mitocritica de cecilia meireles

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  • Soraya BorgesMitocrtica de um poema de Ceclia Meireles em Metal rosicler

    MITOCRTICA DE UM POEMA DE CECLIA MEIRELES EM METALROSICLER

    MITOCRITICS OF A CECLIA MEIRELES POEM IN METAL ROSICLER

    Soraya Borges

    RESUMO: Este artigo discute a hermenutica simblica, sobretudo os fundamentos daantropologia do imaginrio de Gilbert Durand, como vis interpretativo dos poemas deMetal rosicler, penltima publicao em vida de Ceclia Meireles. Ao final, ilustra-se oestudo mitocrtico de um poema que, a partir da memria potica, desentranha umaconstelao de smbolos e imagens no solo da poesia ceciliana.

    PALAVRAS-CHAVE: Hermenutica simblica; Antropologia do imaginrio; Memriapotica; Ceclia Meireles.

    ABSTRACT: This article discusses the symbolic hermeneutics, according to thefoundations of Gilbert Durands anthropology of imaginary, as a guide to interpret thepoems of Metal Rosicler, which was the last published book by Ceclia Meireles. In theend, the mitocritics study of a poem is illustrated by the poetic memory it points out aconstelation of symbols and images in Ceclia Meireles poetic field.

    KEYWORDS: Symbolic hermeneutics; Anthropology of imaginary; Poetic memory;Ceclia Meireles.

    Introduo

    Em exegese literria, as teorias e os mtodos existem para iluminar os caminhosque levam ao entendimento do texto. Na potica de Ceclia Meireles, no diferente,uma vez que a amplitude do seu imaginrio impe o esclarecimento acerca das escolhasutilizadas. Tendo esse vis em mira, este estudo ancora-se nos aportes da hermenuticasimblica para realizar a mitocrtica do poema 44 de Metal rosicler, penltimo livropublicado pela poeta em 1960. Ademais, o amparo da investigao na exegese dossmbolos visa a uma leitura que d conta da profuso dos significados e sentidosdisseminados no verso da autora. Afinal, como disse Eliade (1993: 119), o trabalhohermenutico a busca do sentido que pode revelar valores no evidentes no plano daexperincia imediata sobre as significaes latentes e o devir dos smbolos.

    Dentre os caminhos disponveis no universo da exegese simblica, talvez aantropologia do imaginrio erigida pelo antroplogo Gilbert Durand seja uma das maisexploradas e discutidas. Tal modalidade se orienta pela antropologia e outros saberes(psicologia, etno-sociologia, histria das idias, cincias religiosas, epistemologia)propondo um pluralismo figurativo que substancializa a mitocrtica dos poemas pelagama das informaes acrescidas ao trabalho analtico. Da bipartio inicial do mundoimaginrio, Durand renuncia ao dualismo exclusivo elegendo uma tripartioestrutural ou, como ele prefere chamar, um pluralismo tripartite. Trocando em

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    midos, no seu entender, o imaginrio humano articula-se por meio de estruturasplurais e irredutveis, limitadas a trs classes que gravitam ao redor dos processosmatriciais do separar (herico), incluir (mstico), e dramatizar (disseminador)(DURAND 2001b: 40). Assim, as imagens organizam-se em estruturas esquizomorfasou hericas no regime diurno, e, no noturno, as constelaes repartem-se em doisregimes, as estruturas msticas e as sintticas ou disseminadoras. O trabalho com o textopotico de Metal rosicler insinua clara filiao s estruturas do imaginrio noturno, oque aqui se pretende assinalar ou, de certo modo, introduzir para uma pesquisa ulteriormais ampla e aprofundada.

    Verticalizando conceitos, o antroplogo formula as noes de mitema emitologema, clulas-base da mitocrtica. Tomando a primeira, Durand (2001b: 60)amplifica a noo de mitema oriunda de Lvi-Strauss que o considera a menor unidadesemntica num discurso e que se distingue pela redundncia. Acrescentando adistino entre tema e mitema, o terico afirma que o tema mais geral e menossignificativo tornando-se mitema quando adquire um carter de repetio inslita(1983: 28-32). E, contrapondo-o narrativa, o mitema no o conjunto da narrativa,mas os pontos fortes, repetitivos da narrativa. J a segunda noo, mitologema,corresponde a um resumo abstrato de uma situao mitolgica como, por exemplo, oprogressismo no mito de Prometeu (1996: 161). Ainda, conforme Durand (1982: 72), osmitemas podem revelar o mitologema ou o mito dominante de uma obra ou poca. Omitologema, por sua vez, pode desvelar o esquema mtico que perpassa a obra.

