimindo os afetos através do corpo, do desenho, do olhar” (GOULART, 2006,

p.54). É através dessas linguagens que a criança desenvolve cada vez mais a sua forma de

construir o seu caminho e desvendar o mundo ao seu redor.

2 O DESENHO NO UNIVERSO INFANTIL

Page 26: Monografia daiana-leao-simas

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2.1 DO DESENHO À PALAVRA ESCRITA: OS ESTÁGIOS DO DESENHO

INFANTIL

De um modo geral, associamos a palavra desenho à representação de objetos, ideias,

à reprodução de alguma imagem ou figura, e até mesmo, a uma atividade gráfica reduzida ao

lápis e papel. No entanto, o desenho constitui o modo de expressão particular da criança, o

qual revela os seus sentimentos, seus desejos, as suas ideias, suas vontades e as suas

experiências, como também exprime a sua concepção de mundo através das diferentes

maneiras de representar o ambiente a sua volta.

Assim, podemos perceber que nas mais diversas atividades humanas, o desenho

encontra-se presente no cotidiano de uma criança. Seja ao abrir um livro e deparar-se com

uma figura, na ilustração de uma revista ou jornal, nas obras de artes, no caderno utilizado na

escola, nas revistas em quadrinhos, no esboço de um mapa, dentre outras representações.

Desse modo, o desenho apresenta uma natureza transitória e tão versátil, utilizado em vários

momentos de nossas vidas. (DERDYK, 1993, p.10)

O desenho é uma linguagem muito antiga e “permanente, sempre esteve presente

desde que o homem inventou o homem. Atravessou fronteiras espaciais e temporais, e por ser

tão simples, teimosamente acompanha a nossa aventura na terra”. (DERDYK, 1993, p.10).

Nas palavras da autora Edith Derdyk, analisamos que o desenho faz parte da vida humana

desde a invenção da humanidade, sendo assim perpassou por diferentes caminhos ao longo da

história e evolução do homem.

Desde a pré-história que os homens “(...) tinham a mesma necessidade que nós de

comunicar o que estavam pensando e sentindo. Devem ter feito isso de várias formas. Umas

delas foi desenhando e pintando” (ZATZ, 2002, p.16). Dentre as diferentes linguagens

utilizadas pelas sociedades primitivas para se comunicar, consideramos que o desenho foi o

primeiro registro produzido pelo ser humano para se expressar graficamente.

O homem pré-histórico fez uso dos desenhos registrados nas paredes das antigas

cavernas que se constituíram como meio de expressão para revelar a sua forma de viver e a

maneira com que transmitiam os seus conhecimentos e as experiências vividas naquela época.

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25

Com o passar do tempo e a partir das transformações sociais, esses desenhos se aperfeiçoaram

e adquiriram formas mais elaboradas.

Em cada sociedade, o desenho assumiu um papel diferente. Por exemplo, no Egito

era usado como meio de expressão manifestado nos antigos templos e túmulos construídos

pelos povos desta região. Em outras civilizações, como na Mesopotâmia, o desenho

beneficiou a elaboração de mapas cartográficos que facilitaram as atividades comerciais

desenvolvidas pelos povos ocidentais e orientais. Aos poucos, o desenho passou a ser

representado em diferentes materiais, como: barro, pedras, argilas, madeiras e finalmente, no

papel conhecido atualmente. (ZATZ, 2002, p.20)

Do passado ao presente, vemos que “o homem sempre desenhou. Sempre deixou

registros gráficos, índices de sua existência, comunicados íntimos destinados à

posterioridade” (DERDYK, 1993, p.10). Como aponta a autora, o desenho sempre foi

significativo para a trajetória humana, e ainda contribuiu para o desenvolvimento da

linguagem nas antigas civilizações, como também propiciou o nascimento da escrita.

Da mesma forma que o desenho constituiu-se como forma de expressão para as

civilizações primitivas, ele continua sendo a primeira manifestação gráfica da criança. Ao

desenhar, a criança registra as suas marcas, suas alegrias, suas descobertas, suas fantasias,

tristezas e também escreve o mundo à sua maneira.

Desse modo, o desenho assume várias possibilidades para a criança, a “possibilidade

de brincar, o desenho como possibilidade de falar (...)” (MOREIRA, 2009, p.26), o desenho

como possiblidade de criar, cantar, sonhar, e outras finalidades. Esta linguagem gráfica

“marca o desenvolvimento da infância, porém em cada estágio, o desenho assume um caráter

próprio” (Ibidem). De acordo com a autora, a criança, ao desenhar, pode utilizar também

outras linguagens, como: o brincar, cantar, falar, dentre outras formas de expressão.

À medida que a criança cresce, constantemente notamos as mudanças ocorridas em

seus desenhos. Desta forma, em cada idade, a criança apresenta características peculiares e

diferentes maneiras de desenhar. Estas maneiras de desenhar não são idênticas em todas as

crianças. Temos que levar em conta, além das suas características individuais, os fatores

biológicos, sociais, econômicos e culturais de cada criança. Sendo assim, algumas

classificações, as quais veremos mais adiante, foram elaboradas para nomear as etapas e os

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26

estágios evolutivos do desenho infantil, tendo como base os aspectos sociais, culturais e

psicológicos da criança.

Levando em consideração essas especificidades do desenho infantil, e por esse ser

uma forma de revelar o desenvolvimento cognitivo, emocional e expressivo da criança, ele

tem sido um objeto de estudo abordado por diferentes profissionais, tais como: psicólogos,

sociólogos, psiquiatras, educadores, psicanalistas e outros especialistas. Nesta perspectiva,

diversos teóricos se dedicaram especialmente ao estudo do desenvolvimento gráfico infantil,

entre eles podemos nos referir, por exemplo, Georges Henri Luquet (1969), Viktor Lowenfeld

e Brittain (1977), Florence de Mèredieu (1994), Edith Derdyk (1993), Analice Pillar (1996),

Angélica Albano (2009). Alguns desses estudiosos propuseram diferentes estágios para

classificar a evolução do desenho na criança. Apresentaremos a seguir as concepções teóricas

sobre os estágios de desenvolvimento gráfico infantil abordado pelos autores Georges Henri

Luquet (1969), Viktor Lowenfeld e Brittain (1977). A escolha por esses autores pode ser

justificada pela importância dessas obras para o estudo e o desenvolvimento das pesquisas

sobre o desenho infantil.

Georges Henri Luquet (1969) foi um dos primeiros estudiosos a se dedicar ao estudo

do desenho da criança, no que se refere a sua evolução cognitiva. Em seu estudo buscou

entender como a criança desenha, elaborando assim os estágios de desenvolvimento do

desenho infantil. São quatro os estágios propostos por ele, os quais veremos a seguir: realismo

fortuito, realismo falhado, realismo intelectual e o realismo visual.

Em sua concepção, Georges Henri Luquet acredita que o desenho da criança “não

mantém as mesmas características do princípio ao fim. Portanto, convém fazer sobressair o

caráter distintivo das suas fases sucessivas” (LUQUET, 1969, p.135). Já que do início ao fim

o desenho infantil é “essencialmente realista, cada uma dessas fases será caracterizada por

uma espécie determinada de realismo” (Ibidem). Como esclarece o autor, o termo realismo é

utilizado para justificar que o desenho infantil é realista, pois a criança, ao desenhar, tem a

intenção de representar fielmente um objeto, como ela o vê. Desta forma, a criança revela em

suas representações gráficas muitos detalhes e características minuciosas do objeto

visualizado por ela, os quais muitas vezes são imperceptíveis aos olhos de um adulto.

