mitologia grega - pierre grimal

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    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.

  • INTRODUOO MITO NO PENSAMENTO

    D-se o nome de mitologia grega ao conjunto de relatosfantsticos e lendas cujos textos e monumentosrepresentativos nos mostram que estavam em voga nospases de lngua grega entre os sculos IX ou VIII antesde nossa era, poca a que se reportam os poemashomricos, e o fim do paganismo1, trs ou quatro sculosdepois de Jesus Cristo. uma matria enorme, dedefinio bastante complicada, de origens e caractersticasmuito diversas e que desempenhou e desempenha aindaum papel considervel na histria espiritual do mundo.

    Todos os povos, em um determinado momento de suaevoluo, criaram lendas, ou seja, relatos fabulosos aosquais durante certo tempo deram crdito ao menos emalgum grau. No mais das vezes, as lendas, por fazeremintervir foras ou seres tidos como superiores aoshumanos, pertencem ao domnio da religio. Elas seapresentam, pois, como um sistema mais ou menoscoerente de explicao do mundo, e cada um dos gestosdo heri cujas proezas so relatadas criador e geradorde consequncias que ressoam pelo universo inteiro. Aesse tipo pertencem os grandes poemas pico-religiososda literatura indiana. Em outros pases um elementopico que predomina. claro que os deuses no estoausentes do relato, no qual sua ao sensvel, mas agnese do mundo no chega a ser posta em questo. Oheri se contenta em dar grandes golpes de espada,inventar ardis memorveis, realizar viagens a pases

  • fantsticos, mas, mesmo ultrapassando a escala humana,continua essencialmente humano. A esse tipo pertencemsobretudo os ciclos lendrios dos celtas, que os romanosgauleses, por exemplo, nos fizeram conhecer. Em outroslugares ainda, os relatos do mito acabaram perdendoquase todo o seu carter fabuloso, passando a sedissimular sob as aparncias da histria. Os romanos,particularmente, parecem ter integrado dessa maneira, emsuas crnicas mais antigas, verdadeiras gestas lendrias: oherosmo de Horcio Cocles defendendo a ponte do Tibrecontra os invasores no , segundo se diz, seno a ltimametamorfose de um demnio caolho cuja esttua,colocada na margem do rio, teria perdido o significadoinicial e finalmente servido para fabricar por completo umepisdio da luta (em parte histrica) entre romanos eetruscos.

    O mito, na Grcia, adquire todas essas naturezas. Colore-sede histria e serve de ttulo de nobreza para as cidades oupara as famlias. Desenvolve-se como epopeia e apoia ouexplica as crenas e os ritos da religio. Nenhuma dasfunes que a lenda ocupa em outros lugares lhe estranha. Mas ele muito mais. A palavra grega que servepara design-lo () aplica-se a todas as histriascontadas, tanto ao tema de uma tragdia ou intriga deuma comdia quanto ao tema de uma fbula de Esopo. Omito ope-se ao logos, como a fantasia ope-se razo ea palavra que relata que demonstra. Logos e mythos soas duas metades da linguagem, duas funes igualmentefundamentais da vida do esprito. O logos, sendo umraciocnio, pretende convencer; ele provoca em quem ouvea necessidade de fazer um julgamento. O logos

  • verdadeiro se for correto e conforme lgica; falso sedissimular algum embuste secreto (um sofisma). Mas omito no tem outro fim seno ele mesmo. Quer seacredite nele ou no, ao bel-prazer, por um ato de f, querseja considerado belo ou verossmil, ou simplesmenteporque se deseja acreditar nele. O mito se v, assim,atraindo sua volta toda a parte irracional do pensamentohumano: ele , pela prpria natureza, aparentado da arte,em todas as suas criaes. Esta talvez a caractersticamais interessante do mito grego: a constatao de que elese integrou a todas as atividades do esprito. No existenenhum domnio do helenismo, tanto na plstica quantona literatura, que no tenha constantemente recorrido aele. Para um grego, o mito no conhece fronteiras. Ele seinsinua em toda parte. to essencial a seu pensamentoquanto o ar ou o sol o so sua prpria vida.

    As primeiras epopeias hoje conhecidas em lngua grega, aIlada e a Odisseia, j so mitos no sentido amplo.Caracterizam-se pela mistura constante do humano e dosuper-humano. Os heris da Ilada tm por ancestrais, oupor pais, uma ou vrias divindades e ao mesmo tempo soconsiderados ancestrais de famlias nobres histricas.Aquiles filho de Ttis, deusa do mar, e seu destino determinado por orculos existentes por toda a eternidade.Helena, piv da guerra de Troia, filha de Zeus, e foi avontade de Afrodite, a deusa do amor, que a levou adeixar o marido e a filha quando o troiano Pris foi busc-la em Esparta. Nos dois campos combatem deuses edeusas: Apolo, protetor de Pris, ofendido por causa deum de seus sacerdotes, cuja filha Crises fora raptada pelos

  • aqueus2, semeia a peste nos seus exrcitos. Posdon,Atena e Ares intervm na luta. E as proezas de Aquiles soo testemunho, sem dvida, no s do valor pessoal doheri, mas tambm da proteo divina que no lhe faltaem nenhum momento.

    D-se o mesmo com a Odisseia. A descendncia divina deUlisses sem dvida menos atestada a tradio que fazdele o bastardo de Autlico, filho de Hermes, no a nicaconhecida , mas a deusa Atena se constitui sua protetorae ela que, finalmente, o salva da ira e do rancor do deusdo mar, Posdon. A epopeia grega pretendeessencialmente engrandecer os debates dos homens e,atravs do mito, ampli-los s dimenses do universo.Seus relatos, tomados letra, manifestam uma freligiosa: Zeus e as divindades do Olimpo intervm nasquestes humanas de modo concreto; preciso honr-loscom sacrifcios, acalmar seus ressentimentos, ganhar suasboas graas por todos os meios. Mas, desde logo, ainterpretao tende a ultrapassar a estreita materialidade.Quando Zeus pesa em uma balana os destinos (asmoiras) de Aquiles e de Ptroclo se enfrentando numcombate singular sob os muros de Troia, bem difciladmitir que os gregos da poca clssica tenham acreditadode fato na gigantesca balana, da qual um de seus pratostocava o cu e o outro mergulhava nas trevas infernais,mesmo que squilo, em uma tragdia perdida, tenhaacreditado ser possvel representar no mundo materialesse juzo de almas. O mito no urgente em seustermos. Ele desenha uma imagem, um smbolo, de umarealidade que, de outro modo, seria inefvel. bastante

  • provvel que aos prprios olhos do poeta o episdio tenhasido to-somente um meio de expresso, uma forma derevelao que ajudava a conceber o mistrio do mundo,mas que no devia ser tomado ao p da letra.

    Da mesma maneira, os santurios erigidos s divindadesmostravam, sobre seus frontes, um episdiocaracterstico da lenda do deus ou da deusa a quempertencia o templo. Sobre o fronto leste do Parthenon,tem-se o nascimento milagroso de Atena; no oeste, adisputa de Posdon e Atena reivindicando, ambos, a possede tica. Essas imagens encarnam, de maneira total, emelhor do que faria qualquer anlise apoiada em palavras,o sentimento que os atenienses tinham de sua cidade e desi mesmos: Atena jorrando da cabea do mestre todo-poderoso, nascida sem me, assim como o povo ticosaiu do sol (autctone, dizia-se ento), mas sadacontudo da Prudncia (Mtis), a quem, no passado, seupai se unira. Demter e Core a Terra e a Vegetao aguardam com serenidade o anncio do nascimentomilagroso. E logo em seguida, sobre a terra banhada depresentes do mar, impregnada do sal e do vento marinhode Posdon, a deusa far brotar a oliveira, a mais lenta, amais sbia, a mais luminosa de todas as rvores. Mesmoque no se acreditasse mais em sua verdade literal, o mitode Atena no deixava de ensejar meditaes infinitas nemde ser uma inspirao cuja fora, passados tantos sculos,ainda no se esgotou.

    Do pensamento, o mito passou a viver uma vida prpria, nomeio do caminho entre a razo e a f ou o jogo. Tornou-se a fonte de toda a meditao dos gregos e, depois deles,de seus longnquos herdeiros; no mito, os poetas trgicos

  • foram buscar seus temas, e os poetas lricos, suasimagens. Prometeu, dipo, Orestes foram primeiramenteheris de lenda. As imagens de Aquiles ou de Ulisses e aloucura de Ajax foram incansavelmente reproduzidas emvasos: cntaros de vinho, tigelas e recipientes de todaespcie misturavam o mito vida cotidiana e tornava-osfamiliares. Em casa ou no teatro, suas representaes socompanhias que impregnam o pensamento, ocupam aimaginao, dominam as concepes morais. At osfilsofos, quando o raciocnio chega ao limite, recorrem aele como um modo de conhecimento suscetvel dealcanar o inconhecvel. Assim, Plato, em Fdon, emFedra, em O banquete e em A repblica, entre outros,prolonga seu pensamento com mitos que ele inventa. Semdvida no exagero afirmar que essa generalizao domito, essa liberao de seus poderes, foi um dos aportesfundamentais talvez o aporte mais essencial doHelenismo ao pensamento humano. Graas a ele, osagrado perdeu seus terrores; uma regio inteira da almase abriu reflexo; graas a ele, a poesia pde se fazersabedoria.

    1. Paganismo: religio pag, em que se adoram muitos deuses. (N.T.)2. Aqueus: naturais ou habitantes de Acaia, colonizadores da Grcia antiga. (N.T.)

  • CAPTULO IMITOS E MITOLOGIA

    O trabalho dos escritores e dos sbios antigos que utilizaram os dados lendrios ou quesimplesmente os recolheram no conseguiria nos ocultar a surpreendente diversidade dessaslendas nem mesmo a incoerncia que lhes prpria. Homero, Hesodo, Pndaro e squilo do, verdade, a impresso de se referir a um sistema mtico bem definido cujos deuses e herisapresentam caractersticas fixas irrevogveis e parecem possuir uma lenda de episdiosconhecidos. Mas uma impresso enganadora; ela resulta sobretudo do fato de esses poetas(Hesodo, na qualidade de autor da Teogonia, posto parte) procederem quase unicamentepor aluso e no exporem de maneira didtica as genealogias divinas ou os relatos aos quaiseles se referem. No entanto, mesmo nessas condies, basta uma anlise mais atenta pararevelar diferenas ou contradies entre os autores, e por vezes em um mesmo autor. Aunidade no introduzida seno de maneira fictcia e secundria. Os mitos no nascem comoum conjunto organizado, maneira de um sistema filosfico, teolgico ou cientfico. Elesbrotam ao acaso, tal qual as plantas, cabendo ao mitlogo organiz-los em famlias, espcies evariedades.

    Sobre um ponto aparentemente to essencial quanto o nascimento de Zeus, o maior dosdeuses, existem as mais diversas tradies. A mais conhecida situa o lugar de nascimento noalto do monte Ida, em Creta; porm, na mesma ilha, o monte Dicte reivindicava a mesma honrae, ao sul do Peloponeso, existia ainda, perto de Micenas, uma fonte chamada Clepsidra, aolado da qual teria nascido a criana divina.

