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3 1 Modelo de Custo para Fabricação Aditiva em Metal: Aplicação no Setor Aeroespacial Modelo de Custo para Fabricação Aditiva em Metal: Aplicação no Setor Aeroespacial fabricação aditiva, mais conhecida como impressão 3D, é A um processo de fabricação que difere do tradicional na medida em que se baseia na adição de material, camada a camada, para construir a peça desejada (Syed, 2015). A fabricação aditiva pode ser aplicada a um espectro alargado de materiais, como polímeros, cerâmicos, sistemas biológicos e metais (Frazier, 2014). A fabricação aditiva em metal (FAM) é uma tecnologia recente e que carece ainda de estudo e desenvolvimento em vários domínios, como o estudo de propriedades mecânicas e materiais, software, tratamentos de pós-processamento, otimização de design e criação de diretrizes (Herderick, 2011). No entanto, a FAM permite o desenvolvimento de aplicações que não eram possíveis até agora, como próteses ortopédicas personalizadas (Singh and Ramakrishna, 2017), turbinas a gás mais complexas e eficientes (Metal AM, 2017) e bocais de motor a jato que combinam 20 peças numa única parte (Kellner, 2014). Além disso, a FAM oferece vantagens relevantes como a possibilidade de fabricar peças mais leves e com designs mais complexos (Attaran, 2017). Devido à liberdade de fabricação e à otimização topológica, a FAM permite aumentar a eficiência da peça resultando frequentemente na redução de material utilizado e, em consequência, de peso da peça (Seabra et al., 2016). No sector aeroespacial, a redução de peso é de elevada importância, uma vez que o uso de componentes mais leves numa aeronave permite reduzir o seu peso total e, por isso, utilizar menos combustível, reduzindo custos e emissões poluentes (Lyons, 2011). Apesar das vantagens de integração e aplicação da FAM no sector aeroespacial, é importante estudar esta tecnologia sob um ponto de vista económico. A eficiência económica da FAM pode ser avaliada usando um modelo de custo que tem em conta os fatores envolvidos na produção de uma peça, as características da máquina, o material usado, o processo utilizado e mão-de-obra necessária (Hopkinson and Dickens, 2003). Esta análise permite fazer uma comparação com métodos de fabricação tradicionais, o que, em última instância, permite compreender qual o método mais vantajoso de produção (Ruffo et al., 2006). Para analisar a eficiência económica da FAM, utilizou-se como caso de estudo um componente de suporte aeronáutico, fabricado em aço inoxidável, numa máquina de FAM, desenvolvida pela ADIRA e localizada no Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEiiA), em Matosinhos. Esta máquina usa o processo de fusão em cama de pó (PBF), onde o material é disposto, em camadas, numa cama de pó. Parte do material, correspondente à secção do componente que está a ser fabricado, é fundido por um laser (fonte de energia mais comum) ou feixe de eletrões (Gibson et al., 2015). Este processo é repetido as vezes necessárias até o componente estar completo. No seguimento do trabalho desenvolvido por Ruffo et al. (2006), a análise que se apresenta neste artigo considera os custos segmentados em duas categorias: custos diretos e indiretos. Os custos diretos (€) são associados à construção da peça e estão diretamente relacionados com o número de peças produzidas. Por outro lado, os custos indiretos (€/hora) são custos fixos e independentes do número de peças que integram a produção. Os custos diretos foram organizados tendo em conta as várias fases do processo de produção: no pré-processamento incluem- se os tempos de preparação dos ficheiros STL e CAD da peça, de carregamento dos ficheiros e pré-aquecimento da máquina (horas); no processamento incluem-se o tempo de fabricação (horas), a taxa de rejeição (%), o peso da peça (em kg), o preço do material utilizado (€/kg), o preço da eletricidade (€/kWh) e a potência da máquina (kW); por fim, no pós-processamento estão incluídos os custos dos tratamentos térmico, de erosão a fio e shot peening (€/produção). Os custos indiretos foram também organizados em três categorias: custos gerais de produção, nos quais se incluem a renda anual por unidade de área da zona onde se efetua a 2 2 produção (€/ano.m ) e a área necessária para a produção (m ); custos gerais de administração, nos quais se contabilizam as compras de hardware e software (€) e o custo de hardware e software por ano (€/ano); por fim, os custos e características da máquina, nos quais se tem em conta a compra da máquina (€), a preparação para a operação na máquina (preparação da sala na 2 qual a máquina é instalada, €/m ), custo anual de manutenção e 2 consumíveis anuais da máquina (€/m ), a vida útil da máquina (anos) e o tempo anual de operação da máquina (horas). Para obter o custo total de produção é necessário, para além da determinação dos custos diretos e indiretos, calcular o tempo de produção do componente em causa. Conhecendo o número total de camadas e seguindo o trabalho de Ruffo et al. (2006), obteve- se a estimativa de 5,42 horas para a produção do componente analisado. Este valor apresenta um erro relativo (em módulo) de 9,60% em relação ao tempo real de fabricação, que é de 6 horas. Os dados necessários para os cálculos dos custos diretos e indiretos foram fornecidos pelo CEiiA e estimados pelos autores. Para a produção de um componente, obteve-se um custo total de 869,44€. A análise deste custo é apresentada na Figura 1, de onde se conclui que as despesas associadas à máquina de FAM e ao pós- processamento são as de maior impacto no custo total da peça. Figura 1 - Composição do custo total de produção de um componente

