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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA VARA DO TRABALHO DE _______S- MA MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por sua Procuradora infra-assinada, na qualidade de curador especial da menor _______ ____________________________, brasileira, solteira, com 17 anos de idade, residente e domiciliada na Travessa Campo da Estrela, 184-A, São Cristóvão, nesta Cidade, ora denominada adolescente, vem, no uso das atribuições previstas na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 127, combinado com o disposto no art. 83, inciso V da Lei complementar nº 75/93, art. 793 da CLT, e art. 9º, inciso I do CPC, propor a presente RECLAMAÇÃO TRABALHISTA em face de ____________________________, brasileira, casada, residente na Rua __, Quadra __, Casa __, ________, ________, São Luís-MA, e ____________________________, brasileiro, casado, residente na residente na Rua __, Quadra __, Casa __, _________, ________, São Luís-Ma, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor: /home/website/convert/temp/convert_html/577ccf271a28ab9e788f03dc/document.doc 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃOMINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA VARA DO TRABALHO DE _______S-MA

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por sua Procuradora infra-assinada, na qualidade de curador especial da menor _______ ____________________________, brasileira, solteira, com 17 anos de idade, residente e domiciliada na Travessa Campo da Estrela, 184-A, São Cristóvão, nesta Cidade, ora denominada adolescente, vem, no uso das atribuições previstas na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 127, combinado com o disposto no art. 83, inciso V da Lei complementar nº 75/93, art. 793 da CLT, e art. 9º, inciso I do CPC, propor a presente

RECLAMAÇÃO TRABALHISTA

em face de ____________________________, brasileira, casada, residente na Rua __, Quadra __, Casa __, ________, ________, São Luís-MA, e ____________________________, brasileiro, casado, residente na residente na Rua __, Quadra __, Casa __, _________, ________, São Luís-Ma, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor:

Na medida em que a detentora do direito material ora perseguido é menor de 18 anos e que sua representante legal reside em local de difícil acesso, o que a impossibilita de comparecer em juízo para defender os interesses da adolescente e considerando que esta não detém legitimidade ad processum, necessária se faz a atuação do Parquet, na qualidade de curador especial, por força do que dispõem o inciso I, do art. 9º, do CPC e o art. 793 da CLT.

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1. DOS FATOS

Em razão de notícia veiculada na imprensa relatando o espancamento e a tortura praticados pela primeira reclamada contra a adolescente ora representada, de 17 anos, no exercício da atividade doméstica, restou instaurada representação de ofício pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NO MARANHÃO para apuração da veracidade dos fatos. (doc. 1)

Com efeito, durante a instrução do referido procedimento, foi observado que a adolescente foi vítima de violentas agressões físicas por parte da primeira reclamada durante quase todo o período em que trabalhou na sua residência. (fls. 14/15).

De fato, a adolescente acima qualificada foi contratada pelos reclamados em 22 de julho de 2004 para trabalhar em sua residência, como empregada doméstica, sob a promessa de pagamento de salário, roupas e oportunidade de estudar. A contratação da adolescente se deu no interior do município de Cedral, onde residia com sua família.

Entretanto, o que de fato ocorreu é que durante quase os dez meses em que trabalhou para os reclamados, a adolescente nunca recebeu salário nem qualquer outra verba trabalhista. Nesse período, a adolescente jamais estudou como prometido.

De fato, durante a maior parte do período em que trabalhou nos reclamados, a adolescente foi a única empregada doméstica na residência dos reclamados, sendo responsável pela limpeza da casa, além de cozinhar, lavar e passar roupa para uma família de 06 (seis) pessoas, os reclamados e mais quatro filhos, na faixa etária de 15 a 21 anos.

A adolescente ainda fazia serviços extras para a primeira reclamada como bordar e costurar, sem receber nenhuma remuneração, tendo trabalhado todos domingos, não gozando repouso semanal remunerado, sendo que,

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na maior parte das vezes, não podia sair da residência dos reclamados quando assim quisesse.

A adolescente também não teve sua CTPS assinada, não recebeu 13º salário nem gozou férias.