    Dessa maneira, a tarefa de mitocrtica em Metal rosicler insere-se numaperspectiva de maior flego contemplando a identificao desses traos mticosconstitutivos mitologemas e mitemas , o que, como j mencionado, configuraria umapesquisa mais profunda. O recorte aqui encetado, todavia, objetiva introduzir conceitosfulcrais para o exerccio da hermenutica simblica durandiana, a mitocrticapropriamente dita, no seio do poema examinado.

    Incurses tericas e poticas luz do universo do smbolo

    As hermenuticas simblicas so reconhecidas por Paul Ricoeur (1978), em OConflito das Interpretaes: ensaios de hermenutica, como amplificadoras dasexpresses simblicas e no redutoras. Em sintonia com este pensamento, Durand(1988: 41-97) naturalmente endossa a reflexo de Ricoeur assinalando que enquantocertas vertentes negam a transcendncia do simbolizado, reduzindo a simbolizao a umsimbolizado sem mistrio, outras h que se deixam levar pela fora de integrao dosmbolo, amplificando a simbolizao como mensageira da transcendncia no mundo daencarnao e da morte, o que constituiria a prpria atividade dialtica do esprito.

    Os versos subsequentes do poema 18 de Metal rosicler apontam no enfermoesse carter de transcendncia do simbolizado: Pois o enfermo triste e doce / mais doque um recm-nascido. / E chega como se fosse / da volta de ter partido (MEIRELES2001: 1224). Se o mundo temporal traz o dissabor da enfermidade, a voz lrica nopoema deseja passar alm do seu tempo situando o enfermo numa condiosobrejacente a do recm-nascido. Note-se o inslito da imagem, pois se a chegada deum beb traz alegria e esperana, a do enfermo, triste e doce, transcende seu estadomelanclico como se fosse o retorno de uma despedida, a volta de ter partido. Esse

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    processo de transcendncia dos smbolos instala-se amide na poesia de Ceclia peloculto irrevogvel dos valores do esprito.

    Na sua teorizao acerca do simblico, Ricoeur (1978) buscar no planosemntico o fulcro para as investigaes do campo hermenutico. Para ele, o elementocomum, da exegese psicanlise, o que denomina de duplo-sentido ou mltiplo-sentido, cujo papel reside em mostrar ocultando. A esta semntica do mostrado-ocultoou das expresses multvocas designa simplesmente como simblica na constituio dahermenutica. Assim, o smbolo leva a pensar, faz apelo a uma interpretao,justamente porque ele diz mais que no diz e porque jamais terminou de levar a dizer(1978: 15-28).

    A partir dessas consideraes, tomando smbolo e interpretao, Ricoeurinventaria as expresses simblicas no intuito de determinar sua estrutura comum econclui atrelando tais manifestaes linguagem. Segundo ele, os smbolos csmicos, osimbolismo onrico, as criaes verbais do poeta,

    [...] todos esses smbolos possuem seu advento no elemento dalinguagem. No h simblica antes do homem que fala, mesmo que opoder do smbolo esteja enraizado mais embaixo. [...] Sempre necessria uma palavra para retomar o mundo e convert-lo emhierofania. Da mesma forma, o sonho permanece fechado a todos,enquanto no for levado pelo relato ao plano da linguagem (RICOEUR1978: 15).

    A linguagem, ento, liame concreto do potico, instaura a carga simblica dossignificados, uma vez que o smbolo, conforme Durand (1988: 14-15), pela prprianatureza do significado, inacessvel, ou seja, apario do indizvel, pelo e nosignificante. A linguagem ceciliana, altamente sugestiva, diz e desdiz, mais insinua doque revela, mais intui do que afirma, mais incita do que ordena. No mbito dos poemas,at o silncio evoca sentidos e falas na expresso multvoca das imagens como expe otrecho a seguir: O silncio do tempo / seu rosto sobrevoa. (MEIRELES 2001: 1239).No sintagma do verso, o simbolismo do silncio agregado ao tempo atinge a leveza dovoo que adeja o rosto numa imagem muda de palavras, porm prenhe de sentidos nomanifestos.

    Esse carter de inacessibilidade do smbolo desenvolvido por Durand aoinvestigar a imaginao simblica, o que integra a vasta pesquisa que culminou noedifcio da sua teoria do imaginrio. De acordo com o terico,

    No podendo figurar a infigurvel transcendncia, a imagem simblica transfigurao de uma representao concreta atravs de um sentido parasempre abstrato. O smbolo , portanto, uma representao que fazaparecer um sentido secreto; ele a epifania de um mistrio. A metadevisvel do smbolo, o significante, estar sempre carregado do mximode concretude. [...] A outra metade do smbolo, essa parte indivisvel eindizvel que faz dele um mundo de representaes indiretas, [...] sedispersa em todo o universo concreto. [...] Tanto o imperialismo do

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    significante, [...] como o imperialismo do significado, [...] possuem ocarter comum da redundncia (DURAND 1988: 15-17).

