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Programa Tendncias Didticas do Ensino de Cincias

TENDNCIAS DO ENSINO DE CINCIAS E DE BIOLOGIA

CETEBBraslia, DF 2009

Organizador:

Otaclio Antunes SantanaAvaliao e reviso:

Equipe Tcnica do CETEB

DOCUMENTO DE PROPRIEDADE DO CETEB TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Nos termos da legislao sobre direitos autorais, proibida a reproduo total ou parcial deste documento, por qualquer forma ou meio eletrnico ou mecnico, inclusive por processos xerogrficos de fotocpia e de gravao sem a permisso expressa e por escrito do CETEB.

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Sumrio

Apresentao............................................................................................................................................. Organizao do Caderno de Estudos ........................................................................................................ Organizao do Curso ............................................................................................................................... Introduo ................................................................................................................................................. Unidade I Tendncias do Ensino de Cincias e de Biologia ................................................................ Captulo 1 Abordagem Tradicional do Ensino de Cincias e de Biologia ..................................... Captulo 2 Fundamentos Tericos e Bases para o Ensino Contemporneo de Cincias e de Biologia .............................................................................................. Captulo 3 Prticas Contemporneas no Ensino-Aprendizagem de Cincias e de Biologia ............ Captulo 4 Avaliao do Processo de Ensino Tradicional e Construtivista .................................. Unidade II Crise no Ensino de Cincias e de Biologia ......................................................................... Captulo 5 Quantidade de Matria Versus Qualidade na Formao ............................................ Captulo 6 Alfabetizao Cientfica e Tcnica Versus Proezas Cientficas ................................. Captulo 7 Cincias de Situaes ou Cincias Cotidiana? .......................................................... Unidade III O Professor de Biologia e a Formao Continuada em Servio ...................................... Captulo 8 A Pesquisa como Prtica Docente: Uma Perspectiva Formativa ............................... Captulo 9 A Relao Sujeito/Objeto da Pesquisa ...................................................................... Captulo 10 A Pesquisa Colaborativa: Uma Possibilidade .......................................................... Unidade IV Mudana Conceitual de Ensino de Cincias e de Biologia ............................................... Captulo 11 Formao do Cidado-Trabalhador-Estudante ........................................................ Captulo 12 O Ensino de Biologia e suas Implicaes Sociais e Cientficas ................................ Captulo 13 O Ensino de Biologia e as Possibilidades de Integrao Escola Versus Comunidade Local ................................................................................................. Para (no) Finalizar .................................................................................................................................. Referncias ................................................................................................................................................

04 05 06 07 08 08 12 17 21 23 23 27 30 35 35 39 42 48 48 52 58 64 65

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Apresentao

Seja bem-vindo Escola Aberta do CETEB Curso Tendncias do Ensino de Cincias e de Biologia. Este curso foi elaborado com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento e ampliao de seus conhecimentos, especificamente, no que se refere ao ensino de Cincias e de Biologia, fornecendo-lhe base terica e instrumental que o auxilie na tarefa conhecer abordagens diversas acerca das tendncias da Cincia e da Biologia. A carga horria deste curso de 150 (cento e cinquenta) horas, cabendo a voc administrar seu tempo, adequando-o a sua disponiblidade, mas lembre-se, h um prazo para sua concluso. Considera-se importante a elaborao de um Plano de Estudos com no mnimo 10 (dez) horas semanais, para realizao e aprofundamento dos temas. As atividades avaliativas encontram-se em documentos parte e no ambiente virtual. Podero ser enviadas por e-mail, fax, correios, ao trmino de todo o curso. Durante a realizao do curso, haver um tutor sua disposio, para tirar dvidas e apoi-lo sempre que precisar.

Coordenao da Escola Aberta

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Organizao do Caderno de Estudos

Organizao do Curso: Apresentao dos objetivos e das unidades com seus respectivos captulos.

Introduo: Contextualizao do estudo a ser desenvolvido por voc no Curso, indicando a importncia deste para a sua formao acadmica. Provocao: Pensamentos inseridos no material didtico para provocar a reflexo sobre sua prtica e seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada Curso. Para refletir: Questes inseridas durante o estudo do Curso, para estimul-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre aqui a sua viso, sem se preocupar com o contedo do texto. O importante verificar seus conhecimentos, suas experincias e seus sentimentos. fundamental que voc reflita sobre as questes propostas. Elas so o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionrios, exemplos e sugestes, para lhe apresentar novas vises sobre o tema abordado no texto bsico.

Sintetizando e enriquecendo nossas informaes: Espao para voc fazer uma sntese dos textos e enriquec-los com a sua contribuio pessoal.

Sugesto de leituras, filmes, sites e pesquisas: Aprofundamento das discusses.

Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedaggico de fortalecer o processo de aprendizagem.

Para (no) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a inteno de instig-lo a prosseguir com a reflexo.

Referncias: Bibliografia citada na elaborao do Curso. Voc poder consult-la tambm. Bibliografia recomendada: Bibliografia indicada para consulta dos alunos.5

Organizao do Curso

Objetivos: Fazer um breve histrico. Descrever os fundamentos tericos e as bases. Apresentar prticas contemporneas no ensino-aprendizagem. Avaliar o processo de ensino tradicional e construtivista, inseridos neste Curso. Observar a quantidade de matria versus qualidade na formao. Conceituar alfabetizao cientfica e tcnica e contrapor com as proezas cientficas. Relacionar com as cincias de situaes ou cincias cotidiana. Apresentar a pesquisa como prtica docente. Relacionar relao sujeito/objeto da pesquisa. Descrever a pesquisa colaborativa. Observar a mudana conceitual de ensino. Apresentar a formao do cidado-trabalhador-estudante. Demonstrar as implicaes sociais e cientficas e as possibilidades de integrao escola e comunidade local.

Unidade I Tendncias do Ensino de Cincias e de BiologiaContedo Abordagem Tradicional do Ensino de Cincias e de Biologia Fundamentos Tericos e Bases para o Ensino Contemporneo de Cincias e de Biologia Prticas Contemporneas no Ensino-Aprendizagem de Cincias e de Biologia Avaliao do Processo de Ensino Tradicional e Construtivista Captulo 1 2 3 4

Unidade II Crise no Ensino de Cincias e de BiologiaContedo Quantidade de Matria Versus Qualidade na Formao Alfabetizao Cientfica e Tcnica Versus Proezas Cientficas Cincias de Situaes ou Cincias Cotidiana? Captulo 5 6 7

Unidade III O Professor de Biologia e a Formao Continuada em ServioContedo A Pesquisa como Prtica Docente: Uma Perspectiva Formativa A Relao Sujeito/Objeto da Pesquisa A Pesquisa Colaborativa: Uma Possibilidade Captulo 8 9 10

Unidade IV Mudana Conceitual de Ensino de Cincias e de BiologiaContedo Formao do Cidado-Trabalhador-Estudante O Ensino de Biologia e suas Implicaes Sociais e Cientficas O Ensino de Biologia e as Possibilidades de Integrao Escola Versus Comunidade Local Captulo 11 12 13

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Introduo

Este caderno de estudo uma compilao de textos trazendo discusses e reflexes para colaborar na construo do conhecimento para o processo de ensino e aprendizagem, com exemplos e algumas prticas nas reas de Cincias e Biologia. Alguns conceitos podem ser transpassados a outras disciplinas. O curso no esttico, participando de uma constante interferncia no s individual, na figura do professor ou cientista, como tambm social, que sofre a modelagem temporal e espacial. Isso no seria diferente no Ensino de Cincias e de Biologia. A partir disso, tenta-se observar e retornar a alguns conceitos e paradigmas, para entender as prticas e tendncias contemporneas. Espero que ajude a contribuir e a aumentar o conhecimento com este caderno de estudo, passando a partir daqui a gerar novas reflexes e indagaes, tornando um vcio positivo e contagioso, colaborando com o Ensino de Cincias e Biologia.

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Tendncias do Ensino de Cincias e de Biologia

Unidade I

Tendncias do Ensino de Cincias e de BiologiaCaptulo 1 Abordagem Tradicional do Ensino de Cincias e de Biologia

Segundo o Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa, (i) Tradicional: Acepes adjetivodedoisgneros 1. relativo a tradio 2. conservado ou fundado na tradio (ii) Contemporneo: Acepes adjetivoesubstantivomasculino 1. que ou o que viveu ou existiu na mesma poca Ex.: 2. que ou o que do tempo atual Ex.: adjetivo 3. Rubrica: histria. relativo ao perodo da histria mundial, que, por conveno, se inicia com a Revoluo Francesa

A partir dos dois conceitos apresentados anteriormente, uma primeira reflexo pode ser instigada: o ensino de Cincias e Biologia envelhece? No final do sculo XVIII, precisamente em 1794, ocorreu a fundao da cole Polytechnique, que pode ser considerada como um divisor de guas no processo que procurou reorganizar a educao e, particularmente, o ensino das Cincias e as instituies que o ofereciam. Criada para dar formao cientfica aos novos engenheiros e tcnicos, a Polytechnique serviu como modelo para tudo o que veio depois em termos educacionais no campo da cincia e da tcnica. Muito do que foi l institucionalizado j vinha sendo testado em carter no sistemtico em diversas escolas militares francesas. A fundao dessa escola teve a participao de diversos cientistas e foi o ponto culminante de discusses travadas ao longo do sculo XVIII, no bojo do movimento iluminista (REIS et al. 2005; MILLOT, 1981).8

medida que a Cincia e a Tecnologia foram reconhecidas como essenciais no desenvolvimento econmico, cultural e social, o ensino de Cincias em todos os nveis foi ganhando destaque, sendo objeto de inmeros movimentos de transformao do ensino, podendo servir de ilustrao para tentativas e efeitos das reformas educacionais, refletidos pelas transformaes no mbito da poltica e economia (KRASILCHIK, 2000). Um episdio significativo ocorreu durante a Guerra Fria, nos anos de 1960, quando os Estados Unidos, para vencer a batalha espacial, fizeram investimentos de recursos humanos e financeiros sem paralelo na histria da educao, para produzir os hoje chamados projetos de 1 gerao do ensino de Fsica, Qumica, Biologia e Matemtica para o Ensino Mdio. A justificativa desse empreendimento baseava-se na ideia de que a formao de uma elite que garantisse a hegemonia norte-americana na conquista do espao dependia, em boa parte, de uma escola secundria em que os cursos de Cincias identificassem e incentivassem jovens talentos a seguir carreiras cientficas (KRASILCHIK, 2000). Esse perodo marcante e crucial na histria do ensino de Cincias, que influi at hoje nas tendncias curriculares das vrias disciplinas tanto no Ensino Mdio quanto no Fundamental, foi dando lugar, ao longo dessas ltimas dcadas, a outras modificaes, em funo de fatores polticos, econmicos e sociais que resultaram, por sua vez, em transformaes das polticas educacionais, cumulativas, em funo das quais ocorreram mudanas no ensino de Cincias, esquematizados na figura 1. O movimento dos grandes projetos visava formao e identificao de uma elite refletindo no s a poltica governamental, mas tambm uma concepo de escola, e teve propagao ampla nas regies sob influncia cultural norte-americana, que repercutiu de forma diferente em diversos pases ecoando as situaes locais. Por exemplo, na Inglaterra, concordou-se com os objetivos gerais do projeto de reforma do ensino de Cincias, mas foi decidido que se devia produzir seus prprios projetos consonantes com a organizao escolar, de forma a preservar a influncia acadmica e cientfica de instituies inglesas (REIS et al., 2005). Figura 1 Evoluo da Situao Mundial, segundo Tendncias no Ensino 1950-2000

Adaptado de Krasilchik, 2000.