    Todos esses santurios e todas essas diferentes lendas s se tornaram contraditrias no diaem que se tentou identificar o Zeus cretense, demnio do Ida ou do Dicte, e o Zeus miceniano3do monte Itome. A contradio no existe seno no mbito de uma mitologia pan-helnica.Mas evidente que a constituio de tal mitologia no de nenhum modo primitiva, sendo j oresultado de uma reflexo sobre o mito.

    s vezes as dificuldades encontradas so mais delicadas de resolver, pois se devem aofato de a lenda ter se desenvolvido em tempos e estgios sociais ou histricos diferentes. Asgenealogias dos Atrides4 nos falam de senhores de Micenas, de senhores de Tirinto e desenhores de Argos, e muitas vezes difcil distinguir entre esses reinos. Tudo se esclarece sepensarmos que o grande desenvolvimento de Tirinto e Micenas no contemporneo ao deArgos. Uma lenda local de Micenas que faz referncia a um rei do pas torna-seincompreensvel num tempo em que a suserania no est mais em Micenas, mas em Argos. Demodo espontneo, o contador faz a transposio necessria, mas certos elementos tipicamentelocais permanecem e engendram a confuso. ainda o que acontece com toda uma srie delendas tesslias, que tm duplicatas no Peloponeso. Cornis, amada de Apolo e me do deusda medicina Asclpio, tida normalmente como filha do Tesslio Flgias. Mas consta aomesmo tempo que Flgias era na realidade um habitante de Epidaure, no Peloponeso, o queexplica que o culto de Asclpio tenha florescido em Epidaure. Essas variantes refletem, na

  • realidade, um tempo em que o mesmo povo ocupava um domnio que se estendia da Tesslia5at Epidaure ou, caso se prefira, que emigrara da Tesslia para o Peloponeso, sendo que asduas hipteses do igualmente conta dos fatos antes de submergir sob ondas de invasoresque lhe tiraram o sentimento de unidade. Essa unidade ancestral s sobreviveu na comunidadedas lendas e na nomenclatura dos lugares. A semelhana do Flgias epidurio e do Flgiastesslio corresponde semelhana das duas Lrissa, a cidade tesslia e a cidadela de Argos.

    V-se que o mito no uma realidade independente, mas que evolui com as condieshistricas e tnicas, s vezes conservando testemunhos imprevistos de situaes que de outraforma seriam esquecidas. Desse modo, o mito se revela um meio de investigao precioso e,mesmo que no se acredite mais to ingenuamente como h um sculo ou dois que a lenda sejasempre uma deformao da histria, hoje sabemos interrog-la e de alguma maneira faz-laconfessar o que guardou do tempo e do meio de onde surgiu. Os mitlogos modernos so maissensveis do que seus predecessores longnquos aos meios de expresso raros e reveladores.Eles desconfiam de mitos que se tornaram excessivamente perfeitos: sua coerncia trai asalteraes e o trabalho secundrio de que foram objeto.

    O trabalho sobre os mitos comeou muito cedo, e o que captamos nos textos, no mais dasvezes, no seno o resultado de uma longa evoluo. As fontes clssicas da mitologiaincluem-se geralmente nesse caso. J no sculo VI antes de nossa era, o milsio6 Hecateuescreveu quatro livros de Genealogias, dos quais s chegaram at ns alguns fragmentos, mascuja doutrina passou para as obras de seus sucessores. Ela domina as especulaes dosprimeiros historiadores, como Acusilaos de Argos e Pherecyde de Atenas, que coletaramlendas consideradas o primeiro captulo da histria nacional. sem dvida a Pherecyde quese deve a primeira elaborao dos mitos relativos s origens ticas e a constituio de umalista cannica dos reis do pas, na qual se unem intimamente velhos demnios da terra(como Erictnio e seu duplo Erecteu) e personagens provavelmente histricos. Mas ele no selimitou s tradies de seu pas, e ns o vemos preocupado em conciliar entre si as lendas deArgos, que j eram, e com razo, tidas como fundamentais para o conhecimento da IdadeMdia grega. Pherecyde, a esse respeito, foi o precursor de um outro escritor cujaimportncia se revelou considervel, Hellanicos de Mitilene. Ele tambm se debruou sobreas crnicas argianas, e sua Cronologia das sacerdotisas de Hera (a grande deusa de Argos)reuniu tradies sagradas muito preciosas, cuja maior parte infelizmente se perdeu. AHellanicos cabe a honra de ter sido o primeiro a denominar a cidade de Roma, que eleconsiderava uma cidade grega, fundada depois da grande disperso que se seguiu ao retornodos vencedores de Troia. A tendncia fundamental de todos esses trabalhos e coletneas, entreo sculo VI e o final do sculo V antes da nossa era, o desejo de fixar uma cronologia dosacontecimentos, tanto histricos quanto lendrios. A distino entre as duas ordens de fatos(distino em certo sentido inteiramente moderna, alm de frequentemente muito imprecisa,pois a lenda pode ser apenas uma interpretao da histria, no existindo nenhum critrio quepermita estabelecer uma separao absoluta) ainda no foi entrevista. E a classificao dosacontecimentos continua sendo sobretudo temporal. Trata-se de determinar concomitncias emrelao a pontos fixos supostamente conhecidas, como, por exemplo, a tomada de Troia ou afundao dos Jogos Olmpicos. O critrio em geral adotado o fornecido pelas geraes,

  • fazendo-se um esforo para incluir os acontecimentos e os personagens. Naturalmente, surgemdificuldades. As aventuras de Hrcules, em especial, que se desenrolam em um universo quese imaginava vazio a lenda, em sua forma mais antiga, desconhece qualquer encontro deHrcules7 com outro heri importante , levantam problemas de concordncia particularmentedelicados, pois a tradio d nome aos filhos de Hrcules e os mostra envolvidos em grandesempreendimentos coletivos ao mesmo tempo, por exemplo, que os filhos de Teseu. Como possvel que Teseu e o grande heri argiano8 no tenham se encontrado? engenhosidadegrega jamais faltaram recursos, e a explicao que a atividade de Teseu se desenvolveudurante o cativeiro de Hrcules na Ldia, junto de nfale, e que, inversamente, durante toda altima parte da vida de Hrcules, Teseu se encontrava nos Infernos, prisioneiro de Pluto.Assim, h episdios indispensveis dentro das biografias lendrias. Esses episdios noso naturalmente primitivos; eles foram introduzidos para realizar as concordnciascronolgicas necessrias. s vezes precisam geraes inteiras que tm que ser intercaladaspara evitar sobrevidas e longevidades impossveis. A avanadssima idade de Nestor, um doscombatentes aqueus, diante de Troia explica-se unicamente pelo fato de Nestor figurar comocomparsa no ciclo de Hrcules. Criana no tempo em que o heri combatia Neleu e seusfilhos, em Pilos9 de Micenas, deve estar ainda vivo na ocasio da expedio aqueia: por issolhe atribuem uma vida que dura trs geraes de homens, o que, ao mesmo tempo, faz dele umancio encanecido, sbio, escutado no conselho, sugerindo imaginao uma imagem que setornou tradicional. Sob esse aspecto, a cronologia foi criativa, e inesperadamente assiste-seao nascimento de um episdio.

    Com o comeo da Idade Clssica, os grandes arcabouos das lendas se estabilizam, e asincoerncias que subsistem vo permanecer. Considera-se a histria dos tempos lendriosdefinitivamente incorporada, e a preocupao agora conhec-la. A partir do sculo III a.C.,surgem colees cujos resumos por vezes chegaram at ns sob o nome abusivamenteempregado de seu primeiro autor. Por exemplo, Eratostene de Cirena escreveu, na segundametade do sculo III a.C., um livro sobre Transformaes em astros (Catasterismoi), no qualreuniu todos os exemplos conhecidos de histrias nas quais o heri ou a herona eram, no finalde suas vidas terrestres, colocados entre as constelaes. Esse trabalho ser continuadodurante toda a Antiguidade, e assim teremos manuais de aventuras amorosas (o de Partniode Niceia, contemporneo de Virglio, chegou at ns), coletneas de Metamorfoses: o gregoNicandro, que escreveu no sculo II a.C., servir de modelo direto para o longo poema queOvdio publicar com esse ttulo no tempo de Augusto. Mas os mitgrafos sero por vezesmais ambiciosos, e alguns se esforaro para abraar a totalidade das tradies lendrias. Amais importante tentativa dessa natureza a obra conhecida sob o nome de Biblioteca, deApolodoro. Apolodoro foi um gramtico e fillogo ateniense do sculo II antes de nossa eraque consagrou a vida a exegeses dos antigos poetas. A Biblioteca que possumos com o seunome no obra dele, mas, provavelmente, um resumo que remonta ao sculo I de nossa era.Nela se encontra uma mitologia organizada, partindo da criao das coisas e dos deuses edepois descendo, por gerao, at os ltimos perodos da lenda, ou seja, aos tempos que seseguiram tomada de Troia. A mitologia no mais do que um cadver embalsamado, puramatria de erudio cortada de suas fontes vivas.

  • Contudo, ao lado das grandes coletneas cannicas, cujo objetivo, em essncia, introduziruma unidade ilusria e mortal, ns encontramos outras fontes, trabalhos concebidos dentro deum esprito absolutamente oposto e muito mais conforme com as preocupaes modernas. Omais precioso para ns a Descrio da Grcia, de Pausanias, que conservou a lembrana deum nmero considervel de lendas locais, excludas das grandes snteses, mas que constituemvariantes raras e mantidas vivas no folclore. Infelizmente, a obra de Pausanias da forma comochegou at ns no cobre a totalidade dos pases gregos e, em relao a certas regies, nossaignorncia subsiste. Conseguimos super-la na medida do possvel graas a indicaesesparsas reunidas pelos comentadores de poetas e contidas nas scholies, que so as notasfilolgicas acrescentadas por editores antigos s obras clssicas. Esse trabalho de erudiopaciente foi exercido sobretudo a propsito dos poemas homricos e continuou depois do fimdo paganismo. Os sbios bizantinos Johannes e Isaac Tzetes nos legaram uma mina de fatosque remontam s vezes alta Antiguidade.

    Tal , em seu conjunto, a mitologia grega: matria de origens muito diversas, fragmentosfrequentemente mal articulados de snteses fictcias que o lento trabalho dos sbios, dosescritores e dos poetas acrescentou e subtraiu ao sabor de seus caprichos, mas nos quais svezes ainda se distinguem os dados primitivos da imaginao e da devoo popular. O eruditoe o espontneo, o vivo e o artificial esto intimamente misturados. Que se honre a cinciamoderna por ter empreendido uma anlise que mesmo longe de concluda j permite que secompreenda melhor o verdadeiro significado e o alcance de um modo de pensamentoessencial ao esprito humano.

    Se agora considerarmos a mitologia clssica no mais na sua formao e sua evoluo,mas como um conjunto fixado sob uma forma cannica, vamos constatar que nem todos osmitos que ela prope tm o mesmo alcance ou a mesma forma. Uns so relatos a respeito daformao do mundo e do nascimento dos deuses. a eles, e somente a eles, que conviriareservar o termo mito no seu sentido mais estrito. Ns os designaremos aqui sob o nome demitos teognicos ou cosmognicos, dependendo do caso. Esses relatos foram reunidossobretudo por Hesodo, mas eles so bem anteriores e representam aportes tanto puramentegregos quanto provenientes de religies orientais, at mesmo pr-helnicas. Seria errneo,contudo, consider-los como dados primitivos. So, em sua maioria, concepes muitoevoludas que se formaram dentro dos meios sacerdotais e pouco a pouco foram enriquecidascom elementos filosficos sob a forma de smbolos mal dissimulados. Esses mitos nodeixaram de viver mesmo em plena poca clssica e alm dela. Continuaram servindo desuporte s crenas religiosas e, como ser visto, as religies de salvao os integraro aosseus mistrios.

    Ao lado dos mitos propriamente ditos, h os ciclos divinos e heroicos. Esses ciclosconstituem sries de episdios ou histrias cuja nica unidade fornecida pela identidade dopersonagem que corresponde ao heri. Diferentemente dos mitos, esses relatos no possuemnenhum significado csmico. Quando Hrcules sustenta o cu sobre os ombros, est provandocom isso apenas sua fora fsica. Tanto o cu quanto o universo no esto marcados parasempre. Pouco importa que o heri desses relatos seja um deus (Hermes, Afrodite, o prprioZeus) ou um mortal semidivinizado. Assim, nem toda lenda relativa a uma divindade provida

  • de um alcance teolgico. Hermes rouba bois e puxa-os pela cauda para evitar que as pegadasrevelem o esconderijo onde os coloca. Trata-se de um tema folclrico bem conhecido que noapresenta nenhum significado religioso particular.