    Sob tal perspectiva, no mundo contemporneo virtualmente dessacralizado, acompreenso do smbolo como a epifania de um mistrio, conforme dispe oantroplogo, demanda certo esforo do leitor em relao ao universo simblico etambm ao prprio gnero rduo da poesia de que aqui se trata. Nesse quesito,Leandro Konder (2005: 21) assinala o quanto a poesia exige que o leitor se esforcepara receber o poeta (o Outro) de maneira a poder assimilar o que ele lhe traz,traduzindo-o ou recriando-o na sua linguagem pessoal. E isto porque a poesiaexige do leitor que ele libere ou crie e desenvolva a parte de poeta que precisa existirnele. Quanto ao smbolo, enquanto no se degrade perdendo sua pregnncia evocativa,ele conserva seu teor indevassvel ou encoberto, sobretudo, diante da inelutvelinstncia da temporalidade e da morte (MELLO 2002: 29) subjacente aos processossimblicos da representao que, desde sempre, vm intrigando o gnero humano.

    Os versos do poema 17 de Metal rosicler atualizam o embate entre o efmero e oeterno no estranho feixe simblico que nega o no-ser: E provisrio navegas / em teulimite de bruma, / onde giram as coisas cegas / e onde em sobressalto negas / que sejascoisa nenhuma (MEIRELES 2001: 1224). Imagens evanescentes do efmerosuperpem-se saturando de impermanncia a vida que segue tal um barcodesgovernado. Nesse estado de incerteza donde naturalmente irrompe a negao, a vozdo sujeito lrico reconhece apenas a realidade do ser em oposio ao nada.

    Antropologia do imaginrio: os fundamentos da mitocrtica

    Diante dos equvocos terminolgicos que o vocabulrio simblico costumasuscitar, Durand buscou em diversos momentos dirimir e esclarecer os pontoselementais em torno dos quais erigiu sua concepo terica. Tomando a definioclssica do smbolo, Durand elucidou as trs dimenses do significante, do significadoe a do mito , ao tempo em que esclareceu as trs categorias funcionantes do smbolo os esquemas, os arqutipos e os smbolos stricto sensu que resultaram de um trabalhoreflexivo de dcadas sobre a figurao simblica.

    A primeira dimenso, da problemtica do smbolo, o socilogo do imaginriochamou de dimenso mecnica, que corresponde ao aspecto concreto do significante, esurge desde as primeiras investigaes realizadas sobre o smbolo, um conjunto denoes que, tanto no seu acordo esttico como no seu funcionamento [...], define umaparelho simblico (DURAND 1976: 252-254).

    Da dimenso mecnica do smbolo, na confortvel materialidade do significante,Durand expe as trs categorias do aparelho simblico. O esquema (schme emfrancs), primeira categoria, metaforicamente verbal, uma vez que nas lnguasnaturais o verbo aquilo que exprime ao. Os esquemas, assim concebidos, so ocapital referencial de todos os gestos possveis da espcie homo sapiens (1976: 254).Casa de fora, impulso construtiva das representaes, molde afetivo-representativo,os schmes formam o esqueleto dinmico, o esboo funcional da imaginao(DURAND 2001a: 60-61).

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    Os arqutipos, segunda categoria do aparelho simblico, correspondem simagens primeiras e universais da espcie na acepo mesma do termo disseminadopor Carl Gustav Jung (2008). Zona matricial da idia, os arqutipos so estveis euniversais, intermediando os esquemas subjetivos e os smbolos fornecidos peloambiente (2001a: 60-61).

    E, por fim, a terceira categoria funcionante do aparelho simblico correspondeao smbolo em sentido estrito que tem carter transitrio, completamente polivalentee, como forma inferior do esquema, uma ilustrao concreta do arqutipo de umesquema (2001a: 62). De acordo com a exemplificao durandiana, os esquemasascensionais representados no arqutipo do cu so imutveis, enquanto o simbolismopode transformar-se de escada em flecha voadora, em avio supersnico ou emcampeo de salto.

    Aproximando conceitos, os arqutipos junguianos assemelham-se aos esquemasarquetpicos assinalados por Durand na apresentao das categorias do aparelhosimblico. Conforme o antroplogo, os esquemas imaginrios no homo sapienspressupem articulaes simblicas complexas, ou seja, grandes imagens primordiais(Urbilder) que so as diretrizes dos gestos e das atitudes especficas no comportamentodo homem (DURAND 2001b: 44).