Grupos de pesquisa surgiram procurando transformar a educao cientfica existente. Esses grupos dividiam-se, de forma muito geral, em duas vertentes. A primeira era constituda de pesquisadores que partiam de questes de cunho prtico e imediato, buscando um enfoque psicopedaggico. A pergunta fundamental que regia o trabalho desse grupo era: como9

ensinar melhor as cincias? Para isso, implementaram diversas investigaes sobre como os alunos compreendiam os fenmenos que observavam, partindo da ideia que estes, antes mesmo do processo de aprendizagem, j possuam modelos explicativos para aquilo que observavam. Seu objetivo era mapear os principais conceitos formulados pelos alunos, chamados de conceitos intuitivos, visando super-los a partir de estratgias de ensino-aprendizagem. Desejava-se substituir os conceitos intuitivos pelos ditos cientficos (REIS et al., 2005). Uma segunda vertente procurou delinear seus caminhos a partir de uma pergunta anterior ao como ensinar melhor as cincias?. Essa pergunta tinha um carter mais fundamental e terico. A proposta era a de compreender primeiro o para que ensinar cincias?. Esse tipo de questionamento visava buscar um objetivo para o ensino das cincias. Somente aps a resposta a esta pergunta, se poderia partir para questes de cunho mais prtico, em que o como fazer se constituiria num problema a ser superado (REIS et al., 2005). Segundo Callan (1997), o fundamental era o aprendizado do funcionamento dos aparatos tcnico-cientficos com os quais os cidados convivem em seu dia-a-dia. Esse processo tinha objetos tcnicos como ponto de partida e chegada do estudo dos conceitos cientficos. Esses aparatos tcnicos poderiam ir de alguns aparelhos eletrodomsticos bsicos at alguns um pouco mais sofisticados, como transistores e aspirinas. A maior crtica direcionada a esse tipo de formao o fato de que as modernas tecnologias mudam numa velocidade cada vez maior. Um ensino desse gnero no tem capacidade de acompanhar tal mudana. Transistores, que foram citados em algumas pocas como exemplos, j so coisas do passado. Nos dias de hoje, mesmo engenheiros, tcnicos e especialistas em tecnologias avanadas vem encontrando dificuldade na atualizao tcnica. Os cursos de atualizao nas empresas so a cada dia mais curtos, devido velocidade de lanamento de novos produtos. O conhecimento necessrio manuteno dos aparelhos torna-se obsoleto em questo de meses. Seria difcil as escolas acompanharem tal processo (REIS et al., 2005). Por outro lado, sabe-se que essas tecnologias baseiam-se em teorias que fundamentam sua existncia. Essas teorias so mais perenes e, devido a isso, menos passveis de obsolescncia rpida. Portanto, um ensino que pretendesse dar base a um conhecimento tecnolgico verdadeiro deveria ancorar seus contedos nessas teorias. A questo dos aparatos tecnolgicos ficaria como um complemento possvel da aplicabilidade das teorias (KRASILCHIK, 2000). No Brasil, a necessidade de preparao dos alunos mais aptos era defendida em nome da demanda de investigadores para impulsionar o progresso da cincia e da tecnologia nacionais das quais dependia o pas em processo de industrializao, que se ressentia da falta de matria-prima e produtos industrializados durante a 2 Guerra Mundial e no perodo psguerra, buscando superar a dependncia e tornar-se autossuficiente, para o que uma cincia autctone era fundamental. Paralelamente, medida que o pas foi passando por transformaes polticas em um breve perodo de eleies livres, houve uma mudana na concepo do papel da escola, que passava a ser responsvel pela formao de todos os cidados e no mais apenas de um grupo privilegiado (REIS et al., 2005). A Lei no 4.024 Diretrizes e Bases da Educao, de 21 de dezembro de 1961, ampliou bastante a participao das cincias no currculo escolar, que passaram a figurar desde o 1 ano do Curso Ginasial. No Curso Colegial, houve tambm substancial aumento da carga horria de Fsica, Qumica e Biologia. Essas disciplinas passavam a ter a funo de desenvolver o esprito crtico com o exerccio do mtodo cientfico. O cidado seria preparado para pensar lgica e criticamente e, assim, capaz de tomar decises com base em informaes e dados. Quando de novo houve transformaes polticas no pas pela imposio da ditadura militar em 1964, tambm o papel da escola modificou-se, deixando de enfatizar a cidadania para buscar a formao do trabalhador, considerado agora pea importante para o desenvolvimento econmico do pas. A posterior Lei de Diretrizes e Bases da Educao n 5.692, promulgada em 1971, norteia claramente as modificaes educacionais e, consequentemente, as propostas de reforma no ensino de Cincias ocorridas nesse perodo. Mais uma vez as disciplinas cientficas foram afetadas, agora de forma adversa, pois passaram a ter carter profissionalizante, descaracterizando sua funo no currculo. A nova legislao conturbou o sistema, mas as escolas privadas continuaram a preparar seus alunos para o Curso Superior e o sistema pblico tambm se reajustou de modo a abandonar as pretenses irrealistas de formao profissional no 1 e 2 Graus, por meio de disciplinas pretensamente preparatrias para o trabalho.10

A segunda metade da dcada de 1980 foi um perodo de discusses no campo da educao e, especialmente, no do ensino de Cincias. O processo de abertura poltica, com a ampliao do debate educacional, associado s rpidas transformaes ocorridas desde o advento de novas tecnologias, fizeram com que as discusses sobre a formao cientfica se intensificassem. Diversas linhas de pesquisa buscavam apontar um futuro para o ensino de Cincias. Sabiase que os currculos e as metodologias do ensino de Cincias, praticados nas escolas brasileiras, no contemplavam as demandas que vinham sendo postas no campo da educao (REIS et al., 2005). A nova Constituio (Constituio da Repblica Federativa do Brasil 1988) deu especial importncia questo educacional e estabeleceu parmetros importantes para o ensino de Cincias, consolidados posteriormente pela Lei no 9.394 de 1996 (Diretrizes e Bases da Educao), em que a partir do Ensino Mdio traria uma compreenso dos fundamentos cientfico-tecnolgicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prtica, no ensino de cada disciplina (Art. 35 - IV), sendo os contedos, as metodologias e as formas de avaliao organizados de tal forma que, ao final do Ensino Mdio, o educando demonstre o domnio dos princpios cientficos e tecnolgicos que presidem a produo moderna (Art. 36 1).

A partir desse ponto j se pode ter uma ideia da tendncia mundial e brasileira sobre ensino de Cincias e Biologia. Tente fazer a reflexo da pergunta: O ensino de Cincias e Biologia, atravs do tempo, foi moldado pelas demandas de questes cientficas ou pela situao social e poltica?

Para ajudar a responder a questo acima, tem-se uma sugesto de filme: Os eleitos onde o futuro comea (The right stuff, 1983, EUA) Direo: Philip Kaufman. O filme traz aspectos da Guerra Fria entre EUA e URSS, nos fins do anos 1950. O tema a competio tecnolgica entre as superpotncias para sair na frente da corrida espacial. Baseado no livro de Tom Wolfe Os Eleitos.

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Captulo 2 Fundamentos Tericos e Bases para o Ensino Contemporneo de Cincias e de Biologia

O que mudou do sculo XIX aos dias atuais para as Cincias e a Biologia: o conceito de vida, ou, o modo de pensar o que vida? No sculo XX, a cincia e os estudos biolgicos influenciaram profundamente a vida do homem. A ltima metade do sculo passado foi marcada pela Biologia Molecular, substituda na primeira metade do sculo pela Fsica Atmica, e atualmente acrescida da Nanobiotecnologia. O texto O que a vida, de Erwin Schrdinger, marcou uma poca, no por que tenha oferecido uma abordagem prtica compreenso do fenmeno da vida, mas por ter inspirado novas maneiras de pensar. Contudo, no foram os tericos biologistas a iniciar a mudana de rumo da biologia e estabelecer a nova cincia da Biologia Molecular. Os fsicos foram os pioneiros a desencadear uma nova pesquisa de maneira radical, utilizando o conhecimento bsico sobre a natureza qumica dos processos biolgicos como quebra de paradigma e busca no s de respostas, mas tambm de novas perguntas. Tem-se o exemplo de Max Delbrck, que, inspirado pelo princpio de complementaridade de Niels Bohr, decidiu investigar os detalhes moleculares da hereditariedade, utilizada, posteriormente, como base para estudos genticos. Outro exemplo foi de Linus Pauling, que procurou entender, em maior profundidade, a natureza das protenas celulares. Nesse processo, ele descobriu elementos estruturais essenciais, criando, figurativamente, uma costura entre a Qumica e a Biologia (CHARBEL NIO; VIDEIRA, 2000). Em destaque tem-se tambm estudos de Francis Crick, um fsico tcnico que havia lidado com problemas de radar durante a guerra e que, juntamente com James Watson, em1953, reconstruiu a estrutura da dupla hlice do DNA, a partir de dados de difrao de raios X. Com isso, eles concluram como a informao gentica poderia ser armazenada e transferida de gerao em gerao (CHARBEL NIO; VIDEIRA, 2000). Atualmente, tem-se uma ampla compreenso da organizao celular do ponto de vista molecular, incluindo mecanismos detalhados dos processos subjacentes s funes celulares. Essa questo no se mostrou um eplogo do sculo XIX das ideias de Charles Darwin, Jean-Baptiste Lamarck, Gregor Mendel, Louis Pasteur e Robert Koch com suas teorias sobre as relaes ecolgicas e suas inferncias em vrios temas. Poder responder questes fundamentais da Biologia, levantadas no sculo XIX, passou a ser possvel por meio do conhecimento molecular abrangente, compilado no sculo XX, e lanado a investigaes futuras, podendo ser at respondidas no sculo que se inicia. Porm, a pergunta feita pela Cincia e Biologia moderna Como gerada a informao gentica e biolgica dos seres vivos e de suas relaes?. Segundo Claude Shannon, o importante ressaltar no a informao celular e sim a transmisso de suas caractersticas. A evoluo, segundo esse autor, vtima de catstrofes, ou seja, no privilegia as informaes genticas e sim as transmisses (MURPHY, 2000). Com isso emerge a mudana da viso darwinista do mundo. A seleo natural no apenas a interao entre mutao ao acaso e seleo determinista. Com um nmero to grande de alternativas, os acertos de mutaes vantajosas aconteceriam raramente. Hoje em dia, essa interao entre acaso e necessidade pode ser facilmente simulada em um computador, e observa-se que se a seleo natural tivesse funcionando, os humanos no existiriam.