O primeiro estágio proposto por Henri Luquet, denominado de realismo fortuito, é

subdividido em duas etapas: o desenho involuntário e desenho voluntário. No desenho

involuntário, a criança inicialmente realiza linhas e traços espontâneos, pois ainda não tem a

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27

intenção de representar a imagem de um objeto em suas atividades gráficas, como também

não estima nenhuma interpretação figurativa as suas produções. Segundo o autor, o

importante para a criança “é executar movimentos com a mão que estando munida de

acessórios variados, deixa num suporte, tal como uma folha de papel, traços que não existiam

antes” (LUQUET, 1969, p. 136). A partir da reflexão, consideramos que nesta etapa, a

atividade gráfica da criança é movida essencialmente pelo prazer provocado pelos

movimentos de suas mãos em diferentes superfícies, tais como: areia, lama, lápis sobre o

papel, entre outros. Até então, a criança não atribui nenhum significado ao seu desenho.

Entretanto, na etapa seguinte, chamada de desenho voluntário, ela começa a perceber

“certa analogia entre alguns dos seus objetos traçados e um objeto real, e enuncia a

interpretação que lhe dá” (LUQUET, 1969, p.139). De acordo com o autor, de início, a

criança desenha sem nenhuma intenção de representar algo, no entanto, ao terminar a sua

atividade gráfica, já consegue estabelecer alguma interpretação sobre o que desenhou,

atribuindo-lhe algum nome.

No segundo estágio, o realismo falhado, também chamado de incapacidade sintética,

a criança tenta ser realista ao desenhar um objeto, no entanto “não sabe ainda dirigir e limitar

os seus movimentos gráficos de modo a dar ao seu traçado aspecto que quereria” (LUQUET,

1969, p.147). Para o autor, este estágio caracteriza-se pela imperfeição gráfica, pois a criança

enfrenta algumas dificuldades para representar o objeto desejado, por exemplo, apresenta

descontrole nos seus movimentos. Isto significa que por mais que a criança tente, não

consegue perceber os pormenores gráficos de um objeto, e assim exagera nas dimensões em

qualquer parte do objeto realizado.

Já no terceiro estágio, o realismo intelectual, a criança consegue superar a

incapacidade sintética e agora nada impede que o seu desenho seja realista. Assim, a criança

começa a representar fielmente o objeto como o vê, e também apresenta em seu desenho “não

só os elementos concretos invisíveis, mas mesmo os elementos abstratos que só tem

existência no espírito do desenhador” (LUQUET, 1969, p.160). Como bem lembra o autor, a

criança revela em suas produções gráficas os pormenores e detalhes que lhe convém

representar. Além disso, a criança desenha com base na concepção que tem sobre o objeto

naquele momento sem se preocupar com a sua estrutura visual.

Finalmente, o desenho infantil atinge o último estágio proposto por Luquet, o

realismo visual, o qual assume características do desenho de um adulto. Consideramos que

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28

neste estágio, os detalhes representados em um objeto, “(...) têm por finalidade particularizar

as formas que antes eram genéricas” (PILLAR, 1996, p.50). A partir da perspectiva da autora

Pillar, observamos que o desenho infantil caracteriza-se pela sua representação visual, ou seja,

a criança passa a se preocupar em representar nitidamente os detalhes e os elementos

observados em cada objeto que irá desenhar.

Em relação aos estágios de evolução do desenho da criança, é importante citar que

“(...) as diferenças individuais entre as crianças determinam as especificidades em cada um

desses níveis” (PILLAR, 1996, p.51). Sendo assim, os estágios desenvolvidos por Georges

Henri Luquet “(...) não têm paralelo direto com a idade da criança, mas dependem das suas

interações com este objeto de conhecimento, as quais dão origem à sequência ordenada que

acabamos de apresentar” (Ibidem). Com base na exposição da autora, os estágios apontados

por Georges Henri Luquet não são caracterizados pela faixa etária da criança, como também

não são tão rígidos, já que cada um deles podem se prolongar enquanto o outro estágio

seguinte já estiver começado.

Do mesmo modo que Georges Henri Luquet, os autores Viktor Lowenfeld e Brittain

(1977), também estabeleceram diferentes concepções teóricas sobre os estágios evolutivos do

desenvolvimento gráfico infantil. Para esses autores, os estágios de evolução do desenho

infantil é uma forma de entender o “(...) desenvolvimento intelectual e emocional das

crianças. Conforme as crianças se relacionam mais estreitamente com o mundo ao seu redor,

vão evoluindo os seus desenhos” (FERREIRA, 2003, p.21). Assim, baseando-se na interação

social e no desenvolvimento integral da criança, esses estudiosos desenvolveram quatro

estágios evolutivos do desenho na criança, são eles: o estágio da garatuja, o estágio pré-

esquemático, o estágio esquemático e o estágio do realismo nascente.

O primeiro estágio proposto pelos autores Viktor Lowenfeld e Brittain, o estágio das

garatujas, dura aproximadamente dos dois aos quatro anos de idade. Nesta fase, a criança

começa a construir os seus primeiros rabiscos espontâneos e os traços desordenados. Segundo

os autores, esses traços vão se transformando, aos poucos, em garatujas mais organizadas e

controladas pela coordenação motora da criança. Entendemos que neste período a criança faz

garatuja pelo prazer de elaborar os seus gestos e movimentos, pois ainda não tem a intenção

de realizar as suas representações gráficas.

Concordamos com os autores Viktor Lowenfeld e Brittain, quando dizem que o

estágio da garatuja é uma fase significativa para a criança, visto que o “primeiro rabisco é um

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29

importante passo no seu desenvolvimento, pois é o início da expressão que conduzirá não só

ao desenho e a pintura, mas também à palavra escrita” (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977,

p.115). Partilhando da afirmação dos autores, podemos dizer que a criança inicia as suas

experiências gráficas através de simples riscos, rabiscos e garatujas.

Logo após o estágio das garatujas, surge o estágio pré-esquemático, que se inicia aos

quatro anos e dura até aos sete anos de idade. Diferentemente das garatujas, neste estágio, a

criança possui o intento de realizar as suas representações gráficas. Para os autores Viktor

Lowenfeld e Brittain, a criança neste estágio:

(...) faz a representação típica de um homem apenas com a cabeça e pés e começa desenhando uma quantidade de outros objetos do seu meio, com os quais teve contato. Essas figuras ou estes objetos aparecem colocados de um modo um tanto desordenado no papel e podem variar consideravelmente, de tamanho (1977, p.54)

A partir das considerações dos autores, notamos que neste momento a criança

começa a representar o ambiente à sua volta, como também os objetos, as pessoas

significativas para ela, ainda que de modo desordenado no papel e com certa instabilidade no

tamanho das suas representações figurativas. Embora, quanto maior for à interação da criança

com o meio em que vive e com os objetos de conhecimento ao seu redor, mais ricas serão as

suas produções gráficas.

O próximo estágio, denominado esquemático, começa aos sete anos e estende-se até

os nove anos de idade. Durante este estágio, a criança “desenvolve o conceito definido da

forma. Seus desenhos simbolizam parte do seu meio, de um modo descritivo; habitualmente,

ela repete uma e outra vez o esquema que criou para representar um homem”

(LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p.55). A expressão esquema citada pelos autores refere-se

às diferentes formas utilizadas pela criança para desenhar uma figura. Segundo os autores,

neste estágio a criança elabora os seus desenhos com riquezas de detalhes. Por exemplo, a

figura humana adquire formas, como: boca, nariz, olhos, duas pernas, dois braços, cabeça

agora com cabelo.