Por ocasião do término do período contratual, a adolescente também não recebeu qualquer pagamento de verbas rescisórias.

Mas como se deu o término do contrato de trabalho entre as partes?

O término da relação laboral havida entre as partes se deu na data de 13 de maio de 2005, quando a adolescente conseguiu fugir da residência dos reclamados após ter sido cruelmente torturada e espancada pela primeira reclamada na véspera da viagem dos reclamados ao interior do Estado no dia 11.05.2005.

Conforme comprovam as fotos anexadas, a tortura e o espancamento perpetrados contra a adolescente a deixaram totalmente lesionada, sobretudo no rosto e na região glútea, provocando hematomas, edemas, contusão, equimose e escoriações. (fls. 85/89 e 95/99).

Na verdade, a última tortura perpetrada contra a adolescente foi o elemento deflagrador de sua fuga vez que, em decorrência dos sucessivos e continuados maus-tratos sofridos, se tornou impossível para a adolescente a manutenção do seu contrato de emprego.

Observe-se ainda que as torturas sofridas pela adolescente não eram apenas físicas mas também psicológicas já que a primeira reclamada continuamente a ameaçava de causar-lhe mal injusto e grave, qual seja, novas surras.

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Convém citar parte do depoimento da mãe da adolescente perante à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente – DPCA:

“... que _______ contou-lhe que na Segunda vez que fora agredida, a Sra. ____________________________ jogou-lhe uma frigideira com óleo quente,atingindo-a na cabeça e causando-lhe queimaduras nos braços; que _______ ia se recordando aos poucos das agressões sofridas por parte da Sra. ____________________________ e acrescentou que esta a trancava em um quarto e, após pisar-lhe os braços, aplicava-lhe golpes com um pedaço de tábua com espessura aproximadamente de cinco centímetros, atingindo-a nas nádegas;QUE, em duas oportunidades que fora espancada pela Sra. ____________________________, esta teria, de posse de uma faca, ameaçado cortar-lhe um pedaço da orelha...” (fls. 36).

Segundo o depoimento da adolescente, as surras se iniciaram logo após acidente doméstico (explosão de uma panela de pressão) ocorrido quando cozinhava, que acarretou ferimentos em seu rosto, não tendo a primeira reclamada lhe prestado qualquer socorro, como se vê na transcrição abaixo:

“...que a depoente segurou a panela no cabo, o que resultou no estouro da panela, sendo que a tampa subiu, tendo espirrado feijão em seus olhos; que a panela subiu e ao cair quebrou o fogão; que a depoente pensou que iria ficar cega, pois não estava enxergando nada; que a senhora ____________________________ mandou ela calar a boca; que a sua vista ficou turva durante 3 dias; que a senhora ____________________________ não lhe prestou nenhum socorro; que a partir dessa época a senhora ____________________________ passou a bater na depoente freqüentemente, com martelos, frigideiras, fio elétrico, tábua; que a depoente em certos dias apanhava de manha, de tarde e de noite; que a senhora ____________________________ duas vezes mandou que a depoente ficasse trabalhando sem roupa, totalmente

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nua para que a depoente pagasse o que estava fazendo a ela; que a depoente ficava nua na frente da família inteira; que a depoente nunca foi abusada sexualmente; que os demais membros da família da senhora ____________________________ não tomaram nenhuma atitude em favor da depoente, mas ao contrario, um dos filhos da mesma chegou a rir quando a depoente estava machucada depois de uma surra; que a depoente não gritava durante as surras pois era ameaçada de apanhar mais; que a senhora ____________________________ deitava a depoente no chão de barriga para baixo e batia na depoente; que a depoente após a surras tinha que trabalhar; que a depoente trabalhava com febre, em função das surras;...” (fls. 14)

Note-se que, no inquérito policial em tramitação na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, testemunhas, que são parentes e ex-empregados da primeira reclamada, confirmaram o incidente acima-relatado, comprovando que a adolescente sofreu lesão no rosto em razão do estouro de panela de pressão (fls. 44; 46; 48; 50).

