modelagem atmosférica - alexandre costa (rascunho, 2003)

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa MODELAGEM ATMOSFÉRICA Programa 1 – Equações Básicas da Atmosfera 2 – Sistemas de Coordenadas 3 – O Problema da Discretização 4 – Parametrizações Físicas I - Nuvens e Convecção 5 – Parametrizações Físicas II Bibliografia Complementar Holton: An Introduction to Dynamic Meteorology Pielke: Mesoscale Meteorological Modeling Cotton and Anthes: Storm and Cloud Dynamics Stull: An Introduction to Boundary-Layer Meteorology Emanuel: Atmospheric Convection

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Apostila do curso de Modelagem Atmosférica elaborada pelo Prof. Dr. Alexandre Araújo Costa da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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Page 1: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

MODELAGEM ATMOSFÉRICA

Programa

1 – Equações Básicas da Atmosfera2 – Sistemas de Coordenadas3 – O Problema da Discretização4 – Parametrizações Físicas I - Nuvens e Convecção5 – Parametrizações Físicas II

Bibliografia Complementar

Holton: An Introduction to Dynamic MeteorologyPielke: Mesoscale Meteorological ModelingCotton and Anthes: Storm and Cloud DynamicsStull: An Introduction to Boundary-Layer MeteorologyEmanuel: Atmospheric Convection

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

1. Equações Básicas da Atmosfera1.1. Introdução

A dinâmica e a termodinâmica da atmosfera são regidas por leis de conservação, comdestaque para:

a) A Conservação da Massab) A Conservação do Momentumc) A Conservação da Energiad) A Conservação da Água e outras substâncias

Estas leis são escritas na forma de equações diferenciais parciais.

1.2. Interpretação Euleriana versus Lagrangeana

As leis de conservação a serem estudadas neste Capítulo contêm expressões que dão a taxade variação da densidade, velocidade, energia, etc. com o tempo. Nestas equações, épreciso diferenciar dois pontos de vista: o Euleriano e o Lagrangeano

Sob uma perspectiva Euleriana, os balanços nas quantidades acima citadas é feito em umvolume, cuja posição é fixa com respeito aos eixos cartesianos. Em um modeloatmosférico, isso corresponde precisamente ao conceito de caixa de grade. Na visãoLagrangeana, por outro lado, este volume deixa de ser fixo e passa a consistir em umaparcela do fluido, ou seja, uma porção suficientemente pequena do mesmo, que passa a seracompanhada pelo observador. No primeiro caso (Euleriano), o observador “mede” asgrandezas físicas em um ponto fixo do espaço, relativamente aos eixos coordenados. Nosegundo caso (Lagrangeano), o observador “mede” a evolução das mesmas grandezas emuma dada parcela do fluido. A Figura 1.1 representa a distinção entre os dois pontos devista.

Euler Lagrange

Figura 1.1 – Representação dos pontos de vista Euleriano (fixo no espaço) e Lagrangeano(seguindo a parcela do fluido)

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

As taxas de variação das grandezas físicas com o tempo medidas pelos dois observadores éobviamente diferente e é preciso expressar matematicamente essa diferença.

Como no caso Euleriano o observador está fixo no espaço, a variação que ele mede éaquela da grandeza física, que é uma função de múltiplas variáveis (x, y, z e t) somente como tempo, o que corresponde à própria definição de derivada parcial. Em nossos estudos,nós nos referiremos mais comumente a essa derivada como a derivada local.

Seja f uma função do espaço e do tempo, f(x,y,z,t), sua derivada local é dada simplesmentepor

tf

∂∂

No caso Lagrangeano, o observador tem de levar em conta a dependência da grandezafísica em questão com o conjunto das variáveis x, y, z, t, ou seja, na verdade ele estácalculando o que se costuma chamar derivada total e que, em nossos estudos também serádenominada de derivada material.

Seja f uma função do espaço e do tempo, f(x,y,z,t), sua derivada material é dadasimplesmente por

DtDf

Qual a relação entre as duas? É simples. Como para uma parcela do fluido x, y e z sãofunções do tempo,

zf

wyf

vxf

utf

DtDf

zf

dtdz

yf

dtdy

xf

dtdx

tf

DtDf

∂∂+

∂∂+

∂∂+

∂∂=⇒

∂∂+

∂∂+

∂∂+

∂∂=

(1.1)

A equação acima pode ser reescrita somente em termos dos operadores de derivadamaterial e local, ou seja,

∇⋅+∂∂=

∂∂+

∂∂+

∂∂+

∂∂= V

tzw

yv

xu

tDtD

,

(1.2)

onde V = ui + vj +wk é o vetor velocidade no fluido.

1.3. Conservação da Massa – Equação da Continuidade

Aplicado à atmosfera, o princípio de conservação da massa implica em que a massa daatmosfera é constante. Sejam ρ a densidade do ar e p a pressão, este princípio é localmente

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

representado pela chamada equação da continuidade, que pode ser escrita na chamada“forma de fluxos”,

( ) 00 =∂∂+

∂∂+

∂∂+

∂∂⇒=⋅∇+

∂∂

zw

yv

xu

ttρρρρρρ V ,

(1.3)

na chamada forma “ advectiva”,

0=⋅∇+∇⋅+∂∂ VV ρρρ

t,

(1.4)

ou ainda, usando a identidade (1.2),

0=⋅∇+ VρρDtD

(1.5)

Algumas aproximações podem ser feitas à equação (1.3). Dentre elas, destacamos aschamadas aproximações anelástica e incompressível.

No primeiro caso (aproximação anelástica), a derivada local da densidade é consideradadesprezível e o único termo restante é o divergente do fluxo de massa. Esta aproximação éadequada quando se deseja excluir as ondas sonoras e é representada na equação (1.6).

( ) 0=⋅∇ Vρ , aproximação anelástica(1.6)

Outra aproximação, ainda mais “radical”, é a chamada aproximação incompressível, emque, como o próprio nome diz, o fluido possui densidade constante. Neste caso, é fácilperceber que a equação (1.3) se reduz a

0=⋅∇ V(1.7)

Na maioria dos modelos de mesoescala modernos, tais aproximações têm sido abandonadase a forma compressível da equação da continuidade é geralmente preservada. Para evitarinstabilidades numéricas relacionadas às ondas de som, procedimentos tais como ochamado “ time-splitting” (divisão do passo de tempo em pequenos intervalos somente parao cálculo das componentes mais rápidas) ou a redução artificial da velocidade das ondassonoras.

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1.4. Conservação do Momentum

Aplicando-se a 2a Lei de Newton a um fluido compressível, pode-se deduzir uma equaçãoque iguala a aceleração de uma parcela deste fluido ao somatório das forças por unidade demassa, atuando sobre a mesma.

Vale lembrar que, como a Terra não é um referencial inercial, forças fictícias aparecerão. Aforça centrífuga é via de regra pequena o suficiente para se somar ao termo gravitacional. Jáa força de Coriolis aparece como um termo à parte, muito importante na dinâmicaatmosférica, especialmente em latitudes mais altas.

A equação do momentum para a atmosfera pode ser escrita como

^ ^

viscosaforça

2

gravidade

pressão degradiente

Coriolisaceleração

12 VkVÙ

V ∇+−∇−×−= νρ

gpDtD

,

(1.8)

tal que ΩΩ é o vetor velocidade angular da Terra.

Expandindo a equação (1.8) nas três componentes, num espaço de coordenadas cartesianas,obtém-se

zp

gufzw

wyw

vxw

utw

yp

fuzv

wyv

vxv

utv

xp

wffvzu

wyu

vxu

utu

∂∂

−−=∂∂+

∂∂+

∂∂+

∂∂

∂∂−−=

∂∂+

∂∂+

∂∂+

∂∂

∂∂−=

∂∂+

∂∂+

∂∂+

∂∂

ρ

ρ

ρ

1

1

1

,

(1.9)

em que f = 2Ωsenφ, f = 2Ωcosφ e foram desprezados os termos da força viscosa

De fato, com exceção da camada próxima à superfície, a força de natureza viscosa édesprezível. Não obstante, quando as equações (1.9) são utilizadas em um modeloatmosférico, um outro problema surge: o das escalas que não podem ser resolvidas com oespaçamento de grade dado.

Várias aproximações costumam ser feitas nas equações do momentum horizontal,dependendo da aplicação. Modelos de larga escala mais simples podem usar asaproximações quase-geostrófica ou semi-geostrófica. Outros modelos podem usar equaçõesderivadas a partir de (1.8), como a equação da vorticidade, por exemplo.

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Outra aproximação cujo uso foi muito comum é a aproximação hidrostática, na qual asperturbações de pressão e densidade estão em equilíbrio hidrostático. Neste caso, na últimadas equações (1.9), desprezam-se os termos de aceleração (derivada local da velocidadevertical e termos de advecçao) e o termo de Coriolis e obtém-se

gzp ρ−=

∂∂

(1.10)

Hoje, porém existe uma tendência a usar as equações do fluido atmosférico em modelos demesoescala em sua forma primitiva e não-hidrostática.

1.5. Conservação da Energia

Há várias formas de expressar a conservação da energia em modelos atmosféricos, masuma maneira simples é escreve-la em termos da conservação da temperatura potencial.

A temperatura potencial é uma grandeza que se conserva em processos adiabáticos. Emuma parcela de ar, a temperatura potencial nada mais é do que a temperatura que estaparcela atingiria caso fosse conduzida adiabaticamente, do nível de pressão em que ela seencontra até um nível de referência (digamos 1000 mb = 105 Pa). Pode-se demonstrar queesta grandeza é dada por:

κ

θ

=

pp0

(1.11)onde κ = R/cp

Dizer que uma dada grandeza se conserva (ou seja, é constante) em uma parcela, significadizer que a derivada material desta grandeza é nula, ou seja,

00 =∇⋅+∂∂⇒= θθθ V

tDtD

(1.12)

A equação (1.12) só é válida para processos adiabáticos, mas... e o caso geral? No casogeral, ou seja, diabático, basta conhecer as fontes de calor, e escrever:

( ) ( ) QVt

QVtDt

D ρθρρθθθθ =⋅∇+∂∂⇒=∇⋅+

∂∂=

(1.13)

onde Q é a taxa de aquecimento diabático, geralmente dada pela soma da contribuição dediversos processos físicos, dentre eles a mudança de fase da água, a transferência radiativa,

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etc. A equação (1.14) descreve esta soma em maiores detalhes (o sinal positivo indicaaquecimento e o negativo, resfriamento):

++

−+

+

−+

+

−+

+

−+

+

−+

=

cinética energia de molecular dissipação

asendotérmic químicas reações sexotérmica químicas reações

radiativo fluxo do adivergênci

radiativo fluxo do iaconvergênc

sublimação

deposição

fusão

çãosolidifica

evaporação

ocondensaçãQ

(1.14)

1.6. Conservação da Água

Como qualquer outras substância, a água se conserva, a não ser que sofra reações químicas.Uma vez que a água dificilmente reage quimicamente quando está na atmosfera, este efeitopode ser desprezado. Daí, a água apenas transita entre uma categoria e outra. O termocategoria, no contexto de nosso curso, é mais amplo que o termo fase, que corresponde aostrês estados físicos que a água pode adquirir na atmosfera terrestre (gasoso, líquido esólido). Exemplos comuns de categorias de água são o vapor, “água de nuvem” e “água dechuva”, cristais de gelo, neve ou agregados, “ graupel”, granizo, ou simplesmente intervalosde tamanho de gotas líquidas ou cristais, como veremos posteriormente.

Para uma dada categoria de água, pode-se definir a razão de mistura como sendo a massapor unidade de massa do ar, ou seja,

mm

q ii =

(1.15)

A taxa de variação da razão de mistura de uma dada categoria é dada simplesmente pelaação de suas fontes e sumidouros, ou seja,

( ) ( ) iiiiiii Sqq

tSq

tq

DtDq

ρρρ =⋅∇+∂∂⇒=∇⋅+

∂∂

= VV .

(1.16)

Considere um caso simples de um modelo que apenas contém vapor e água líquida, semprecipitação, ou seja, um modelo que poderia simular nuvens de bom tempo de maneirasimplificada. Neste caso, teríamos i = 1 para o vapor e i = 2 para a “água de nuvem”. Nestecaso, teríamos:

S1 = evaporação – condensaçãoS2 = condensação – evaporação

(1.17)

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Modelos mais complexos podem ter muitas outras categorias de água e, portanto, um semnúmero de fontes e sumidouros, como veremos no próximo capítulo.

O raciocínio usado para a água pode ser generalizado para outras substâncias. Isto pode serde interesse quando se quer estudar transporte de aerossóis, poluentes, etc.;

1.7. Médias de Reynolds

O que um modelo representa, em cada ponto de sua grade, não é o valor das grandezasfísicas naquele ponto, mas a média dessas grandezas na caixa de grade. Na prática, omodelo é incapaz de resolver as flutuações destas grandezas em escalas menores.

Para que isto fique mais claro, consideremos a Figura 1.2.

Figura 1.2 – Flutuações de uma grandeza genérica dentro das caixas de grade de um modelo

Perceba que, dentro de cada caixa de grade, qualquer grandeza física varia, mas isto não é“percebido” pelo modelo. É o caso de variações de mesoescala nos ventos em um modelode larga escala, as flutuações nos campos de umidade e temperatura associadas com nuvensdentro de um modelo de mesoescala ou os efeitos dos pequenos turbilhões em um modelode LES.

Seja uma determinada grandeza f, podemos representar a média dessa grandeza em umacaixa de grade e no tempo como f , ou seja,

∫ ∫ ∫ ∫∆

+

∆−

∆+

∆−

∆+

∆−

∆+

∆−

∆∆∆∆=

2

2

2

2

2

2

2

2

1

xx

xx

yy

yy

zz

zz

tt

tt

dtdzdydxftzyx

f

(1.18)

A flutuação em pequena escala dessa mesma grandeza será representada por f ′ , de talmodo que

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

fff ′+=(1.19)

A seguir, aparecem algumas considerações necessárias às deduções das médias deReynolds. Elas advêm do fato de que o operador de média é uma integral cujos limites sãofixos.

∂∂=

∂∂

=′=

etc.

0

xf

xff

ff

(1.20)

Se aplicarmos essas regras a uma equação como (1.13), na chamada “forma de fluxo”,desprezarmos as perturbações na densidade e calcularmos a média sobre a equaçãoresultante, obteremos

( ) ( ) ( )θρρθρθρ ′′⋅∇−−=⋅∇+∂∂ VV Qt

.

(1.21)

Os símbolos de média de uma única variável podem ser retirados, para simplificar anotação, de modo que variáveis “linha” representem flutuações e variáveis “sem linha”representem médias. Daí,

( ) ( ) ( )θρρθρρθ ′′⋅∇−−=⋅∇+∂∂ VV Qt

(1.22)

O último termo, que contém uma correlação entre as flutuações no vento e na temperaturapotencial representa o transporte não resolvido pela grade do modelo, ou o transporte naescala da sub-grade, ou ainda, a grosso modo, a turbulência!

Exercícios

1. Na sala de aula, foi deduzida a equação da continuidade usando a formulaçãoLagrangeana. Deduza a mesma equação na formulação Euleriana.

2. Aplique as médias de Reynolds para a equação do momentum na forma de fluxopara encontrar a equação contendo os termos de estresse.

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2. Sistemas de Coordenadas2.1. Projeções horizontais

Em modelos atmosféricos, é comum o uso de coordenadas não-cartesianas tanto nahorizontal quanto na vertical. Por exemplo, modelos globais usam coordenadas esféricas.

Modelos de mesoescala, por sua vez, podem se utilizar de coordenadas cartesianas nahorizontal, principalmente quando apenas uma pequena área é coberta pelo domíniocomputacional. Uma grade cartesiana é. mostrada na Figura 2.1.

Figura 2.1 – Grade em coordenadas cartesianas

O uso de outros sistemas de coordenadas horizontais, no entanto, também é comum.Quando a área representada pelo domínio de um modelo de mesoescala é extensa, asdiferenças entre o plano da grade e a superfície da esfera crescem. Dentre elas, encontramosa projeção polar (Figura 2.2), a projeção de Mercator (Figura 2.3) e a projeção de Lambert(Figura 2.4). Em todas essas projeções, a deformação associada à representação da esferasobre a grade do modelo é dada pelo fator de escala da projeção (m). Sejam dois pontossobre a superfície terrestre, o fator de escala da projeção é dado por

m = (distância projetada na grade do modelo) / (distância real sobre a superfície terrestre)(2.1)

Em geral, existem fatores de escala diferentes para os meridianos e os paralelos, de talforma que é possível definir mx e my como sendo os fatores de escala da projeção ao longodas direções zonal e meridional, respectivamente. No caso em que a deformação é a mesmaem ambas as direções na horizontal, a projeção é dita conforme.

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Figura 2.2 – Projeção Estereográfica Polar

Para a projeção estereográfica polar (Figura 2.2), os pontos na esfera são projetados a partirde um dos pólos, sobre um plano. Seja a o raio da esfera, para uma dada latitude φ, operímetro descrito por um paralelo sobre a esfera é

L0 = 2π a cos φ.(2.2)

Usando semelhança de triângulos, pode-se deduzir que o perímetro deste paralelo, ao serprojetado no plano tangente ao pólo, é

L = 4π a cos φ / (1 + sen φ).(2.3)

O fator de escala da projeção, ao longo da direção zonal, será, então,

φsenLL

mx +==

12

0

(2.4)

Agora, procederemos ao cálculo de my. Para uma dada latitude φ, a distância linear sobre aesfera, correspondente a um ângulo infinitesimal dφ é dada por:

dy0 = a.dφ

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

(2.5)

Seja x a distância entre o pólo e o plano tangencial ao pólo oposto. Daí, a projeção de y0

sobre o plano é uma outra distância infinitesimal, tal que:

dy = - x.dα/cosα(2.6)

Perceba o sinal negativo, que indica que um crescimento infinitesimal em φ leva a umaredução infinitesimal em α. Substituindo (2.5) e (2.6) em (2.1), podemos determinar o fatorde escala:

φα

α dd

cosax

m y −=

(2.7)

O valor de x pode ser calculado por uma relação trigonométrica simples:

x = 2a/cosα(2.8)

Para calcular a derivada envolvendo os ângulos, usaremos a seguinte relaçãotrigonométrica, deduzida a partir do triângulo retângulo indicado na Figura 2.2, de catetosa cosφ e a (1 + senφ):

φα

φαφ

φαα

φφα

sencos

dd

dsen

dsecsen

costg

+−=⇒

+−=⇒

+=

111

1

22

(2.9)

Ao substituirmos (2.8) e (2.9) em (2.7), obtemos, então,

φφα

α senm

sencos

cosaa

m yy +=⇒

+

−−=1

21

2 2

2

(2.10)

Perceba que, como mx = my, a projeção polar estereográfica é conforme.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Figura 2.3 – Projeção de Mercator

No caso da projeção de Mercator (Figura 2.3), os pontos da esfera são levados a umcilindro que, no caso geral, é secante a ela, interceptando-a ao longo de dois paralelos, delatitudes φ0 e −φ0 (um caso particular é aquele em que o cilindro é tangente à esfera, aolongo do equador).