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30

O último estágio proposto pelos autores, o realismo nascente, começa aos nove anos e

dura até doze anos. Os desenhos das crianças “são mais detalhados do que suas obras

anteriores, e já não coloca os objetos em filas ordenadas, em toda a largura do fundo do

papel” (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p.56). Assim, a criança “(...) passa a se interessar

agora muito mais pelas minúcias e deixa de fazer os desenhos grandes e livres que eram seus

prediletos de anos anteriores” (Ibidem). Com base na explanação dos autores, podemos

observar que o desenho infantil sofreu algumas modificações. Neste último estágio, ele

apresenta mais detalhes, pois a criança agora começa a ter maior consciência do mundo à sua

volta, já que o compreende e o interpreta ao seu modo.

Apesar dos autores Viktor Lowenfeld e Brittain apresentarem os estágios evolutivos

do desenho infantil através da delimitação pela faixa etária da criança, estes tiveram a

dificuldade de demarcar precisamente quando começa e termina cada estágio aqui

apresentado, pois o desenvolvimento do desenho na criança é um processo contínuo, cheio de

idas e vindas, mediado por constantes transformações.

Muitos autores acreditam que ao se desenvolver os estágios de evolução do desenho

na criança, ocorre também paralelamente o desenvolvimento da sua escrita. Estes estudiosos

consideram “a evolução das garatujas ao desenho como linha evolutiva direta e reta, mas a

escrita com a derivação particular” (SINCLAIR, 1987, p.77). Baseado nesta concepção,

Wallon (apud, SINCLAIR, 1987, p.77) afirma que o “desenho aparece espontaneamente; seu

desenvolvimento baseia-se na interpretação que a criança dá as próprias garatujas. A escrita

aparece como uma imitação das atividades do adulto”.

Diante das posições destes autores, ressaltamos que o desenho e a escrita são duas

linguagens que apesar de serem distintas, se interagem, e muitas vezes se complementam,

pois cada uma tem a sua especificidade e a sua derivação particular. Contudo, acreditamos

que o desenho é a primeira escrita da criança, pois ela se serve desta linguagem para inventar

mensagens e escrituras imaginárias e também se comunicar do seu jeito com o mundo do

adulto.

Assim, observamos que no decorrer de cada estágio do desenho infantil, a criança

evolui graficamente, pois quando se apropria desse sistema de representação gráfica, adquire

a maior capacidade de representar os seres humanos, as figuras geométricas e outros sinais

gráficos. Chega um momento que as letras se misturam e se entrelaçam aos desenhos da

criança, que elabora diferentes representações gráficas até atingir a escrita alfabética.

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31

Pensar deste modo significa entender que por meio do desenho a criança terá acesso

às outras formas de linguagens expressivas presentes no seu cotidiano, assim como a escrita,

que até então, é desconhecida para ela. Desse modo, através do desenho, a criança adquire as

primeiras noções sobre o que realmente a escrita representa.

2.2 RISCOS E RABISCOS: O SIGNIFICADO DO DESENHO PARA A

CRIANÇA

A criança, ainda aprendendo a andar e a pronunciar as primeiras palavras, apropria-se

do lápis ou qualquer outro objeto semelhante e, impulsionada pela alegria e pelo prazer dos

movimentos descontrolados de suas mãos, descobre paulatinamente nas pontas dos dedos que

pode exibir nas folhas de papéis emaranhados de traços. É mais do que simples traços, estes

se revelam como fonte rica de alegria e tornam-se um verdadeiro fascínio para a criança.

No início, ao emitir os seus traços, a criança rabisca não só o lápis no papel, mas

sente prazer no seu gesto ao deixar uma marca impressa em qualquer superfície, seja “o rastro

de uma vareta na areia da praia, o risco do caco de tijolo no muro e na calçada, a marca do giz

na lousa, os furinhos feitos com o dedo na massinha, a impressão da mão cheia de tinta no

papel, a marca da ponta do dedo no vidro embaçado” (DERDYK, 1993, p.56). É brincando e

fantasiando que ela vai deixando o seu rastro, o seu registro, a sua expressão, e

gradativamente vai contando do seu jeito a sua história.

Entre os seus riscos e rabiscos, a criança se aventura no mundo mágico dos desenhos

e através deles revela os seus desejos, suas conquistas, evoca novas descobertas, revive as

suas alegrias, seus medos, suas angústias, e acima de tudo retrata toda a beleza eterna de sua

infância. Ao experimentar o prazer de rabiscar, a criança “(...) num piscar de olhos descobre

uma “gente”, uma “semente”” (DERDYK, 1993, p.10). Semente esta que pode ser redonda,

quadrada, comprida, pequena, grande, vazia, cheia, ou carregada de um horizonte de

significados, que aos poucos impulsionam a sua vida.

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32

Aos poucos, nasce o desenho da criança e com ele aparecem os ricos detalhes,

pequenas características, como também ele “é o alvo de representações. Bichos, plantas,

carros, prédios, sóis, árvores, gentes. A criança vai formando um repertório gráfico como num

grande quebra-cabeça” (DERDYK, 1993 p.100). A cada desenho novo, um encontro com as

diversas possibilidades de idealizar e criar um “mundo flutuante de sensações” (Ibidem).

É nesta aventura idealizada entre os seus desenhos e representações, que a criança

descobre-se, reconhece as cores diferentes, experimenta as inusitadas formas, os traços

sinuosos, manipula as mais variadas texturas, explora os espaços do papel, encontra as

diferentes maneiras para interpretar os seus desenhos como também apropriar-se da realidade

no qual está inserida.

Neste universo gráfico infantil “é gostoso observar a criança em ação, a maneira com

que ela se relaciona e se posiciona com o papel, o lápis na mão, coreografando gestos mais

íntimos e secretos, gestos mais comunicativos e sociais” (DERDYK, 1993, p.129).

Gradativamente, ela vai elaborando o seu desenho, construindo “uma figura que lembra uma

música, que ela associa a um ritmo; nascem pontos que lembram o céu e as estrelas, mas que

estão embaixo e se transformam em florzinhas que configuram construções quase abstratas. E

vai o azul, e vai o amarelo” (Ibidem). Desta contínua e eterna transformação brota o desenho

da criança.

Daí, quando observamos este momento mágico vivido pela criança, nos fascinamos

com o seu encanto, com o brilho dos seus olhos, com a sua felicidade e com a beleza singular

contemplada na sublime vontade de desenhar. Para nós adultos, o desenho infantil “é como

uma janela aberta para uma “terra incógnita”, um continente perdido, onde moramos há muito

tempo, e que é o domínio de seres muito enigmáticos: as crianças. De nosso lugar de adulto, o

que vemos por essa janela” (ARFOUILLOUX, 1988, p.128) pode nos parecer um tanto

desajeitado. “Não é absolutamente o mundo tal como imaginamos, tal como pensamos que ele

é realmente” (Ibidem). Mas, é um mundo que verdadeiramente, é imaginado pela criança, o

qual ela busca traduzir e representar em suas atividades gráficas.