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Page 1: Modelo de Custo para Fabricação Aditiva em Metal · 31 Modelo de Custo para Fabricação Aditiva em Metal: Aplicação no Setor Aeroespacial A fabricação aditiva, mais conhecida

31

Modelo de Custo para Fabricação Aditiva em Metal: Aplicação no Setor AeroespacialModelo de Custo para Fabricação Aditiva em Metal: Aplicação no Setor Aeroespacial

fabricação aditiva, mais conhecida como impressão 3D, é A um processo de fabricação que difere do tradicional na

medida em que se baseia na adição de material, camada a

camada, para construir a peça desejada (Syed, 2015). A

fabricação aditiva pode ser aplicada a um espectro alargado de

materiais, como polímeros, cerâmicos, sistemas biológicos e

metais (Frazier, 2014).

A fabricação aditiva em metal (FAM) é uma tecnologia recente e

que carece ainda de estudo e desenvolvimento em vários

domínios, como o estudo de propriedades mecânicas e

materiais, software, tratamentos de pós-processamento,

otimização de design e criação de diretrizes (Herderick, 2011).

No entanto, a FAM permite o desenvolvimento de aplicações que

não eram possíveis até agora, como próteses ortopédicas

personalizadas (Singh and Ramakrishna, 2017), turbinas a gás

mais complexas e eficientes (Metal AM, 2017) e bocais de motor

a jato que combinam 20 peças numa única parte (Kellner,

2014). Além disso, a FAM oferece vantagens relevantes como a

possibilidade de fabricar peças mais leves e com designs mais

complexos (Attaran, 2017). Devido à liberdade de fabricação e à

otimização topológica, a FAM permite aumentar a eficiência da

peça resultando frequentemente na redução de material utilizado

e, em consequência, de peso da peça (Seabra et al., 2016).

No sector aeroespacial, a redução de peso é de elevada

importância, uma vez que o uso de componentes mais leves

numa aeronave permite reduzir o seu peso total e, por isso,

utilizar menos combustível, reduzindo custos e emissões

poluentes (Lyons, 2011).

Apesar das vantagens de integração e aplicação da FAM no

sector aeroespacial, é importante estudar esta tecnologia sob

um ponto de vista económico. A eficiência económica da FAM

pode ser avaliada usando um modelo de custo que tem em conta

os fatores envolvidos na produção de uma peça, as

características da máquina, o material usado, o processo

utilizado e mão-de-obra necessária (Hopkinson and Dickens,

2003). Esta análise permite fazer uma comparação com

métodos de fabricação tradicionais, o que, em última instância,

permite compreender qual o método mais vantajoso de produção

(Ruffo et al., 2006).

Para analisar a eficiência económica da FAM, utilizou-se como

caso de estudo um componente de suporte aeronáutico,

fabricado em aço inoxidável, numa máquina de FAM,

desenvolvida pela ADIRA e localizada no Centro de Engenharia e

Desenvolvimento de Produto (CEiiA), em Matosinhos. Esta

máquina usa o processo de fusão em cama de pó (PBF), onde o

material é disposto, em camadas, numa cama de pó. Parte do

material, correspondente à secção do componente que está a

ser fabricado, é fundido por um laser (fonte de energia mais

comum) ou feixe de eletrões (Gibson et al., 2015). Este processo

é repetido as vezes necessárias até o componente estar

completo.

No seguimento do trabalho desenvolvido por Ruffo et al. (2006),

a análise que se apresenta neste artigo considera os custos

segmentados em duas categorias: custos diretos e indiretos. Os

custos diretos (€) são associados à construção da peça e estão

diretamente relacionados com o número de peças produzidas.

Por outro lado, os custos indiretos (€/hora) são custos fixos e

independentes do número de peças que integram a produção.

Os custos diretos foram organizados tendo em conta as várias

fases do processo de produção: no pré-processamento incluem-

se os tempos de preparação dos ficheiros STL e CAD da peça, de

carregamento dos ficheiros e pré-aquecimento da máquina

(horas); no processamento incluem-se o tempo de fabricação

(horas), a taxa de rejeição (%), o peso da peça (em kg), o preço do

material utilizado (€/kg), o preço da eletricidade (€/kWh) e a

potência da máquina (kW); por fim, no pós-processamento estão

incluídos os custos dos tratamentos térmico, de erosão a fio e

shot peening (€/produção).

