mobilidade espacial e acessibilidade À

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Fonte: leo sobre tela. Carapibus 2004 (Eliane Maria Barbosa de Mendona).

ISSN 1980-993X (Online) http://www.okara.ufpb.br

Revista OKARA: Geografia em debate, Joo Pessoa-PB, v. 1, n. 1, p. 1-152, Julho 2007

Revista OKARA: Geografia em debate, v.1, n.1, p. 1-152, 2007 Joo Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB http://www.okara.ufpb.br

CONSELHO EDITORIALMara Franco Garcia Universidade Federal da Paraba, Brasil Aline Barboza de Lima Universidade Federal da Paraba, Brasil

Editores

Richarde Marques da Silva Universidade Federal da Paraba, Brasil

Conselho Cientfico Carlos Augusto de Amorim Cardoso Pedro Costa Guedes Vianna Universidade Federal da Paraba, Brasil Universidade Federal da Paraba, Brasil Maria Geralda de Almeida Alexandrina Luz Conceio Universidade Federal de Gois, Brasil Universidade Federal de Sergipe, Brasil Denise de Souza Elias Maria Adailza Martins de Albuquerque Universidade Estadual do Cear, Brasil Universidade Federal da Paraba, Brasil Marcos Ferreira Araci Farias Silva IG-UNICAMP, Brasil Universidade Federal da Paraba, Brasil Franois Laurent Maria Franco Universidade Maine, Frana Universidade Federal da Paraba, Brasil Serioja Rodrigues Cordeiro Mariano Antonio Thomaz Jnior Universidade Federal da Paraba, Brasil UNESP, Brasil Marco Antonio Mitidiero Junior Doralice Styro Maia UEVC, Brasil Universidade Federal da Paraba, Brasil Ruy Moreira Emilia de Rodat Fernandes Moreira Universidade Federal Fluminense, Brasil Universidade Federal da Paraba, Brasil Genylton Odilon Rgo da Rocha Claudio Castilho Moura Universidade Federal do Par, Brasil Universidade Federal da Paraba, Brasil Roberto Sassi Ariane Norma de Menezes S Universidade Federal da Paraba, Brasil Universidade Federal da Paraba, Brasil Slvio Simione da Silva Maria de Ftima Ferreira Rodrigues Universidade Federal do Acre, Brasil Universidade Federal da Paraba, Brasil Xos Santos Solla Bartolomeu Israel Souza Universidade de Santiago de Compostela, Espanha Universidade Federal da Paraba, Brasil Eduardo Rodrigues Viana de Lima Magno Erasto Arajo Universidade Federal da Paraba, Brasil Universidade Federal da Paraba, Brasil Jos Antonio Pacheco Almeida Universidade Federal de Sergipe, Brasil Identidade Grfica, Marcelo Brando Corretor de Portugs, Pollyane Kahelen da Costa Diniz

Ficha CatalogrficaRevista OKARA/Programa de Ps-Graduao em Geografia. Joo Pessoa. v. 1, n. 1 (2007) - Joo Pessoa: PPGG, 2007. Quadrimestral ISSN 1980-993X 1. Geografia. 2. Territrio. I. Programa de Ps-Graduao em Geografia. III. Ttulo. CDD - 333.705 CDU - (03)556.18

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NDICECAPAleo sobre tela. Carapibus 2004.Fonte: Eliane Maria Barbosa de Mendona (Aluna do Programa de Ps-Graduao em Geografia da UFPB).

EDITORIALMaria Franco Garcia 1

ARTIGOSCONSIDERAES SOBRE A GEOGRAFIA E O AMBIENTE Bartolomeu Israel Souza, Dirce Maria Antunes Suertegaray ANLISE DAS PERDAS DE GUA E SOLO EM DIFERENTES COBERTURAS SUPERFICIAIS NO SEMI-RIDO DA PARABA Celso Augusto Guimares Santos, Richarde Marques Silva, Vajapeyam Srirangachar Srinivasan NATUREZA, SOCIEDADE E TRABALHO: CONCEITOS PARA UM DEBATE GEOGRFICO Doralice Styro Maia MOBILIDADE ESPACIAL E ACESSIBILIDADE CIDADE Silvia Regina Pereira JOVENS ANDARILHOS NO CURTO CICLO DO CAPITAL Alexandrina Luz Conceio TEM TRUK NA ALDEIA: NARRATIVA DE UM TRABALHO DE CAMPO NA ILHA DE ASSUNO, CABROB-PE Maria de Ftima Ferreira Rodrigues 101 77 436 33 5 16

DISSERTAES DEFENDIDASA PRODUO DO ESPAO INTRA-URBANO E AS OCUPAES IRREGULARES NO CONJUNTO MANGABEIRA, JOO PESSOAPB Luciana Medeiros de Arajo O TERRITRIO COMO UM TRUNFO: UM ESTUDO SOBRE A CRIAO DE MUNICPIOS NA PARABA (ANOS 1990) Josineide da Silva Bezerra A CIDADE DOS OLHOS VERDES: PRECARIEDADE URBANA (Um estudo das implicaes scio-espaciais da Lei que altera as reas verdes para construir habitao popular em Joo Pessoa-PB Mrcia Maria Costa Gomes A COLONIZAO DO SERTO DA PARABA: AGENTES PRODUTORES DO ESPAO E CONTATOS INTERTNICOS (1650-1730) Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes AS TRANSFORMAES NA PAISAGEM DO PORTO DO CAPIM: LEITURA(S) DE UMA PAISAGEM URBANA 131 128 125 121 118

Vera Lcia Arajo

ENTREVISTA GEOGRFICAVISES DE UMA GEGRAFA PORTUGUESA - Prof. Dr. Ana Firmino (Universidade Nova de Lisboa) Aline Barboza de Lima 135

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TPICOS OKARAMANUEL CORREIA DE OLIVEIRA ANDRADE: UMA VIDA DE TRABALHO EM DEFESA DE UMA CINCIA GEOGRFICA SOCIALMENTE COMPROMETIDA Emilia Moreira, Ivan Targino, Maria de Ftima Ferreira Rodrigues IMPRESSES DO I SEMILUSO E PERSPECTIVAS FUTURAS Emilia Moreira O CARACOL E SUA CONCHA: ENSAIOS SOBRE A NOVA MORFOLOGIA DO TRABALHO Mara Franco Garcia 146 150 143

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EDITORIALPrograma de Ps-Graduao em Geografia da UFPB

Mara Franco Garcia

Na lngua tupiguarani o termo okara se designa a praa da aldeia indgena, o ponto de encontro da comunidade, a sua centralidade, e o espao da publicidade em oposio ao da privacidade da oka. Na polis romana o termo que definia esse espao era o frum, e na cidade grega a gora. Do latim, as derivaes so mltiplas, como vrias so as suas lnguas-filhas: praza em galego, plaza em espanhol , praa em portugus. Em qualquer caso, os tais espaos possuem, no contexto das cidades, vilas e aldeias nas que se inserem um aspecto simblico bastante importante para a cultura de cada um dos povos, a materializao de certa idia e pblico ou, para outros, de coletivo. A idia de construir uma publicao que fosse ao encontro com o conceito de um coletivo, que se rene para o debate, para o intercmbio e para a socializao, foi levantada por um grupo de professores do Programa de Ps-graduao em Geografia da UFPB. Naquele momento formavam parte do que chamamos de Comisso PRODOC. Desde esse dia at hoje, muitos colegas se uniram a este projeto, em diferentes momentos e de diversas maneiras, fazendo possvel que hoje publiquemos o primeiro nmero da revista OKARA: Geografia em debate. Ela nasce com o objetivo de debater as questes e os temas que a pesquisa geografia nos apresenta. A complexa problemtica que emerge desse movimento demanda a atualizao constante das nossas reflexes, o que exige pensar os contedos da produo do espao no mundo atual, e por outro lado considerar os mltiplos olhares segundo os quais podemos l-lo. A nossa inteno divulgar resultados de pesquisadores e reflexes realizadas no mbito da Geografia paraibana, mas ao mesmo tempo, receber a contribuio de pesquisadores de geografia e outras reas do Brasil e do exterior, que desenvolvam anlises tendo o espao como centro das suas preocupaes, de modo a estabelecer um dilogo qualificado, em nvel supradisciplinar. O interesse da equipe editorial que toma esta iniciativa a de editar uma revista de amplitude nacional, vinculada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia da UFPB. O Programa de Ps-Graduao em Geografia da UFPB vem-se consolidando como um espao de pesquisa e ensino na comunidade geogrfica paraibana desde o ano de 2003. So vrios os resultados desse percurso, entre eles as dissertaes de mestrado defendidas. Um desafio para os membros do PPGG foi tornar

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GARCIA, M. F.

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realmente pblico o saber, as revelaes e o ineditismo que todos esses trabalhos apresentam. Para isso, o primeiro passo do PPGG foi disponibilizar todas as dissertaes defendidas at o momento no Programa na sua pgina internet, http://www.geociencias.ufpb.br/posgrad. No intuito de ampliar o debate como outros Programas, lugares e pesquisadores o PPGG cria esta publicao. O perfil de OKARA: Geografia em debate comea a se delinear no seu primeiro nmero, em funo da diversidade de temticas e qualidade das reflexes que o compem. Os textos de Doralice Styro Maia, Bartolomeu I. Souza e Dirce M. A. Suertegaray abordam questes relativas ao trip conceitual natureza-espao-sociedade como alicerce do pensamento geogrfico e, a evoluo da construo histrica de tal pensamento na relao sociedade-natureza. Ambos os textos trazem a partir de diferentes perspectivas e sobre diversas temticas, contribuies significativas para estimular o debate terico na geografia. Os artigos de Slvia Regina Pereira, Maria de Ftima Rodrigues, Alexandrina Luz Conceio, Celso A. G. Santos, Richarde Marques da Silva e Vajapeyam S. Srinivasan, tomam como referencia diferentes dimenses da atual realidade socioespacial brasileira. Pesquisas que se debruam ante a problemtica urbana da mobilidade e acessibiliade cidade media, a importancia metodolgica do trabalho de campo para a pesquisa geogrfica e as suas contribuies no desvendamento dos sertes, a mobilidade e precariedade do trabalho das geraes mais jovens no campo Sergipano, at a avaliao das perdas de gua no solo de duas bacias no Cariri paraibano. Textos que apresentam sintticamente resultados de pesquisas e que contribuem para o conhecimento dos diversos problemas analisados, mas tambm para a reflexo terico-metodolgica. Divulgaram as suas dissertaes de mestrado, defendidas no nosso Programa em 2004, Josineide da Silva Bezerra, Luciana Medeiros de Arajo, Mrcia Maria Costa Gome, Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes e Vera Lcia Arajo. Onde em uma exposio sucinta apresentam as suas pesquisas, destacando os objetivos, metodologia e resultados alcanados. Esta seo tem como objetivo divulgar o trabalho desses autores e autoras e mostrar a produo que este Programa de Ps-Graduao est acumulando, graas cooperao entre os orientadores vinculados ao PPGG e um nmero cada vez maior e mais qualificado de alunos e alunas. Na seo de entrevistas publicamos uma conversa com a professora Ana Firmino da Universidade Nova de Lisboa, inaugurando uma serie de entrevistas que se pretende realizar em cada nmero com um pesquisador, professor ou profissional com reconhecida insero na geografia e reas afins. O resultado de dilogos a dois, trs ou mais vozes so experiencias dialgicas muito ricas, que nos permitem conhecer, no s a autor e a sua obra com mais finura, mas tambm os caminhos, avanos e retrocessos na construo do pensamento geogrfico contemporneo.

