monarquias nacionais

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Monarquias Nacionais Monarquias Nacionais “A mão dos reis é muito forte: em virtude de um direito consagrado de seu ofício eles reprimem a audácia dos tiranos todas as vezes que pretendiam provocar guerras, buscavam satisfação em pilhar sem fim, em arruinar os pobres, em destruir as igrejas.” Abade Suger. Vida de Luís VI. Citado por Arondel. M. O feudalismo enquanto ordem polí tica foi seriamente atingido pelas mudanças do Renascimento Co mercial. A exagerada autonomia desfrutada pelos senhores feudais revelou-se incom- patível com a dinâmica sociedade que nasceu a par- tir do século XII. Com isso, o final da Idade Média foi marcado por um tremendo descompasso. De um lado, a expansão do comércio e a prosperidade eco- nômica; de outro, uma realidade política fragmenta- da e superada que admitia a ilimitada autoridade dos nobres feudais. Concretamente o feudalismo começava a sua despedida da história. No seu lugar despontava o capitalismo na sua fase ainda comercial. A transição para o capitalismo exigia mudanças de ordem políti- ca, pois era impossível o comércio prosperar numa estrutura fragmentada e dividida da Ordem Feudal. Cada feudo tinha suas leis, moeda particular e im- postos determinados pelo senhor feudal. A centrali- zação política e a formação das monarquias foram con- seqüências naturais das transformações que se edificavam no plano econômico. As primeiras tentativas de centralização ocor- reram no século XII, em vários reinos do continente europeu. A porta aberta para a formação das monar- quias se deu através da relação entre suseranos e vassalos. Como vimos, todos os nobres eram interliga- dos pelo esquema de suserania e vassalagem. À medida que suseranos foram aumentando o poder através de guerras e conquistas de terras, tiveram de imediato o apoio dos nobres vassalos submetidos ao juramento de lealdade. “O modo de produção feudal, apesar de alguns progressos técnicos significativos, não foi capaz de elevar suficientemente a produtividade do setor agrário. O maior volume de produtos deveu-se muito mais à extensão das áreas de cultivo, que colocara novas terras no circuito da produção. O aumento populacional esbarra, já a partir do século XII, em um desnível entre a demanda e a oferta de alimentos. Os preços elevam-se, e a produtividade decai. O modo de produção feudal não foi capaz de encontrar soluções internas. O suprimento da Europa Ocidental pelos mercadores que iam buscar cereais em áreas distantes não resolvia o problema do esgotamento interno”. In. Monteiro, Hamilton. O Feudalismo. Série Princípios. Castelo construído em 1190 pelo rei Ricardo da Inglaterra, como parte de uma cadeia de fortes guardiães do ducado da Normandia. Em 1204, o exército real de Filipe II da França, rompeu as muralhas e invadiu o local.

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MonarquiasNacionaisMonarquiasNacionais

“A mão dos reis é muito forte: em virtude de um direito consagrado de seu ofícioeles reprimem a audácia dos tiranos todas as vezes que pretendiam provocar guerras,

buscavam satisfação em pilhar sem fim, em arruinar os pobres, em destruir as igrejas.”Abade Suger. Vida de Luís VI. Citado por Arondel. M.

O feudalismo enquanto ordem política foi seriamente atingido pelasmudanças do Renascimento Comercial. A exagerada autonomia

desfrutada pelos senhores feudais revelou-se incom-patível com a dinâmica sociedade que nasceu a par-tir do século XII. Com isso, o final da Idade Médiafoi marcado por um tremendo descompasso. De umlado, a expansão do comércio e a prosperidade eco-nômica; de outro, uma realidade política fragmenta-da e superada que admitia a ilimitada autoridade dosnobres feudais.

