mônica monteiro resumo - joinpp.ufma.br · resumo artigo teórico desenvolvido com base em estudo...

12
O QUE HÁ DE NOVO NO “PROGRAMA NOVO MAIS EDUCAÇÃO”? Mônica Monteiro 1 Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a partir de pesquisa bibliográfica e documental. Trata dos determinantes do “Programa Novo Mais Educação”, objeto de estudo da tese da autora, propondo o debate de questões sobre: a) caracterização Programa; b) o Programa como direito do sujeito coletivo; c) a recuperação histórica da temática da educação no Brasil; e d) a configuração institucional do Programa. Palavras-chave: Políticas públicas, Educação integral; Caracterização do Programa. Abstract A theoretical article developed with exploratory basis from bibliographical and documental research. It deals with the determiners from the “New More Education Programme” (Programa Novo Mais Educação), object to the thesis study by the writer, proposing the debate on the following issues: a) programme characterization; b) the programme as a right of the collective subject; c) the historical education-recovery theme in Brazil; and d) the institutional configuration of the programme. Keywords: Education public policy; Full-time education; configuration of the programme. I. INTRODUÇÃO Com a assunção do Presidente Temer, primeiro como presidente interino, em 12 de maio de 2016, e posteriormente empossado Presidente da República, em 31 de agosto do mesmo ano, com a conclusão do julgamento do processo do impeachment instalado pela Câmara dos Deputados em dois de dezembro de 2015, que tirou do cargo a Presidenta Dilma Rousseff decorrente do embate travado no Congresso Nacional, de forças pró e 1 Administradora, Doutoranda em Políticas Públicas, Fundação Joaquim Nabuco- Fundaj, [email protected]

Upload: trinhcong

Post on 11-Feb-2019

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

1

O QUE HÁ DE NOVO NO “PROGRAMA NOVO MAIS EDUCAÇÃO”? Mônica Monteiro1

Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a partir de pesquisa bibliográfica e documental. Trata dos determinantes do “Programa Novo Mais Educação”, objeto de estudo da tese da autora, propondo o debate de questões sobre: a) caracterização Programa; b) o Programa como direito do sujeito coletivo; c) a recuperação histórica da temática da educação no Brasil; e d) a configuração institucional do Programa. Palavras-chave: Políticas públicas, Educação integral; Caracterização do Programa.

Abstract

A theoretical article developed with exploratory basis from bibliographical and documental research. It deals with the determiners from the “New More Education Programme” (Programa Novo Mais Educação), object to the thesis study by the writer, proposing the debate on the following issues: a) programme characterization; b) the programme as a right of the collective subject; c) the historical education-recovery theme in Brazil; and d) the institutional configuration of the programme.

Keywords: Education public policy; Full-time education;

configuration of the programme.

I. INTRODUÇÃO

Com a assunção do Presidente Temer, primeiro como presidente interino, em 12

de maio de 2016, e posteriormente empossado Presidente da República, em 31 de agosto

do mesmo ano, com a conclusão do julgamento do processo do impeachment instalado pela

Câmara dos Deputados em dois de dezembro de 2015, que tirou do cargo a Presidenta

Dilma Rousseff – decorrente do embate travado no Congresso Nacional, de forças pró e

1 Administradora, Doutoranda em Políticas Públicas, Fundação Joaquim Nabuco- Fundaj,

[email protected]

Page 2: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

2

contra o projeto político vencedor das eleições de 2014 - vimos configurado no Brasil, como

caracterizado por muitos, um golpe parlamentar.

Sobre o tema, Souza (2016) nos apresenta a narrativa do golpe, analisando

desde as pré-condições deste, à complexa articulação de interesses que permitiu a

derrubada de um governo eleito democraticamente. Reforçando o projeto de ruptura com o

projeto político vencedor das eleições de 2014, o Presidente Temer constitui sua base

política de governo apoiada nos patrocinadores, apoiadores e defensores do golpe

parlamentar, governando com os derrotados das eleições de 2014 para propor e

implementar medidas, oriundas da agenda política das forças derrotadas nas eleições de

2014, não representando, com efeito, os interesses da maioria da população.