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Editorial

Por fim, destaca a seo titulada de Tpicos OKARA. Com marcado carater de autor, se trata de um espao aberto para o ensaio, onde priorizamos as outras dimenses que o exercicio da pesquisa em geografia nos permite. Desde relatos de trabalhos de campo, impresses sobre a participao e organizao de eventos, participao em defesas de teses e dissertaes, lanamentos de livros ou resenhas sobre novas obras. Neste nmero, lanado apenas um ms aps o falecimento do Prof. Manuel Corra de Andrade, publicamos um breve texto na sua homenagem. Os autores so Emilia de Rodat F. Moreira, Maria de Ftima Rodrigues e Ivan Targino, e subscrito por toda a equipe editorial de OKARA. Tambm, Mara Franco apresenta a resenha de uma das ltimas obras do socilogo brasileiro Ricardo Antunes, intitulada O caracol e a sua concha. Ensaios sobre a nova morfologia do Trabalho, publicada em 2005. Dona Haraway, cientista poltica norte-americana, costuma falar que as coisas so mais verdadeiras dependendo do lugar desde onde se fala. OKARA o lugar que escolhemos para falar e nos fazer ouvir. Para construirmos um debate crtico, comprometido com o desvendamento da alieno espacial em que cotidianamente somos doutrinados. Aberto para a reflexo progressista que contribua com uma mudana efetiva dos pensares e fazeres sobre o espao, desigual e injusto, no que vivemos e trabalhamos, mas ao mesmo tempo alvo e dimenso do possvel. Para isso, contamos com todos vocs. Fica o nosso sincero agradecimento aos membros da comisso cientfica que aceitaram o convite de participao. A Joana Coeli que nos auxiliou nos primeiros passos, aos autores que nos cederam os textos e resumos para publicao. A Ana Bernardete, Carlos Soares, Graa Almeida e Dad (Prof. Maria Adailza) colaboradores do projeto. A Eliane M. B. de Mendona pela bela obra de arte cedida, que ilustra nossa primeira capa. A Edinalva Maria da Silva, pela poesia que completa nosso editorial. Ao artista Marcelo Brando, por traduzir to bem o significado da revista atravs da identidade grfica. A Coordenao e membros da Ps-Graduao pelo incentivo, ao Departamento de Geocincias, grande colaborador da nossa cerimnia de lanamento. Especialmente agradecemos a Guilherme Atade do portal de peridicos da UFPB pelo seu compromiso e a Aline Barboza e Richarde Marques, sem os quais a OKARA no teria sido possvel. E a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuiram para a concretizao desse projeto. Conselho Editorial OKARA

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O MEU LUGARO que que tem no meu lugar? Mangue, Mar, Manga E ara. E l? O que que tem? No meu lugar tem Arat, Siri, Goiamum, Caranguejo-u E l o que que tem? No meu lugar tem Rolinha, Vem-vem, Siricia, Sabi. E l o que que tem? No meu lugar tem Ostra, Sururu, Marisco E peixe a se pescar. E l o que que tem? O que que tem no seu lugar? No meu lugar tem Rede, Ratoeira, Anzol E pu. E l? O que se usa para pescar? No meu lugar tem Pai do mangue, Visagem, Simpatia, Assombrao. E l, acredita-se no que tem c? No meu lugar tem Gente que brinca Na lama, na terra De bola, Biriba, Baralho e bilhar. E l? Como fazem para brincar? No meu lugar tem Bosque de mangue, Stio de manga, Roa e canavial. A mata, no est mais aqui! E l? Como est? Existe mata no seu lugar? Se no existe, o que que h? No meu lugar Tem gente que canta Que pesca Que planta Brinca e sonha. E l? Penso que tem gente que sonha em todo lugar. Edinalva Maria da Silva Edinalva professora de Geografia e aluna do Programa de Ps-Graduao em Geografia da UFPB. Poema escrito a partir das rodas de conversa, realizadas com os alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Pires Ferreira na comunidade de manguezal de Nossa Senhora do Livramento, Santa Rita-PB, 2006.

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CONSIDERAES SOBRE A GEOGRAFIA E O AMBIENTEDepartamento de Engenharia e Meio Ambiente da UFPB

Bartolomeu I. Souza

Departamento de Geografia da UFRGS

Dirce M. A. Suertegaray

Resumo Originalmente a Geografia se props a realizar a articulao Sociedade/Natureza, entretanto, influenciada pelo Positivismo, na prtica, acabou seguindo o caminho da disjuno desses elementos, o que tem acompanhado historicamente todas as correntes do pensamento geogrfico. A emergncia da questo ambiental, num mundo caracterizado cada vez mais pela complexidade, acaba estabelecendo a necessidade de se criar um canal de comunicao entre os diversos ramos do conhecimento, atravs da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, caminho parcialmente trilhado pela Geografia atravs do princpio da conexidade. Palavras-Chave: pensamento geogrfico, relao sociedade/natureza, questo ambiental.

Resum La Gographie, dans ses origines, a propos de faire larticulation entre Nature et Societ. Par contre, tant sous linfluence du Positivisme, la Gographie dans la pratique a suivie le chemin de la disjonction dans tous les domaines de la pense gographique. Lurgence de la problmatique environnementale, dans un monde caracteris par la complexit des relations, a cre le besoin dun maillon de communication entre les connaissances diverses. La recherche interdisciplinaire et transdisciplinaire parcorru partialement par la Gographie peut tre un chemin por chercher le principe de la conexin entre la nature et societ. Mots-Clefs: pense gographiqu e, relation societ/nature, problematique environnementale.

INTRODUOA dcada de 1960 marca o incio, a nvel mundial, das discusses sobre a questo ambiental. As razes dessas preocupaes esto baseadas no comprometimento

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de uma srie de recursos naturais, na possibilidade de um confronto nuclear que exterminaria grande parte da vida do planeta e na busca por uma melhor qualidade de vida, obrigando a sociedade a repensar o seu [...] modo de ser, de produzir e de viver [...] (PORTO GONALVES, 2004, p.28). Esse ato reflexivo passou a colocar em questo, entre outros, o conceito de natureza at ento dominante. Tradicionalmente a Natureza entendida como algo externo ao Homem, j que se torna cada vez mais difcil estabelecer o que puramente Natural do que Social, sendo a interpenetrao desses elementos a regra cada vez mais comum. Evolui-se assim para o conceito de Ambiente, resultante no somente de uma interface entre os processos naturais e a sociedade, mas tambm, e principalmente, de uma transfigurao proporcionada pelas tcnicas ao intervirem nas formas e processos naturais (SUERTEGARAY, 2000), sendo qualificada por Santos (1997) como Natureza Artificial, Tecnificada ou Instrumental. Nesse caso, so as conseqncias danosas dessa transfigurao que chamamos de questo ambiental. Souza Santos (1988) de opinio que o saber cientfico tradicional, fortemente baseado na Modernidade e por essa razo excessivamente parcelizado e disciplinarizado, acabou fazendo do cientista um ignorante especializado, j que este, como regra, no consegue enxergar alm das especificidades de sua formao, o que lhe confere uma capacidade cada vez menor de dar conta da complexidade que se configura, e na qual se enquadra a questo ambiental. Para dar conta dessa nova realidade, Morin (1996) prope que devemos nos guiar pelo que ele denomina de Princpio da Complexidade. Este princpio est baseado este numa viso poliocular ou poliscpica, onde as discusses fsicas, biolgicas, espirituais, culturais, sociolgicas e histricas, entre outras, deixam de ser incomunicveis, como at a pouco se fazia, resultando numa concepo de mundo fundamentada na simplificao, disjuno e reduo, tornando difcil a criao de uma base de entendimento e de respostas para uma srie de questes que passaram a afligir a humanidade. Dessa forma, h um crescente aumento da compreenso de que no se pode separar em partes distintas aquilo que uma teia de relaes inseparveis (GUERRA e MARAL, 2006), emerge ento a necessidade de se encontrar uma maneira de integrar os diversos ramos do conhecimento. Muito da busca de estabelecer e compreender as conexes entre a Natureza e a Sociedade faz parte da histria da Geografia, cincia complexa por princpio (MORIN, 2002) que, desde que se construiu como tal, se props a realizar a articulao entre tais elementos. Entretanto, na prtica, seguindo a linha positivista dominante quela poca, esta tambm se fragmentou, perdendo parcialmente a capacidade de integrar saberes.

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Nesse caso, esse texto tem como objetivo, por um lado, resgatar um pouco da discusso ambiental na Geografia a partir das suas correntes do pensamento, e por outro debater algumas propostas que, pressupondo a articulao entre a Sociedade e a Natureza, ousam tentar superar essa e outras dicotomias que ainda hoje custam to caro a essa cincia e dar uma resposta aos desafios da crise ambiental.