Concretamente o feudalismo começava a suadespedida da história. No seu lugar despontava ocapitalismo na sua fase ainda comercial. A transiçãopara o capitalismo exigia mudanças de ordem políti-ca, pois era impossível o comércio prosperar numaestrutura fragmentada e dividida da Ordem Feudal.Cada feudo tinha suas leis, moeda particular e im-postos determinados pelo senhor feudal. A centrali-zação política e a formação das monarquias foram con-seqüências naturais das transformações que seedificavam no plano econômico.

As primeiras tentativas de centralização ocor-reram no século XII, em vários reinos do continenteeuropeu. A porta aberta para a formação das monar-quias se deu através da relação entre suseranos e

vassalos. Como vimos, todos os nobres eram interliga-dos pelo esquema de suserania e vassalagem. À medidaque suseranos foram aumentando o poder através deguerras e conquistas de terras, tiveram de imediato oapoio dos nobres vassalos submetidos ao juramento delealdade.

“O modo de produção feudal, apesar de alguns progressos técnicos significativos, nãofoi capaz de elevar suficientemente a produtividade do setor agrário. O maior volume de

produtos deveu-se muito mais à extensão das áreas de cultivo, que colocara novas terras nocircuito da produção. O aumento populacional esbarra, já a partir do século XII, em um

desnível entre a demanda e a oferta de alimentos. Os preços elevam-se, e a produtividadedecai. O modo de produção feudal não foi capaz de encontrar soluções internas. O suprimentoda Europa Ocidental pelos mercadores que iam buscar cereais em áreas distantes não resolvia

o problema do esgotamento interno”. In. Monteiro, Hamilton. O Feudalismo. Série Princípios.

Casteloconstruído em1190 pelo reiRicardo daInglaterra, comoparte de umacadeia de fortesguardiães doducado daNormandia. Em1204, o exércitoreal de Filipe II daFrança, rompeuas muralhas einvadiu o local.

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nais Entretanto apesar do título real, eles ainda rei-

navam, mas não governavam. A mudança do quadrogerou os esboço das nações européias.

Na época os suseranos mais poderosos eramnormalmente aclamados com o título real, pois quantomaior o número de vassalos maior a quantidade de ca-valeiros, armas e reservas monetárias. Para submeteros nobres que não tinham laço de vassalagem com ossuseranos, foi preciso um longo período de guerras atéque se estabilizassem as monarquias. Por tudo isso, acentralização política foi um processo lento consolida-do apenas no início da Idade Moderna, e mesmo assimem algumas monarquias.

As monarquias feudais tiveram o importanteapoio financeiro dos comerciantes interessados na uni-ficação da moeda e na regularidade dos impostos. Mes-mo sem apossar-se do poder político, a burguesia tinhamuito a lucrar com a formação das monarquias a supe-ração dos entraves feudais. No processo de consolida-ção política o capital burguês foi muito útil na amplia-ção dos exércitos sobretudo após a utilização da pól-vora nas armas e nos canhões.

Enquanto a burguesia abria seus cofres, a IgrejaCatólica agiu de forma oposta. Desde o início a Igrejanão aceitou a formação das monarquias, alegando quea cristandade já era governada pelo papa, representan-te legítimo de Deus na terra. Por trás da recusa estavao medo perder a condição de única instituição centrali-zada e hierarquizada. A formação das monarquias ti-rou da Igreja Católica o poder temporal. Daí em diantefoi obrigada a se contentar com o poder espiritual, oque não era pouca coisa. Nas monarquias católicas daépoca Moderna obteve prestígio social e foi coadju-vante política dos monarcas absolutistas.

GUERRA DOS CEM ANOS

Em meio ao processo de consolidação das mo-narquias eclodiu em 1328 o conflito mais prolongadoda História. A Guerra dos Cem Anos foi o extremodas centenárias rivalidades entre França e Inglaterra eapós o seu término em 1453 mudaria as feições políti-cas das duas nações. O início do conflito está ligado àsucessão de Filipe, o Belo, da França, que permitia apossibilidade de Eduardo II, da Inglaterra assumir otrono francês. A brecha se deu porque uma das filhasde Filipe, o Belo, havia se casado com um nobre in-glês, deixando como herdeiro legítimo ao trono daFrança, o inglês Eduardo III. Os franceses rejeitaramo sucessor inglês, amparados na Lei Sálica que proibiacandidatos ao trono de linhagem materna. É claro que

esse episódio era a gotad’água de um acúmulo de ten-sões que explodiram com oinício da guerra.

