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MODERNIZAÇÃO DO CAMPO NO NORTE DE MINAS GERAIS : FRAGMENTAÇÃO DE TERRITÓRIOS E EXPROPRIAÇÃO DOS POVOS DO LUGAR - UMA ANÁLISE DA COMUNIDADE CANABRAVA 1 (93) SILVA, Tathiane da 2 CAMENIETZKI, Carolina 3 BARBOSA, Rômulo 4 RESUMO Nos últimos quarenta anos, a região norte do estado de Minas Gerais tem passado por diversas transformações tanto em sua forma de produção quanto em suas relações sociais, culturais e de impactos ao meio ambiente. Estas mudanças têm sido observadas com mais ênfase a partir do processo de modernização conservadora que se adotou no Brasil a partir da década de 1970, e que buscou na região norte-mineira aliar a produção local ao mercado externo, o que ocasionou profundas mudanças nas dinâmicas estabelecidas entre os povos locais. O presente trabalho visou propiciar a construção de conhecimentos sobre a questão ambiental em sua dimensão social, tendo como objetivo analisar as transformações ocasionadas da fragmentação dos territórios pela monocultura do eucalipto e a ruptura dos vínculos de sociabilização comunitária. Para tanto, a proposta metodológica residiu em visitas a comunidade, pesquisa bibliográfica e a elaboração de dois mapas feito pelos próprios moradores, retratando como era a comunidade antes e depois da chegada da empresa reflorestadora que atua na região. A pesquisa permitiu notarmos que o encurralamento da comunidade pelo eucalipto vai muito além da questão do território, esse cercamento vem destruindo formas de sociabilização, de manifestações culturais e tradicionais e a reprodução de saberes local. Após as análises dos dados observamos o sofrimento de uma comunidade que se mantinha através da agricultura familiar e hoje, em muitos casos, tem que depender de benefícios sociais para sobreviverem. Palavras-chave: fragmentação de territórios, monocultura de eucalipto, saberes tradicionais. 1 Trabalho apresentado no Colóquio Internacional: Recursos na Luta Contra a Pobreza, realizado em Montes Claros- MG – Brasil, de 26 a 28 de agosto de 2010 2 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. E-mail: [email protected] 3 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior - CAPES. E-mail: [email protected] 4 Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. E-mail: [email protected]

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MODERNIZAÇÃO DO CAMPO NO NORTE DE MINAS GERAIS : FRAGMENTAÇÃO DE TERRITÓRIOS E EXPROPRIAÇÃO DOS POVOS DO

LUGAR - UMA ANÁLISE DA COMUNIDADE CANABRAVA1 (93)

SILVA, Tathiane da2

CAMENIETZKI, Carolina3 BARBOSA, Rômulo4

RESUMO

Nos últimos quarenta anos, a região norte do estado de Minas Gerais tem passado por diversas transformações tanto em sua forma de produção quanto em suas relações sociais, culturais e de impactos ao meio ambiente. Estas mudanças têm sido observadas com mais ênfase a partir do processo de modernização conservadora que se adotou no Brasil a partir da década de 1970, e que buscou na região norte-mineira aliar a produção local ao mercado externo, o que ocasionou profundas mudanças nas dinâmicas estabelecidas entre os povos locais. O presente trabalho visou propiciar a construção de conhecimentos sobre a questão ambiental em sua dimensão social, tendo como objetivo analisar as transformações ocasionadas da fragmentação dos territórios pela monocultura do eucalipto e a ruptura dos vínculos de sociabilização comunitária. Para tanto, a proposta metodológica residiu em visitas a comunidade, pesquisa bibliográfica e a elaboração de dois mapas feito pelos próprios moradores, retratando como era a comunidade antes e depois da chegada da empresa reflorestadora que atua na região. A pesquisa permitiu notarmos que o encurralamento da comunidade pelo eucalipto vai muito além da questão do território, esse cercamento vem destruindo formas de sociabilização, de manifestações culturais e tradicionais e a reprodução de saberes local. Após as análises dos dados observamos o sofrimento de uma comunidade que se mantinha através da agricultura familiar e hoje, em muitos casos, tem que depender de benefícios sociais para sobreviverem.

Palavras-chave: fragmentação de territórios, monocultura de eucalipto, saberes tradicionais.

1 Trabalho apresentado no Colóquio Internacional: Recursos na Luta Contra a Pobreza, realizado em Montes Claros- MG – Brasil, de 26 a 28 de agosto de 20102 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. E-mail: [email protected] Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior - CAPES. E-mail: [email protected] Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. E-mail: [email protected]

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MODERNIZAÇÃO DO CAMPO NO NORTE DE MINAS GERAIS : FRAGMENTAÇÃO DE TERRITÓRIOS E EXPROPRIAÇÃO DOS POVOS DO

LUGAR - UMA ANÁLISE DA COMUNIDADE CANABRAVA5

SILVA, Tathiane da6

CAMENIETZKI, Carolina7 BARBOSA, Rômulo8

INTRODUÇÃO

No Norte de Minas vários processos sociais em curso necessitam de uma melhor

análise e entendimento, um desses é o contexto social em que se inserem as

comunidades rurais que tiveram seus espaços ocupados pela monocultura do eucalipto.

A privatização do uso do meio ambiente comum tem sido freqüente em nossos dias,

destruindo principalmente direitos de populações inseridas em formas sociais de

produção tradicional.