Determinismo e PossibilismoA Geografia passou condio de Cincia em meados do sculo XIX. Ao estabelecer como objeto de estudo o Espao Geogrfico, j nessa fase dominante a Geografia, acabou se tornando alvo de uma srie de crticas do pensamento positivista, a ponto de ser considerada por muitos uma no-cincia. Tal fato explicado porque o seu objeto de estudo se colocava numa situao de interface entre as chamadas Cincias da Natureza e da Sociedade, algo indito para a poca, onde predominava a disjuno entre esses conhecimentos (SUERTEGARAY, 2004). Para o Positivismo, a Natureza estudada exclusivamente pelas Cincias Naturais, enquanto que a Sociedade estudada pelas Cincias Sociais, no havendo relao entre as duas. Ao tentar romper esse paradigma, entende-se porque a Geografia foi, nessa fase embrionria, to criticada, a ponto de, para ser aceita como Cincia, ter que caminhar para uma prtica onde esses conhecimentos seguiram trajetrias de anlise de maneira separada. Em relao ao Determinismo, essa considerada a primeira corrente do pensamento geogrfico, tendo desenvolvido uma linha de pensamento pautada no Naturalismo, devido a forte influncia que Ratzel (principal proponente e criador dessa escola) sofreu dos alemes Humboldt e Ritter. Sendo Humboldt naturalista e Ritter filsofo e historiador, ao descreverem, respectivamente, as caractersticas naturais e as organizaes espaciais dos diferentes lugares em que estiveram e pesquisaram, explicavam essas situaes atravs das relaes dos Homens com a Natureza (MENDONA, 1998), concebendo a segunda como principal agente desses processos. As relaes dessa corrente com o imperialismo alemo so estreitas j que, para justificar a sua expanso territorial, o recm criado Estado germnico fundamentava e justificava suas aes em uma suposta superioridade racial, herana de um clima temperado que lhe beneficiou, e na teoria do Espao Vital. Percebe-se assim que o debate geogrfico sobre a Natureza, desde o incio, consubstancial a natureza da Geografia. Bertrand (1991) chega a considerar essa fase debutante da Geografia como cincia, particularmente, atravs do Determinismo, considerada tambm, a idade de ouro da Geografia, onde a Natureza estava nela. Para este autor, a descoberta de novos mundos, de

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recursos desconhecidos e aparentemente inesgotveis e de paisagens exticas fundava uma cincia imperial e imperialista, reconhecida como o estudo dos contatos entre os homens e os meios naturais. Paralela ao Determinismo, nascia na Frana a corrente Possibilista, cujo principal expoente era Vidal de La Blache. Essa escola defendia que a sociedade criava possibilidades tcnicas de uso da Natureza, no sendo aquela um elemento passivo nessa relao, como defendia a corrente alem. Podemos associar o Possibilismo a duas necessidades da Frana, aparentemente contraditrias: desmascarar o imperialismo alemo que, ao defender a superioridade racial do povo germnico e a teoria do Espao Vital, ameaava a integridade territorial de vrios pases (incluindo a prpria Frana), e justificar a presena francesa nas colnias africanas e asiticas, alegando que isso seria benfico para os povos que habitavam essas regies, uma vez que para eles seriam repassados investimentos em capital e tecnologia, capazes de fazer com que explorassem melhor os recursos naturais existentes em seus territrios e superassem o atraso econmico e social. A disputa entre essas duas potncias e as suas justificativas de expanso territorial acabaram originando na Geografia o distanciamento entre os estudos que enfocavam a Sociedade e aqueles que destacavam a Natureza, aproximando assim essa cincia dos postulados positivistas j dominantes nesse perodo. Em outras palavras, a partir desse momento, comea a ser superado, de forma mais intensa e quase em definitivo, o antigo conceito grego de physis, entendido inicialmente como a totalidade do real, passando a dominar um paradigma que, nascido das idias de Plato e Aristteles e reforado pela influncia judaico-crist, defende a existncia de uma Natureza desumanizada (PORTO GONALVES, 2004).

Geografia Teortica (Quantitativa), Geografia Crtica (Marxista) e Geografia HumansticaNo incio do sculo XX, com o avano do conhecimento cientfico baseado mais fortemente no mtodo positivista, as especializaes dos saberes se intensificaram. Na Geografia temos, inicialmente, a separao mais clara entre as chamadas partes fsica e humana. Caberia Geografia Fsica, nessa disjuno, o estudo da Natureza, s que uma Natureza desvinculada dos elementos scioeconmicos. Dava-se assim continuidade a um processo iniciado no sculo XIX. Deve-se destacar o esforo de Elise Reclus, ainda no final do sculo XIX, mediante uma orientao anarquista, em criar uma Geografia integradora e mesmo ambientalista nesse perodo. Atravs da mxima O Homem a Natureza adquirindo conscincia de si prpria ele revela, uma concepo da relao Homem/Natureza diferente dos mtodos cientficos presentes at ento

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(CATTANEO, 2004). Entretanto, dada a orientao poltica de Reclus e ao pensamento dominante da poca, essa nova concepo no obteve espao para crescer, o que fez com que a sua obra tenha sido editada somente na segunda metade do sculo XX (MENDONA, 1998). Tendo como base cronolgica o final da 2 Guerra Mundial, a antiga maneira de se conceber e praticar Geografia, baseada no Positivismo Clssico, e por isso mesmo caracterizada pelas descries das paisagens, das regies e dos territrios, no mais se adequava ao momento tecnolgico, poltico e econmico que passava a predominar, de maneira mais intensa, a partir desse perodo. So essas circunstncias que fazem surgir as correntes Teortica e Crtica. A corrente Teortica adota como base metodolgica o Neopositivismo, com ampla utilizao da linguagem matemtica (atravs da estatstica), uso de fotografias areas e, mais recentemente, imagens de satlite como instrumentao. O objetivo o uso da Geografia para o planejamento. A Natureza cada vez mais tratada como recurso para o uso preferencialmente imediato ou prazos um pouco mais largos. H uma nfase no presente com vistas a planificao do futuro. Entende-se essa concepo, agora vigente, a partir do estabelecimento de uma fase de reconstruo do capitalismo, no denominado perodo Monopolista (ou Financeiro), e tambm do socialismo, no contexto poltico da Guerra Fria. a partir dessa corrente que a Geografia absorve da Biologia, que por sua vez absorveu da Fsica, o conceito de Sistema. A partir desse momento a Natureza passa a ser trabalhada atravs da Teoria Geral dos Sistemas (TGS), resgatando-se a relao entre o organismo (antes visto de maneira isolada) e o meio, estabelecendo-se, a partir de uma concepo de ordem universal, a possibilidade de se criar modelos para explicar a Natureza atravs do sistema computacional. As teorias, por sua vez, poderiam ser validadas sem o recurso da experincia do trabalho de campo, ao considerada cada vez mais desnecessria por acreditar que a realidade poderia ser simulada virtualmente. Observa-se assim um avano relativo quando comparado ao mtodo positivista clssico j que o Homem agora aparece inserido no processo.No entanto, no tm resolvido o sentido assumido pelo humano no sistema, j que este identificado como fator ou ao antrpica, viso ainda reducionista por no responder pelas tenses sociais no mbito do movimento do mundo (SUERTEGARAY, 2005). A Geografia Crtica, por sua vez, passou a utilizar como mtodo o Marxismo que, atravs da Dialtica, concebe a histria do Homem como uma continuidade da histria da Natureza, entendendo o trabalho como mediador universal dessa relao (CASSETI, 1991). Esse entendimento, que aparentemente unia Sociedade e Natureza, somente se fez presente no campo terico. Enquanto na prtica esses

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dois elementos permaneceram como distintos, relegando o conhecimento da Natureza aos que desejassem trabalhar exclusivamente com ela. A contradio acima exposta foi resultante da nfase que se deu nessa corrente aos elementos scio-econmicos em detrimento da anlise dos elementos naturais nesse jogo de influncias, sendo comum, inclusive, para alguns adeptos da Geografia Crtica, rotular os gegrafos que estudavam a Natureza de nogegrafos. Ainda nesse perodo se desenvolve a corrente denominada Geografia Humanstica. Sua origem est relacionada a uma insatisfao de vrios pesquisadores com o tratamento material predominante na cincia clssica na qual se fundamentava at ento a Geografia. Para romper com esse encaminhamento metodolgico, os adeptos da corrente Humanstica passaram a se utilizar de uma srie de conceitos e categorias nascidos da Psicologia. A conscincia, entendida como fenmeno originando o que se denomina de Fenomenologia, logo a emoo, passou a ser o elemento principal da anlise feita por essa proposta (CATTANEO, 2004). Nesse caso, a concepo de Natureza e Ambiente apresenta um carter relativizado e externo ao Homem, sendo esses dois elementos percebidos e representados de diversas maneiras, pelos os indivduos que estiverem sendo analisados.

A Questo Ambiental e a GeografiaAntes de discutir essa questo e as suas relaes com a Geografia, fazem-se necessrios alguns comentrios sobre a crise da Modernidade e o advento da PsModernidade, pois nesse interstcio que surge a problemtica ambiental. De maneira sucinta, a Modernidade foi um perodo em que dominaram, entre outras caractersticas, a valorizao do indivduo e do mercado, a confiana no progresso da cincia e nos benefcios que isso acarretaria. Entretanto, a partir do final dos anos 1960, o ocaso do Marxismo e das polticas tradicionais ligadas ao capitalismo, em seu papel de resolver uma srie de problemas de diversas ordens, associado a evoluo cientfica (particularmente da Fsica em sua Teoria do Caos) e, conforme j dito anteriormente , a possibilidade de extermnio da humanidade atravs de um conflito nuclear e a escassez de certos recursos naturais, trouxeram tona uma srie de dvidas em relao a concepo ordenada de mundo at ento dominante. A gerao dessa poca interpretou esse sentimento de maneira festiva e contestadora, atravs da revoluo sexual e do comportamento. A Cincia, por sua vez, foi obrigada a levar em conta a aleatoriedade e o acaso. Nascia, para muitos, a Ps-Modernidade, uma sociedade aberta para a diferena e a complexidade.

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Consideraes sobre a geografia e o ambiente

Expressando-se primeiro no campo das artes, o Ps-modernismo acabou, progressivamente, atingindo a todas as outras reas. Ao mesmo tempo, enquanto alguns autores vem esse momento como um novo paradigma, outros como Harvey (2004), defendem que esse estilo ou conceito periodizador nada mais que um estgio do capitalismo avanado, uma comercializao e domesticao do Modernismo enfim. Nesse novo contexto o individualismo, o cientificismo e o mercado atingem um estgio incomparvel. Entretanto, a certeza substituda pela dvida, j que os caminhos anteriormente pr-estabelecidos deixaram de existir. Paradoxalmente cresce a preocupao com a qualidade de vida, passando esta a se manifestar de diversas formas. Uma delas diz respeito ao Ambiente que, por conta disso, passa a receber uma ateno especial. Mesmo com essa ateno especial dedicada ao Ambiente, paradoxalmente, muitos dos mtodos para interpret-lo ainda so profundamente influenciados pelo pensamento de cientistas que criaram os seus postulados entre os sculos XVIII e o incio do sculo XX, portanto, baseados na idia de Modernidade, o que, para Sousa Santos (1988), significa queVivemos num tempo atnito que ao debruar-se sobre si prprio descobre que os seus ps so um cruzamento de sombras, sombras que vem do passado que hora pensamos j no sermos, ora pensamos no termos ainda deixado de ser, sombras que vem do futuro que ora pensamos j sermos, ora pensamos nunca virmos a ser (p. 46).