Para calcularmos o fator de escala na direção zonal, voltaremos a usar o perímetro de umparalelo sobre a esfera, dado pela equação (2.2). Nota-se que, na projeção de Mercator,todos os paralelos são projetados em seções transversais do cilindro, cujo raio é a.cosφ0.Segue, portanto, que

L = 2π a cos φ0.(2.11)

Da definição de fator de escala, decorre que

φφ

coscos

mx0=

(2.12)

Para a direção meridional, pode-se demonstrar que

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

dy = a cos φ0 dφ / cos2φ(2.13)

Combinando as equações (2.5) e (2.13), obtemos:

φφ2

0

cos

cosm y =

(2.14)

É evidente, com base nas equações (2.12) e (2.14), que a projeção de Mercator leva aproblemas nos pólos (φ = 900), com os valores do fator de escala em ambas as direçõestendendo a infinito. Além disso, fica claro que a projeção de Mercator não é conforme.Apesar destas desvantagens, pode-se verificar que, ao ser aplicada em um modelo de árealimitada, a projeção de Mercator representa exatamente a esfera ao longo de um arco doequador. Já o plano da projeção polar estereográfica tem um único ponto de interseção coma superfície esférica, o pólo.

Figura 2.4 – Projeção de Lambert

Finalmente, a Figura 2.4 apresenta o diagrama esquemático da projeção de Lambert. Nestecaso, a esfera é projetada em um cone que a intercepta em até dois paralelos (como nafigura). O cálculo dos fatores de escala para esta projeção é deixado como exercício.

Uma generalização das coordenadas aqui descritas é comumente feita em modelosatmosféricos de área limitada. Via de regra, o pólo, em uma grade polar estereográfica, écompletamente arbitrário, podendo ser colocado em qualquer localização da esfera que sequeira. O mesmo acontece com as linhas de intersecção na projeção de Lambert e com atangente à esfera no caso da projeção de Mercator.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

O fator de escala influencia a maneira como as equações básicas são implementadas nosmodelos numéricos, mas a descrição detalhada das equações modificadas está fora dosobjetivos deste curso.

2.2. Coordenadas verticais generalizadas

Na vertical, o uso de coordenadas cartesianas também é impróprio para muitas aplicaçõesem mesoescala, especialmente quando se tem uma topografia envolvida no problema.Outros sistemas de coordenadas verticais podem ser utilizados, destacando-se:

- Coordenadas isobáricas (de pressão ou logaritmo da pressão)- Coordenadas isentrópicas (de temperatura potencial)- Coordenadas sigma (σ-z ou σ-p)

Alguns exemplos de sistemas de coordenadas verticais são mostrados na Figura 2.5.

Figura 2.5 – Coordenadas verticais (a) cartesianas, (b) isobáricas, (c) isentrópicas, (d) sigma

Seja uma coordenada vertical generalizada ζ, que é, no caso geral, função do tempo e daposição. Considere a Figura 2.6, em que as iso-superfícies de ζ são mostradas juntamentecom as superfícies horizontais.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

ζ = ζ2

ζ = ζ1

z = z2 φ = φ1 φ = φ2

z = z1

φ = φ0

x = x1 x = x2

Figura 2.6 – Seção reta vertical da atmosfera, indicando as superfícies horizontais e as iso-superfícies de ζζ

A variação horizontal de uma grandeza qualquer φ (ou seja, ao longo de superfícies de zconstante) é dada aproximadamente por

12

12

xxx z −−

≅∂∂ φφφ

.

(2.15)

Esta é a derivada no sistema de coordenadas cartesianas convencionais, ou seja, que temcomo variáveis independentes x, y, z e t, ou seja, as três coordenadas espaciais cartesianas eo tempo.

Ao substituirmos z por ζ, a derivada de φ em relação a x no novo sistema de coordenadas é

12

02

xxx −−

≅∂∂ φφφ

ζ

.

(2.16)

É possível encontrar uma equação envolvendo zx∂

∂φe

ζ

φx∂

∂, ao incluirmos aproximações

para a derivada de z em relação a ζ e para a derivada vertical de φ, ou seja,

Page 17: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

ζζ

φφφ

φφφφφφφφφφ

xz

zxx

xxzz

zzxxxxxxxx

xz ∂∂

∂∂+

∂∂=

∂∂

⇒−−

−−

+−−

=−−

+−−

=−−

12

12

12

01

12

12

12

01

12

12

12

02

(2.17)

De maneira similar, pode-se deduzir que:

ζφ

ζφ

φφφ

φφφ

φφφ

ζζ

ζζ

ζζ

∂∂

∂∂=

∂∂

∂∂

∂∂+

∂∂=

∂∂

∂∂

∂∂+

∂∂=

∂∂

∂∂

∂∂+

∂∂=

∂∂

zz

tz

ztt

yz

zyy

xz

zxx

xz

xz

xz

(2.18)

A derivada total, por outro lado, passa a ser dada simplesmente por

ζζ

∂∂+

∂∂+

∂∂+

∂∂=

yv

xu

tDtD

(2.19)

Como o uso de certas coordenadas generalizadas modifica as equações básicas daatmosfera? Vejamos alguns exemplos.

a) Coordenadas de pressão

No caso de coordenadas isobáricas, o termo de gradiente de pressão na equação domomentum é substituído por

ppxz xz

gxz

zp

xp

∂∂−=

∂∂

∂∂−−=

∂∂−

ρρ11

,

(2.20)

ou seja, pelo gradiente horizontal do geopotencial. Na dedução da equação (2.19), usou-se a

relação hidrostática (1.10) e o fato de que px

p∂∂

é nulo. Uma vantagem dessa substituição é

que o fator que multiplica a derivada do geopotencial é uma constante, eliminando-se umavariável (a densidade do ar).

Page 18: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Na verdade, a densidade é eliminada enquanto variável do sistema de equações como umtodo. A equação da continuidade também é simplificada. Pode-se provar que ao definirmos

a velocidade vertical em coordenadas isobáricas, dtdp=ω , a equação da continuidade se

resume a:

0=∂∂+

∂∂+

∂∂

pyv

xu ω

(2.21)

b) Coordenadas sigma

No caso das coordenadas tipo σ-z, a transformação que a relaciona com a coordenadacartesiana convencional é simplesmente dada por:

HzHzz

Hzg

g

−−== σ*

(2.22)

tal que H representa a altura do topo do domínio e zg é a altura da topografia local. É fácilperceber que σ varia de 0, na superfície, até a unidade, no topo. Já z*, definido pelo produtoentre σ e H, varia de 0, na superfície, até H, no topo. No topo do domínio computacional,que é uma superfície horizontal, z e z* coincidem, como mostra a Figura 2.10a. No caso deum terreno horizontal (como sobre o oceano), a coordenada σ se reduz à coordenadacartesiana convencional (Figura 2.10b).

Figura 2.10 – Coordenadas sigma-z: (a) caso geral e (b) caso particular de terreno plano

Exercícios:

1. Encontre os fatores de escala mx e my da projeção de Lambert, para os casos de umcone (a) secante à esfera nas latitudes φ1 e φ2 e (b) de um cone tangente à esfera nalatitude φ0.

Page 19: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

2. Deduza a equação da continuidade em coordenadas isobáricas (2.21)3. Use a equação (2.21) para encontrar a equação de momentum zonal em coordenadas

sigma e explique o significado do termo contendo x

z g

∂∂

.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

3. O Problema da Discretização3.1. Considerações gerais sobre Modelagem Atmosférica

Todo modelo é uma representação da realidade. Em nosso caso, olharemos particularmentepara um tipo de representação da atmosfera terrestre: os modelos numéricos atmosféricos.

Os modelos numéricos da atmosfera resolvem as equações do fluido atmosférico através deaproximações. Estas equações em geral não possuem solução analítica, o que nos obriga aouso de técnicas numéricas para resolvê-las.

Como qualquer modelo numérico, todo modelo atmosférico precisa atender a algunsrequisitos, para que ele possa representar o problema em questão, ou seja, a circulaçãoatmosférica. Estes critérios são:

a) Consistência – o modelo deve ser consistente na representação do fenômeno físicob) Convergência – as soluções do modelo devem ser convergentesc) Precisão – no limite das aproximações, o modelo deve tender à solução exatad) Estabilidade – as soluções do modelo devem ser estáveis.

Uma vez que a atmosfera terrestre contempla um largo intervalo de escalas, tambémexistem vários tipos de modelos atmosféricos, cuja hierarquia é parte ditada pela escalaatmosférica que eles representam, parte determinada pelo tipo de aplicação a que eles sedestinam.

A seguir, listamos algumas categorias de modelos atmosféricos:

a) Modelos globais:

São modelos que, como a nomenclatura já diz, se destinam a descrever movimentosatmosféricos sobre o planeta como um todo. Por esse motivo, também são conhecidoscomo modelos de circulação geral (GCMs). Os mesmos podem ser configurados paraprevisão de tempo (como é o caso dos modelos globais do NCEP, do ECMWF e tambémdo CPTEC) ou para estudos climáticos (com ou sem acoplamento com um modelooceânico de circulação geral). No primeiro caso, o modelo é executado por um tempo físicode alguns dias (entre uma e duas semanas) e visa representar a formação e a evolução desistemas de tempo de escala sinóptica da forma mais real possível. Já no segundo caso, omodelo não está interessado em sistemas de tempo individuais, mas nas propriedadesestatísticas da circulação atmosférica em escalas de tempo de meses ou mesmo anos.

Por limitações computationais, os GCMs ainda são obrigados a ter um espaçamento degrade muito grande, da ordem de várias dezenas a poucas centenas de quilômetros (oumelhor, como a maioria deles é espectral, é mais apropriado afirmar que o modelo éincapaz de representar modos de pequeno comprimento de onda, devido ao truncamento daexpansão em série). Devido a essa resolução pobre, muitos fenômenos não podem serexplicitamente resolvidos em GCMs; têm de ser parametrizados.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

b) Modelos de Mesoescala

São modelos cujo espaçamento de grade, via de regra, é menor do que aquele usado emmodelos globais, o que permite a representação de fenômenos de mesoescala.

Geralmente, tais modelos se aplicam a estudos ou previsões de tempo em escala regionale/ou local. Devido a este fato, são também conhecidos como modelos de área limitada, jáque sua grade não cobre toda a extensão da superfície terrestre (como os modelos globais),mas somente a atmosfera sobre uma dada área.

Tais modelos permitem a representação de fenômenos que dificilmente são simulados emmodelos globais, como a evolução de sistemas de tempo de mesoescala, a influência datopografia, etc; Isso se dá graças à melhor resolução dos modelos de mesoescala, cujoespaçamento de grade é, via de regra, de uma a algumas dezenas de quilômetros.

Ainda assim, apesar de sua resolução ser bem mais fina, em comparação com os GCMs, osmodelos de mesoescala não são ainda capazes de resolver fenômenos como a formação denuvens individuais, as circulações internas dentro de sistemas de nuvens, a turbulência, etc.Estes fenômenos mais uma vez têm de ser parametrizados.

Do ponto de vista de suas aplicações, recentemente os modelos de área limitado têm nãosomente servido para fins de previsão de tempo (como os modelos ETA, RAMS, MM5,ARPS, etc., em diversos centros de meteorologia do Brasil e do exterior), mas também têmencontrado uso em estudos climáticos. Dá-se o nome de “ downscaling” à técnica de usardados de modelos globais para alimentar modelos regionais em simulações climáticas(como no caso do modelo espectral regional do International Research Institute for ClimatePrediction – IRI).

c) Modelos de Nuvens

Em seguida, na hierarquia de escalas, aparecem os modelos capazes de explicitamenteresolver circulações em escala de nuvens individuais. Tais modelos podem sergenericamente denominados como modelos de nuvens.

Tais modelos, ao longo de sua evolução, apareceram com diversas dimensões, de modelos“unidimensionais”, em que a nuvem era considerada um cilindro a modelos bidimensionais(de simetria cartesiana ou cilíndrica) e tridimensionais. Em sua maioria, tais modelos foramutilizados no estudo das propriedades dinâmicas ou microfísicas de nuvens isoladas.

Mais recentemente, uma derivação dos modelos de nuvens individuais assumiu papel dedestaque nas pesquisas atmosféricas: os modelos de “ensemble” de nuvens. Definidoscomo “modelos capazes de resolver nuvens individuais, cujo domínio é grande o suficientepara conter várias nuvens e cujo tempo de execução é longo o suficiente para conter váriosciclos de vida de nuvens” ( Randall et al. 1996), os modelos de ensemble encontram usos osmais variados. Dentre estes usos, destacamos a formulação de parametrizações de nuvens econvecções para GCMs.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Modelos de nuvem de um modo geral possuem espaçamentos de grade da ordem de 1kmou menos. Assim, movimentos atmosféricos em escala convectiva podem serexplicitamente resolvidos, sendo necessário parametrizar apenas fenômenos em escalasainda menores, como a turbulência e a microfísica.

d) Modelos de Simulação de Grandes Turbilhões

Os modelos de simulação de grandes turbilhões (ou modelos de LES, do termo inglês“ Large-Eddy Simulation” são modelos com espaçamento de grade ainda mais finos que osmodelos de nuvens.

Assim como os modelos de ensemble de nuvens, os modelos de LES são concebidos paraextrair as propriedades estatísticas de um dado sistema atmosférico, no caso, os grandesturbilhões da camada-limite atmosférica.

Estes modelos são os primeiros que citamos que são capazes de explicitamente simularaspectos do transporte turbulento, já que os grandes turbilhões conseguem ser resolvidos.Apenas os turbilhões menores, menos energéticos, e processos como as transformaçõesmicrofísicas e as trocas radiativas têm de ser parametrizadas. Via de regra, porém, osmodelos de LES têm espaçamento de poucas dezenas de metros, condições de fronteiraperiódicas e são em essência tridimensionais, o que ainda impõe severos limitescomputacionais a seu uso.

e) Modelos de Coluna

Os chamados modelos de coluna são outra ferramenta de pesquisa bastante útil,especialmente em condições em que se possa ignorar o papel dos gradientes horizontais.

Eles são constituídos por uma única coluna vertical, que pode ser interpretada como umacoluna isolada de um GCM ou mesmo como um GCM de espaçamento de grade infinito.Como conseqüência, os modelos de coluna são o laboratório perfeito para os primeirostestes de parametrizações para GCMs.

Num momento posterior de nosso curso, mostraremos como modelos de colunas, modelosde ensemble e modelos de LES podem ser articulados para o desenvolvimento deparametrizações físicas para modelos de grande escala.

Existem ainda outros modelos, como modelos de parcela, modelos de transporte depoluentes, etc.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

3.2. Discretização no espaço e no tempo

As equações do fluido atmosférico são escritas para um meio contínuo. No entanto, ocontínuo não pode ser representado em um computador, cuja natureza é discreta e cujosrecursos são necessariamente limitados. Daí, via de regra, o que o computador resolve sãoaproximações discretas destas equações, resolução esta feita em uma grade ou malha, ouseja, um conjunto de pontos discretos, como na Figura 3.1.

Figura 3.1 - Representação esquemática de uma grade de um modelo atmosférico

A distância entre dois pontos adjacentes da grade denomina-se espaçamento de grade e éuma medida da capacidade de resolução espacial do modelo. Quanto mais fina a grade,melhor é a resolução.

O volume (ou área, no caso de um modelo bidimensional) delimitado por pontos da grade édenominado caixa de grade, conceito importante quando se faz o balanço de uma dadagrandeza física no modelo.

As grades de modelos atmosféricos podem ter o mesmo espaçamento em todas as direçõesou este pode variar de acordo com a direção do espaço. Como a atmosfera é relativamenterasa, é comum encontrarmos um espaçamento menor na direção vertical, principalmenteem modelos de maior escala.

O espaçamento também pode ser uniforme ou variável ao longo de uma direção. O uso degrades telescópicas, ou seja, de resolução variável em uma direção, é comum quando umdado fenômeno, que ocorre em uma determinada região do domínio computacional, requeruma alta resolução para ser bem representado. É o caso de processos na camada-limiteatmosférica, sendo bastante usual utilizar-se de um pequeno espaçamento de grade próximoà superfície e espaçamentos de grade maiores na atmosfera livre. Um exemplo de gradevertical telescópica é mostrado na Figura 3.2.

(i-1,j+1)

.

(i,j+1).

(i+1,j+1).

(i+1,j).

(i-1,j).

(i,j).

(i+1,j-1).

(i-1,j-1).

(i,j-1).

∆x

∆y

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

k = 4

k = 3

k = 2k = 1

Figura 3.2 – Diagrama de grade telescópica ao longo da direção vertical

Vários outros procedimentos podem ser utilizados para aumentar localmente a resolução deum modelo atmosférico, com destaque para o chamado aninhamento de grades. Trata-sede um procedimento através do qual uma grade de maior resolução e menor área é inseridadentro de uma grade maior. As duas ou mais grades podem trocar informação mutuamenteou a comunicação entre elas pode ficar limitada a uma “via de mão única”, isto é, ainformação passa apenas da grade maior para a grade menor. Um esquema de gradesaninhadas é mostrados na Figura 3.3.

Figura 3.3 – Representação de uma grade “aninhada” em uma grade maior

A interação entre a grade aninhada e a grade “mãe” pode ser de dois tipos:

1. Aninhamento unidirecional – é a forma mais simples de aninhamento. Neste caso, agrada menor recebe informação da grade maior, mas o contrário não acontece, ouseja, os fenômenos resolvidos em maior detalhe pela grade menor não influenciam aevolução do fluido atmosférico vista pela grade maior. As duas grades guardamentre si a mesma relação que o modelo de mesoescala em si tem com o modelo demaior escala que o alimenta. Se a ausência de feedback entre as escalas menores,

Grade1

Grade2

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

resolvidas pela grade aninhada e as escalas maiores é uma desvantagem doaninhamento de mão única, a relativa independência entre as grades permite umamaior versatilidade na execução de modelos que o adotam. Por exemplo, é possívelsimular a grade maior primeiro, passando-se à segunda grade em um momentoposterior.