Nesse sentido, a instalação do Governo Temer, e, por conseguinte as medidas

em curso, confrontadas com os princípios fundamentais da democracia, notadamente da

legitimação política por decisão majoritária, carecem de legitimação política de acordo com a

premissa de que “O princípio majoritário é um procedimento decisório que numa democracia

constitui o poder estatal que emana do povo” (OFFE, 1984, p.314).

A observância a esse cenário político e institucional brasileiro, a partir de 2016, é

determinante para o estudo que se pretende realizar, na medida em que no campo das

políticas e programas sociais, em que se inscreve o “Programa Novo Mais Educação”, as

medidas do Governo Temer, nos primeiros 180 dias, deram o contorno das mudanças de

rumo e sentido que se avizinhavam, em relação ao projeto vitorioso das eleições de 2014.

A primeira medida de impacto, a Proposta de Emenda Constitucional n°

241/2016 (PEC 241/16), convertida em Emenda Constitucional 95, em 15 de dezembro de

2016, prevendo o Novo Regime Fiscal, a vigorar por 20 exercícios fiscais, encaminhada ao

Congresso Nacional em 15 de junho de 2016, ainda pelo Presidente como interino, com foco

no ajuste fiscal, no equilíbrio das contas, na retomada do crescimento e na geração de

empregos, não por acaso, explicita a subordinação de todos os programas e projetos,

inclusive nas áreas de educação e saúde, ao desempenho econômico-financeiro do país.

Além da EM 95/2016, várias outras propostas tramitaram e tramitam no

Congresso Nacional, propondo alterações no modelo de organização da educação pública

no país. A medida provisória, 746/16 que trata da alteração na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação - Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), propôs reforma para o período final da

Educação Básica, instituindo a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino

Médio em Tempo Integral, foi convertida na Lei nº 15.415 de fevereiro de 2017, enfrentando

forte reação entre alunos secundaristas e especialistas.

Page 3: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

3

O cenário político e institucional que se procurou demonstrar acima conferem

mais complexidade ao estudo da temática da educação, das suas modalidades, e, por

conseguinte dos projetos de educação integral que estão em disputa.

O “Programa Novo Mais Educação”, instituído por Portaria Ministerial nº 1.144 de

10/10/2016, do Ministério da Educação (MEC), visa melhorar a aprendizagem em língua

portuguesa e matemática no ensino fundamental da rede pública, com ampliação do período

de permanência dos alunos na escola.

O presente trabalho buscará explorar os determinantes do “Programa Novo Mais

Educação” e abordará as seguintes questões: a) caracterização Programa; b) o Programa

como direito do sujeito coletivo; c) a recuperação histórica do Programa; e d) a configuração

institucional do Programa; para explorar em que medida, a reforma da educação em curso,

apresenta propósitos de natureza e sentido regressivos, em relação à política de educação

integral para o ensino fundamental efetivada a partir de 2007, por meio do Programa Mais

Educação, indagando: o que há de “novo” no “Programa Novo Mais Educação”?

II. DESENVOLVIMENTO

1. Como está caracterizado o “Programa Novo Mais Educação”?

O “Programa Novo Mais Educação” foi instituído pelo MEC por meio da Portaria

n° 1.144, de 10/10/2016, e visa à ampliação da jornada escolar das crianças e

adolescentes, mediante a complementação de carga horária de cinco ou quinze horas

semanais no turno e contraturno escolar, que deverá ser implementado por meio da

realização de acompanhamento pedagógico em língua portuguesa e matemática e do

desenvolvimento de atividades no campo das artes, cultura, esporte e lazer.

Apresenta como linhas gerais para sua fundamentação:

a) o atendimento a estatutos jurídicos como as Leis de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, LDBN - n° 9.394 de 1996, e do Plano Nacional da Educação, PNE-

13.005 de 2014, destacando-se na primeira, o que se refere à capacidade de aprender

tendo como meios básicos o pleno domínio da escrita, leitura e do cálculo, e na última, o

disposto sobre à ampliação da oferta ampliação da oferta de educação em tempo integral e

a melhoria da qualidade do fluxo escolar e da aprendizagem das escolas públicas; e

b) os dados de não alcance das metas estabelecidas pelo Índice de Desenvolvimento

da Educação Básica nos anos iniciais e finais- IDEB em 2015.

