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Módulo 2 - Acidentes com armas de fogo Apresentação do Módulo Os incidentes ou acidentes de tiro e disparos involuntários ou indesejados são mais frequentes do que se supõe. A falta de conhecimento no manuseio e descuidos com regras básicas de segurança e, ainda, a falta de manutenção, principalmente com pistolas, revólveres e espingardas, levam a ocorrência de interrupções, acidentes de disparos ou disparos indesejados. O índice de incidentes, acidentes de tiros ou disparos indesejados, não é confiável, pois como muitos não resultam em lesões, não aparecem nas estatísticas, restando apenas registros daqueles que resultaram em lesões para o próprio atirador ou terceiros. Acionamento da tecla do gatilho sem prévia verificação da existência ou não de munição na câmara; deslocamento com o dedo indicador pressionando a tecla do gatilho; retirada do cartucho da câmara sem a retirada do carregador municiado e posterior acionamento do gatilho; dentre outras; são atitudes que costumeiramente resultam em disparos involuntários. A ocorrência dessas modalidades de disparos está vinculada a fatores humanos ou fatores materiais, que podem ou não estar correlacionados. Especialistas acreditam que atitudes frutos da irresponsabilidade e gestos inconsequentes, medo, inexperiência, descuidos, falta de concentração, excesso de confiança e inobservância de regras de segurança, dentre outros, ocasionam de 70 a 90% dos disparos que podem ser compreendidos nesta modalidade. Os demais são atribuídos a fatores materiais diretos, como desgastes nos componentes dessas armas, má conservação, retiradas de peças – como é muito comum com certas travas de segurança – e,

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Módulo 2 - Acidentes com armas de fogo

Apresentação do Módulo

Os incidentes ou acidentes de tiro e disparos involuntários ou indesejados

são mais frequentes do que se supõe. A falta de conhecimento no manuseio

e descuidos com regras básicas de segurança e, ainda, a falta de

manutenção, principalmente com pistolas, revólveres e espingardas, levam

a ocorrência de interrupções, acidentes de disparos ou disparos

indesejados.

O índice de incidentes, acidentes de tiros ou disparos indesejados, não é

confiável, pois como muitos não resultam em lesões, não aparecem nas

estatísticas, restando apenas registros daqueles que resultaram em lesões

para o próprio atirador ou terceiros.

Acionamento da tecla do gatilho sem prévia verificação da existência ou não

de munição na câmara; deslocamento com o dedo indicador pressionando a

tecla do gatilho; retirada do cartucho da câmara sem a retirada do

carregador municiado e posterior acionamento do gatilho; dentre outras;

são atitudes que costumeiramente resultam em disparos involuntários.

A ocorrência dessas modalidades de disparos está vinculada a fatores

humanos ou fatores materiais, que podem ou não estar correlacionados.

Especialistas acreditam que atitudes frutos da irresponsabilidade e gestos

inconsequentes, medo, inexperiência, descuidos, falta de concentração,

excesso de confiança e inobservância de regras de segurança, dentre

outros, ocasionam de 70 a 90% dos disparos que podem ser compreendidos

nesta modalidade. Os demais são atribuídos a fatores materiais diretos,

como desgastes nos componentes dessas armas, má conservação, retiradas

de peças – como é muito comum com certas travas de segurança – e,

ainda, quando ocorre a transformação da arma e/ou a utilização de munição

inadequada.

Materializar disparos involuntários é uma tarefa praticamente impossível na

grande maioria das ocorrências, no entanto, na ocorrência de disparos

acidentais deve-se realizar um exame pericial exaustivo na busca de

comprovar o histórico relatado, ou, ainda, demonstrar se a arma apresenta

algum defeito de fabricação, desgaste, ruptura ou ausência de peça ou

mecanismo, que justifique a ocorrência de disparo acidental.

Armas desgastadas, com má conservação ou nas quais se utilizou o

lubrificante inadequado, podem apresentar falhas e defeitos, algumas vezes

momentâneos, que provocam disparos acidentais, como aqueles

ocasionados por queda, mesmo possuindo um eficiente sistema de travas

de segurança, como o caso da pistola “Taurus 24/7”. Nunca se pode

descartar, sem um exame detalhado, em qualquer acidente, a possibilidade

da causa ser por fator material.

Esse será o assunto desse módulo.

Pronto para prosseguir?

Objetivo do módulo

Ao final do estudo desse módulo, você será capaz de:

Diferenciar incidente de acidente de tiro e disparo involuntário de

disparo acidental;

Descrever a metodologia de exames nas ocorrências de disparos

acidentais e suas limitações;

Enumerar as principais causas de disparo acidental;

Compreender os principais sistemas de segurança utilizados nas

armas de fogo, tanto nas armas de porte quanto as armas portáteis;

Analisar a legislação brasileira que trata do assunto.