    O carter essencial do ciclo seu fracionamento. O ciclo definitivamente no nasceformado; ele o resultado de uma longa evoluo, ao longo da qual episdios independentesem sua origem se justapem desordenadamente e se integram em um todo. o caso, porexemplo, das aventuras de Hrcules, que durante muito tempo no tiveram nenhuma ligaorecproca. Cada um dos grandes trabalhos est ligado a um local ou a um santurio; sequer certo que o heri tenha sido, originalmente, o prprio Hrcules. provvel que este tenhaconfiscado em seu proveito episdios preexistentes. O leo morto por Alctoo, a servio dorei Megara, lembra estranhamente o de Citeron, do qual Hrcules livrou o rei Tspio. Oprocedimento evidente para as extenses ocidentais mais recentes do ciclo herculano: osviajantes gregos, depois romanos, reconheceram Hrcules nos pases italianos, gauleses e atno limiar da Germnia. Assim, o jogo das assimilaes com divindades indgenas terminouintegrando ao ciclo elementos que, na origem, eram-lhe estranhos. E o prprio grego Hrculestem, desse modo, caractersticas que pertencem aos semitas (ou semitizados) Gilgamesh10 eMelquart11 e a outros ainda cuja lembrana hoje se perdeu.

    O terceiro tipo de relato lendrio s vezes designado pelo nome de novela. Como oprecedente, situa-se em locais determinados; assim como ele, no tem valor csmico ousimblico, mas, enquanto o ciclo concentrado em torno de uma s figura, a unidade danovela puramente literria e se define pela intriga. Assim, a guerra de Troia no nem umciclo de Helena nem um ciclo de Aquiles, tampouco um ciclo dos Primidas. Ela a histriade uma longa aventura, com episdios complexos e personagens diversos. O poema homricoconhecido pelo nome de Ilada no desenvolve dela seno uma pequena parte, a que centrada em torno da ira de Aquiles; o resto s mencionado por aluso: os dez anos decerco, a pilhagem das cidades asiticas, a expedio que falhou na primeira vez, odesembarque infeliz na Msia12, a nova expedio, os ventos que se recusaram a soprar e anecessidade de conciliao pelo sacrifcio de uma virgem, e, depois da morte de Heitor, deAquiles, de Pris, a tomada da cidade a luta dos pressgios e dos adivinhos. Tudo issoultrapassa infinitamente o mbito da obra literria. No sequer certo que cada um dessesepisdios tenha sido objeto de rapsdias distintas. A guerra de Troia um tema livre, aoqual se acrescentam todos os prolongamentos, todos os prosseguimentos que a plena fantasiadeseja. Est-se no meio do caminho entre a lenda e a criao literria. Contudo, subsiste umadiferena essencial entre a novela lendria e a fico de um romancista ou de um poeta: houveum momento em que a aventura de Helena foi tida como verdadeira. Os heris de romancenunca receberam um culto. Mas Helena, ns sabemos, uma divindade cada, divindadelunar ligada, provavelmente, religio das populaes pr-helnicas do Peloponeso.Existiram um tmulo de Helena, um tmulo de Menelau, um tmulo de Aquiles, onde,um dia, Alexandre teria oferecido sacrifcios. Aos olhos dos gregos, tudo isso histriaverdadeira, mesmo que a imaginao dos poetas tenha acrescentado ornamentos literrios. Osheris das novelas lendrias podem se prestar a todas as fantasias; entretanto, eles jamais seidentificam com elas, por mais genial, por maior que seja a obra que as utilize.

  • Enfim, mesmo indo ainda mais longe na anlise, o que encontramos no so mais conjuntoslendrios, mas simples relatos elementares, histrias etiolgicas13, ou seja, destinadas aexplicar algum detalhe surpreendente do real: uma anomalia em um ritual religioso, umcostume, a forma singular de um rochedo, a consonncia de um nome prprio. Assim, noexemplo de Chipre, havia uma esttua de mulher curvada para a frente testemunha de um ritoesquecido, representao de alguma magia voltada fecundidade. Dizia-se, para explicar aatitude inslita da esttua, que era o corpo metamorfoseado em pedra de uma moa curiosasurpreendida pelos deuses no ato de olhar pela janela; e sobre esse tema desenvolveu-se umahistria de amor. Tal a lenda de Anaxrete, cuja crueldade causara a morte do homem que aamava e que no experimentou outro sentimento seno o desejo de ver passar pela janela ocortejo fnebre de sua vtima. Corao de pedra, Anaxrete se tornou esttua e seu corpo foiposto, assim imortalizado, dentro do templo de Afrodite.

    Muitos relatos anlogos dizem respeito a nomes de lugares e baseiam-se em jogosetimolgicos. imaginao popular nunca faltou inventividade para explic-los. As variaesnos nomes dos rios fenmeno bem conhecido dos gegrafos, cada curso dgua apresentandodiversas denominaes, segundo as populaes instaladas sobre as margens fornecem, emespecial, matria inesgotvel. E d-se o mesmo com o desenho das constelaes ou com ocurso de um planeta, onde se discernem atraes ou dios que tm origem em uma aventuraacontecida no passado com seres transformados desde ento em estrelas.

    A matria mtica pode, pois, ser classificada em um certo nmero de categorias, o quetorna a anlise muito mais confortvel. Contudo, no nos deixemos enganar com semelhantesclassificaes de fronteiras incertas. O mito cosmognico pode se degradar em ciclo ou emnovela; a lenda etiolgica integra-se em um ou outro caso com extrema facilidade. Uma mesmalenda pode, segundo a fantasia ou as exigncias espirituais de cada um, adquirir o carter deum romance ou de uma revelao mstica. Essa plasticidade do mito inerente sua natureza:ela no uma caracterstica adquirida tardiamente, mas uma propriedade fundamental do, ativa desde o perodo mais distante da histria das lendas.

    Como para todos os seres vivos, as dissecaes anatmicas nos lembram que a realidadederradeira da mitologia reside no em seus membros esparsos, mas em um organismo depulsaes e metamorfoses incessantes.

    3. Micenianos: da antiga cidade grega de Micenas e regies sob sua influncia. (N.T.)4. Atrides: descendentes de Atreu, filho de Hipodmia e rei de Micenas. (N.T.)5. Tesslia: regio da Grcia, na borda do mar Egeu. (N.T.)6. Milsio: de Mileto, no litoral asitico do mar Egeu. (N.T.)7. Hrcules o nome latino dado pelos antigos romanos ao heri grego Hracles. (N.E.)8. Argiano: de Argos (filho de Zeus e Nobe, obteve em partilha a realeza sobre o Peloponeso, que ele chamou de Argos).(N.T.)9. Pilos: antiga cidade-estado, situada no Peloponeso. (N.T.)10. Gilgamesh: rei sumrio da cidade-estado de Uruk que teria vivido no sculo XXVIII a.C. (N.T.)11. Melquart: deus fencio, durante a dominao grega seu templo principal passou a ser devotado a Hrcules. (N.T.)12. Msia: antigo pas da sia Menor, atual Turquia, onde os gregos fundaram suas colnias. (N.T.)

  • 13. Etiologia: estudo das causa e das origens. (N.T.)

  • CAPTULO IIOS GRANDES MITOS TEOGNICOS

    Todos os povos, em um momento de sua histria, sentiram necessidade de explicar omundo. Os gregos, em busca como tantos outros de um princpio motor no cerne do Ser,acreditaram descobri-lo no Amor. No comeo, havia a Noite (Nyx) e, ao lado dela, o rebo,que seu irmo. So os dois rostos das Trevas do Mundo: Noite do alto e escurido dosInfernos. Essas duas entidades coexistem no seio do Caos, que o Vazio no o vazioinexistente e negativo dos fsicos e dos sbios, mas um vazio que inteiramente potncia ematriz do mundo, vazio por inorganizao, e no por privao, vazio porque indescritvel,e no porque no nada. Pouco a pouco, Nyx e rebo se separam no Vazio. rebo desce elibera a Noite, que d a si mesma uma forma cncava, tornando-se uma esfera imensa cujasduas metades se separam maneira de um ovo que se abre: o nascimento de Eros (o Amor),enquanto uma metade da concha se torna a abbada do Cu e a outra, o disco, mais achatado,da Terra. O Cu e a Terra (Urano e Geia) possuem uma realidade material. O Amor umafora de natureza espiritual, e ele que assegura a coeso do universo nascente. Urano seinclina na direo de Geia, e a unio dos dois d incio s geraes divinas.

    Existem outras verses dessa lenda. s vezes se dizia que a Terra tinha sado diretamentedo Vazio e que ela engendrara a si mesma, ajudada somente por Eros, o segundo a nascer noMundo, a abbada do Cu. Por outro lado, o Caos engendrara a Noite, que, por sua vez,ensejara o nascimento do ter, que a luz brilhante, o fogo mais puro, e do Dia, que iluminaos Mortais. Mas, seja qual for a variante, sempre Eros o animador e o elemento motor doUniverso em seu princpio.

    A unio de Urano e Geia se revela fecunda. Dela saem, em primeiro lugar, seis casaisformados por Tits e por Titnidas. Os seis Tits foram Oceano, Ceos, Crio, Hiperio, Jpetoe Crono, e as seis Titnidas, Teia, Reia, Tmis, Mnemosina, Febe e Ttis. So seres divinos,mas ao mesmo tempo foras elementares, sendo que alguns conservaram at o final seu carterquase exclusivamente naturalista. Oceano o mais clebre de todos. Ele a personificao dagua que cerca o Mundo, sobre a qual flutua o disco terrestre. No uma entidadegeogrfica, uma fora csmica; foi concebido em um tempo em que se pensava que a terrahabitada era uma ilha imensa, pousada no centro de um rio que a circundava. Uma guaprimordial em que se tinha a impresso de estar no Ocidente, no pas vermelho das Filhas daNoite, situado alm do que depois ser chamado de Colunas de Hrcules; tambm estava nopas dos etopes, no mar Eritreu, que tanto podia ser nosso Mar Vermelho como o golfoPrsico. Tambm estava nos lados do Norte, nos confins do Erdano, sinuosa linha dgua que,no norte dos pases conhecidos da Europa, ia do Oriente ao Ocidente, e onde as geraesposteriores quiseram reconhecer o curso do Danbio, do P, do Reno e talvez do Rdano.Mas, antes dessas determinaes geogrficas incertas, o Oceano existia. gua primordial, ele o pai dos rios, que so alimentados por ele graas a canais subterrneos ou derivados delede maneira misteriosa, como o Nilo, cujo segredo est escondido no fundo das areias daEtipia. Primeiro a nascer dos Tits, Oceano casado com Ttis, a mais jovem das

  • Titnidas, que personifica o poder feminino do Mar. Que ningum se surpreenda ao ver umduplo smbolo do Mar: toda fecundidade dupla. S uma potncia fmea pode amadurecer epretender ser a semente do macho. Ttis mora longe, na direo oeste; s vezes ela sedesentende com Oceano, mas chega o tempo da reconciliao e a ordem do mundo salva, adespeito dos caprichos inerentes natureza das mulheres.

    Ao lado da gua primordial, eis o Fogo astral: Hiperio (cujo nome significa: Aquele quevai acima) une-se a Teia, a Divina, e lhe d trs filhos, Hlio, o Sol, e duas filhas, Selene, aLua, e os, que a Aurora. Em seguida Hiperio e Teia desaparecem da lenda depois de, dealguma maneira, estabelecerem a ligao entre as geraes divinas. J Crio vai buscar mulherfora das Titnidas, e o encontraremos na posteridade de Ponto. Seu irmo Ceos une-se a Febe,a Brilhante, e ser o pai de Leto, que desempenhou um papel muito importante na gerao dosOlmpicos. Jpeto, rompendo com a tradio que designava uma Titnida para casamento,casou-se com Clmene, uma das filhas de Oceano e Ttis, e seus quatro filhos, Atlas, Mencio,Prometeu e Epimeteu, sero os intermedirios entre os deuses e os homens. a Jpeto queremonta indiretamente a criao dos Mortais.