Embalava o conflitoum forte espírito nacionalista,motivado pela afirmação dasmonarquias. Os próprios reisestimulavam o nacionalismo,incitando a população ao com-

bate. Embora tenha um nome que indique longa dura-ção, a Guerra dos Cem Anos não se desenvolveuininterruptamente pois aconteceram algumas interrup-ções. A pior de todas causada pela terrível peste ne-gra.

Na primeira fase, a Inglaterra conseguiu amplavantagem, destacando-se a batalha de Crecy. Curiosoque nesse combate, os franceses levaram arqueirosgenoveses munidos de uma arma revolucionária — abesta.

O Tempo da História

Séculos XIII - XVI

Formação das Monarquias

UNIÃO DE REIS E BURGUESIA

Unidade: política econômica monetária jurídica

Guerra dos Cem Anos

1337 - 1453

. Sucessão da coroa francesa. Disputa pela região de Flandres

. Objetivos Nacionalistas

França x Inglaterra

NAÇÃO É CONCEBIDO COMO UM GRUPO DE PESSOAS UNIDAS POR LAÇOS NATU-RAIS E POR TANTO ETERNOS - OU PELO MENOS EXISTENTES - E QUE, POR CAUSA DES-SES LAÇOS, SE TORNA A BASE NECESSÁRIA PARA A ORGANIZAÇÃO DO PODER SOB A

FORMA DO ESTADO NACIONAL. In. Bobbio Norberto. Dicionário de Política.

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A novidade era o longo alcance atingido pelaflecha, mas o problema era que até o arqueiro carregara arma, demorava pelo menos 2 minutos. Já os ingle-ses, com as flechas convencionais, conseguiam umadistância mínima de 400 metros e uma média de 5 fle-chas por minuto. Vitória inglesa. Mas não definitiva.Em meados do século XIV, a Europa teria de convivercom o flagelo da morte generalizada.

PESTE NEGRA

O nome Peste Negra deriva das manchas pre-tas que se alastravam pelo corpo todo. Em três dias odoente vomitava sangue, alastravam-se os furúnculose a morte era quase que inevitável. Cientistas e histori-adores identificam a Peste Negra como uma variaçãoda peste bubônica, provavelmente trazida por ratos,em navios vindos do Oriente. Em 1348, a peste che-gou à Itália. Nesse mesmo ano atingiu a França. AInglaterra foi atingida, em 1349 e a Alemanha, em 1350.É impossível descrever o horror causado pela peste.Faltava comida e as plantações foram abandonadas,pessoas fugiam e o comércio praticamente parou. Asrotas terrestres foram abandonadas. Escolas interrom-peram suas atividades e a investigação científica prati-camente estagnou.

O desespero motivou o aparecimento de diver-sas seitas religiosas, provocando o descontrole da Igre-ja, impedida que estava de propagar as loucuras místi-cas. Tinha de tudo: culto à morte, à autoflagelação, aodemônio, etc. Algumas dessas seitas pregavam a rigo-rosa abstinência sexual, considerada por eles, a causade tantas mortes. A Igreja respondia perseguindo, jul-gando e lotando os tribunais de Inquisição. O livro “OsQueijos e os Vermes” conta a história de um pobremoleiro que foi levado a julgamento por ter cometido a“heresia” de supor que o mundo surgira dos fungos,como nos queijos quando ficam envelhecidos.