Estrutura do modulo

Aula 1 – Definindo os termos

Aula 2 – Mecanismos de segurança das armas de fogo.

Aula 1- Definindo os termos

1.1 Disparo acidental

Disparo acidental, disparo involuntário, acidente e/ou incidente de tiro são

situações que estão presentes no nosso dia a dia, no entanto os seus

conceitos, em muitas ocasiões, geram dúvidas, confusões ou erros.

Normalmente, entendemos que o fato ou circunstância cuja origem é de

caráter acidental são aquelas produzidas por acaso, uma circunstância

imprevista, cuja probabilidade de ocorrer é totalmente eventual, ou seja,

não habitual, de caráter fortuito. Um acidente é um evento indesejável e

que ocorre de modo não intencional, inesperado, do qual o resultado são

danos pessoais ou materias.

Esse conceito de acidente se confunde com o conceito de involuntário.

Entende-se como involuntário aquilo que acontece independente da

vontade. E ao contrário, voluntário, é alguma coisa que decorre da

vontade, como a realização intencional de determinada ação. Pode-se dizer

que ato voluntário é um ato consciente e que tem uma determinada

finalidade.

É comum a alegação de acidental, por parte de quem efetuou o

disparo, em muitos dos casos de morte ou lesão corporal, justificada

pela não intencionalidade de produzir determinados efeitos. Perceba

que este disparo muitas vezes aconteceu de forma instintiva, sem

deliberação, ou seja, sem vontade, como um reflexo automático e

intuitivo por parte de quem está portando a arma. Neste caso este é

um disparo involuntário, mas não acidental. Na balística forense,

disparo acidental é:

Aquele que acontece sem o manuseio normal do homem.

Se considerarmos o caso hipotético acima, só seria disparo acidental

se o homem não tivesse efetuado intencionalmente o acionamento da

tecla do gatilho.

Desta forma, a conceituação e caracterização de incidente de tiro,

acidente de tiro e disparo acidental são importantes em casos de

vítimas de disparo de arma de fogo, sendo que a análise dos aspectos

técnicos destes eventos é de fundamental importância na busca de

definir o ocorrido.

1.2. Incidente de Tiro

Incidentes são acontecimentos imprevisíveis que provocam uma

interrupção, normalmente inconveniente, modificando o decorrer normal de

uma ação ou fato.

Incidente de tiro também é um acontecimento inesperado e indesejável

que produz uma interrupção na sequência dos tiros, sem que haja danos

materiais e/ou pessoais. São geralmente devidos a falhas mecânicas na

arma ou falhas de naturezas diversas na munição. São dificuldades de

caráter passageiro que após a ação do atirador para sanar o problema,

desaparecem, permitindo que o conjunto arma e atirador estejam aptos a

continuar sua série de disparos.

Os incidentes de tiro, listados a seguir, são exemplos comumente

verificados:

1. Falha no sistema de percussão por pouca pressão do percussor ou

falha da munição em que a espoleta não detonou ou não ocorreu

à queima do propelente;

2. Falha na alimentação, que pode ocorrer por problemas na câmara,

mesa transportadora, por falha na ejeção ou extração, etc.

3. Travamento do tambor que não gira ao ser acionado o gatilho, o

que geralmente ocorre devido a problemas no conjunto impulsor

do tambor e anel dentado do extrator; ocorrendo ainda em função

de uma série de outras causas como haste central empenada,

espoleta saliente (positiva) travando o tambor, entre outras;

4. Não retorno do gatilho à sua posição normal, geralmente em

função de falha no impulsor do gatilho;

5. Não permanência da abertura do ferrolho após o último tiro

(recuado).

Importante!

A maioria dos incidentes de tiro pode ser evitada com manutenção

preventiva da arma, por meio de limpeza e lubrificação adequadas e com o

uso da munição correta e apropriada para cada tipo de arma.

1.3. Acidente de tiro

No acidente de tiro a dificuldade deixa de ser momentânea, pois dele

resultam danos na arma e podem resultar, também, lesões no atirador.

Ocorrendo o acidente de tiro, certamente há uma interrupção dos disparos

para aquele conjunto arma/atirador, pois é característica essencial a

apresentação de danos de ordem material e/ou pessoal.

Os eventos que podem acarretar acidentes de disparos são de natureza

diversa, mas possuem, normalmente, como origem, a trilogia:

ARMA – MUNIÇÃO - ATIRADOR

1.3.1 Exemplos de acidentes de tiro

O exemplo mais comum de acidente de tiro ocorre com munição

recarregada. A recarga de munição exige um controle rígido do tipo e

quantidade do propelente a ser empregado, da massa e diâmetro dos

projéteis, do tipo e capacidade volumétrica dos estojos, da espoleta e,

ainda, todo este conjunto com a arma na qual esta munição será utilizada.