    Alcana-se, assim, a noo de gestos ou reflexos dominantes proposta pelosestudos de reflexologia da Escola de Leningrado que inspiraram Durand (2001a: 42-44)na classificao das dominantes simblicas dos grandes eixos dos trajetosantropolgicos que os smbolos constituem. Abrindo um parntese para esclarecer aimplicao desses conceitos na teoria durandiana, os trabalhos de W. Betcherev dareferida escola apostam em trs sries de gestos dominantes postural, digestivo,copulativo como matrizes originrias sobre as quais sero construdosprogressivamente os grandes conjuntos simblicos. Segundo a reflexologiabtchereviana, que estuda os reflexos primordiais do ser humano, a primeira dominante,a postural, privilegia a verticalidade envolvendo os reflexos de endireitar-se na tentativade ficar de p mantendo-se inclinado verticalmente. A segunda dominante, a da nutrioou digestiva, inclui os reflexos de suco labial e de orientao correspondente dacabea. E a terceira, a dominante copulativa, relaciona-se conduta vital da pulsosexual e tambm se liga rtmica da suco, smbolo do engolimento (DURAND2001a: 47-51).

    Apoiado nessa teorizao, Durand postula a concomitncia entre os gestoscorporais, os centros nervosos e a representao simblica: h um acordo entre aspulses reflexas do sujeito enraizadas nas grandes imagens da representao. Desseacordo resulta a formulao do antroplogo para o mundo imaginrio numa tripartioconforme os trs reflexos dominantes postural, digestivo, sexual e numa bipartioconforme os dois regimes do simbolismo, diurno e noturno. De acordo com Maria ZairaTurchi (2003: 27), o terico defende a no-contradio do agrupamento das trsdominantes das representaes simblicas em dois regimes, pois, segundo ela, umplano, ao mesmo tempo bipartido e tripartido [...] d conta das diferentes motivaesantropolgicas, porque h mesmo uma relao de parentesco entre a dominantedigestiva e a dominante sexual.

    Da o regime diurno da imagem ser estruturado pela dominante postural, ou seja,pelo gesto reflexolgico de erguer-se, de conquistar a posio vertical, desenvolvendo a

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    faculdade de separar melhor, de discernir a distncia pela vista, o que engloba asmatrias luminosas, visuais e as tcnicas de separao, de purificao, de que as armas,as flechas, os gldios so smbolos frequentes. O regime noturno, por sua vez,segmenta-se nos gestos das dominantes digestiva e sexual. O noturno mstico liga-se descida digestiva, envolve as matrias da profundidade sendo que a gua ou a terracavernosa suscitam os utenslios continentes, as taas e os cofres, o que instila osdevaneios tcnicos da bebida ou do alimento. J o noturno sinttico, dos gestos rtmicos,compreende os ritmos sazonais e seu cortejo astral incorporando os substitutos tcnicosdo ciclo, alm da roda e a roda de fiar, a vasilha onde se bate a manteiga e o isqueiro,todos eles sobredeterminados pela frico tecnolgica da rtmica sexual (DURAND2001a: 54-55).

    Reatando o fio que discorria sobre as dimenses do smbolo, Durand (1976: 258-259) interpe como segundo patamar a dimenso gentica, que corresponde ao carteroptimal do significado em si mais favorvel evocao. Aqui, o investigador lembraironicamente o carter agressivo do homem como uma segunda natureza, chamando-oprimata carniceiro para depois ressaltar sua inerente faculdade de simbolizao:nesse primata to especial, to estranho que o macaco nu, nesse primata carniceiroque o homem, que existe a qualidade especfica e compacta da simbolizao.

    Enfim, a terceira e ltima dimenso do smbolo vista como dinmica pelopesquisador. Para ele, a terceira via corresponde instncia plural do mito, pois naestrutura do mito reside a chave da diferena para compreenso dos processos demovncia do aparelho simblico. Desse modo, o mito constitui a dinmica do smbolo,porque se funda na tenso de uma oposio visceral para o desenvolvimento dossentidos, ou seja, ele faz subsistir os smbolos atravs do drama discursivo que anima,atravs da conflagrao dos antagonismos e dos aprofundamentos dialticos [...] comque alimenta a simblica (DURAND 1976: 265).