Na mesma época da peste surgiram várias rebe-liões camponesas, a exemplo, da Jaquerie, na França.Milhares de camponeses descontrolados invadiram cas-telos, cidades, enfrentando o exército de nobres senho-res. Deu trabalho para acabar com as rebeliões e muitascabeças terminaram rolando. Os nobres não se intimi-daram lutando contra a desesperada massa camponesa.O resultado foi a destruição de aldeias inteiras e a mor-te de centenas de pessoas. A situação era no mínimodramática: guerra da França com a Inglaterra, PesteNegra e revoltas camponesas. O drama parecia ser mai-or para os franceses, afinal estavam perdendo a guerrae foi na França que a peste fez o maior número de víti-mas.

A ültima grande batalha da Guerra dos Cem Anos aconteceu no mar. Foi no dia 24 de junho de 1340, aolargo do porto de Sluis, em Flandres, onde mais de duzentos navios tinham se concentrado para uma projetada

invasão da Inglaterra. Os ingleses estavam em minoria, mas seus arqueiros plantados em plataformasespecialmente construídas na popa dos barcos, podiam disparar flechas com muito mais rapidez do que os

besteiros genoveses empregados pelos franceses.Desalojados de seus conveses pela barragem inicial dos projéteis, os soldados que lotavam os barcos

franceses não tiveram tempo de escapar. A maioria dos navios franceses foi afundada ou capturada. A vitória deuaos ingleses o controle temporário do canal da Mancha e

permitiu-lhes desembarcar tropas sem oposição emqualquer lugar da costa francesa nos vinte anos

seguintes. In. Geoffrey Parker. A Guerra dos Cem Anos.História em Revista. Coleção Time-Life. pág.22/23

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Na guerra dos Cem Anos, a Inglaterra conse-guiu assegurar a vantagem até 1415, destacando-se agrande vitória de Henrique V na Batalha de Azincourt.O rei guerreiro conseguiu um feito notável, massacran-do os franceses com o ataque de milhares de flechas.Também essa foi a última vitória inglesa, porque a par-tir desse período a França começou a reviravolta, co-mandada por uma estranha e mística camponesa cha-mada Joana D’Arc. A moça estava convencida de ou-vir a voz de Deus e terminou persuadindo o rei CarlosVII a enviar tropas contra os inimigos ingleses. O in-crível é que deu certo, pois as tropas francesas come-çaram a ganhar sucessivos combates. PessoalmenteJoana D’Arc teve um triunfo efêmero, porque foi logoaprisionada e queimada viva pelos ingleses. Dizem as“más línguas” que as tropas francesas não moveramuma palha e a pobre coitada morreu na fogueira.

A Guerra dos Cem Anos terminou com vitóriafrancesa. A derrota inglesa motivou a dissensão inter-na. Durante três décadas nobres ingleses lutariam entresi na guerra das “Duas Rosas”. O conflito teve um pontofinal após a ascensão da dinastia Tudor ao poder, inau-gurando uma hegemonia de muitas décadas. Para osenvolvidos na Guerra dos Cem Anos o desfecho foi omenos importante, porque ambos saíram fortalecidosenquanto nação. 1453 - O ano de término da guerra, émarcado pela coincidência da invasão turca emConstantinopla. Convencionou-se dizer que a invasãosimboliza o fim da Idade Média. Porém, mais uma vez,a despedida de uma época forjava os elementosconstitutivos da nova ordem. Formava-se a trilha daHistória em direção à Idade Moderna.

Por “indicaçãodivina”, umamulher recebeu amissão de salvara França e coroaro rei. Designadacomo “chefe deguerra” porCarlos VII, Joanad’Arc libertou ascidadesfrancesas deOrleans e Reins,sendo o reisolenementecoroado nestaúltima. Cumpridasua missão, aheroína começoua se tornarincômoda para orei que nada fezpara salvá-laquando foiaprisionada econdenada àmorte. Quadro àóleo - Coroaçãode Carlos VII.