Entretanto, para adentrarmos neste mundo imaginário do desenho da criança, que nos

parece estranho, às vezes incompreensível, e ao mesmo tempo desconhecido, “precisamos

primeiramente arranjar um passaporte. Este passaporte seria a nossa própria vivência da

linguagem: o ato de desenhar”. (DERDYK, 1993, p.49). Assim, como revela a autora Edith

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33

Derdyk, não dá para nos tornarmos íntimos e conhecedores de uma criança, se não

compreendermos a essência da sua linguagem gráfica, o desenho.

Precisamos vivenciar esta linguagem tão presente e apaixonante no mundo infantil e

adquirir um novo olhar sobre a sua experiência gráfica, pois são muitas as inquietações que

afloram o nosso pensamento sobre o desenho infantil, mas uma pergunta em especial paira no

ar: Qual o significado do desenho para a criança?

Quando pensamos no desenho infantil, precisamos ter em mente que, para a criança,

o desenho é um meio de expressão. Nele a criança comunica os seus gostos, desejos,

vontades, dúvidas e também apresenta sua própria maneira de compreender e interpretar o

mundo ao seu redor. Desta forma, ao desenhar, a criança revela “parte de si própria: como

pensa, como sente e como vê” (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977, p.19) a sua realidade e a si

mesma. Como descrevem os autores, a cada experiência gráfica, a criança nos conta quem ela

é, o que está pensando e também expressa a sua subjetividade e a maneira pela qual se sente

existir.

Entre outras coisas, a criança desenha para se satisfazer, se realizar, sentir prazer e se

divertir. Desse modo, o ato de desenhar é:

(...) um jogo que não exige companheiros, onde a criança é dona de suas próprias regras. Nesse jogo solitário, ela vai aprender a estar só, “aprender a só ser”. O desenho é o palco de suas encenações, a construção de seu universo particular (DERDYK, 1993, p.10)

Neste universo íntimo apontado pela autora, constatamos que o desenho infantil é

particular e muito subjetivo, pois cada criança tem o seu jeito de transpor para o papel algo

que tenha significado e relevância para ela. Por isso, neste grande palco de representações, ela

percebe que pode inventar e nomear as suas próprias regras, reinventar os seus personagens, e

mesmo sozinha, descobre que tem a capacidade de criar e se expressar à sua maneira.

Ao mesmo tempo, o desenho é uma atividade gráfica essencial para uma criança. Ele

suscita risos, provoca encantos e desencadeia sinais de alegria. Assim, o desenho infantil “é

um dom saído de suas próprias mãos e de que ela espera um cumprimento ou um julgamento,

Page 36: Monografia daiana-leao-simas

34

pois a criança desenha por seu próprio prazer e para dar prazer a alguém” (ARFOUILLOUX,

1988, p. 129). Como bem esclarece o autor, a criança espera que o seu desenho seja

valorizado por quem o aprecia. Muitas vezes, ela dedica e compartilha o seu desenho para

quem está mais próximo dela, seja um ente querido, seu amigo preferido, alguém imaginário,

enfim, a sua representação gráfica é uma forma de comunicação entre a criança e as pessoas

que estão ao seu redor.

Sabemos que o ato de desenhar faz parte da vida de qualquer criança, pois o desenho

manifesta o desejo de representar, mas também, ele é, antes de qualquer coisa, “alegria, é

curiosidade, é afirmação, é negação. Ao desenhar, a criança passa por um longo processo

vivencial e existencial” (DERDYK, 1993, p.51). A partir dessa reflexão salientamos que o

desenho revela muito daquele que o produziu e que este se modifica a cada vontade de

representar da criança. Assim, ela desenha para falar de si, dos outros, das suas brincadeiras,

dos seus gostos, de seus medos, para contar e externalizar as suas descobertas e as suas

vivências.

No entanto, para a criança, não existe somente o desenho no papel. Também faz parte

do seu desenho “a maneira como organiza as pedras e as folhas ao redor do castelo de areia ou

como organiza as panelinhas, os pratos, as colheres na brincadeira da casinha” (MOREIRA,

2009, p.16). Entendemos por desenho “o traço no papel ou em qualquer superfície, mas

também a maneira como a criança concebe o seu espaço de jogo com os materiais de que

dispõe” (Ibidem). Notamos, a partir das palavras da autora, que conhecemos o desenho de

uma criança quando observamos como ela desenha e organiza o seu espaço ao brincar.

Assim, as crianças utilizam a sua imaginação para sempre inventar e modificar os

seus desenhos, criando suscintamente o inesperado, o novo, o diferente. Neste prazer de

inventar e de recriar, que toda atividade gráfica é movida essencialmente pela vontade e pelo

desejo da criança em se expressar. Pensando nesse prazeroso movimento gráfico de “ir, vir,

nomear, desenhar, olhar, rabiscar, narrar, colorir, cantar, mexer que faz com que o sujeito

recrie, a todo instante, o significado do mundo em que se insere” (LEITE, 2003, p.141).

Conforme descreve a autora, a criança revela o seu mundo para o desenho, e através desta

linguagem, ela tem a possibilidade de criar uma nova realidade a cada instante.

O desenho para nós pode até ser uma atividade indecifrável, mas “(...) provavelmente

para a criança, naquele instante, qualquer gesto, qualquer rabisco, além de ser uma conduta

sensório-motora, vem carregado de conteúdos e de significações simbólicas” (DERDYK,

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35

1993, p.57). Em outras palavras, o desenho configura-se como um campo de possibilidades e

significações para a criança, que confronta o real com o imaginário. Neste movimento interno

vão brotando as representações e um repertório de significados que irão se modificar e se

transformar em grandes realizações.

Não imaginemos uma criança que não desenha, pois toda criança traz consigo a sua

marca, o seu desenho. Como diz a autora Angélica Albano “toda criança desenha” (2009,

p.15). O desenho faz parte de sua essência, decifra o que transparece no seu interior, no seu

pensamento, assumindo assim um papel importante de comunicar o que muitas vezes ela não

consegue falar e descrever com palavras momentos significativos para ela.

Qualquer pessoa que observa uma criança desenhando aprende muito sobre ela.

Assim, o desenho revela o desenvolvimento da criança e também as proezas do seu coração.

Por isso, o desenho significa, para a criança, “o seu próprio canal expressivo” (MOREIRA,

2009, p.96). Ela desenha a sua vida, “com as palavras, com a música, com as cores, com o

gesto. E também se aventura em outras linguagens, recriando o seu espaço lúdico, se

afirmando como ser humano” (Ibidem). Daí, acreditamos que o desenho da criança só tem

significado para ela, quando realmente vivencia esta linguagem, explora os seus limites, as

suas dificuldades, enfrenta os seus medos e assim redescobre no seu traço, na sua marca, a sua

infância.

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36

3 A ESCRITA E O DESENHO: CONTRIBUIÇÕES NECESSÁRIAS

PARA A ALFABETIZAÇÃO

3.1 O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LÍNGUA ESCRITA NA

ALFABETIZAÇÃO

Atualmente vivemos em uma sociedade moderna e grafocêntrica, pois onde quer que

estejamos, nos deparamos com o mundo das palavras escritas, por isso nossa sociedade é

conhecida como a sociedade da cultura escrita, das palavras, em alusão aos meios de

comunicação: propagandas, as placas de sinalização, informativos e letreiros das lojas.

Page 39: Monografia daiana-leao-simas

37

Assim, a escrita tem o seu lugar no mundo urbano onde são vísiveis nas ruas das grandes

cidades os inúmeros apelos e convites visuais e escritos nos enchendo a todo instante de

informações e conhecimentos.