Leff (2001) defende que a emergncia da problemtica ambiental acaba por propor, inclusive, a necessidade de se internalizar o que ele denomina de saber ambiental (grifo nosso), inerente no apenas ao que se denomina de conhecimento cientfico, mas tambm ao saber popular, e de se construir uma racionalidade ambiental para que realmente seja criado um desenvolvimento sustentvel ao mesmo tempo equitativo e duradouro. J vimos que muito da busca de compreender as conexes entre a Natureza e a Sociedade, base da questo ambiental, faz parte da histria da Geografia, cincia complexa por princpio (MORIN, 2002). Na realidade, essa busca est inserida numa questo ainda maior, a prpria complexidade do mundo, denominado de hbrido por Latour (1994), onde o conceito de Cincia est se modificando (MORIN, 1996). Dessa forma, acreditamos que no processo de criao de um novo entendimento cientfico, onde esto includas as questes relacionadas a Geografia e a Questo Ambiental, um encaminhamento metodolgico adequado seria a adoo da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, o que considerado por alguns uma anarquia epistmica (CATTANEO, 2005).

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Segundo Suertegaray (2004), trabalhar interdisciplinarmente significa trabalhar coletivamente, buscando o consenso na interpretao e compreenso de um problema, o que requer abertura e capacidade para entender as diferentes formas em que este aparece. Essa prtica, segundo a autora, pode ser facilitada pela transdisciplinaridade, entendida como a capacidade de transitar entre os vrios campos do conhecimento, indo alm das formaes acadmicas especficas de cada profissional de rea, criando um novo olhar. Em outras palavras, resgatar, de certa forma, um pouco da conexidade, princpio clssico que, em tese, sempre acompanhou a Geografia. Alm da necessidade do resgate de alguns conceitos clssicos consolidados, tambm necessrio super-los, criando novos conceitos que expressem melhor a histria da apropriao da Natureza pelo Homem [...] atravs do trabalho e da tcnica enquanto instrumentos de produo, acumulao e, por conseqncia, de produo de uma nova natureza [...] (SUERTEGARAY, 2002, p. 52). Essas preocupaes e propostas em relao ao tempo da ao humana e as suas transformaes tambm so inerentes a outras cincias, a exemplo da Geologia, para a qual alguns autores (TER-STEPANIAN, 1988; PELOGGIA, 1998) chegam mesmo a defender que, no momento em que as atividades humanas e as suas conseqncias j superaram significativamente os processos naturais, a poca geolgica denominada Holoceno j teria sido superada por outra, denominada de Tecngeno (ou Quinrio). Prope-se assim uma ruptura com o Quaternrio clssico, dando espao para uma nova Era (SUERTEGARAY, 2002). A aceitao dessa nova natureza pressupe novas abordagens que j esto sendo discutidas, por exemplo, no mbito da Geomorfologia, onde o conceito clssico de Depsitos Correlativos, inerente aos depsitos superficiais decorrentes de processos naturais que nos permitiram correlacionar com outros espaos e/ou pocas, vm sendo superado pelo conceito de Depsitos Tecnognicos, expressando este a dinmica morfogentica ao longo da histria humana. Nesse caso, a atuao antropognica e seus artefatos passa ser aceita enquanto processo geomorfolgico (SUERTEGARAY, 2002). Para a Geografia, de uma forma geral, Suertegaray (2004) considera como balizador o conceito de Espao Geogrfico, sendo este entendido como a materializao das prticas humanas sobre a superfcie da terra. De acordo com essa autora, por constituir uma totalidade que no pode ser compreendida de forma analtica, o Espao Geogrfico considerado uno. Ao mesmo tempo, como pode ser lido sob diferentes expresses da leitura geogrfica, onde est includo o conceito de Ambiente (alm do Domnio, da Paisagem, da Regio, etc.), ele tambm considerado mltiplo. Portanto, da mesma forma, pode e seria salutar que fosse trabalhado interdisciplinarmente, uma vez que isso o tornaria melhor compreendido.

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Na viso de Suertegaray (2004):[...] pensar o ambiente em geografia considerar a relao natureza/sociedade, uma conjuno complexa e conflituosa que resulta do longo processo de socializao da natureza pelo homem. Processo este que, ao mesmo tempo em que transforma a natureza, transforma, tambm, a natureza humana (p.196). A socializao da Natureza a que a autora se refere resultante das diversas

intervenes humanas atravs do processo produtivo e, consequentemente, tecnolgico, nas suas variaes espao-temporais criando, conforme j reportado anteriormente, o que Santos (1997) denomina de Natureza Tecnificada.

Consideraes FinaisVivemos, cada vez mais, um mundo de incertezas. Mais que nunca a Geografia, a Cincia e o Homem, esto procurando novos caminhos. Nessa caminhada, as bssolas nos so retiradas a todo instante, j que, num mundo de tempo acelerado, surgem coisas novas a todo momento, gerando vrias conseqncias e possibilidades, desafiando-nos a criar formas de articular conhecimentos capazes de dar conta dessas novas realidades. No caso da questo ambiental, nos exigido um novo desenho das constituies natural e poltica para que possamos, de fato, compreender a articulao dos elementos e processos naturais e sociais (LATOUR, 1994). Para a Geografia, resgatar a unio entre Natureza e Sociedade, unio esta que nos foi embrionria, e que representa um dos maiores diferenciais inerentes histria dessa Cincia, quando comparada a outras, significa superar a dicotomia criada ao longo do seu processo histrico para que assim possamos dar respostas mais efetivas aos desafios cientficos que nos so propostos. Essa experincia inicial, confere Geografia algumas vantagens em relao a outros ramos do conhecimento cientfico que estudam a questo ambiental, para os quais as inter-relaes Sociedade/Natureza so uma experincia nunca antes feita e por isso mesmo ainda esto tentando criar todo um caminho metodolgico. Cremos que um retorno a esse passado integrador, associado absoro de conhecimentos de outras reas, seja um caminho capaz de dar novo flego Geografia e questo ambiental, como foi possvel demonstrar em alguns exemplos. Finalmente cabe destacar que fazer Cincia tambm, e cada vez mais, um exerccio constante de dialtica. Particularmente para os que se dedicam a compreender e explicar a Geografia e o Ambiente, estes so obrigados, mais que

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nunca, a ir fronteira do conhecimento, onde o que diferente se unifica, tornando-se hbrido (SUERTEGARAY, 2005).

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Consideraes sobre a geografia e o ambiente

SOUZA SANTOS, B. Um discurso sobre as Cincias na transio para uma cincia ps-moderna. In: Revista de Estudos Avanados. So Paulo: v. 2, n. 2, 1988. Disponvel em: http://www.scielo.br/scielo.php. Acesso em 11/04/2007. SUERTEGARAY, D.M.A. Espao Geogrfico uno e mltiplo. In: SUERTEGARAY, D.M.A.; BASSO, L.A. & VERDUM, R. (orgs.). Ambiente e Lugar no Urbano: a Grande. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2000. SUERTEGARAY, D.M.A. Geografia Fsica e Geomorfologia. Uma (Re)leitura. Iju: Ed. Uniju, 2002. SUERTEGARAY, D.M.A. Ambincia e pensamento complexo: Resignific(ao) da Geografia. In: Silva, A.D. & Galeno, A. (orgs.). Geografia Cincia do Complexus. Ensaios Transdisciplinares. Curitiba: Ed. Sulina/UFPR, p. 181-208, 2004. SUERTEGARAY, D.M.A. A subordinao que recria e reinventa a natureza. Texto de exposio realizada na mesa-redonda Perpectivas da Geografia Latino-Americana no Sculo XXI, como parte da programao do X Encontro dos Gegrafos da Amrica Latina (EGAL). So Paulo: USP, 2005, 12p. (Mimeo). TER-STEPANIAN, G. Beginning of the Technogene. Bulletin I.A.E.G., n.38, p.133142, 1988.

Contato com os autores: [email protected]; [email protected]. Recebido em: 09/05/2007 Aprovado em: 20/06/2007

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Revista OKARA: Geografia em debate, v.1, n.1, p. 1-152, 2007 Joo Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB http://www.okara.ufpb.br

ANLISE DAS PERDAS DE GUA E SOLO EM DIFERENTES COBERTURAS SUPERFICIAIS NO SEMI-RIDO DA PARABADepartamento de Engenharia Civil da UFPB

Celso A. G. Santos

Departamento de Geocincias da UFPB

Richarde Marques da Silva Vajapeyam S. Srinivasan

Unidade Acadmica de Engenharia Civil da UFCG

Resumo O presente artigo busca descrever as perdas de gua e solo nas bacias experimentais de Sum e de So Joo do Cariri, ambas localizadas no semi-rido da Paraba, Brasil. Os dados de lmina escoada e produo de sedimentos foram obtidos em parcelas de 100 m com cobertura superficial diferenciadas para o perodo de 1983 a 1991 em Sum e para o perodo de 1999 a 2006 em So Joo do Cariri. Os experimentos em Sum constituram-se de uma parcela com solo revolvido, duas desmatadas, uma com caatinga nativa, duas com cobertura morta, uma com palma cultivada morro abaixo e uma com palma cultivada em nvel; j os experimentos em So Joo do Cariri constituram-se de duas parcelas, das quais uma desmatada e outra com cobertura de vegetao rasteira num perodo de trs anos e depois mantida desmatada. Palavras-chave: cobertura vegetal, perda de gua, eroso, semi-rido. Abstract The present paper aims to describe the water and soil losses under various types of vegetal covers in the experimental basins of Sum and So Joo do Cariri, both located in the semiarid region of Paraba State, Brazil. The field data of runoff and sediment yield were collected in plots of 100 m with different surface covers between 1983 and 1991 in Sum and between 1999 and 2006 in So Joo do Cariri. The plot experiments in Sum consist of one revolved soil plot, two cleared bare plots, one plot with native semiarid vegetation, two mulched plots, one plot with cactus planted down slope and one plot with cactus planted along the contour lines. The plots in So Joo do Cariri consist of one with bare soil and another with common grass cover during three years and with cleared bare soil later. Key words: vegetal cover, water loss, erosion, semiarid region.