Com esse processo de ocupação e “desenvolvimento” da região norte mineira,

grande parte dos pequenos agricultores tiveram terras expropriadas para a implantação

de empreendimentos agropecuários e florestais, o que veio a dificultar a sobrevivência

deste segmento social. A expansão desse tipo da monocultura de eucalipto para a

produção de carvão vegetal no Norte de Minas tem produzido a desagregação das

estratégias produtivas dos agricultores da região (Dayrell, 2000).

Esse contexto nos remete a considerar os direitos dessa população, o

compreendendo como produtos de lutas sociais. A monocultura de eucalipto produz

implicações que vão além do que se considera hegemonicamente como questão

ambiental. Seus efeitos ultrapassam essas questões e também tensionam o campo dos

direitos.

5 Trabalho apresentado no Colóquio Internacional: Recursos na Luta Contra a Pobreza, realizado em Montes Claros- MG – Brasil, de 26 a 28 de agosto de 20106 Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. E-mail: [email protected] Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior - CAPES. E-mail: [email protected] Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. E-mail: [email protected]

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Neste sentido, a busca pela expansão das atividades industriais, assim como pelo

aumento da produção da região, explicitou a existência de um modelo de

desenvolvimento regional que estava fundamentado no crescimento econômico.

Entretanto, para que este desenvolvimento fosse alcançado, foi necessário mudar as relações

de produção estabelecidas na região, uma vez que estas eram baseadas em práticas

rudimentares, primitivas, tradicionais e com baixa adesão de tecnologias

Descobrir a quem esse modelo de desenvolvimento do Norte de Minas está

beneficiando? Saber como que a comunidade Canabrava vem lhe dando com essas

interferências, foram as principais questões que estimularam esse estudo e que pode ser

comprovada a partir das análises.

Percebe-se que as grandes transformações que a comunidade Canabrava vem sofrendo

ao longo desses anos, devem-se primeiramente à legitimidade que o Estado vem dando às

empresas reflorestadoras de eucalipto, ao fornecer-las total liberdade de explorar e extinguir o

cerrado norte mineiro em favor da modernização e tecnificação do campo.

A comunidade citada depende desse bioma para sua reprodução social, econômica e

cultural. A principal justificativa para todas essas modificações na região, era a de que o Norte

de Minas precisava se incluir na rota desenvolvimentista do país, e essa integração veio com a

implantação da Sudene, onde tinha como principal eixo desse processo o reflorestamento de

eucaliptos e pinhos em diversos municípios da região. O discurso tanto das empresas quanto

do Estado era o mesmo, o progresso iria chegar ao Norte de Minas, gerando empregos,

melhores condições de vida etc.

A proposta metodológica residiu em pesquisas bibliográficas, visitas à comunidade e

na elaboração de dois mapas retratando como era a comunidade antes e depois da chegada da

empresa reflorestadora na região. As outras visitas marcaram os períodos de entrevistas e

coletas de dados, cuja as falas enriqueceram sobremaneira esse trabalho, nos ajudando a

melhor compreender todo esse processo.

Pode-se observar que a resistência da comunidade Canabrava à essas mudanças é

árdua, e essa é apenas uma de muitas comunidades na região que enfrentam esse tipo de

problema.

A MONOCULTURA DO EUCALIPTO E SEUS EFEITOS PARA AS COMUNIDADES RURAIS NORTE MINEIRAS

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A partir da década de 1960 a 1980 fatos novos aconteceram, quando o Norte de Minas

se incorporou a área de abrangência da SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do

Nordeste, que foi fundamental no processo, principalmente industrial, um dos pilares da

política desenvolvida pela mesma. Originou-se assim o processo de integração da região norte

mineira na rota de desenvolvimento do país, “direcionada para quatro eixos básicos: a-

reflorestamento de eucaliptos e pinhos em diversos municípios da região; b- implantação de

grandes projetos agropecuários; c- instalação de indústrias; e, d- implantação de perímetros de

agricultura irrigada” (RODRIGUES, 2000 apud LESSA, 2007, p.131). Eram necessárias

grandes obras para atraírem grandes investimentos resultando no retorno econômico a médio

e longo prazo.

De acordo com a Associação Mineira de Silvicultura (AMS), as plantações florestais

no Brasil ocupam uma área aproximada de 5 milhões de hectares, o equivalente a 0,6% do

território nacional. A área com florestas plantadas em Minas Gerais, a maior entre os estados

brasileiros, é de 1,16 milhão de hectares (23,5% do total nacional). Considerando apenas a

área plantada de eucalipto, a participação chega a atingir 50%. É importante realçar que a área

plantada não se traduz, de forma direta, em volume de madeira. Existem estados com

produtividades médias maiores que a existente em Minas Gerais, por questões de clima e

solo9.

As plantações florestais desenvolveram-se no Estado a partir da década de 70,

viabilizados pela criação de incentivos fiscais. Essa atividade florestal é tida como de

fundamental importância para a economia do estado, seja como produtora do termo-redutor

carvão vegetal, ou como fonte energética ou matéria-prima para vários segmentos industriais.

A maior parte dos plantios destina-se à siderurgia a carvão vegetal e produção de celulose.

Outros setores também utilizam, em menor proporção, a madeira de eucalipto10.

Segundo Brito (2006, p.19), “o programa de incentivo ao plantio de eucalipto utilizou

recursos públicos para viabilizar, desde a década de 60, empresas privadas capazes de

produzir eucalipto para transformação em carvão com uso na siderurgia e na produção de

celulose”.

9 dados obtidos através do documento, O complexo industrial florestal em Minas Gerais (CIF): caracterização, dimensionamento e importância. Belo Horizonte, outubro de 2004.10 O complexo industrial florestal em Minas Gerais (CIF): caracterização, dimensionamento e importância. Belo Horizonte, outubro de 2004.