A PESTE NEGRA NA ABORDAGEMDE HERMAN HESSE NO LIVRO NARCISOE GOLDMUND

“O que o esperava era pior do que aquilo quepodia imaginar. Começou logo a evidenciar-se nas pe-quenas propriedades e aldeias, prolongou-se e foi fi-cando cada vez mais terrível, à medida que ele avança-va. A região inteira, o país imenso encontrava-se sobas sombras da morte, sob o véu de horror, medo eobscurecimento da alma; o pior não eram as casas va-zias e abandonadas ou os cães acorrentados e mortosde fome, os cadáveres atirados por ali, insepultos, ascrianças pedindo esmolas, as valas coletivas à entradadas cidades. O mais ignominioso eram os vivos quepareciam ter perdido seus olhos e suas almas, sob opeso do pavor e do medo da morte. O caminhante ou-viu e viu coisas espantosas e horrorosas: pais abando-navam seus filhos; maridos, suas mulheres tão logo con-traíam a doença. Os carregadores e os beleguins doshospitais agiam como se fossem carrascos, pilhando ascasas cujos habitantes haviam morrido, ou deixando, aseu belo prazer, os cadáveres insepultos, arrancandodas camas os agonizantes, mesmo antes de exalarem oúltimo suspiro, jogando-os nas carretas juntamente comos cadáveres.

Cada qual julgava conhecer o causador dissotudo, os culpados pela epidemia, seus perversos auto-res. Tratava-se, diziam, de criaturas demoníacas, sádi-cas, cuidando da propagação da morte, extraindo dospesteados o veneno da epidemia e com ele esfregandomuros e maçanetas das portas e envenenando poços eanimais. Aquele que caísse na suspeita desses algozesestava lamentavelmente perdido, a não ser que fosseavisado com antecedência, para poder fugir. Caso con-trário, era castigado com a morte, julgado pela justiçaou pelo populacho.

Além disso, os ricos acusavam os pobres e vice-versa ou então eram os judeus os culpados, os suíços,ou mesmo os médicos. Numa cidade, Goldmund assis-tiu, com o coração confrangido, como ateavam fogo auma rua habitada por judeus; iam de casa em casa e,em volta, a caterva ululava. Os pobres fugitivos que,gritando, procuravam escapar às chamas, eram empur-rados para dentro do fogo, pela força das armas. Naloucura do medo e da ira, inocentes eram trucidados,queimados e torturados. Goldmund assistia com ódioe nojo à exibição de um mundo perturbado e envene-nado, sem alegria, sem inocência, sem amor para dar.Muitas vezes fugia também para as orgias dos folgazões;em todos os lugares soava o violino da morte; logoaprendeu a reconhecer seu som. Muitas vezes partici-pava dos festins malditos; vezes houve em que tomavaparte, tocando seu alaúde, ou dançando à luz das tochasde pez, através de noites febris”.

Herman Hesse. Narciso e Goldmund. EditoraRecord. Pág 171/173.

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PARA VOCÊSABERMAIS.

A marcha daPeste Negra

punição divina à maldade dos homensparecia, no século XIV, a única ex-plicação possível para a série de

golpes devastadores sob os quais omundo inteiro tremeu. Durante o primeiro quarto do sé-culo, a Ásia foi atormentada por sucessivas enchentes,

fomes, secas e terremotos; na Europa, onde desde 1250 oclima se tornara mais frio e úmido, as colheitas fracas-

savam periodicamente e as comunidades superpovoadassofriam fomes e doenças. O pior estava por vir. Do Extre-mo Oriente veio um mal de virulência sem precedentes

que, entre 1346 e 1352, arrastou pelo menos um terço dapopulação européia. A maior onda de mortalidade quejamais varreu o mundo ficaria conhecida como Peste