Os custos indiretos foram também organizados em três

categorias: custos gerais de produção, nos quais se incluem a

renda anual por unidade de área da zona onde se efetua a 2 2produção (€/ano.m ) e a área necessária para a produção (m );

custos gerais de administração, nos quais se contabilizam as

compras de hardware e software (€) e o custo de hardware e

software por ano (€/ano); por fim, os custos e características da

máquina, nos quais se tem em conta a compra da máquina (€), a

preparação para a operação na máquina (preparação da sala na 2qual a máquina é instalada, €/m ), custo anual de manutenção e

2consumíveis anuais da máquina (€/m ), a vida útil da máquina

(anos) e o tempo anual de operação da máquina (horas).

Para obter o custo total de produção é necessário, para além da

determinação dos custos diretos e indiretos, calcular o tempo de

produção do componente em causa. Conhecendo o número total

de camadas e seguindo o trabalho de Ruffo et al. (2006), obteve-

se a estimativa de 5,42 horas para a produção do componente

analisado. Este valor apresenta um erro relativo (em módulo) de

9,60% em relação ao tempo real de fabricação, que é de 6

horas. Os dados necessários para os cálculos dos custos diretos

e indiretos foram fornecidos pelo CEiiA e estimados pelos

autores.

Para a produção de um componente, obteve-se um custo total de

869,44€. A análise deste custo é apresentada na Figura 1, de onde

se conclui que as despesas associadas à máquina de FAM e ao pós-

processamento são as de maior impacto no custo total da peça.

Figura 1 - Composição do custo total de produção de um

componente

Page 2: Modelo de Custo para Fabricação Aditiva em Metal · 31 Modelo de Custo para Fabricação Aditiva em Metal: Aplicação no Setor Aeroespacial A fabricação aditiva, mais conhecida

Uma vez que geralmente se pretende produzir mais do que um só

componente, analisaram-se os custos associados à produção de

múltiplos componentes. Esta análise foi feita por analogia à feita

para a produção de um único componente. Contudo, foi

necessária uma nova estimativa do tempo de fabrico que tem em

conta o número de peças a ser produzido. Esta estimativa

assumiu que a orientação das peças não se altera e, por isso, o

número de camadas necessárias é igual ao de produção de um

único componente. Assim, o tempo de sinterização varia

consoante o número de peças que integram a produção e o

tempo de revestimento mantém-se constante. Deste modo,

pode concluir-se que o tempo de fabrico não é diretamente

proporcional ao número de componentes produzidos. No que diz

respeito ao custo total de produção por peça, este diminui à

medida que o volume da produção aumenta, até eventualmente

estabilizar, como apresentado na Figura 2. A diminuição do custo

total de produção por peça deve-se ao facto dos custos indiretos,

ao serem cobrados num número crescente de componentes,

assumirem um valor por peça cada vez menor, até atingir a

estabilização que se reflete no custo total de produção por peça.

Figura 2 - Evolução do custo por peça com o volume de produção

Assumiu-se que os custos associados ao pré-processamento são

cobrados por produção, uma vez que as peças são todas iguais.

Para além disso, foi também necessário um ajuste do tempo de

pós-processamento, que teve por base os dados obtidos para a

produção de um único componente e os trabalhos de Laureijs et

al. (2017) e Atzeni and Salmi (2012). Considerando um volume

de produção de 2000 peças, obtém-se um custo de produção

por peça de 199,54€.

A análise feita a este custo é apresentada na Figura 3,

demonstrando novamente que os custos associados à máquina

de FAM são os que mais influenciam o custo de produção da peça.

Figura 3 - Composição do custo total por componente de uma

produção múltipla

Este modelo de custo pode ser utilizado para uma comparação

com os métodos tradicionais de fabricação, com o objetivo de

perceber qual é o mais vantajoso e em que circunstâncias isto

acontece. Devido à estabilização do custo de produção por peça,

pode considerar-se, em termos gerais, que este método se

adequa a produções de baixos a médios volumes, comuns na

indústria aeroespacial. Quanto à produção de elevados volumes,

dificilmente a FAM atinge a eficiência de métodos como a injeção

por molde, cujo elevado custo dos moldes acaba por ser diluído

no elevado volume de produção.

Agradecimentos: Os autores agradecem ao CEiiA e à ADIRA pelo

apoio prestado durante a realização deste estudo.

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Marta Gonçalves, Anabela Reis e Joana Mendonça - Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, Av. Rovisco Pais, nº 1, 1049-001 Lisboa, Portugal.

Agradecimentos

Referências

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