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Anlise das perdas de gua e solo em diferentes coberturas superficiais no semi-rido da Paraba

IntroduoO presente artigo busca descrever e analisar as perdas de gua e solo nas bacias experimentais de Sum e de So Joo do Cariri, a partir de dados observados de lmina escoada e eroso, medidos em parcelas de 100 m com coberturas superficiais diferenciadas. A eroso dos solos um dos mais importantes problemas ambientais em todo mundo. As questes relacionadas eroso tm aumentado consideravelmente nos ltimos anos, especialmente em regies semi-ridas de pases como o Brasil, onde grande parte da populao depende de atividades econmicas ligadas agricultura. Existem vrias regies semi-ridas no planeta, entretanto, nenhuma destas possui a pluviosidade, a extenso e a densidade populacional do semirido do nordeste brasileiro. Nas regies semi-ridas, como o caso de parte do Nordeste do Brasil, a degradao dos solos pela eroso hdrica um srio problema e por isso vem sendo estudada nas ltimas dcadas por rgos e pesquisadores que se preocupam com os aspectos e as relaes socioeconmicas e fsicas do semirido. A regio semi-rida da Paraba compreende uma rea de aproximadamente 20.000 km e caracteriza-se, do ponto de vista geoambiental, pela diversidade de suas paisagens, tendo como elemento marcante, no quadro natural da regio, a condio de semi-aridez que atinge grande parte do seu territrio e a alta variabilidade pluviomtrica espacial e temporal inerente a esse tipo climtico (SALES, 2002). A ocupao do semi-rido paraibano, assim como a de todo o serto nordestino, ocorreu sempre em uma perspectiva de explorao excessiva, levando inclusive exausto de parte dos recursos naturais. Deve-se considerar ainda que, aliada a essa explorao predatria, estabeleceu-se uma estrutura social concentradora de renda e de poder, o que foi responsvel pela relativa estagnao e baixos ndices scioeconmicos registrados na regio. Devido ao Nordeste localizar-se numa zona tropical, verifica-se que os processos relacionados eroso e vazo repercutem sobre o desenvolvimento regional, uma vez que podem causar danos agricultura, s diversas outras atividades econmicas e ao prprio meio ambiente. Os prejuzos, sob o ponto de vista da perda de solo, contribuem para a degradao ambiental medida que podem provocar: (a) reduo da qualidade da gua pela presena de sedimentos e suas associaes com agrotxicos e nutrientes; (b) assoreamento de crregos e lagos; (c) enchentes; e (d) inundaes causadas por alteraes no regime fluvial, as quais afetam a fauna, a flora e as atividades humanas (SILVA et al., 2003; GUERRA, 2005). Como qualquer outro fenmeno do mbito de estudo da Geografia Fsica, a eroso do solo, provocada pela ao do escoamento superficial, estudada do

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ponto de vista das interrelaes espaciais, de seus fatores condicionantes e, principalmente, dos fatores fsicos do solo. Portanto, o presente estudo busca trazer para o mbito da Geografia, a discusso sobre a influncia da cobertura vegetal nos processos de escoamento superficial e de eroso. Segundo Brandt (1986), a cobertura vegetal pode atuar de duas maneiras no processo de eroso: primeiro reduzindo o volume de gua que chega ao solo, atravs da interceptao e, segundo, alterando a distribuio do tamanho das gotas de chuva, afetando, com isso, a energia cintica da chuva. J Thornes (1980) vai um pouco mais alm e destaca que a cobertura vegetal controla a eroso dos solos de trs maneiras: (a) atuando sobre o escoamento superficial; (b) no balano hidrolgico; e (c) nas variaes sazonais da interceptao das gotas de chuva no solo. Sobre os principais fatores atuantes que influenciam a eroso dos solos, Guerra (1998) aponta a erosividade da chuva, as propriedades fsicas do solo, a cobertura vegetal e as caractersticas das encostas, como sendo os fatores relevantes e controladores da variao das taxas de eroso dos solos. Estudos sobre a eroso dos solos vm sendo desenvolvidos desde meados da dcada de 1940, como exemplo, podemos citar os de Wischmeier (1960; 1976), Vanoni (1970), Kirkby (1980), Lal (1990), Singh (1995), Beven e Moore (1993) e Yu et al. (1999). De acordo com Silva et al. (2003), o tema eroso tem sido intensivamente estudado segundo vrios pontos de vista em vrias partes do mundo, isto , o assunto vem sendo pesquisado no sentido de produzir conhecimento tcnicocientfico dentro de vrias reas como Hidrologia, Geomorfologia, Geografia, Geologia, Pedologia e Agronomia, entre outras, mostrando a interatividade das relaes entre o clima, a temperatura, o relevo, o mau manejo do solo e suas influncias no processo de eroso, cujas conseqncias trazem srios danos para o desenvolvimento regional. Devido necessidade de estudos hidrolgicos de longo prazo em ambientes especficos, como o caso do semi-rido nordestino, foram instaladas diversas bacias experimentais no Nordeste do Brasil. No entanto, estas bacias foram desativadas depois de um perodo curto de aquisio de dados, devido aos altos custos para a manuteno das atividades de monitoramento e pela falta de recursos, com exceo da bacia experimental de Sum que foi mantida com o apoio de recursos provenientes de projetos institucionais como os da SUDENEORSTOM-UFPB (a parte que UFCG agora), BID-CNPq-UFPB (a parte que UFCG agora), e projetos individuais de pesquisadores da UFPB e UFCG. A Bacia Experimental de Sum, instalada em 1981 pela SUDENE (Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste) e pelo instituto francs de cooperao tcnica ORSTOM (atualmente IRD), constituiu uma das mais importantes fontes de dados de escoamento superficial e eroso, e teve suas atividades encerradas em 1996, devido solicitao da rea experimental pelo proprietrio da terra onde se localizava a bacia (SRINIVASAN e GALVO, 2003). A partir de ento, os estudos

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experimentais comearam a ser realizados na Bacia Experimental de So Joo do Cariri. Atualmente, diversos rgos financiadores, como FINEP, CT-HIDRO e CNPq, atravs de projetos, por exemplo, IBESA (Implantao de Bacias Experimentais no Semi-rido) e BEER-UFCG (Bacias Experimental e Representativa da Rede de Hidrologia do Semi-rido), apiam a continuidade das atividades de pesquisa na Bacia Experimental de So Joo do Cariri.

Materiais e MtodosComo j mencionado, os dados aqui utilizados foram coletados em duas bacias experimentais localizadas na regio semi-rida do Estado da Paraba, a Bacia Experimental de Sum e a Bacia Experimental de So Joo do Cariri. A Bacia Experimental de Sum, atualmente desativada, estava localizada na Fazenda Nova, no municpio de Sum, situada na altura do km 118 da BR-412, entre as cidades de Sum e Monteiro, entre as coordenadas 7 40 de latitude Sul e 37 00 de longitude Oeste, com altitude entre 500 e 700 m. A Bacia Experimental de So Joo do Cariri localizada na Bacia do Riacho Namorados (rea de 15 km) est localizada prxima cidade do mesmo nome, entre as coordenadas 7 22 de latitude Sul e 36 31 de longitude Oeste, e com altitude entre 450 e 500 m. Essas duas bacias experimentais possuem um grande acervo de dados de escoamento superficial e eroso dos solos, alm de dados climatolgicos. De acordo com a classificao climtica de Keppen, o clima da regio do tipo climtico BSh (semi-rido), caracterizado por insuficincia e irregularidade das precipitaes pluviais e ocorrncia de temperaturas elevadas. A precipitao pluvial mdia anual, observada no perodo de 1986 a 1990, foi de 695 mm. A temperatura mdia anual histrica de 24C e a umidade relativa mdia anual de 57% (ALBUQUERQUE et al., 2002). Apresenta, ainda, solos rasos, pouco porosos e predominantemente plsticos, subsolo derivado do embasamento cristalino, vegetao do tipo caatinga e relevo bastante ondulado, com altitudes variando entre 450 a 700 m.

Parcelas de ErosoA avaliao da influncia da cobertura vegetal nas perdas de gua e solo no semirido paraibano foi realizada a partir da comparao dos dados observados de escoamento superficial e de eroso produzidos em oito parcelas de eroso na Bacia Experimental de Sum e em duas parcelas na Bacia Experimental de So Joo do Cariri, todas com rea igual 100 m (4,5 22,2 m). Essas parcelas de eroso foram mantidas sob condies distintas no que tange cobertura do solo. Uma descrio mais detalhada das caractersticas das parcelas apresentada nas Tabelas 1 e 2 para as bacias experimentais de Sum e So Joo do Cariri, respectivamente.

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Tabela 1. Caracterstica das parcelas da Bacia Experimental de SumParcela 1 2 3 4 5 6 7 8 Declividade Mdia (%) 3,8 3,9 7,2 7,0 9,5 4,0 4,0 4,0 Cobertura Vegetal Desmatada Vegetao rasteira com cobertura morta Vegetao rasteira com cobertura morta Desmatada Caatinga nativa Palma morro abaixo Palma cultivada em nvel Solo revolvido (Padro Wischmeier) Perodo de dados 19821991 19821991 19821991 19821991 19821991 19831991 19831991 19861991

Tabela 2. Caracterstica das parcelas da Bacia Experimental de So Joo do CaririParcela 1 2 Declividade mdia (%) 3,4 3,6 Cobertura Vegetal Desmatada Vegetao rasteira com cobertura morta Desmatada Perodo de dados 19992006 19992002 20032006

O tipo de solo no local dos experimentos em Sum um Luvissolo Hipocrmico rtico Vrtico, com horizonte A fraco e textura argilosa fase caatinga hiperxerfila. Nas parcelas de So Joo do Cariri o solo do tipo Luvissolo Crmico Vrtico com horizonte A fraco e textura argilosa fase caatinga hiperxerfila. Nas parcelas 1 e 4 (desmatadas) da Bacia Experimental de Sum a vegetao era removida quando atingia 5 cm em mdia (Figuras 1a e 1b). As parcelas 6 e 7, com palma forrageira (Figura 1c), eram limpas quando a vegetao rasteira atingia cerca de 5 cm de altura. As parcelas com vegetao rasteira e com cobertura morta (2 e 3) eram roadas quando a vegetao atingia de 20 a 25 cm, sem retirla de dentro das parcelas para servir como cobertura morta (Figura 1d). J na parcela 8 (Figura 1e), o solo foi mantido constantemente sem nenhum tipo de vegetao e revolvido com ancinho sempre que se tornava compactado pela ao das chuvas. A parcela com cobertura vegetal nativa (Figura 1f) no sofreu interveno alguma (SRINIVASAN e GALVO, 2003). Deve-se ressaltar que existia ainda na Bacia Experimental de Sum uma nona parcela, porm, no foi levada em considerao no presente estudo devido ao fato dela possuir a mesma cobertura vegetal da parcela com caatinga nativa, e por ter sido implantada, apenas em 1986, numa rea onde havia anteriormente um plantio de tomate at 1981, quando ento a caatinga comeou a se recuperar naturalmente.