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Na realidade, a evoluo molecular prxima do limiar do erro inclui uma vasta gama de mutantes. O tipo mais bem adaptado, o tipo selvagem que tem um papel preponderante na teoria de Darwin, est presente apenas em pequeno nmero comparado com a populao molecular total. Os numerosos mutantes encontram-se de fato agrupados ao redor do tipo mais bem adaptado, de maneira que a sequncia mdia de consenso representa a populao total. Os biologistas moleculares aprenderam a determinar tais sequncias. Experimentos de clonagem revelaram que o tipo selvagem, na verdade, corresponde mdia de um espectro de milhares de sequncias alternativas. Fundamentalmente, essa populao compreende apenas os mutantes capazes de uma reproduo eficiente. Esse resultado terico foi confirmado experimentalmente para populaes virais. Como existem vrios bilhes, ou mais de cpias, que sofreram menos mutaes nessa distribuio molecular ou viral, a qual totalmente estvel abaixo do limiar do erro, como se um dado fosse lanado em bilhes de canais paralelos. Se um mutante melhor adaptado encontrado, a distribuio anterior no est mais abaixo do limiar do erro. Ela se torna instvel e seu contedo informativo vaporiza-se para se condensar na proximidade de um novo tipo selvagem. Apesar da continuidade dos processos moleculares subjacentes, pode-se ver que a evoluo avana por meio de saltos discretos. A seleo to eficiente por ser uma propriedade da populao total, representando uma enorme sequncia paralela de eventos. Se quisesse simular esse processo, precisaria de um novo tipo de computador paralelo. O crebro humano um desses computadores, contento bilhes de clulas nervosas, e cada uma conectada a cerca de mil a 10 mil vizinhas por meio de sinapses (MURPHY, 2000). Neste incio do sculo XXI, fica ciente de que questes anlogas esto sendo formuladas em muitos ramos da Biologia. Elas podem ser resumidas pergunta Como gerada a informao? Isso vlido para a evoluo de molculas, de clulas e tambm do processo de pensamento em uma rede de clulas nervosas. Ainda mais empolgante a apreciao de que a natureza aparentemente se utiliza de princpios fundamentais similares nas implementaes tcnicas da gentica molecular, do sistema imune e do sistema nervoso. Os anos 1990 foram considerados, nos Estados Unidos, a dcada da pesquisa sobre o crebro. O legado da pesquisa biolgica deste sculo ser a compreenso profunda dos processos de criao da informao no mundo vivo, que remeter a questo fundamental O que vida? (CHARBEL NIO e VIDEIRA, 2000; MURPHY, 1997). Porm, o perigo est nos mecanismos. Com o advento do mapeamento gentico (Projeto Genoma), pde-se conhecer os esquemas de construo de inmeros seres vivos e saber como se chegou a eles durante a evoluo. As razes histricas, entretanto, ainda uma incgnita. Os escolsticos uma vez se perguntaram o que veio antes se a galinha ou o ovo, ou, em termos mais modernos, as protenas ou os cidos nuclicos, a funo ou a informao. O mundo do RNA, portador da legislatura gentica e um executivo funcional, talvez oferea uma sada para esse dilema. Deve-se admitir que no se sabe como as primeiras molculas de RNA ingressaram no mundo. De uma perspectiva histrica, as protenas deveriam ter aparecido primeiro, mas a precedncia histrica no necessariamente idntica precedncia causal. A organizao evolucionria exige armazenamento de informao autorreplicvel, e apenas se conhece os cidos nuclicos como capazes de assumir tal papel. Portanto RNA, ou um precursor, teria sido necessrio para colocar o carrossel da evoluo em movimento (MURPHY, 2000). Encontra-se agora na posio de observar, em experimentos de laboratrio, o processo de gerao de informao em sistemas que contm ambos os componentes: protenas (como enzimas) e cidos nucleicos (como armazns de informao). Os vrus so sistemas-modelo inigualveis. Entretanto, os vrus no podem ter se formado no mundo pr-bitico. Eles precisam de uma clula hospedeira para sobreviver e evoluram com sua ajuda, provavelmente o fazendo apenas no perodo ps-bitico. E, no entanto, existe uma forte analogia com o RNA do tipo viral em um ambiente semelhante a um hospedeiro. A intensificao do conhecimento sobre o processo de gerao de informao que alcanamos nos ltimos 20 anos j est comeando a dar frutos. Utilizando-se mtodos laboratoriais, possvel produzir novos tipos de remdios e drogas naturais. Essas habilidades no se restringem ao nvel molecular. Do mesmo modo, pode-se, com isso, compreender o nvel ontognico dos seres vivos e intervir na eliminao de tumores, causando sua degenerao. Poder, tambm, aprender como conhecer e modelar o sistema nervoso e seu modo de operao. A vida artificial e os computadores no sero mais relegados ao mundo da fico cientfica (CHARBEL NIO; VIDEIRA, 2000).13

Mas haver limites, tanto naturais quanto normativos. Ter-se- de determinar quais partes do conhecimento se deve aplicar, apesar da conscincia de possveis efeitos colaterais, e quais aspectos se deve deixar de lado, e muito menos aplic-lo. Uma onda cega de aplicaes to perigosa quando a proibio severa. A comunidade humana dever descobrir racionalmente o que pode ou no ser feito, o que deve ou no ser feito, entrando aqui as questes relevantes e ticas (BORGES; LIMA, 2007). O futuro da pesquisa biolgica vai discutir os crescentes problemas da avaliao de riscos, da responsabilidade e da conduta tica, porque o principal objeto de estudo da pesquisa biolgica o homem e seu ambiente. Consequentemente, os resultados da pesquisa so relevantes para todo mundo. Segundo Friedrich Drenmatt, os problemas so totalmente resolvidos apenas quando se imagina os piores resultados possveis. Os futurologistas so capazes de descrever apenas as possibilidades mais promissoras (CHARBEL NIO; VIDEIRA, 2000). Evidentemente, existiro muitas descobertas e invenes que neste momento desafiam a imaginao dos cientistas. exatamente por essa razo que qualquer previso detalhada sobre o futuro ser incorreta. Apesar disso, um prognstico razoavelmente certo: se a humanidade se encaminha para o melhor ou para o pior, vai depender do homem finalmente aprender o que ele no conseguiu aprender nos cinco milnios de sua histria cultural, ou seja, agir racional e sensatamente no interesse da humanidade e elaborar normas de conduta bem-definidas. Tais normas so anlogas a um programa gentico e precisam ser estabelecidas valendo para todos. O homem encontra-se no mais alto degrau da escada da evoluo, se colocar o homem como a criatura mais perfeita evolutivamente, atingindo uma nova plataforma fora do alcance de qualquer outro organismo, de onde a evoluo precisa continuar de maneira radicalmente nova. Operando com base na seleo, a evoluo exige a contnua reproduo, sujeita mutagnese da informao fixada nos genes como tipos de impresso (BORGES; LIMA, 2007). Novas vias de comunicao entre clulas surgiram com a formao de estruturas e redes celulares. Estas foram inicialmente mediadas por sinais qumicos interceptados por receptores especficos e, finalmente, por sinais eltricos recebidos por sinapses e passados para a prxima clula. Dessa forma, um comportamento geral correlato de um sistema celular diferenciado pde se desenvolver, pr-programado no genoma apenas no seu layout. a seleo que assegura que esse layout opere a favor do organismo como um todo. Isto incompatvel com clulas individuais ou rgos funcionando uns contra os outros. Tal antagonismo somente pode assumir a forma de degeneraes patolgicas como o cncer. No sistema nervoso central, a comunicao intercelular deu origem a uma linguagem interna que controla comportamentos, emoes, disposies e sentimentos. At mesmo essa habilidade tornou-se geneticamente ancorada e tem sido selecionada para no agir contra a espcie. dessa maneira que o homem surgiu durante a evoluo; esse comportamento geneticamente programado, individualista de espcies inerentemente egosta, baseado na competio e autoafirmao. Em casos em que aparece como altrusta, ele acaba sendo, em longo prazo, vantajoso para a espcie ou cl, o que, por sua vez, de alguma forma vantajoso para o indivduo (MURPHY, 1997). Foi dessa forma que o homem desenvolveu uma faculdade especfica, diferente da de outros primatas, que lhe permite alcanar a formalizao da linguagem interna codificada primeiramente nas descargas das clulas nervosas. Essa formalizao no apenas facilita a comunicao entre membros de uma espcie, mas tambm a base da capacidade de pensar, de registrar resultados para benefcio da humanidade e leg-los s geraes seguintes por escrito. Isso implica um novo plano de transferncia de informao, parecido com o plano original da informao gentica que deu uma qualidade totalmente nova Qumica. No plano da mente humana, uma nova forma de evoluo pode acontecer: a evoluo cultural da humanidade (BORGES; LIMA, 2007). Entretanto, aqui reside o problema-chave. A humanidade no algo como um organismo multicelular, em que cada clula leva sua vida individual, mas assumiu um compromisso, por meio da legislatura gentica, para o bem da coletividade celular. A informao cultural no herdada pelo indivduo, assim com tampouco o comportamento socialmente aceitvel. Apesar da evoluo cultural da humanidade, que vem durando milhares de anos, as pessoas ainda fazem guerras e no menos cruis que as do passado. Iludimo-nos ao pensar que o comportamento socialmente aceitvel algo natural e que o comportamento antissocial, ao contrrio, algo patolgico. O socialmente aceitvel a norma apenas no sentido original da palavra em Latim, norma que significa regra ou regulamento (MURPHY, 1997).14