    A lgica do mito, portanto, no se funda na dialtica binarista de Aristteles,Plato e Scrates. Discorrendo sobre o paradoxo do imaginrio no ocidente, Durand(2001b) destrincha com propriedade os movimentos de avano do iconoclasmo, bemcomo os de resistncia do imaginrio. No escopo de este trabalho detalhar a escaladadessas foras de avano e recuo, mas cumpre situar a lgica do mito no alvorecersocrtico do racionalismo ocidental.

    Durante muitos sculos, a lgica binria excluiu a terceira via, ou seja, o mitoque no poderia ser explicado pela razo. Na expresso de Durand (2001b: 9-10), asrazes dessa excluso iconoclasmo endmico remontam a lgica da filosofiaclssica aliada proibio mosaica de criar qualquer imagem (eidlon) como umsubstituto para o divino. Assim, incapazes de permanecerem bloqueados no enunciadoclaro de um silogismo, os mitos e as imagens propem uma realidade velada, aopasso que a lgica aristotlica exige claridade e diferena. Este cenrio, sem dvida,configura o grande paradoxo da civilizao ocidental, que, por um lado, legou aomundo tcnicas de reproduo da comunicao das imagens cada vez mais aprimoradas,e, por outro, amparada pela filosofia, demonstrou uma desconfiana iconoclasta (quedestri as imagens ou, pelo menos, suspeita delas) endmica (DURAND 2001b: 7).

    Sopesando os reflexos do pensamento platnico, embora o filsofo legitime oraciocnio dialtico nos seus Dilogos, de acordo com Durand, Plato sabe que muitasverdades escapam filtragem lgica do mtodo, pois limitam a razo antinomia e

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    revelam-se, para assim dizer, por uma intuio visionria da alma que a antiguidadegrega conhecia muito bem: o mito. Assim, o pensador, j em sua poca, considerava omito como uma via de acesso para as verdades indemonstrveis: a existncia da alma,o alm, a morte, os mistrios do amor... Ali onde a dialtica bloqueada no conseguepenetrar, a imagem mtica fala diretamente alma (DURAND 2001b: 16-17).

    Da instncia plural e indemonstrvel do mito, uma via que privilegia mais aintuio pela imagem do que a demonstrao pela sintaxe (DURAND 2001b: 27), oestudioso insere a noo do trajeto antropolgico, espao retesador dos conceitosfundamentais do imaginrio:

    O trajeto antropolgico [...] pluraliza e singulariza as culturas semesquecer a natureza biolgica do homem que, para a cincia, no deforma nenhuma um paradigma esquecido. [...] Existe uma naturezabiolgica do homo sapiens, no vazia, mas cheia de potencialidades, eque essas potencialidades se aplicam em infinitas atualizaes. Essasatualizaes, as culturas, constituem a marca privilegiada e especfica dohomem, mas so a causa, o fator dominante das suas representaes(DURAND 1976: 260-261).

    Clarificando o conceito, os grandes eixos do trajeto agrupam, em um espao de

    tenso permanente, constelaes de imagens que esto submetidas troca entre aspulses subjetivas do sujeito bio-psquico e as intimaes objetivas do meio scio-cultural. Nessa troca, o essencial da representao simblica, transitando entre plosreversveis, constitui o agrupamento dos produtos do imaginrio convergindo em tornode ncleos organizadores em um isomorfismo semntico (DURAND 2001a: 41-47).Assim, de um lado, o smbolo emerge numa espcie de vaivm contnuo das razesinatas da representao do sapiens, do outro, aflora nas vrias interpelaes do meiocsmico e social, porque h uma relao complementar entre as aptides inatas dosapiens e a repartio dos arqutipos verbais nas estruturas dominantes (DURAND2001b: 90). E o mais importante que no espao do trajeto antropolgico das grandesconstelaes simblicas, os esquemas manifestam-se nos arqutipos, e estes, por suavez, configuram-se nos smbolos em sentido estrito.

    Na potica ceciliana, o trajeto aglutina as constelaes simblicas plasmadorasdo seu psiquismo imaginal tanto nas foras tensoras da subjetividade como nasimpositivas da universalidade. nesse sentido que, em Metal rosicler, recorrem osmitologemas questes cabais da problemtica humana relacionadas a algum mitodiretor da vida e da morte diante da temporalizao e o mito dominante de Hermesconsubstanciado no discurso alqumico subjacente obra nos seus mitemasconstitutivos: a ambiguidade, a androginia ou o hermafroditismo, o atributo depsicopompo do sujeito potico e a coincidncia dos contrrios. Note-se que omitologema de Hermes transita entre os dois extremos, vida e morte, guiando oshomens de uma estao outra. Sobre a matria das imagens, predominam as areas eas da gua destacando os smbolos hermticos do Filho, do pssaro, do caduceu, darvore e do cisne. So instncias arquetpicas, originrias dos esquemas, que engendramo enxame simblico nos feixes das imagens atualizadoras do substrato mtico deHermes na representao potica da autora.