Entretanto, as queimaduras no rosto da adolescente foram o anúncio das inúmeras torturas físicas e psicológicas a que seria submetida nos próximos meses. A proporção em que o ferimento em seu rosto foi desaparecendo, foi nascendo um ódio incomensurável, insano, doentio e feroz primeira reclamada em razão das avarias produzidas em seu fogão e, por motivos futéis, passou a agredir a adolescente violentamente.

Segundo relatou a adolescente, certa vez a primeira reclamada a agrediu, arremessando contra ela uma frigideira com óleo quente, que lhe atingiu a cabeça, causando queimaduras em seus braços.

Além disso, a primeira reclamada submetia a adolescente a outros contrangimentos, como, por exemplo, a trabalhar despida como forma de castigo.

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Assim, como as agressões estavam se tornando cada vez mais freqüentes e violentas, a adolescente passou a temer diariamente por sua própria vida e acabou fugindo.

Na sua fuga, a adolescente foi ajudada por pessoas até então desconhecidas para ela mas que se apiedaram da sua condição. Durante a investigação, foram colhidos os seus depoimentos (fls. 67/70).

Convém transcrever parte desses depoimentos:

“...que o depoente lembra de uma ocasião em que a menor apareceu em seu comércio com feridas no pescoço;que a menor explicou ao depoente que as feridas eram decorrentes do estouro de uma panela de pressão;que no dia 13 de maio do corrente ano, numa sexta-feira a menor apareceu no seu comércio por volta das 8 horas para comprar pão;que,notando os hematomas no corpo da menor, o depoente lhe perguntou se havia levado uma surra de sua mãe muito bem dada;que a menor lhe respondeu que havia caído, mas o depoente não acreditou;que depois que a depoente já estava de saída do comércio, quando pediu o telefone da residência do depoente ao rapaz que trabalha com o depoente;que mais tarde a menor ligou para o depoente e lhe disse que os hematomas eram decorrentes de uma surra que sua patroa havia lhe dado,e que não era essa a primeira vez havia apanhado de sua patroa;que a menor disse ao depoente que possuía hematomas também em suas partes íntimas não visíveis para o depoente ;que a menor não estava nem conseguido sentar-se direito;que pediu ajuda do depoente para tira-la da casa de sua patroa...” (Depoimento do Sr. _______________________, fls. 68)

“...que ao atender o telefone a menor informou que não poderia falar por que estava sendo vigiada, mas que iria dar um jeito de sair da casa; que após cerca de 20 minutos a

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menor chegou na residência da depoente; que a menor havia conseguido sair da casa, por que havia dito que iria comprar um cheiro-verde; que a menor estava com marcas de agressões no corpo, em especial,nos braços,no olho e nas nádegas; que as nádegas estavam bastante machucadas; que a menor estava desesperada, com medo de voltar para casa de sua patroa; que a menor falou à depoente que apanhava de fio de celular e de pau; que a menor disse, ainda, que a sua patroa mandou que fizesse um crochê nos panos de prato, ameaçando a menor de que a levaria no interior, a amarraria numa árvore e bateria nela até sangrar,a colocando depois numa água de sal caso a patroa da menor retornasse de sua viagem e não encontrasse o crochê pronto;...” (depoimento da Sra. ______________________ – fls. 69/70)

Comprovadas, portanto, todas as atrocidades perpetradas contra adolescente, convém citar ainda a conclusão do laudo médico pericial, ao responder sobre a causa das agressões físicas minuciosamente descritas no documento, onde apresenta uma vasta relação de lesões GRAVÍSSIMAS existentes em todo o corpo da adolescente (olhos, face, braços, coxas, tronco, nádegas, tornozelos) (fls. 91/92):

“SE PRODUZIDA POR MEIO DE VENENO, FOGO, EXPLOSIVO, ASFIXIA OU TORTURA, OU OUTRO MEIO INSIDIOSO OU CRUEL (RESPOSTA ESPECIFICADA): SIM, ESPACAMENTO E TORTURA.”

O laudo também concluiu que as agressões sofridas resultaram em incapacidade da adolescente para as ocupações habituais por mais de trinta dias.