A humanidade est enfrentando um verdadeiro dilema, porque as tentativas anteriores de submeter a liberdade individual a imposies, rebaixando o indivduo para um status semelhante ao de uma clula sem vontade dentro de um todo orgnico sob controle central, tm apenas prejudicado a humanidade em longo prazo e at resultaram na aniquilao de partes da coletividade humana. Esses experimentos falharam em parte porque o novo organismo no era a humanidade inteira, mas apenas certo grupo, representante de interesses especficos que frequentemente violaram os direitos humanos bsicos. Em parte falharam porque as clulas lderes desse organismo eram na maioria indivduos incapacitados, autoobcecados ou egostas, essencialmente interessados em exercer o poder (CHARBEL NIO; VIDEIRA, 2000). Ideologias no podem substituir a razo. Todos os grupos polticos que defendem a disciplina partidria deveriam darse conta disso. Eles defendem ideais que tm um fundamento vlido, chamam-se socialistas quem no apoiaria uma conscincia social? ou partidos verdes quem no gostaria de manter o ambiente saudvel? ou cristos quem desejaria um mundo sem compaixo ou caridade? Isso se aplica igualmente a todos aqueles que querem colocar a liberdade individual acima de tudo. O futuro da humanidade no ser decidido no nvel gentico. Precisa-se de um sistema tico de ligao entre todas as pessoas, e aqui que a evoluo do indivduo para a humanidade aguarda sua consumao. O mundo globalizado encontra-se acentuadamente dividido entre aqueles que conseguem participar das ocupaes produtivas e beneficiar-se dos avanos proporcionados pela tecnologia e aqueles que se encontram margem delas. Entretanto, conforme relatrio da Unesco, organizado por Delors (2005), meta para o sculo XXI criar uma sociedade com condies de vida harmoniosas e produtivas para todos, o que implica um engajamento social intenso, que pode ser assegurado por uma proposta educativa que possibilite o acesso a um tipo de conhecimento capaz de ampliar e enriquecer a interpretao de mundo dos sujeitos (BORGES; LIMA, 2007). O ensino de Cincias e Biologia, no obstante disso, em sua totalidade requer a orientao de construir currculos levando em conta questes atuais decorrentes das transformaes econmicas e tecnolgicas provocadas pelo aumento da interdependncia entre as naes, em um mundo como o atual, de to rpidas transformaes e de to difceis contradies. Estar formado para a vida significa mais do que reproduzir dados, determinar classificaes ou identificar smbolos. Significa: saber informar-se, comunicar-se, argumentar, compreender e agir; enfrentar problemas de diferentes naturezas; participar socialmente, de forma prtica e solidria; ser capaz de elaborar crticas ou propostas; e, especialmente, adquirir uma atitude de permanente aprendizado (MEC, 2002). As atuais necessidades formativas, em termos de qualificao humana, pressionadas pela reconfigurao dos modos de produo e explicitadas nos PCNs (MEC, 2002), exigem a reorganizao dos contedos trabalhados e das metodologias empregadas, delineando a organizao de novas estratgias para a conduo da aprendizagem de Biologia. As demandas da sociedade contempornea requerem que a escola revise as prticas pedaggicas e tal reviso passa, necessariamente, pela reorganizao dos contedos trabalhados, abandonando aqueles sem significao e elegendo um conjunto de temas que sejam relevantes para o aluno, no sentido de contribuir para o aumento da sua qualidade de vida e para ampliar as possibilidades dele interferir positivamente na comunidade da qual faz parte. Exigem, tambm, repensar as estratgias metodolgicas, visando superao da aula verbalstica, substituindo-a por prticas pedaggicas capazes de auxiliar a formao de um sujeito competente, apto a reconstruir conhecimentos e utiliz-los para qualificar a sua vida. Sobre o primeiro ponto, contedos trabalhados na Educao Bsica, os Parmetros Curriculares Nacionais (MEC, 2002) preconizam que a escolha recaia sobre aqueles capazes de auxiliar na qualificao da vida individual e coletiva. Nessa medida, a elevada ocorrncia de propostas sobre temas ambientais indica a preocupao dos professores brasileiros com a promoo de aprendizagens que contribuam para uma transformao positiva nas formas de relacionamento do ser humano com o ambiente. Quanto a estratgias de ensino e procedimentos utilizados em sala de aula pelos professores brasileiros, segundo ponto mencionado, possvel afirmar que houve um avano em relao s formas de trabalho predominantes em dcadas15

anteriores (KRASILCHIK, 2004). Atualmente, a utilizao de estratgias didticas que do relevo ao dilogo entre teoria e prtica, incentivando o aluno a ser protagonista de sua aprendizagem e exigindo dele autoria de textos e ideias, apresentase distante das formulaes tecnicistas dos anos sessenta e setenta e das formulaes de cunho predominantemente poltico dos anos oitenta e noventa.

A leitura dos livros Origem das Espcies (Charles Darwin) e O que Vida? (Erwin Schrdinger) so sugestes de discusses de temas que envolvem no s a prtica de Cincias, como tambm a didtica de transmisso do adquirido, que os autores o sabem fazer muito bem.

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Captulo 3 Prticas Contemporneas no Ensino-Aprendizagem de Cincias e de Biologia

Do tempo de nossos avs at hoje, o ensino de Cincias e Biologia continua o mesmo? O que mudou: os temas ou a metodologia de ensino? A sociedade contempornea profundamente permeada por conhecimentos e habilidades elaborados pelos processos formais de escolarizao. A escola, enquanto instituio moderna, co-responsvel pela formao dos sujeitos, atuando concomitantemente com outras instituies universais como a famlia e a religio (igreja), por exemplo. A Pesquisa em Educao tem como um de seus enfoques essenciais a atividade formativa, desenvolvida pelas diversas instituies escolares mediante sua prtica pedaggica (SANTOS; VECHIA, 2008). Segundo Santos e Vechia (2008), ao escrever o ensino contemporneo, deve-se levar em considerao todos os processos e atores, como: as cincias da educao, o processo educativo, os agentes educativos, a educao formal e informal, a prtica pedaggica, a postura pedaggica, didtica e social, a realidade educativa, o aspecto pedaggico, a formao continuada. Isso vai diferenciar e segregar o ensino-aprendizagem atual do passado (SANTOS; VECHIA, 2008). Os desafios do mundo contemporneo, particularmente os relativos s transformaes pelas quais a educao escolar precisa passar, incidem diretamente sobre os cursos de formao inicial e continuada de professores, cujos saberes e prticas tradicionalmente estabelecidos e disseminados do sinais inequvocos de esgotamento. Se consensual e inquestionvel que o professor de Cincias Naturais, ou de alguma das Cincias, precisa ter o domnio de teorias cientficas e de suas vinculaes com as tecnologias, fica cada vez mais claro, para uma quantidade crescente de educadores, que essa caracterstica necessria, mas no suficiente, para um adequado desempenho docente. A atuao profissional dos professores das Cincias no Ensino Fundamental e Mdio, do mesmo modo que a de seus formadores, constitui um conjunto de saberes e prticas que no se reduzem a um competente domnio dos procedimentos, conceituaes, modelos e teorias cientficos (DELIZOICOV et al., 2002). O desafio de pr o saber cientfico ao alcance de um pblico escolar em escala sem precedentes pblico representado, pela primeira vez em nossa histria, por todos os segmentos sociais e com maioria expressiva oriunda das classes e culturas que, at ento, no frequentaram a escola, salvo excees no pode ser enfrentado com as mesmas prticas docentes das dcadas anteriores ou da escola de poucos para poucos. A razo disso que no s o contingente estudantil aumentou, mas tambm porque a socializao, as formas de expresso, as crenas, os valores, as expectativas e a contextualizao sociofamiliar dos alunos so outros. Por sua vez, o conhecimento disponvel, oriundo de pesquisas em educao e em ensino de Cincias, acena para a necessidade de mudanas, s vezes bruscas, na atuao do professor desta rea, nos diversos nveis de ensino. Assim, distinguindo-se de um ensino voltado predominantemente para formar cientistas, que no s direcionou o ensino de Cincias, mas ainda fortemente presente nele, imperativo ter como pressuposto a meta de uma cincia para todos. Justamente com a meta de proporcionar o conhecimento cientfico e tecnolgico imensa maioria da populao escolarizada, deve-se ressaltar que o trabalho docente precisa ser direcionado para sua apropriao crtica pelos alunos, de modo que efetivamente se incorpore no universo das representaes sociais e se constitua como cultura.

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Em oposio consciente prtica da cincia morta, a ao docente buscar construir o entendimento de que o processo de produo do conhecimento que caracteriza a cincia e a tecnologia constitui uma atividade humana, scio-histrica determinada, submetida a presses internas e externas, com processos e resultados ainda pouco acessveis maioria das pessoas escolarizadas, e por isso passveis de uso e compreenso acrticos ou ingnuos, ou seja, um processo de produo que precisa, por essa maioria, ser apropriado e entendido. Cabe registrar, a dificuldade da grande maioria dos docentes no enfrentamento desse desafio. Se solicitar os exemplos de manifestaes e produes culturais, certamente so citados: msica, teatro, pintura, literatura e cinema. A possibilidade de a cincia e a tecnologia estarem explicitamente presentes numa lista dessa natureza remota. No entanto, a prpria concepo de cincia e tecnologia apresentada acena para um conjunto de teorias e prticas culturais, em seu sentido mais amplo (DELIZOICOV et al., 2002). A conceituao mais clssica de cultura exclui os empreendimentos das Cincias Aplicadas e da Tecnologia, incorporando somente as contribuies das Artes, Letras e Cincias desinteressadas, que elevam o esprito humano, perspectiva mais prxima das escolas francesa e alem. As contribuies materiais, contudo, so consideradas bens culturais desde as primeiras concepes antropolgicas de cultura, perspectiva mais prxima da escola anglo-americana, sob influncia das pesquisas etnolgicas originrias da Antropologia, desde o incio do sculo XX (DELIZOICOV et al., 2002). A tecnologia, por meio de invenes histricas marcantes, como a do relgio, da imprensa e das mquinas a vapor e eltricas, modificou profundamente a cultura: o modo de ser, perceber, produzir e viver das pessoas. Mesmo assim, h 50 anos, era possvel argumentar que esse empreendimento comprometido com os bens materiais da humanidade no se integrava cultura. A opo por um ensino/aprendizagem de Cincia e Tecnologia como cultura, sem perder de vista as relaes benefcio-prejuzo dessas reas no convvio dos cidados deste novo sculo, justifica-se por convico, mesmo antes das evidncias da chamada cibercultura contempornea, e hoje, a nosso ver, imperativa, sob o risco de manter ou mesmo ampliar a excluso (no sentido material, espiritual e tambm digital) das maiorias do conhecimento bsico nessas reas (DELIZOICOV et al., 2002). Como os resultados do conhecimento cientfico e tecnolgico permeiam a vida cotidiana de modo sem precedentes, esse desafio vem sendo contnuo e sistematicamente exposto nos ltimos 20 anos, com respostas muito acanhadas de todo o sistema escolar, inclusive a graduao. Particularmente nos ltimos 5 anos, tem-se acompanhado a produo de materiais didticos que, de uma forma ou de outra, contemplam o conhecimento mais recente. Trata-se de um conjunto minoritrio de livros didticos e, principalmente, paradidticos, alm da oferta de materiais digitais em pginas na rede web e CD-ROMs, que j vem sendo utilizado, embora por uma minoria de professores. Mantm-se o desafio de incorporar prtica docente os programas de ensino, os conhecimentos de cincia e tecnologia relevantes para a formao cultural dos alunos, sejam os mais tradicionais, sejam os mais recentes e desequilibrantes. Ainda bastante consensual que o Livro Didtico (LD), na maioria das salas de aula, continua prevalecendo como principal instrumento de trabalho do professor, embasando significativamente a prtica do docente. Sendo ou no intensamente usado pelos alunos, seguramente a principal referncia da grande maioria dos professores. Pesquisas realizadas sobre o LD, desde a dcada de 1970 tm, contudo, apontando para suas deficincias e limitaes, implicando um movimento que culminou com a avaliao institucional, a partir de 1994, dos LDs distribudos nas escolas pblicas pelo Plano Nacional do Livro Didtico (PNLD). Os resultados dessa avaliao tm sido periodicamente publicados em Guias do Livro Didtico, diponveis em documentos impressos do MEC e eletrnicos (DELIZOICOV et al., 2002). Com as crticas sistemticas, h uma visvel tendncia para a eliminao de srios equvocos, sobretudo de ordem conceitual e metodolgica, e o aparecimento de LDs produzidos por pesquisadores da rea de ensino de Cincias e Biologia. No entanto, tem-se a clareza de que o professor no pode ser refm dessa nica fonte, por melhor que venha a tornar-se sua qualidade.18