No nosso dia-a-dia, a escrita está presente em nossa casa, no ambiente escolar, no

trabalho, nas ruas e também entre os diversos materiais que temos contato, como: livros,

revistas, propagandas, documentos pessoais, dentre outros. Falando e ouvindo, lendo e

escrevendo, conhecemos melhor a nossa linguagem escrita, a qual pensamos a respeito e nos

comunicamos com as pessoas e com o mundo em que vivemos.

A escrita é considerada uma importante linguagem para evolução da humanidade,

pois a partir do seu crescente desenvolvimento, tornou-se um instrumento social a ser

ensinado. Apesar das diversas funções sociais atribuídas à escrita, podemos dizer que ela

assume um papel essencial em nossas vidas: escreve-se para registrar ideias, traduzir

pensamentos, emoções, sentimentos e diferentes informações.

Neste contexto, a escola assume o papel de apresentar a escrita convencional para os

indivíduos pertencentes a diferentes classes sociais. A escolarização torna-se:

(...) associada a uma certa alfabetização normalmente entendida como aquisição da língua escrita enquanto habilidade motora e cognitiva e existindo como prática escolar geralmente imposta, segundo um modelo único, ideal, controlado e codificado (...) (MELLO, 2005, p.7)

Conforme aponta Mello, a aprendizagem da linguagem escrita não pode ser

considerada como aquisição de um sistema mecânico, antes é necessário enfatizar a sua

função social. Entretanto, não podemos considerar a língua escrita só como um produto

escolar, “mas sim um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade. Como

objeto cultural, a escrita cumpre diversas funções sociais e tem meios concretos de existência”

(FERREIRO, 2000, p.43). Segundo Ferreiro, não podemos restringir a escrita apenas como

uma aprendizagem escolar regida por várias regras e convenções, é importante referenciar os

aspectos sociais e culturais do sistema de escrita.

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As pessoas “interpretam e produzem a escrita nos mais variados contextos (letreiros,

embalagens, tevê, roupas, periódicos, etc.). Os adultos fazem anotações, lêem cartas,

comentam periódicos, procuram um número de telefone, etc.” (FERREIRO, 2000, p.43).

Quando a criança encontra-se imersa nesse mundo de representações escritas e ao mesmo

tempo simbólico, procura entender a natureza destas em sua vida.

Ao aguçar a sua curiosidade, a criança observa o ambiente em que está inserida e os

objetos a que tem contato, como também analisa as pessoas que utilizam a linguagem escrita.

Assim, antes mesmo de aprender a escrever, a criança já tem sua concepção sobre a língua

escrita e através de suas experiências já constrói algumas aprendizagens.

Muitas vezes, a criança por ser muito dinâmica e curiosa, observa no seu cotidiano

as letras, as palavras, os textos em jornais, revistas, cartazes, placas, embalagens, roupas,

brinquedos, televisão, computador e outros objetos. São milhares de informações escritas que

desde muito cedo, a criança demonstra curiosidade para aprender e procura se fazer existir.

Neste sentido, quando a criança é inserida na escola para aprender a escrever, ela já

constatou e verificou muitas coisas escritas. Mesmo não sabendo o seu significado, acredita

que a escrita quer dizer alguma coisa, ou seja, ela já possui a sua percepção sobre o mundo

escrito.

Acreditamos que a alfabetização é uma fase extremamente importante na vida de

uma criança, pois é neste momento que ocorre a aprendizagem da leitura e da escrita.

Trataremos em especial da linguagem escrita devido à temática escolhida para nortear este

trabalho.

A aprendizagem da língua escrita possibilita à criança uma nova visão para

interpretar os fatos que ocorrem no mundo em que vive. Desta forma, consideramos que a

língua escrita tem um papel essencial no meio sociocultural. Ela é mais do que uma

aprendizagem de um código linguístico, caracteriza-se então, como um sistema de

representação utilizado para manter a comunicação entre as pessoas, como também para

expressar o que estamos sentindo.

Salientamos que no ambiente escolar, a aquisição da língua escrita carece de

fundamentos científicos visto que “(...) em geral apresentamos a escrita para a criança, o

ensino do mecanismo prevalece sobre utilização racional, funcional e social da escrita”

(MELLO, 2005, p.26). Pensar sobre essa questão remete a uma reflexão crítica sobre as

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tarefas apresentadas nas escolas, muitas vezes socializadas através do treino da escrita das

letras ou do exercício das palavras e sílabas. Olhando desta forma, o ato de escrever se torna

mais mecânico, o qual propicia apenas a memorização das letras.

Neste ponto de vista, entende-se a funcionalidade e aprendizagem da língua escrita

não como um processo de tortura que visa apenas à grafia das palavras e sim como

aprendizagem de uma linguagem que pode ser apresentada para a criança a partir da sua

interação com este objeto, e a através do seu desenvolvimento natural que aos poucos a

criança irá compreender para que serve o sistema de escrita.

Sabemos que cada criança tem o seu ritmo próprio e tempos diferentes para

aprender. Tendo em mente estes aspectos, consideramos a criança um ser ativo que constrói o

seu conhecimento a partir da interação com o ambiente no qual está inserida. Levando em

conta essas considerações, ressaltamos que é fundamental, no processo de aquisição da língua

escrita, que a criança esteja realmente motivada e interessada em aprender, a fim de superar os

desafios que fazem parte desta etapa.

O processo de aquisição da língua escrita é o ponto de partida para a criança

ressignificar o mundo ao seu redor. Imbuída no processo de alfabetização, o qual quase todas

as crianças terão a oportunidade de vivenciar, algumas revelam mais intensidade, outras mais

dificuldades, pois depende do tempo e ritmo de cada ser. Atentos às dificuldades, aos

conflitos, desafios e vitórias que fazem parte da etapa de uma alfabetização, alguns teóricos

começaram a estudar o caminho percorrido pela criança para apropriar-se da linguagem

escrita. Podemos citar, por exemplo, Vygotsky (1984), Emilia Ferreiro e Ana Teberosky

(1999). Abordaremos a seguir as concepções teóricas desenvolvidas por Emília Ferreiro e Ana

Teberosky.

Emilia Ferreiro e Ana Teberosky dirigiram grande parte das suas discussões sobre o

processo de alfabetização. Seus estudos revolucionaram a área da linguagem, pois trouxeram

contribuições teóricas e novas concepções acerca do processo de alfabetização, como também

difundiram novas ideias para interpretar como a criança aprende a ler e a escrever. Desta

forma, o livro “A Psicogênese da Língua Escrita”, baseado em algumas pesquisas sobre

aprendizagem da leitura e da escrita e na concepção construtivista, propuseram quatro níveis

sobre o desenvolvimento da linguagem escrita na criança, a saber: níveis pré-silábico;

silábico, silábico-alfabético e alfabético.

Page 42: Monografia daiana-leao-simas

40

O nível pré-silábico caracteriza-se pelas escritas aleatórias realizadas pela criança

que busca realizar a relação existente entre sua fala e sua grafia. Inicialmente, a criança não

tem a intenção de registrar no papel os aspectos sonoros da sua fala. Por isso, demonstra que

ainda não compreendeu a relação existente entre registro gráfico e o som da sua fala. Neste

momento, a criança se apropria da escrita por meio da imitação e da cópia, daí elabora traços

e garatujas. A criança confunde o desenho e a escrita, já que o seu repertório gráfico ainda não

permite reconhecer qual é sua verdadeira intenção ao desenhar ou escrever, sendo necessário

fazer indagações sobre aquilo que produziu no papel.