As agressões foram tão graves, a violência perpetrada contra a adolescente foi tamanha que acabou resultando em procedimento cirúrgico (debridamento cirúrgico) para retirada de hematoma na região glútea direita além de imobilização do antebraço esquerdo. (fls. 74 e 82)

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Convém transcrever também parte do relatório final do Inquérito Policial da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente em que se apurou os mesmos fatos (fls. 57):

“... Pelo que se apurou, concluímos que a vítima já vinha há algum tempo sendo espancada, por motivos fúteis, por sua patroa ____________________________, o que se confirma através das lesões múltiplas cicatrizadas em seu corpo. A vítima, por sua ingenuidade e corpo franzino, não apresentava resistência ao intento da autora, todavia, desta última vez, conseguiu esquivar-se de sua vigilância e buscou socorro mais próximo, tendo êxito na sua salvação...”

Em razão desses últimos maus-tratos que sofreu, a adolescente foi internada com terapia medicamentosa no hospital Djalma Marques no dia 14.05.05, tendo recebido alta médica apenas no dia 17.05.2005.

Para o seu tratamento, a adolescente também teve que comprar vários medicamentos, o que resultou em gastos financeiros.

Convém mencionar ainda que, na fuga, a menor deixou os seguintes pertencentes, não tendo tempo de levá-los consigo: histórico escolar, certidão de nascimento, roupas e sapatos e redes.

Por fim, convém dizer que a primeira reclamada chegou a ser presa pelas atrocidades ora narradas, tendo o Ministério Público estadual ajuizado ação penal contra a primeira reclamada pelos mesmos fatos. (fls. 100/105)

Diante de todos esses fatos, não restou alternativa a este parquet senão buscar a prestação jurisdicional, ajuizando a presente Reclamação Trabalhista.

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2. DO DIREITO

2.1 DAS PARCELAS TRABALHISTAS

No que se refere aos adolescentes, tem-se que se fazem oportunas algumas considerações acerca da legislação específica.

Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) adotou a teoria da proteção integral, buscando expurgar da realidade social brasileira a exploração de adolescentes, ressaltando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 6º), que por tal motivo não possui sequer discernimento para saber se está sendo explorado, necessitando de proteção especializada e diferenciada, conforme art. 227 da CF/88, verbis:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (grifamos).

Diante de tal comando constitucional, o Ministério Público, na qualidade de representante da sociedade, na defesa do cumprimento dos direitos socialmente assegurados na Carta Maior, bem como na condição de defensor dos direitos dos menores e incapazes, que devido sua condição de fragilidade são considerados indisponíveis, vem ajuizar a presente reclamação, de forma a fazer cumprir tais diretrizes.

Conforme já mencionado, os reclamados não concederam à adolescente qualquer direito de natureza trabalhista durante todo o período em que esta trabalhou em sua residência como empregada doméstica.

Assim sendo, devem ser deferidas todas as verbas trabalhistas a que a trabalhadora faz jus quais sejam, SALÁRIO MÍNIMO MENSAL, REPOUSO

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SEMANAL REMUNERADO, DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO, AVISO PRÉVIO, FÉRIAS ANUAIS REMUNERADAS ACRESCIDAS DE 1/3, conforme prevê o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal.

Ademais, a adolescente possui direito à anotação do contrato de trabalho em sua CTPS, conforme dispõe o art. 29 da CLT.

No caso dos autos, a adolescente possui direito a todas as verbas salariais do período em que trabalhou na residência dos reclamados, além das verbas rescisórias decorrentes da rescisão indireta de seu contrato de trabalho, podendo, perfeitamente, tal rescisão, ser fundamentada nas alíneas “b”, “d”, “e” ou “f”, do art. 483, da CLT.

2.2 DO DANO MORAL

A atitude praticada contra a adolescente anteriormente narrada, envolvendo maus-tratos e a configuração de crime de tortura, apresenta-se como clara hipótese de ocorrência de danos morais.