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    Desse arsenal terico, cumpre referendar a natureza do mito nos processosexplicativos, onde eles so como paradigmas ltimos de situaes que no podem serexplicadas (DURAND 1976: 263). Claude Lvi-Strauss quem aponta a qualidadefundamental do sermo mythicus, isto , a redundncia. Segundo ele, como o mito no nem um discurso para demonstrar nem uma narrativa para mostrar, deve servir-se dasinstncias de persuaso indicadas pelas variaes simblicas sobre um tema(DURAND 2001b: 60). Esboam-se, assim, os contornos do universo do smbolo,segundo o iderio durandiano, que se fecha no reconhecimento de que toda revelao[...] necessita [...] de ter razes naquilo que ultrapassa a histria, naquilo que existiusempre em todos os tempos e em toda a parte, no fundamento da condio do homem(DURAND 1976: 267), ou seja, a revelao deve assentar-se na esfera do mito.

    Exerccio mitocrtico norteado pela memria potica

    Transpondo essa larga teorizao leitura de Metal rosicler, observa-se, nadinmica dos poemas, o cruzamento dos esquemas, arqutipos e smbolos do imaginrionoturno tanto mstico como sinttico. Dentre essas ocorrncias, ressaltam-se: osesquemas eufemizantes da descida, do engolimento e do acolhimento no msticocombinados aos esquemas cclicos e progressistas no sinttico; os arqutipos dainverso no mstico aliados aos arqutipos do Filho e da rvore no sinttico; e, por fim,os smbolos do aconchego no mstico associados aos smbolos hermticos oualqumicos no sinttico. Alguns desses elementos inclusive podem ser apontados nopoema 44 da obra mencionada:

    Houve um poema,entre a alma e o universo.No h mais.Bebeu-o a noite, com seus lbios silenciosos.Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

    Houve um poema:parecia perfeito.Cada palavra em seu lugar,como as ptalas nas florese as tintas no arco-ris.No centro, mensagem docee intransmitida jamais.

    Houve um poema:e era em mim que surgia, vagaroso.J no me lembro, e ainda me lembro.As nvoas da madrugada envolvem sua memria. uma tnue cinza.O coral do horizonte um rastro de sua cor.Derradeiro passo.

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    Houve um poema.H esta saudade.Esta lgrima e este orvalho simultneos que caem dos olhos e do cu.(MEIRELES 2001: 1249-1250)

    No que tange aos elementos formais, contrariando a costumeira tendncia de

    regularidade da potica ceciliana, este poema configura certo desvio em relao aosprocedimentos clssicos de elaborao, bastando observar a estrofao irregular (umaquintilha, duas stimas e uma quarta respectivamente) e os versos livres. No dizer deOctavio Paz (1976: 15), no verso livre os elementos quantitativos do metro cederamlugar unidade rtmica. [...] Subsistem as pausas, as aliteraes, as paronomsias, ochoque de rudos, o fluxo verbal. [...] Cada verso uma imagem e no necessriosuspender a respirao para diz-los. Nesse sentido, o verso ceciliano tambm preservasua unidade rtmica, mesmo com a oscilao do tamanho entre eles, alguns mais longos,outros menores, o que faz fronteira com discreto prosasmo.

    Quanto linguagem e o ritmo, ambos podem ser mais bem elucidados luz dasproposies de Italo Calvino (1990) para o milnio vindouro. A linguagem sbria,enxuta e despida de atavios da poeta, largamente propalada por seus estudiosos, afina-secom a exatido, terceira proposta do escritor italiano, na qual ele sugere umalinguagem que seja a mais precisa possvel como lxico e em sua capacidade de traduziras nuanas do pensamento e da imaginao (CALVINO 1990: 72). E o ritmo queconfere fluidez ao arranjo poemtico irmana-se com a leveza, primeira proposio deCalvino (1990: 22-37). Para o escritor, a leveza um modo de ver o mundo [...], algoque se cria no processo de escrever com os meios lingusticos prprios do poeta. E elaainda associa-se preciso e determinao, nunca ao que vago ou aleatrio. Da osversos agregarem leveza ao ritmo de modo a erigir uma impresso de suspenso,silencioso e calmo encantamento.