    Dentre as Titnidas, duas sobretudo, Tmis e Mnemosina, merecem ateno. A primeira opoder por excelncia da Ordem do Mundo: Tmis a Lei, o equilbrio eterno. Sua irmMnemosina o poder do Esprito, a Memria que garante a vitria do esprito sobre a matriainstantnea e a base de toda a inteligncia. Elas no se uniram aos Tits, mas foram dealguma maneira reservadas para Zeus e a gerao dos Olmpicos. Isso porque os Tits soforas brutais, elementares, nas quais o espiritual ainda no foi incorporado, a no ser emestado rudimentar. singular e significativo que as duas potncias nas quais se prefigura oesprito sejam de natureza feminina talvez porque o esprito recuse a violncia e adiequalquer ao imediata; talvez por ele ser de lenta maturao; talvez simplesmente porque seobserve nessas crenas o reflexo de um estado social bem conhecido em outros lugares noqual as mulheres so depositrias dos segredos e da cincia comuns tribo.

    De todos os Tits, o mais importante para o desenrolar do mundo foi Crono, o mais jovem,aquele que engendrou os Olmpicos.

    A unio de Urano e Geia no limitou seus frutos aos Tits e s Titnidas. Depois delesvieram os Ciclopes: Argeu, Estrope e Bronteu, que representam evidentemente (comoprovam seus nomes) o claro do relmpago, a nvoa da tempestade e o estampido do trovo.Depois nasceram os Monstros dos Cem Braos (os Hecatnqueros), gigantescos e violentos,que se chamavam Coto, Briareu e Gies. Urano odiava todos esses filhos, no lhes permitindover a luz e obrigando-os a permanecer enterrados nas profundezas da Terra. Geia quis libert-los e tentou conspirar com eles contra Urano. Nenhum concordou, exceto o mais jovem dosTits, Crono, que odiava o pai. Ento Geia lhe confiou uma foice de ao muito afiada e, numanoite, quando Urano se aproximou de Geia e a envolveu completamente em um abrao, Crono,com um golpe da foice, cortou os testculos do pai e atirou-os ao longe. O sangue da feridacaiu sobre a Terra e, mais uma vez, fecundou-a. Foi assim que nasceram novos monstros, asErnias, os Gigantes e as Melades, que so as Ninfas dos freixos.

    Crono, portanto, ficou sozinho a reinar sobre um universo cujos primeiros delineamentos setornavam visveis. Mas ele era violento e carregava a maldio de seu crime. Longe delibertar seus irmos monstruosos, apressou-se, depois de tir-los do seio da me, a mergulh-

  • los de novo nas trevas infernais, no fundo do Trtaro. O que indisps Geia contra ele. E comoela vaticinara que um dia ele seria destronado por um de seus filhos, ele tratava de devorarcada filho que lhe dava a titnida Reia, que ele fizera sua mulher. Foi assim que ele engendroue, sucessivamente, fez desaparecer trs filhas: Hstia, Demter e Hera, e dois filhos, Hades ePosdon. Mas quando o mais jovem dos filhos, o pequeno Zeus, estava prestes a nascer, Reiaquis lhe evitar a sorte dos irmos e fugiu. Com a cumplicidade de Geia, foi buscar asilo emCreta, onde foi libertada. Ento Reia pegou uma pedra, embrulhou-a em panos, dando-lhe oaspecto de uma criana recm-nascida, e a ofereceu a Crono. Enganado pela aparncia, eledevorou a coisa que pensou se tratar do filho, e assim Zeus foi salvo. O orculo de Geia iriamais tarde se consumar.

    Reia protegeu a infncia do pequeno deus mantendo-o escondido dentro de uma caverna deCreta, onde o confiou s Ninfas e aos Curetes. Os Curetes eram demnios turbulentos quetinham inventado o uso de armas de bronze e que passavam o tempo danando e entrechocandolanas e escudos. Reia achava que a barulheira que eles produziam seria capaz de abafar osvagidos do beb, impedindo Crono de descobrir o embuste de que tinha sido vtima. A crianadivina bebeu o leite da cabra Amalteia e comeu o mel que as abelhas de Ida destilaramespecialmente para ele. Quando a cabra nutridora morreu, Zeus guardou sua pele e com elafabricou para si uma couraa, a gide (ou a pele de cabra), que ele agita no cu detempestade.

    Uma vez adulto, Zeus sonha em destronar seu pai. Consegue, com um estratagema, fazerCrono engolir uma droga que o obriga a devolver os filhos que devorou. Zeus, depois dereencontrar os irmos, declara guerra a Crono. Os Tits tomam o partido do irmo. A guerradura dez anos, at o dia em que Geia revela a Zeus que ele obter a vitria se chamar para oseu lado os monstros que Crono encerrou no Trtaro. assim que, com a ajuda dos Ciclopes,dos Hecatnqueros e dos Gigantes, os filhos de Crono conseguem destronar o pai. Crono e osTits, acorrentados, foram substituir no Trtaro os outros filhos de Urano. Assim se deu aTitanomaquia, ou Guerra dos Tits, que expulsou do poder a gerao primordial e l instalouos primeiros Olmpicos.

    V-se que o essencial das lendas teognicas consiste em uma srie de substituies, umagerao sucedendo pela violncia a que a precedeu no poder sobre o mundo. E constata-seque, por duas vezes, o mais jovem dos deuses, o que nasce por ltimo em cada gerao, queconquista a preeminncia: Crono, o caula dos Tits; Zeus, o caula dos Cronidas. Em geralse admite ver a o trao de um estado social no qual a sucesso pertence ao mais jovem dosfilhos; mas nenhuma cidade helnica fornece exemplo atestado no plano da histria, e muitoprovvel que o esquema sucessrio sobre o qual foram construdos esses mitos provenha deum pas no-helnico. O carter claramente astral do mito de Urano e a mutilao fecundanteinfligida por Crono ao pai sugerem, ao menos nesses episdios, origens asiticas; mitosanlogos, conhecidos atravs dos textos hititas14 de Hattusa, na Anatlia Central, soencontrados da Cilcia at a Sria, e se sabe que elos estreitos sempre uniram essas regies dabacia do Egeu. Parece, pois, que os mitos propriamente gregos no comeam seno com oadvento de Zeus, mas consequncia talvez mais importante conclui-se tambm que essadupla sucesso de geraes divinas no representa necessariamente, como s vezes se

  • acredita, a lembrana da substituio de crenas preexistentes por uma religio vencedora.Talvez possa ser verdade no caso de Zeus vitorioso sobre Crono; mas no poderia s-lo nocaso de Crono assassino de Urano. A mutilao de Urano um ritual de fecundidade,atravs do qual Crono libera as fontes da vida csmica, e foi em torno desse rito, real ousimbolizado pela imagem, que se desenvolveu o mito. diferente no caso da ascenso aopoder dos Olmpicos.

    As divindades substitudas por Zeus e seus irmos parecem, em uma certa medida,representar um sistema religioso anterior descida na Grcia dos conquistadores arianos.Essas divindades no foram suprimidas; elas continuaram a viver nas lendas e mesmo, aomenos em alguns lugares, a receber um culto. Mas tornam-se potncias secundrias, decadas,cujo carter monstruoso repugna o pensamento grego. Muitos sugerem associaes com o mar. bem provvel que os Hecatnqueros, por exemplo, os Gigantes de Cem Braos, sejamapenas a transposio mtica dos polvos que aparecem to frequentemente na mais antigacermica do Egeu. Mas no s isso. J chamamos a ateno para a importncia de Oceanoentre os filhos de Urano e Geia. Uma srie de lendas paralelas, mais ou menos bemarticuladas com a genealogia cannica, nos faz conhecer um outro filho da Terra, nascidosem interveno de nenhuma potncia masculina, chamado de Ponto, o Fluxo marinho. Geia seune a ele e lhe d grande posteridade, que inclui justamente um grande nmero de demniossecundrios nos quais parece legtimo reconhecer divindades anteriores chegada dosprimeiros helenos. So todas prximas das foras e dos fenmenos da Natureza, o que emgeral no o caso em relao aos Olmpicos. Todas, ou quase todas, so seres monstruosos,de forma dupla, que aparecem como personagens nos mitos mais recentes.

    O primognito de Ponto e Geia foi o Velho do Mar, Nereu. Unido a Doris, uma das filhasde Oceano, engendrou as Nereidas, filhas das ondas. Nereu velho; sbio e conhece todosos segredos e todas as profecias. Mas lhe repugna falar delas e, para escapar dos indiscretos,usa voluntariamente o poder que tem de se metamorfosear. A figura de Nereu lembra a deProteu, que a Odisseia j nos apresentou, que um demnio do mar situado nas guasegpcias. Na poca grega clssica, Proteu apenas um servidor de Posdon encarregado decuidar dos rebanhos de focas pertencentes ao grande deus.

    O segundo filho de Ponto Taumas, que se casou com Electra, uma outra filha de Oceano, elhe deu filhas: Iris, a mensageira dos deuses, personificao do arco-ris, e as Harpias,chamadas Elo e Octoe (a Borrasca e a Voa-ligeiro), s quais se acrescenta s vezes umaterceira, Celeno (a Escurido). So os gnios da Tempestade, impetuosos como a chuvarpida que se abate sobre o mar e arranca tudo na sua passagem. As Harpias soessencialmente Furtadoras. Mulheres aladas, possuem garras afiadas, e sua morada situa-se nocorao do Mar Jnico, nas ilhas Estrfades.

    O terceiro filho de Ponto Frcis, que mora na regio de Cefalnia, na costa ocidental daGrcia. A ele remontam as Greias, que so as Velhas do Mar, chamadas Enio, Pefredo e Dino.Elas viviam no Extremo-Ocidente, no pas onde o sol nunca brilhava. Eram irms das trsGrgonas, Esteno, Eurale e Medusa, sendo que apenas a ltima era mortal. As Grgonastinham um aspecto pavoroso. Suas cabeas eram envolvidas por serpentes, armadas degrossas presas, parecidas com as de javalis; suas mos eram de bronze; asas de ouro lhespermitiam voar. Seus olhos faiscavam, e deles saa um olhar to penetrante que quem o visse

  • se transformava em pedra. Objeto de horror, elas tinham sido relegadas aos limites do mundo,no meio da noite, e ningum era suficientemente ousado para abord-las. Sozinho, Posdon seunira a Medusa e a engravidara. Os filhos dessa unio foram Pgaso, o Cavalo Alado, eCrisaor, o Ser da Espada de Ouro que, por sua vez, foi pai de Gerio, o gigante de trs corposque matar Hrcules, e da Vpera, Equidna. Equidna mais tarde iria se unir ao mais horrveldos monstros, Tfon, que durante um tempo ameaou suplantar o prprio Zeus; ela lhe deufilhos: o Co monstruoso Ortro, o Co dos Infernos, Crbero, a Hidra de Lerna e a Quimera,que foi inimiga de Belerofonte. De Ortro e de Equidna nasceram a Esfinge de Tebas e o Leode Nemeia. E assim a imaginao grega dava uma descendncia aos seres de pesadelo sobreos quais Hrcules iria triunfar.

    O ltimo filho de Ponto foi uma mulher, Eurbia. Ela se casou com o Tit Crio e suaposteridade foi astral. Seu filho mais velho, Astreu, se casou com a Aurora (os), que lhe deucomo filhos os Ventos, a Estrela da Manh (Esforos) e finalmente todos os Astros. Seusegundo filho foi o gigante Palas, marido da Esfinge. Ele s engendrou potncias simblicas:Cime, Vitria, Potncia e Violncia. Mas o terceiro filho de Crio e Eurbia, unido a Astria,filha de Cos e Febe, tornou-se pai da deusa infernal, Hcate, que tinha trs formas.