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Por outro lado, a expansão da monocultura de eucalipto em nossa região11 tem afetado

o modo de vida de muitas comunidades tradicionais, que dependem da terra, vivem da

agricultura familiar e da coleta dos frutos do cerrado e que hoje são obrigados a venderem sua

força de trabalho para essas empresas (e isso não representa a maioria), sem contar com os

impactos ambientais e com o desmatamento do cerrado para o plantio dessa única espécie.

Estas populações desenvolveram formas particulares de manejo dos recursos naturais que não

visam diretamente o lucro, mas a reprodução social e cultural; como também percepções e

representações em relação ao mundo natural marcadas pela idéia de associação com a

natureza e dependência de seus ciclos (DIEGUES,1983, apud POZO, 2002, p. 42).

O patrimônio cultural e humano presente no Norte de Minas são riquíssimos,

representadas principalmente pelas formas de saberes diversificados. Não são poucas as

comunidades tradicionais presentes nesse território, referências aos quilombolas, indígenas,

vazanteiros, agricultores tradicionais e tantos outros, que de maneira sustentável sobrevivem

harmoniosamente com a natureza.

Segundo Castells (2000) do ponto de vista sociológico “toda e qualquer identidade é

construída, é a fonte de significado e experiência de um povo”,

no que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado (CASTELLS, 2000,p.22)

O Norte de Minas é marcado por essa relação de passagem de conhecimento de

geração a geração, e esse processo histórico de transformação dessa região vem acarretando

conseqüências, muitas vezes irreversíveis, pois os saberes dessas populações estão sendo

deixadas de lado devido essas novas dinâmicas de desenvolvimento. “A partir de então, são

denominados de povos atrasados, sem cultura nem conhecimento, restando-lhes o trabalho

assalariado, o emprego temporário ou as migrações para os centros urbanos” (DAYRELL,

2000, p.202).

11 Uma região deve ser considerada como um conjunto ecológico de pessoas aproximadas pela unidade das relações espaciais da população, da estrutura econômica e das características sociais, dando-lhe, em conjunto, um tipo de cultura que, criando modo de vida próprio, a defere de outras regiões. ( JUNIOR (1960) apud LESSA, 2007, p.26)

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A preocupação com o futuro do planeta ligado a questões ambientais tem sido um

fator crescente nos dias atuais, e a biodiversidade tornou-se um dos objetivos mais

importantes da conservação segundo dados do ministério do meio ambiente12. Diegues e

Arruda (2001, p.11) consideram, no entanto, que a diversidade biológica não se restringe

apenas a um conceito pertencente ao mundo natural; é também uma construção cultural e

social. As espécies são objetos de conhecimento, de domesticação e uso, fonte de inspiração

para mitos e rituais das sociedades tradicionais.

Segundo Brito (2006, p.229) na atualidade, o Norte de Minas tem um cenário onde se

encontra uma das maiores plantações em terras contínuas de eucalipto do mundo, devido esse

processo de ocupação e “desenvolvimento” da região, grande parte dos pequenos agricultores

tiveram suas terras expropriadas para a implantação de outros empreendimentos, o que veio a

dificultar a sobrevivência deste segmento social, gerando um quadro de assalariamento

precário e, mais que isso, de subemprego, com alto gral de exploração da mão-de-obra,

reafirmando um pouco o que Balsa elucida sobre as dimensões ou níveis dos problemas, pois

para ele

a pobreza aparece assim explicada ao nível do próprio sistema social que se revelaria ser incapaz ou pouco eficiente na correção de algumas de suas disfunções, de acordo com uma leitura mais pessimista, o próprio sistema funcionaria com base na produção de desigualdades e das situações de pobreza e de exclusão social que dai podem decorrer (BALSA, 2006, p.21)

Zhouri et al (2006) consideram que o Estado muitas vezes impõe sobre espaços

territoriais já habitados por povos tradicionais um tipo de organização espacial totalmente

diferente, marcado pelo discurso da modernidade, rompendo a relação homem/natureza

estabelecida por essas populações em nome de uma concepção de desenvolvimento.

De acordo com as empresas monocultores o que motivou a implantação na região dos

maciços de eucalipto, seja para a produção de carvão vegetal de como insumo siderúrgico

termo-redutor, seja como fonte energética ou matéria-prima para outros segmentos industriais,

foram as condições topográficas favoráveis e o baixo preço das terras13.

2.3- FRAGMENTAÇÃO DE TERRITÓRIOS E VÍNCULOS SOCIAIS

12 Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil, organizado por Antonio Carlos Diegues e Rinaldo S.V. Arruda. Brasilia: Ministerio do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001.13 Disponível em www.vmtubes.com.br, acesso em nov/2008.

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Segundo Dayrell (2000, p.195), uma dos principais fatores que caracterizam estas

populações são os seus territórios. Os lugares de vida e apropriação das condições naturais

com o objetivo de produção dos meios necessários à sua reprodução social, cultura e

econômica.

Nesse sentido, o acesso pleno ao território é fundamento para a assegurar o modo de

vida e a organização das relações sociais da comunidade. A fragmentação de seus territórios,

pela monocultura do eucalipto, tem contribuído para o rompimento dos vínculos sociais

existente e conseqüentemente trazendo implicações para as formas de sociobilidade no lugar.