A criança que se encontra no nível pré-silábico “pensa que letras e números são a

mesma coisa, pois são sinais gráficos muito parecidos para ela” (PILLAR, 1996, p.59). Ao

comentar sobre este nível, a autora Pillar revela que a criança, no começo da sua trajetória,

confunde as letras e os números, pois os sinais gráficos são similares, mas aos poucos tenta

estabelecer uma diferença entre o seu desenho e a escrita produzida por ela.

Assim, “quando a criança consegue distinguir o desenho da escrita, ela começa a se

preocupar com as diferenciações no interior de cada dessas linguagens” (PILLAR, 1996,

p.59). Ao apresentar interesse pela escrita, “a criança percebe que as formas de grafismos não

têm relação nem com a forma dos objetos nem com a sua organização espacial, mas que são

formas arbitrárias” (Ibidem). Segundo a autora, as formas arbitrárias aqui citadas são as letras,

as quais a criança usa no seu dia-a-dia e que ela logo se adapta.

Neste nível, segundo Ferreiro e Teberosky, a criança pensa que para ler os textos do

seu jeito precisa necessariamente das figuras e dos desenhos, já que através dos mesmos ela

pode entender as letras contidas ali. Vemos que a criança ainda utiliza muito dos desenhos

para entender essa nova aprendizagem, que é a linguagem escrita. Desse modo, “as primeiras

escritas infantis aparecem, do ponto de vista gráfico, como linhas onduladas ou quebradas

(ziguezague) contínuas ou fragmentadas, ou então como uma série de elementos discretos

repetidos (séries de linhas verticais ou bolinhas)” (FERREIRO, 2000, p.18). Ainda vemos

uma sútil semelhança com os desenhos realizados pela criança no início das suas atividades

gráficas. Essas escritas fragmentadas lembram os traços produzidos pelas crianças quando

ainda estão garatujando.

No segundo nível apontado por Ferreiro e Teberosky, no nível silábico, a criança

apresenta um grande avanço em relação ao sistema de escrita. Agora, a criança começa a

“estabelecer relações entre o contexto sonoro da linguagem e contexto gráfico do registro”

Page 43: Monografia daiana-leao-simas

41

(AZENHA, 1993, p.72). A estratégia usada pela criança revela que nesta etapa ela relaciona

cada letra ou pedaços da escrita com uma sílaba mencionada por ela. No começo, ela não irá

se preocupar com a letra utilizada para corresponder à sílaba falada, pode escolher

aleatoriamente e dizer que é a sílaba que corresponde a sua fala.

Para Emília Ferreiro, nesta etapa silábica a criança “evolui até chegar uma exigência

rigorosa: uma sílaba por letra, sem omitir sílabas e sem repetir letras” (2000, p.25). Neste

momento, a criança atinge uma das fases mais importantes, pois tem uma variação das

quantidades de letras que devem ser escritas a partir das palavras mencionadas. Agora a

criança apresenta um grande avanço, pois passa a ter noção sobre os valores sonoros da sua

fala.

Ainda neste nível silábico, “as letras podem começar a adquirir valores sonoros

(silábicos) relativamente estáveis, o que leva se estabelecer correspondência com o eixo

qualitativo” (FERREIRO, 2000, p.25). Segundo Ferreiro, a criança começa estabelecer a

relação entre as partes sonoras parecidas entre as palavras e também retrata as letras

semelhantes contidas na palavra que pretende escrever. Antes, as sílabas eram representadas

por letras aleatórias, mas agora as letras escritas correspondentes às sílabas já possuem certa

semelhança com a letra que faz parte daquela sílaba. Por exemplo, ao escrever a “BOLA”, a

criança já associa à sua escrita a algumas partes sonoras de sua fala, tendo isso em mente, ela

escreveria “BOLA” desta forma “OA”.

No nível silábico – alfabético, a criança comprova que “uma grafia para cada sílaba

não é suficiente para representar as palavras, pois, escrevendo silabicamente, os outros não

conseguem ler o que foi escrito” (PILLAR, 1996, p.67). Mas, sem deixar “(...) totalmente a

hipótese silábica, a criança começa a analisar as palavras em termos de sílabas e fonemas,

descobrindo, então, que a sílaba não é mais uma unidade, mas que se compõe de partes

menores” (Ibidem). Como escreveu a autora, a criança oscila muito neste momento de escrita,

escreve uma letra para cada sílaba que corresponde à grafia do fonema.

Outra característica importante deste nível é que a criança escreve as palavras do jeito

que fala, ou seja, o valor sonoro está muito presente neste momento. Ao escrever a palavra

“COMIDA”, a criança faz o seguinte registro: “COIDA”. Aqui verificamos que o valor

sonoro faz parte desta trajetória escrita. É importante salientar que neste nível de escrita há

certa instabilidade na produção da escrita e suas características assemelham-se a etapa

anterior.

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42

Chegando ao último nível, o alfabético, “a criança abandona a análise silábica na

construção de palavras e estabelece uma correspondência entre grafemas e fonemas”

(PILLAR, 1996, p.68). Assim como descreve a autora, neste último nível a criança atinge

finalmente o sistema de escrita através do seu reconhecimento, para ela cada letra possui o seu

próprio som. A criança passa a escrever de acordo ao seu conhecimento, ou seja, ela escreve

uma palavra pensando no som de cada letra que constitui o que ela deseja representar.

Finalmente, a criança chega ao auge da sua escrita alfabética. Ela não pára de

“escrever por medo de cometer erros, como ocorre com a maioria das crianças que iniciam a

escolaridade. A presença de erros ortográficos desta produção é um indicador da forma pela

qual as crianças chegaram a descobrir as funções da escrita” (AZENHA, 1993, p.86). De

acordo com Azenha, a criança está disposta a escrever independentemente se considera certo

ou errado o que produziu. Ela se arrisca e escreve tal como pronuncia determinada palavra,

por exemplo, ao escrever a palavra “CASA”, a criança irá priorizar em sua escrita o som de

cada letra, assim a sua escrita seria “CAZA”. Para o sistema convencional de escrita, a criança

cometeu um erro ortográfico ao trocar o “s” pelo “z”.

Entretanto, nesta fase de aquisição da língua escrita não se costuma pontuar os erros

ortográficos embutidos na escrita de uma criança, já que ela se encontra numa fase de

aprendizagem do sistema de escrita. É claro que esses erros ortográficos não são permanentes

na linguagem escrita de uma criança, a depender de cada sistema educacional, ela começa a

vencer essas falhas na sua escrita. Salientamos que, após este nível alfabético, a criança irá

aprimorar a sua linguagem escrita, se preocupando com as regras ortográficas e também com

as separações entre as palavras.

Observamos ao longo dos níveis apresentados pelas autoras Emilia Ferreiro e Ana

Teberosky, que o processo de aquisição da língua escrita até chegar à escrita convencional e

alfabética é contínuo e com constantes evoluções. A criança perpassa por um caminho de idas

e vindas para se apropriar do sistema de escrita. Nesta longa construção, “o sistema alfabético

de escrita é uma das representações de linguagem e não uma representação gráfica dos sons

da fala” (PILLAR, 1996, p.70). Devido à complexidade apresentada neste caminho percorrido

pela criança, não podemos restringir a aprendizagem da língua escrita, já que é um processo

muito rico. Portanto, em vez de nos preocuparmos com as questões sobre o que devemos ou

não ensinar para as nossas crianças, temos que “dar as crianças ocasiões de aprender”.