2. Aninhamento bidirecional – é a forma mais complexa de aninhamento de grades.Como no caso anterior, no aninhamento de mão dupla, a grade menor recebeinformação da grade maior. A diferença é que o efeito das escalas menores,resolvidas pela grade aninhada, é passado à grade maior. Isso possibilita, porexemplo, que se simulem simultaneamente fenômenos de grande escala na grademãe e processos de mesoescala na grade aninhada. Como nesse procedimento asdiferentes escalas interagem, o aninhamento de mão dupla é mais realista do pontode vista físico. A desvantagem é que, do ponto de vista computacional, as duasgrades têm de ser simuladas necessariamente em conjunto.

Além de serem discretos no espaço, os modelos numéricos também são discretos no tempo.Ao intervalo discreto em que o modelo recalcula as variáveis, correspondente a umaiteração, denominamos passo de tempo.

A princípio, um menor passo de tempo oferece uma melhor resolução temporal. Entretanto,nem quase nunca é possível escolher o espaçamento de grade e o passo de tempo que sequer. A limitação mais óbvia fica por conta da máquina. O espaço limitado de memóriaimpede o uso de um número muito grande de pontos de grade e a capacidade limitada deprocessamento inviabiliza o uso de um número excessivo de passos de tempo, que levaria aum tempo de CPU extremamente elevado.

Mas existe uma outra limitação que relaciona o espaçamento de grade e o passo de tempo,comumente encontrada em modelos atmosféricos: a condição de Courant-Friedrich-Lewy,ou CFL. Esta condição implica em que o número de Courant, definido na equação (3.1) sejamenor ou igual a 1, para que o modelo seja estável:

xt

vC∆∆=

(3.1)

onde C é o número de Courant, v a maior velocidade característica do problema simulado,∆t o passo temporal e ∆x o espaçamento de grade. A não ser que determinados artifíciosseja feitos, a maior velocidade encontrada, a princípio, é a velocidade do som, o que limitaem muito a possibilidade de se usar passos de tempo maiores.

3.3. Disposição das variáveis na grade

Nem sempre é aconselhável colocar todos as variáveis no mesmo ponto da grade (porexemplo, no centro da caixa de grade). É muito comum, por exemplo, separar os escalares

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

(temperatura, razões de mistura, etc.) das componentes do vento. Arakawa e Lamb (1977)propuseram diversas possíveis disposições das variáveis atmosféricas em uma gradecomputacional (Figura 3.4). Para a maior parte das aplicações atmosféricas o tipo C érecomendado.

Figura 3.4 – “Grades de Arakawa”

Comumente, estas grades são denominadas de Arakawa-A, Arakawa-B, etc.

3.4. Esquemas Numéricos

Como discutimos no início deste capítulo, o espaçamento de grade de um modelo é quedetermina a sua capacidade de resolver explicitamente determinados fenômenosatmosféricos. Por exemplo, é impossível para um GCM com espaçamento de 100 kmresolver as circulações que ocorrem no interior de sistemas de nuvens.

Daí, em um modelo, há processos que podem ser explicitamente resolvidos (como acirculação de larga escala em um GCM, as circulações locais em um modelo de mesoescalae os grandes turbilhões em um modelo de LES), enquanto outros devem ser

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

parametrizados (como as nuvens em modelos de larga e mesoescala ou a turbulência emum modelo de nuvens, ou ainda os pequenos turbilhões em um modelo de LES).

A parte resolvível deve ser equacionada no modelo. Como isto é feito através deaproximações (por exemplo substituindo derivadas por diferenças), os processos resolvíveisrequerem esquemas numéricos para a sua solução. Os processos não-resolvíveis, por suavez, requerem a construção de parametrizações.

3.4.1. Diferenças Finitas

A classe de esquemas numéricos mais simples que existe são as chamadas diferençasfinitas. O uso de diferenças finitas implica na substituição das derivadas parciaisencontradas nas equações básicas (vide capítulo anterior) por diferenças.

Por exemplo, consideremos uma variável qualquer φ, a ser representada em um modelonumérico. Como o modelo é discreto no espaço e no tempo, definiremos índices paraindicar a posição na grade e a ordem do passo temporal. Neste caso, escreveremos avariável, em um dado ponto do espaço e num dado tempo, como n

kji ,,φ , onde os sub-índicesi, j e k se referem, respectivamente, às direções x, y e z no espaço, enquanto o super-índicen se refere à n-ésima iteração no tempo.

Uma maneira de representar uma derivada local de φ é dada na equação 3.2.

tt

nkji

nkji

∆−

≅∂∂ +

,,1,, φφφ

(3.2)

Como tomamos o passo de tempo atual e o passo de tempo subseqüente, chamamos osegundo membro da equação (3.2) de diferença avançada.

Uma fórmula alternativa pode ser construída usando-se o passo de tempo futuro e o passode tempo passado, para aproximar a derivada temporal no presente. Neste caso, ilustrado naequação (3.3), estamos usando uma diferença centrada.

tt

nkji

nkji

∆−

≅∂∂ −+

2

1,,

1,, φφφ

(3.3)

Qual das duas é mais precisa? Para descobrir isso, expandiremos φ em série de Taylor emtorno do instante de tempo t = n.∆t, ou seja,

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

)4(!3

121

)4(!3

121

33

32

2

21

33

32

2

21

Ott

tt

tt

Ott

tt

tt

tntntn

nn

tntntn

nn

+∆∂∂−∆

∂∂+∆

∂∂−=

+∆∂∂+∆

∂∂+∆

∂∂+=

∆∆∆

∆∆∆

+

φφφφφ

φφφφφ

(3.4)

onde O(4) representa a soma dos termos de ordem menor ou igual a 4 e onde eliminamos ossub-índices referentes ao espaço para simplificar.

Ao substituirmos (3.4) na diferença avançada, obtemos

...21

)4(!3

121

2

2

33

32

2

2

1

+∆∂∂+

∂∂=

−+∆∂∂+∆

∂∂+∆

∂∂+

=∆

∆∆

∆∆∆+

tttt

Ott

tt

tt

ttntn

n

tntntn

n

nn φφφφφφφ

φφ

(3.5)

No limite quando ∆t → 0, a diferença tende à derivada, como esperávamos. No entanto,como o menor expoente do passo de tempo no erro é igual a 1, dizemos que a aproximaçãoatravés de uma diferença avançada é de primeira ordem.

Pode-se provar que, no caso de uma diferença centrada, o erro é de segunda ordem.

...!3

1

2

...!3

121

...!3

121

2

23

3

33

32

2

23

3

32

2

2

11

+∆∂∂+

∂∂

=∆

+∆

∂∂−∆

∂∂+∆

∂∂−−

+∆

∂∂+∆

∂∂+∆

∂∂+

=∆−

∆∆

∆∆∆∆∆∆

−+

ttt

t

tt

tt

tt

tt

tt

tt

t

tntn

tntntn

n

tntntn

n

nn

φφ

φφφφφφφφ

φφ

(3.6)

Como seria a representação de uma derivada segunda em diferenças finitas? Primeiro,consideramos a derivada segunda como sendo aproximadamente igual à razão da diferençaentre a derivada primeira em dois instantes de tempo e o intervalo decorrido entre eles, ouseja,

ttt

tnn

∆∂∂−

∂∂

≅∂∂ −1

2

2

φφφ

(3.7)

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Note que usamos diferenças recuadas, ou seja, tomou-se a diferença entre ∂φ/∂t nosinstantes “presente” e “passado”. O próximo passo é substituir as derivadas primeiras pordiferenças (utilizaremos diferenças avançadas):

2

11

11

2

2 2tt

ttt

nnn

nnnn

∆+−=

∆∆−

−∆−

≅∂∂ −+

−+

φφφφφφφ

φ

(3.8)

Pode-se provar que a fórmula de diferenças da equação (3.8) representa uma aproximaçãode segunda ordem. Isto é deixado como exercício.

O mesmo raciocínio acima pode ser aplicado às diferenças espaciais. Por exemplo, aorepresentarmos uma derivada na direção x por uma diferença centrada, teríamos

xx

nkji

nkji

∆−

≅∂∂ −+

2,,1,,1 φφφ

(3.9)

Agora estamos aptos a representar toda a parte resolvível de grande parte das equaçõesbásicas, usando esquemas de diferenças. Note que muitas destas equações exibem o termode derivada local e o termo de derivada espacial, multiplicado pela velocidade (caso daequação da temperatura potencial, das razões de mistura, etc.). Desde que nãoconsideremos fontes e/ou sumidouros, elas se reduzem à chamada equação de advecção:

0=∇⋅+∂∂ φφ V

t(3.10)

Por simplicidade, estudaremos a equação de advecção linear, em apenas uma dimensão ecom velocidade constante, ou seja:

0=∂∂+

∂∂

xu

tφφ

(3.11)

Que maneiras teríamos para representar essa equação através de diferenças finitas?Inúmeras, mas nem todas geram um esquema estável. Um exemplo de um esquema instávelé aquele que combina uma diferença avançada no tempo com uma diferença centrada noespaço.

A seguir, apresentamos alguns esquemas numéricos para solução da equação de advecção:

a) Avançado-Recuado – utiliza diferenças avançadas no tempo e recuadas no espaço, ouseja:

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

tt

ni

ni

∆−≅

∂∂ + φφφ 1

xx

ni

ni

∆−≅

∂∂ −1φφφ

(3.12)

Substituindo as equações acima em (3.11) obtemos

( )ni

ni

ni

ni

ni

ni

ni

ni

xtu

xu

t

11

11

0

−+

−+

−∆∆−=

⇒=∆−+

∆−

φφφφ

φφφφ

(3.13)

Este esquema é caracterizado por forte difusão numérica, ou seja, a amplitude da soluçãotende a diminuir com o tempo. Esquemas avançados no tempo de maior ordem (Crowley1968, Tremback et al. 1987) fornecem melhores resultados.

Podemos provar que o esquema avançado-recuado é altamente difusivo através da chamadaanálise de Von Neumann, que consiste em analisar o comportamento de modosindividuais de Fourier ao interagirem com o esquema numérico.

Primeiro, substituímos φ na equação (4.37) por Ae-i(kx-ωt) e encontramos a razão entre aamplitude do modo nos passos de tempo n+1 e n e a relação de dispersão, ou seja, afreqüência angular em função do número de onda. A razão entre a amplitude em passos detempo consecutivos é o chamado fator de amplificação (α). Evidentemente, se α > 1, aamplitude dos modos de Fourier cresce com o tempo e o esquema numérico é instável. Seα < 1, essa mesma amplitude tende a diminuir e o esquema é estável, apesar de poder serdifusivo. Para α = 1, a amplitude dos modos se preserva e o esquema é dito neutro.

Seja ( )[ ]tkxiAnj ωφ −−= exp . Para x = j∆x e t = n∆t, temos

[ ] ( )[ ] ( )

( )[ ] ( )titnxkjiA

xiktnxjkiA

tnxkjiA

nj

nj

nj

nj

nj

∆=∆+−∆−=

∆=∆−∆−−=

∆−∆−=

+

ωφωφ

φωφ

ωφ

exp1exp

exp1exp

exp

1

1

(3.14)

Substituindo as equações (3.14) em (3.13), obtemos:

( ) ( )[ ]

( ) ( )[ ]xikexpCtiexp

xikexpxt

utiexp

nj

nj

nj

nj

nj

∆−−=∆ω=φ

φ

⇒∆−φ∆∆−φ=∆ωφ

+

11

1

1

(3.15)

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

onde usamos a definição do número de Courant (3.1).

Caso a freqüência angular fosse um número real puro, o fator de amplificação, ou seja, omódulo da razão entre as amplitudes do modo depois e antes da iteração

( ( )tiexpnj

nj ω=

φ

φ=α

+1

), seria igual à unidade. Neste caso, a amplitude de qualquer modo

seria preservada, o esquema seria neutro e só haveria erros de fase.

No entanto, no caso geral, a freqüência angular ω possui partes real e imaginária. Fazendo aanalogia com a propagação da luz em um material absorvedor, a parte real representa apropagação da onda e a parte imaginária o seu decaimento exponencial associado àabsorção.

Desenvolvendo a equação (3.15), obtemos

( ) ( ) ( )( )[ ] ( )

( ) ( ) ( ) ( )( ) ( )[ ]xkcosCC

xksenCxkcosCxkcosCCxkcosCC

xksenCxkcosCCe

xkseniCxkcosCCeCeti

xikti

∆−−−=α

⇒∆+∆−∆+−∆++

=∆+∆+−==α

⇒∆+∆+−=−−=∆ω

∆∆ω

1121

2221

1

111

222222

222

(3.16)

A equação (3.16) nos dá o fator de amplificação como função do número de Courant e docomprimento de onda do modo de Fourier para o esquema avançado-recuado. Para que esteesquema seja estável é necessário que o fator de amplificação seja menor ou igual àunidade, para qualquer comprimento de onda, ou seja,

( ) ( )[ ] ( ) ( )[ ]( ) ( )[ ] 0112

1112111121

≤∆+−−⇒≤∆+−−⇒≤∆+−−=α

xkcosCC

xkcosCCxkcosCC

(3.17)

Na inequação (3.17), o termo contendo o cosseno varia entre 0 e 2, sendo, portanto,positivo por definição. Daí, para que a inequação seja satisfeita é preciso que

( ) 1001 ≤≤⇒≤−− CCC ,(3.18)

ou seja, basta que a condição CFL seja satisfeita.

Analisemos agora o que acontece com determinados comprimentos de onda quando, porexemplo, adotamos C = 0,5. Neste caso, (3.16) torna-se

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

( )[ ]xkcos, ∆−−=α 1501 .(3.19)

Como λπ= 2k , temos:

a) λ = 2∆x – Neste caso, k∆x = π, o que nos dá α = 0 !!! Ou seja, este modo éeliminado logo na primeira iteração !!!

b) λ = 4∆x – Aqui, temos k∆x = π/2, o que nos fornece 22=α . Após duasiterações, a amplitude deste modo cairá de α2, ou seja, pela metade! Em poucasiterações, este modo também será praticamente eliminado da solução.

A partir de (3.16), pode-se mostrar que o fator de amplificação tende a 1 paracomprimentos de onda maiores (k→0). O que acontece se usarmos o esquema avançado-recuado por um grande número de passos de tempo é que a solução sofre uma reduçãosignificativa da amplitude de seus máximos e mínimos locais (associados a pequenoscomprimentos de onda), devido à difusão numérica. Os grandes comprimentos de onda, noentanto, são preservados, e a solução tende a se apresentar bastante suavizada.

Para avaliarmos o erro de fase, basta lembrar que a parte real do segundo membro daequação (3.15) tem de ser proporcional a cos(ωr∆t), enquanto a parte imaginária éproporcional a sen(ωr∆t), onde tomamos apenas a parte real da freqüência angular. Sedividirmos, portanto, a parte imaginária pela parte real em (3.15), devemos encontrar atangente de (ωr∆t), ou seja,

( ) ( )( )

( )( )

∆+−

∆∆

=ω⇒∆+−

∆=∆ω −

xkcosCCxksenC

tantxkcosCC

xksenCttan rr 1

11

1

(3.20)

Como a velocidade de fase de uma onda é dada pela razão entre a parte real de suafreqüência angular e o número de onda, temos:

( )( )

( )( )

∆+−

∆∆

==β⇒

∆+−

∆∆

= −−

xkcosCCxksenC

tanxCku

vxkcosCC

xksenCtan

tkkv r

11

11 11

(3.21)

onde β é o chamado fator de dispersão, que dá a razão entre a velocidade de propagação deum dado modo e a velocidade que ele deveria ter, de acordo com a solução exata. Casocomprimentos de onda distintos apresentem velocidades de fase distintas (β ≠ 1), oesquema é dispersivo.

Para modos de comprimento de onda 2∆x, a velocidade de fase é nula, mas isto se tornairrelevante uma vez que este modo é imediatamente amortecido. Caso isso não acontecesse,o modo se atrasaria em relação ao “pacote” de onda, gerando ruídos na solução numérica.

Page 33: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

É possível constatar, na prática o que verificamos anteriormente. Podemos, em umcomputador com compilador FORTRAN, rodar o programa mostrado na Figura 3.5.

program avanrecc------- define uma grade uni-dimensional de 100 pontos para 101 instantes de tempo

dimension fi(100,101)c-------- fornece a velocidade (constante), o passo de tempo e o espaçamento de grade

data u/1./deltat/0.5/` eltas/1./c-------- abre um arquivo para guardar os resultados

open (1,file=’avanrec.txt’)c-------- cria as condições iniciais: uma função triangular, de pico 5, centrada em i=15

do i=1,100 fi(i,1)=0. If (i.gt.10.and.i.lt.15) fi(I,1)=float(i)-10 if (i.gt.15.and.i.lt.20) fi(I,1)=20-float(i)enddo

c-------- este problema tem solução exata. Após 100 passos de tempo, o triângulo sec-------- desloca de 50 unidades, ou seja, deverá aparecer um triângulo idêntico ao dac-------- condição inicial, centrado em i=65cc-------- integra no tempo

do n=1,100 do i=1,100 fi(i,n+1)=fi(i,n)-u*deltat*(fi(i,n)-fi(i-1,n))/deltax enddoenddo

c-------- escreve o resultado final no arquivodo I=1,100 write(1,*)I,fi(I,101)enddo

c------ fecha o arquivoclose(1)

c------ finaliza o programastopend

Figura 3.5 – Programa para calcula da advecção unidimensional pelo esquema avançado-recuado

b) Leapfrog – utiliza diferenças centradas no espaço e no tempo, ou seja:

tt

ni

ni

∆φ−φ

≅∂φ∂ −+

2

11

xx

ni

ni

∆φ−φ

≅∂φ∂ −+

211

(3.22)

Substituindo na equação de advecção (3.11),

Page 34: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

( )ni

ni

ni

ni

ni

ni

ni

ni

xtu

xu

t

1111

1111

022

−+−+

−+−+

φ−φ∆∆−φ=φ

⇒=∆

φ−φ+

∆φ−φ

(3.23)

É possível mostrar que o Leapfrog é neutro, isto é α = 1, o que se constitui em umavantagem do esquema. Como o esquema é dispersivo, porém, os modos correspondentes amenores comprimentos de onda se retardam em relação ao “pacote”. Uma característicacomum ao uso do Leapfrog é a existência de ruídos na solução numérica.

Por outro lado, perceba que o Leapfrog envolve três níveis de tempo. Esta é umadesvantagem, pois o esquema requer mais memória. Além disso, na solução para o fator deamplificação, é possível mostrar a existência de uma segunda raiz, correspondente aochamado modo computacional. Este pode significar uma outra fonte de erro quando do usodeste esquema.