    A gerao pr-olmpica ou seja, todas as divindades que no se conectam diretamente aCrono, mas so oriundas dos Tits e das outras unies de Geia compreende, portanto, todosos monstros que a lenda conhece e que vo desempenhar um papel nos ciclos divinos eheroicos, bem como nas novelas. Mas compreende sobretudo divindades puramentenaturalistas: o Sol, a Lua, a Aurora, os Astros, os Ventos e os gnios de fenmenos naturais,como a Tempestade e a Borrasca. , com efeito, a essa gerao primordial que pertencem osCiclopes, filhos de Urano, que preciso distinguir cuidadosamente dos Ciclopes construtores,que so uma populao mtica vinda da Lcia para se pr a servio dos reis de Argos e a quemse atribuam as construes aparentemente sobre-humanas, feitas de blocos enormes, aindavisveis em Micenas e Tirinto. Os Ciclopes uranianos, por sua vez, so apenas trs:Bronteu, Estrope e Argeu, e mencionamos sua relao evidente com a Borrasca. Como Zeusera tambm um deus do cu, colocou-os mais tarde a seu servio, e eles sero encarregados deforjar os relmpagos. Uma tradio chega a propor que foram eles que deram ao recm-chegado as armas que no possua at ento. Aos poucos, os Ciclopes sero consideradosfabricantes de armas divinas: o arco de Apolo, a couraa de Atena etc., que eles confeccionamsob a direo de Hefesto, o deus-ferreiro da gerao nova. Mas provvel que se trate deimaginaes tardias, no datando seno da poca alexandrina. Por enquanto, sua atividade sedesenvolve sob os vulces sicilianos; o fogo de suas forjas que ilumina, noite, o cume doStromboli ou do Etna, e o rugido de seus foles e o martelar de suas bigornas retumbam portoda a regio. No entanto, lendas mais antigas explicam de outra maneira os fenmenosvulcnicos. Elas atribuem as manifestaes aos Gigantes mergulhados sob a terra, depois desua revolta contra Zeus e no final da Gigantomaquia15.

    A vitria de Zeus no deixa Geia satisfeita, assim como no ficara satisfeita depois davitria de Crono. Ela estava descontente com o tratamento infligido pelo vencedor aos Tits,que eram seus filhos, e queria libert-los de sua priso. Para isso recorreu aos Gigantes, quetinham nascido dela prpria e do sangue de Urano. Os Gigantes, por sua vez, no eram

  • imortais e s podiam ser mortos pelos golpes de um deus junto com os de um mortal. Eleseram seres enormes, tinham uma fora invencvel e grande audcia. Possuam cabeleira ebarba hirsutas, e suas pernas eram serpentes. Indica-se como seu local de nascimento a quaseilha trcia de Palene. Mal saram da terra, comearam a sacudir rvores incendiadas e aapedrejar o cu a golpes de rochedo. Foi ento que intervieram os Olmpicos. Zeus se armoucom o raio, Atena apanhou a gide e a lana, Dionsio brandiu o tirso, um longo bastoadornado com uma pinha e enfeitado com hera e guirlandas. Em suma, cada divindadeinterveio com sua arma favorita. E como era necessrio que um mortal ajudasse os deuses naluta, recorreu-se a Hrcules. A interveno de Hrcules foi singular. Ela totalmente contrria cronologia, uma vez que o nascimento de Hrcules bem posterior criao dos homens eao dilvio de Deucalio, que marcou o final da primeira gerao mortal. Ela trai sem dvida ocarter artificial e recente da Gigantomaquia, a menos que se queira considerar que esseHrcules seja ainda apenas o prottipo do heri de que a lenda posterior ir se apoderar. Sejacomo for, estava comeando a luta entre os deuses e os Gigantes. Hrcules intervm sobretudocom suas flechas, que atingem os Gigantes no momento em que um deus os abate. Os Gigantesse dispersam e o mundo inteiro fica coalhado de escombros e projteis. Foi assim queEnclado foi esmagado pela Siclia, sob a qual encerrou-o a deusa Atena. A ilha de Nisiros,lanada por Posdon, esmagou Polibotes. O folclore no teve nenhuma dificuldade em atribuira esse episdio da lenda uma quantidade de detalhes topogrficos; um pouco como no MonteSaint-Michel e noutros lugares se evoca Gargantua a propsito da forma de uma montanha ouuma ilhota.

    Zeus, antes de conquistar o poder sem contestao, ainda tinha que passar por uma prova, aluta contra Tfon (ou Tifeu). Segundo as verses, Tfon era um filho de Hera, engendrado peladeusa sem a participao de nenhum ser masculino, ou ento era um outro filho da Terra, queela tivera com Trtaro. Tfon era maior do que os Gigantes e sua cabea batia frequentementenas estrelas. Em vez de dedos, ele possua nas mos cem cabeas de drago. Da cintura at osps, seu corpo era envolto em vboras. Era alado e seus olhos lanavam chamas. Quando osdeuses viram aquele monstro atacar o Cu, fugiram para o Egito e se esconderam no deserto,onde adquiriram formas animais. Apolo se tornou um milhafre, Hermes, um bis, Ares, umpeixe, Dionsio, um bode, Hefesto, um boi etc. Explica-se, assim, o culto rendido pelosegpcios a divindades simbolizadas por animais. Contudo, Zeus e Atena continuavam sozinhosdiante de Tfon. Zeus e Tfon empreenderam um combate corpo a corpo nos confins do Egito eda Arbia Ptrea; Tfon venceu e se apoderou da harp (a foice) da qual o deus estavaarmado. Ele cortou os tendes dos braos e das pernas de Zeus, carregou seu corpo agorainerte sobre os ombros e o encerrou em uma caverna da Cilcia; alm disso, escondeu osnervos de Zeus dentro de uma pele de urso e a confiou a um drago. Mas Hermes e o deusP conseguiram descobrir os tendes e coloc-los no lugar, sem que Tfon soubesse. E assimZeus recuperou o vigor e o combate foi retomado. Ele durou muito tempo, e seus episdios sedesenrolaram no mundo inteiro at o momento em que Zeus esmagou o adversrio sob o Etna,na Siclia, e o reduziu impotncia.

    Tfon foi o ltimo adversrio de Zeus. Os feitos dos dois Alades, dois gigantes filhos dePosdon que empilharam montanha sobre montanha para escalar o Olimpo e desafiaram comseu amor Artemis e Hera, no constituram um perigo real para o equilbrio do mundo. Bastou

  • a Zeus lanar alguns raios para precipit-los nos Infernos. De agora em diante, a autoridade doSenhor dos Deuses permanecer incontestada. A idade dos monstros foi concluda. Os que omundo conhecer depois sero os descendentes um tanto degenerados dos seres primordiais,filhos da Terra. S sero temveis para os humanos, e a Hrcules que Zeus confiar a tarefade abat-los.

    Restava, no universo, explicar a presena dos Homens. Sua criao no atribuda linhagem de Crono, mas descendncia de um outro Tit, Jpeto, e de sua mulher, a OcenidaClmene. Jpeto teve quatro filhos, Atlas, Mencio, Prometeu e Epimeteu. Os dois primeirosso gigantes brutais e sem moderao. Atlas engendrou demnios astrais e a ele remontamas duas constelaes das Hades e das Pliades16. Depois da Gigantomaquia da qualparticipou contra os deuses, foi-lhe imposto um castigo severo: recebeu a misso de sustentarsobre os ombros a abbada do Cu, no local onde ela se inclina na direo do Oceano, nosconfins ocidentais do mundo. Perseu, retornando depois de matar a Grgona Medusa,transformou-o em pedra ao lhe mostrar o rosto do monstro. Atlas tornou-se a montanha quelimita a terra habitada ao sul das Colunas de Hrcules e marca o comeo do grande Oceano.

    Dos quatro filhos de Jpeto, diz-se s vezes que foi Prometeu quem criou os Mortais,dando-lhes forma com terra argilosa. Na verdade, essa tradio no universalmenteadmitida. Na Teogonia de Hesodo, Prometeu ainda considerado apenas o benfeitor doshomens que, por eles, disps-se a enganar Zeus diversas vezes. A primeira vez foi durante umsacrifcio solene. Ele dividiu um boi em duas partes: de um lado, sob a pele, a carne e asentranhas cobertas pelo ventre do animal; do outro, os ossos, dissimulados sob uma belacamada de gordura branca, depois da pele toda retirada. Em seguida pediu que Zeusescolhesse sua parte; o resto caberia aos homens. Zeus escolheu a gordura branca, mas quandopercebeu que ela escondia apenas ossos, foi tomado por um grande furor contra Prometeu etambm contra os Mortais. Para puni-los, recusou-se a lhes enviar o fogo. Ento Prometeusubiu ao cu e roubou sementes de fogo da roda do sol, para depois traz-las para a terradisfaradas dentro de um caule oco. Desta vez a vingana de Zeus foi exemplar. Prometeu foiacorrentado sobre o Cucaso com correntes de ao, e uma guia, nascida de Equidna, a Vboramonstruosa, devorou-lhe o fgado, que tornava a nascer. O suplcio durou at o dia em queHrcules, com uma flecha, abateu a guia e soltou o gigante de seus grilhes. Mas como Zeusjurara pelo Estige que Prometeu permaneceria eternamente preso montanha, decidiu-se que ojuramento seria mantido se o gigante, libertado, usasse um anel de ao no qual estariaincrustado um pedao do rochedo. A punio dos Mortais foi mais severa ainda, pois elapermaneceu sem remdio. Zeus pediu a Hefesto e deusa Atena que criassem um ser aindadesconhecido, que cada um dos deuses ornaria com uma qualidade. Esse ser foi a Mulher que,por ter recebido tantos dons, foi chamada de Pandora (aquela que tem todos os dons). Elapossua a beleza, a graa, a habilidade manual, a persuaso, mas Hermes tambm colocou emseu corao a mentira e a perfdia. Conta-se que Zeus a deu de presente a Epimeteu, o irmode Prometeu, e que ele, esquecendo o conselho do irmo de no receber nenhum presente deZeus, foi seduzido por sua beleza e a aceitou. Mas havia em algum lugar da terra uma jarradentro da qual estavam colocados todos os males. Uma tampa impedia seu contedo deescapar. Mal chegada Terra, Pandora, consumida pela curiosidade, destampou a jarra. E

  • ento todos os males escaparam e se espalharam entre os Mortais. Mas Pandora, assustada,tornou a tampar a jarra e somente a Esperana, que se encontrava no fundo, continuouprisioneira.

    Uma outra verso prope que a jarra, dada por Zeus a Pandora como presente de npcias,conteria todos os bens, mas a imprudente os deixou escapar e retornar para a morada dosdeuses. Tanto num quanto noutro caso, a Esperana a pobre consolao concedida aoshumanos.

    Mesmo as tradies que no reconhecem em Prometeu o mrito de ter criado os homensligam sua raa raa dos Mortais. Prometeu tinha um filho, Deucalio, que se casou comPirra, filha de Epimeteu e Pandora. Existiam ento sobre a terra outros humanos cuja origempermanece sem explicao , os homens da idade do bronze, corrompidos e perversos. Zeusresolveu destru-los, desencadeando um grande dilvio. Apenas dois justos deveriam serpoupados, Deucalio e Pirra. Seguindo os conselhos de Prometeu, eles construram umaarca para flutuar sobre as guas. Aps nove dias e nove noites, os dois abordaram sobre asmontanhas da Tesslia. Depois que o dilvio foi embora, eles saram da arca e se viramsozinhos sobre a terra deserta. Zeus enviou Hermes para lhes oferecer a satisfao de umdesejo que eles podiam escolher. Deucalio queria ter companheiros. Ento Zeus lhe ordenouque atirasse por cima do ombro os ossos de sua me. Pirra tambm deveria fazer o mesmo.Pirra se assustou com tamanha impiedade. Mas Deucalio compreendeu que se tratava deossos da Terra, que a Me universal. Ele obedeceu, e de cada uma das pedras que lanavanasciam homens; das que Pirra jogava nasciam mulheres. Deucalio e Pirra tiveram, por outrolado e de modo mais normal, outros filhos, que foram os ancestrais dos diferentes povos daGrcia; o mais velho foi chamado de Heleno, que engendrou Doro, Xuto e olo. Doro e oloso os epnimos das raas drica e elica. Xuto, por sua vez, teve entre seus filhos Aqueu eon, epnimos dos aqueus e dos jnios. J se esboavam as grandes divises do povo grego, eestamos na fronteira entre a cosmogonia e a histria.