Assim, o universo das contribuies paradidticas, como livros, revistas, suplementos de jornais, vdeo cassetes, CDROMs, TVs educativas e de divulgao cientfica e rede de web precisa estar mais presente e de modo sistemtico na educao escolar. Mais do que necessrio, imperativo seu uso crtico e consciente pelo docente de Cincias Naturais de todos os nveis de escolaridade. As tenses, as injunes e os interesses, tambm comerciais, desse universo s reforam a necessidade de estar alerta para seu uso crtico e consciente. Tambm os espaos de divulgao cientfica e cultural, como museus, laboratrios abertos, planetrios, parques especializados, exposies, feiras e clubes de cincia, fixos ou itinerantes, no podem ser encarados s como oportunidades de atividades educativas, complementares ou de lazer. Esses espaos no podem permanecer ausentes ou desvinculados do processo de ensino/aprendizagem, mas devem fazer parte dele de forma planejada, sistemtica e articulada (SANTOS; VECHIA, 2008). injusto que professores e populaes de alunos no tenham acesso utilizao plural e sistemtica dos meios alternativos, ao LD e queles espaos, quer pela dificuldade na disponibilidade imediata de uso, quer pela desorganizao das instituies escolares, quer pelo desconhecimento e at pela dificuldade de enfrentamento da utilizao desses recursos. preciso que sejam incorporados na prtica do cotidiano escolar, em favor da melhoria do ensino e da aprendizagem. A investigao de problemas relacionados educao em Cincias, muito embora seja bem recente, que internacionalmente ou nacionalmente, vem sendo realizada desde meados da segunda metade do sculo XX. Em encontros de pesquisa das reas de ensino de Cincias, tm ocorrido discusses sobre o teor e a qualidade das investigaes, bem como sobre a relao entre elas, a sala de aula e a prtica docente (DELIZOICOV et al., 2002). No que se refere aos objetos de investigao e qualidade, sabe-se que nossa produo, nessa rea de pesquisa, comparvel dos pases mais avanados. A disseminao dos resultados entre os pares pesquisadores tem sido considerada satisfatria, dado o nmero de congressos, de revistas para publicao e de referncias mtuas utilizadas. No entanto, a apropriao, a reconstruo e o debate sistemtico dos resultados de pesquisa na sala de aula e na prtica docente dos professores dos trs nveis so sofrveis (SANTOS; VECHIA, 2008). Mesmo levando em conta os avanos obtidos nas instituies universitrias, onde h grupos de pesquisa em ensino de Cincias e cursos de ps-graduao, no obstante reduzidos, e o relativo sucesso alcanado por algumas iniciativas desses grupos junto a coletivos de professores, persiste certa perplexidade diante das dificuldades de aproximao entre esses polos ainda bastante distanciados. Os cursos de formao de professores de Cincias e Biologia constituem lcus privilegiado para que essa disseminao se intensifique, medida que, sistemtica e criticamente, o novo conhecimento produzido pela rea de ensino de Cincias passe a permear as aes docentes e torne-se objeto de estudo e discusso no currculo dos cursos. Com louvveis excees, lamentavelmente, nem sequer na maioria dos cursos de formao inicial em licenciatura essas perspectivas, tanto dos novos materiais didticos como dos resultados de pesquisa, so consideradas. A formao de professores, na maioria dos cursos, ainda est mais prxima dos anos 1970 do que de hoje (DELIZOICOV et al., 2002). Em defasagem, que exclui tambm o conhecimento do sculo XX em Cincias, implica mudanas estruturais e de atitude dos envolvidos nessa formao, para alm das exigncias legais mnimas, ainda que seja frequentemente repropostas. Essas perspectivas no podem ficar restritas a uma modalidade especfica da formao, com uma prerrogativa muitas vezes atribuda formao continuada, mas devem permear todas as suas dimenses e modalidades: inicial e continuada, presencial e a distncia, especfica da rea e de cunho mais geral (DELIZOICOV et al., 2002). A discusso e o uso desses conhecimentos nos distintos espaos educativos podem permitir uma atuao docente que, de forma mais adequada, promova a educao cientfica nos vrios nveis de ensino.

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Em Delizoicov et al. (2002), os autores sugerem as seguintes stios eletrnicos que discutem o ensino de Cincias: Revista de Ensino de Fsica www.sbf.if.usp.br Caderno Catarinense de Ensino de Fsica www.fsc.ufsc.br Investigao em Ensino de Cincias www.if.ufrgs.br/public/ensino/revista.htm Cincia e Educao www.fc.unesp.br/fc/pos/index.htm Ensaio Pesquisa em Educao em Cincias www.cecimig.ufmg.br/ensaio/ Qumica Nova na Escola www.sbq.org.br/ensino

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Captulo 4 Avaliao do Processo de Ensino Tradicional e Construtivista

Quando se confronta abordagens de ensino, sempre se pergunta: Uma certa e a outra errada?. Para iniciar este captulo fica a seguinte reflexo: as abordagens ou os mtodos de ensino podem ser certos ou errados? A abordagem tradicional do ensino privilegia o contedo e centrada na figura do professor, encarregado de transmitir o conhecimento. O aluno um elemento passivo, que recebe e assimila o que transmitido. Este sistema de avaliao mede a quantidade de informao absorvida, com nfase na memorizao e na reproduo do contedo por meio de exerccios, privilegiando a preparao para o vestibular desde o incio do currculo escolar (MORETTO, 2000). Essa linha de ensino se difundiu no sculo XVIII, a partir do Iluminismo, e tinha por objetivo universalizar o acesso do indivduo ao conhecimento. Foi considerada no crtica e ultrapassada nas dcadas de 1960 e 1970, mas ainda tem prestgio entre os educadores. Seus defensores enfatizam que no h como formar um aluno crtico e questionador sem uma slida base de informao. Escolas que seguem esse modelo tendem a ser rgidas em relao disciplina (COLL, 2006). Em contrapartida, a linha construtivista d prioridade forma como o aluno aprende, enfatizando a construo do conhecimento a partir das relaes com a realidade. As escolas que seguem essa teoria tm como ponto de partida a criana e os conhecimentos que ela traz consigo, buscando fazer com que esses saberes sejam aprofundados, reconstrudos em diferentes momentos e de diversas formas (MORETTO, 2000). O construtivismo nasceu a partir das idias de Jean Piaget. Sua teoria de aprendizagem chegou ao Brasil na dcada de 1970, quando foram criadas algumas escolas experimentais ou alternativas. Hoje est largamente difundido, possuem escolas e centros de ensinos que adotam exclusivamente esse mtodo de ensino, bastante utilizado nas escolas europias (WADSWORTH, 1999). O professor tem o papel de coordenar as atividades, perceber como cada aluno se desenvolve e propor situaes de aprendizagem significativas. O contedo importante, mas o processo pelo qual o aluno chega a ele a prioridade. Seus defensores afirmam que mais importante do que a informao meramente transmitida saber chegar a ela e estabelecer relaes e comparaes. A aplicao dessa teoria tem possibilitado a formao de crianas que vo alm do mero contedo assimilado. So mais crticas, opinativas, investigativas. Sua disciplina est voltada para a reflexo e autoavaliao, portanto, no considerada rgida (MORETTO, 2000). Na figura 1, observa-se de maneira sucinta as principais diferenas entre a abordagem de ensino tradicional e construtivista.

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Figura 1 Principais diferenas entre a abordagem de ensino tradicional e construtivista

Abordagem Tradicional Enfoque no Professor Enfoque no Contedo A mente do aluno funciona como uma tbula rasa O aluno receptor passivo de conhecimento Memorizao do conhecimento

Abordagem Construtivista

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Enfoque no Aluno Enfoque na construo individual de significados A aprendizagem uma construo do aluno sobre conhecimentos prvios nfase no controle do aluno sobre sua aprendizagem Habilidades e conhecimento so desenvolvidos no contexto onde sero utilizados Adaptado de Morretto, 2000.

Para o ensino de Cincias e Biologia, no se h um consenso de qual das duas abordagens melhor, ou mais satisfatria. Alguns educadores defendem que quanto maior a informao e o conhecimento o aluno tem sobre os vastos temas, inseridos nessas disciplinas, maiores sero as chances de sucesso em futuras avaliaes acadmicas e extra-acadmicas. Porm, outros educadores apoiam o lado mais criativo e perceptivo do aluno frente aos vastos temas, investindo e despertando uma cultura de construo de conhecimento, por meio de questionamento e busca da prpria informao, formando um aluno investigador (WADSWORTH, 1999). Para o ensino de Cincias e Biologia, essas duas abordagens sempre esto presentes em congressos e publicaes cientficas. Com o advento da educao a distncia, alguns autores defendem a abordagem construtivista de ensino, o que discordam os tradicionalistas, que descrevem em seus estudos, que algumas cincias, como por exemplo, Biologia, Medicina e outros, s podero ser ensinadas em sala de aula, laboratrio e sadas de campo, com o professor o centro do conhecimento. E, a partir da, se poderia pensar um princpio construtivista. O certo que se integrar essas duas abordagens ter-se- mais resultados satisfatrios na avaliao do conhecimento. Realmente difcil em ensino de Cincias e Biologia, a total independncia dos alunos, mesmo que estejam bem-equipados e com as ferramentas necessrias para a construo do conhecimento, e isto, valendo tanto para termos tericos e prticos. Pensando assim, apesar de haver diferenas positivas e negativas das duas abordagens, no h uma mais equivalente do que outra, ou mais certa e errada, e sim mtodos diferentes para se atingir o mesmo objetivo: o conhecimento do aluno.

Sugere-se aqui a leitura do livro Construtivismo: a produo do conhecimento em aula (MORETTO, V. P., 2000, 2 . ed. Rio de janeiro: Dp&A Ed, 2000. 124p.), pois o autor, alm de mostrar as diferenas de ensino, aborda de forma terica e prtica as vantagens e desvantagens de cada abordagem, destacando a construo do conhecimento.

Fica aqui um questionamento: como as abordagens tradicional e construtivista podem favorecer o ensino de Cincias e Biologia?

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Tendncias do Ensino de Cincias e de Biologia

Unidade II

Crise no Ensino de Cincias e de BiologiaQuando se fala em crise, pensa-se logo em um colapso. O ensino de Cincias e Biologia, segundo alguns autores, que sero posteriormente apresentados, passaram por esse colapso. Antes de comear, reflita: o que seria uma crise no ensino de Cincias e Biologia?