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Anlise das perdas de gua e solo em diferentes coberturas superficiais no semi-rido da Paraba

(a) Vista da Parcela 1 (desmatada).

(b) Detalhe da Parcela 4 (desmatada).

(c) Parcelas com palma cultivada.

(d) Parcela com vegetao rasteira e cobertura morta).

(e) Parcela 8 com solo revolvido.

(f) Parcela 5 com caatinga nativa.

Figura 1. Parcelas de eroso da Bacia Experimental de Sum. As Figuras 2a e 2b mostram respectivamente a Parcela 1 (desmatada) e os detalhes dos tanques coletores de sedimentos e de lmina escoada das parcelas da Bacia Experimental de So Joo do Cariri.

(a) Vista da Parcela 1 (desmatada).

(b) Tanques para coleta de dados.

Figura 2. Parcelas de eroso na Bacia Experimental de So Joo do Cariri.

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SANTOS, C A. G.; SILVA, R. M.; SRINIVASAN, V. S.

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Microbacia da Bacia Experimental de So Joo do CaririA microbacia de 0,16 ha da Bacia Experimental de So Joo do Cariri foi utilizada, no presente estudo, para a anlise da influncia da erosividade da chuva sobre a eroso do solo. A bacia experimental constituda por vrias instalaes dentre as quais existem trs microbacias e quatro sub-bacias instrumentadas. A microbacia de 0,16 ha foi escolhida devido ao fato dela possuir o maior nmero de eventos observados de chuva, vazo e eroso dentre todas as outras. Os principais tipos de solos encontrados na Bacia Experimental de So Joo do Cariri so Luvissolo Crmico Vrtico, Vertissolo e Neossolo Ltico.

Dados ColetadosOs dados observados de chuva, lmina escoada e eroso, e aqui apresentados, fazem parte do acervo de dados coletados nas bacias experimentais de Sum e So Joo do Cariri, para as escalas de parcelas e de microbacia. Foram registrados 264 eventos com escoamento e produo de sedimentos entre 1983 e 1991 na Bacia Experimental de Sum. Os dados de precipitao foram coletados em um pluvigrafo localizado prximo s parcelas. J na Bacia Experimental de So Joo do Cariri foram registrados 172 eventos entre 1999 e 2006, cujos valores de precipitao foram obtidos em um pluvigrafo localizado na prpria bacia. Estes dados da precipitao foram utilizados para calcular os totais dirios, mensais e anuais na bacia, para a determinao do ndice de erosividade da chuva.

Erosividade da Chuva em So Joo do CaririA determinao do ndice de erosividade da chuva, definida como o produto da energia cintica da chuva e a maior intensidade num intervalo de 30 minutos, foi realizada a partir dos dados registrados no pluvigrafo para cada evento de chuva que provocou escoamento no perodo de 1999 a 2002. Contudo, a erosividade foi considerada nula quando no existiu escoamento. A partir destes dados, foram calculadas as intensidades de cada evento em mm/h, alm das mximas intensidades em trinta minutos, I30 em mm/h. O clculo da energia cintica individual foi realizado para cada segmento de chuva com intensidade constante, atravs da equao proposta por Wischmeier e Smith (1978), convertida para o Sistema Internacional de Unidades (FOSTER et al., 1981): Ec = 0,119 + 0,0873 log10 I (1)

em que Ec a energia cintica da chuva, em MJ/ha, e I a intensidade de chuva em cada segmento com intensidade constante em mm/h, sendo que, para intensidades maiores que 76 mm/h, a energia cintica foi considerada de valor mximo igual a 0,2832 MJ/ha.

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Os valores calculados atravs da equao (1) foram utilizados para o clculo do ndice de erosividade EI30, que igual soma das energias cinticas para cada segmento com intensidade constante multiplicado pelo I30.

Resultados e DiscussesPara estudar as perdas de gua e solo nas duas bacias experimentais, inicialmente, as precipitaes anuais em Sum e So Joo do Cariri foram relacionadas. O coeficiente de determinao R igual a 0,91 entre as duas precipitaes, conforme mostrado na Figura 3, indica que seus totais anuais podem ser considerados como altamente correlacionados.

Figura 3. Relao entre os valores anuais da precipitao em So Joo do Cariri e Sum.

Influncia da Cobertura Vegetal na Lmina EscoadaComparando-se os dados da Tabela 3, percebe-se que a Parcela 8 (solo revolvido) escoou aproximadamente cinco vezes mais gua que na Parcela 5 (com caatinga nativa) em relao ao valor mdio do perodo estudado (Tabela 3). Assim, a lmina escoada da Parcela 8, em relao precipitao mdia anual de 1986 a 1991 (707 mm), foi em torno de 26%, enquanto a lmina escoada na Parcela 5, para o perodo de 1983 a 1991, foi de 4%. Segundo Albuquerque et al. (2001), as menores redues de lmina escoada ocorrem provavelmente pelo fato do solo, independente do tipo de cobertura, apresentar limitada capacidade de infiltrao, a partir da qual a taxa de enxurrada tende a igualar-se em diferentes sistemas de manejo do solo. Portanto, os resultados obtidos mostram que as reas onde a vegetao nativa foi preservada,

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houve uma diminuio das taxas de infiltrao de gua no solo, acarretando assim, uma diminuio do volume escoado (Tabela 3). Desta forma, esses dados ressaltam o importante papel que a cobertura vegetal pode desempenhar no controle das perdas de gua por escoamento superficial, principalmente, quando considerada a irregularidade temporal e espacial das chuvas na regio semi-rida do Nordeste do Brasil. Os valores mdios anuais, excludos os anos de 1989 e 1990 de lmina escoada nas Parcelas 6 e 7, com palma morro abaixo e palma em nvel, foram de 198 mm e 172,7 mm, respectivamente. Os volumes da lmina escoada para essas mesmas parcelas em relao precipitao mdia anual do mesmo perodo, excludos os dados de chuva de 1989 e 1990 (559 mm), foram de 35,4% e 30,9%, respectivamente (Tabela 3). As Parcelas 1 e 4 (desmatadas) apresentaram os maiores valores de lmina escoada, 199,3 mm e 215,0 mm e, conseqentemente, a maior relao com a precipitao mdia anual, 35,2% e 38,0%, respectivamente (Tabela 3). Tabela 3. Valores anuais de precipitao e da lmina escoada das parcelas em SumAno 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 Mdia Chuva (mm) 245 608 1.453 965 372 736 917 267 986 566 P1 24,2 199,4 543,0 235,0 109,6 351,6 280,0 50,7 0,0 199,3 P2 4,5 75,4 254,5 106,9 0,0 2,0 9,1 0,0 5,4 50,9 Lmina Escoada (mm) P3 P4 P5 P6 0,0 20,0 0,0 0,0 43,1 221,0 5,0 90,5 326,9 630,0 136,0 547,6 115,6 304,4 39,0 299,3 0,0 89,3 0,0 112,4 10,3 290,0 0,0 330,0 0,0 316,4 0,0 0,0 57,0 0,0 0,0 6,8 23,9 6,5 55,1 215,0 22,7 198,0 P7 0,0 39,0 496,0 243,0 60,3 262,6 108,3 172,7 P8 251,5 58,7 319,0 331,0 43,0 123,7 187,8

A partir dos dados observados de lmina escoada na Bacia Experimental de So Joo do Cariri, nota-se que a Parcela 1 (desmatada) obteve uma lmina escoada anual mdia igual a 173,9 mm, enquanto que na Parcela 2 (mantida um tempo com vegetao rasteira com cobertura morta e outro perodo desmatada) foi observada uma mdia anual de 125,5 mm, uma reduo da lmina escoada igual a 26,38% mm (Tabela 4). Assim, a lmina escoada da Parcela 1, em relao precipitao mdia anual (456 mm), foi de 38,1%, enquanto a lmina escoada na Parcela 2 foi de 27,5%, mostrando que estas reas apresentaram valores considerados prximos, uma vez que o tipo de cobertura vegetal, em boa parte do tempo, foi igual em ambas as parcelas (Tabela 4). Esses valores podem ser explicados, em parte, pelo fato de que as condies em ambas as parcelas eram quase iguais e, com o crescimento da cobertura vegetal, houve a diminuio do

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escoamento. Nos anos 2000 e 2001, o efeito da vegetao foi total e no ano 2002, com a retirada da vegetao rasteira, o escoamento aumentou gradualmente. A representao grfica de todos os eventos de vazo registrados nas duas parcelas da Bacia Experimental de So Joo do Cariri mostra que os eventos extremos de lmina escoada foram semelhantes em ambas as parcelas, com exceo dos picos em alguns eventos isolados. Nota-se tambm uma pequena diferena em relao aos valores das mdias observadas, 7,56 mm na Parcela 1 e 5,45 mm na Parcela 2 (Figura 4). Tabela 4. Valores anuais e mdios de precipitao e da lmina escoada das parcelas em So Joo do CaririAno 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Mdia Precipitao (mm) 143 762 343 550 261 645 580 365 456 Parcela 1 21,1 273,8 137,0 233,7 63,0 220,0 276,8 165,9 173,9 Lmina Escoada (mm) Parcela 2 Reduo (%) 26,38 15,5 51,30 133,3 89,74 14,1 22,13 182,0 9,88 56,8 9,32 199,5 10,46 247,8 6,83 154,6 125,5 27,87

Figura 4. Lmina escoada nas parcelas de So Joo do Cariri.