A verificação dos erros de amplitude e fase do Leapfrog é deixada como exercício.

3.4.2 – Volumes finitos

Representam uma variante dos esquemas de diferenças finitas, com a diferença que aevolução das variáveis do modelo se dá através de fluxos entre as caixas de grade, ao invésde incrementos sobre os pontos de grade em si.

Em particular, seja a equação de advecção em forma de fluxos:

( ) 0=φ∂∂+

∂φ∂

uxt

(3.24)

A equação (4.48) pode ser representada utilizando-se uma fórmula de diferenças avançadasno tempo e uma discretização para os fluxos, tal que

( )n/j

n/j

nj

nj

n/j

n/j

nj

nj FF

xt

x

FF

t 212112121

1

−++−+

+

−∆∆−φ=φ⇒

∆−

−=∆

φ−φ

(3.25)

Os esquemas de volumes finitos são conservativos por construção, o que é uma vantagemóbvia, uma vez que as equações atmosféricas se baseiam em princípios de conservação.Outro aspecto positivo nessa classe de esquemas é a possibilidade de se acoplá-los a rotinasde “correção de fluxos”. Estas impedem o transporte espúrio de massa através das célulasda grade do modelo (por exemplo, em certos esquemas, como os apresentados porSmolarkiewicz 1983, Bott 1989 e Costa e Sampaio 1997, há limitadores que impedem a

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

saída líquida de uma quantidade de massa maior que a massa existente em uma dada caixade grade, o que deixaria um resíduo negativo, sem significado físico). Um esquema devolumes finitos é esquematicamente representado na Figura 3.6. Os fluxos nas fronteiras dacaixa de grade podem ser corrigidos.

Figura 3.6 – Diagrama esquemático da técnica de volumes finitos

Esquemas de volumes finitos (também referidos como “esquemas de fluxos”) são capazesde produzir bons resultados na solução do transporte de escalares, como verificado por Bott(1989), Easter (1993), Chlond (1994) e Costa e Sampaio (1997), cuja combinação do usode polinômios de alta ordem com limitações de fluxo proporcionou soluções numéricas dequalidade mesmo em situações extremas de distribuições estreitas da variável advectada elongos tempos de integração.

3.4.3 – Métodos Espectrais

Métodos espectrais representam uma abordagem inteiramente diferente na aproximaçãonumérica de equações diferenciais parciais.

Consideremos uma expansão em série de Fourier de uma função arbitrária f(x), tal que

( ) ∑∞

=

π+

π+=

1

0 222 k

kk Lkx

senbLkx

cosaa

xf

(3.26)

onde os coeficientes da expansão são dados por

( )

( )

,...2 ,1 ,0

22

2cos

2

0

0

=

=

=

k

dxLkx

sinxfL

b

dxLkx

xfL

a

L

k

L

k

π

π

(3.27)

φj-1 Fj-1/2 φj Fj+1/2

φj+1

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

O que torna a expansão possível é que as funções de base são ortogonais. A propriedadeassegura que cada componente da base da expansão é única e não tem projeção sobre asdemais funções de base.

A expansão dada por (3.26) aparece escrita como uma série infinita. Em aplicaçõespráticas, porém, a representação espectral de uma função arbitrária pode incluir apenas umnúmero relativamente pequeno de termos na expansão. Quando isto acontece, diz-se que asérie foi truncada. Quanto maior o número de termos, mais precisa é a representação def(x).

Na prática, modelos espectrais de circulação geral atmosférica usam, em sua maioria, umabase de harmônicos esféricos para a expansão horizontal dos campos escalares. Osharmônicos esféricos são dados por

( ) ( ) λφ=φλ immn

mn eP,Y

(3.28)

tal que λ é a longitude, φ a latitude, m e n – m são respectivamente os números de ondazonal e meridional e P representa os polinômios de Legendre.

Dois tipos de truncamento são mais comumente usados em modelos globais espectrais:romboidal (denotado por R) e triangular (denotado por T). Na notação que seconvencionou, tal letra é seguida de um número, que representa o total de modosrepresentados. Uma representação esquemática de quais termos são mantidos nos dois tiposde truncamento é mostrado na Figura 3.7. Nela, a área é proporcional ao número de modosrepresentados no modelo espectral.

n n

m m

Figura 3.7 – Diagrama esquemático de um truncamento triangular (esquerda) e romboidal (direita).

n = m n = m

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Os primeiros modelos globais tinham uma resolução extremamente pobre (por exemplo,R15). Hoje, a maioria dos modelos operacionalmente utilizados usa resoluções que vão deT63 a T213.

3.4.4 – Elementos Finitos

Assim como os métodos espectrais, esquemas de elementos finitos se utilizam de funçõesde base, mas estas deixam de ser “globais” (como seno / cosseno, harmônicos esféricos,etc.) e passam a ser “locais”, como uma função do tipo chapéu (Figura 3.8). Neste curso,não nos propomos a investigar em detalhes esquemas de elementos finitos.

Figura 3.8 – Representação esquemática de uma função-chapéu

Exercícios

1. (a) Prove que a aproximação 2

11

2

2 2tt

nnn

∆+−≅

∂∂ −+ φφφφ apresenta um erro de segunda

ordem. (b) Verifique se a aproximação tt

nnnn

∆+−+−≅

∂∂ −−++

1288 2112 φφφφφ é

consistente e, em caso afirmativo, encontre a ordem de precisão.2. (a) Combine uma diferença avançada no tempo com uma diferença centrada no

espaço para encontrar o esquema de Euler, instável. (b) Para verificar que oesquema obtido é instável, encontre o fator de amplificação usando o método deVon Neumann. (c) Modifique o programa FORTRAN da Figura 3.5, substituindo oesquema avançado-recuado pelo esquema de Euler e execute-o. Faça um gráfico danova solução numérica e compare-a com a solução analítica e a solução numéricaanterior.

3. Faça a análise de Von Neumann do esquema do Leapfrog e encontre os fatores deamplificação e dispersão.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

4. Parametrizações Físicas I – Nuvens e ConvecçãoAo contrário da advecção na escala da grade, outros processos não conseguem serexplicitamente resolvidos em modelos atmosféricos, como as circulações em escala de sub-grade (turbulência), as trocas radiativas, os processos microfísicos, a interação com asuperfície, etc. Tais processos precisam ser parametrizados. Por se tratar de um assuntomuito extenso, dividiremos nossa abordagem do problema das parametrizações físicas emdois capítulos. No Capítulo 4, estudaremos especificamente a questão da representação dasnuvens em modelos de grande e mesoescala, deixando para o capítulo 5 os demaisprocessos (turbulência, radiação, superfície).

4.1 – Considerações Gerais

Nuvens são “agregados visíveis de partículas diminutas de água líquida ou gelo, ou ambos,ao ar livre” (do Atlas Internacional de Nuvens da Organização Meteorológica Mundial).Elas cobrem cerca de metade da superfície terrestre a qualquer momento.

Como elementos integrantes do tempo, do clima e do ciclo hidrológico, as nuvensdespertam o interesse dos homens há séculos, manifestado não só por meio da ciência, mastambém pela arte, pela religião, etc.

São as nuvens as responsáveis por fenômenos como chuvas torrenciais, tempestades deneve e granizo, tornados, relâmpagos e trovões. As nuvens e a precipitação exercem umimportante papel na circulação atmosférica geral, no clima e na variabilidade climática. Talinfluência se dá por meio de mecanismos variados, incluindo mudanças no balanço deradiação (nuvens bloqueiam a radiação solar e emitem radiação infravermelha) e liberaçãode calor latente (associada às mudanças de fase da água).

Nuvens se formam quando gotículas e/ou cristais de gelo se formam sobre aerossóisatmosféricos, em massas de ar em que se estabelece um ambiente supersaturado (emrelação à água líquida ou ao gelo). O meio mais comum para se gerar um estado desupersaturação na atmosfera é a ascensão do ar, acompanhada por expansão e resfriamento.De forma detalhada, são os seguintes os mecanismos mais comuns de formação de nuvens:

- Ascensão localizada de parcelas de ar em um ambiente que permita a existência deconvecção. Se, por meio deste processo, uma parcela de ar se torna supersaturada devapor d’água, ocorre a formação de nuvens ditas convectivas. A altitude em que asaturação de uma parcela de ar ascendente é atingida é denominada nível decondensação e corresponde, aproximadamente, à altitude da base dessas nuvens;

- Levantamento forçado de ar estável, produzindo camadas de nuvens, ditasestratiformes;

- Levantamento forçado do ar ao passar sobre acidentes topográficos, comomontanhas. Nuvens formadas sob influência da topografia são ditas orográficas;

- Resfriamento de ar até temperaturas abaixo do ponto de orvalho, devido ao contatocom uma superfície fria, fenômeno que leva à formação de nevoeiros.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

- Mistura de parcelas de ar não-saturadas, com diferentes temperaturas, produzindouma massa de ar supersaturada em uma temperatura intermediária;

- Expansão e resfriamento associado a uma redução rápida da pressão atmosféricalocal.

A representação dos processos físicos envolvendo nuvens em modelos numéricos pode sedar, a grosso modo, em dois níveis distintos. No nível dos modelos de circulação geral e demesoescala, nuvens individuais não são representadas e é preciso parametrizar a interaçãodestas com o ambiente de maior escala. Neste caso, parametrizações de convecção estão viade regra presentes, acompanhadas ou não de representações explícitas de grandes sistemasestratiformes. Já no nível de modelos de nuvens ou de escala menor, a dinâmica interna dasnuvens pode ser explicitamente resolvida, dispensando parametrizações de convecção eimpondo a necessidade de representar os processos microfísicos.

4.1 – Microfísica de Nuvens

4.1.1 – Definições

O primeiro conceito que apresentaremos é o de concentração de hidrometeoros, definidacomo o número de hidrometeoros de uma dada espécie por unidade de volume. Seja n onúmero de partículas contidas em uma amostra de ar de volume V, a concentração N é dadapor:

N = n/V(4.1)

As unidades de concentração, assim como no caso de aerossóis são m-3, l-1, cm-3, etc.

Assim como para o vapor d’água, é possível definir razões de mistura para cada espécie dehidrometeoros. Se uma amostra de ar seco de massa md contém uma massa de água líquidaml, a razão de mistura de água líquida (ql) será dada por:

ql = ml/md

(4.2)

Como a massa de ar seco é sempre muito maior do que a de material condensado que elecontém, pode-se aproximar md por m e usar a expressão:

ql = ml/m(4.3)

Se estivermos interessados em avaliar a massa de material condensado em relação aovolume da amostra de ar e não em relação à sua massa, pode-se definir o conteúdo ou teorda espécie de hidrometeoros em estudo. Por exemplo, se uma amostra de ar de volume Vcontém uma massa ml de água líquida, o conteúdo de água líquida L é dado por:

L = ml/V

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

(4.4)

Também é possível definir, para cada espécie de hidrometeoros, uma função-distribuição,tal que:

f =dDdN

(4.5)

O gráfico da função distribuição, também chamado de espectro, pode ser obtido, naprática, determinando a concentração ∆N de hidrometeoros cujos diâmetros estãocompreendidos entre D – ∆D/2 e D + ∆D/2 para obter f (D) = ∆N/∆D. Um espectro obtidoatravés deste procedimento é ilustrado na Figura 4.1. Evidentemente, f tem a dimensão deinverso de comprimento à quarta potência. Na prática, uma possível unidade de função-distribuição, é cm-3/µm, ou seja concentração por diâmetro.

∆D

f

DIÂMETRO

Figura 4.1 – Representação esquemática do espectro de hidrometeoros. O número dehidrometeoros em cada faixa de tamanho (∆∆N) é obtido simplesmente multiplicando

a função-distribuição (f) pela largura da faixa ∆∆D

4.1.2 - Microfísica de Nuvens Quentes

Nuvens quentes são formadas exclusivamente de gotículas líquidas, formadas sobre CCNsque atingiram a supersaturação crítica correspondente, processo denominado nucelação.Uma vez formadas, gotículas de água podem continuar a crescer em um ambiente super-saturado, através da difusão de vapor para sobre a sua superfície, ou seja, por condensação.O processo inverso, que ocorre em um ambiente sub-saturado, corresponde a um fluxo demoléculas de água de sua superfície para o ambiente, ou seja, evaporação.

FUN

ÇÃ

O-

DIS

TR

IBU

IÇÃ

O

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

As características das gotículas, pelo menos no estágio inicial de desenvolvimento de umanuvem, dependem fortemente dos CCNs que lhes deram origem. Massas de ar marítimas,continentais e poluídas têm CCNs de características distintas, a começar de suasconcentrações. Daí, medidas de concentrações de gotículas em nuvens marítimas econtinentais, resultam em valores bastante distintos. Enquanto nuvens marítimas têmconcentrações de gotículas da ordem de 100 cm-3, nuvens continentais têm concentraçõesque podem até se aproximar de 1000 cm-3. Se uma nuvem marítima e uma nuvemcontinental são constituídas de gotículas de raio R1 e R2 com concentrações N1 e N2 (comN1<N2) e têm o mesmo conteúdo de água líquida L, pode-se deduzir que o raio dasgotículas é maior nas nuvens marítimas do que nas nuvens continentais. Seja a massa de

uma gotícula, dada por 3w R

34

m πρ= , pode-se deduzir que o conteúdo de água líquida é

simplesmente:

3/1

w

3w N4

L3RNR

34

L

πρ

=⇒πρ= .

(4.6)

Decorre daí que a razão entre os raios das gotículas nas duas nuvens supra-citadas é igual a3/1

1

2

2

1

NN

RR

= .

Resumindo, nas nuvens continentais, o vapor condensado se distribui em um número maiorde partículas de menores dimensões, ao passo que em nuvens marítimas, a água líquida sedistribui em uma quantidade menor de gotículas de maior raio. Como conseqüência, nuvensmarítimas e continentais têm propriedades diferentes. Uma nuvem com hidrometeorosmaiores apresenta uma maior tendência a produzir precipitação.

Pode-se verificar que o crescimento de gotas por condensação é pouco eficiente. Para queas gotas cresçam até um raio de 100 micra, mesmo que tenham sido nucleadas sobreaerossóis gigantes, cálculos teóricos mostram que seriam necessárias algumas horas, o queé tempo mais do que suficiente para uma nuvem completar seu ciclo de vida e se dissipar.

Já que nuvens marítimas quentes são capazes de produzir precipitação, o que implica quesão formadas gotas até da dimensão de milímetros em uma escala de tempo bem menor,somos levados a concluir, portanto, que outro processo deve ser o responsável pelocrescimento das gotas, pelo menos a partir de um determinado tamanho. Este mecanismodenomina-se coalescência.

A coalescência é possível devido ao fato de que gotas de diferentes tamanhos têmvelocidades terminais diferentes, havendo, portanto a probabilidade de que gotas maiorescolidam e capturem gotículas menores.

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Uma representação simples do processo de coalescência é feita por meio do modelo decoleta contínua, em que uma gota grande, em queda, captura as gotas menores que encontraem seu caminho, como na Figura 4.2.

v1

r1

v2

Figura 4.2 – Representação do modelo de coleta contínua

Se todas as gotículas no caminho da gota de raio r1 for coletada, para um intervalo de tempo

∆t, o aumento da massa desta gota é dado por ( )Lvvrm 212

1 −π=∆ . Se definirmos aeficiência de coleta E como a razão entre a massa das gotículas efetivamente coletada e amassa das gotículas, temos:

( )LEvvrm 212

1 −π=∆(4.7)

A taxa de variação da massa, calculada no limite ∆t → 0, é dada por:

( )LEvvrdtdm

212

1 −π=

(4.8)

Como a massa m da gota é função de seu raio r1, pode-se provar que a taxa de variação doraio da gota com o tempo é tal que:

( )w

211

4LEvv

dtdr

ρ−

=

(4.9)

4.1.3 – Microfísica de Nuvens Frias

Sabe-se que, em qualquer parte do planeta, a troposfera terrestre, a partir de um dado nível,apresenta valores de temperatura abaixo de 0oC, ao qual nos referimos como o nível decongelamento.

conjunto de gotículascom velocidade terminal

v2 e conteúdo de águalíquida L

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

É fácil perceber, portanto, que mesmo nos trópicos, quando se formam nuvens profundas(cujo topo se encontra acima do nível de congelamento), a fase de gelo adquire grandeimportância. Em cumulonimbus, cujo topo pode ser encontrado até nas proximidades datropopausa (entre 16 e 18 km nos trópicos), a maior parte do material condensado encontra-se, na verdade, em fase sólida.

Os cristais de gelo em nuvens costumam aparecer em diversas formas ou “hábitos”, comose pode ver na Figura 4.3 (fotografias de cristais).

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Figura 4.3 – Fotografias de cristais de neve: (a) prisma ou coluna; (b) esqueleto de prisma; (c) agulha;(d) placa; (e) setor; (f) dendrito; (g) dendrito com placas nas extremidades; (h) placa com extremi-

dades dendríticas; (i) prisma com placas; (j) e (k) placa dupla (vistas superior e lateral)

Apesar da variedade de formas, sob um ponto de vista cristalográfico, praticamente todoseles apresentam uma estrutura de prisma hexagonal, conforme a Figura 4.4.

Figura 4.4 – Representação esquemática de um cristal de gelo, indicando os eixoslongitudinal (c) e transversais (a).

Os cristais de gelo podem crescer preferencialmente ao longo do eixo c ou eixo a, deacordo com as condições atmosféricas. Caso o eixo c seja favorecido, cristais “colunares”,ou seja, em forma de coluna (ou agulha, no caso extremo) aparecem. No caso contrário, emque o crescimento se dá prioritariamente ao longo do eixo a, surgem cristais “planares”, ouseja, de aparência plana.

Uma forma de se quantificar o hábito de um cristal é definir a “razão de aspecto” ( r), comosendo a razão entre as dimensões do cristal ao longo dos eixos c e a. Ou seja:

ac

r =

(4.10)

Na maioria dos casos, somente estas duas dimensões são necessárias para caracterizar umcristal, além de seu hábito. Para cristais planares, c corresponde à espessura do cristal, e aao seu diâmetro. Para cristais colunares, c corresponde ao comprimento do cristal, e a à sua

aa

c

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

largura.É evidente que razões de aspecto maiores que 1 indicam cristais colunares. Ocontrário, ou seja, razões de aspecto inferiores à unidade, indicam cristais planares.