Os objetivos do Programa estão assim apresentados:

Page 4: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

4

I - alfabetização, ampliação do letramento e melhoria do desempenho em língua portuguesa e matemática das crianças e dos adolescentes, por meio de acompanhamento pedagógico específico;

II - redução do abandono, da reprovação, da distorção idade/ano, mediante a implementação de ações pedagógicas para melhoria do rendimento e desempenho

escolar;

III - melhoria dos resultados de aprendizagem do ensino fundamental, nos anos iniciais e finais;

IV - ampliação do período de permanência dos alunos na escola.

De maneira geral, os objetivos do “Programa Novo Mais Educação” podem ser

assim resumidos: ampliação do período de permanência dos alunos na escola e

investimento para aumentar o nível de proficiência dos mesmos, por meio do

acompanhamento pedagógico obrigatório para as disciplinas de português e matemática, e

de atividades complementares no campo das artes, cultura, esporte e lazer.

2. A educação como direito do sujeito coletivo

A educação se articula a diferentes dimensões e espaços da vida social sendo,

ela própria, elemento constitutivo e constituinte das relações sociais amplas. “A educação,

portanto, é perpassada pelos limites e possibilidades da dinâmica pedagógica, econômica,

social, cultural e política de uma dada sociedade” (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p.202).

Para atuar na complexa matriz que conforma a educação no Brasil, a despeito

dos avanços registrados nas últimas décadas, em termos de acesso e cobertura, sobretudo

no caso do ensino fundamental, as discussões acerca da melhoria dos processos de

aprendizagem na perspectiva de responder sobre o que aprender, para quê, como aprender,

assim como sobre os sujeitos desse aprendizado e como as políticas públicas contribuem

ou restringem a melhoria desses processos, têm ganhado fôlego e importância.

De acordo com Gramsci (2001), a questão econômica se coloca como uma

determinação central da sociedade e as relações dicotômicas que moldam os projetos de

escola são reveladores dos campos de disputa entre a educação cultural e a educação

instrucional para o trabalho, enfatizando a diferenciação classista das escolas, umas, para

formar operários e outras para formar especialistas e dirigentes, conferindo natureza

pragmática às primeiras, e natureza de ensino humanista, às segundas.

No caso do Brasil, um país periférico de capitalismo dependente, a despeito dos

avanços na área educacional, verificados a partir da Constituição de Federal de 1988, a

Page 5: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

5

assimetria socioeconômica, base da expansão do capitalismo, empurra os mais pobres para

a rede pública, e, as políticas públicas de educação, que não são destituídas de ideologia,

demarcam o campo de formação dos filhos da classe trabalhadora, que se dá no sentido de

uma educação na sua relação para o trabalho, nos limites do interesse do capital.

Dessa forma, a política educacional, e a sua natureza instrumental e/ou para o

trabalho, ou humanista e/ou emancipatória é o contorno da discussão que se pretende

realizar, ao abordar a questão da educação integral para o ensino fundamental promovida

pelo Estado brasileiro no Governo Temer, na perspectiva de contribuir para o debate sobre

as modalidades de educação integral que estão em disputa no país.

3. Da Colônia ao Governo Temer: de que educação estamos falando?

Ao realizarmos um breve retrospecto sobre como a temática da educação vem

sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar a dicotomia que permeia

os projetos de escola, referida por Gramsci (2001).

No Brasil, desde a Colônia, os sentidos da educação pela catequese que foram

conduzidos pela Companhia de Jesus, deram os contornos da ideologia de dominação e de

adaptação da mão de obra, permanecendo por muito tempo, como uma educação voltada à

formação das elites dirigentes. Mesmo nos primeiros anos da República, as propostas

educacionais visando inovação do ensino, como as debatidas por Benjamim Constant, não

contavam com apoio das elites, que viam nas ideias do reformador, ameaças à formação da

juventude. As reformas pedagógicas implantadas, de acordo com Marçal Ribeiro (1993) não

contribuíam para a resolução de problemas educacionais e reforçavam o sistema

sociopolítico e econômico da época.

Um marco refere-se ao ano de 1932. O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova

aprofundava o debate em defesa do ensino leigo, universal, gratuito e obrigatório e a própria

reorganização do sistema escolar. Note-se, porém que mesmo nessa proposta inovadora,

não havia qualquer questionamento ao capitalismo dependente, apesar da ênfase ao papel

do Estado para a educação, e desta, na reconstrução nacional. Marçal Ribeiro (1993)

destaca a “aliança” entre o modelo educacional e o econômico e político.