Quando algum elemento desse conjunto apresenta falha de qualquer

ordem, pode ocorrer uma explosão na câmara em função da pressão gerada

pela deflagração do cartucho ter suplantado a resistência da arma antes

que o projétil se desvinculasse do estojo ou no caso de pressão muito

inferior aquela esperada para o cartucho, o que faz com que o projétil fique

retido no cano e, no caso de um outro disparo, leva à ruptura do cano por

excesso de pressão.

Outro exemplo de ocorrência comum verifica-se quando se utiliza munição

imprópria para a têmpera daquela arma. Era comum se verificar explosões

de câmaras de determinados tambores de revólveres de “calibre .38”, mais

antigos, nesta condição. Devido ao lançamento no mercado de cartuchos

“.38 SPL +P”, por industrias, a exemplo da Remington e Winchester, em

janeiro de 1979, a indústria Rossi, produtora de armas nacional, promoveu

o aumento de dureza de seus tambores para resistir ao uso regular de

munições que produziam esse acréscimo de pressão. A indústria Taurus

introduziu a têmpera dos tambores, para o calibre “.38 SPECIAL” em 1º de

novembro de 1979, o que passou a permitir maior resistência a referidas

peças. A têmpera é um processo de tratamento térmico que modifica a

estrutura dos grãos, retendo na estrutura a martensita, acarretando um

aumento da dureza e da resistência à pressão, o que permite o emprego de

cartuchos que geram pressões mais elevadas.

Em armas mais antigas a utilização de cartuchos em nível + P (.38 SPL +P)

pode levar a explosão da arma, associado ainda que em função da idade e

do uso contínuo de qualquer arma de fogo, e ainda a característica peculiar

do esforço a que é submetido o tambor, estes eventos seriam suficientes

para a arma apresentar microfraturas devido à fadiga, o que diminuiria a

sua resistência. (Formulação confusa. Ver se cabe o exemplo abaixo)

Em armas mais antigas, a utilização de cartuchos em nível + P (.38 SPL +P)

pode levar à explosão da arma. Tal utilização, associada, ainda, à idade e

ao uso contínuo e à característica peculiar do esforço a que é submetido o

tambor, é motivo suficiente para a arma apresentar microfraturas devido à

fadiga, o que diminuiria a sua resistência.

Outra situação corriqueira que leva à ocorrência de acidentes de tiro são as

transformações ou alteração do "headspace", (pequeno estrangulamento da

parte anterior da câmara que trava o estojo impedindo o seu avanço, e

permitindo apenas a passagem do projétil) que são produzidas em

determinadas armas de forma a permitir a utilização de munição diferente

da recomendada para a arma. Os exemplos mais corriqueiros desta situação

são a “abertura” do tambor (destruição do “headspace") de revólveres

“calibre .38”, de forma a permitir a utilização de cartuchos de “calibre .357

Magnum”, ou a transformação da câmara de uma pistola “calibre .380 ACP”,

de modo a admitir cartuchos “calibre 9mm Luger”, entre outros.

O emprego de cartuchos recarregados em armas de alma lisa (espingardas)

pode gerar a explosão da câmara ou do cano, dada à utilização de materiais

inadequados no fechamento de cartuchos. Estes materiais vão aderindo à

parede interna do cano, reduzindo o seu diâmetro e provocando,

consequentemente, um aumento de pressão, fazendo com que, em dado

momento, a pressão excessiva dê causa ao rompimento do cano ou sua

abertura, permitindo a projeção do estojo contra o próprio atirador.

Espingardas de antecarga com a utilização de propelentes de queima muito

rápida, como aqueles à base de clorato de potássio, podem dar causas a

acidentes.

Importante!

Quando ocorrer acidente de tiro, as causas e os efeitos devem ser apurados

através de exame pericial, e imputados, na forma da legislação em vigor, a

quem deu origem.

1.4. Disparo Acidental: entendimento da perícia X entendimento da

justiça

Os disparos voluntários ou involuntários sempre requerem a ação direta do

atirador. Nos disparos acidentais não.

Veja um caso comum!

Uma submetralhadora “Taurus MT 12” é uma arma de ferrolho aberto, ou

seja, o cartucho permanece o tempo inteiro no carregador, e o ferrolho

travado a retaguarda até que se acione a tecla do gatilho, momento no qual

o ferrolho é liberado indo à frente; a arma é carregada (o cartucho é

introduzido na câmara) e, em ato contínuo, o cartucho é detonado. Muitas

pessoas, por desconhecerem o sistema de ferrolho aberto, imaginam que o

ferrolho travado à retaguarda implica em um mau funcionamento dessa

arma. Tentando solucionar o problema, acionam o gatilho, que resulta na

ocorrência de disparo indesejado. Esse é um caso clássico de

desconhecimento, de imperícia, e que, em balística forense, é classificado

como disparo involuntário.