Existem exceções à forma prismática hexagonal acima descrita, como cristais prismáticostriagonais, dendritos triagonais e cristais pentagonais observados em laboratório. Noentanto, acredita-se que a ocorrência de cristais não-hexagonais de gelo na atmosferaterrestre seja desprezível.

Experimentos de laboratório (Mason, 1971; Hallett e Mason, 1958; Kobayashi, 1961,Rottner e Vali, 1974 e Weisswiler, 1969) mostraram que a temperatura e a supersaturaçãosão fatores críticos para determinar os padrões de crescimento de um cristal de gelo e,portento, seu hábito.

Variações pequenas de temperatura e no suprimento de vapor d’água podem levar aofavorecimento de regimes completamente distintos no crescimento dos cristais. No caso emque o suprimento de vapor é grande, as variações no hábito dos cristais são particularmentedramáticas. Em supersaturações elevadas, a forma do cristal de neve tende a passar, namedida em que a temperatura decresce, de PLACA, para AGULHA, para COLUNA, paraSETOR, para DENDRITO, e de volta a SETOR e COLUNA. Tal mudança cíclica (planarpara colunar, para planar e de volta a colunar) é causada por uma mudança cíclica nadireção de crescimento preferencial ao longo dos eixos a e c. Tais mudanças ocorremaproximadamente a –4oC, -9oC e –22oC. As duas primeiras transições são bem definidas,mas a última não é. A mudança no hábito dos cristais de gelo pode ocorrer, na realidade, aolongo de um intervalo de vários graus, em torno de –22oC.

Em condições de pequeno suprimento de umidade, as variações de hábito são bem maissutis. Mudanças entre coluna curta e placa espessa ocorrem aproximadamente a -9oC e –22oC, mas é bastante claro que, neste caso, o crescimento ao longo dos eixos a e c é sempresimilar. No caso extremo, ou seja, em que o excesso de vapor é quase nulo (o ar está apenassaturado em relação ao gelo), o hábito do cristal deixa de variar com a temperatura, e esteassume a forma de uma placa hexagonal com razão de aspecto igual a 0,8.

O comprimento típico de colunas, bem como o diâmetro de placas comumente varia entre20µm e 2mm. A espessura de cristais planares geralmente se encontra entre 10 e 60µm,enquanto a espessura de colunas vai de 10 a 200µm (150 µm no caso de agulhas).

Em geral, os cristais de gelo apresentam uma densidade menor do que a do gelo sólido,devido à presença de ar nos interstícios capilares dentro do cristal. Para colunas curtas, adensidade se aproxima do gelo sólido, mas para cristais mais longos, a densidade tende acair, atingindo 0,5 gcm-3 para um comprimento de 1mm. Para agulhas, a densidade podecair para 0,4 ou até 0,3 gcm-3, para cristais mais longos que 1 mm.

A probabilidade de ocorrência de água supercongelada decresce com a temperatura, e atemperatura, em geral, decresce com a altitude. Uma análise superficial, baseada somenteno total de núcleos de gelo ativados em função da temperatura (ver capítulo anterior)

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

poderia sugerir que a concentração de partículas de gelo, portanto, tenderia a umcrescimento monotônico com a altura.

As observações em nuvens frias, no entanto, desmentem tal hipótese, para a maioria doscasos. A transição entre a região em que há predominância de água líquida para aquela emque o gelo é o principal componente é, via de regra, abrupta. Nessa região de transição, aconcentração das partículas de gelo cresce rapidamente. Uma vez na região em que o gelopredomina, a concentração de hidrometeoros sólidos varia pouco.

A mudança rápida na fase da água para o estado sólido em uma nuvem (glaciação) éresponsável por esta característica. Observou-se que, entre –4 e –25oC, a concentração departículas de gelo é, em média, independente da temperatura do topo da nuvem, podendo,em qualquer caso, chegar até 104l-1.

Uma vez formados, cristais de neve mostram uma distribuição por tamanho (para cristaismenores que 1mm) com um pico pronunciado de concentração na região dos cristaispequenos, decrescendo rapidamente na outra direção do espectro (cristais grandes).

Cristais observados em nuvens cirrus (que se formam na alta troposfera) têm formasgeralmente características de temperaturas baixas (-25 a –60oC). Em tais níveis, as nuvenscostumam consistir de projéteis, rosetas, colunas ocas e curtas, placas espessas e agregadosdessas variedades de cristais. Geralmente, tais cristais se formam por nucleação homogêneaem gotas super-resfriadas.

A partir de vários estudos experimentais, constatou-se que o intervalo típico deconcentração de partículas sólidas em cirros é da ordem de 50 a 500 cristais por litro. Asdimensões máximas encontradas tipicamente vão de 100 a 300 micra para placas espessas ecolunas, 200 a 800 micra para projéteis e rosetas, e 400 micra a 1.5mm para agregados. Oconteúdo de água sólida observado via de regra está entre 0,05 e 0,5 gm-3.

Em determinadas condições, cristais de neve em nuvens podem colidir, e permaneceremligados, formando o que se chama de agregados. Um exemplo de um agregado de váriosdendritos é mostrado na Figura 4.5.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Figura 4.5 – Floco de neve (agregado) consistindo de dendritos (Nakaya, 1954).

A ocorrência de agregados é máxima a temperaturas próximas a zero grau. Isto ocorredevido ao fato de que, em temperaturas próximas ao ponto de fusão, os cristais apresentamuma fina “camada quase-líquida”, que serve como uma espécie de cola, quando doiscristais entram em contato. Com a redução da temperatura, a probabilidade de agregaçãodecresce, com um máximo secundário em torno de –15oC, que é a temperatura em que aformação de dendritos é mais provável.

O tamanho dos agregados depende fortemente do hábito dos cristais que lhe dão origem.Agregados de colunas e agulhas tendem a ser pequenos, ao contrário de agregados dedendritos, que podem chegar a diâmetros maiores que 1cm (apesar de, em sua maioria, osflocos de neve possuírem dimensões entre 2 e 5mm).

O processo de “ riming” ocorre quando cristais de gelo e gotas super-resfriadas colidem emnuvens. Alguns cristais que passaram por tal processo são mostrados na Figura 4.6. Em talfigura, é visível que a maior parte das gotas coletadas por cristais planares (placa edendrito) tende a se fixar na periferia do cristal (painel à esquerda e ao centro), ao contráriode cristais em forma de coluna, em que as gotas se distribuem quase eqüitativamente aolongo de toda a extensão do cristal.

Figura 4.6 – Placa (esquerda), dendrito (centro) e coluna (direita) em processo de “riming”.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

No caso extremo de “ riming”, um cristal de gelo se converte em uma partícula de graupel.Uma partícula de graupel, via de regra, já não guarda identidade com a forma geométricainicial do cristal (apesar de, em certas circunstâncias, uma gota que se congela tambémpode servir como embrião para uma partícula de graupel).

O graupel é formado de partículas de gelo opacas, comumente arredondadas ou cônicas. Adensidade de tais partículas é maior do que a de agregados, mas inferior à do granizo. Odiâmetro característico máximo de partículas de graupel é algo em torno de 5mm.Exemplos deste tipo de partícula são mostrados na Figura 4.7.

O granizo é constituído de hidrometeoros que vão desde partículas de dimensõessemelhantes às de graupel até pedras de granizo com diâmetro de vários centímetros.Usualmente, pedras de granizo atingem de 6 a 8 cm de diâmetro, como os produzidos poruma tempestade em Oklahoma (Figura 4.8), mas um granizo pesando 766g e com umacircunferência de 44cm (raio de 7cm) foi observado e descrito por Browning (1966).

O granizo é formado, via de regra, em nuvens com movimentos ascendentessuficientemente fortes para contrabalançar a velocidade de queda de hidrometeoros tãograndes.

Figura 4.7 – Partículas de graupel coletadas na Suíça. A distância entre as linhas é 0.2mm (Aufdermauer,1963).

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Figura 4.8 – Pedras de granizo coletadas após uma tempestade em Oklahoma, EUA.As maiores têm dimensões de vários centímetros.

A forma do granizo é predominantemente próxima à da esfera, mas formas cônicas,esferóides achatados, formas similares à de uma maçã e pedras de granizo com saliênciasou lóbulos também são freqüentemente encontrados. Geralmente, pedras de granizo comlóbulos se formam quando a mesma funde parcialmente, gerando água líquida em suasuperfície, que volta a se solidificar. Exemplos deste tipo de pedra de granizo sãomostrados na Figura 4.29.

O granizo pequeno, de dimensões semelhantes ao graupel, difere deste por sua densidade(maior) e pela aparência de sua superfície (menos opaca e menos rugosa). Uma partícula degraupel pode se converter em um granizo pequeno ao preencher os seus interstícios comágua líquida.

Usualmente, pedras de granizo coletadas à superfície são partículas de gelo sólidas. Noentanto, diversos estudos experimentais (List, 1958a,b; Macklin, 1961) mostram que ocrescimento de pedras de granizo pode ser, na verdade, altamente complexo. Dependendodo regime de crescimento, pedras de granizo podem conter camadas de fase mista (misturade gelo e água), denominado por List de “gelo esponjoso”. Tais camadas são produzidasquando o calor latente liberado durante o crescimento do granizo não é repassado demaneira eficiente ao ambiente para permitir que toda a água coletada pelo granizo sesolidifique. Neste caso, o passo que a porção de água coletada que se congela forma umaestrutura em forma de malha, o restante, que permanece em água líquida, preenche osvazios de tal estrutura. A mistura é mantida a uma temperatura de 0oC.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Figura 4.9 – Pedras de granizo com lóbulos.

Usualmente, pedras de granizo coletadas à superfície são partículas de gelo sólidas. Noentanto, diversos estudos experimentais (List, 1958a,b; Macklin, 1961) mostram que ocrescimento de pedras de granizo pode ser, na verdade, altamente complexo. Dependendodo regime de crescimento, pedras de granizo podem conter camadas de fase mista (misturade gelo e água), denominado por List de “gelo esponjoso”. Tais camadas são produzidasquando o calor latente liberado durante o crescimento do granizo não é repassado demaneira eficiente ao ambiente para permitir que toda a água coletada pelo granizo sesolidifique. Neste caso, o passo que a porção de água coletada que se congela forma umaestrutura em forma de malha, o restante, que permanece em água líquida, preenche osvazios de tal estrutura. A mistura é mantida a uma temperatura de 0oC.

4.1.4 – Esquemas de Microfísica Detalhada

O objetivo fundamental ao se desenvolver um esquema para processos de microfísica denuvens é representar por meio de aproximações as transformações sofridas peloshidrometeoros (gotas de água líquida e cristais de gelo). Como os processos que levam aessas transformações (condensação, evaporação, colisão-coalescência de gotas, deposiçãode vapor sobre cristais de gelo, etc.) ocorrem em escala de micra, a relação entre esta escalae a do escoamento atmosférico em mesoescala é da ordem de bilhões.

Duas classes de esquemas microfísicos são geralmente encontrados em modelosatmosféricos: esquemas “detalhados” (“ bin-microphysics”) e esquemas “de volume” (“ bulkmicrophysics).

Parametrizações de microfísica detalhada são esquemas em que os hidrometeoros aparecemdistribuídos entre categorias de tamanho. Assim, a função-distribuição de hidrometeoros édiscretizada em determinadas faixas. É o caso dos esquemas utilizados nos modelos deSoong (1974), Takahashi (1975), Kogan (1991), Tzivion et al. (1994) e Costa et al. (2000).Neste último, os núcleos de condensação de nuvens (CCN, partículas higroscópicas em

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

suspensão) são divididos em 44 classes de tamanho, enquanto as gotículas em si se dividemem 100 classes, cujos raios variam de 1µm a 5mm. Um exemplo de como uma função-distribuição é discretizada é representada na Figura 5.1.

Em todos esses modelos, apenas os processos que ocorrem entre a fase líquida e o vaporsão considerados, mas há modelos detalhados que incluem também a fase de gelo, comoaquele proposto por Young (1976).

Nestes modelos, como os hidrometeoros são classificados por tamanho, as fontes esumidouros de cada categoria (ou “ bin”) estão ligados não só ao surgimento oudesaparecimento de hidrometeoros, mas também à mudança no tamanho destas partículas.Por exemplo, em um modelo de microfísica detalhada para a fase líquida, a equaçãoprognóstica para a função-distribuição (considerando um total de M categorias portamanho, envolve termos de nucleação, condensação/evaporação, coalescência, rupturacolisional – que ocorre quando duas gotas, ao colidirem, produzem uma distribuição defragmentos - e ruptura espontânea – que consiste na quebra de uma gota de grandesdimensões, hidrodinamicamente instável, gerando um conjunto de gotas menores).Matematicamente, isto é representado pela equação (4.11):

sbrk

m

cbrk

m

coa

m

ec

m

nuc

mm

m

tf

tf

tf

tf

tf

fVt

f

∂∂±

∂∂±

∂∂±

∂∂±

∂∂=∇⋅+

∂∂

/

. (4.11)

Na equação acima, m = 1, ..., M representa a m-ésima categoria de tamanho e, portanto, oque temos na verdade é um conjunto de M equações a ser implementado no modelo. Anucleação é uma fonte de gotas (e um sumidouro de CCNs). Tanto a condensação como aevaporação podem ser fontes ou sumidouros, a depender da classe de tamanho. Uma gota,ao crescer por condensação deve ser retirada de sua classe original m1 para uma outraclasse de tamanho m2 > m1. Daí, a condensação deve aparecer como fonte na equação defm2 e sumidouro na equação de fm1. Para a evaporação, aplica-se um raciocínio similar,considerando-se apenas que a gota diminui de tamanho.

No caso da coalescência, considera-se, por exemplo, uma gota pertencente à m1-ésimacategoria interagindo com uma gota da m2-ésima categoria, produzindo uma gota da m3-ésima categoria, tal que a massa desta última é a soma das massas das gotas que lhe deramorigem. Neste exemplo, o termo de coalescência surge como fonte na equação para fm3 esumidouro nas equações de fm1 e fm2.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o termo de ruptura colisional referente à interaçãode gotas das categorias m1 e m2 aparece como sumidouro nas equações destas classes detamanho e como fonte nas equações das categorias que contêm os fragmentos. O mesmo seaplica à ruptura espontânea.

Estes esquemas conseguem prever a evolução do espectro, ou seja, da distribuição dehidrometeoros por tamanho. No entanto, como cada categoria requer uma equaçãoprognóstica para ser resolvida, esta classe de esquemas costuma requerer muito tempo decomputação. Esquemas de microfísica detalhada raramente são utilizados em modelos de

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

grande e mesoescala, especialmente em aplicações de previsão numérica de tempo e clima.Em geral, neste tipo de aplicação, utilizam-se os chamados esquemas “de volume”.

4.1.5 – Esquemas de Microfísica “de Volume”

Nestes esquemas, ao invés de divididos em um grande número de categorias, oshidrometeoros aparecem representados por espécies como “água de nuvem”, “água dechuva”, “cristais de gelo”, “neve”, “ graupel”, etc.

Assim, ao invés de dezenas ou mesmo centenas de “classes de água”, o total de variáveisrelacionadas a esta substância é facilmente reduzido para um número tratável em ummodelo de mesoescala.

Para cada uma dessas espécies existem fontes e sumidouros, sempre relacionados adeterminados processos físicos. Por exemplo, o vapor d’água pode converter-se em águalíquida (condensação) ou sólida (deposição) e ser produzido pelos processos inversos(evaporação e sublimação, respectivamente).

A geração de partículas precipitantes em modelos de grande e mesoescala é um dosprocessos físicos principais a ser simulado por esquemas de microfísica. Em modelosmicrofísicos de volume, dá-se a esse processo o nome de autoconversão. Este e outrosprocessos são esquematizados a seguir.

Rutledge e Hobbs (1984) resumiram em um único diagrama os vários processos que levamà conversão da água de uma forma ou fase a outra (por exemplo, de vapor para gota; decristal de gelo para floco de neve, etc.). Uma adaptação deste diagrama aparece na Figura4.10, com destaque para os processos que envolvem a interação de uma partícula de gelocom outro hidrometeoro em nuvens.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Figura 4.10 – Processos físicos que levam à produção de precipitação(adaptado de Rutledge e Hobbs, 1984)

Dependendo do nível de complexidade do modelo, um número maior ou menor de termos-fonte aparece nas equações prognósticas para as espécies de água. Por exemplo, seja ummodelo de chuva quente (ou seja, sem fase sólida), em que a água líquida é dividida emduas espécies: água de nuvem (c) e água de chuva (r). Neste modelo, a conservação da águaé representada por três equações:

- Equação para a razão de mistura de vapor:

CEEqt

qrcv

v −+=∇⋅+∂

∂V

(4.12)

VAPOR D’ÁGUA

GOTÍCULAS DE NUVEM

CRISTAIS DE GELO

CHUVA NEVE

GRAUPEL E GRANIZO

Dep

osiç

ão Sublimação

Dep

osiç

ão

Sublimação, Evaporação durante fusão

Con

vers

ão

Col

eta

por

floco

s de

nev

e

Evaporação

Con

dens

ação

C

olet

a po

r go

tas d

e ch

uva

Aut

oonv

ersã

o

Evaporação

Con

dens

ação

Fusão Solidificação

Solidificação

Fusão

Riming, Coleta por Graupel ou Granizo

Fusã

o, li

bera

ção

de

água

Rim

ing,

Col

eta

por

Gra

upel

ou

Gra

nizo

Subl

imaç

ão,

Eva

pora

ção

dura

nte

fusã

o

Dep

osiç

ão

Riming

PRECIPITAÇÃO

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

- Equação para a razão de mistura de água de nuvem

CoAcECqt

qcc

c −−−=∇⋅+∂

∂V

(4.13)

- Equação para a razão de mistura de água de chuva

↓↓ −+−+=∇⋅+

∂∂

PPECoAcqt

qrr

r V

(4.14)

Nas equações (4.12)-(4.14), a evaporação de ambas as formas de água líquida serve comofonte de vapor, enquanto a condensação atua como sumidouro. A água de nuvem tem comoúnica fonte o processo de condensação, ao passo que a evaporação, a autoconversão emágua de chuva e a coleta pela água de chuva agem como sumidouros. Finalmente naequação (4.14), os termos de autoconversão e coleta são fontes, enquanto a evaporação atuacomo sumidouro. Junto a estes, aparecem os termos de precipitação, já que as gotas dechuva têm uma velocidade vertical relativa ao ar não nula. A chuva que cai da caixa degrade acima, entrando pela fronteira superior, é representada como uma fonte e a chuva quedeixa a caixa de grade pela fronteira inferior aparece como sumidouro.

