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Missiologia de Transformação Charles Van Engen Biografía autor Traductor: nombre © 2007 Misiopedia de la edición española (portuguesa) misiopedia.com Caminhando para uma missiologia de transformação Introdução Q UANDO MEU FILHO ANDREW tinha entre quatro e cinco anos de idade, ele possuía vários brinquedos chamados “transformers”. Tratava-se de grandes bonecos de plásticos que representavam um soldado ou um guerreiro samurai. Quando alguém girava os vários componentes do objeto, modificando sua aparência, ele se transformava em um avião a jato ou em um veículo blindado: ele se “transformava”. Ele ainda era o mesmo brinquedo, mas suas várias formas eram bem diferentes. Quando penso em missão hoje em dia, penso nos transformers do meu filho. A atividade missionária e a análise missiológica no século 2 devem sofrer uma transformação radical parecida. Ela precisa ser a mesma missão, a missão de Deus, missio Dei. Porém hoje em dia vivemos um contexto de missão muito diferente do que vivíamos, digamos, há 00 anos. Minha tese consiste em que uma teologia de transformação evangélica: Baseia-se em conceitos clássicos de missão desenvolvidos durante os últimos 00 anos; Supera as dicotomias entre evangelismo e ação social que surgiram 50 anos atrás; e Recria a si mesma em uma prática trinitariana de missão apropriada aos desafios globais/locais e às oportunidades de igreja e mundo nesse novo século. . 2. .

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Missiologia de Transformação

Charles Van Engen

Biografía autor

Traductor: nombre© 2007 Misiopedia de la edición española (portuguesa)

� misiopedia.com

Caminhando para uma missiologia de transformação

Introdução

Quando meu filho andrew tinha entre quatro e cinco anos de idade, ele possuía vários brinquedos chamados

“transformers”. Tratava-se de grandes bonecos de plásticos que representavam um soldado ou um guerreiro samurai. Quando alguém girava os vários componentes do objeto, modificando sua aparência, ele se transformava em um avião a jato ou em um veículo blindado: ele se “transformava”. Ele ainda era o mesmo brinquedo, mas suas várias formas eram bem diferentes. Quando penso em missão hoje em dia, penso nos transformers do meu filho. A atividade missionária e a análise missiológica no século 2� devem sofrer uma transformação radical parecida. Ela precisa ser a mesma missão, a missão de Deus, missio Dei. Porém hoje em dia vivemos um contexto de missão muito diferente do que vivíamos, digamos, há �00 anos.

Minha tese consiste em que uma teologia de transformação evangélica:

Baseia-se em conceitos clássicos de missão desenvolvidos durante os últimos �00 anos;Supera as dicotomias entre evangelismo e ação social que surgiram 50 anos atrás; e Recria a si mesma em uma prática trinitariana de missão apropriada aos desafios globais/locais e às oportunidades de igreja e mundo nesse novo século.

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Charles Van Engen

Contexto histórico: preparando o terreno

Para entendermos para onde vamos com relação à articulação de uma missiologia de transformação, é importando nos relembrarmos de nosso passado. Deixe-me resumir brevemente por onde passamos em nossa reflexão missiológica 100 anos e 50 anos atrás. Tal resumo nos ofereceria lentes com as quais poderíamos ver o futuro. Em A Sociedade Pós Capitalista Peter Drucker disse:

“Em todas as centenas de anos na história (humana) ocorre uma transformação abrupta. Nós cruzamos... o que eu chamo de linha divisória. No espaço de algumas curtas décadas (uma) sociedade

se acomoda – sua cosmovisão, seus valores básicos, suas estruturas sociais e políticas, suas artes, suas instituições fundamentais. Cin-

qüenta anos mais tarde, existe um mundo novo. E o povo nascido então não pode nem imaginar o mundo em que os seus avós viviam

e no qual nasceram seus próprios pais. Nesse momento, nós estamos justamente vivendo uma tal transformação.” (1993:1)

Há alguns séculos, a missão global era a missão Ocidental, uma estrada de mão quase única do Oeste e Norte às outras partes do globo. Naquela época, as perspectivas dominantes tinham a ver com como as missões Ocidentais poderiam cooperar entre si, de como regiões e povos pioneiros poderiam ser alcançados pela primeira vez com o evangelho e como igrejas florescentes na África, Ásia e América Latina poderiam ser ajudadas a tornarem-se autônomas: auto-governadas, auto-reproduzidas e auto-sustentadas.