Segundo o Perito Criminal Eraldo Rabello (1995) “Tiro acidental de uma

arma de fogo é exclusivamente aquele resultante do disparo eficaz

produzido por essa arma, o qual não teve como causa determinante o

acionamento normal, intencional ou não, do mecanismo de disparo da

mesma”. (Grifo nosso).

Infere-se da definição acima que os disparos acidentais são aqueles

produzidos em circunstâncias anormais, sem o acionamento regular do

mecanismo de disparo, devido a defeitos, falhas ou ausência do mecanismo

de segurança da arma, como no caso de queda de uma arma, ou em

situações atípicas.

Por exemplo, quando a tecla do gatilho é acionada por qualquer objeto,

como um galho ou cordão de apito, que se prendeu a ela durante o

deslocamento de quem conduzia a arma ou ainda nos casos da arma

apresentar o percussor travado quando do fechamento do tambor ou pela

introdução de um cartucho na câmara.

Pelo entendimento jurídico...

...acidente é aquele em que o fato é resultante da ação ou omissão

humana, direta ou indiretamente, em que o agente não quis o resultado ou

nem assumiu o risco de produzi-lo, normalmente levado a efeito por

negligência, imperícia ou imprudência.

Observe que o conceito pericial de tiro acidental aqui apresentado requer

uma constatação material do fato, objetiva, e difere ligeiramente do

conceito jurídico. Desta forma, o caso da “submetralhadora MT12”, quando

analisado somente pelo aspecto jurídico, em face de evidente imperícia, a

qual o operador não queria o resultado, pode ser classificado como disparo

acidental, ao mesmo tempo em que para a balística trata-se de disparo

involuntário.

Assim, uma pessoa que ao brincar com uma arma de fogo não verificou se

ela estava municiada e, a partir deste comportamento produziu um disparo

eficaz, vindo a lesionar alguém; a conduta pode ser classificada como

acidental, pela não intencionalidade da ação, entretanto, somente fatores

de ordem subjetiva, poderão comprovar a involuntariedade ou não da

conduta. Contudo, sob o ponto de vista pericial, seria classificado como um

disparo não acidental, sendo admitido como disparo involuntário.

1.4.1 A perícia em disparos acidentais

Você estudou que para a balística forense, a comprovação ou não de

disparo acidental está limitada à existência dos elementos materiais e à

possibilidade de reproduzir o fato questionado.

Uma das formas de se efetuar uma perícia de disparo acidental começa por

analisar e reproduzir as declarações do autor do fato1 para poder avaliar a

viabilidade ou não dessa declaração. Por exemplo, no caso de queda de

uma arma, é importante saber a altura de queda, o tipo de piso, se ela

encontrava-se solta ou dentro de um coldre, enrolada em flanela, etc.

1 Considerando a importância de se reproduzir os fatos é recomendado que o

histórico da ocorrência seja o mais detalhado possível

Importante!

O exame de local pode definir o ponto do impacto com o piso por meio das

avarias deixadas, bem como, por meio deste, é possível verificar as

manchas de tonalidade enegrecida e formato peculiar verificado no local da

queda, oriundas do escape dos gases pela câmara de ejeção ou no escape

pelo espaço existente entre o final do tambor e o início do cano de um

revólver; como também uma trajetória, quando dessa queda resulta um

ponto de impacto ou uma transfixação e, ainda, a correspondência de

material do piso incrustado na arma.

Embora todos esses fatores sejam considerados na reprodução dos fatos,

geralmente, utiliza-se um aparelho conhecido como Aferidor Balístico de

Segurança para reproduzir a queda da arma. O Aferidor Balístico de

Segurança é um aparelho simples que permite verificar a ocorrência de

disparo acidental por queda e a partir de que altura ela começa a acontecer.

Nele, a arma é colocada e afixada em um suporte, onde um peso, com o

mesmo peso da arma em exame, corre por dentro de um tubo e cai sob a

ação da gravidade, sobre o cão da arma, de distâncias previamente

determinadas, na angulação que mais favorece a ocorrência de disparo

acidental. Neste peso pode ser reproduzido o tipo de piso, além de permitir

afixar a arma dentro de coldres ou envolta em flanelas ou qualquer que seja

o sistema de proteção. No final, o conjunto dos elementos materiais irá

definir pela viabilidade ou não da ocorrência de disparo acidental.

Fotografia 12

Fotografia 12 – fotografia operada pelo

autor. Nela é visível um aferidor

balístico de segurança, equipamento

que permite simular os disparos

acidentais por queda da arma, de

invenção dos Peritos Criminais Jethro

Oliveira e Luiz Fernando Brenha Costa

do INC-DPF, apresentado em 1981.