(FERREIRO, 2000, p.103). Acreditamos que a língua escrita “é muito mais de que um

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conjunto de formas gráficas. É um modo de a língua existir, é um objeto social, é parte de

nosso patrimônio cultural” (Ibidem). Diante disso, a criança ao vivenciar o processo de

aquisição da língua escrita na alfabetização está se apropriando de um legado cultural,

extremamente importante para o seu desenvolvimento na sociedade em que vive.

3.2 A IMPORTÂNCIA DO DESENHO INFANTIL NA ALFABETIZAÇÃO

Vimos anteriormente a importância do processo de aquisição da língua escrita na

vida de uma criança, pois esta apropriação garante o seu desenvolvimento como sujeito

pertencente a uma sociedade. Desse modo, salientamos que este processo de apropriação da

língua escrita se inicia a partir dos seis anos de idade ou até antes do ingresso da criança na

escola, a depender do contato e interação que ela tem com o mundo letrado. Nesta fase, a

criança possui algumas características inerentes a esta faixa etária, pois possui a curiosidade

de aprender e construir as suas relações sociais através da interação com as crianças da mesma

idade.

Neste período, a criança traz consigo as suas marcas pessoais e suas experiências

gráficas representadas na sua primeira escrita, o desenho. Esta linguagem é encantadora para

o universo infantil, que “dotada de prestígio por ser secreta, (...) exerce uma verdadeira

fascinação sobre a criança, e isso bem antes dela própria poder traçar os verdadeiros signos”

(MÈREDIEU, 2006, p.10). Assim, como apresenta o autor Mèredieu, o desenho é essencial

na vida de qualquer criança, pois é a ponte para instigar a sua imaginação e permite que ela

conheça as regras e práticas adotadas na sociedade em que vive. Acima de tudo, revela-se

como a sua primeira representação gráfica.

Desde muito cedo, a criança utiliza o lápis e o papel ou qualquer outro material e

superfície semelhante para registrar graficamente as suas marcas, os seus rastros, seus traços,

ou até mesmo para imitar a escrita de um adulto. A imitação surge não como uma cópia, mas

revela o desejo da criança em produzir a sua própria escrita. Desta vontade de representar,

nascem os seus registros e por meio dela transmite os seus conhecimentos.

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Aliada à criatividade, os traços, rabiscos e desenhos traduzem o pensamento da

criança, ela expressa no papel a sua subjetividade, os seus ideais, manifesta as alegrias e

tristezas, impulsos e curiosidade. A sua representação gráfica revela a sua intimidade, a qual

muitas vezes não se mostra capaz de traduzir pela linguagem falada. Assim, a sua

“experiência gráfica é uma manifestação da totalidade cognitiva e afetiva, quanto mais a

criança confia em si, mais ela se arrisca a criar e a se envolver no que faz” (OLIVEIRA, 1994,

p.41). De acordo com a reflexão da autora Oliveira, a criança utiliza os seus conhecimentos

subjetivos e explora as suas possibilidades bem como utiliza esta linguagem gráfica como

forma de vivenciar as suas experiências.

Desse modo, antes de aprender convencionalmente a escrever, a criança se serve da

sua produção gráfica - o desenho - para se comunicar. Acreditamos que o desenho é um

alicerce importante para a aquisição da língua escrita da criança. Neste processo podem-se

contemplar as outras formas de linguagens, como: a música, o brincar, a dança e outras “são

essenciais para a formação da identidade, da inteligência e da personalidade da criança”

(MELLO, 2005, p.24). Assim, como reporta a autora, a criança quando tem oportunidade de

vivenciar outras formas de linguagens expressivas no processo de alfabetização passa a

compreender e atribui um maior significado a este processo de apropriação da língua escrita.

Temos observado no processo de alfabetização que “quando pressionada no tempo e

pela mecânica que a faz repetir formas sempre iguais, é que a criança rompe com o seu

desenho. Acontece realmente uma quebra, um corte e a criança pára de desenhar”

(MOREIRA, 2009, p. 70). Com base na reflexão da autora, verificamos que a criança acaba

por abandonar a sua expressão, o seu traço, a sua marca pessoal, o seu desenho.

Diante da importância do processo de alfabetização na vida social da criança,

“verifica-se quase sempre uma diminuição da produção gráfica, já que a escrita - matéria

considerada mais séria - passa então a ser concorrente do desenho” (MÈREDIEU, 2006,

p.11). De acordo com o autor Mèredieu, a concorrência aqui mencionada está relacionada ao

processo de inibição do desenvolvimento gráfico infantil, esta redução se dá devido às

técnicas utilizadas para alfabetizar a criança. Observa-se que, em alguns casos, a criança

encontra-se pressionada e desestimulada, por causa do mecanicismo das atividades

desenvolvidas neste processo de alfabetização.

O trabalho educativo proposto para o processo de aquisição da língua escrita nas

escolas muitas vezes apresenta os exercícios de escrita que visam somente à repetição e a

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memorização das sílabas e letras, assim sendo esta técnica acaba por não ensinar a criança a

escrever. Geralmente, o que acontece é a falta de interesse por parte do aluno em desenvolver

este conhecimento, além disso, a linguagem produzida pela criança através do desenho é

desprezada. Deste modo, por ter que aprender uma língua ensinada, que é o caso da escrita, a

criança acaba por abandonar o seu desenho.

Vale ressaltar que “a perda do desenho, aparentemente vista como uma substituição

de um código por outro, revela apenas a maneira como a criança é vista pela escola”

(MOREIRA, 2009, p. 72). Conforme a autora, a escola, em algumas situações antecipa o

processo de alfabetização justamente por causa da exigência feita pela sociedade que é inserir

as crianças cada vez mais cedo no mundo letrado. Daí, a escola preenche todo o tempo da

criança com atividades que não valorizam as diversas formas de expressão já construídas e

vivenciadas ao longo de suas experiências.

Não se trata de desqualificar a aprendizagem da língua escrita, mas atribuir a devida

importância ao desenho que a criança traz consigo. Neste ponto, cabe à instituição escolar

aproveitar as formas de expressão, como o desenho, no intuito de valorizar experiência de

vida da criança e assim apresentar a ela de forma gradativa e natural a escrita e sua função

social e o sentido da mesma para o seu cotidiano.

É necessário apontar para as necessidades do educando no sentido de oportunizar a

este a possibilidade de se apropriar aos poucos de um sistema de representação tão complexo

como a escrita, e evitar fazer uso de cobranças e exigir o cumprimento das normas cultas da

língua escrita, pois isso pode contribuir no bloqueio do desenvolvimento do desenho na

criança. Assim, a criança passa a dizer que não sabe mais desenhar, devido à existência de

outras atividades ditas formais pelo currículo escolar. Neste caso, o desenho infantil é

substituído pelas necessidades exigidas pelo contexto social, ficando assim à margem e nas

sobras do tempo nas salas de aula.

Consideramos que o “(...) desenhar e o brincar deveriam ser estágios preparatórios ao

desenvolvimento da linguagem das crianças” (VYGOTSKY, 1984, p.134). Para Vygotsky, o

desenho da criança é o seu meio de expressão, por isso que ele é considerado como uma

linguagem necessária para a aquisição da linguagem escrita na alfabetização. Por este motivo,

as crianças que são naturalmente introduzidas a este processo assimilam com mais facilidade

a relação existente entre o desenho e a escrita.