Captulo 5 Quantidade de Matria versus Qualidade na Formao

H um mtodo de quantificao da qualidade na formao de alunos de Cincias e Biologia? Os contedos so apropriados para a formao? So suficientes? Os autores que mais profundamente abordam o tema do contedo relacionado da qualidade na formao dos alunos do ensino de Cincias e Biologia so Kawasaki e El-Hani (2002), trazendo a discusso do conceito de vida para o ensino de Cincias e Biologia, destacando a capacidade deste conceito de organizar teorias e modelos cognitivos sobre os sistemas vivos (EMMECHE; EL-HANI, 2000). Um tratamento da natureza da Biologia pode mostrar a necessidade de uma compreenso integrada desta cincia pelos alunos. Kawasaki e El-Hani (2002) argumentam que o ensino de Cincias e Biologia uma organizao viva, opondo-se crescente molecularizao das explicaes biolgicas. O requisito de compreender-se os padres de organizao observados nos seres vivos indica a importncia de trabalhar-se com conceitos estruturantes do pensamento biolgico (GAGLIARDI, 1986). Entre estes, destaca-se o de vida, por referir-se ao objeto da prpria Biologia, em sentido mais geral. Os contedos, s vezes, mais extensos e poucos profundos, traz a preocupao de se realizar uma anlise para o ensino de Cincias e Biologia, visto que estes constituem, no Brasil, o principal meio de transposio de contedos do conhecimento cientfico para o conhecimento escolar. Kawasaki e El-Hani (2002) avaliaram os contedos de oito livros mais usados pelas escolas brasileiras e dos livros cujas editoras dominam o mercado de vendas naquela cidade, segundo a questo do ensino de o que vida. So eles: 1) AMABIS, J. M.; MARTHO, G. R. Fundamentos de Biologia Moderna 2 ed. So Paulo: Moderna, 1997; 2) LAURENCE, J. Biologia. So Paulo: Nova Gerao, 2000.; 3) LOPES, S. Bio. So Paulo: Saraiva, 1999.; 4) MARCZWSKI, M.; VLEZ, E. Cincias Biolgicas. So Paulo: FTD, 1999.; 5) MORANDINI, C.; BELLINELLO, L. C. Biologia. So Paulo: Atual Editora, 1999.; 6) PAULINO, W. R. Biologia Srie Novo Ensino Mdio. 5 ed. So Paulo: tica, 2000.; 7) SILVA, C.; SASSON, S.. Biologia. 1 ed. So Paulo: Saraiva,1998.; e 8) SOARES, J. L. Biologia no Terceiro Milnio: Biologia Molecular, Citologia e Histologia. So Paulo: Scipione, 1999.23

Todos os livros afirmaram a complexidade de definir vida, dado que nem todos os organismos podem ser encaixados facilmente em listas de propriedades comuns. Alguns autores explicitam a dificuldade de definir vida, em conexo com uma abordagem essencialista: Mas, como muito difcil definir o que seja a vida, do ponto de vista estritamente cientfico, sem envolvimentos filosficos ou religiosos, cr-se que uma boa maneira de conceituar a Biologia admiti-la como a cincia que estuda os seres vivos, porque, afinal, dizer o que so seres vivos muito fcil (SOARES, 1999). Os problemas suscitados pela tentativa de construir listas de caractersticas distintivas dos seres vivos so reconhecidos por Laurence (2000): Em Cincia, muito difcil definir ou mesmo caracterizar alguma coisa ou algum fenmeno, pois frequentemente nos deparamos com excees. Nesse trecho, que se encontra num captulo sobre definies de Biologia e vida, as dificuldades produzidas pela viso essencialista das definies ficam evidentes, dado que a existncia de excees entendida como um problema de tal magnitude que torna difcil definir ou at mesmo caracterizar os fenmenos estudados pela cincia (KAWASAKI; EL-HANI, 2002). Todos os contedos analisados propem alguma caracterizao dos seres vivos, seja por meio de listas de propriedades que permitiriam diferenci-los do que no vivo, seja mediante uma caracterizao geral, na descrio dos grupos de seres vivos, de atributos particulares de cada grupo. Na maioria dos contedos analisados, as listas de propriedades podem ser consideradas essencialistas (EMMECHE; EL-HANI, 2000), pretendendo apresentar condies necessrias e suficientes para a qualificao de uma entidade como membro da classe dos seres vivos, sem justificativa terica para a escolha das propriedades ou explicao de sua coexistncia atravs de alguma teoria subjacente. Outros porm, as listas de propriedades podem ser interpretadas mediante uma viso paradigmtica da definio de vida (EMMECHE; EL-HANI, 2000), porque a seleo das propriedades parece ter sido feita a partir de uma justificativa terica, de modo que elas apresentam inter-relaes claras e o significado do conceito de vida emerge de suas conexes com outros elementos de uma rede de conceitos includa num paradigma. Amabis e Martho (1997) colocam explicitamente a ideia de evoluo como princpio unificador da Biologia, por dar coerncia ao conjunto de conhecimentos biolgicos e permitir a compreenso do fenmeno da vida a partir de suas conexes com a compreenso do processo evolutivo. Apesar de a maioria dos contedos do ensino de Cincias e Biologia no dedicarem partes para a caracterizao da vida, possvel extrair dos textos ideias gerais a esse respeito, mediante a interpretao das concepes de Biologia, dos modos de produo da Cincia, da abrangncia da rea, da estruturao dos contedos, etc. (KAWASAKI; EL-HANI, 2002). comum a classificao dos seres vivos em ordem crescente de complexidade, categorizando-os em grupos de seres inferiores, intermedirios e superiores. Isso remonta a uma ideia muito influente no pensamento ocidental, a de uma scala naturae ou Grande Cadeia dos Seres (LOVEJOY 1936), que permanece nas vises sobre a evoluo que enfatizam o progresso e o aperfeioamento. Embora essa ideia tenha sido muito criticada, ela se mantm em textos didticos de Biologia, inclusive do Ensino Superior. Essa maneira de apresentar os seres vivos contm implicitamente a ideia de que a compreenso das entidades menores, em nvel micro, fundamental para a compreenso de entidades maiores, em nvel macro. Entretanto, a simples discusso dos seres vivos em nveis crescentes de complexidade no assegura uma compreenso, por exemplo, das relaes entre micro e macroestruturas nos organismos multicelulares (KAWASAKI; L-HANI, 2002). Quanto busca de padres comuns na diversidade da vida, uma tendncia reducionista pode ser percebida, na medida em que a unidade da vida destacada nos nveis celulares e moleculares, sem esforo similar de unificao da compreenso dos seres vivos em nveis de organizao acima do celular. A nfase sobre a microestrutura dos sistemas biolgicos usualmente resulta numa abordagem que isola estruturas celulares e moleculares dos contextos organsmico e ambiental. Outra tendncia reducionista encontrada na associao ntima entre o fenmeno da vida e o nvel bioqumico ou molecular. Soares (1999), por exemplo, afirma: O estudo da composio qumica da clula constitui o que chamamos de Citoqumica, Biologia Molecular ou Bioqumica Celular. um vasto, moderno e arrojado estudo pelo qual procuramos compreender a natureza mais ntima de cada fenmeno que se passa no interior da clula, numa fascinante investigao para explicar cada procedimento normal ou anormal do organismo, justificando a natureza das doenas, procurando corrigi-las ou evitlas e entendendo melhor a prpria vida. Pode-se fazer uma avaliao global e ter, assim, uma viso geral dessa qumica espetacular que to bem diferencia os sistemas viventes da matria bruta. Esse trecho sugere que a vida ser melhor24

compreendida quanto mais a investigao prosseguir no sentido de nveis cada vez mais microscpicos, perdendo-se de vista a necessidade de conhecer no apenas os componentes moleculares e celulares dos organismos, mas tambm os princpios de organizao por meio dos quais emergem, a partir de tais componentes, sistemas vivos. Encontra-se tambm contedos com uma viso informacional da vida. Amabis e Martho (1997), por exemplo, afirmam que o ncleo representa a central de informaes da clula. Ele comparvel memria de um computador e armazena milhares de instrues para a fabricao das protenas celulares. Uma vez que essas molculas comandam praticamente todas as atividades da clula, o ncleo desempenha o papel de controlador indireto do metabolismo celular. Todas as instrues para o funcionamento da clula estariam escritas, em cdigo, nas molculas de DNA. A metfora do programa gentico bastante criticada na literatura (KAWASAKI; EL-HANI, 2002), aparece de maneira forte nessa caracterizao do material gentico como controlador do metabolismo celular. As sees sobre origem da vida trazem discusses importantes para a definio de vida. A vida teria surgido quando um agregado de molculas com capacidade de realizar reaes qumicas ordenadas conseguiu manter sua organizao e isolar-se do ambiente. Esta ideia de sistemas fechados e autossuficientes poderia ser trabalhada com base na teoria da autopoiese, mas nenhum livro usou os recursos conceituais dessa teoria para abord-la (KAWASAKI; EL-HANI, 2002). As formas limtrofes entre sistemas vivos e matria inanimada merecem ateno dos livros, em particular os vrus, entendidos como excees. Os vrus e outras estruturas moleculares que apresentam propriedades caractersticas da matria bruta e de seres vivos parecem excepcionais porque contradizem nossas intuies acerca da distino entre essas classes de entidades. Coloc-los de lado como excees pode ser, contudo, uma soluo inadequada. Emmeche (1997) e Emmeche & El-Hani (2000) consideram que os vrus no so formas limtrofes, porque pressupem em termos funcionais e evolutivos a existncia de clulas vivas, sendo melhor concebidos como uma espcie de ltima palavra em parasitismo. Excees como os vrus parecem seguir necessariamente da tentativa de construir listas de condies necessrias e suficientes para a vida. Elas podem refletir, assim, mais a inadequao de nossos procedimentos de definio do que a natureza do que estamos tentando definir. Por fim, encontra-se uma caracterizao da vida a partir de seu contraexemplo, a morte. Amabis e Martho (1997), por exemplo, observam que uma reflexo profunda sobre a vida deve levar em conta a morte. A partir da definio de morte, como processo irreversvel de perda da atividade altamente organizada que caracteriza a vida, os autores tecem consideraes sobre a definio de vida (KAWASAKI; EL-HANI, 2002). um aspecto positivo que os contedos no ensino de Cincia e Biologia examinados, embora reconheam a dificuldade de definir vida, no evitem a discusso sobre como caracterizar seres vivos, diferenciando-os da matria bruta, e, em alguns casos, cheguem a tratar explicitamente do problema de definir vida (KAWASAKI; EL-HANI, 2002). Outro elemento positivo foi a identificao de livros que abordam esse problema em contextos paradigmticos definidos. Contudo, as tentativas de definir vida de maneira essencialista predominam nos livros didticos (KAWASAKI; EL-HANI, 2002). A utilizao de abordagens paradigmticas da definio de vida mais recomendvel, parecendo especialmente adequado para a transposio didtica das discusses sobre definies de vida na Biologia terica, o paradigma Neodarwinista, no qual a vida entendida como a seleo natural de replicadores (KAWASAKI; EL-HANI, 2002; EMMECHE; EL-HANI 2000), embora a teoria da autopoiese tambm possa ser utilizada com proveito. A partir da avaliao do tema vida, pde-se ter uma ideia de como se pode avaliar temas nos contedos e na qualidade de formao para o ensino de Cincias e Biologia. Vrias definies podem-se dar a diversificados temas, porm aquelas que vo sendo apropriadas pelos alunos dependero de uma capacidade de entendimento por eles. A absoro de vrios temas e de forma perene por parte dos alunos mostra a qualidade na formao de um curso de Cincias e Biologia, em contra partida de uma aquisio volumosa e voltil. E isso que os educadores devem almejar no planejamento e na definio de temas a serem lecionados.Texto adaptado de Uma anlise das definies de vida encontradas em livros didticos de Biologia, do Ensino Mdio, de Clarice Sumi Kawasaki Charbel Nio Al-Mami.