Existem diversas parametrizações possíveis para o termo de autoconversão, entre as quaisas de Kessler (1969), Berry (1967, 1968) e Berry e Reinhardt (1973) e Manton e Cotton(1977).

A parametrização de Kessler é a mais simples de todas. Nela, assume-se que a taxa deautoconversão é nula, se o teor de água de nuvem no modelo for inferior a um dado valorde referência e proporcional à diferença entre o teor água de nuvem e este valor dereferência, no caso contrário. A idéia é capturar a noção física simples de que somentenuvens com elevado teor de água líquida conseguem produzir chuva. A expressãomatemática para a fórmula de Kessler é:

( )

−=

,,0

0,1 cc qqKAc

0,

0,

cc

cc

qq

qq≥<

(4.15)

Onde valores típicos são da ordem de K1 = 10-3 s-1 e qc,0 = 1,0 g.m-3.

Em sua simplicidade, a autoconversão de Kessler ignora processos microfísicosimportantes. O tamanho das gotículas e portanto a sua capacidade em se “converter” emgota de chuva interagindo com gotas menores depende da concentração de núcleos decondensação de nuvens ativados. Quanto maior o número de CCNs, menor será aquantidade de água condensada sobre cada um deles. Por outro lado, quando existe um

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número pequeno de CCNs, como em nuvens marítimas, o vapor disponível, ao secondensar, dá origem a uma menor quantidade de gotículas de dimensões maiores.

Este efeito pode ser representado por esquemas de autoconversão mais complexos, como oproposto por Berry (1967, 1968):

1

0

20 0266.0

260

+=

c

c

r

c

rNr

Acργ

ρ (4.16)

Em modelos simplificados, a interação entre água de chuva e água de nuvem é entendidacomo um processo de coleta contínua. Kessler (1969) usou uma aproximação exponencialpara a distribuição de gotas de chuva para mostrar que a coleta de gotículas é dada por:

875,02 rcqqKCo = (4.17)

A “constante” K2 envolve, a princípio, a concentração de gotas, a densidade do ar, etc., masKessler usou um valor representativo K2 = 2,19 s-1. É possível mostrar que, para valorestípicos do conteúdo de água líquida de nuvem e de chuva, a “coleta” é um processo pelomenos uma ordem de grandeza mais eficiente do que a “ autoconversão”.

Hoje em dia, parametrizações baseadas em considerações de coleta contínua estão emdesuso. A razão é que a interação entre hidrometeoros é discreta, e não contínua, sendoportanto não-linear. No caso de interação gota-gota, isto significa resolver a equação decoalescência estocástica.

Usualmente os modelos contêm parametrizações de microfísica em que a distribuição decada classe de hidrometeoros é dada por uma função analítica (do tipo exponencial, log-normal, gama, etc.). Uma tabela com quatro diferentes distribuições analíticas que podemser usadas para ajustar espectros de gotículas observados é apresentada por Costa et al.(2000).

Determinadas funções (como a exponencial e a gama), permitem soluções analíticasaproximadas da equação da coalescência estocástica. No caso geral, porém soluçõesnuméricas para a interação entre hidrometeoros podem ser obtidas por modelos demicrofísica detalhada. Estas soluções são usadas para construir tabelas que passam a serlidas pelo modelo atmosférico de maior escala, proporcionando um esquema que é eficientedo ponto de vista computacional.

Modelos de microfísica “de volume” que incluem a fase sólida requerem a definição derazões de mistura para outras classes de hidrometeoros (gelo, neve e/ou agregados, graupele/ou granizo, etc.), bem como os termos do tipo fonte e sumidouro associados a estasclasses.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

4.2 - Convecção

4.2.1 – Considerações gerais

Em grande parte da atmosfera terrestre e particularmente sobre os trópicos, o transportevertical de massa, calor e umidade se concentra na pequena área ocupada pelas fortescorrentes ascendentes no interior de sistemas de nuvens convectivas. Ao contrário denuvens cumulus de bom tempo, nuvens convectivas profundas produzem precipitação emabundância e, portanto, há um saldo de calor latente, liberado na troposfera. Sua formaçãodepende da instabilidade atmosférica, que pode ser mensurada pela energia potencialdisponível para convecção (convective available potential energy, CAPE), tal que:

dzgCAPEz

z∫ −=1

00

0

ααα , (4.18)

o que corresponde ao trabalho por unidade de massa, realizado pelo empuxo sobre aparcela. Usando a equação do gás ideal, pode-se mostrar, desprezando o efeito do materialcondensado sobre a densidade da parcela, que:

( ) pdTTRCAPEp

p

vvd ln1

0

0∫ −= , (4.19)

tal que Rd representa a constante específica do ar seco (Rd =287 J/kgK) e Tv representa atemperatura virtual.

Quando movimentos convectivos ocorrem, há uma redistribuição (ou fluxo) de massa, talque as parcelas que são menos densas que o ambiente são transportadas para cima.Geralmente, a geração de CAPE por processos de grande escala é aproximadamente igualao seu consumo pela convecção. Neste caso, diz-se que a convecção está em equilíbriodinâmico com o forçante de grande escala.

Os movimentos ascendentes no interior de torres convectivas e a subsidência que oscompensam correspondem a circulações cuja escala, da ordem de 1 km ou menos, osimpede de serem explicitamente resolvidos, não só em modelos de larga escala, mastambém, pelo menos hoje em dia, em modelos de área limitada. Segundo Cotton e Anthes(1989), o problema da parametrização da convecção consiste em relacionar a convecção eos transportes associados a ela, que não podem ser resolvidos, com as variáveis de maiorescala, estas sim, previstas pelo modelo.

Uma vez que as escalas permitidas em um modelo dependem essencialmente de seuespaçamento de grade, é de se esperar que a relação entre as escalas resolvida e não-resolvida variem de acordo com a resolução do modelo. Por conta disso, considera-se que aparametrização da convecção é um problema bem condicionado apenas na larga e meso-α-escalas. Modelos cujo espaçamento de grade visa representar a meso-β-escala encontram-seem uma situação limítrofe: a resolução ainda não é fina o suficiente, como nos modelos de

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nuvens, para representar explicitamente as circulações em escala convectiva, mas as caixasde grande deixaram de ser grandes o suficiente para que uma representação estatística daconvecção possa ser usada. É o que se observa na Figura 4.11. Nela, a caixa de grade domodelo de larga escala contém diversas nuvens. Por sua vez, o modelo de nuvens possuiresolução fina o suficiente para “enxergar” as circulações internas, pelo menos das célulasmaiores (Figura 4.12). A caixa de grade do modelo de mesoescala, no entanto não oferece apossibilidade de resolver explicitamente a convecção nem contém um número de“realizações” da convecção suficiente para ter significado estatístico (Figura 4.13).

Figura 4.11 – “ensemble” de nuvens, inteiramente contido em umacoluna de grade de um GCM

Figura 4.12 – domínio de um modelo de “ensemble” de nuvens, com uma coluna emdestaque. Note que a resolução é suficiente para representar detalhes do campo de

nuvens, bem como da precipitação na superfície

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Figura 4.13 – Parte do domínio de um modelo de área limitada, com uma coluna emdestaque. A resolução não é suficiente para representar os padrões do campo de

nuvens, mas também não há representatividade estatística no interior de cada coluna.

Com a evolução dos computadores, é possível que esteja relativamente próximo o fim dosmodelos de área limitada tais como os concebemos hoje. No entanto, as parametrizações deconvecção ainda precisam ser desenvolvidas para modelos de espaçamento de graderelativamente pequeno, pois no momento atual os modelos de mesoescala ainda precisamdelas. Num futuro próximo, é possível que GCMs de alta resolução se beneficiem destedesenvolvimento.

Há vários tipos de parametrização de convecção, que descreveremos a seguir.

4.2.2 – Parametrizações de ajuste convectivo

Estes esquemas são provavelmente a maneira mais simples de se parametrizar a convecçãoem modelos atmosféricos. Estes esquemas partem do pressuposto de que existe um perfil detemperatura e umidade crítico, necessário para que a convecção ocorra. Quando a grandeescala se torna suficientemente instável (supera esse perfil crítico), a sondagem é ajustadade volta a este perfil, mais estável. Esta estabilização seria produto da ação da convecção eteria a precipitação como sub-produto. Exemplos deste tipo de esquema incluem Manabe etal. (1965), Niyakoda et al. (1969), Krishnamurti e Moxim (1971), etc.

Nesta classe de esquema de convecção, a precipitação aparece como o resíduo do ajustepara o perfil estável de razão de mistura de vapor d’água, ou, na forma de uma equação:

( )dpqqg

Psp

p

vv∫ −∆

=1

01

τ. (4.20)

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

A equação (4.20) indica que a taxa de precipitação depende de um tempo característico, quedeve ser prescrito. Nos esquemas de ajuste convectivo, ∆τ corresponde, tipicamente, aotempo de vida de uma nuvem convectiva.

Em sua forma mais severa o ajuste é feito forçando a atmosfera a seguir a adiabática úmida,ou seja, a temperatura potencial equivalente (ou a energia estática úmida) assume um perfilconstante com a altura. A temperatura e a razão de mistura passam, portanto, a assumiremos valores correspondentes à adiabática úmida, ou seja,

vmv

m

qq

TT

==

(4.21)

Neste caso, o ajuste é dito “duro”. Como a precipitação prevista por essa forma de ajusteexcede as observações por mais de uma ordem de magnitude, formas mais brandas deajuste foram propostas. Neste caso, denominado comumente de “ajuste mole”, assume-seque o ajuste duro só ocorre em uma fração a da área da coluna (0 < a < 1), enquanto que orestante da área preserva o seu valor inicial. Para uma coluna atmosférica, a razão demistura e a temperatura após o ajuste mole será:

0

0

)1(

)1(

vvmv

m

qaaqq

TaaTT

−+=−+=

(4.22)

Ainda assim, tais esquemas, mesmo que consigam prever valores fisicamente razoáveis deprecipitação como é o caso dos que usam um ajuste mole, apresentam um erro de fase emrelação às observações, visto que a resposta da convecção não é instantânea face àdesestabilização na grande escala.

4.2.3 - Esquema de Kuo e similares

Os fundamentos dos esquemas de convecção baseados em balanços de umidade remontamaos trabalhos de Charney e Eliassen (1964), que apontaram a necessidade de umacirculação de grande escala para repor continuamente a umidade da camada-limite nostrópicos, consumida pelas nuvens convectivas.

Como se conhece nos dias de hoje, existe uma forte correlação entre a precipitaçãoobservada e a convergência de umidade na coluna atmosférica. Estudos experimentais enuméricos sugerem que a convergência de umidade é um parâmetro útil na construção deesquemas de convecção em modelos de grande escala.

Isto constitui a base da parametrização proposta por Kuo (1965) e de suas versões maisavançadas (Kuo 1974, Anthes 1977, Lian 1979, Krishnamurti et al. 1976, 1980, 1983 eMolinari 1982. Kuo (1965, 1974) baseou-se na consideração que, em regiões onde ocorreconvecção profunda, existe um balanço aproximado entre a precipitação e o transportevertical de vapor d’água associado ao escoamento de grande escala.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

O esquema de Kuo precisa resolver uma equação de balanço para o vapor d’águaenvolvendo a convergência de umidade, a evaporação, a precipitação e o termo dearmazenamento. Pode-se escrever esta equação, que expressa a conservação do vapord’água, na forma:

( ) ( ) ( )qwz

CEVqqt

′′∂∂−−=⋅∇+

∂∂ ρρρ , (4.23)

onde os termos no segundo membro da equação são, respectivamente, as taxas deevaporação e condensação e o transporte vertical de vapor.

Integrando (4.23) ao longo de uma coluna atmosférica, obtém-se

( ) ( ) sh FPdzqVdzqt

+−⋅∇−=∂∂ ∫∫

∞∞

00

ρρ , (4.24)

tal que Vh é o vento horizontal, P é a taxa de precipitação e Fs é o fluxo turbulento de vapord’água à superfície.

Pode-se mostrar que em uma área suficientemente vasta e por um tempo suficientementelongo, o termo de armazenamento tende a ser desprezível e a precipitação cancela o efeitoda evaporação mais convergência de umidade em grande escala, ou seja,

( ) ( ) shsh FdzqVPFPdzqV +⋅∇=⇒+−⋅∇−= ∫∫∞∞

00

0 ρρ , (4.25)

em que se assumiu que o armazenamento de vapor d’água na atmosfera é nulo. A questão éque em intervalos de tempo finitos isto não é verdade. Vários artifícios foram propostospara determinar a fração do vapor d’água armazenada, já que a fórmula original de Kuo(1965) subestimava a precipitação de forma sistemática. Na parametrização de Kuo, essafração é simbolizada por b, tal que (1 – b) pode ser interpretado como a eficiência deprecipitação, como mostraremos em seguida.

Kuo (1974) assumiu que, sempre que a atmosfera apresenta instabilidade, tem-se

( ) Pdzqt

αρ =∂∂∫

0

, (4.26)

tal que α é um número pequeno. Daí, de (4.24) pode-se mostrar que

( )( )

α

ρρα

+

⋅∇−=⇒+−⋅∇−=

∫∫

10

0

dzqVF

PFPdzqVPhs

sh . (4.27)

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Decorre da expressão (4.27) que se pode definir uma eficiência de precipitação no esquemade Kuo, tratando a taxa de precipitação como uma fração da umidade tornada disponívelpela evaporação superficial e pela convergência de grande escala, ou seja,

( )b

dzqVF

P

hs

−=+

=⋅∇− ∫

∞ 11

1

0

αρ

, (4.28)

de acordo com o que foi definido anteriormente, ou seja, (1 – b) é a fração do vaporconvertida em precipitação e b corresponde à fração do vapor armazenada na colunaatmosférica. Uma desvantagem clara do esquema de Kuo (1974) é a característica aprincípio arbitrária deste parâmetro. Anthes (1977) sugeriu que b fosse função da umidaderelativa. Outros autores utilizam uma dependência do cisalhamento. Emanuel (1994)acredita que as limitações do esquema de Kuo, que impedem uma correta representação docampo de vapor d’água nos trópicos, eventualmente levará a que esta parametrização caiaem desuso.

4.2.4 – Esquemas do tipo Arakawa-Schubert

Arakawa e Schubert (1974) desenvolveram um esquema de parametrização de cumulussofisticado, concebido para modelos de circulação geral e que é consideravelmente maisrobusto que o esquema de Kuo. Um espectro de cumulus de diversos tamanhos é utilizado,junto com um acoplamento com a parametrização de camada-limite.

A base do esquema está na destruição de CAPE pelo ensemble de nuvens. Daí, não só aconvergência de umidade, mas a advecção vertical e horizontal, processos radiativos e desuperfície são incluídos na parametrização, pois levam à desestabilização da atmosfera e,portanto, a condições propícias ao desenvolvimento de convecção cumulus.

O esquema de AS assume que o ensemble de cumulus afeta o ambiente de duas maneiras:1. induzindo subsidência entre as nuvens, aquecendo e secando o ambiente e 2. pelodesentranhamento de ar saturado contendo material condensado pelo topo da nuvem. Aevaporação dos hidrometeoros desentranhados provoca resfriamento e umedecimento.

As equações prognósticas para o esquema se referem à massa, à energia estática seca (s =cpT + gz) e à razão de mistura de vapor e de água líquida. Usando a aproximaçãoanelástica, temos:

( ) ( )wz

V h ρ∂∂−ρ⋅−∇=0 (4.29)

rs

h Qz

FCL

zs

wsVts +

∂∂

−+∂∂ρ−∇⋅ρ−=

∂∂ρ (4.30)

z

FC

zq

wqVt

qvqv

vhv

∂∂

−−∂

∂ρ−∇⋅ρ−=

∂∂

ρ (4.31)

Page 62: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

χ−∂

∂−+

∂∂

ρ−∇⋅ρ−=∂

∂ρ

z

FC

zq

wqVt

qlql

lhl , (4.32)

onde ρ é a densidade do ar e segue a aproximação anelástica, C é a taxa líquida decondensação (condensação menos evaporação), Qr é a taxa de aquecimento radiativo, χ é ataxa de conversão em precipitação e os termos Fs e similares representam o transporteturbulento mais convectivo. Acima da camada-limite, assume-se que estes termos estãoassociados exclusivamente com as correntes ascendentes da convecção cumulus.

No esquema de AS, o domínio é subdividido em N subdomínios, cada qual ocupando umafração σi da área do domínio e com uma velocidade característica wi (além de valorescaracterísticos de s, qv e ql. Os subdomínios podem representar ascendentes em nuvensconvectivas de diferentes tamanhos, descendentes em nuvens convectivas, regiõesestratiformes ou o ambiente de céu claro. Por definição, temos

11

=σ∑=

N

ii . (4.33)

A média de qualquer variável podem ser calculada como médias ponderadas, em que ospesos são as frações de área:

∑=

φσ=φN

iii

1

, (4.34)

o que se aplica à velocidade vertical, à energia estática seca, à energia estática úmida(h = s + Lq), às razões de mistura, etc.

Da equação (4.34), decorre que o transporte convectivo da variável genérica φ é dada por

( )( ) ( )( )φ−φ−ρσ=φ−φ−ρ=φ′′ρ= ∑=

φ i

N

iii wwwwwF

1

. (4.35)

Por simplicidade, vamos assumir que os efeitos da organização em mesoescala edescendentes convectivos podem ser desprezados. Neste ponto, vamos considerar tambémque as nuvens convectivas têm características similares, o que nos permite fazer N = 2, ouseja, ou se está no interior de uma nuvem convectiva ou no ambiente de céu claro, tal que

1~2

1

=σ+σ=σ∑=

ci

i , (4.36)

com o índice c representando as nuvens e o til representando o ambiente. É fácil mostrarque σc << 1 e 1~ ≅σ , o que significa que os ascendentes convectivos ocupam uma fraçãomuito pequena da área do ambiente, como na Figura 4.14.

Page 63: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Figura 4.14 – Ilustração de um conjunto de nuvens. A área ocupada pelos ascendentes (em cinza) émuito menor que a área total.