Importante!

A deflagração do cartucho é praticamente certa se a arma não possui um

mecanismo de segurança que impeça a ocorrência do disparo acidental. Nas

armas que apresentam um sistema de segurança eficiente, por exemplo, do

tipo calço de interposição (barra de percussão) ou similares, é muito remota

a probabilidade de ocorrer tiro acidental por queda da arma.

Outra forma de realizar exames periciais de disparo acidental é pelo exame

detalhado da própria arma.

Algumas vezes disparos acidentais são ocasionados por desgastes nas peças

ou entalhes existentes no sistema de percussão, como abrasões e

polimentos, no intuito de alterar o peso do gatilho, ou por desgaste. Outras,

por defeitos e empenamentos, como, por exemplo, as marcas deixadas na

base dos estojos por um percutor que está saliente e travado dessa forma.

Nesta situação, ao ser fechado o tambor da arma, ou no momento do

fechamento da culatra de uma espingarda, a espoleta de um cartucho

poderá ser percutida e ocasionar o disparo acidental. Nesses casos, o

exame pericial do estojo de cartucho deflagrado, que poderá apresentar um

sulco da base até a espoleta, associado ao percutor travado de forma

saliente, são vestígios suficientes para demonstrar a hipótese de disparo

acidental.

Fotografia 13

Fotografia 13- fotografia operada pelo autor. Nela é visível a báscula

de arma de alma lisa com ambos percutores travados de forma saliente, o que pode acarretar em

disparo acidental quando do fechamento dos canos.

Uma arma que caiu de cima de uma mesa e desta queda ocorreu um

disparo, que tecnicamente e pericialmente foi classificado como acidental,

não exclui a responsabilidade criminal por culpa (negligência, imprudência

ou imperícia) e nem mesmo a hipótese de dolo eventual.

Importante!

Somente o devido processo legal pode determinar sobre culpa e dolo e a

responsabilidade jurídica de cada ator envolvido no processo.

Aula 2 - Mecanismos de segurança das armas de fogo

Inúmeros sistemas de segurança foram desenvolvidos de forma a reduzir a

possibilidade da ocorrência de disparos acidentais. Desde simples entalhes

ou cortes diferenciados nas peças até sistemas complexos, de maneira que

cada fabricante possui de um a vários sistemas de segurança, o que torna

praticamente impossível a análise de todos estes. Com o passar dos anos, a

eficiência dos mecanismos de segurança passou a ser um dos critérios de

seleção das armas de fogo, de forma que as armas modernas, em sua

maioria absoluta, possuem dispositivos e mecanismos seguros quanto à

ocorrência de disparo acidental.

Importante!

Atualmente a legislação brasileira torna obrigatória a incorporação de

sistemas de segurança que impeçam o disparo acidental por queda e

dispositivo de segurança que dificulte o disparo indevido para todas as

armas fabricadas no país.

2.1. Mecanismo de Segurança dos Revólveres

Antes mesmo da vigência da legislação acima citada, todos os revólveres de

boa qualidade já incluíam nos seus mecanismos, dispositivos que,

independente do acionamento pelo atirador, proporcionavam a proteção

contra a possibilidade de se produzir, com a arma, um tiro acidental. Tais

dispositivos, constituídos por peças ou conjuntos específicos de peças, ou

decorrentes da articulação e do desenho especial de peças não específicas,

funcionam como calços de segurança. Os mais eficientes são os calços de

interposição.

Os revólveres mais antigos não eram dotados de mecanismo de segurança,

uma vez que não havia uma preocupação dos seus fabricantes com a

ocorrência de disparos acidentais. Aos poucos foram sendo introduzidos

sistemas de segurança nos revólveres, sendo o mais conhecido, o sistema

de alavancas ou travas de segurança, que sofreram, com o passar dos

anos, diversas modificações nos sistemas de encaixe e peças com as quais

eram ligadas.

Nos primeiros sistemas adotados no Brasil, a trava de segurança

encontrava-se montada na tampa da caixa de mecanismos e estava ligada

ao impulsor do tambor e indiretamente ao gatilho. Este sistema

apresentava o inconveniente da dificuldade de encaixe da tampa da caixa

durante a manutenção, o que fazia com que a trava fosse retirada da arma.

O calço de interposição é um mecanismo por meio do qual, quando a arma

está desengatilhada (sem o cão estar armado), uma trava se interpõe entre

a parte anterior do cão e o batente na armação. A outra extremidade deste

calço está ligada ao impulsor do gatilho, encaixada em um pino existente na

lateral do impulsor do tambor, como na fotografia ao lado. No momento em

que o cão é armado ou o gatilho é pressionado, o deslocamento do impulsor

do gatilho proporciona o movimento do calço de interposição, o que permite

que o percutor avance e atinja a espoleta. O calço de interposição é um dos

sistemas que mais foi utilizado em revólveres.