O processo da apropriação dessas terras para a implantação da monocultura se deu

principalmente por meio de 3 modalidades: a venda de terras públicas para particulares; a concessão de uso por meio de contratos entre Estado e particulares; e a compra e venda de terras entre particulares (BRITO, 2006, p.32)

Com a privatização dessas áreas, essas comunidades encontram-se com seus pedaços

de terra praticamente isolados, tanto pelo cercamento das áreas quanto pelo desmatamento

indiscriminado dos remanescentes florestais e sua substituição pela monocultura de eucalipto

(POZO, 2002, p.128). De uma maneira ou de outra essas mudanças afetam diretamente

princípios fundamentais dos direitos humanos, os quais visam resguardar os valores mais

preciosos dessas populações, ou seja, princípios de solidariedade, igualdade, fraternidade,

liberdade e dignidade da pessoa humana.

Dayrell (2000, p.202) reflete que o processo de modernização da agricultura e a

expansão das relações capitalistas a todos os rincões do planeta têm contribuído com a

apropriação de áreas seculares, pertencentes às sociedades tradicionais.

no mundo da globalização, o espaço geográfico ganha novos contornos, novas características, novas definições. E, também, uma nova importância, porque a eficácia das ações está estreitamente relacionada com a sua localização. Os atores mais poderosos se reservam os melhores pedaços do território e deixam o resto para os outros (SANTOS, 2003, p. 79)

É importante diferenciamos nesse contexto a diferença entre território e espaço, visto

que é freqüente as dúvidas entre esses termos na linguagem cotidiana. Milton Santos (2005,

p.19) entende por território “geralmente a extensão apropriada e usada, assim estendendo-se

aos próprios animais, como sinônimo de área de vivência e de reprodução”. E o espaço é

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sempre histórico. “Sua historicidade deriva da conjunção entre as características da

materialidade territorial e as características das ações” (SANTOS, 2005, p.248).

O aspecto do território é importante para essas populações pois é um elemento na

relação entre os povos tradicionais e a natureza, são nesses territórios que são reproduzidos as

bases dos saberes tradicionais, além de ser um espaço de reprodução econômica das relações

sociais.

A intima relação do homem com o meio e sua dependência maior com o mundo natural, comparado à do homem urbano-industrial, faz que ciclos da natureza sejam associados às explicações míticas ou religiosas (DIEGUES, 2001, p.25)

Há uma estreita relação desses povos com os seus territórios para a sua reprodução

social

é o uso do território, e não o território em si mesmo que faz dele objeto de análise social. Trata-se de uma forma impura, de um híbrido, uma noção que, por isso mesmo carece de constante revisão histórica. O que ele tem permanente é ser nosso quadro de vida (SANTOS, 2000, p.15)

Diegues (2000) ressalta que a expulsão desses povos de seu território nas últimas

décadas tem produzido a desarticulação dos mesmos, que buscam se inserir nas sociedades

urbano-industriais, perdendo cada vez mais suas tecnologias patrimoniais, bem como o acesso

aos recursos naturais.

A vida e os vínculos sociais nas suas diversas formas, é um fator que ficou

comprometido com todas essas transformações.

Sabemos que os grupos sociais de menor renda são, em geral, os que recebem as

maiores cargas dos danos ambientais, sociais e culturais do desenvolvimento gerando cada

vez mais injustiças sociais, degradação ambiental, e exclusão de populações, mas não

podemos perder de vista que na manifestação desses conflitos o mais importante, é não

ignorarmos os segmentos sociais que habitam, se reproduzem e preservam os recursos

ambientais e culturais desses territórios atingidos, pois essas disputas territoriais representam

a luta pelo direito e pelo poder de valer suas representações.

É de suma importância para essas comunidades a interação com outros indivíduos. A

vida e os laços sociais construídos ao longo de suas trajetórias de vida é um fator importante

na manutenção de seus costumes e tradições, tratando-se dessas comunidades.

Com as análises feitas na comunidade rural de Canabrava, observamos que com o

advento da monocultura, as oportunidades de mobilidade social foram afetadas, visto que

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empresas reflorestadoras praticamente os encurralaram, dificultando até mesmo o acesso de

uma casa para outra, que muitas vezes eram de familiares, rompendo o nível de

compartilhamento de saberes, de informações e de relações pessoais.

É o compartilhamento que atua como reforçador de vínculos ao mesmo tempo que os constitui, tanto espacial quanto temporalmente, condensando-os em um "espaço-tempo". O termo comunidade, portanto, está referido a uma esfera comum de convivialidade (CARVALHO, et.al, 2006)

E são esses espaços de convivência que precisam ser resgatados para o melhor

fortalecimento das relações pessoais e conseqüentemente a formação das redes sociais tão

importante para qualquer ser humano. “O espaço geográfico não apenas revela o transcurso

da história como indica a seus atores o modo de nela intervir de maneira consciente”

(SANTOS, 2003, p.80).

A COMUNIDADE ANTES DA MONOCULTURA DO EUCALIPTO

Quando falamos em comunidades rurais tradicionais um dos aspectos característicos é

sua convivência harmoniosa com o meio natural. Existe uma estreita relação desses povos

com seus territórios, com o cerrado mais especificamente para sua reprodução social.

a articulação entre a cultura da comunidade e suas ressignificações do contato com o cotidiano do mundo externo à comunidade, produz lógicas e intersubjetividades de difícil representação e compreensão, incapazes de serem explicadas pelo viés da modernidade/pós-modernidade ou capital / trabalho (BRITO, 2006, p.111)

Em Canabrava não é diferente - os valores, os saberes, as tradições e costumes - estão

presentes em cada momento, na passagem de cada geração.