    Tambm em sintonia com Paz (1976: 13), como o ritmo imagem e sentido,ele se apresenta em uma unidade indivisvel e compacta: a frase potica, o verso. Epelas leis da imagem e do ritmo, o ensasta mexicano reitera que h um fluxo e refluxode imagens, acentos e pausas, sinal inequvoco de poesia (PAZ 1976: 15). Na primeiraestrofe do poema examinado, portanto, lbios silenciosos e olhos estrelados demuitos sonhos figuram imagens dessa leveza que flui e reflui, pois elas no evocamtenso, presso, e, muito menos, peso. Elas incitam ao devaneio, meditao e contemplao, ou seja, a aes introspectivas. Alm disso, a leveza do ritmo instaurauma ambincia letrgica posicionando a poeta no devir da criao, entre a razo e odevaneio potico.

    Nesse sentido, dois movimentos cruzam-se ao longo do poema encetados pelamemria potica. A voz lrica entrega-se rememorao tentando resgatar o tempooriginal de uma criao perfeita, mas, ao perceber a impossibilidade de capturar omomento inaugural que concebeu um poema irrepetvel, cai em desolao. Nessedesamparo, porm, no est s. O cosmo tambm se ressente da evocao do poema noo trazer de volta ao cenrio presente. Veja-se do incio.

    J no sintagma do primeiro verso que se repete paralelisticamente em todas asestrofes, nota-se o tom solene, ritualstico de conexo com o sagrado: houve um

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    poema. Ora este poema havido, agora em recuperao pela memria potica, no uma composio qualquer, mas sugere ser a metfora de um grande desejo, de umprojeto longamente anelado em forma de poema. Assim, paralelismos e repetiessintticas fazem a msica do verso ressaltando o semantismo das imagens consteladasque fundem cosmicidade e onirismo, smbolos alqumicos e sagrao da natureza.Exemplificando essas repeties, tm-se os seguintes versos: com seus lbiossilenciosos. / com seus olhos estrelados [...]; j no me lembro, e ainda me lembro.;esta lgrima e este orvalho [...].

    Ainda na primeira quintilha, o rememorar da poeta revela a mediao entre aalma e o universo na feitura do poema, ou seja, o si mesmo anmico e o cosmointeragem na produo de uma obra que se revelar mpar, inimitvel e irrecupervel. Oterceiro verso, curto e seco, no h mais arremata que o poema da conjuno entreo micro e o macrocosmo de outrora no mais existe. A esse corte, sucedem as razes doseu desaparecimento. A noite animizada, de lbios silenciosos e olhos estrelados,simplesmente bebeu-o nutrindo-se do seu substrato precioso e, assim, retirando-o decirculao. O ato de beber, da noite antropomorfizada, ilustra o esquema doengolimento disposto no regime noturno mstico da imagem que se contrape agressividade do devoramento no regime diurno. Enquanto no primeiro, se deglutidosuavemente, em um mergulho de regresso s origens profundas, no segundo, se devorado e rasgado por dentes tenebrosos. Claramente delineado, portanto, a descidasuave, no noturno mstico, entre os lbios delicados da noite para uma instncia deaconchego.

    Na segunda estrofe, uma stima, a poeta prossegue sua evocao potica dopoema que foi deglutido pela noite, ao tempo em que erige um outro na esteira dorememorado. No ato de rememorar do sujeito lrico, materializa-se a metalinguagem dopoema que relembra a criao nica de um texto subsistente na memria, e, em meio aessas lembranas, vai-se fazendo um novo poema.

    Ao discorrer sobre as metforas da memria, Jeanne Marie Gagnebin (2006),afirma que quem escreve deseja interpor-se contra a inelutvel instncia da morte, o quevem ao encontro das asseres da teoria durandiana que situam o imaginrio comofronteira de enfrentamento da temporalidade. No dizer de Gagnebin (2006: 112),

    [...] quando algum escreve um livro, ainda nutre a esperana de quedeixa assim, uma marca imortal, que inscreve um rastro duradouro noturbilho das geraes sucessivas, como se seu texto fosse um derradeiroabrigo contra o esquecimento e o silncio, contra a indiferena da morte.

    Em conformidade com a estudiosa, a princpio, a rememorao sugere que acriao da poeta tem esse carter de marca imortal, da inclusive a tentativa pertinazde reencontro com a obra. Porm, medida que se chega ao final do poema, constata-sea impossibilidade de resgat-lo, pois os escritos esto tambm sujeitos aodesaparecimento e finitude. Poetas como Ceclia, cnscios do sentido da fragilidade edo efmero, sabem que a escrita, ainda que no seja um rastro duradouro, pode seguirevocando o imperecvel e disseminando, por meio dos signos e sinais aleatrios, osvestgios da lembrana, ou seja, de uma presena ausente (GAGNEBIN 2006: 113).