Fotografia 14

Fotografia 15

Fotografia 14 e 15- fotografias operadas pelo autor. Nelas são visíveis o

calço de interposição (seta de cor preta) e o impulsor do gatilho (seta de cor branca). Na foto 14 a arma está desengatilhada se o calço se interpõe entre a parte anterior do cão e o batente na armação. Na foto 15 o cão

está armado, promovendo o deslocamento do impulsor do gatilho e gerando o movimento do calço de interposição, o que permite que o

percutor avance e atinja a espoleta.

Outros sistemas foram empregados por diversos fabricantes, geralmente

com a utilização de uma peça acessória para movimentar a trava. Por

exemplo, um dos últimos sistemas adotado pela Indústria Taurus promovia

o movimento da trava de segurança por meio de uma cremalheira denteada

que se encaixava nos dentes existentes na trava.

Um mecanismo de segurança, muito eficiente, com o qual é praticamente

impossível a ocorrência de disparo acidental é o que trabalha com uma

barra de transferência. Neste sistema, a barra de transferência é acionada

diretamente pelo gatilho e está ligada com o prolongamento do gatilho.

Nele, quando a arma está desengatilhada, o cão está em contato com o

batente e afastado do percutor. (foto 16 e 17) Com o acionamento do

gatilho, a barra de transferência se interpõe entre o cão e o percutor,

transferindo a energia recebida do impacto com o cão para o percutor, por

isso o nome barra de transferência.

Fotografia 16

Fotografia 17

Fotografias 16 e 17- fotografias operadas pelo autor. Nelas, é visível a barra

de transferência (seta de cor branca). Na foto 16, a barra de transferência

está se interpondo entre o cão e o percutor. Na foto 17, a barra de

transferência está afastada do cão e esse não atinge o percutor.

Nas armas que apresentem um sistema de segurança do tipo barra de

transferência ou similares, é improvável ocorrer disparo acidental por queda

da arma. Este sistema foi desenvolvido em 1955 e é usado até os dias de

hoje, nos revólveres da marca Iver Johnson; foi usado também nos

revólveres marca Rossi, “calibre .22 L.R.”, modelo Princess (tambor com

sete câmaras), e um sistema semelhante é montado nos revólveres da

marca Taurus, com tambor de cinco câmaras e, a partir de 1977, em todos

os revólveres marca Taurus.

2.2 Mecanismos de segurança das pistolas

O sistema de segurança mais

comum empregado nas pistolas é o

sistema manual de segurança.

Nele, a trava de segurança (foto

18) é acionada por intermédio de

alavanca(s) localizada(s) em um ou

ambos os lados do ferrolho ou da

armação, dependendo do

fabricante e do modelo da arma,

com o intuito de travar o percutor

impedindo o seu avanço e

impedindo disparos acidentais.

Outro sistema de segurança que muitas pistolas apresentam tem a função

de impedir o disparo caso o ferrolho não esteja fechado completamente. Da

mesma forma, muitas pistolas têm o seu sistema de percussão travado com

a retirada do carregador ou quando este se encontra mal colocado, além de

sistemas automáticos que somente liberam o avanço do percutor com o

acionamento do gatilho, impedindo disparos acidentais por queda.

Fotografia 18- fotografia operada

pelo autor. Nela, é visível a alanca

da trava de segurança acionada.

Como dito, diversos sistemas de

travas de segurança são montados

em pistolas, desde sistemas que

travam o cão, percussor ou outras

peças responsáveis pelo disparo. Os

mais empregados nos dias atuais são

sistemas que deixam o cão

permanentemente travado, sendo

necessário que uma peça ligada ao

gatilho (impulsor da trava do

percussor) promova o deslocamento

da trava quando do acionamento do

mecanismo de disparo. (foto 19)

Existem pistolas com travas automáticas, com travas de armadilha e com

trava que atua sobre a tecla do gatilho (GLOCK). Sua trava de segurança

externa fica localizada no gatilho, sendo uma pequena lingueta que

sobressai em sua frente. Para ser disparada, deve-se apertar a lingueta

juntamente com o gatilho, em um único movimento.

Fotografia 19- fotografia operada pelo

autor. Nela é visível a trava do

percussor assinalada pela seta branca.

Para ocorrer o disparo é necessário

pressionar aquela trava para que possa

ocorrer o deslocamento do percussor.

Há também travas que atuam sobre a

peça de articulação ou sobre o tirante

do gatilho, deslocando-o para uma

posição neutra, geralmente, neste

sistema, com a retirada do carregador

a arma desativa a articulação entre o

cão e a tecla do gatilho. Muitas destas

pistolas possuem a trava de

empunhadura ou trava de punho,

localizada em posição anterior ou

posterior, na empunhadura, como as

pistolas do modelo COLT (1911) foto

20, a pistola “HK P7”, entre muitas

outras.