No início do século 20 havia um grande otimismo sobre a cultura ocidental de modernidade e civilização ocidental. Assumia-se que outras religiões em breve diminuiriam em influência ou desapareceriam totalmente. Missão era geralmente dirigida a áreas rurais, sendo que medicina, educação e agricultura eram frequentemente vistos como meios de evangelização daqueles que ainda não eram cristãos.

Atividades missionárias eram realizadas predominantemente por organizações missionárias denominacionais com algumas notáveis exceções, como a Missão do Interior da China, a Sociedade Missionária Londrina, e as Sociedades Bíblicas, entre outras. Havia uma compreensão compartilhada da Bíblia, e as pessoas partilhavam também uma definição de missões, criada e popularizada pelo slogan do Movimento Estudantil Voluntário, MEV, : “A evangelização do mundo nessa geração”.

Em uma série de conferências em vídeos feita em �984, chamada “Como minha mentalidade mudou com relação à missão”, Stephen Neill observou que na época do grande congresso de missões de Edimburgo em 1910, havia “nove razões para um otimismo sóbrio”: Eu os resumo abaixo:

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A exploração geográfica do planeta estava quase completa.A vida humana gozava de maior segurança no mundo – a guerras haviam cessado.A saúde dos missionários estava melhor.Havia portas de entrada para as principais religiões e cada sistema social havia produzido alguns convertidos.As principais línguas mundiais haviam sido aprendidas.A Bíblia estava disponibilizada na maioria das línguas.Igrejas locais estavam envolvendo-se no trabalho missionário além-mar.Existia um gigantesco Movimento Estudantil Cristão.Igrejas no Terceiro Mundo já começavam, elas mesmas, a tornarem-se igrejas missionárias.

Neill concluiu a conferência observando que nós “ignorávamos três grandes mudanças” na missão no início do século vinte:

Muitas nações logo iriam fechar-se para o trabalho missionário estrangeiro.Haveria um restabelecimento e ascensão das grandes religiões não cristãs.O declínio da igreja aconteceria principalmente no ocidente, e entre as igrejas mais firmemente estabelecidas então.

Em meio a isso tudo e, consciente de todas essas mudanças, Neill afirma que: “O alvo de nossa pregação é que nossos ouvintes tenham uma idéia mais clara a respeito de Jesus Cristo. Nós realmente desejamos que pessoas se tornem Cristãs. Se vimos a Cristo e a vida n’Ele, nós desejamos que todos vejam a Ele – isso é missão.” (Neill 1984, final do vídeo, parte I).

Há um século, as Missões Cristãs partilhavam um consenso sobre uma visão clássica de missões que não fazia distinção entre evangelismo e ação social. Missiólogos geralmente viam o Evangelho causando um impacto sobre toda a vida. Eles tinham uma definição em comum da missão, criada e popularizada pelo slogan do MEV: “A evangelização do mundo nessa geração”. Esse “moto” foi utilizado depois por John Stott como título de seu livro mais famoso e foi também adotado como tema da grande Conferência Missionária Mundial em Edimburgo em �9�0. O slogan do MEV deixava a entender uma visão holística da missão, ainda que devamos reconhecer que tal visão se encaixava frequentemente no alvo de cristianização e civilização centrado no modelo europeu. Porém, mesmo esse alvo continha um componente de conversão.

Essa visão de missão também causava uma grande dose de tensão. Devemos reconhecer que a fórmula de Venn-Anderson dos “três autos” que dominava a cena daquela época era demasiadamente eclesiocêntrica (introvertida e bastante estática), faltando um compromisso de transformação da cultura ou das realidades político, sócio-econômica

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daqueles dias.� A ênfase no serviço social em termos de agricultura, medicina e educação encontrada há �00 anos não era vista como em contradição com a proclamação verbal e conversão de fé pessoal. Ela era vista como um aspecto integral da proclamação de um Evangelho que exigia uma conversão. Depois da Segunda Guerra Mundial esse conceito mudou no pensamento Norte-Americano sobre missão e um grande abismo foi criado entre aqueles que defendiam câmbios sócio-econômicos e políticos e aqueles que afirmavam ser a proclamação verbal o centro da missão.