Sob o Estado Novo, o governo cria o Ministério da Educação e Saúde, e nesse

contexto o país necessitaria de mão de obra para as funções, que o modelo nacional

desenvolvimentista, com base na industrialização, demandaria. A educação é pensada para

dar resposta a essas novas necessidades. Reforça-se a natureza instrumental da educação.

Page 6: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

6

No período de vivência democrática entre 1945 a 1961, os princípios dos

pioneiros são renovados e profundas reformas são pensadas. A discussão nesse período

centra-se no debate sobre escola pública e escola particular, sendo as primeiras defendidas

por liberais, e as últimas, por católicos e donos de escolas, estabelecendo-se um confronto

de ideologias marcado em última análise pela diferenciação classista.

A partir de 1964, sob o regime militar, os debates sobre educação serão

reprimidos, e as políticas e programas para a área seguem roteiro influenciado por agentes

e instituições estrangeiras. A área educacional irá experimentar os problemas políticos e

econômicos, e as reformas propostas expressam a excessiva preocupação com a

profissionalização. (Marçal Ribeiro, 1993).

A promulgação da Constituição Federal de 1988, em meio a transformações

políticas, econômicas, culturais e sociais ocorridas na sociedade, transformações essas, que

ocorreram a partir das lutas travadas em torno da Educação Nacional e das discussões em

torno do Ministério da Educação, numa construção de uma história coletiva de intelectuais,

militantes e dos movimentos sociais, como apontado por Kramer (2006), vem inaugurar um

novo roteiro para a educação no Brasil.

Tomando-se como marco referente a CF de 88, e numa revisão preliminar, serão

apresentadas, seguindo-se um ordenamento cronológico, algumas intenções e ações

políticas anunciadas e implantadas, que objetivaram ou objetivam, colocar a educação

integral na agenda das políticas públicas.

A Constituição Federal do Brasil (CF,1988) explicita em seu capítulo III – Da

educação, Da cultura e do Desporto, seção I, Da educação, nos artigos 205 a 214 o dever

do Estado com a educação, prevendo-se dentre outras a garantia de acesso aos níveis mais

elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística (BRASIL, 2006), trazendo em seus

artigos 205, 206 e 227 referências convergentes à ideia de educação integral. Vale o

registro, de que talvez, não por acaso, as seções sobre Educação, Cultura e Desporto,

previstas na Constituição Federal, integram um dos capítulos da Carta Magna.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/90 (BRASIL, 1990) e a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), tratam, a primeira, do

direito à educação e à cultura, ao esporte e ao lazer, a liberdade de criação e o acesso às

fontes de cultura, configurando a noção do aprender além do âmbito da escola, atribuindo à

União, aos estados e aos municípios a responsabilidade de facilitar o acesso das crianças e

adolescentes a espaços culturais, esportivos e de lazer; e a segunda, das bases da

educação nacional, reforçando o campo de ampliação e abrangência dos processos

formativos, que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas

Page 7: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

7

instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil

e nas manifestações culturais para o desenvolvimento do educando visando o exercício de

sua cidadania.

O Plano Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) o primeiro, desde a

redemocratização do Brasil, vigorou até 2010 e, dentre suas metas, propunha a meta II

(sobre a Educação Fundamental) que previa um modelo de educação em turno integral para

a modalidade de ensino. O objetivo era universalizar o ensino e diminuir as taxas de

retenção. As escolas de tempo integral do PNE I (2001-2010) deveriam ser destinadas

especialmente às crianças de família com baixa renda. O PNE previa também a ampliação

da jornada escolar para sete horas diárias.

Aprovado em 2007, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) tem como objetivo

destinar recursos pra todas as etapas da Educação Básica Pública, o que compreende

creches, pré-escola, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de

jovens e adultos. O fundo é um complemento das verbas direcionadas à educação vindas

da União. Em complemento às medidas do FUNDEB, institui-se em 1/07/11 a Portaria 873,

que trata do financiamento para a implantação da educação integral.

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi aprovado em 2007, no

Governo Lula, e tem como objetivo melhorar todas as etapas da educação básica no Brasil.