Nestes modelos, a liberação do mecanismo de disparo só ocorre quando for

exercida uma pressão sobre a trava de punho. A “HK P7” possui uma trava

externa à frente do cabo que, ao ser comprimida quando se empunha a

arma, a engatilha, fazendo com que todos os seus disparos sejam efetuados

em ação simples. Ao ser afrouxada a empunhadura, ela é desarmada, não

podendo atirar.

Fotografia 20- fotografia operada

pelo autor. Nela é visível a trava

que atua sobre a tecla do gatilho,

impedindo o seu movimento.

Fotografia 21

Fotografia 21- fotografia operada

pelo autor. Nela é visível a trava de

empunhadura ou trava de punho.

Uma preocupação observada por muitos fabricantes, no caso da pistola ser

de percussão indireta, é a de fazer o percutor retrátil ou um pouco mais

curto do que seu alojamento no bloco da culatra, de sorte a mantê-lo

retraído mesmo quando o cão estiver apoiado sobre ele. Este fato não

prejudica a eficiência da percussão, pois o percutor avança por inércia

(percutor inercial), com suficiente força viva para detonar a espoleta ao

receber a batida do cão.

2.3. Mecanismo de segurança das armas portáteis

O sistema manual de travas de segurança, no qual o percutor é travado e

destravado por ação manual, é comum nas armas portáteis. Desde os fuzis

de tiro unitário ou de repetição, como o fuzil Mauser, os Fuzis Remington

700, Winchester modelo 70, que possuem alavancas ou botões de comando

para travar ou destravar o sistema de percussão até os modernos fuzis de

assalto, nos quais uma das posições da alavanca seletora de tiro é a posição

de segurança. As carabinas e fuzis de assalto são geralmente dotados de

sistema de segurança que impede o disparo quando o ferrolho não está

completamente fechado.

O mesmo sistema manual é

observado nas submetralhadoras e

carabinas modernas como as

Taurus/Famae, Imbel,

submetralhadora “HK MP5”, “Taurus

MT12A”, dentre outras, no qual a

alavanca seletora de tiro pode ser

posicionada na posição de segurança

travando o percussor. A antiga

metralhadora da indústria nacional

INA apresentava um botão com as

posições (S) de segurança e (F) para

quando estava apta para realizar

disparos. O mesmo sistema pode ser

observado na submetralhadora UZI

na foto número 22.

As submetralhadoras “Beretta 912”,

“Taurus MT 12ª” e a “Taurus MT 12”

possuem a trava de punho, localizada

a frente da empunhadura, que não

permite o disparo sem que esteja

acionada. Foto número 23.

Fotografia 22- fotografia operada

pelo autor. Nela é visível a alavanca

seletora de tiro com as posições S e

F e a trava de empunhadura ou

trava de punho.

Fotografia 23- fotografia operada pelo autor. Nela é visível a trava de empunhadura ou trava de punho.

As mesmas travas manuais também

são encontradas nas estruturas das

espingardas de repetição, da Boito,

CBC, Benelli dentre outras. Como

também, nas espingardas de tiro

unitário, é comum verificar a

existência de um botão para travar

ou destravar a arma. No caso das

espingardas mochas (sem cão

aparente), quando se basculhava os

canos, o ejetor propiciava a retirada

dos estojos deflagrados, os

percutores eram armados e, com o

fechamento da culatra, a arma

automaticamente era travada;

sendo necessário destravar,

acionando a trava manual para

efetuar disparos.

Algumas espingardas e carabinas possuem uma posição intermediária para

o cão na qual ele permanece sem tocar no percutor.

Mesmo já tendo estudado, é importante salientar que a legislação brasileira

obriga que as armas aqui produzidas sejam dotadas de mecanismo de

segurança conforme Portaria No 07, do Departamento Logístico do Exército

Brasileiro, Ministério da Defesa, de 28 de abril de 2006:

Fotografia 24- fotografia operada pelo autor. Nela é visível a o botão seletor da trava de segurança.

Capítulo 2 Dos Dispositivos de Segurança

Art. 2° Entende-se por dispositivo intrínseco de segurança de uma

arma de fogo a peça ou conjunto de peças, que faça parte da arma com

essa finalidade específica.

Art. 3° Todas as armas de fogo fabricadas no país deverão incorporar

dispositivo intrínseco de segurança, que impeça o disparo acidental por

queda, nas condições previstas em normas do Exército.

Art. 4° As armas de fogo fabricadas no país ou importadas deverão

incorporar dispositivo intrínseco de segurança, que dificulte o disparo

indevido.

Finalizando...