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Ao final deste captulo, para quem quiser aprofundar o conhecimento na qualidade de formao de alunos de Ensino Mdio e Fundamental, fica a sugesto dos seguintes livros. DEMO, P. Educao e qualidade. 4. ed. Campinas: Papirus, 1998. 160 p. POVOA FILHO, F. L. Escola: solucionando problemas, melhorando resultados. 2. ed. Belo Horizonte: Fund. C. Ottoni, 1996. 95 p. RAMOS, C. Excelncia na educao: a escola de qualidade total. Rio de janeiro: Qualitymark. 164 p. MONLEVADE, J. A. Idias para a construo da qualidade da educao. Ceilndia: Idea, 2007. 69p. FRIGOTTO, G.; FERNANDEZ ENGUITA, M.; GENTILI, P. S Neoliberalismo, qualidade total e educao: vises crticas. 5. ed. Petrpolis: Editora Vozes Ltda, 1997. 204 p BARBOSA, E. F. Implantao da qualidade total na educao. Belo Horizonte: Fund. C. Ottoni, 1995. 188 p.

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Captulo 6 Alfabetizao Cientfica e Tcnica Versus Proezas Cientficas

O que seria: Albafetizao e Proeza cientfica? Quando no ensino de Cincias e Biologia se privilegia a capacidade para utilizar os saberes das disciplinas a fim de enfrentar situaes da existncia (o que s vezes chamado de ponto de vista cidado), o aluno chega proeza cientfica, ou seja, capacidade de responder a questes difceis, ancoradas na perspectiva de uma disciplina. Cada uma dessas perspectivas tem sua importncia. A alfabetizao cientfica visa, sobretudo, formao, insero e capacidade criativa do cidado na sociedade. A proeza cientfica privilegia a formao de especialistas e tem seu lugar, sobretudo, margem das especializaes escolares dos que decidiram fazer uma carreira em que cincias e tecnologias esto envolvidas (FOUREZ, 2003). Os cursos de Cincias e Biologia que visam formao de cientistas se ramificam em Fsica, Qumica, Biologia. Os que visam formao cidad (e talvez a da maioria dos jovens), falam de ambiente, de poluio, de tecnologia, de medicina, de conquista espacial, da histria do universo e dos seres vivos, etc. So duas orientaes diferentes. A perspectiva da alfabetizao cientfica pode-se expressar em termos de finalidades humanistas, sociais e econmicas (FOUREZ, 2003). A figura 2 mostra a juno dos trs diferentes objetivos para formao da Alfabetizao Cientfica. Os objetivos humanistas visam capacidade de se situar em um universo tcnico-cientfico e de poder utilizar as cincias para decodificar seu mundo, o qual se torna ento menos misterioso (ou menos mistificador). Trata-se ao mesmo tempo de poder manter sua autonomia crtica na sociedade e familiarizar-se com as grandes ideias provenientes das cincias. Resumindo, trata-se de poder participar da cultura do nosso tempo. Os objetivos ligados ao social visam diminuir as desigualdades produzidas pela falta de compreenso das tecno-cincias e ajudar as pessoas a se organizarem e dar-lhes os meios para participar de debates democrticos, que exigem conhecimentos e um senso crtico (pensamos na energia, na droga ou nos organismos geneticamente modificados). Em suma, o que est em jogo uma certa autonomia na nossa sociedade tcnico-cientfica e uma diminuio das desigualdades. Figura 2 Trs diferentes objetivos para formao da Alfabetizao Cientfica Objetivos Humanistas Objetivos Sociais Objetivos Econmicos e Polticos

Alfabetizao Cientfica Os objetivos ligados ao econmico e ao poltico visam participar da produo do mundo industrializado e do reforo de nosso potencial tecnolgico e econmico. A isso se acrescenta a promoo de vocaes cientficas e/ou tecnolgicas, necessrias produo de riquezas.27

Dessa maneira, pode-se destacar as diferenas entre duas perspectivas frequentemente opostas, mas complementares: a que visa formao do cidado e a que visa preparao de especialistas. Entretanto, no garantido que a melhor maneira de obter muitas vocaes cientficas seja centrar sobre as disciplinas. Pode-se, com efeito, suspeitar que os cursos de cincias centrados muito cedo nas especialidades no motivam tantos jovens para uma carreira cientfica. Alguns entre eles, de fato, experimentam um dficit de sentido quando se quer deste modo embarc-los no mundo dos cientistas. E h um problema evidente na formao dos professores: ela nem sempre os ajudou a mostrar como a viso dos cientistas no necessariamente um fim em si, mas uma mediao para melhor decodificar o mundo e dele participar. Resumindo, a maneira de fazer funcionar a complementaridade entre estas duas abordagens ainda est por ser encontrada. De qualquer modo, quanto s finalidades, a tenso existe entre os que veem a Alfabetizao Cientfica e Tcnica de todos como objetivo primeiro e os que preferem visar com prioridade formao dos futuros cientistas. Entretanto, alguns se perguntam se a melhor maneira de alcanar este ltimo objetivo no dar a prioridade ao primeiro: se dado a muitos o sentido do que se pode fazer com as cincias, as vocaes cientficas poderiam se desenvolver (FOUREZ, 2003; OLIVEIRA, 1998). Uma tenso aparece tambm quando se trata de ver se o indivduo ou uma coletividade que se quer capacitar para se virar no mundo tcnico-cientfico. A tradio de ensino pensa espontaneamente em educar o indivduo. geralmente dessa forma que a escola espera fazer de cada aluno um cidado. Concretamente, todavia, nunca inteiramente s que se afronta a realidade, mas tambm em grupo, em comunidade humana, em sociedade organizada (FOUREZ, 2003). Assim, a competncia de um laboratrio de pesquisa no corresponde soma das competncias individuais, mas maneira como estas se articulam e se completam. De modo semelhante, faz sentido dizer que tal aluno tem uma representao da alimentao no caf da manh, de forma a poder administrar suas decises sobre isso; tambm faz sentido dizer que uma classe adquiriu uma cultura compartilhada sobre esse ponto, de maneira que seus alunos podem discutir sobre isso, sensatamente. Ento, o sujeito da alfabetizao cientfica no mais o indivduo isolado, mas o grupo. Da mesma forma, uma coletividade local pode ser alfabetizada em relao construo de uma indstria poluidora, ou em relao a uma poltica frente s drogas. Isso significa que foi instaurada nessa comunidade uma cultura (formada de saber, saber fazer e saber ser), permitindo uma discusso pertinente da situao (FOUREZ, 2003; OLIVEIRA, 1998). Nessas condies, um debate democrtico torna-se possvel. importante, ento, na perspectiva que acabamos de evocar, distinguir a alfabetizao cientfica, a tcnica individual e a coletiva. A escola, classicamente, s considera a primeira. Contudo, em uma perspectiva de sociedade, a segunda a mais significativa. ela que visa a que diversidade das competncias em um grupo consiga se escutar mutuamente e instaurar uma cultura de comunicao como de deliberao que integre nos debates de sociedade o que tanto os especialistas cientistas quanto os diversos usurios tm a oferecer (OLIVEIRA, 1998). Se a escola se preocupasse mais com a alfabetizao cientfica e a tcnica dos indivduos e dos grupos, ela trataria de proporcionar aos alunos a experincia de ter participado de uma coletividade praticando um debate. Ter vivido dessa forma tal experincia confere uma competncia da qual se pode preparar explicitamente a transferncia para outras situaes. Assim, um grupo alfabetizado cientificamente e tecnicamente em relao a uma famlia de situaes pode se tornar consciente de que aquilo que a competncia (chamada s vezes de knowhow) adquire, em relao a esse conjunto de situaes pode ser transferido para um outro. Por exemplo, tendo adquirido uma cultura relativa alimentao no caf da manh, os alunos podem se tornar confiantes de que poderiam praticar uma operao semelhante frente aos meios de transporte de sua cidade. E assim por diante. H, portanto, em relao alfabetizao cientfica e tcnica, uma polarizao entre duas atitudes educativas: a que promove a formao do indivduo e refora o seu poder, e a que visa a fortificar a cultura cidad das coletividades. Uma no anda sem a outra, mas pode-se perguntar se ocorre com frequncia que um ensinamento seja pensado com o objetivo de criar uma cultura de grupo que capacite uma coletividade para deliberar mecanismos sociais e polticas de decises cientficas e tcnicas ou outros tipos de decises que implicam cincias ou tecnologias (FOUREZ, 2003).28

Para finalizar este tpico, e retornando ao conceito de proeza cientfica, pode implicar tambm a transformao metafsica do personagem cientista. A figura 3 mostra que as proezas cientficas podem caminhar em uma interseco entre a cincia e o mito, em que repostas materiais, como prmios, por exemplo, mistificam o cientista. Figura 3 Transformao metafsica do personagem cientistaEditais e Projetos (Dinheiro)

Prmios

Cincia

Proezas Cientficas

Mito

LaboratriosTexto adaptado de Crise no ensino de Cincias, de Grard Fourez.

Publicaes

Filmes sobre fico cientfica mostram como seus autores foram alfabetizados cientificamente, e a partir disso buscam proezas cientficas, sempre utpicas, como no caso dos filmes abaixo: 1. Contact um filme dirigido por Robert Zemeckis, adaptado, em 1997, do romance homnimo do cientista norte-americano Carl Sagan, tendo como atriz principal Jodie Foster, no papel da Dr Eleanor Ann Ellie Arroway. 2. Armagedom um filme estadunidense, de 1998, ano em que houve uma intensa produo de filmes sobre desastres naturais (como Impacto Profundo, que tratava de um tema similar).

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Captulo 7 Cincias de Situaes ou Cincias Cotidiana?