Reações na metade do século: superando dicotomias

Vieram então as Guerras Mundiais, as revoluções Francesa, Mexicana, Bolchevique e Maoísta, a Guerra da Coréia, o nascimento do Conselho Mundial de Igrejas e a busca da reconstrução do Japão e Europa, entre outros eventos. O globo começou a encolher em razão das viagens aéreas, rádio, telefones e da televisão. E as igrejas na África, Ásia e América Latina começaram a crescer, amadurecer e ganhar influência global. As perspectivas de missão mudaram radicalmente, produzindo profundas dicotomias.

Há 50 anos, novas nações surgiram ao redor do globo. O debate sobre a “moratória”2 trouxe para primeiro plano da consciência missionária o papel de desenvolvimento, crescimento e de missões daquelas igrejas que antes eram chamados “jovens” e, mais tarde, “nacionais”, na África, Ásia e América Latina.� Algumas igrejas protestantes ocidentais falavam do fim da chamada “era missionária”, e defendendo sua substituição por uma “era ecumênica” de cooperação igreja-igreja e o compartilhar global de recursos.4 O ecumenismo global tornou-se um dos principais pontos da ordem do dia para alguns, em conjunto com uma forte ênfase em mudanças sócio-políticas na África, Ásia e América Latina.

Como reação a essa direção em teologia missionária ecumênica, os evangélicos protestantes formaram novas coalizões, enfatizando a proclamação verbal e conversão pessoal em oposição aos alvos sócio-políticos, econômicos e humanistas da missão. Aparentemente, os protestantes evangélicos já não eram incomodados por uma “Consciência Pesada” (Carl Henry: 1947), em relação às dimensões sociais do evangelho. Novas iniciativas de cooperação tendo como alvo a evangelização mundial surgiram em Wheaton �966, e Berlin �966.

� Creio que um dos grandes obstáculos para a evangelização mundial hoje em dia é a persistência no uso da fórmula dos “três autos” (3 self formula). O apego muito forte àquela fórmula introspectiva e ossificada como o alvo de atividades missionárias tem a tendência de criar igrejas egoístas (selfish, em inglês).2 Para uma abordagem resumida desse tema, veja C.Van Engen: 2000e C.Van Engen: 200�� Esse processo começou com a reunião em �9�8 do Conselho Missionário Internacional em Tambaram, Índia. Veja C.Van Engen: �996:�48-�49.4 Para um apanhado sobre alguns desenvolvimentos dessa teoria, veja C.Van Engen �996:�45-�58.

Os evangélicos protestantes forma-ram novas coali-zões, enfatizando a proclamação verbal e conversão pessoal.

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Eventualmente elas lançaram as bases para o Movimento de Crescimento da Igreja, o Movimento AD2000 e outras iniciativas baseadas no ocidente, que viam a missão em termos mais tradicionais de encontrar meios missiologicamente eficientes para que “homens e mulheres se tornem discípulos de Jesus Cristo e membros responsáveis da Igreja de Cristo” (Donald McGravan: 1970; C.Peter Wagner 1989:16).5

Poderíamos resumir a perspectiva missionária dos anos �950 e �960 da seguinte forma:

Igrejas nacionais começaram a amadurecer na Ásia, África, América Latina e Oceania.Novas nações nasceram, particularmente na África, e uma forte crítica anti-colonialista surgiu entre igrejas mais antigas. Associações de missões de fé aumentaram em número e significância, particularmente na América do Norte.O debate sobre a moratória cresceu.Iniciou-se um diálogo de mão dupla a respeito da missão mundial, com uma crítica cada vez mais estridente por parte das novas igrejas nacionais.A Comissão da Missão Mundial e Evangelismo (CMME) reuniu-se na cidade do México em 1962, com o tema: “A Missão nos Seis Continentes”.O Concílio Vaticano II transformou a Igreja Católica Romana.A divisão protestante entre evangelismo e ação social aumentou.Os debates evangélicos e ecumênicos aumentaram e tornaram-se mais acalorados, colocando em paralelo duas leituras da Bíblia (uma visão tradicional e uma outra mais orientada para uma visão sócio-política e econômica).6

Formou-se um forte movimento ecumênico dentro do CMI.Coalizões evangélicas globais e estruturas de cooperação foram criadas – com maior notabilidade o movimento de Lausanne.Teólogos oriundos do mundo não ocidental começaram a fazerem ouvidas suas vozes, oferecendo novas perspectivas para a missão da igreja.