Dentre as ações de melhoria inclusas no PDE, destaca-se o Programa Mais Educação que

prevê a ampliação da educação em tempo integral no país, atuando como um indutor de um

programa de educação integral para todas as escolas brasileiras.

O Programa Mais Educação instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 -

substituído pelo “Programa Novo Mais Educação” a partir de outubro de 2016 - foi

regulamento pelo Decreto nº 7083/2010 (BRASIL, 2010) com o objetivo de ampliar a jornada

escolar diária, para a integração e o desenvolvimento de atividades de acompanhamento

pedagógico, experimentação e investigação científica, cultura e artes, esporte e lazer,

cultura digital, dentre outras, prevendo-se o envolvimento da comunidade, a utilização de

equipamentos culturais situados fora da escola e integração dessas atividades ao projeto

político-pedagógico de educação integral.

Com a aprovação do Plano Nacional de Educação pela Lei nº 13.005/14

(BRASIL, 2014), o esforço com vistas a uma política para a educação integral é ratificado,

como assinalado nas metas um, ao prever o estímulo a uma educação infantil em tempo

integral para todas as crianças de até cinco anos, como já é estabelecido nas Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil; e nas metas seis e sete - mesmo que

Page 8: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

8

possamos considerar uma meta tímida, por estimar a obrigatoriedade de educação integral,

para no mínimo 50% das escolas públicas e o atendimento de ao menos 25% dos

estudantes de educação básica do Brasil, tendo em vista o horizonte de 10 anos do PNE. O

plano pode significar um avanço para a educação integral na medida em que torna essa

modalidade da educação uma meta a ser atingida em todo o país.

Esse aporte legal permitiu e até condicionou ações do poder público a fim de

cumprir com o previsto na legislação, representando a inscrição, permanência e afirmação

da temática da educação integral nas agendas públicas.

Exemplo desses esforços são verificados na formulação de programas como o

Mais Educação, nas gestões dos Presidentes Lula e Dilma (2003-2016), e do “Programa

Novo Mais Educação”, na gestão Temer, iniciada em maio de 2016.

Em 2016, no ambiente político de instalação do Governo Temer é possível

destacar um cenário de incertezas - apontando, em larga medida, para o que se chama de

fragilidade no reconhecimento dos direitos sociais.

As propostas do Governo Temer na área de educação, ainda em discussão, ou

já determinadas, delineam mudanças profundas em variadas frentes, suscitando o

questionamento sobre os modelos de educação em disputa, e especificamente, como objeto

do presente trabalho, o que há de “novo” no “Programa Novo Mais Educação”?

4. Educação integral para a emancipação

A discussão sobre os princípios político-ideológicos do “Programa Novo Mais

Educação”, está ancorada na expectativa de reconhecer de que educação integral se está

falando, a partir de que interesses, voltada a que finalidade, e em que medida essa proposta

é um ponto de inflexão na política de educação integral formalizada por meio do Programa

Mais Educação, em 2007.

A ideia da obtenção de conhecimento para o ideal de emancipação humana,

como um modelo de certeza, pode sim, ser questionada:

[...] será o conhecimento o elemento necessário para transformar em realidade o ideal da emancipação humana, em conjunto com uma firme determinação e dedicação dos indivíduos para alcançar de maneira bem-sucedida, a auto-emnacipação da humanidade, apesar de tosdas as advrsidades, ou será, pelo contrário, a adoção pelso indivíduos, em particular, de modos de comportamento que apenas favirecem a concretização dos objetivos reificados do capital? (MÉSZÁROS, 2005, p. 48).

Page 9: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

9

Na perspectiva Gramsciana, um ponto fundamental supõe o fim a separação

entre Homo faber e Homo sapiens e o resgate do sentido estruturante da educação e de sua

relação com o trabalho, das suas possibilidades criativas e emancipatórias:

A tendência hoje é abolir qualquer tipo de "escola desinteressada" (não imediatamente interessada" e "formativa", ou conservar delas tão-somente um reduzido exemplar destinado a uma pequena elite de senhores e de mulheres que não devem pensar em se preparar para um futuro profissional, bem como a de difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas, nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são predeterminadas. A crise terá uma solução que racionalmente deveria seguir esta linha : escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente, e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo (Gramsci, 2001, p 118).