Negra.A doença atacava de três formas, todas causadas

pela bactéria Pasteurefia pestis. A peste pneumônicaatacava os pulmões e a septicêmica infectava a correntesangüínea. A peste bubônica, a terceira e mais comum, derivava seu nome dastumefações do tamanho de um ovo, conhecidos como bulbos ou bulbões, que

apareciam no pescoço, nas axilas ou nas virilhas do doente nos primeiros está-gios do mal; depois vinham a febre alta e o delírio. Os de constituição mais fortepoderiam sobreviver o suficiente para experimentar a dor lancinante da ruptura

dos bulbos. Em geral, a morte era o único alívio para a dor.Os sábios colocaram a culpa da infecção

no movimento dos planetas, na putrefação do arpelos cadáveres, ou no contato com corpos ouroupas infec-tadas. Chegou-se a sugerir que omero olhar de um doente era fatal. Os verda-deiros culpados, os ratos que infestavam amaioria das casas da época e cujas pulgas

estavam contaminadas com a bactéria da peste,só seriam identificados muitos séculos depois.Quando os ratos morreram e a população de

roedores declinou, as pulgas se voltaram para osangue quente dos humanos.

Flagelantesuniformizados,chicotes aosombros, seguemem procissãoatrás do superiorda irmandade, aoqual juraramobediência. Omovimento dosflagelantestornou-sepreponderante naAlemanha em1349. A princípiofoi tolerado pelaIgreja, masacabou banidoem 1349.

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O mecanismo terrível da peste pareceter sido posto em movimento no deserto deCobi, na Mongólia. No final da década de1320, ali irrompeu uma epi-demia entre osroedores e fez suas primeiras vítimas entreos cavaleiros nômades mongóis, que espa-

lharam a doença por todo seu extensoimpério. As rotas comerciais do Caminho daSeda, pelo qual seda e peles iam da Chinapara oeste, expuseram toda a Ásia central àdoença; em 1345, Astracan, às margens do

rio Volga, e Caifa, junto ao mar Negro, játinham sucumbido às pulgas infectadas que

saltavam de carregamentos de peles.O mar Negro marcava o fim das rotas

comerciais terrestres que vinham da China eo começo das marítimas que levavam àEuropa. No final de 1347, os ratos que

infestavam os porões dos navios mercantes italianos já tinham levado a pestilência paraos portos do Mediterrâneo, de onde alcançou rapidamente a costa atlântica da França.A Inglaterra pagou caro por seus vinhos de Bordeaux: dentro de um ano, a Peste Negra

era importada inadvertidamente junto com o clarete. Em 1352, já se espalhara para aEscandinávia, Alemanha, Polônia e, por fim, chegou à Rússia.

Quatro anos após sua entrada na Europa, a Peste Negra ceifaramais de 20 milhões de vidas.

O escritor italiano Boccaccio, cujo Decamerão foi conce-bido como uma coleção de histórias contadas por cidadãos emfuga da infestada cidade de Florença, registrou uma variedade

de reações entre os sobreviventes. Alguns só pensavam emsalvar a própria pele, com o único objetivo de “fugir dos doentese de qualquer coisa que pertencesse a eles”. Outros procuravam

se esquecer no prazer sem freios: “Dia e noite, iam de umataverna para outra, bebendo e farreando desenfreadamente.Uma terceira reação, mais moderada, era continuar a vida

normalmente, mas com a precaução de levar buquês de floresperfumadas para confortar o cérebro com esses odores, emespecial porque o ar estava opressivo e cheio do fedor de

decomposição, doença e remédios”.A devastação causada pela Peste Negra tinha passado

seu auge no início da década de 1350, mas aconteceram novasirrupções nas décadas seguintes e a doença persistiu na Europa até o início do século

XVIII. O declínio maciço da população transformou a relação entre as pessoas e osrecursos. Tendo em vista que a mão-de-obra se tornou escassa, a força de trabalhosobrevivente pôde exigir salários altos, enquanto os preços da terra e dos produtos

agrícolas caíam devido à ausência de demanda.As atitudes em relação à religião também mudaram. O clero em geral tinha mos-

trado tanta fraqueza quanto qualquer outro grupo social durante os anos da peste eagora era visto como falível, concedendo-se portanto importância injustificada. Cultos

místicos tornaram-se populares, e na arte religiosa a imagem da morte - freqüente-mente retratada como um esqueleto voraz levando os vivos para suas sepulturas -

passou a ser um motivo recorrente. Os falecidos eram representados em seus túmuloshorrendamente descarnados e torturados, testemunhas permanentes das imensascicatrizes sociais e psicológicas provocadas pela Peste Negra. (In. Given-Wilson,