As cincias esto no dia-a-dia, em situaes cotidianas. Viver estar sempre em contato com a cincia. A reflexo aqui : voc faz cincia no seu dia-a-dia? As cincias veiculam uma maneira de teorizar o mundo que as situa diferentemente segundo as classes sociais. Os educadores no se enganam quando reivindicam slidas formaes cientficas e destacam que a importncia destas disciplinas reside especialmente na aprendizagem de uma realidade dura e inexorvel. Essa capacidade de objetivao do mundo e de consider-lo fora de seu contexto afetivo e social sem dvida origina ao mesmo tempo a fora burguesa e a do pensamento cientfico. No por nada, talvez, que h um ar de parentesco entre o discurso de um ministro das finanas anunciando novos impostos e o do professor de Matemtica introduzindo seu curso. Ambos falam do rigor dos nmeros e das lgicas implacveis, aos quais preciso se curvar (FOUREZ, 2003). A questo da naturalidade com que os objetos construdos a partir do conhecimento cientfico parecem inserir-se na nossa vida cotidiana, vai nos dizer, exatamente, que esses objetos nada tm de natural (LACAN, 1992). Nem mesmo foram propostos conforme a Etnografia, por estudos descritivos que definiriam os entes e onde haveria, segundo a Fenomenologia (Husserl), uma abordagem metodolgica que busca a volta s coisas mesmas, numa tentativa de reencontrar a verdade nos dados originrios da experincia (HOLANDA, 1986). No foi da busca de uma percepo apurada, no adulterada dos fatos, que a cincia surgiu. Lacan (1992) descreve que se tem que ampliar e melhorar o conhecimento que se tinha do mundo no foi a caracterstica da nossa cincia, mas ter feito surgir no mundo coisas que de forma alguma existiam no plano de nossa percepo... (e, mais) toda a evoluo da matemtica grega nos prova que o que sobe ao znite a manipulao do nmero como tal... O sensus s est ali maneira do que se pode contar, e o fato de contar dissolve rapidamente (LACAN, 1992; BAETA, 2005). Lacan (1992) denomina de aletosfera (de aletia, verdade) o lugar (com pretenses esfricas) onde se situam essas fabricaes da cincia. Lugar de uma verdade diferente: axiomtica, puramente lgica, formalizada, referida apenas a uma articulao significante que deve sustentar a coerncia interna das suas proposies (BAETA, 2005). De fato, foi luz da cincia que se pde apreender as dificuldades que se apresentavam no que, antes dela, se articulavam como conhecimento, com a subjacncia de dois princpios a serem cindidos um que forma e outro que formado e que remetem a uma unificao ideal, sob a imagem do princpio macho e do princpio fmea engodo desde sempre implicado na idia do conhecimento e que fruto do esquecimento do efeito da incidncia do discurso sobre os seres falantes (BAETA, 2005). A apropriao do paradigma construtivista tem gerado, na maioria das vezes, estratgias de ensino que tentam simplesmente ampliar os conhecimentos que os estudantes j possuem dos fenmenos ou organizar o pensamento de senso comum dos alunos. Alm disso, nos casos em que as ideias alternativas so claramente antagnicas ou conflitantes com os conceitos cientficos, recorre-se aos chamados experimentos cruciais, na tentativa de criar uma insatisfao com as ideias prvias e favorecer a construo do conhecimento cientfico (MORTIMER, 1996). A aplicao dessas estratgias em sala de aula tem resultado numa relao de custo-benefcio altamente desfavorvel. Gasta-se muito tempo com poucos conceitos, e muitas vezes esse processo no resulta na construo de conceitos cientficos, mas na reafirmao do pensamento de senso comum. A prtica de sala de aula contribui para o aumento da conscincia do estudante sobre suas concepes, mas no consegue dar o salto esperado em direo aos conceitos cientficos (MORTIMER, 1996).30

Essas perspectivas parecem desconhecer que aprender cincias envolve a iniciao dos estudantes em uma nova maneira de pensar e explicar o mundo natural, que fundamentalmente diferente daquelas disponveis no senso comum. Aprender cincias envolve um processo de socializao das prticas da comunidade cientfica e de suas formas particulares de pensar e de ver o mundo, em ltima anlise, um processo de enculturao. Sem as representaes simblicas prprias da cultura cientfica, o estudante muitas vezes se mostra incapaz de perceber, nos fenmenos, aquilo que o professor deseja que ele perceba (MORTIMER, 1996). Alm disso, essas propostas no conseguem tirar todas as consequncias da teoria que parece inspir-las. Apesar de a maioria das estratgias de ensino que usam o conflito cognitivo no processo de ensino-aprendizagem ter uma raiz piagetiana, elas parecem desconhecer duas caractersticas importantes da teoria da equilibrao (PIAGET, 1977). A primeira que as lacunas so to importantes quanto os conflitos. So poucos os autores, por exemplo, Rowell (1989), que se referem s lacunas como um tipo de perturbao. Vrias estratgias baseadas no conflito cognitivo parecem no reconhecer que, muitas vezes, no processo de construo de uma ideia nova, a falta de informaes para interpretar os resultados de um experimento obstculo maior que o conflito entre as ideias dos estudantes e os resultados. A segunda caracterstica relacionada terceira forma de equilibrao da teoria piagetiana. Muitas dificuldades no processo de aprendizagem esto relacionadas construo de totalidades, com forte poder de explicao, que podem ser generalizadas a um grande nmero de fenmenos. Muitas vezes, o estudante permanece no plano dos esquemas, procedimentos e rituais (EDWARDS; MERCER, 1987) e no passa para o plano superior dos princpios, das explicaes. Em funo disso, o aluno no tenta generalizar essas explicaes a fenmenos diversos, pois no as reconhece como gerais e sim como mais um esquema localizado. Essas dificuldades esto relacionadas s diferenas entre uma teoria cientfica, geral e independente do contexto e os esquemas e subsistemas cotidianos, nem sempre gerais e muitas vezes dependentes do contexto. Uma estratgia de ensino deveria lidar com essa terceira forma de equilibrao e auxiliar os estudantes a superarem suas dificuldades em generalizar (MORTIMER, 1996). Outro tipo de problema nesses tipos de estratgia de ensino a dificuldade que os alunos enfrentam em reconhecer e vivenciar conflitos. Isso poderia explicar a improdutividade de certas discusses em grupo na sala de aula, onde os estudantes tenderiam a desenvolver cintures protetores (LAKATOS, 1970) em torno do ncleo central de suas ideias em vez de tentarem superar possveis conflitos. Isso poderia ser explicado pelas diferentes fases da construo compensatria na teoria piagetiana, uma vez que a existncia de uma perturbao em potencial no significa, necessariamente, a superao da ideia inicial. Os alunos poderiam no reconhecer a perturbao enquanto tal e suas ideias permaneceriam inalteradas. Mesmo quando a reconhecessem, poderiam criar hipteses ad-hoc para adaptar a velha ideia perturbao (Mortimer, 1996). As dificuldades apresentadas na aplicao pedaggica das ideias geradas no movimento construtivista so, portanto, evidentes. Isso tem gerado um desenvolvimento de estratgias de ensino que procuram fugir dessa armadilha que a explicitao das ideias prvias parece significar. Rowell e Dawson (1984), por exemplo, apontam para a ineficcia de se usar uma estratgia de conflito no incio de uma sequncia didtica, baseados na ideia de que uma teoria s substituda aps outra melhor ter sido construda. Os autores optam, ento, por construrem a melhor teoria primeiro e s ento a contrapem s ideias dos estudantes. De maneira semelhante, Scott (1992) mostra que as explicaes dos estudantes para alguns fenmenos relacionados presso atmosfrica no auxiliam na construo da explicao cientfica. Os estudantes, por exemplo, explicam o colapso da embalagem do refresco, a medida que ele sugado, tendo como base a ideia de vcuo e a ao humana de sugar. Essas ideias no auxiliam a construo de uma explicao baseada nas diferenas entre as presses internas e externas. Scott tambm sugere a construo da nova explicao em primeiro lugar, de forma independente das ideias prvias (MORTIMER, 1996). Uma das caractersticas que um grande nmero de estratgias de ensino-aprendizagem parece ter, explcita ou implicitamente, em relao s ideias prvias dos estudantes, a expectativa de que essas ideias devero ser abandonadas e/ou subsumidas no processo de ensino. Nas estratgias que usam o conflito cognitivo, esse destino das ideias dos estudantes o resultado da superao da contradio, tanto entre ideias e eventos discrepantes, como entre ideias conflitantes que se referem a um mesmo conjunto de evidncias. Nas estratgias baseadas em analogias, o resultado de as ideias iniciais serem integradas e subsumidas numa ideia mais poderosa (MORTIMER, 1996).31

Essa expectativa tem sua origem numa viso construtivista de aprendizagem como um processo adaptativo no qual os esquemas conceituais dos aprendizes so progressivamente reconstrudos de maneira a concordarem com um conjunto de experincias e ideias cada vez mais amplo (DRIVER, 1989). De acordo com esse tipo de viso, concepes conflitantes no podem ser simultaneamente plausveis para uma pessoa (HEWSON; THORLEY, 1989). Essas vises tambm tm razes na epistemologia piagetiana e se baseiam na ideia de que o desenvolvimento do conhecimento leva construo de estruturas conceituais cada vez mais poderosas. Nessa viso, possvel reconhecer a gnese de qualquer ideia, ligando seus estgios mais avanados aos mais elementares. Fodor (1983) resume esse princpio da teoria piagetiana do seguinte modo: Uma criana em desenvolvimento constitui uma srie de lgicas tais que cada lgica contm literalmente a precedente, sendo a relao contm assimtrica. As lgicas tornam-se cada vez mais fortes, no sentido em que cada lgica ulterior contm a lgica anterior como uma de suas partes. Piaget concorda com essa caracterizao, ao comentar que o que perfeitamente exato a ideia de que toda a estrutura se converte em subconjunto de uma estrutura mais rica (PIATELLI-PALMARINI, 1983). Como consequncia, no est claro, na teoria piagetiana, o lugar das ideias de senso comum. Os cientistas, por exemplo, no as usariam, uma vez que, como sujeitos lgico-formais, as teriam superado, incorporando-as em ideias mais racionais (MORTIMER, 1996). Essa caracterstica do sujeito epistmico piagetiano parece no prevalecer na vida cotidiana. Uma pessoa com formao cientfica poderia rir da ingenuidade do pensamento infantil, capaz de inventar a entidade frio em contrapartida ao calor, e de distinguir duas formas de energia que podem fluir de um corpo ao outro: o calor e o frio. No entanto, no seu cotidiano, essa pessoa continuar a usar esses conceitos de uma forma muito natural. Mesmo porque soaria pedante algum afirmar que vestiu uma blusa de l porque ela um bom isolante trmico, impedindo que o corpo ceda calor para o ambiente. Ora, ns vestimos l porque ela quente e ns estamos com frio. No h a nenhum vestgio de concepes ingnuas, mas o uso da palavra calor num sentido de senso comum que a nossa cultura consagrou. Essa maneira de ver o mundo est largamente incorporada como uma caracterstica da cultura. Uma pessoa poderia adquirir a capacidade de distinguir essa maneira cotidiana de ver o mundo de maneiras mais sofisticadas. Suprimir essas concepes alternativas, no entanto, significaria suprimir o pensamento de senso comum e seu modo de expresso, a linguagem cotidiana. Uma expectativa irreal e intil. A linguagem cotidiana o modo mais abrangente de se compartilhar significados e permite a comunicao entre os vrios grupos especializados dentro de uma mesma lngua. Suprimi-la seria instaurar uma babel, impedindo que diferentes grupos pudessem compartilhar de significados numa mesma cultura (MORTIMER, 1996). Mesmo que o modelo de revoluo cientfica pudesse ser aplicado a qualquer mudana conceitual na cincia, sua transposio para o processo de ensino-aprendizagem desconhece as diferenas profundas entre um processo que ocorre dentro de uma cultura cientfica e outro, que justamente um processo de enculturao (DRIVER et al., 1994). No processo de aprendizagem de cincias, os estudantes no esto envolvidos com as fronteiras do conhecimento. Aprender cincias est muito mais relacionado a se entrar num mundo que ontolgico e epistemologicamente diferente do mundo cotidiano. Esse processo de enculturao pode ocorrer, tambm, quando se