    Percebe-se que as lendas relativas criao no formam um conjunto coerente. Nosomente comportam numerosas variantes, como tambm em nenhum momento se d um atocriador nico, como se o pensamento grego recusasse qualquer explicao total, preferindopermanecer mais sensvel diversidade do mundo. Para ele, um deus ou um demiurgo jamaispensa globalmente o universo. Mesmo as potncias sobrenaturais esto condicionadas a umdevir de que elas no so inteiramente donas. Nenhuma de suas decises irrevogvel. Acimade suas vontades plana uma Fora das Coisas, que por vezes chamada de Destino e que nod importncia a intenes e juramentos. S mais tarde, no tempo dos filsofos, que opensamento se elevar at a noo de criao refletida, conforme a um plano racional; masento se ter deixado o domnio do mito.

    Constata-se tambm, em relao questo mais especfica da criao do homem, que talnoo apresenta uma certa vagueza. Existem lendas que explicam a criao de determinadohomem, de determinada raa, mas todas elas supem a preexistncia de outros homens e deoutras raas das quais no se fala. Como se o pensamento grego no cogitasse em admitir,sequer no plano mtico, a equivalncia de todos os homens e no sasse, assim, de seuparticularismo. H uma criao tesslia resumida no mito de Deucalio e Pirra. Mas htambm uma criao argiana, que conhece um primeiro homem, de nome Foroneu, filho do

  • rio naco e da ninfa Mlia (cujo nome lembra o do freixo). De Foroneu sai uma linhagem qual pertence Argos, epnimo do pas argiano; h tambm um Pelasgo, epnimo do povo dosPelasgos, um Aqueu, distinto do filho de Xuto, um Messnio, epnimo da Micenas, e um Ftia,a quem se supunha que o pas de Ftitida, na Tesslia, devesse seu nome. Mais do que umacosmogonia, as tradies locais nos oferecem genealogias mltiplas, nas quais vemos a raahumana sair pouco a pouco, ao acaso, da raa das ninfas, dos rios e dos drades, que so osespritos femininos ligados vida das rvores. No h, entre deuses e mortais, a verdadeirasoluo de continuidade que uma criao ex nihilo supe. Pode-se sustentar at certo pontoque, aos olhos dos gregos, o humano o divino degradado o que explica que o mito possa,com tanta frequncia, apresentar o processo inverso e nos mostrar os homens adquirindo porsuas prprias foras as honras da divindade.

    Assim, a lenda de Prometeu, que talvez represente a melhor aproximao de um mitocriacionista, acentua, de maneira curiosa, que os homens nasceram margem da vontade deZeus. No que haja entre ele e os mortais verdadeiro antagonismo, mas o deus no , naorigem e fundamentalmente, pai dos homens. um mestre que encontra o humano em seuimprio e se acostuma a ele na medida do possvel. Zeus tem necessidade de homens;comparados aos Olmpicos, representam um ramo colateral, primos cados em desgraa,decerto, mas que gozam, no palco do universo, de uma espcie de igualdade inata diante dasdivindades, mais poderosas e mais bem dotadas. Todos se inclinam igualmente perante oDestino. Diante de uma mesma concepo do mundo, imagina-se uma cidade onde os homensseriam escravos e os deuses, homens livres: diferena acidental de condio e de poder, massemelhana de natureza.

    14. Hititas: povo da Antiguidade que habitou a sia Menor em cerca de 1900 a.C. (N.T.)15. Gigantomaquia: combate mitolgico dos gigantes contra os deuses. (N.T.)16. As Pliades eram as sete filhas do tit Atlas e da ninfa Pleione que foram transformadas em constelao por Zeus paraescapar das perseguies do caador rion. (N.E.)

  • CAPTULO IIIO CICLO DOS OLMPICOS

    A revoluo celeste provocada por Zeus instalou no poder a gerao dos Cronidas, filhosde Crono, e o novo mestre ficou sendo o mais jovem dentre eles. Os trs primeiros dalinhagem foram trs filhas: Hstia, Demter e Hera; depois vieram trs filhos: Hades, Posdone Zeus. Assim, a gerao dos Cronidas, simetricamente distribuda como tinha sido a dosTits, filhos de Urano, no alcanou, em nmero, seno a metade. Mas desde o princpio cadaum possua seus atributos e seu domnio fixado pelo Destino. Tal aspecto incontestado emrelao s trs deusas. Hstia presidia o fogo domstico; imvel no Olimpo como o fogodomstico na morada dos homens, ela obteve de Zeus uma virgindade eterna. Sua irm maismoa, Demter, presidia a terra cultivada. Ela no se confunde com Geia, a Me primordial,que engloba em seu seio tanto as montanhas e os desertos quanto regies mais acolhedoras.Demter, tambm uma me fecunda, ligada sobretudo aos mitos do trigo, e assim que ns averemos; seu culto ocorre nas plancies frteis onde brotam os gros do trigo. J Hera adivindade do casamento. a esposa de Zeus; todos os anos se comemora esta unio divina. Aesttua da deusa paramentada com o traje de uma jovem noiva e conduzida em procissoatravs das cidades at o santurio onde se preparou o leito nupcial. Assim, viam-serenovados o poder fecundante do casal e, com a intermediao da deusa, o da Naturezainteira.

    As atribuies dos trs filhos de Crono, Hades, Posdon e Zeus, segundo se diz, no lhespertenceram por toda a eternidade e teriam resultado de um sorteio. Aps sua vitria sobre osTits, os trs irmos teriam dividido entre si os trs domnios do mundo. Zeus obteve o cu,Posdon o mar, e Hades o imprio subterrneo e o reino dos Mortos. Mas, ainda no decorrerda luta contra os Tits, cada um deles j tinha recebido dos Ciclopes uma arma relacionadacom suas funes futuras: Zeus, o raio; Hades, um capacete mgico que tornava invisvel quemo usasse (smbolo da Morte); Posdon um tridente parecido com o dos pescadores de atum,que lhe servia para balanar a terra e as ondas. Dentro do ciclo, como se v, unem-se umrelato de ambio histrica e uma espcie de descrio imanente que no tm pejo de estar emcontradio aparente com a descrio cronolgica dos fatos, como o caso, por exemplo, dainterveno de Hrcules na Gigantomaquia, anterior, no entanto, data geralmente admitidapara o nascimento do heri.

    Aos seis primeiros Olmpicos filhos de Crono acrescentam-se outras divindades, queformam com eles o conselho dos grandes Deuses. A maior parte so filhos e filhas de Zeus,o que faz por vezes caber a ele o nome de Pai dos Deuses. A tradio tardia, desenvolvidasobretudo em Roma sob a influncia etrusca, conhece doze Grandes Deuses (iguais,consequentemente, em nmero aos doze Tits), mas a lista estabelecida com dificuldade ecom toda certeza variou ao longo das eras. As divindades oriundas de Zeus que formam, napoca clssica, a segunda gerao de Olmpicos so as seguintes: Afrodite, Apolo, rtemis,Hefesto, Atena, Ares, Hermes e Dionsio. O que d, com os seis Cronidas, um total de catorzedivindades. Dentre elas, Dionsio ignorado por Homero; ele , segundo se diz, embora

  • erradamente, um recm-chegado ao Olimpo, ainda que seu nome j aparea desde os temposmicenenses, uma vez que consta nas inscries do que se chama de linear B. O silncio deHomero explica-se por outras razes. Seja como for, para se chegar ao total de doze, preciso excluir Hades e Posdon, pois seus domnios no so no alto. Mas h outrasdivindades que permanecem fora da lista cannica. Deixa-se de lado naturalmente Persfone,filha de Demter e Zeus, mas esposa de Hades, mantida pelo esposo nos Infernos; deixa-setambm a esposa de Posdon, Anfitrite, filha de Nereu e Doris; e, com mais razo ainda, umaquantidade de outros filhos divinos de Zeus: Hebe, que simboliza a juventude dos deuses;Ilcia, demnio que preside os partos; as Horas, que so as potncias que presidem asEstaes; as Musas, relacionadas a todas as atividades desinteressadas do esprito; e asCrites (as Graas), que cuidam todos os anos da renovao da vegetao e personificam aalegria do mundo todas essas divindades somente cercam os Grandes Deuses, figurando emseu cortejo sem usufruir de seus privilgios.

    As atribuies dos novos Olmpicos no so menos definidas do que as de seusantecessores. Apolo preside a vidncia, a cura e a propagao de doenas e a msica elerege o coro das Musas e toca uma lira de ouro. Adivinha-se, por trs dessas diversas funes,o poder encantatrio dos cantos mgicos, e talvez esteja a o princpio de sua personalidademltipla. Com frequncia se faz dele um deus solar, e, decerto, tal ideia encontra algumajustificativa em um ou outro de seus atributos, em um ou outro epteto de seu ritual. Mas anatureza solar no lhe essencial. Provavelmente, atravs de sua me Leto, ele se ligadiretamente aos Tits astrais, a Ceos e a Febe, mas, como vimos, o Sol (Hlio) umdemnio distinto dentro da mitologia. Ele tem suas lendas prprias e at o fim lhe seraplicado o epteto de Tit, visto que considerado um filho de Hiperio. Uma denominaodessas nunca poderia convir a Apolo, por ser ele essencialmente um Olmpico e possuir umanatureza muitssimo mais complexa.

    No momento em que Leto o ps no mundo, na ilha de Delos, cisnes sagrados deram voandosete voltas em torno da ilha porque se estava no stimo dia do ms. Depois os cisnes olevaram para o pas deles, beira do Oceano e junto dos Hiperbreos, que viviam sob um cusempre limpo. Ele permanecer ali durante um ano recebendo homenagens dos habitantes e,por volta da metade do vero, voltar Grcia em meio a festas e cantorias. A cada ano secelebra, em Delfos, a chegada do deus. Foi em Delfos, com efeito, que Apolo se estabeleceuao retornar. Primeiro teve que matar com suas flechas um drago denominado Pton, que, namontanha, protegia um velho orculo de Tmis e praticava mil depredaes na regio. Comolembrana de sua vtima, ele instituiu jogos que chamou de Pticos. Apoderando-se doorculo de Tmis, declarou-o sua propriedade e consagrou um trono de trs ps no santurio era sobre ele que se sentava a sacerdotisa encarregada de transmitir suas respostas aoshomens.

    Apolo, que o mais belo dos deuses, alto, famoso pelos cachos de seus cabelos negroscom reflexos azulados, conheceu numerosos amores, mas poucos foram correspondidos. Aninfa Dafne, filha do deus do rio Peneu, na Tesslia, no correspondeu aos seus desejos: elafugiu para a montanha e, como ele a perseguisse, suplicou ao pai que a metamorfoseasse.Peneu fez dela um loureiro, a rvore de Apolo por excelncia. Um outro infortnio de Apolo a histria de seus amores com Coronis, que ele fez me de Asclpio, mas que, enquanto ainda

  • o carregava no ventre, enganou o amante e se entregou a um mortal, de nome Isquis. Apolomatou Coronis com uma flechada e arrancou o pequeno Asclpio das entranhas da me nomomento em que era acesa a fogueira fnebre.

    Com Cassandra, filha de Pramo, Apolo no foi mais feliz. Para seduzi-la, ofereceu-se paraensinar-lhe a adivinhao. Cassandra aceitou, mas to logo se viu instruda no quis ceder aodesejo de Apolo. Este, por despeito, cuspiu-lhe na boca, privando-a com isso no da cincia,mas do dom da persuaso. E apesar da pobre Cassandra fazer as mais verdicas profecias,ningum lhe dava crdito.