Para uma variável genérica qualquer (s, h, qv, etc.) tem-se:

φσ+φσ=φ ~~cc . (4.37)

Os movimentos verticais no interior das células convectivas é muito mais intenso que noambiente, ou seja, wc << w . Daí, a equação (4.35) pode ser aproximada como:

( )φ−φ=φ ccMF , (4.38)

tal que Mc é o fluxo convectivo de massa e o termo entre parênteses representa a diferençaentre o valor de φ na nuvem e no ambiente externo. Estendendo a equação (4.38) para asvariáveis prognósticas das equações (4.30)-(4.32), obtemos, então:

( )ssMF ccs −= (4.39)( )vvccq qqMF

v−= (4.40)

( )llccq qqMFl

−= , (4.41)

onde

( ) ccc sss σ+σ−= ~1 (4.42)( ) vccvcv qqq σ+σ−= ~1 (4.43)( ) lcclcl qqq σ+σ−= ~1 . (4.44)

Page 64: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Note que consideramos a possibilidade da existência de água líquida no ambiente externoaos ascendentes convectivos. As equações (4.30)-(4.32) podem, então, ser reescritas comofunção do fluxo de massa Mc.

( ) ( )[ ] rcccch QssMz

CCLzs

wsVts +−

∂∂−σ++

∂∂ρ−∇⋅ρ−=

∂∂ρ ~ (4.45)

( ) ( )[ ]vvccccv

vhv qqM

zCC

zq

wqVt

q−

∂∂−σ+−

∂∂

ρ−∇⋅ρ−=∂

∂ρ

~ (4.46)

( ) ( )[ ] ( )[ ]cccllccccl

lhl qqM

zCC

zq

wqVt

qχσ+χσ−−−

∂∂−σ++

∂∂

ρ−∇⋅ρ−=∂

∂ρ ~1

~

(4.47)

Agora, portanto, é necessário fazer hipóteses acerca do perfil vertical do fluxo de massaconvectivo. O fluxo vertical de massa em um dado nível é, evidentemente, resultado dobalanço entre a quantidade de massa que entra (entranhamento) e a quantidade de massaque sai (desentranhamento). Para uma seção horizontal da nuvem de espessura δz,esquematizada na Figura 4.15, o incremento no fluxo de massa δMc é tal que:

( ) ( ) ( ) ( )zDzEzMz

zDEM cc −=∂∂⇒δ−=δ , (4.48)

em que E e D são as taxas de entranhamento e desentranhamento, que têm dimensão demassa por unidade de volume por unidade de tempo.

δz

Figura 4.15 – Balanço de massa em uma seção reta infinitesimal de uma nuvem

A taxa de entranhamento, segundo a parametrização original de AS é tal que

E = λMc (4.49)

Tal que λ é o fator de entranhamento e tem dimensões de inverso de comprimento. O fatorde entranhamento pode ser interpretado fisicamente como uma medida da mistura danuvem com o ambiente. Nuvens mais vigorosas, de topo mais elevado, preservam seusascendentes praticamente sem a ocorrência de mistura com ar externo. Nuvens mais rasas,apresentam um fator de entranhamento maior.

D

E

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Arakawa e Schubert fizeram ainda uso de uma simplificação, na qual o desentranhamentosó ocorre no topo da nuvem, de tal forma que o fluxo convectivo cai subitamente a zeronesse ponto. Considerando esta simplificação e usando a equação (4.49) pode-se inferir umperfil exponencial para o fluxo de massa:

)exp()(),( zMzM Bc λλ=λ , (4.50)

onde MB representa o fluxo de massa na base da nuvem. Perceba que um dado tipo denuvem, caracterizado pelo fator de entranhamento, apresenta um valor para MB. No casogeral, é possível propor qualquer fórmula do tipo

),()(),( zMzM Bc ληλ=λ , (4.51)

desde que η(λ,zB) = 1, ou seja, na base da nuvem esta função adimensional se reduza àunidade.

Uma propriedade fundamental deste esquema é a suposição, proposta por Arakawa eSchubert, de que a convecção e a grande escala mantêm-se em “quase-equilíbrio”. Deacordo com esta hipótese, as nuvens convectivas rapidamente convertem CAPE em energiacinética. Neste sentido, define-se, para cada tipo de nuvem, uma “função trabalho”, dadapor:

( ) ( )( )

∫λ

λ λη=λD

B

z

z

dzzBA , (4.52)

onde, de fato, o trabalho é dado pela integral da força (no caso, o empuxo, Bλ) pelodeslocamento, porém o processo é restringido por um “rendimento”, ou seja, η(λ,zB).Usando uma expressão para o empuxo, a partir da termodinâmica do ar úmido, podemosreescrever.

( )( )

( ) ( ) ( )[ ]dzzszszzTc

gA vv

z

z p

D

B

−λλη=λ ∫λ

,,)(

, (4.53)

onde aparece a energia estática seca virtual. Para λ = 0, a expressão (4.52) se reduz aoCAPE.

Como os modelos calculam as variáveis termodinâmicas, a função trabalho é indiretamenteprevista. O próximo passo é usar a consideração de quase-equilíbrio. Derivando a expressãoacima e somando sobre todos os tipos de nuvem, obtemos uma equação do tipo:

scalelargeconvective

)()()(

λ+λ=λdt

dAdt

dAA

dtd , (4.54)

Page 66: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

tal que

( )∑λ

λλλ=λ

'convective

)'(',)(

bMJdt

dA , (4.55)

onde J nos dá o efeito da nuvem de fator de entranhamento λ’ sobre a função-trabalhorelativa à nuvem de fator de entranhamento λ.

O quase-equilíbrio implica em

⇒≅λ 0)(Adtd ( ) −=λλλ∑

λ'

)'(', bMJscalelarge

)(

λdt

dA (4.56)

Ao se implementar esta formulação em um modelo, deve-se resolver um sistema linear deequações, tendo como variáveis os diversos valores de )'(λbM , com a restrição de quetodos os fluxos de massa devem ser não-negativos. Uma vez encontrados estes valores, épossível calcular o perfil dos fluxos convectivos, usando (4.51) e incluir estes últimos nasequações (4.45)-(4.47).

A equação (4.56) implica que a instabilidade convectiva gerada pelo forçante de grande-escala é rapidamente consumida pela convecção cumulus. Há, portanto, um balançoaproximado entre os dois termos, se o forçante contribuir para desestabilizar a atmosfera. Épreciso ter em mente, porém, que este forçante reflete a circulação de grande escala e esta,por sua vez, é afetada pela convecção cumulus. Então, não se pode imaginar que aconvecção simplesmente responde à grande escala; as duas evoluem conjuntamente aolongo do tempo, de acordo com as leis da dinâmica atmosférica de grande escala e dadinâmica de nuvens. A teoria do quase-equilíbrio vem sendo testada com base em dadosobservacionais e modelos de nuvens.

Outros esquemas de convecção, alguns concebidos para uso em modelos de mesoescala sãodescritos, dentre outros autores, por Cotton e Anthes (1989), Emanuel (1994), etc., mas suadescrição está fora dos objetivos do presente curso.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Exercícios:

1. Uma nuvem de forma cilíndrica tem seção reta de 10 km2 e altura de 3 km. Anuvem é inicialmente composta de água super-resfriada e o conteúdo de águalíquida é 2 g/m3. Se toda a água líquida se solidificar sobre INs, tal que aconcentração destes é 1 l-1, determine: a) A massa total de material condensado nanuvem; b) O número de cristais de gelo formados; c) A massa destes cristais; d) Setodos os cristais precipitarem e derreterem antes de atingirem o solo, qual a chuvatotal produzida, em mm?

2. Na equação (4.8), dm/dt representa o ganho de massa de uma gota de chuva porcoleta contínua em um campo de gotículas de nuvem. Integrando-se para umadistribuição de gotas, obtém-se que a taxa de transferência de massa da população

de gotículas para a população de gotas é ∫=2

1

)(1

D

D

dDDfdtdm

Coρ

, tal que D é o

diâmetro das gotas de chuva, compreendido entre D1 e D2 e f é a função-distribuiçãode gotas. (a) Substitua (4.8) nesta integral (fazendo r1 = D/2, L = ρqc), despreze avelocidade terminal das gotículas diante da velocidade terminal das gotas (esta, uma

função do diâmetro) e mostre que ∫=2

1

)()(4

2D

D

c dDDfqDEvD

Coπ . (b) Use a fórmula de

Spilhaus da velocidade terminal, v(D) = 130 D1/2, assuma que a distribuição degotas é exponencial tal que f(D) = N0e-λD, faça D1 → 0, D2 → • e mostre que

( )5,305,3

5,32λ

π Γ= cEqNCo , onde Γ é a função gama. (c) Use o fato de que

∫=2

1

)(6

1 3D

D

wr dDDf

Dq

πρρ

para provar que, no caso de uma distribuição exponencial,

( )40 64

λρρπ Γ= w

r Nq , onde ρw é a densidade da água líquida. (d) Resolva para λ e

encontra a expressão para coleta proposta por Kessler. Qual a expressão para K2?

3. Um modelo de parcela é um modelo atmosférico extremamente simples, em que seacompanha uma parcela e a dependência espacial se torna irrelevante. Considere ummodelo de uma parcela, na qual existe condensação a uma taxa constante C e emque a taxa de precipitação é proporcional à razão de mistura de água de chuva.(a) Mostre que o conjunto de equações para as razões de mistura de vapor, água denuvem e água de chuva pode ser escrito como:

−+=

−−=

−=

τrr

c

v

qCoAc

dtdq

CoAcCdt

dq

Cdt

dq

, onde τ é o “tempo característico de residência” da chuva na

parcela.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

(b) Mostre que, no caso de uma “nuvem estacionária” ( qc e qr constantes com otempo), a taxa de precipitação deve ser igual à taxa de condensação, independentedos parâmetros que definem a taxa de autoconversão e coleta (K1, K2, qc,0). Encontretambém expressões para qc e qr no estado de equilíbrio.(c) Abaixo, é apresentado um programa FORTRAN, que representa este modelo deparcela. Prepare um gráfico de qc e qr em função do tempo. Modifique o programa,reduzindo o valor de qc,0 para 5.10-4 kg/kg e faça novos gráficos. Retorne ao valororiginal de qc,0 e duplique o valor de K1 e obtenha novos gráficos. Finalmente, volteaos valores originais e duplique o valor de τ. Discuta seus resultados.

4. (a) Deduza a equação para a função trabalho, (4.53) e (b) mostre a equivalênciaentre esta equação e a equação (4.19), no caso em que o fator de entranhamento énulo. Interprete fisicamente este resultado.

5. Suponha que a energia estática úmida (h = s + Lqv) seja materialmente conservada,ou seja,

(a) Mostre, usando as médias de Reynolds, que

e justifique o uso da aproximação

.

(b) Mostre que a variância da energia estática úmida ( ) satisfaz a equação

program parcelc-------- este programa calcula qc e qr em uma parcela de ar

data ak1/1.e-3/qc0/1.e-3/ak2/2.19/data cond/1.e-6/deltat/1./tau/600./open(1,file=’qcqr.dat’)qc=0.qr=0.tempo=0.do i=1,7200 tempo=tempo+deltat ac=0. if (qc.gt.qc0) ac=ak1*(qc-qc0) co=ak2*qc*qr**0.875 p=qr/tau qc=qc+(cond-ac-co)*deltat qr=qr+(ac+co-p)*deltat write(1,*)tempo,qc,qrenddostopend

Page 69: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Para médias sobre um escoamento de grande escala, a derivada local,derivadas horizontais e a advecção pelo escoamento médio podem serdesprezados. Uma aproximação similar àquela usada no item anteriortambém é válida. Mostre que estas simplificações levam a

.

(c) Suponha que as flutuações de velocidade vertical surgem devido a umapopulação de nuvens cumulus cobrindo uma fração σ da área do ambiente.Se o movimento do ar no interior destas nuvens é ascendente, de intensidadewu enquanto, no ambiente, é descendente, de intensidade wd, prove que:

,onde hu e hd são os valores da energia estática úmida no interior das nuvens eno ambiente, respectivamente.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

5. Parametrizações Físicas II

Conforme discutido no capítulo anterior, processos cuja escala não pode ser representadadiretamente em um modelo numérico precisam ser parametrizados. Isto leva à separaçãoentre a “dinâmica” e a “física” dentro destes modelos. Os processos em escala de subgraderelacionados com nuvens foram investigados no capítulo anterior, sendo a este reservado opapel de mostrar parametrizações de radiação, superfície e turbulência.

5.1 - Radiação

O termo de radiação corresponde a uma fonte ou sumidouro na equação prognóstica para avariável termodinâmica (seja ela a temperatura, a temperatura potencial, etc.).Desconsiderando todos os demais fontes e sumidouros, a equação termodinâmica pode serescrita como:

Rc

SDtD

p

⋅∇ρ

−==θθ

1

(5.1)

onde R representa a radiância (energia incidente por unidade de área) e cp é o calorespecífico do ar a pressão constante.

Algumas observações a respeito da equação (5.1):

- Para efeito de aquecimento de uma parcela de ar, interessa-nos determinar o balançoentre a radiação que chega e a radiação que deixa a parcela, ou seja, é necessáriocalcular a divergência do campo de radiância. No caso de convergência, ou seja, emque há mais radiação penetrando a parcela do que saindo, o ar se aquece.

- Uma consideração feita em quase todos os esquemas de radiação usados emmodelos numéricos da atmosfera é que os processos de troca radiativa se dãoessencialmente na vertical. Daí, o único termo do divergente que permanece naequação (5.1) é a derivada vertical.

Existem duas fontes principais de radiação para a atmosfera terrestre. A primeira,obviamente, é o Sol, cuja radiação chega à Terra após viajar pelo espaço. A outra é aemissão radiativa de corpos terrestres (por exemplo, a própria superfície do planeta).

A temperatura de emissão destes corpos é muito distinta, pois enquanto o Sol emite a cercade 6000K, a Terra e demais corpos próximos à sua superfície (incluindo as nuvens) emitema uma temperatura da ordem de 300K ou menos.

Pela Lei de Wien, o comprimento de onda do pico da irradiância de um corpo negro éinversamente proporcional à sua temperatura, ou seja,

Page 71: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

λ = C / T(5.2)

onde C = 0,29 cm.K.

Ao substituirmos os valores de temperatura citados acima, obtemos, respectivamente, paraas radiações solar e terrestre, 0,48µm e 9,7µm. Isto sugere que os espectros de radiaçãosolar e terrestre são bem separados. De fato, isso se confirma, ao analisarmos o fluxoradiativo espectral para a radiação solar no topo da atmosfera terrestre e de um corpo negroemitindo à temperatura de 300K (Figura 5.1).

Figura 5.1 – Fluxo radiativo espectral normalizado para a radiação de corpos negros emitindo àtemperatura de 6000K (esquerda) e 300K (direita)

Como os espectros são bem separados, as parametrizações de radiação em modelosatmosféricos se beneficiam deste fato e fazem o balanço considerando duas componentes:onda curta (radiação solar, predominantemente na faixa do visível e infravermelhopróximo) e onda longa (radiação terrestre).

Vários níveis de representação da radiação são possíveis em modelos atmosféricos. Asolução da equação de transferência radiativa, por exemplo, pode ser resolvida usando ométodo “ two-stream”, em que apenas a divergência vertical do fluxo radiativo é levado emconsideração. Neste caso, a equação (5.1) se torna

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

0,1 1 10 100

Page 72: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

zR

cDtD z

p ∂∂

ρ−=θ 1

,

(5.2)

onde, a coordenada vertical não é necessariamente a altura (como é o caso de modelos quetrabalham com coordenadas de pressão).

A outra alternativa é o uso de métodos do tipo Monte Carlo, em que fótons são introduzidose os fenômenos de absorção e espalhamento são resolvidos explicitamente em termos deprobabilidades. Métodos de Monte Carlo raramente são utilizados em modelos de grande epequena escala porque consomem muito tempo de processamento.

A complexidade dos sub-modelos de radiação também varia, dependendo de que processosfísicos são representados. Neste caso, três níveis de representação dos processos detransferência radiativa podem ser definidos:

a) Céu claro – São considerados apenas os processos envolvendo os gases ativos (ouseja, aqueles que interagem com a radiação), particularmente o ozônio, o dióxido decarbono e o vapor d’água. Não são considerados processos envolvendo nuvens. É ocaso, por exemplo, da parametrização proposta por Mahrer e Pielke (1976);

b) Nuvens como superfícies – Neste caso, as nuvens entram no processo, comorefletoras e absorvedoras de radiação solar, bem como emissoras de infravermelho.É o caso da parametrização de Chen e Cotton (1983)

c) Radiação acoplada à microfísica – Como a interação da radiação com as nuvens sedá, na realidade, através dos hidrometeoros, as propriedades de espalhamento eabsorção das mesmas são determinadas pela microfísica. Esquemas mais avançadospermitem que a radiação e a microfísica interajam, como o proposto por Harrington(1997).

5.3 - Turbulência

Como vimos no Capítulo 3, ao efetuarmos a chamada média de Reynolds sobre as equaçõesbásicas, aparecem termos envolvendo o produto das flutuações das grandezas físicas naescala da sub-grade. De forma genérica, o termo de transporte vertical (escolhido parailustrar o problema por ser o mais importante em modelos de grande e mesoescala) pode serescrito como:

( )φ′′ρ∂∂

wz

(5.3)

É fácil verificar que, com o aparecimento destes termos, o número de incógnitas nasequações do modelo se torna maior que o número de equações. Nesse sentido, o sistemanão é fechado, o que nos impõe a tarefa de parametrizar os termos de sub-grade paragarantir o fechamento do problema.

Page 73: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Há diversas metodologias possíveis para se representar as correlações na sub-grade a partirdas propriedades do escoamento em maior escala. Pode-se distinguir, a grosso modo, duasclasses de esquemas: parametrizações locais, em que os termos turbulentos são calculados apartir das variáveis do escoamento médio em torno daquele ponto e parametrizações não-locais, que descrevem a turbulência com base em propriedades globais do fluido, pelomenos na camada-limite planetária.