Influncia da Cobertura Vegetal na ErosoComparando-se os dados observados de eroso na Bacia Experimental de Sum, constatou-se que o valor mdio anual de eroso do solo na Parcela 8 (solo revolvido) com relao ao valor mdio da Parcela 5 (com caatinga nativa), no perodo de 1983 a 1990, foi 84 vezes maior (Tabela 5). Segundo Albuquerque et al. (2002), em estudo sobre a influncia do manejo do solo sobre as perdas de

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solo para o semi-rido paraibano, essa diferena atribuda remoo da cobertura vegetal da superfcie do solo na parcela com solo revolvido, permitindo a ao do impacto das gotas de chuva e do escoamento superficial sobre o solo descoberto, ocasionando, assim, a desagregao e transporte das partculas do solo. Constatou-se, dessa forma, que as parcelas com caatinga nativa contriburam para reduzir significativamente as taxas de eroso do solo, quando comparadas com a parcela descoberta. Os valores mdios anuais de eroso, correspondente ao perodo de 1986 a 1990, obtidos para a Parcela 5 (caatinga nativa) e para as Parcelas 1 e 4 (desmatadas), foram de 0,2, 33,2 e 52,1 t/ha, respectivamente (Tabela 5). Os valores mdios de eroso das Parcelas 2 e 3 (com vegetao rasteira e cobertura morta) e da Parcela 4 (desmatada) foram de 0,3 e 52,1 t/ha, respectivamente (Tabela 5), sendo que a parcela com cobertura morta reduziu as perdas de solo em 99% quando comparada com aquela desmatada. Fato que pode ser explicado quando se considera que a existncia da cobertura morta contribuiu para proteger a superfcie do solo, tanto do impacto das gotas de chuva quanto do poder de desagregao e transporte da enxurrada, corroborando os resultados obtidos por Levien et al. (1990). Tabela 5. Valores anuais e mdios de precipitao e das perdas de solo das parcelas experimentais em SumAno 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 Mdia Chuva (mm) 245 608 1.453 965 372 736 917 267 986 728 Eroso (t/ha) P1 14,0 32,6 102,2 19,8 11,0 58,7 51,1 9,3 0,0 33,2 P2 0,0 0,8 0,4 1,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,3 P3 0,0 0,3 0,6 1,6 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,3 P4 2,7 83,2 186,0 25,6 18,9 63,5 83,0 5,1 1,0 52,1 P5 0,0 0,0 0,2 0,6 0,0 0,0 0,0 0,1 0,6 0,2 P6 0,0 0,6 10,4 13,7 7,8 31,5 0,5 9,2 P7 0,0 2,4 6,0 8,5 2,8 12,8 0,7 4,7 P8 17,3 9,5 48,8 34,5 5,5 36,2 25,3

Analisando-se os valores de eroso das Parcelas 6 e 7, constatou-se que, em relao ao valor mdio no perodo de estudo, o plantio de palma cultivada em nvel apresentou perda de solo bem inferior (4,7 t/ha) quele obtido com o cultivo de palma morro abaixo (9,2 t/ha) (Tabela 5). Desta forma, o cultivo em nvel contribuiu para reduzir em torno de 94,6% as perdas de solo, quando comparado com o cultivo morro abaixo, corroborando com os resultados obtidos por Bertoni e Lombardi Neto (1985) e Margolis et al. (1991).

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No que tange comparao dos dados de eroso na Bacia Experimental de So Joo do Cariri observou-se que o valor mdio anual de eroso na Parcela 1 (desmatada) em relao ao valor mdio da Parcela 2 (mantida um tempo com vegetao rasteira, com cobertura morta e outro perodo desmatada), no perodo estudado, foi aproximadamente oito vezes maior, apresentando valores mdios de eroso de 4,2 e 1,0 t/ha, respectivamente, com uma reduo de perdas de solo da ordem de 74,6% (Tabela 6). As Figuras 5a e 5b apresentam a relao entre os dados observados de precipitao e eroso medidos nos 11 eventos nas Parcelas 1 e 2. Na Parcela 1, os maiores valores observados de eroso estiveram entre 1,5 e 2,0 (t/ha), enquanto que, na Parcela 2, os maiores valores observados de eroso ficaram entre 0,5 e 0,8 (t/ha), ou seja, valores menores quando comparados com a Parcela 1. Isto mostra que h influncia direta da cobertura vegetal sobre as perdas de solo e gua. A representao grfica de todos os eventos registrados nas duas parcelas da Bacia Experimental de So Joo do Cariri mostra que os eventos mais extremos de perdas de solo foram distintos quando comparados evento a evento (Figura 6). Tabela 6. Valores anuais e mdios de precipitao e das perdas de solo das parcelas experimentais em So Joo do CaririAno 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Mdia Chuva (mm) 143 762 343 550 261 645 580 365 456 Parcela 1 1,2 14,4 4,1 3,2 1,1 2,9 4,6 2,3 4,2 Eroso (t/ha) Parcela 2 0,3 1,5 0,1 0,5 0,1 0,6 3,3 2,2 1,0 Reduo (%) 75,0 89,6 97,6 84,4 90,9 79,3 28,3 4,3 74,6

Figura 5. Relao entre precipitao e eroso nas parcelas de So Joo do Cariri.

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Figura 6. Eroso nas parcelas de eroso em So Joo do Cariri.

Influncia da Erosividade da Chuva na Eroso dos SolosO potencial de eroso hdrica de determinado local ou regio pode ser caracterizado por meio da avaliao da erosividade das chuvas e sua distribuio temporal (Cogo et al., 2003). Com o objetivo de se verificar a influncia do ndice de erosividade na eroso dos solos no semi-rido paraibano foi determinada a erosividade anual e mensal da chuva em uma microbacia da Bacia Experimental de So Joo do Cariri, descrita anteriormente. Observa-se na Tabela 7 que os valores totais de erosividade mais altos ocorreram no perodo compreendido entre os meses de janeiro a maro. A precipitao anual apresentou-se de forma irregular ao longo do perodo estudado, sempre um ano com baixo valor, seguido de outro com alto valor, refletindo diretamente nos valores de erosividade, conforme pode ser visto na Figura 7. Tabela 7. Valores mensais e anuais de erosividade em MJmm/hah em So Joo do CaririMeses Janeiro Fevereiro Maro Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro Mdia Anual 1999 0,00 0,00 33,55 22,87 49,84 23,34 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 69,58 16,60 2000 1.143,07 492,91 1067,75 599,36 153,68 24,79 206,84 50,37 0,00 0,00 0,00 0,00 311,56 2001 0,00 0,00 168,64 9,62 0,00 63,32 8,28 25,99 0,00 0,00 0,00 14,50 24,20 2002 428,59 654,91 85,77 0,00 330,78 0,00 14,50 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 126,21 Mdia Mensal 392,92 286,96 338,93 157,96 133,58 27,86 57,41 19,09 0,00 0,00 0,00 21,02

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Figura 7. Distribuio dos valores anuais da erosividade e sua comparao com a precipitao.

Consideraes FinaisSobre a erosividade constatou-se que h uma correlao entre a erosividade e a eroso dos solos. Entretanto, outras caractersticas da chuva e da rea devem ser levadas em considerao para melhor descrever o fenmeno da eroso. Os resultados obtidos sobre a lmina escoada nas parcelas de Sum mostraram que a Parcela 8 (solo revolvido) gerou escoamento em torno de cinco vezes mais que a Parcela 5 (com caatinga nativa), tomando como base o valor mdio do perodo estudado. Assim, a lmina escoada da Parcela 8 foi de 22,1%, em relao precipitao mdia anual (566 mm), enquanto o escoamento de gua na Parcela 5 foi de apenas 4%, destacando a grande influncia da vegetao nativa sobre a infiltrao. Os valores mdios anuais de escoamento ou perda de gua da Parcela 6 (palma morro abaixo) e da Parcela 7 (palma em nvel) foram de 154 mm e 134,4 mm, respectivamente. Os volumes da lmina escoada das parcelas com palma cultivada morro abaixo e palma cultivada em nvel foram relativamente prximos (Tabela 3), de 27,2% e 23,7%, respectivamente, em relao precipitao pluviomtrica mdia anual do mesmo perodo (566 mm). As Parcelas 1 e 4 (desmatadas) apresentaram os maiores valores de lmina escoada, 199,3 mm e 215,0 mm e, conseqentemente, a maior relao com a precipitao mdia anual, 35,2% e 38,0%, respectivamente. Os resultados de eroso obtidos em Sum mostraram que as Parcelas 1 e 4 (desmatadas) contriburam com perdas anuais de solo de respectivamente 33,2 e 52,1 t/ha. Nas Parcelas com cobertura morta a eroso foi de 0,3 t/ha, enquanto que na Parcela 5 (com caatinga nativa) a eroso mdia foi de apenas 0,2 t/ha.

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Em So Joo do Cariri, a eroso mdia na Parcela 1 foi 3,4 t/ha, enquanto que na Parcela 2 foi de 0,4 t/ha, mostrando a influncia da cobertura vegetal sobre o processo erosivo no semi-rido. Sobre os valores observados de lminas escoadas em So Joo do Cariri nota-se que a Parcela 1 (desmatada) obteve uma lmina escoada anual mdia igual a 173,9 mm, enquanto para a Parcela 2 (mantida um tempo com vegetao rasteira com cobertura morta e outro perodo desmatada) o valor mdio observado foi de 125,5 mm. Com a eliminao da vegetao da superfcie os valores nas lminas escoadas na Parcela 2 aproximaram-se aos valores da Parcela 1.

AgradecimentosOs autores agradecem ao Laboratrio de Recursos Hdricos da Universidade Federal de Campina Grande pelos dados de campo obtidos em parceria. Os autores tm sido apoiados com recursos e bolsas do CNPq e do MCT/FINEP/CTHIDRO.

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Contato com os autores: [email protected], [email protected]. Recebido em: 21/05/2007 Aprovado em: 20/06/2007

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Revista OKARA: Geografia em debate, v.1, n.1, p. 1-152, 2007 Joo Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB http://www.okara.ufpb.br

NATUREZA, SOCIEDADE E TRABALHO: CONCEITOS PARA UM DEBATE GEOGRFICO1Doralice Styro Maia

Departamento de Geocincias/Programa de Ps-Graduao em Geografia da UFPB

Resumo O texto discute as noes de Natureza, Sociedade e Trabalho. Parte do princpio que essas noes, bem como a sua relao, se encontram no fundamento da Geografia, nos alicerces da construo do conhecimento geogrfico. Resgata a histria do conhecimento geogrfico desde a Antiguidade para pensar de que forma se estabelecia a relao natureza, sociedade e trabalho, por entender que a trade apresentada est na base do conhecimento e da histria da Humanidade. Para a anlise decompe as noes apresentadas e prope a reflexo da origem da separao dos contedos na histria da sociedade. Conclui que a relao Natureza, Sociedade e Trabalho produze espao e, portanto, inerente ao conhecimento geogrfico. Palavras-chave: natureza, sociedade, trabalho, conhecimento geogrfico.

Resumen El artculo discute las nociones de Naturaleza, Sociedad y Trabajo. Parte del principio que estas nociones, as como su relacin, se encuentran en el fundamento de la Geografa, en la base de la construccin del conocimiento geogrfico desde la Antigedad y se propone pensar de qu manera se establece la relacin naturaleza, sociedad y trabajo. Comprende que la trade apuntada est en la base del conocimiento y de la historia de la Humanidad. Para el anlisis descompone las nociones presentadas y propone la reflexin del origen de la separacin de los termos en la historia de la sociedad. Concluye que la relacin Naturaleza, Sociedad y Trabajo produce espacio y, por lo tanto, es inherente al conocimiento geogrfico. Palabras-claves: naturaleza, sociedad, trabajo, conocimiento geogrfico.

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MAIA, D. S.