Cristopher. A Marcha da Peste Negra. História em Revista. Time-Life. Pág. 8)

Cristãosobservamcomsatisfaçãosinistra oacréscimode lenha nafogueiraonde judeusestão sendoqueimadosvivos.

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PARA VOCÊSABERMAIS.

Idade Média e Cultura

urante o século XIIe até o século XV, aarte ganhou forma

de expressãotambém nos

objetos preciosos -feitos em marfim,

ouro, prata decorados com esmalte - enos ricos manuscritos ilustrados.

Esses manuscritos eramfeitos em várias etapas e dependiam

do trabalho de várias pessoas.Primeiro era necessário curtir de

modo especial a pele de cordeiros ouvitelas. Essa pele curtida chamava-sevelino e era usada no lugar do papeldos livros atuais. Nas oficinas dos

mosteiros ou nos ateliês de artistasleigos, os trabalhadores cortavam asfolhas de velino no tamanho em queseria o livro. A seguir, os copistas

dedicavam-se à transcrição de textossobre as páginas já cortadas. Ao

realizar essa tarefa, deixavamespaços para que os artistas fizessem

as ilustrações, os cabeçalhos, ostítulos ou as letras maiúsculas com

que se iniciava um texto. Essetrabalho decorativo ficou conhecido

com o nome de iluminura.Um exemplo de manuscrito

medieval ilustrado é o Saltério deIngeborg, que data de, aproxima-

damente, 1195. O nome desse manus-crito está relacionado com seu

conteúdo - uma coletânea de salmos -e com o nome da princesa Ingeborg,da Dinamarca, para quem foi feito.

As figuras que ilustram osaltério compõem cenas que procu-

ram representar a ação, como O

Os manuscritos ilustrados

Massacre dos Inocentes ou a Fugapara o Egito. Nessas cenas, o trabalho

do artista ilustrador revela suaqualidade em vários aspectos: o

drapeado das vestimentas, o desenhoda anatomia do corpo humano e,

sobretudo, a combinação da cordourada com cores fortes como o

vermelho e o azul-escuro.Nessa época foi comum

também a produção de uma bíbliachamada “moralizada”, pois era

diferente das anteriores: apresentavaapenas algumas passagens dostextos sagrados - e não o texto

integral, como as demais -, acom-panhadas de muitas ilustrações feitas

por artistas miniaturistas.Uma dessas bíblias, famosa

por sua beleza, é a chamada Bíblia deToledo, que pertenceu originariamentea Branca de Castela, rainha da França.Nela encontramos, por exemplo, uma

página que descreve JerusalémCelestial tal como São João a conce-beu no Apocalipse. O espaço dessa

página está dividido em quatro

colunas, duas de texto e duas deilustrações. Cada coluna de texto

contém quatro parágrafos, sendo quea cada um deles corresponde uma

ilustração, limitada por um círculo quelhe serve de moldura. Na verdade,

trata-se mais de um livro de ilustra-ções acompanhadas de pequenos

textos, do que de um livro de textossagrados enriquecidos com algu-

mas imagens visuais.Da observação dos manus-

critos ilustrados podemos tirarduas conclusões: a primeira é acompreensão do caráter indivi-dualista que a arte da ilustraçãoganhava, pois se destinava aospoucos possuidores das obrascopiadas; a segunda é que os

artistas ilustradores do períodogótico tornaram-se tão habilidosos na

representação do espaço tridimen-sional e na composição analítica de

uma cena, que seus trabalhosacabaram influenciando as criações

de alguns pintores. (In Graça Proença.História da Arte. Editora Ática. Pág.

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