    Apolo no limitou seus amores s mulheres. Seus amados mais clebres foram Jacinto eCiparisso, cujas mortes, ou melhor, metamorfoses (o primeiro se tornou um jacinto, o segundo,um cipreste) o afligiram profundamente. bem provvel que, por trs dessas duas lendas, sedissimulem lembranas de cultos anteriores vinda dos helenos, provavelmente egeanos,incorporados por Apolo.

    Conta-se, finalmente, que por duas vezes Apolo se submeteu a uma prova e teve que secolocar a servio dos mortais. A primeira vez foi em seguida a uma conspirao que formaracom Posdon, Hera e Atena, a fim de atar Zeus em suas correntes de ferro e suspend-lo nocu. A conspirao fracassou; como punio, Apolo e Posdon foram obrigados a trabalharpara o rei de Troia, Laomedonte, e a construir as muralhas da cidade. Concludo o trabalho, asduas divindades reclamaram ao rei o salrio combinado, mas Laomedonte recusou e ameaoucortar-lhes as orelhas e vend-los como escravos. A segunda prova imposta ao deus consistiuem servir ao rei Admeto, de Feres, na Tesslia. Zeus lhe imps a prova porque Apolo mataracom suas flechas os Ciclopes que tinham dado a Zeus o raio do qual ele se servira para matarAsclpio, o filho de Apolo culpado de ter ressuscitado cadveres. E assim Apolo foi, duranteum ano, o guardador de bois de Admeto. Durante todo o tempo em que cuidou do rebanho, osanimais prosperaram de maneira milagrosa; os bezerros nasciam em duplas, e, de maneirageral, foi um perodo de abundncia para Admeto. H quem diga que Admeto teria sido objetode amor do deus.

    Artemis, sua irm, a rplica feminina de Apolo. Como ele, tem como arma um arco com oqual envia s mulheres especialmente as que esto prestes a parir as flechas da mortesbita. Artemis permaneceu eternamente virgem; ela passa o tempo na caa, percorrendo asmontanhas acompanhada de seus cachorros. Assim como Apolo possua atributos de deussolar, Artemis fora, desde a Antiguidade, identificada Lua. Contudo, no duplicou pura esimplesmente a figura de Selene. Ela no se limitou a simbolizar o astro; ela foi tambm adama das feras, a potncia misteriosa que presidia a fecundidade animal nas florestas, e,sendo assim, encontravam-se nela traos que, sem nenhuma dvida, pertenceram grandedeusa cretense. significativo mas explicvel por essa origem complexa que a virgemArtemis fosse invocada no momento dos nascimentos, e que as jovens mes achassem que elapodia tanto socorr-las nas situaes perigosas como tambm lhes ser funesta. Contava-se queesse poder de Artemis se revelara desde seu prprio nascimento. Sua me, Leto, que foraamada por Zeus, estava prestes a dar luz os gmeos divinos que carregava quando Hera,esposa legtima de Zeus e tomada por cruis cimes da moa, proibiu todos os deuses da terrade lhe dar asilo durante as dores. Leto errou sem esperana, pois todos os pases a recusavam.

  • Finalmente Delos, uma ilha tambm errante, estril, to pobre que no tinha nada a temer deningum, consentiu em acolh-la. E a pobre mulher ps os filhos no mundo debaixo de umapalmeira, a nica rvore de toda a ilha. Artemis foi a primeira a nascer. E na mesma horaocupou-se em completar o parto da prpria me, ajudando-a a dar luz Apolo, o segundo dosgmeos.

    Hefesto comanda o fogo. Ele no o fogo, mas o mestre das artes da forja e do trabalhodos metais. Em geral tido como filho de Zeus, mas diz-se s vezes que Hera o colocou nomundo sozinha, sem ajuda de nenhum princpio masculino, por despeito pelo nascimento deAtena, sada da cabea de Zeus. Hefesto um demnio manco. A Ilada nos informa a razo.Como Hera brigava com Zeus por causa de Hrcules, Hefesto tomou o partido da me. EntoZeus o segurou por um p e lanou-o do alto do Olimpo. Hefesto caiu durante o dia inteiro; noite, alcanou a Terra na ilha de Lemnos, onde jazeu, mal respirando. Como era imortal, nochegou a morrer, mas ficou aleijado para sempre. A lenda nos mostra Hefesto como umarteso divino, sempre pronto para executar qualquer trabalho ajudado pelos Ciclopesferreiros, como joias ou armas encomendadas por outros deuses. No entanto, o episdio maisclebre de seu ciclo sua desventura conjugal com Afrodite.

    Hefesto, fisicamente prejudicado, era conhecido por se ligar a mulheres de grande beleza.Atribuem a ele como esposa ora Cris, a Graa por excelncia, ora Aglaia, a mais jovem dasCrites. Porm, Zeus terminou lhe dando em casamento Afrodite, a mais bela das deusas. Sque Afrodite no tardou a se encantar por Ares, a ponto de o Sol, que tudo via, surpreender umdia os dois amantes embevecidos um com o outro. Ele foi contar a aventura ao marido; estenada disse, mas preparou uma rede invisvel e estendeu-a em torno da cama da mulher. Nomomento oportuno, a rede se fechou, imobilizando os dois culpados e proibindo-lhes qualquermovimento. Ento Hefesto convocou todos os deuses para o espetculo. Assim que foi solta,Afrodite fugiu de vergonha, e todos os deuses foram tomados por um riso inextinguvel.

    Afrodite, a companheira infiel, tida como filha de Zeus e Dioneia, uma das divindades dagerao primordial. Uma outra tradio, bastante difundida, a faz nascer de Urano. Ela teriasido engendrada quando o sangue do deus, depois de sua mutilao, caiu no mar. Afroditeseria ento a mulher nascida das ondas, epteto que lhe aplicam frequentemente os poetas.Mal sada da espuma do mar, foi levada por Zfiro primeiro a Ctera e depois para a costa deChipre, que eram seus territrios preferidos e onde ela possua, na poca histrica, santuriosespecialmente clebres. Ela foi acolhida pelas Horas (as Estaes), que a vestiram,enfeitaram e conduziram at os Imortais.

    Afrodite rene em sua lendas elementos bastante diversos. Sem nenhuma dvida, ela surge,no princpio, como uma potncia temvel que submete o universo inteiro a suas leis. Ela odemnio da fecundidade feminina e, por uma analogia evidente, o da fecundidade na Natureza.O mais clebre de seus mitos, seus amores com Adonis, , a esse respeito, o mais revelador,indicando-nos ao mesmo tempo a origem de alguns dos cultos assimilados pela deusa.

    Conta-se com efeito que o rei da Sria, Teia, tinha uma filha, Mirra ou Esmirna, e queAfrodite, por raiva, provocou na jovem o desejo do incesto com o pai. Esmirna conseguiuenganar Teia e se uniu a ele durante doze noites, mas na dcima segunda noite Teia descobriuo crime da moa e perseguiu-a para mat-la. Esmirna invocou os deuses, e eles atransformaram em um arbusto, a rvore da mirra. Dois meses depois, a casca se abriu, e dela

  • saiu uma criana que recebeu o nome de Adonis. Afrodite, sensibilizada pela beleza dacriana, recolheu-a e confiou-a a Persfone para que ela a criasse em segredo, na escuridodos Infernos. Entretanto, a Rainha dos Mortos encantou-se igualmente com o belo Adonis eno quis devolv-lo a Afrodite. A discusso foi arbitrada por Zeus, e decidiu-se que Adonisviveria um tero do ano com Afrodite, um tero com Persfone e um tero com quem elequisesse. Contudo, Adonis passou dois teros do ano junto a Afrodite, e apenas um tero noreino dos Mortos. E assim foi durante algum tempo, at que Ares, por cime, incitou contra orapaz um javali monstruoso que o feriu de morte com uma de suas presas. Do sangue deAdonis ferido nasceram anmonas. Afrodite, como lembrana de seu amante, instituiu umafesta fnebre que, todos os anos, na primavera, era celebrada pelas mulheres srias. Elasplantavam gros em vasos e os regavam com gua quente para faz-los crescer com maisrapidez. As plantaes eram chamadas de jardins de Adonis. As plantas assim foradas notardavam a morrer, e as mulheres emitiam lamentaes sobre a sina do jovem amado porAfrodite. Ao mesmo tempo, o rio Adonis, que corre em Biblos, adquiria uma tonalidadevermelha como se tivesse sido colorido pelo sangue do heri. As origens semticas dessalenda so evidentes: o nome de Adonis aparentado da raiz semtica que significa Senhor, e olugar onde ela se situa demonstra suficientemente que Afrodite deve algumas de suascaractersticas, as mais essenciais, grande deusa sria.

    Pouco a pouco, as ligaes de Afrodite com a vegetao e seu carter de potnciaprimordial caram no esquecimento e as lendas de seu ciclo passaram a ser no mais do que orelato de suas aventuras amorosas. Ela amou Anquises sobre o Ida, fazendo-o crer que ela erauma mortal, filha do rei da Frgia17, transportada para l por Hermes e abandonada na mata.Ela lhe deu um filho, Eneias, e o fez jurar jamais revelar o segredo desse amor. Da unioculpada de Afrodite e Ares nasceram dois filhos, Eros e nteros (Amor e Amor Recproco),que os artistas da poca alexandrina procuraram representar com formas infantis, modelosdiretos de nossos querubins. A pintura pompeana popularizou esse gnero de cena: o Amorpunido, o Amor ferido, nos quais Eros aparece como uma criana travessa, rabugenta oudesolada junto a uma Afrodite maternal. O Eros das cosmogonias foi completamenteesquecido; sua me e ele no so mais as grandes figuras primordiais de antigamente, mas simmeros ornamentos.

    Contudo, a lenda guarda a lembrana de uma Afrodite temvel. Suas maldies eramclebres. Foi ela quem inspirou em os (a Aurora) um amor invencvel por Oron, a fim depuni-la por ter cedido a Ares. Ela castigou o desdm que lhe demonstraram as mulheres deLemnos atormentando-as com um cheiro insuportvel, fazendo com que seus maridos asabandonassem por cativas trcias. Afrodite puniu ainda as filhas de Cniras, em Pafo,inspirando-lhes o desejo de se prostituir para os estrangeiros. Todavia, foi sobretudo nomomento da guerra de Troia que seu poder explodiu. Um dia, a Discrdia lanou no meio dosDeuses uma ma destinada mais bela das deusas. Trs delas reivindicaram o prmio. Zeusordenou a Hermes que conduzisse todas as trs, Afrodite, Hera e Atena, ao Monte Ida, deTrade, para que fossem julgadas pelo belo Pris, filho de Pramo. Diante dele, elasinstituram um debate e prometeram presentes. Hera prometeu ao juiz a realeza universal;Atena o tornaria invencvel na guerra. Afrodite se contentou em lhe oferecer a mo de Helena,

  • a mais bela de todas as mortais. Pris decidiu a favor de Afrodite, e esta foi a causa da guerraentre os gregos e os troianos. Durante os combates, a deusa interveio a favor dos troianos;salvou Pris no campo de batalha, protegeu Eneias, atacado por Diomedes, e, nesse encontro,chegou a sofrer um ferimento.

    A deusa Atena faz com Afrodite um contraste absoluto. Nos primeiros tempos de seureinado, Zeus desposara a ocenida Mtis (cujo nome significa Prudncia, mas tambmPerfdia) e a engravidara. Geia e Urano revelaram-lhe ento que, mesmo que Mtis tivesseuma filha, ela daria em seguida luz um menino que iria se tornar o senhor do mundo. Assimdesejavam os Destinos. Zeus, sem hesitar, e para garantir seu poderio, engoliu Mtis. Quandochegou a hora do parto, ele ordenou a Hefesto que lhe abrisse a cabea com uma machadada.Do seu crnio saltou uma filha inteiramente armada. Era a deusa Atena. O local do nascimentofoi as margens do lago Tritnio, na Lbia.