Não é fácil contextualizar todo um período de histórias e tradições repassadas ao longo

dos séculos e que ainda resiste às diversas formas de transformações do mundo moderno, que

a todo tempo tenta suprimir esses saberes, mas através de um breve resgate tentaremos

retomar a tempos atrás para compreendermos a vida das pessoas dessa comunidade antes da

chegada das empresas monocultoras de eucalipto, através das falas dos principais

responsáveis pela manutenção dessa cultura. Entendendo que cultura:

não é um conjunto de tradições residuais, de experiências feitas nas névoas do passado, externamente ao processo de construção social da história das pessoas, das

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sociedades, dos povos e até mesmo das nações. A cultura não é o depósito morto de uma história dada, uma dimensão daquilo que Marx denominaria de trabalho morto da sociedade. Muito ao contrário ela é a particularidade por meio da qual os grupos sociais reproduzem as suas condições de vida material, elaboram suas normas de organização da vida em sociedade e de conduta dos diferentes sujeitos como códigos de regras e princípios e, finalmente, atribuem sentidos e significados às suas experiências – traduzindo tudo isso nos seus sistemas de crenças, valores, visão de mundo e identidade social, étnica, sexual, profissional etc (BRANDÃO,1995, apud, BRITO, 2006, p.112)

A partir disso, por meio das falas dos entrevistados, percebemos dois momentos

distintos na vida deles, onde o divisor seria a chegada das empresas reflorestadoras de

eucalipto no município.

Através das entrevistas, transformadas em longas conversas com os moradores, em sua

maioria com pessoas acima dos quarenta anos, percebemos o sentimento de saudades ao falar

de um cerrado que era tão próximo a eles, e que lhes proporcionava boa parte de sua

alimentação, de seu sustento e sua renda. Conforme relata um dos moradores mais antigos da

comunidade:

Antigamente esses lugares ai tudo era mato, por onde a gente andava só via mato, esses matos era tudo virgem, e não tinha dono não, dono apareceu depois que a firma entrou, nãotinha nada de cerca, o lugar que eu quisesse pegar fruta, pegar madeira, eu cortava e carregava, agora acabou tudo, não tem nem lenha, a firma acabou com tudo, deixou o povo na miséria viva. (E1, 75 anos)

A fala desse morador representa bem a importância do cerrado em sua vida, representa

a fala de um senhor que durante boa parte de sua vida dependeu do cerrado para sobreviver.

Não só para ele, mas para todo o povo brasileiro o cerrado é uma região de fundamental

importância14 “pois são vários os cerrados, dada a sua grande variedade de vegetação, mas

também de fauna e, sobretudo, de povos e culturas” (GUIMARÃES, 1999, p.13). No mapa

em anexo (anexo A, figura 1), produzido pelos próprios moradores da comunidade, podemos

ter um pouco da visão de como era essa comunidade antes da implantação da monocultura do

eucalipto.

O gado era criado em áreas de soltas somente as áreas de cultivo eram cercadas, as

outras apesar de serem privadas era de uso comum. “O uso coletivo das chapadas para a

criação de gado e utilização dos recursos disponíveis constituia-se parte integrante do sistema

14 “todos sabemos que nos Cerrados se encontra o nascedouro das principais bacias hidrográficas do continente sul-americano (a amazônica, a platina e a san-franciscana) (...), embora seja responsável por uma biodiversidade de reconhecimento internacional, encontra-se vertiginosamente ameaçado, e algumas espécies já figuram na lista de espécies em risco de extinção (GUIMARAES, 1999, p.13)

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de reprodução dos membros da comunidade” (BRITO, 2006, p.243). Godelier (1984) define

como

uma porção da natureza ou espaço sobre o qual a sociedade determina, reivindica e garante a todos ou a uma parte de seus membros direitos estáveis de acesso, controle e uso sobre a totalidade ou parte dos recursos naturais ali existentes, que ele deseja ou é capaz de utilizar (apud, POZO, 2002, p.43)

Com isso, podemos perceber a indignação do E1 ao falar das áreas cercadas, pois eram

a partir dessas áreas comuns que seus animais poderiam pastar livremente, seguindo normas

estabelecidas pela própria comunidade. Segundo Pozo (2002, p.46) “esses arranjos, são

permeados por uma extensa teia de parentescos, de compadrio, de ajuda mútua, de normas e

valores sociais que privilegiam a solidariedade intragrupal”, havendo também “valores,

normas e interdições comunitárias que regulam o acesso aos recursos naturais impedindo sua

degradação” (POZO, 2002, P.43).

O cerrado representava mais que o meio ambiente dessas pessoas, era fonte de renda e

de sustento dessa população,

antigamente nós tinha uma fruta pra panhar e vender na cidade, e hoje você leva o que? (...) antigamente chegava o tempo do pequi, nós tinha pequi, chegava o tempo da mangaba, nós tinha mangaba, vendia panã. Tem uns pequi ai, mas não dá mais pra vender não. (E2, 49 anos)

Além das frutas, essas populações também se apropriam de muitas outras fontes do

cerrado, como a pesca e a caça, além de outros recursos como as fibras e as ervas medicinais.