No caso em tela, restou comprovado no procedimento investigatório que os reclamados são diretamente responsáveis, mediante ato comissivo e doloso da primeira reclamada e mediante ato omissivo e doloso do segundo reclamado, pelos danos efetivamente sofridos pela adolescente, de sorte que se apresenta necessária a intervenção do Judiciário, a fim de que indenizem a adolescente pelos danos morais por ela suportados.

Conforme amplamente demonstrado, a adolescente ora representada estava submetida a condições de trabalho extremamente desfavoráveis de exploração e subjugação, sendo privada de quaisquer direitos trabalhistas decorrentes da relação de emprego, trabalhando sem receber seus direitos constitucionais, dentre os quais cita-se 13º salário, férias, salário mínimo legal, repouso semanal remunerado, etc..

Evidencia-se, portanto, que a conduta referida resultou em aviltamento moral contra a adolescente, ante a violação da legislação trabalhista e aos direitos humanos.

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O mais grave, entretanto, além da exploração, foram as torturas físicas e psicológicas a que estava submetida a adolescente na relação laboral, conforme já mencionado, fato este que poderá se repercutir pelo resto de sua vida.

Em seu depoimento prestado ao Ministério Público do Trabalho (fls. 14 e 15 do Procedimento Preparatório), a adolescente relata com riqueza de detalhes haver sofrido constrangimentos de todo tipo durante o período em que esteve trabalhando na casa dos reclamados.

As humilhações vão desde a adolescente, em algumas ocasiões, ter sido obrigada a trabalhar sem roupa, como punição até o ato que culminou com sua saída do emprego, consistente em gravíssimas agressões físicas perpetradas pela primeira reclamada.

A última tortura praticada pela adolescente ficou fartamente demonstrada durante o procedimento investigatório no Ministério Público do Trabalho.

Portanto, no presente caso, resta configurado indubitavelmente o dano moral pelos seguintes fatos, em resumo:

a) as múltiplas torturas físicas praticadas contra a adolescente, comprovadas pelo laudo médico pericial, pelas fotos e pelas demais provas;

b) todas as violências perpetradas contra a adolescente decorreram de motivos fúteis;

c) as torturas psicológicas a que era submetida a adolescente diariamente, consistentes nas ameaças da primeira reclamada que produziam o inevitável e crescente medo na adolescente, que passou a temer por sua integridade física assim como por sua própria vida;

d) a exploração da adolescente que trabalhava sem receber qualquer valor pecuniário ou qualquer outro direito trabalhista.

Tudo isso autoriza a afirmação de ocorrência de dano moral, a ensejar medida judicial capaz de punir os reclamados e defender os interesses da

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adolescente, aviltantemente desrespeitados e menosprezados no caso em comento, alcançando a função preventivo-pedagógica e punitiva a que se propõe a hodierna jurisprudência, com autorização da doutrina especialidade.

Nessa ordem de idéias, importa ressaltar que o legislador constituinte inseriu, no Título I da atual Constituição pátria, diversos princípios e objetivos fundamentais de nosso país, conforme elencados nos arts. 1º e 3º, buscando alcançar os seguintes fundamentos: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e como objetivos, pautou construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E, no Título II, arts. 5º ao 17, cuidou de definir os Direitos e Garantias Fundamentais, sendo de se destacar os direitos e garantias previstos nos Capítulos I e II, que tratam, respectivamente, dos direitos e deveres individuais e coletivos e dos direitos sociais, que expressam os valores individuais e coletivos que os constituintes reconheceram como de grande relevância para a sociedade, inserindo-os na Lei Fundamental do País.

É exatamente na esteira desta ordem social que o Direito do

Trabalho se ergue, buscando garantir aos trabalhadores a consecução das garantias e dos direitos a que fazem jus, em decorrência da função social que desempenham. Neste sentido, de incontestável clareza a lição de Plá Rodriguez, in Princípios de Direito do Trabalho, tradução de Wagner D. Giglio, São Paulo, LTr, 1978, pp. 272:

“O contrato de trabalho não cria somente direitos e obrigações de ordem exclusivamente patrimonial, mas também pessoal. Cria, de outro lado, uma relação estável e continuada, na qual se exige a confiança recíproca em múltiplos planos, em direções opostas e, sobretudo, por um período prolongado de tempo.