1 – Fechamento Local de 1a Ordem

O procedimento mais simples para se fechar o sistema de equações é assumir que os termosde estresse de Reynolds e de transporte turbulento podem ser escritos em termos dogradiente de variáveis na escala da grade. Usando o conceito de viscosidade e difusividadeturbulentas, introduzido por Boussinesq (1877), pode-se parametrizar o termo dado pelaequação (5.4) como

( )

∂φ∂

∂∂−=φ′′ρ

∂∂⇒

∂φ∂−=φ′′

zK

zw

zzKw

(5.4)

Quando φ é uma componente da velocidade, ou seja, no caso de um termo de estresse deReynolds, K = Km (“m” de momentum). No caso de um escalar, K = Kh (“h” de “ heat”). Arazão entre Kh e Km depende das condições de estabilidade atmosférica, podendo variarentre 1 (caso estável) e 3 (caso fortemente convectivo). O inverso desta razão é comumenteconhecido como número de Prandtl turbulento (um análogo à razão entre a viscosidade e adifusividade moleculares), ou seja,

m

h

KK

Pr=

1

(5.5)

A questão agora reside em encontrar a difusividade/viscosidade turbulenta. Por exemplo,Smagorinsky (1963) propôs que K fosse proporcional ao tensor de deformação, ou seja,

( )D

cK m

2

3∆= ,

(5.6)

tal que

∂∂

+∂∂

=i

j

j

iij x

u

xu

D21

. Uma forma aperfeiçoada do coeficiente proposto acima foi

apresentada por Lilly (1967), ao incluir a influência da estabilidade atmosférica,

Page 74: Modelagem Atmosférica - Alexandre Costa (Rascunho, 2003)

Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

( ) 213

12

/

m

hm Ri

KK

Dc

K

−∆=

(5.7)

Uma outra maneira de se incluir a influência da estabilidade foi proposta por Hill (1974),que expressou a viscosidade/difusividade turbulenta como

∂θ∂

θ−∆==

zg

DkKK ijhm2

(5.8)

Klemp e Wilhelmson (1978) propuseram uma representação de K tal que

LicK =(5.9)

onde i representa alguma medida da turbulência com dimensões de velocidade, porexemplo a raiz quadrada da energia cinética turbulenta ou a variância da velocidade verticale L é uma escala de comprimento definida em função do espaçamento da grade.

Uma representação análoga, porém alternativa, é usar uma escala de tempo turbulenta τ aoinvés de uma escala espacial, ou seja,

τ=2

icK(5.10)

2 – Fechamento Não-Local de 1a Ordem

Há diversos esquemas que utilizam formulações semelhantes à de Klemp e Wilhelmson(1978), mas com bases físicas distintas na definição da intensidade da turbulência e,particularmente, na definição das escalas espaciais e temporais, que passam a ser funçõesdas propriedades globais da turbulência.

Por exemplo, Bechtold et al. (1992) usam um conceito similar ao de um “livre caminhomédio” para parcelas de ar para definir uma escala espacial. Em sua parametrização, estaescala é a média geométrica do espaço médio percorrido por uma parcela ascendente eoutra descendente até que o empuxo se anule, ou seja,

downup llL =(5.11)

A proposição feita por Degrazia et al. (1992) é de que a variância da velocidade vertical éuma medida apropriada da intensidade da turbulência e que o comprimento de onda para o

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

qual o espectro turbulento exibe um máximo de energia como a escala espacial maisadequada, ou seja:

( ) 21

16/

m wwK ′′λπ= ,

(5.12)

em que a constante é derivada a partir da hipótese de Taylor da “turbulência congelada” eλm é o comprimento de onda do máximo do espectro de variância da velocidade vertical,determinado a partir das observações.

Outras parametrizações não-locais introduzem o chamado “termo de contra-gradiente”,com a finalidade de representar o transporte contrário à “difusão turbulenta”. De uma formageral, o transporte turbulento contendo a contribuição do contra-gradiente pode ser expressapor:

γ−

∂φ∂

∂∂=

∂φ∂

zK

zt(5.13)

Certos autores (Hong e Pan 1996) sugerem a combinação de esquemas não-locais nacamada-limite atmosférica e esquemas locais na atmosfera livre.

3 – Fechamentos de Ordem Superior

Ao invés de se fazer uma aproximação simples de primeira ordem para os termos decorrelação entre as flutuações, esquemas de fechamento de ordem superior (segunda,terceira, etc.)são baseados em novas equações prognosticas para estes termos.

É possível mostrar que o uso de um fechamento de segunda ordem, que implica naderivação de equações prognósticas para ( )φ′′w , etc., ao passarem por uma média de

Reynolds, produzirão termos de correlação tripla, do tipo ( )φ′′′ww , etc.

Mellor e Yamada (1974) mostraram que, sob certas condições, é possível usar um númeromenor de equações do que aquele concebido originalmente para um esquema de segundaordem. No esquema para o qual aqueles autores julgam ter encontrado o melhor equilíbrioentre precisão e custo computacional (nível 2,5), o conjunto de equações de correlações ésubstituído por apenas duas: uma equação prognostica para a energia cinética turbulenta eoutra para uma escala espacial da turbulência.

5.3 – Fluxos de Superfície

Segundo Pielke (1984), a fronteira inferior é a única que possui significado físico em ummodelo de mesoescala. O tipo de superfície (massa de água ou terra firme, coberta ou não

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

por vegetação) determina em grande medida o balanço energético nessa fronteira. Umainfluência significativa também é exercida pela superfície sobre o transporte de momentum,dependendo de sua rugosidade.

Uma influência óbvia do tipo de superfície recai sobre o balanço radiativo. A depender darefletividade, determinados tipos de superfície são capazes de absorver mais ou menosradiação solar. Superfícies vegetadas, em particular, tendem a ter um albedo reduzido, emcontraste com superfícies cobertas por gelo ou neve e determinados tipos de solos arenosos.Uma relação de diversas superfícies, com seus respectivos albedos é mostrada a seguir:

Superfície Albedo Superfície AlbedoNeve fresca Até 0,95 Campos 0,20Neve velha 0,40-0,70 Estepe seca 0,20-0,30Geleira 0,20-0,40 Tundra 0,18-0,25Solos escuros 0,05-0,15 Lavouras de cereal 0,25Solos escuros orgânicos 0,10 Lavouras mistas 0,20Argila 0,20 Cana-de-açúcar 0,15Areia seca 0,35-0,45 Outras lavouras 0,18-0,25Areia molhada 0,20-0,30 Florestas temporárias (sem folha) 0,15Turfa 0,05-0,15 Florestas temporárias (com folha) 0,20Asfalto 0,05-0,20 Florestas tropicais 0,15Concreto seco 0,17-0,27 Florestas de coníferas 0,10-0,15Grama longa 0,16 Área urbana 0,15Grama curta 0,26 Água 0,03<A<1

No entanto, não é apenas a radiação de onda curta cujo balanço sofre influência dasuperfície. Certos tipos de superfície possuem uma emissividade bem diferente da unidade,ou seja, não emitem como “corpo negro”. A seguir, são apresentados valores deemissividade para diversos tipos de superfície.

Superfície Albedo Superfície AlbedoNeve fresca 0,99 Área urbana 0,85-0,95Neve velha 0,82 Cascalho 0,92Areia seca 0,95/0,914 Rocha 0,98Areia molhada 0,98/0,936 Deserto 0,84-0,91Turfa seca 0,97 Grama 0,90-0,95Turfa molhada 0,98 Florestas decíduas 0,97-0,98Solos 0,90-0,98 Florestas de coníferas 0,97-0,98Asfalto 0,95/0,956 Água pura 0,993Concreto 0,71-0,90 Água com petróleo 0,972

Em seu todo, o balanço de energia à superfície pode ser escrito como

( ) qhlandas FFRRRQ −−−+α−= 1 ,(5.14)

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

onde os termos representam respectivamente o fluxo líquido de calor (positivo no caso deaquecimento da superfície e negativo no caso contrário), a fração de radiação solarabsorvida pela superfície, o fluxo de radiação de onda longa para baixo (emissão pelaatmosfera), o fluxo de radiação de onda longa para cima (emissão pela própria superfície) eos fluxos de calor latente e sensível.

A partir do balanço superficial de calor, pode-se determinar o balanço de energia paradiferentes níveis do solo, resolvendo-se uma equação de difusão:

∂∂

ρν

∂∂=

∂∂

zT

cztT

(5.15)

Onde ν é a condutividade térmica, c o calor específico, ρ a densidade e cρ

ν é a chamada

difusividade térmica. Tais grandezas, importantes para determinar o fluxo de calor sensívelsão listadas abaixo, para diversos tipos de superfície.

Superfície CondutividadeTérmica(W.m-1K-1)

CalorEspecífico(J.kg-1K-1)

Densidade(103 kg.m-3)

DifusividadeTérmica(10-6 m2s-1)

Concreto 4,60 879 2,3 2,3Rocha 2,93 753 2,7 1,4Gelo 2,51 2093/2100 0,9/0,92 1,3/1,16Neve Nova 0,14/0,08 2093/2090 0,2/0,10 0,3/0,1

Velha 1,67/0,42 2093/2090 0,8/0,48 1,0/0,4Solo argiloso(40% de poros)

Seco 0,25 890 1,6 0,1810% de água 0,63 1005 1,7 0,3720% de água 1,12 1172 1,8 0,5330% de água 1,33 1340 1,9 0,5240% de água 1,58 1550 2,0 0,51

Solo arenoso(40% de poros)

Seco 0,30 800 1,6 0,2410% de água 1,05 1088 1,7 0,5720% de água 1,95 1256 1,8 0,8530% de água 2,16 1423 1,9 0,8040% de água 2,20 1480 2,0 0,74

Turfa (80% de poros)Seco 0,06 1920 0,3 0,1010% de água 0,10 2302 0,4 0,1240% de água 0,29 3098 0,7 0,1370% de água 0,43 3433 1,0 0,1380% de água 0,50 3650 1,1 0,12

Solo leve com raízes 0,11 1256 0,3 0,30Água 0,63/0,57 4186 1,0 0,15

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Na tabela acima, introduz-se uma grandeza adimensional, a umidade do solo, ou conteúdovolumétrico de água no solo, expresso em metros cúbicos de água líquida por metroscúbicos da mistura solo-ar-água.

A umidade presente no solo é reconhecidamente um dos fatores mais importantes emestudos de modelagem de mesoescala. Em primeiro lugar, como já vimos, a presença deágua no solo modifica suas propriedades. Mais importante ainda é o fato de que a umidadedo solo determina em grande parte o suprimento de água disponível para evaporação eevapotranspiração.

O Departamento de Agricultura dos EUA classifica o solo em 12 categorias, conforme atabela abaixo. Tal classificação é adotada por diversos modelos de mesoescala.

Tipo de Solo ηη ψψ ΚΚ b ππ ρρcArenoso 0,395 -12,1 0,01760 4,05 0,0677 1,47Arenoso franco 0,410 -9,0 0,01563 4,38 0,0750 1,41Franco arenoso 0,435 -21,8 0,00341 4,90 0,1142 1,34Franco siltoso 0,485 -78,6 0,00072 5,30 0,1794 1027Franco 0,451 -47,8 0,00070 5,39 0,1547 1,21Franco arenoso argiloso 0,420 -29,9 0,00063 7,12 0,1749 1,18Franco siltoso argiloso 0,477 -35,6 0,00017 7,75 0,2181 1,32Franco argiloso 0,476 -63,0 0,00025 8,52 0,2498 1,23Argiloso arenoso 0,426 -15,3 0,00022 10,40 0,2193 1,18Argiloso siltoso 0,492 -49,0 0,00010 10,40 0,2832 1,15Argiloso 0,482 -40,5 0,00013 11,40 0,2864 1,09Turfa 0,863 -35,6 0,00080 7,75 0,3947 0,84

Onde η é a porosidade, ψ o potencial de umidade de saturação, Κ a condutividadehidráulica saturada, b é um expoente adimensional, e ρc é a capacidade térmica seca.

Vários parâmetros também são relevantes ao estudo da interação entre a superfície e aatmosfera e dizem respeito à vegetação, dentre eles o índice de área foliar, os coeficientesde transmissão e absorção, o albedo para radiação de onda curta e a emissividade pararadiação de onda longa, bem como a resistência biológica à perda de água, parâmetro quedetermina em grande medida a evapotranspiração.

No total, o fluxo de água da superfície para a atmosfera é determinado pela superposição detrês componentes:

1. A evaporação direta, isto é, a evaporação da água sobre o solo nu;2. A evaporação sobre a copa, isto é a passagem para o estado de vapor da água retida

pela vegetação em suas folhas. Parte dessa água evapora e parte dela goteja sobre osolo;

3. A transpiração, que consiste no processo pelo qual é extraída água da região do solocontendo raízes, para ser liberada nos estômatos foliares durante a fotossíntese.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Estudos usando modelos de área limitada, especialmente quando envolvem feedbacksclimáticos requerem um conhecimento adequado das características da superfície e decomo ela interage com a atmosfera.

De fato, a presença de uma cobertura vegetal traz uma modificação profunda naspropriedades da superfície. O comprimento de rugosidade é função da altura média davegetação e de sua cobertura. Adicionalmente, uma superfície vegetada possui, via deregra, menor albedo. Uma vez que as folhas são dispostas em múltiplas camadas, e podemter diferentes orientações, a radiação solar, ao penetrar a copa, tem a probabilidade de serabsorvida, transmitida ou espalhada através de diversas camadas de folhas.

Como foi apontado anteriormente, as folhas interceptam as gotas de chuva, de tal forma queparte da precipitação permanece presa à copa por forças de tensão superficial. O excedentegoteja e pode ser interceptado por uma camada de folhas inferior ou atingir o solo. No casode florestas, a perda por interceptação pode ser significativa. Na vasta área ocupada pelacobertura foliar, a ventilação pode evaporar de maneira muito eficiente a precipitaçãointerceptada.

A transpiração é um subproduto do metabolismo da vegetação. As plantas se utilizam doCO2 atmosférico para fotossintetizar nova biomassa, estabelecendo assim um mecanismode troca biosfera-atmosfera. O ar dentro das cavidades sub-estomatais, ao entrar em contatocom as células das plantas torna-se mais rico em umidade do que o ar externo. Daí, quandoo estômato abre com vistas à captação de CO2, este ar é expelido e carrega vapor d’água,configurando o fenômeno da transpiração.

Os processos envolvendo a vegetação em modelos atmosféricos podem ser representados,por exemplo, utilizando-se o BATS (Biosphere-Atmosphere Transfer Scheme, Dickinson etal. 1993). Os tipos de vegetação constantes nesse esquema e algumas de suas propriedadessão apresentados a seguir.

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

No

Tipo devegetação

Máxima Cober-turaVegetal

Comprimentode Rugosidade

(m)

Variação naCobertura

Vegetal

ProfundidadeRadicular (m)

1 Culturas variadas 0,85 0,06 0,6 1,02 Grama curta 0,80 0,02 0,1 1,03 Coníferas

permanentes0,80 1,00 0,1 1,5

4 Coníferas decíduas 0,80 1,00 0,3 1,55 Florestas decíduas 0,80 0,80 0,3 1,56 Florestas

permanentes0,90 2,00 0,5 2,0

7 Grama alta 0,80 0,10 0,3 1,58 Deserto 0,00 0,05 0,0 1,09 Tundra 0,60 0,04 0,2 1,010 Lavoura irrigada 0,80 0,06 0,6 1,011 Semi-deserto 0,10 0,10 0,1 1,012 Gelo 0,00 0,01 0,0 1,013 Pântano ou Mangue 0,80 0,03 0,4 1,014 Água continental 0,00 0,0024 0,0 1,015 Oceano 0,00 0,0024 0,0 1,016 Arbusto permanente 0,80 0,1 0,2 1,017 Arbusto decíduo 0,80 0,1 0,3 1,018 Bosque 0,80 0,8 0,2 2,0

No

Tipo devegetação

Fração deÁgua extraída

do solosaturado

Albedo (compri-mentos de onda

menores que0,7µµm)

Albedo (compri-mentos de onda

maiores que0,7µµm)

Resistênciaestomatal

mínima (s.m-

1)1 Culturas variadas 0,30 0,10 0,30 1202 Grama curta 0,80 0,10 0,30 2003 Coníferas

permanentes0,67 0,05 0,23 200

4 Coníferas decíduas 0,67 0,05 0,23 2005 Florestas decíduas 0,50 0,08 0,28 2006 Florestas

permanentes0,80 0,04 0,20 150

7 Grama alta 0,80 0,08 0,30 2008 Deserto 0,90 0,20 0,40 200

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

9 Tundra 0,90 0,10 0,30 20010 Lavoura irrigada 0,30 0,08 0,28 20011 Semi-deserto 0,80 0,17 0,34 20012 Gelo 0,50 0,80 0,60 20013 Pântano ou Mangue 0,50 0,06 0,18 20014 Água continental 0,50 0,07 0,20 20015 Oceano 0,50 0,07 0,20 20016 Arbusto permanente 0,50 0,05 0,23 20017 Arbusto decíduo 0,50 0,08 0,28 20018 Bosque 0,50 0,06 0,24 200

No

Tipo devegetação

IAFmáxim

o

IAFmíni

mo

Índice dematériamorta

Inverso Quadrado dadimensão da folha

(m-0,5)

Fator desensibili-dade à

luz (m2W-1)1 Culturas variadas 6,0 0,5 0,5 10 0,022 Grama curta 2,0 0,5 4,0 5 0,023 Coníferas

permanentes6,0 5,0 2,0 5 0,06

4 Coníferas decíduas 6,0 1,0 2,0 5 0,065 Florestas decíduas 6,0 1,0 2,0 5 0,066 Florestas

permanentes6,0 5,0 2,0 5 0,06

7 Grama alta 6,0 0,5 2,0 5 0,028 Deserto 0,0 0,0 0,5 5 0,029 Tundra 6,0 0,5 0,5 5 0,0210 Lavoura irrigada 6,0 0,5 2,0 5 0,0211 Semi-deserto 6,0 0,5 2,0 5 0,0212 Gelo 0,0 0,0 2,0 5 0,0213 Pântano ou Mangue 6,0 0,5 2,0 5 0,0214 Água continental 0,0 0,0 2,0 5 0,0215 Oceano 0,0 0,0 2,0 5 0,0216 Arbusto permanente 6,0 5,0 2,0 5 0,0217 Arbusto decíduo 6,0 1,0 2,0 5 0,0218 Bosque 6,0 3,0 2,0 5 0,06

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Modelagem Atmosférica – 2003 Alexandre Costa

Exercícios

1. (a) A partir da equação de momentum, encontre uma equação prognostica para aenergia cinética turbulenta, definida por wwvvuue ′′+′′+′′= . (b) Discuta osignificado de cada termo desta equação. (c) Discuta como uma “velocidadeturbulenta característica” pode ser calculada a partir de e e mostre o que serianecessário, junto com esta velocidade, para se encontrar um coeficiente detransporte turbulento com as corretas dimensões físicas.

2. Considere as seguintes medidas instantâneas de temperatura potencial, razão demistura e velocidade vertical:

θ (oC) q (g/kg) w (m/s)22 10 0,121 12 0,518 12 -0,420 6 -0,219 10 0

(a) Determine os termos de correlação ( θ ′′w e qw ′′ ). (b) O fluxo de calor sensível édado por Qs = ρcp θ ′′w e o fluxo de calor latente é dado por Ql = ρL qw ′′ . Compareos dois fluxos (dados cp = 1004 J/kgK e L = 2,5.106 J/kg) e discuta sobre que tipo desuperfície as medidas foram realizadas.