“Esses sistemas tradicionais de manejo representam formas de exploração econômica dos

recursos naturais” (DAYRELL, 2000, p.196).

antigamente a gente via muito bicho dentro desses matos ai. Eu vivia da lavoura de milho, feijão, mandioca, cana. Hoje eu num guento mais. Antigamente você saia ai, você encontrava tatu, hoje acabou, mangaba tinha demais, acabou foi tudo. Antigamente você ia pra Glaucilandia vender pana, pequi, hoje quem faz isso? (E3, 48 anos)

essas formas de apropriação comum do espaço e dos recursos naturais renováveis se caracterizam pela utilização comunal de determinados espaços e recursos por meio do extrativismo vegetal e animal e da pequena agricultura itinerante. (POZO, 2002, p.45)

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A importância dada a questão do pertencimento ao território, ao cerrado é perceptível

nas falas desses moradores, a alegria de serem pessoas livres, de poderem andar pelo cerrado

sem encontrar cercas, a natureza era vista não somente como um mero meio a ser explorado,

era um espaço que afirmava seus valores e tradições, que é o que Toledo (1995) caracteriza

como a imagem dada ao lugar, “cada cultura ou civilização constrói uma imagem diferente de

sua natureza, percebe de maneira distinta os bens ou riquezas que ela contém e adota uma

estratégia particular de uso (ou desuso)” (apud Dayrell, 2000, p.198).

3.2 – A COMUNIDADE DEPOIS DA MONOCULTURA DO EUCALIPTO

“Vai fazer 50 anos que tou aqui, tá difícil do pessoal viver, mudou muita gente pra cidade porque não tava tendo como viver” (E5, 62 anos)

A chegada de empresas monoculturas de eucalipto na região ocasionou inúmeras

transformações econômicas, ambientais e principalmente sociais não só para a comunidade

Canabrava mas para inúmeros municípios da região. Desde o período de “desenvolvimento da

região norte mineira”, essas empresas vêm se apropriando de territórios e destruindo tradições

seculares de comunidades tradicionais da região. Duas empresas reflorestadoras atuam no

município de Guaraciama, empresas dedicadas a criar florestas de eucaliptos e a fornecer

carvão vegetal15. “Com a privatização da terra abriu-se a possibilidade de extrair a renda da

terra já que onde existe posseiro não há possibilidade de extrair renda”16 (MARTINS,1981,

apud POZO, 2002, p.150), o território ocupado para a plantação do eucalipto era justamente o

cerrado de onde esses pequenos agricultores tiravam seu sustento, o que “para o capitalista o

posseiro deve ser expulso porque deprime ou elimina ou destrói a renda fundiária” (idem).

A comunidade Canabrava ficou completamente cercada pelo eucalipto conforme

podemos observar no mapa em anexo (anexo B, figura 2). A eliminação da mata nativa

representou para a comunidade muito mais do que uma simples questão ambiental,

representou uma profunda mudança em seus hábitos e costumes, além de ter afetado outras

15 segundo o site de uma das empresas que atua na região16 Posseiro segundo Martins (1981) é aquele lavrador que trabalha na terra sem possuir nenhum titulo legal, nenhum documento reconhecido legalmente e registrado em cartório que o defina como proprietário, esse é classificado como ocupante da terra nos censos oficiais, ou como posseiros, na linguagem oficial, isso no Brasil (apud, POZO, 2002, p. 146), que é muito freqüente nas comunidades rurais do Norte de Minas.

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questões como renda, quebra de vínculos sociais e mudanças até mesmo nos seus hábitos

alimentares.

“a empresa veio pra cá foi trazer fome pro povo do lugar, isso eu falo porque eu vivia das coisas daqui, com madeira, fruta e tudo mais, acabou tudo. È triste demais”

( E1, 72 anos)

A natureza retratada pelos moradores é apontada como um fator importante. Existiam

vários córregos que cortavam a comunidade além do córrego Canabrava, que garantia água no

tempo da seca tanto para o consumo da família quanto das criações, comparando os dois

mapas (do antes e do depois) podemos perceber que não existe mais água em quase nenhum

lugar,

antigamente nós plantava arroz, plantava feijão, nos brejos, hoje com essa vinda da empresa, eles gradiaram as cabeceiras e tudo e acabou. Eles ficaram de fazer umas barragens lá e não fez. Fez umas aqui e acula, mas o necessário que era nas cabeceiras do rio eles não fizeram, então nós tamos sem água, a mesma coisa. (E4, 43 anos)

porque a natureza acabando, os passarinhos que repousavam lá no terreno da firma, veio pra dentro desse terreninho nosso aqui, aqui nós não pode plantar roça de milho, planta, mas no ano que produz os passarinhos procurando comida, vem e come tudo, maritaca. E as outras naturezas acabaram, e isso não vai retornar mais. ( E5, 62 anos)

Outro aspecto apontado pelos entrevistados como fator de mudança após a chegada da

empresa foi a interrupção na reprodução dos saberes. Os espaços de sociabilidade, sejam elas

as capelas, escolas e até mesmo as casas dos vizinhos, que eram atrativos para a comunidade,

manifestada através da cultura, das festas religiosas, das conversas após um dia de trabalho

foram eliminadas do cotidiano dessas pessoas.

Para analisarmos esse aspecto, é importante entendermos que antigamente esses laços

eram mantidos através desses espaços já citados, sempre existia um “trilho”17 que ligava uma

casa na outra, que levava aos locais comunitários etc. Os laços familiares eram muito fortes,

quase todas as casas mais próximas eram constituídas por parentes, assim as diversas formas

de sociabilidade e de solidariedade era formada ali mesmo, em todos os aspectos, tanto na

produção como na manifestação de suas tradições.

Com a empresa, apesar de quase todos os entrevistados terem reconhecido a melhoria

das estradas, esses atalhos passaram a não existir mais, pois alguns desses caminhos hoje

17 Uma espécie de atalho. Cortava caminhos pra não terem que dá grandes voltas pelas estradas.

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pertencem ao território da empresa e para passar pelas estradas fica muito longe de um lugar

para o outro. Contribuindo na quebra desses vínculos.