Para o cumprimento destas obrigações e a

adequada manutenção dessas relações, torna-se

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importantíssimo que ambas as partes atuem de boa-fé. Por isso, se diz que a justificação e a aplicação deste princípio tem um significado, uma duração e uma necessidade muito superiores às que podem ter em contratos que se esgotam em um intercâmbio único de prestações ou em uma simples correspondência de prestações materiais.” (grifou-se)

E, citando texto de Pérez Botija, in Curso de Derecho del Trabajo, Madri, 1948, pp. 176, o autor conclui:

“A relação de trabalho não é um negócio circunstancial, nem uma fugaz transação mercantil, mas contém vínculos sociológicos pessoais e permanentes. Ainda que originada de um fato econômico, não pode resumir-se em direitos e deveres patrimoniais; coexistem vínculos de ordem moral e espiritual que, em uma moderna concepção de trabalho, não devemos desconhecer.” (grifou-se)

Conclui-se, pois, que a prática reiterada, genérica e comprovada dos reclamados de sonegar os mais básicos direitos trabalhistas a adolescente ora representada, deixando de lhes pagar as verbas trabalhistas, além das comprovadas torturas físicas e psicológicas a que submeteram a adolescente, configura-se como DANO MORAL ante o seu sofrimento psíquico por passar por situação vexatória, padecendo de intranqüilidade, humilhação, dor, medo e insegurança.

No campo do dano moral a teoria da responsabilidade civil se aplica mediante a imposição de indenizações que têm dupla função: punitiva para o infrator e compensatória para o lesado, seja na seara das ações individuais ou coletivas.

Nesse sentido, decidiu o eg. TRT 17ª Região:

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“Embora seja delicada, a compensação in natura do dano moral, porque a lesão provocada nos direitos da personalidade é de difícil reparação natural. A compensação, no entanto, sem reconstituir o patrimônio imaterial danificado destina-se a apagar os efeitos indesejáveis que produziu na pessoa do empregado. Logo, cabe ao juiz, imbuído da prudência, observar as seguintes premissas: a gravidade do ato, ou seja, se o ato foi venal; doloso ou culposo, extensão do sofrimento, vale dizer, se, houve repercussão familiar e social, e, finalmente, a situação econômica do devedor e o caráter pedagógico da sanção que deve precipuamente coibir a reincidência. Presentes essas premissas, sobretudo, pela caracterização de conduta dolosa do agente agressor, cujo ato causou sofrimento que dificilmente, será atenuado, porque refletiu na sua família e na sua vida futura, impõe-se a condenação de R$ 50.000,00, que se revela compatível com a gravidade da conduta do réu. TRT 17ª Região RO 5210/99- Ac., 20.03.01. – Rel. Juíza Sônia das Dores Dionísio, Revista LTR 65-08/997).

Destarte, Exa., deve o Poder Judiciário reprimir as TORTURAS

ora narradas, praticadas covardemente contra uma frágil adolescente, totalmente desprotegida, à mercê dos seus empregadores, abandonada à própria sorte, merecendo os reclamados serem severamente punidos para lembrarem que a ESCRAVIDÃO NO BRASIL JÁ ACABOU.

É importante, por fim, transcrever a doutrina mais abalizada sobre o tema, coletadas na obra "CURSO DE DIREITO DO TRABALHO - ESTUDOS EM MEMÓRIA DE CÉLIO GOYATÁ", vol. II, 3ª edição, pág. 600, in verbis:

"Arnaldo Süssekind, em estudo sobre o tema, esclarece que o quotidiano da execução do contrato de trabalho,

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com o relacionamento pessoal entre o empregado e o empregador, ou aqueles a quem este delegou o poder de comando, possibilita, sem dúvida, o desrespeito dos direitos da personalidade por parte dos contratantes.

De ambas as partes, convém enfatizar, embora o mais comum seja a violação da intimidade, da vida privada, da honra ou da imagem do trabalhador.