De acordo com Mészáros (2005) os processos educacionais e sociais de

reprodução do capital, estão intimamente ligados. Dessa maneira as reformas educacionais

propostas, podem no limite, remediar os efeitos da ordem reprodutiva capitalista, porque as

determinações fundamentais do sistema do capital são irreformáveis. Nesse sentido, a

educação institucionalizada, estará sempre atuando na direção da legitimação dos

interesses dominantes. Nesse sentido, a educação formal por natureza e característica, não

é capaz por si só fornecer uma alternativa emancipadora radical.

Explorando essas reflexões para educação emancipadora radical, vê-se que um

projeto de educação, que visa privilegiar esse sentido, mas operado em subordinação aos

interesses do capital, apresentaria de partida, uma contradição na sua concepção.

Uma concepção ampla de educação deve refletir uma posição democrática

sobre a educação, ultrapassando os limites da divisão elitista entre o “trabalho intelectual” e

“trabalho manual”, presente naquilo que Mészáros identifica como a “política de

formalidades” por definir a educação,

[...] como a atividade intelectual, da maneira mais tacanha possível, como a única

forma certa e adequada de preservar os “padrões civilizados” dos que são designados para “educar” e governar, contra a “anarquia e a subversão (MÉSZAROS 2005,p.49).

O que seria, portanto, relevante de fato para uma educação integral do tipo

escolar, de qualidade? A educação que considera além da ordem de conhecimento

propriamente dito, o complexo contexto da vida socioeconômica, escolar e cultural e os

diferentes sujeitos sociais envolvidos na tarefa formativa?

Na abordagem sobre a educação integral a ideia de uma nova identidade para a

escola também está presente. De acordo com Cavaliere (2002, p. 250) “sabemos que a

Page 10: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

10

busca de uma nova identidade sociocultural para a escola não se esgota em seus temas

internos. Está necessariamente ligada a um projeto mais amplo de sociedade”.

“Incontestavelmente, existe, entre educação e cultura, uma relação íntima,

orgânica” (FORQUIN,1993). A educação entendida como reflexo e transmissão da cultura,

no sentido da socialização do indivíduo não se restringirá à transmissão de conhecimentos e

habilidades, mas também de crenças e hábitos, valores que são o “conteúdo” da educação.

A função de conservação e transmissão culturais da educação, como alerta

Forquin (1993), é operada a partir da seletividade de “conteúdos”, que devem ser os

repassados às novas gerações,

a educação consiste em introduzir os membros das novas gerações no interior de um mundo que eles não conhecem e que eles deverão habitar durante um certo tempo, antes de remetê-lo por sua vez como herança a seus sucessores, e é verdade que se pode pensar a partir de uma tal visão a relação entre educação e cultura, definindo a cultura como esta ordem humana preciosa e precária que é para cada homem como uma matriz, uma memória e uma promessa fundadoras (FORQUIN, 1993, p.14).

Ao abordar a questão dos “conteúdos” da educação do tipo escolar e da

especificidade e seletividade desses, busca-se aprofundar a reflexão sobre a agenda que

integra as propostas de educação integral, e em que medida elas contemplam a visão

orgânica entre educação e cultura.

Na defesa da relação orgânica entre escola e cultura, Cavaliere (2002, p. 261)

aponta que uma “micro-sociedade intencionalmente preparada necessita de uma

permanente e intensa troca com a realidade político-cultural vigente, para que possa atuar

como um ambiente de favorecimento da reconstrução da experiência”.

III. Conclusão

O “Programa Novo Mais Educação” carece de legitimação política por decisão

majoritária, nos termos defendidos por Offe (1984) e o seu conteúdo corrobora essa tese,

na medida em que a referência ao “novo” em sua denominação corresponde a um

conteúdo diverso e conflitante, em relação à política de educação integral em curso até

2016, privilegiando a educação instrucional, em contraposição aos pressupostos políticos e

ideológicos do Programa Mais Educação, que integrava a agenda do projeto político

vencedor das eleições de 2014.

No que se refere ao conteúdo, O Programa proposto atua na perspectiva de

valorização das políticas de avaliação de sistemas públicos de educação, conferindo aos

exames de proficiência, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),

Page 11: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

11

importância e relevância, na medida em que é tomado como um tipo de descrição precisa

da realidade e, não raro, da qualidade da educação, como nos alerta Silva (2008).