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    Essa presena do ausente ainda, conforme Ricoeur (2007: 61), o traocomum entre imaginao e memria. J o trao diferencial , de um lado, para aimaginao, a suspenso de toda posio de realidade e a viso de um irreal, do outro,para a memria, a posio de um real anterior. Entre uma e outra, segundo Ricoeur(2007: 70), sobreleva a confiabilidade da memria, ou seja, no momento doreconhecimento, em que culmina o esforo da recordao, [...] que alguma coisa sepassou, que alguma coisa teve lugar, a qual nos implicou como agentes, como pacientes,como testemunhas. A essa busca da verdade encetada pela memria, o terico nomeouverdade-fidelidade da lembrana.

    De volta ao poema, observa-se essa fidelidade pelas mincias que descrevem opoema de outrora na segunda estrofe. Ele parecia perfeito. / Cada palavra no seulugar. Essa lembrana da perfeio implica em uma dupla analogia das imagenssuperpostas no feixe simblico da comparao: primeiro, com a perfeio da natureza e,segundo, com a perfeio almejada no processo alqumico. Assim, ptalas nas floresexemplificam a ordem irretocvel da natureza, bem como tintas no arco-ris. Estaltima remete ainda cauda pavonis, fase da alquimia que permeia a albedo e a rubedosinalizando a aurora da operao alqumica, ou seja, a conjuno dos opostos. Quantoao teor do poema, percebe-se nova conexo com o simbolismo alqumico, pois doce amensagem e intransmitida jamais, ou seja, h a aspirao de guard-la, de segred-la,de manter o precioso recado inviolado como nos manuscritos alqumicos.

    Na terceira estrofe, outra stima, insurge o eu lrico, no segundo verso, naevocao direta do poema concebido. Inicialmente, ele recorda o ritmo lento dainspirao potica: era em mim que surgia, vagaroso. No entanto, no terceiro verso, apoeta baralha as coordenadas da rememorao inserindo um paradoxo que afirma oesquecimento, para, de imediato, afirmar a lembrana: j no me lembro, e ainda melembro. O binarismo do verso no confronto dos contrrios leva disperso damemria. Eis que, nos versos seguintes, a concretude da estrofe anterior se esvanecedando lugar a imagens abstratas que ressoam como vestgios da lembrana dessamemria dispersa. Nvoas da madrugada, tnue cinza e coral do horizonte soimagens da memria que constelam smbolos alqumicos: nvoa remete ao orvalhomuito utilizado nas fases iniciais para transformar os opostos, mercrio e enxofre;tnue cinza seria os prprios resduos da nigredo, o que indica um estgio avanadoda coincidentia oppositorum; e, por ltimo, coral do horizonte sugere uma auroraavermelhada, ou seja, prenncio da rubedo tanto pelas cores como pelo horrioterminal da experincia.

    Enfim, na quadra final do poema, a poeta deixa o espao da rememoraocultivado nas estrofes anteriores para interpor o presente diante do passado: houve umpoema. / H esta saudade. Nesse olhar que cruza o passado irrecupervel da memria eo tempo presente, a poeta declara seu desalento, afinal no pode recriar o mesmopoema. E nos versos derradeiros, a natureza tambm lamenta o fracasso, cosmicamente,integrada ao sujeito lrico. As imagens metonmicas do choro da poeta lgrima eda natureza orvalho juntam-se em comunho csmica simultneos aliandoo microcosmo olhos ao macrocosmo cu de onde caem em conjuno: estalgrima e este orvalho simultneos / que caem dos olhos e do cu. Essa quedanatural alude ainda descida suave no noturno mstico que se contrape quedafragorosa no regime diurno da imagem.

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    Instauram-se, assim, nos esquemas do engolimento e da descida no noturnomstico e nos esquemas progressistas dos smbolos alqumicos no noturno sinttico,arqutipos de uma revivescncia sagrada que retesam o mito da criao potica. Notodo da pea, a sacralizao desse momento torna o poema nico e irrepetvelperpetuando o desejo da memria potica de continuadamente reviver a epifania dacriao.

    Cerrando essas consideraes que introduzem a hermenutica simblica daantropologia do imaginrio na leitura de Metal rosicler, em Ceclia Meireles, a matriaverbal e o ofcio inspirado da imaginao celebram a trama simblica dos poemas nosfeixes das imagens que constelam nuanas caras a sua sensibilidade. Solitude habitadade imaginrio, lenta auscultao do eu, sondagens metafsicas, reflexes moralizantes,irreversibilidade temporal, contemplao imperturbvel e peregrinao em torno danatureza consubstanciam o altar dos ritos iniciatrios da poeta nas paragens acolhedorase transformadoras do imaginrio noturno.

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