Nesse módulo, você estudou que:

Disparo acidental é aquele que acontece sem o manuseio normal do

homem, ou seja, sem que ele efetue o acionamento do gatilho.

Incidente de tiro também é um acontecimento inesperado e

indesejável que produz uma interrupção na sequência dos tiros, sem

danos materiais e/ou pessoais.

Acidente de tiro é o evento, no qual a dificuldade deixa de ser

momentânea, pois dele resultam danos na arma e podem resultar,

também, lesões ao atirador.

O conceito pericial de tiro acidental requer uma constatação material

do fato, objetiva, e difere ligeiramente do conceito jurídico. Para a

perícia os disparos acidentais são aqueles produzidos em

circunstâncias anormais, sem o acionamento regular do mecanismo

de disparo, devido a defeitos, falhas ou ausência do mecanismo de

segurança da arma. Para a justiça, acidente é aquele em que o fato é

resultante da ação ou omissão humana, direta ou indiretamente, em

que o agente não quis o resultado ou nem assumiu o risco de

produzi-lo, normalmente levado a efeito por negligência, imperícia ou

imprudência.

Somente o devido processo legal pode determinar sobre culpa e dolo

e a responsabilidade jurídica de cada ator envolvido no processo.

Uma das formas de se efetuar uma perícia de disparo acidental

começa por analisar e reproduzir as declarações do autor do fato,

para poder avaliar a viabilidade ou não dessa declaração. Outra

forma de realizar exames periciais de disparo acidental é pelo exame

detalhado da própria arma.

Atualmente a legislação brasileira torna obrigatória a incorporação de

sistemas de segurança que impeçam o disparo acidental por queda e

de dispositivos de segurança que dificultem o disparo indevido para

todas as armas fabricadas no país. (Portaria No 07, do Departamento

Logístico do Exército Brasileiro, Ministério da Defesa, de 28 de abril

de 2006)

Exercícios

1) Dada as situações abaixo, qual delas não poderia ser classificada,

segundo a conceituação Criminalística como disparo acidental:

a) A arma disparou por ter caído de cima de um móvel, onde fora

colocada.

b) A arma disparou ao cair do coldre da pessoa que a portava, em

virtude de movimento brusco.

c) A arma disparou por ter-se prendido a sua tecla do gatilho a um

obstáculo qualquer quando era transportada.

d) A arma disparou após o acionamento da tecla do gatilho pelo seu

usuário na tentativa de desarmar o “cão”.

2) Assinale com (V) as alternativas verdadeiras ou (F) as falsas:

a) (V) Incidente de tiro é um acontecimento inesperado e indesejável

que produz uma interrupção na sequência dos tiros, sem danos

materiais e/ou pessoais.

b) (V) São dificuldades de caráter passageiro que após a ação do

atirador para sanar o problema, desaparecem.

c) (F) No incidente de tiro a dificuldade não é momentânea, pois

resultam danos na arma e podem resultar, também, lesões no

atirador.

d) (F) Ocorrendo o incidente de tiro, certamente há uma interrupção

dos disparos para aquele conjunto arma/atirador, pois é condição

essencial a ocorrência de danos de ordem material e/ou pessoal.

3) Assinale dentre as afirmativas abaixo a única alternativa falsa:

a) Os disparos acidentais são aqueles produzidos em circunstâncias

anormais, sem o acionamento regular do mecanismo de disparo, devido a

defeitos, falhas ou ausência do mecanismo de segurança da arma, como no

caso de queda de uma arma.

b) Os disparos voluntários ou involuntários sempre requerem a ação

direta do atirador.

c) Disparo acidental de uma arma de fogo é exclusivamente aquele

resultante do disparo eficaz produzido por essa arma, o qual não teve como

causa determinante o acionamento normal, intencional ou não, do

mecanismo de disparo da mesma

d) Disparo acidental no conceito criminalístico é aquele em que o fato

é resultante da ação ou omissão humana, direta ou indiretamente, em que

o agente não quis o resultado ou nem assumiu o risco de produzi-lo,

normalmente levado a efeito por negligência imperícia ou imprudência.

4) Um disparo que ocorreu quando do fechamento da câmara (caixa de

mecanismo) de uma espingarda que apresentava o percussor saliente e

empenado deve ser considerado como:

a) acidente de tiro

b) incidente de tiro

c) disparo involuntário

d) disparo acidental

5) A utilização de dispositivos de segurança que dificulte o disparo

acidental por queda e dificulte o disparo indevido é :

a) uma obrigação prevista na legislação em vigor;

b) uma medida de segurança adotada há muito pela maioria dos

fabricantes;

c) composto por peça ou conjunto de peças, que fazem parte da arma

com essa finalidade específica.

d) todas as anteriores.

Gabarito:

1 - D

2 - V V F F

3 - D

4 - D

5 - D