Destaque-se ainda nos textos enunciados, não haver qualquer previsão de

articulação com outros programas governamentais para a construção da agenda de

educação integral conferindo uma certa onipotência ao “Programa Novo Mais Educação”.

Com base nos achados desse estudo exploratório, a hipótese que se pretende

investigar no desenvolvimento da tese de doutorado pode ser assim formulada: O programa

de educação integral para o ensino fundamental, do Governo Temer, denominado

“Programa Novo Mais Educação” inaugura uma significativa reforma, de sentido e

orientação, na política educacional no Brasil, para atender, no contexto da “globalização”, a

pressão de expansão do capital, determinando o surgimento de novos sujeitos nas disputas

pelos recursos para a educação, com consequências sobre a qualidade da educação, na

medida em que, a despeito da referência ao “novo”, o Programa privilegia uma tradicional

forma instrucionista para a educação escolar.

As noções que permeiam o conceito de educação integral apresentadas no

“Programa Novo Mais Educação”, bem como da sua finalidade voltada a uma educação

instrucional, estão materializadas pela oferta de conhecimentos instrumentais de língua

portuguesa e de matemática, com vistas à melhoria dos resultados de aprendizagem dos

estudantes do ensino fundamental, relacionando, portanto educação integral a resultados de

proficiência dos estudantes.

A educação escolar deve ocorrer na perspectiva de promover o diálogo com a

realidade, e para isso os esforços devem convergir para o que Moraes (2008) aponta como

uma questão de partida a ser respondida no sentido de saber quais são os problemas mais

urgentes e as necessidades educacionais mais prementes do nosso contexto atual, para

questionar os modelos de políticas e programas que se apoiam em medidas de aferição de

desempenho do aluno, que em última análise, parecem apontar para o aluno como o

principal responsável pela crise da educação, mascarando e subestimando todas as outras

questões relacionadas à educação, que interferem no sucesso ou fracasso dos projetos

educacionais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm>. Acesso em: 5 mai. 2015.

Page 12: Mônica Monteiro Resumo - joinpp.ufma.br · Resumo Artigo teórico desenvolvido com base em estudo exploratório a ... sendo conformada no Brasil desde a Colônia, é possível identificar

12

______. Lei nº 9.394, de 30 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 3 jun. 2015.

______Constituição da República Federativa do Brasil (1988). São Paulo: Ed. Saraiva,

2006.

______. Decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de 2010. Dispõe sobre o Programa Mais

Educação. [Brasília, 2010b]. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=239774&norma=260683 >. Acesso em: 10 mai. 2015.

______. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá

outras providências. [Brasília, 2014a ].Disponível em: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/125099097/lei-13005-14>. Acesso em: 5 mai. 2015.

CAVALIERE, A. M. V. Educação integral: uma nova identidade para a escola brasileira? Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002.

DOURADO, L.F.; OLIVEIRA, J.F. A qualidade da educação: perspectivas e desafios. Cad. Cedes, Campinas vol.29,n78, p.201-215, maio/ago 2009, disponível em http://www.cedes.unicamp.br, acesso em 6 de dezembro de 2016.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: editora Artes Médicas, 1993.

GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. Vol 2, Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2001.

KRAMER, S. Crianças de 0 a 6 anos nas políticas educacionais no Brasil: educação infantil e/é fundamental. duc.Soc.,Campinas, vol.27.n;.96-Especial, p.797-818, out.2006.

Disponível em http;//www.cedes.unicamp.br.

MARÇAL RIBEIRO, P.R. História da Educação Escolar no Brasil: notas para uma reflexão. Paidéia, FFCLRP-USP, Rib. Preto,4, Fev/Jul, 1993, p. 16.

MÉSZÁROS,István. A Educação Para Além do Capital.São Paulo: editora Boitempo, 2005.

MORAES, Maria Cândida de. Ecologia dos Saberes: Complexidade,transdisciplinaridade e educação. São Paulo: Antakarana/Prólibera, 2008. OFFE, Claus. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1984. SILVA, Vandré Gomes da. A Narrativa Instrumental da Qualidade na Educação. Estudos

em Avaliação Educacional. Análise de Políticas Públicas, Fundação Carlos Chagas, v.19 n.40 maio/ago.2008. SOUZA, Jessé. A Radiografia do Golpe. Editora Leya. Rio de Janeiro, 2016.