Muitas são as pessoas que se sentem presas, não somente pelas cercas que agora

passam a fazer parte de suas vidas, mas também pelo falta de liberdade de locomoção dentro

da própria comunidade. Como disse acima, as formas de ir de um lugar para a o outro, muitas

vezes torna-se inevitável ter que passar no terreno da empresa. Devido aos muitos seguranças

contratados para fazerem a segurança do lugar, é “papel” deles terem que interrogar todos que

passam por esses caminhos, segundo falas dos próprios moradores,

agora nós somos abordados menos, mas no inicio éramos abordados toda hora, o pessoal passava de moto eles paravam, a uns 2 meses atrás meu marido ia trabalhar de carroça, eles pararam ele e revistaram tudo. Isso é uma violação de direitos, porque a estrada é pública né? (E2, 49 anos)

Esse tipo de atitude conforme retratado não são casos isolados, ocorrem com

freqüência de acordo com os moradores.

O art. 5º da Constituição Federal em seu inciso XV estabelece que “é livre a

locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da

lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”18. Além disso, está claro na

Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 13 que:

I) Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de

cada Estado;

II) Todo homem tem o direito de deixar qualquer pais, inclusive o próprio, e a este regressar.

Antigamente a gente vivia inocente ai, não tinha dono, a gente ia e voltava, não tinha problema nenhum. (E6, 43 anos)

Como se não bastasse todos esses direitos sendo transgredidos, até mesmo o principal

direito, dito inalienável, não vem sendo respeitado - o direito a vida - visto o acontecido

recentemente a mais ou menos um ano atrás, com a morte de um lavrador da comunidade,

assassinado por um dos vigias da empresa.

18 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Contém as emendas constitucionais posteriores. Brasília, DF: Senado, 1988.

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eles tiraram a mata nativa pra fazer carvão, e o povo ficou encurralado, a firma corta o eucalipto e no neles panhar fica muito resto de madeira pra trás, de lenha né, e o povo como eles não oferecem trabalho, nós temos que caçar um jeito de viver né? Foi ai que tivemos o problema da morte do senhor X, que foi panhar uma lenha ai, ai eles pegaram ele nesse terreno que ele tem e foi assassinado por causa disso. (E6, 43 anos)

Através dessas falas percebemos o quanto que o discurso gerado pelas empresas em

torno da geração de empregos e melhores condições de vida são em vão, além de gerar uma

hierarquia ideológica entre empresa (detentora de poder) e a comunidade (simples

trabalhadores)

a causa deles ter matado ele, foi tipo assim, coisa de poder né? Pra mostrar que eles tavam agindo, conforme a firma mandou, ali eles mataram, com coisa que tavam matando uma criação qualquer. Hoje parece que as pessoas tem menos valor que um catingueiro, um veado, uma onça, porque se matar um animal dessa ai e cai na justiça lá, o cara vai preso e vai pagar por aquilo. Infelizmente o ser humano eu acho que tem menos valor. Acho que é a impunidade né? O poder acho que não justifica, porque eles tem poder acha que eles podem fazer isso, tirar a vida de uma pessoa né? Fica difícil. (E6, 43 anos)

Antes esses trabalhadores tinham a plena convicção de que eram donos, trabalhavam

pra si mesmo, pro seu próprio sustento e não tinham que se preocupar em procurar serviço e

vê sua força de trabalho sendo explorada. Hoje em dia o que sobra de tudo isso é a esperança

de poucos que tentam resistir à essas transformações e lutam pra que um dia a comunidade

Canabrava possa se aproximar do que era antes.

3.3 – A PERCEPÇÃO DA COMUNIDADE SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES

PROVOCADAS PELA FRAGMENTAÇÃO DO SEU TERRITÓRIO

Através do levantamento histórico do contexto local e a verificação da concretização

desses direitos através de entrevistas semi-estruturadas com alguns atores sociais da

comunidade explorando o aspecto qualitativo, fizemos alguns levantamentos sócioecomico da

comunidade, através de questionários, para elucidarmos melhor o fato se realmente a

comunidade tem melhorado seu nível de vida na perspectiva dos discursos não só das

empresas como também do Estado ao justificar esse modelo econômico nessas regiões

riquíssimas em diversidades culturais e tradicionais.

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Procuramos manter uma certa equidade de gêneros e privilegiamos falas tanto de

pessoas mais velhas quanto dos mais jovens da comunidade. A saber foram aplicados 8

questionários e realizadas 6 entrevistas.

O primeiro ponto analisado foi a questão da escolaridade dos entrevistados,

percebemos que a maioria tinha apenas o ensino fundamental incompleto e a média de

pessoas residentes na casa era em média de 5 pessoas. Isso devido aos filhos muitas vezes em

busca de melhores condições de vida terem que sair para as grandes capitais ou até mesmo

para as cidades mais próximas a procura de escola, emprego etc...

Quanto a renda, cerca de 38% ganhavam inferior a um salário mínimo e 49% dos

entrevistados ganhavam de 2 a 4 salários mínimos, isso deve-se ao grande números de

aposentados existente no meio rural. A previdência é um dos principais fatores que ainda

contribuem na permanência do homem do campo nesse espaço. Alguns benefícios sociais

também contribuem para o aumento da renda, metade dos entrevistados recebem o programa

bolsa família.

Perguntamos também quanto ao principal meio de transporte utilizado pela famíla, a

maior parte usa moto ou então o ônibus escolar.