    Atena uma deusa guerreira e seu ciclo relata suas numerosas proezas. Ela desempenhouum papel importante na luta contra os Gigantes; matou Palas, esfolou-o e de sua pele fez parasi uma couraa. Seus atributos eram o escudo, a lana e a gide; sobre o escudo ela carregavaa cabea de Medusa que Perseu lhe dera e que transformava em pedra quem olhasse para ela.Mas, por um curioso contraste, Atena tambm uma deusa da paz. Ela habilidosa; protege osfiadores, os teceles, as bordadeiras; e, se foi ela que inventou a quadriga de guerra, dotoutambm a tica de oliveiras; foi ela tambm que ensinou os homens a extrair o leo de suasbagas. De maneira geral, ela intervm nas lendas como o Esprito e a Razo que concedem aplena eficcia aos esforos de coragem. ela que arma Hrcules que o apoia nos momentosdifceis. ela que, finalmente, assegura-lhe a imortalidade. Na Odisseia, ela intervm todo otempo a favor de Ulisses, inspirando-lhe as decises mais prudentes e mais sbias.

    Atena permanece virgem. Entretanto, uma tradio tica conta que ela teve um filho nasseguintes condies: num dia em que fora fazer uma visita forja de Hefesto para lheencomendar armas, o deus, abandonado por Afrodite, apaixonou-se por Atena. Ele sedeclarou, mas ela no quis nem mesmo escut-lo e fugiu. Hefesto a perseguiu e, mesmomancando, conseguiu alcan-la; tomou-a nos braos e, em seu desejo, molhou a perna dadeusa, que se recusava a ceder. Enojada, Atena enxugou-se com um floco de l, que emseguida jogou no cho. A semente do deus fecundou a terra e dali saiu uma criana que sechamou Eristnio (um nome que contm o da l e o da terra) e que a deusa considerou seufilho. Decidiu cri-lo sem que as outras divindades soubessem e torn-lo imortal. FoiEristnio que ela fechou dentro de um cofre guardado por Pandroso, uma das filhas do reiCcopre. Aglauro, irm de Pandroso, apesar da proibio de Atena, no conseguiu conter-se eabriu o cofre. Ela viu a criana dormindo dentro dele com uma serpente enrolada no corpo.Assustadas e amaldioadas por Atena, as meninas curiosas demais se precipitaram do alto dosrochedos da Acrpole de Atenas. Tempos depois, Eristnio obteve o poder sobre tica, e foidele que surgiu a linhagem dos reis de Atenas. Portanto, Atena aparece sobretudo como umadivindade da cidade dos atenienses, e sem dvida nessa funo de poliada18 que precisobuscar o sentido de sua unidade e da unidade de seu ciclo lendrio. Nela reside a prpriaalma da cidade que a honra, como provam as velhas crenas relativas s propriedadesmgicas de uma esttua de Atena chamada Palladion e que, sob uma ou outra forma,

  • mantiveram-se atravs de toda a Antiguidade. Contava-se que, em sua infncia, a deusa foraeducada em Cirenaica, s margens do lago Tritnio, onde nascera, e que Zeus havia lhe dadocomo companhia de brincadeiras a filha do deus Trito, epnimo e gnio do lago. Essamenina, que se chamava Palas, foi morta acidentalmente por Atena. Como reconhecimento desua culpa, Atena confeccionou uma esttua semelhante criana, instalou-a junto a Zeus e lherendeu honras como a uma divindade. Essa esttua, chamada Palladion, ficou algum tempo noOlimpo, mas terminou caindo no cho, sobre a colina de Trade, chamada de colina de Ate(ou Colina do Erro). Foi na poca em que Ilo, ancestral dos troianos, fundava a cidade deTroia. A esttua entrou sozinha no templo de Atena, ainda inacabado, e ocupou o lugar deritual. Considerada uma esttua milagrosa, foi objeto de um culto especial e acreditou-se que acidade permaneceria invencvel pelo tempo em que aquele dolo fosse mantido l. Mais tarde,aps muitas aventuras, o Palladion, ou uma imagem que se acreditava ser a dele, terminousendo conservado em Roma, dentro da capela sagrada das Vestais. E l tambm se admitiaque a salvao da cidade estaria ligada da esttua.

    Hermes, irmo caula de Atena, filho de Zeus e de Maia, que a mais jovem dasPliades. Ele nasceu na Arcdia, dentro de uma caverna do monte Cileno. Ao nascer, foienvolvido em tiras de pano, como ento era o costume fazer com os recm-nascidos, ecolocado dentro de uma joeira guisa de bero. Mas a criana, de tanto se remexer, encontrouum jeito de se soltar e, sozinha, foi at a Tesslia, onde seu irmo Apolo cuidava do rebanhode Admeto. Hermes, aproveitando-se da desateno do irmo, roubou-lhe doze vacas, cembezerras e um touro e depois, amarrando um galho na cauda dos animais para apagar suaspegadas medida que caminhassem, levou todo aquele rebanho at Pilos de Micenas. Lchegando, sacrificou duas das bezerras e dividiu-as em doze partes, uma para cada uma dasdoze divindades. Em seguida, depois de esconder o butim, voltou a se deitar na sua grutanatal. Ao entrar, deparou-se com uma tartaruga; apanhou-a, esvaziou-a e estendeu sobre acavidade cordas fabricadas com os intestinos das vtimas que acabara de sacrificar. E, dessemodo, a lira foi inventada.

    Nesse entretempo, Apolo procurava por toda parte seu cabedal. Ao descobrir tudo graas sua arte divinatria, correu para o monte Cileno e reclamou a Maia. Maia, como resposta,apenas lhe mostrou a criana cuidadosamente envolvida em seus panos. Ento Apolo recorreua Zeus, que ordenou a Hermes que devolvesse os animais roubados. Mas Apolo, que avistaraa lira dentro da gruta do Cileno, fez um acordo com Hermes e, em troca do instrumento,entregou-lhe o rebanho.

    Pouco tempo depois, Hermes inventou a siringe (a flauta de P) e novamente vendeu suainveno a Apolo por um cajado de ouro. Alm disso, o irmo lhe ensinou a arte divinatria.Esses mitos da infncia tm por objetivo explicar as caractersticas rituais do deus: o cajadode ouro a varinha mgica com a qual adormece os olhos dos mortais. A varinha lhe serviuquando, para obedecer a Zeus, matou o vigilante Argos-dos-Cem-Olhos, guarda preposto deHera, encarregado da vigilncia da bezerra Io. Mensageiro dos deuses, Hermes dotado desandlias aladas que o transportam pelos ares. Sua funo mais especfica acompanhar aosInfernos as almas dos mortos. Sua imagem era colocada, com a forma de um pilargrosseiramente talhado, nas encruzilhadas das estradas e das ruas. o companheiro dosviajantes, protege os pastores; e os monumentos o representam s vezes carregando um

  • cordeiro nas costas, numa atitude de bom pastor. Hermes sobretudo clebre por suasartimanhas. Foi dele que o filho Autlico (o ancestral de Ulisses) herdou o dom de roubar.Viajante e habilidoso em se apropriar dos bens dos outros, Hermes no podia deixar de serconsiderado o deus do comrcio.

    Ares filho de Zeus e de Hera. o deus da guerra, que se compraz com o sangue e acarnificina. Usa armadura e capacete e est armado com escudo, lana e espada. Em tornodele esto quatro demnios que lhe servem de escudeiros: Deimos e Fobos (o Temor e oTerror), ris (a Discrdia) e Enio, um demnio feminino da guerra. As lendas de Ares noso muito numerosas. Rendiam-lhe um culto particular em Tebas, onde antigamente elepossua uma fonte guardada por um drago, que era seu filho. Quando Cadmo, vindo da Sriapara a Grcia, quis tirar gua dessa fonte para celebrar um sacrifcio, o drago tentou impedi-lo. Cadmo matou-o, mas como expiao teve que servir Ares como escravo durante sete anos.Quando expirou a obrigao, os deuses celebraram o casamento do heri com Harmnia, filhade Ares. A essa unio se atribua a origem da famlia real tebeia.

    Com frequncia, ao representar Ares, os gregos sentiram prazer em mostr-lo vencido: suafora brutal era contida ou enganada pelo valor mais inteligente de Hrcules ou pela sabedoriaviril de Atena. Foi assim que, diante de Troia, a habilidade da deusa foi tanta que ele acabouferido por Diomedes. Quando Hrcules atacou Cicno, filho de Ares, este quis intervir eenfrentou o heri, mas foi ferido na coxa e teve que se retirar do combate.

    Havia em Atenas um lugar que levava seu nome, o Arepago, ou colina de Ares. No sopcorria uma fonte. Um dia Ares avistou no local o filho de Posdon, Halirrcio, tentando violarAlcipe, a filha que ele tivera com Aglauro. Para defender a filha, ele se precipitou e o matou.Posdon ento o citou diante do tribunal composto de Olmpicos que funcionava sobre aprpria colina. Ares foi inocentado. No entanto, como lembrana, o nome de Arepago foidado colina, onde, em seguida, passou a se reunir o tribunal encarregado de julgar os crimesde ordem religiosa.

    Demter, irm de Zeus, filha de Cronos e de Reia, dona de uma das mais belas eemocionantes lendas da mitologia helnica. Dizia-se que Zeus se unira a ela e lhe dera umafilha chamada Persfone, que crescia feliz entre as Ninfas, na companhia das outras filhas deZeus. Ela colhia, um dia, flores na plancie de Enna, na Siclia ou ento perto de Eleusis, natica, ou ento na plancie de Cnossos, em Creta, que so lugares onde se cultiva o trigo nomomento em que a jovem se curvava para colher um narciso, a terra se entreabriu e dela saiuum deus sobre uma quadriga puxada por drages. Era Hades, o irmo de Zeus, que seapaixonara por Persfone e, com a cumplicidade do irmo, decidira rapt-la. Persfone foiarrastada para os Infernos, mas, ao desaparecer, soltou um grande grito. Demter escutou ogrito da filha e, com o corao cheio de angstia, comeou a procur-la. Foi impossvelencontrar Persfone. Por nove dias e nove noites, sua me, sem se alimentar, sem beber nemse banhar, errou pelo mundo com um archote em cada mo. No dcimo dia, ela encontrou adeusa Hcate, que tambm ouvira o grito; chegara at a avistar o raptor, mas no puderareconhec-lo, pois ele tinha a cabea envolta em sombras. Finalmente, o Sol, que v tudo,comunicou a verdade me desolada. Cheia de raiva, a deusa decidiu no voltar mais para ocu e no cumprir mais suas funes divinas at que lhe devolvessem a filha. Adotou o

  • aspecto de uma velha e foi para Eleusis. L, diante do palcio do rei Celeu, encontravam-setodas as velhas do pas, que a convidaram a permanecer entre elas e participar de suarefeio. Mas ela, na sua dor, nada quis aceitar. Uma das velhas, chamada Baubo, insistiu,mas, como Demter teimava em recusar qualquer reconforto, Baubo suspendeu as roupas emostrou as ndegas deusa. Demter comeou a rir e terminou aceitando a comida. Emseguida, colocou-se a servio da mulher de Celeu, a rainha Metanira, que a admitiu como amade leite. Confiaram-lhe o filho do rei, que se chamava, de acordo com as verses, Demfon ouTriptlemo. Demter tentou tornar a criana imortal e, para isso, mergulhava-o todas as noitesdentro de um banho de brasas at o dia em que Metanira a surpreendeu naquele estranhocomportamento. Temendo pelo filho, Metanira soltou um grito. Demter largou a criana, quefoi consumida pelo fogo; ento revelou sua identidade. Atribuiu a Triptlemo, o segundo filhode Celeu, a misso de percorrer o mundo ensinando aos homens a cultura do trigo. ETriptlemo partiu em cima de uma quadriga puxada por drages alados, de onde ia semeandogros de trigo.

    Como o exlio voluntrio de Demter tornava a terra estril e perturbava a ordem domundo, Zeus decidiu devolver-lhe a filha. Foi, pois, encontrar Hades e lhe ordenar quePersfone fosse restituda. No entanto, isso no era mais possvel. Com efeito, a moarompera o jejum e, no jardim do rei dos Infernos, comera um gro de rom. Estava, dessemodo, definitivame