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46

Desse modo, o sistema educacional ao reconhecer o desenho infantil como linguagem

que faz parte do processo de aquisição da língua escrita, contribuirá para que a criança possa

construir “(...) as suas hipóteses e desenvolver a sua capacidade intelectiva e projetiva,

principalmente, quando existem as possibilidades e condições físicas, emocionais e

intelectuais para elaborar estas “teorias” sob formas de atividades expressivas” (DERDYK,

1993, p.54). De acordo com esta afirmação, para a criança aprender a escrever, é fundamental

que ela tenha a oportunidade de pensar, elaborar suas hipóteses sobre o desenvolvimento da

escrita e aproveitar os seus conhecimentos já construídos dentro e fora do espaço escolar.

No entanto, é responsabilidade do educador criar um ambiente que estimule não só a

aquisição da língua escrita, mas também o desenvolvimento do desenho infantil em sala de

aula. Portanto, mediada e respeitada pelo o professor, a criança poderá construir através do ato

de escrever as suas dúvidas e hipóteses. Quanto a isso, a autora Edith Derdyk comenta que

quando o educador reconhecer o seu:

(...) o processo de aquisição linguagem gráfica, retomando as descobertas e frustrações que envolvem o ato de desenhar, revivendo operações mentais e práticas que são exigidas pelo desenho, surgirá uma forma inédita e pessoal de se relacionar com o universo infantil: a partir da experimentação e da investigação que nascem novos significados no encontro entre o adulto e a criança (1993, p. 50)

Nesta afirmação apresentada pela autora, é perceptível a importância do resgate do

desenho da criança no momento da infância pelo educador. Assim, é necessário a este

profissional se aventurar neste universo gráfico infantil para reencontrar um caminho que só

ele pode percorrer no intuito de atribuir significados e vivenciar esta linguagem gráfica,

peculiar à criança, que é o seu desenho. Na medida em que estabelecer esta conexão com o

desenho e o significado que ele tem na vida de uma criança, poderá compreender e penetrar

nas produções feitas pelas crianças.

Esta percepção só é possível num momento em que o educador descobrir através da

prática o prazer de criar a partir de suas manifestações artísticas. A busca por essa criação é

subjetiva, só ocorre a partir da motivação e necessidade de redescobrir esta linguagem.

Entretanto, “não se pode encorajar o outro a viver uma aventura que você mesmo não viveu”

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(MOREIRA, 2009, p. 98). Esta reflexão da autora nos apresenta uma questão relevante. O

professor precisa primeiramente se educar, em outras palavras, se o educador não valoriza o

seu ato de desenhar, não se acha capaz de experimentar as diversas linguagens (gesto, música,

dança...), não levará em consideração, os desenhos feitos pelas crianças e o sentido desta

construção para o desenvolvimento da sua linguagem gráfica.

O olhar do professor para o desenho infantil tem um grande significado para

criança, pois a depender de como este reaja em relação a esta linguagem, a criança pode ser

encorajada a se expressar e demonstrar o seu potencial criativo. Se o educador demonstrar

uma postura insatisfeita perante sua produção - o desenho, a criança pode se desestimular.

Dessa forma, a importância do desenho na construção da linguagem escrita da criança

na alfabetização precisa ser valorizado pela escola. Além disso, se a escola “tomar como

primeira tarefa dar a palavra à criança, - para que elabore e expresse seus pensamentos e

sentimentos através da diferentes linguagens, para levá-la à produção do conhecimento no

sentido mais amplo do termo -” (MOREIRA, 2009, p.74), o problema de inibição gráfico

infantil “deixará de ocupar apenas os especialistas de artes, mas será o esforço conjunto de

toda a escola” (Ibidem). A partir desta afirmação, a escola necessita reconhecer a importância

do desenho infantil para o desenvolvimento não só escolar, mas também atribuir o verdadeiro

significado que ele tem na vida de uma criança.

Portanto, sabemos que a necessidade de se expressar é inerente ao ser humano, por

isso é necessário pensar no desenho infantil não só como uma forma de expressão, mas como

uma linguagem que servirá como alicerce para o seu desenvolvimento gráfico e também como

primeira escrita produzida por ela, a qual encontra a necessidade de emitir as suas marcas

pessoais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O intento desse trabalho foi analisar a contribuição do desenho infantil na aquisição

da língua escrita da criança na alfabetização. Para isso verificamos a importância das

diferentes manifestações expressivas para o desenvolvimento da linguagem escrita da criança

na alfabetização, entre elas podemos nos referir: ao brincar, ao desenho, à música, à dança,

dentre outras. Essas linguagens associadas às aprendizagens escolares facilita o

desenvolvimento natural da língua escrita da criança.

Desta forma, tratando em especial do desenho infantil, vimos ao longo das nossas

discussões que o desenho antecede à aprendizagem da escrita convencional e, por isso, ele é a

primeira forma de expressão gráfica utilizada pela criança para se comunicar. Assim, a partir

dos estudos apresentados e discutidos anteriormente, torna-se possível concluir que o desenho

infantil enquanto linguagem gráfica e artística contribui significativamente não só para o

desenvolvimento da escrita, como também auxilia na coordenação motora da criança na

alfabetização.

O desenvolvimento deste trabalho nos possibilitou refletir sobre a importância do

desenho infantil para a aprendizagem da língua escrita. Desse modo, quando a criança

encontra-se inserida no processo de alfabetização, observamos claramente a redução do seu

ato de desenhar. Isto ocorre devido à ênfase dada pela escola a aprendizagem do sistema

gráfico convencional, neste caso, a escrita.

Vale lembrar que não estamos aqui hierarquizando o desenho e a escrita. O que

pretendemos abordar é que essas duas linguagens, apesar de serem distintas, se

complementam e são fundamentais para o processo de alfabetização da criança. Sendo assim,

é necessário entender que o processo de alfabetização se dá a partir da interação das diferentes

formas de expressão apresentadas ao longo deste trabalho e não apenas na aprendizagem de

um tipo de linguagem.

Assim, não dá para falar de um momento tão importante na vida de uma criança, que

é aprender a escrever, sem pontuar sobre a atuação do professor neste processo. Neste

aprendizado, o docente tem um papel fundamental de desenvolver as propostas e atividades

educativas, as quais valorizem os conhecimentos e as diferentes linguagens já vivenciadas e

construídas pela criança, como também, criar um ambiente que possa valorizar as produções

gráficas infantis e o desenho produzido por ela.

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Diante do exposto, é necessário repensar sobre a postura de alguns profissionais de

educação que consideram o desenho realizado por uma criança como uma atividade que não

tem muito valor. Entretanto, ressaltamos que o desenho infantil não pode ser considerado

como uma atividade para passar o tempo destituído de significados, mas como uma

linguagem peculiar à criança, que faz parte do desenvolvimento da sua infância. É importante

compreender que é através do desenho que a criança pode se expressar, comunicar e atribuir

sentido aos seus sentimentos, pensamentos e sensações.

Por fim, é essencial que a escola promova a alfabetização em confluência com o

mundo vivido pela criança, respeitando as suas peculiaridades, as suas brincadeiras, os seus

desejos pessoais e principalmente, o seu jeito de aprender. É a partir desse olhar que

estaremos promovendo o desenvolvimento gráfico infantil e consequentemente o processo de

alfabetização da criança.

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