Procuramos também através do questionário analisar melhor a relação

comunidade/empresa avaliando o nível de satisfação desses moradores quanto a atuação da

empresa na região. Através das falas dos entrevistados, percebemos o auto nivel de

insatisfação dos moradores quanto a essas interferências em seus modos de viver, inclusive

quanto aos seus direitos,

tem é muitos direitos nossos sendo violados, isso ai era público, a mata nativa, a vezes a gente ia numa cana por exemplo, a gente não pensava em lenha, a gente saia com o carro de boi, saia ali na cancela e pegava lenha na hora, sequinha, colhia e trazia pra gente comer, pra fazer rapadura, então esse direito ai a gente perdeu ele né, então a gente não é respeitado nessa parte ai. (E6, 43 anos)

Nesse contexto, percebemos que inúmeros são os conflitos socioambientais existente

na comunidade Canabrava, que vem sofrendo ao longo dos anos com as conseqüências de

todo esse processo e nenhum beneficio é gerado para essa população, de acordo com os dados

apresentado.

Nas ciências sociais região cultural tem sido compreendida pelo “processo de

ocupação humana que se verificou em um detrimento espaço territorial em que certas

características dão unidade de idéias e de estilos de vida a um grupo social” (LESSA, 2007, p.

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26). Essas transformações além de não ter trazido beneficio algum para os moradores,

contribuíram de maneira consubstancial na quebra dos vínculos sociais existente na

comunidade, como podemos perceber no mapa em anexo da comunidade depois do eucalipto.

Nota-se através dele que áreas antes usadas para eventos da comunidade, como festas,

reuniões, cultos etc., como é o caso da capela, hoje é território da empresa, que apesar de está

construindo um outro espaço para celebrações, quebra o vínculo e as memórias com aquele

lugar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tratar a temática ambiental no contexto da sociedade global tem sido um grande

desafio para diversos profissionais que podem se inserir nesse contexto. A privatização do uso

do meio ambiente comum tem sido freqüente em nossos dias, destruindo principalmente

direitos de populações inseridas em formas sociais de produção tradicional.

Assim, este trabalho nos propiciou analisar as implicações da monocultura do

eucalipto implantada na comunidade Canabrava, na medida em que a fragmentação de seus

territórios provocam profundas mudanças em suas formas de vida e seus vínculos de

sociabilidade comunitária.

Descobrir a quem esse modelo de desenvolvimento do Norte de Minas está

beneficiando; saber como que a comunidade Canabrava vem lhe dando com essas

interferências, foram as principais questões que estimularam esse estudo e que pode ser

comprovada a partir das análises.

A partir das análises feitas percebemos a contradição do discurso sobre os benefícios

da monocultura do eucalipto. A quantidade de empregados nas empresas são mínimas, visto

essas serem possuidoras das mais avançadas máquinas, que substituem quase que totalmente a

força humana. Quanto a melhoria da qualidade de vida, as análises nos mostram a primeira

vista que, a principal mudança é ambiental, os dados revelam o quanto o cerrado vem

sofrendo com a substituição de seus recursos naturais pelo eucalipto, destruindo não somente

este bioma mas as diversas formas de utilização dele por parte dos moradores da comunidade.

A escassez de água, madeira, fauna e flora do cerrado vêm aos poucos extinguindo

variadas formas de sobrevivência dessa população que dependiam do cerrado, como em

muitas das vezes a única alternativa de renda.

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O contexto estudado explicita que há uma intensificação dos conflitos sociomabientais

na região norte-mineira. As entrevistas demonstraram o grau de insatisfação da população

estudada em relação às empresas, que aos poucos vem contribuindo para a privação de

diversos direitos desses povos. Este instrumental também evidenciou claramente que a

comunidade vem sendo destituída de direitos básicos como do direito de ir e vir, chegando ao

cúmulo de perder até mesmo o direito principal de qualquer ser humano - o direito a vida –

visto o acontecido, com a morte de um lavrador da comunidade há uns dois anos atrás,

assassinado por um dos vigias da empresa.

Notamos que o encurralamento da comunidade pelo eucalipto vai muito além da

questão do território. Esse cercamento vem destruindo formas de sociabilidade, de

manifestações culturais e tradicionais e a reprodução de saberes local. O equilíbrio

socioambiental existente antigamente na comunidade, que garantia o sustento de suas

famílias, hoje, é apenas uma fonte de riqueza para poucos.

Os custos dessa substituição são incalculáveis, visto o sofrimento da comunidade que

se estruturava na agricultura familiar e que hoje em muitos casos tem que depender da ajuda

de benefícios sociais para sobreviver, isso sem contar a vida perdida e as transformações

ambientais, sociais e culturais evidentes na comunidade.

Espera-se com esse trabalho estimular discussões a cerca do tema em amplos espaços

de debates para que as diversas áreas do conhecimento se sintam no dever de atuar e de

interpretar o mundo social dessas comunidades rurais para o fortalecimento da luta pela

efetivação dos direitos.

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ANEXO A - Demonstração da comunidade Canabrava antes da monocultura de eucalipto ilustrada pelos moradores da comunidade

Figura 1 - Mapa da Comunidade Canabrava, antes da monocultura do eucalipto, até meados da década de 1970.

Estradas

Trilhos

Cerrado

Córregos

Áreas de produção

Legenda mapa 1

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ANEXO B – Demonstração da comunidade Canabrava depois da monocultura de eucalipto

Figura 2- Mapa da comunidade Canabrava depois da monocultura de eucalipto

Estradas

MST

eucalipto

Córregos

Córregos que secaram

Legenda mapa 2

Local do assassinato do agricultor

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