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O tema proposto para esta discusso encontra-se no fundamento da Geografia, nos alicerces da construo do conhecimento geogrfico. Dizemos construo do conhecimento geogrfico, portanto, ao que antecede e muito constituio da Geografia enquanto disciplina. Referimo-nos, ao incio da histria da humanidade. Pois, se remontarmos aos primrdios da histria, o homem primitivo ao registrar em seus desenhos os seus costumes, a sua gente, representou tambm a natureza e o trabalho. Tal fase da histria do conhecimento geogrfico, Sodr chamou de etapa preliminar da pr-histria (SODR, 1987, p.14). A segunda etapa da histria proposta pelo mesmo autor corresponde ao perodo posterior ao registro escrito e nesta estaria a contribuio dos pensadores da Antiguidade, especialmente aqueles registrados nos priplos, desenvolvidos pelos navegadores, militares, comerciantes, matemticos, etc. Nesse conjunto de contribuies estaria a obra de Herdoto - mais conhecido como pai da Histria - que realizou ricas descries do Egito, da Babilnia, do Nilo, do Saara, enfim, das regies da frica por onde viajou. Hipcrates, Eraststenes, ou o prprio Aristteles tambm deram importantes contribuies formao do conhecimento geogrfico. Nestas descries e nestes estudos dos pensadores gregos, encontram-se registros sobre a terra, a cultura e os homens, portanto, da natureza, da sociedade e do trabalho. Ainda na Antiguidade, merecem destaque Estrabo e Ptolomeu por terem sistematizado conhecimentos anteriormente produzidos. Segundo Blanco (1991), apesar da dificuldade em se unificar os diversos mtodos de investigao dos relatos das viagens terrestres e martimas realizadas na Antiguidade, pode-se afirmar que os seus propsitos eram a expanso poltica e o intercmbio comercial, principalmente quando se tratava de terras estranhas. Ainda de acordo com o mesmo autor, aps Eudox e Eratstenes, somente Estrabo procurou unificar aqueles conhecimentos. Estrabo destaca-se dos outros pensadores pela grande contribuio dada formao do conhecimento geogrfico e mesmo da Geografia, especialmente a partir da sua obra Geografia . Esta obra est dividida em 17 livros. Os livros I e II so dedicados defesa de Homero como gegrafo, discusso das obras dos seus principais antecessores e aos contedos e conceitos bsicos da Geografia: a Terra, o clima, latitude e longitude, os mares, os rios, as condies atmosfricas, os costumes, as tradies, a organizao social e poltica, o territrio e o lugar. Para Estrabo (1991):a geografa est en su mayor parte orientada hacia las necesidades polticas [] est toda ella orientada hacia las acciones propias del gobierno, pues como mejor podran manejar cada pas es sabiendo de qu extensin es el territorio y a qu distancia se encuentra de otros lugares y qu carcter caractersticas diferenciales tiene tanto en su clima como en si mismo (p. 113-114).

Para o autor supracitado, as grandes cidades seriam to prprias Geografia como os grandes acidentes geogrficos. (BLANCO, op. cit., p. 113).

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Desta forma, se normalmente so destacados neste perodo histrico os chamados avanos cientficos, tais como as noes de latitude e longitude, informaes sobre a superfcie terrestre, fenmenos astronmicos e atmosfricos, preciso lembrar, que, j naquelas contribuies, ou mesmo nesses registros geogrficos, estava-se tratando da natureza, da sociedade e tambm do trabalho. Naquelas obras, vrios so os registros das condies do escravismo, da necessidade da dominao, bem como as descries das reas a serem devassadas, tratam-se de descries fsicas daquelas regies, mas tambm dos costumes, da vida daqueles povos, e, portanto, da sociedade e do trabalho. Na verdade, esse resgate dos primrdios do conhecimento geogrfico foi estabelecido no para comprovar uma existncia da Geografia desde a Antiguidade ou mesmo desde a Pr-Histria, mas sim para dizer que a trade apresentada Natureza, Sociedade e Trabalho diz respeito Histria da Humanidade, est presente desde a nossa origem e, portanto, est na base do conhecimento geogrfico, pois nela, e no a partir dela, est o espao geogrfico. A relao sociedade natureza materializada pelo trabalho, como bem explicou Lucien Febvre (1949):Estas marcas acabam por precisar, aos nossos olhos, o verdadeiro carter da ao dos homens na superfcie do Globo. No se trata da ao de indivduos isolados. Trata-se da ao de amplas coletividades extensas, e que se impe a massas humanas considerveis. To longe quanto nossas investigaes permitem alcanar, leis, costumes, modos de agir que reagem poderosamente sobre a conduta dessas massas em face das foras e dos recursos da natureza (FEBVRE apud SODR, 1987, p. 84).

Em outras palavras, o trabalho a mediao da Natureza com a Sociedade e que por sua vez produz o espao. A compartimentao Natureza, Sociedade, Trabalho faz-se necessria para o conhecimento. Salientamos que, a princpio, no estamos falando do trabalho alienado, mas do trabalho no seu sentido mais genrico, que corresponde aplicao das foras e faculdades humanas para alcanar um determinado fim. Estas foras e faculdades humanas podem ser principalmente fsicas e/ou intelectuais. De acordo com Albornoz (1992): Trabalho o esforo e tambm o seu resultado: a construo enquanto processo e ao, e o edifcio pronto. (p. 12). De acordo com a mesma autora, para muitos, o que distingue o trabalho humano do dos outros animais que neste h conscincia e intencionalidade, enquanto os animais trabalham por instinto, programados, sem conscincia. (1992, p.12.). E complementa a autora:Natureza e inveno se entrelaam no trabalho humano, em nveis diversos, da ao mais mecnica e natural mais controlada e consciente. Natureza e cultura se encontram no labor do parto, no cultivo do campo, na modelagem da argila, na inveno da eletricidade; como na produo de vitaminas

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em comprimidos, na montagem de crebros eletrnicos e no envio de astronaves Lua. (1992, p. 13).

Assim, se o conceito de trabalho acompanha um longo percurso histrico, preciso notar que nesta trajetria h uma ruptura. Ruptura esta que se d na Histria, mas que tambm constitui a separao homem natureza. Nas comunidades primitivas no havia esta distino, a o trabalho humano representa um prolongamento do trabalho da natureza: a caa e a coleta compem as aes dos grupos humanos integrados s aes dos outros animais. Homem natureza e sente-se natureza. Se o aprimoramento das tcnicas agrcolas d incio diviso do trabalho, com esta h a separao sociedade natureza que posteriormente se intensifica com o surgimento da propriedade privada e do trabalho industrial. Como bem explicou Engels (1961):O trabalho a primeira condio fundamental de toda vida humana, a tal ponto que, em certo sentido, deveramos afirmar que o prprio homem foi criado por obra do trabalho (p. 143).

Neste momento, h a separao homem natureza, e nesta diviso h a ruptura homem trabalho. O trabalho ento no mais corresponde ao prolongamento da ao da natureza, mas sim actividad totalmente extraa a si misma, extraa al hombre y a la naturaleza y por ello totalmente extraa a la conciencia y a la manifestacin vital. (MARX, 1984, p. 125). Estamos, pois, agora, nos remetendo a um outro momento histrico, pois estamos tratando do trabalho alienado. Alienado por:[ser] o trabalho externo ao trabalhador, no fazer parte da natureza, e, por conseguinte, ele no se realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, no desenvolver livremente suas energias mentais e fsicas mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido. [...] Ele no a satisfao de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades. [...]. Por fim, o carter exteriorizado do trabalho para o trabalhador demonstrado por no ser o trabalho dele mesmo mas trabalho para outrem, por no trabalho ele no se pertencer a si mesmo mas sim a outra pessoa. (MARX, 1984, 2 p.98-99) .

A alienao corresponde separao e, portanto, exterioridade. O trabalho torna-se alheio ao homem tambm no sentido de ser externo a ele prprio. Conseqentemente, o homem tambm se exterioriza da natureza, muito embora continue sendo natureza. A natureza passa, portanto, a pertencer a um mundo exterior onde se concretiza o trabalho, em que este atua e com que e por meio do qual produz coisas. Desta forma, a natureza separada, tambm se torna coisa da

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qual o trabalhador depende, pois este no pode criar nada sem a natureza, sem o mundo exterior sensvel (MARX, 1984, p. 105). Precisamos, portanto, refletir melhor sobre a origem dessa separao, dessa ruptura, desse estranhamento. Ora, este processo no decorre unicamente do desenvolvimento das foras produtivas nem surgiu como um passe de mgica da instituio da propriedade privada. Na verdade, na origem desta separao, est a capacidade do distanciar-se, do desassociar-se, portanto, do olhar o outro. Segundo Rilke (1965) foi preciso abandonar:[...] o olho preconcebido do nativo, que relaciona tudo o que v consigo mesmo e com suas necessidades. [...]. Foi necessrio ento comear por afastar as coisas de si para tornar-se capaz, em seguida, de aproximar-se delas de modo mais imparcial e mais sereno, com menos familiaridade e com um recuo respeitador. Porque s quando se deixou de tocar a natureza comeou-se a perceb-la; quando sentia-se que ela era o outro, o indiferente, que no tem sentidos para nos notar, s ento saamos dela, solitrios, de um mundo solitrio. (1965, p.3).

Portanto, essa capacidade de olhar o outro somente ser possvel com o surgimento do indivduo e da individuao, ou seja, da capacidade de distinguir-se em relao a outros. Aristteles pode ser considerado como o primeiro autor a pensar sobre esta questo e ele atribua matria a constituio da individuao. Na filosofia contempornea, a individuao corresponde uma construo mental base dos dados dos sentidos, o individual est fundamentado em si mesmo e ainda a idia de coisa como determinada pela localizao espacio-temporal (FERRATER MORA, 1982, p. 209). Apesar das diferentes reflexes, Leibiniz atribuiu individuao o princpio das negaes (apud FERRATER MORA, 1982). Veja-se que este princpio esclarece a origem dos outros, inclusive do que fundamentou a idia de Aristteles, pois, ao atribuir matria o princpio da individuao, estes seriam indivduos a partir da sua constituio, em que a matria de todos os corpos naturais a terra, o fogo, a gua e o ar; a dos corpos orgnicos, os tecidos; a dos seres humanos, os rgos, e assim sucessivamente. Este princpio tambm toma por base a negao, isto , ao reunir-se os elementos de mesma matria, separa-se os de matria distinta, portanto, quela que nega a outra. Neste princpio, portanto, encontra-se a origem da separao homemnatureza, na capacidade de individualizar-se, de distinguir-se dela, de negar-se a ela. Nega-se a ela, para poder, inclusive, reconhecer-se nela. Neste sentido, Carlos Walter P. Gonal