Jorge Pinheiro Castelo, de forma contundente, afirma que a condenação no pedido de dano moral é fundamental para que se ponha um paradeiro em alegações pesadas, insinceras e levianas contra a honra das pessoas, especialmente de alguém que, por vezes, dedica até anos de sua vida a uma empresa. É preciso impor um basta à impunidade e penalizar a má-fé e a falta de seriedade e ética nas relações laborais. Desse modo, quando a empresa for acusar alguém de ímprobo precisa ter a certeza da acusação da conduta desonesta que está imputando a seu empregado. Aliás, se na vida civil se exige que as pessoas tenham essa certeza antes de acusarem qualquer pessoa, podendo inclusive incidir em crime, com muito maior razão é de se exigir que o empregador tenha cuidado quando, v.g., acusa de desonesto o empregado que lhe serviu, às vezes, por anos".

Assim sendo, considerando a intensidade do sofrimento da ofendida, a gravidade (torturas e espancamentos), a natureza e repercussão da lesão perpetrada pelos empregadores e, ainda, a intensidade do dolo e a responsabilidade e sua situação financeira, requer sejam condenados os reclamados, por danos morais, no valor de um salário mínimo por dia de trabalho em condições totalmente degradantes, considerando que, mesmo nos dias em que a adolescente não apanhava, havia o sofrimento causado pelo temor em sofrer novas torturas.

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3. DO PEDIDO

Desta forma, considerando como data de admissão 22.07.2004 e em face da rescisão indireta do contrato de trabalho em 13.05.2005; considerando ainda que a menor durante todo o período trabalhado nunca recebeu salário, 13ª salário, ou qualquer outra contraprestação ao seu trabalho, vem requerer a condenação dos reclamados no pagamento das seguintes verbas, acrescidas de juros e correção monetária além da anotação da sua CTPS.

VERBAS VALORSalários não pagos (09 meses) R$ 2.700,00Saldo de salário (21 dias) R$ 210,00Aviso Prévio (com repercussão) R$ 300,00Férias proporcionais (11/12) + 1/3 R$ 366,6613º salário 2004 (05/12) R$ 125,0013º salário 2005 (06/12) R$ 150,00Repouso Semanal remunerado não gozado - 43

R$ 430,00

Indenização por danos morais (291 dias) R$ 87.300,00

T O T A L R$ 91.581,66

Requer-se ainda, a devolução dos seguintes pertencentes da

adolescente em posse dos reclamados, deixados em sua residência por ocasião da sua fuga:

- CERTIDÃO DE NASCIMENTO- HISTORICO ESCOLAR- ROUPAS E SAPATOS DE USO PESSOAL- REDE

Protesta-se, ainda, pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos, notadamente, pelo depoimento pessoal dos reclamados, sob /tt/file_convert/577ccf271a28ab9e788f03dc/document.doc 1

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pena de confissão, juntada de novos documentos se necessário, bem como da produção de prova testemunhal.

Requer a citação dos reclamados, para, querendo, responderem os termos da presente, em audiência a ser designada por esta Vara, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato.

Pede, ainda, a teor do disposto no art. 84, IV, da LC nº 75/93, seja o Órgão do Ministério Público, que esta subscreve, notificado pessoalmente das decisões proferidas por V. Exª, no endereço da Procuradoria Regional do Trabalho da 16ª Região, situada na Av. Marechal Castelo Branco, 657, São Francisco, São Luís – MA, CEP 65.076-090, telefone 3235-2627.

No que pertine a custas e depósitos processuais, enfatiza a isenção que assiste ao Ministério Público, invocando, outrossim, as disposições do art. 18 da Lei nº 7.347/85, e arts. 19, § 2º e 27 do CPC.

Requer, ainda, a intimação da ADOLESCENTE, a fim de que compareça à audiência designada por V. Exª.

Dá-se à causa o valor de R$ 91.581,66 (noventa e um mi, quinhentos e oitenta e um reais e sessenta e seis centavos) para fins de alçada.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Luís, 28 de julho de 2005.

__________________________________Procuradora do Trabalho

ROL DE TESTEMUNHAS cujas intimações requer desde logo:

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