Evangélicos na Europa e na América do Norte reagiram a essa situação, e especialmente decepcionados pela integração do Conselho Missionário Internacional no Conselho Mundial de Igrejas,� enfatizando uma proclamação que buscaria uma conversão pessoal à Jesus Cristo,

5 Para uma abordagem resumida desses pontos em teologia missionária evan-gélica protestante, veja C.Van Engen, �990.6 Veja, por exemplo, Donald McGravan �9��.� É difícil subestimar o impacto que a proposta de integrar o Conselho Mis-sionário Internacional ao Conselho Mundial de Igrejas, que aconteceu na reunião do Conselho Mundial de Igrejas em Nova Deli em �96�, teve sobre a teologia evangélica da missão. Veja C.Van Engen: �996, ��2-���, em particular as notas de rodapé �9-22e �996:�50, nota de rodapé �4.

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contrapondo-se à programas políticos-sociais (veja C.Van Engen: �966: �28-��6). O movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos e movimentos da teologia da libertação na América Latina, Filipinas, Coréia do Sul e na Índia, entre outros lugares, simplesmente acentuaram a divisão. Os escritos de Donald McGravan, apesar de polêmicos, apontavam para a direção correta mas, frequentemente, ampliavam a distância entre essas visões opostas da missão.

Após 40 anos, ainda somos desafiados pelas palavras de Harold Lindsell em �962:

É lamentável que após 50 anos do congresso de Edimburgo (1910) não seja possível termos um congresso de missão que transcenda algumas das divisões sem importância que dividem aqueles com

propósitos missionários similares... Talvez as missões de fé sejam capazes de ampliar essa visão e oferecer liderança dinâmica e cria-

tiva para uma nova época de avanço missionário.(Lindsell 1962:230).

Infelizmente, parece que as fraternidades evangélicas de missões ainda não fizeram frente a esse desafio.

O desenvolvimento histórico da teologia da missão que eu esbocei acima deveria fazer com que os evangélicos dessem uma pausa para pensar na maneira com a qual usamos certas frases. Por exemplo, “A igreja toda levando todo o evangelho a todo o mundo” não foi de criação do movimento de Lausane na reunião de Lausane II em Manilha em �989. Ela foi usada pela primeira vez na reunião do Comitê Central do Conselho Mundial de Igrejas em Rolle, Suíça, em �95�.8

“Missão nos Seis Continentes” ou frases desse tipo enfatizando a missão global de todos os lugares para todos os lugares foi usada primeiramente na assembléia da Comissão de Missão Mundial e Evangelismo na Cidade do México em 1963. (Veja R.R. Orchard, Testemunha nos Seis Continentes �964).

O conceito de missio Dei que parece ser utilizados com freqüência pelos evangélicos hoje em dia foi articulado pela primeira vez por Karl Barth em �9�29 e, seguindo Barth, por Karl Hartenstein em �952. Ele foi associado com uma visão trinitariana de missão na conferência do CMI em Willingen, �952. O conceito foi popularizado por Georg Vicedom em �958, tornando-se moeda bastante corrente no movimento ecumênico pós Cidade do México em 1963 (veja Henry Van Dusen 1961; Georg Vicedom �965). Ele foi usado como a base conceitual da discussão entre o Conselho Mundial de Igrejas e o CCN sobre “as estruturas missionárias da congregação” em 1963 (cf. Colin Williams 1963, 1964 e Conselho Mundial de Igrejas �968). Eventualmente, a teologia conciliar de missão carregou o barco da missio Dei com tanta bagagem que ele

8 Veja, por exemplo, John A. Mackay 1963:13; J.C. Hoekendijk 1966:108; and C.Van Engen �98�:�82; and C.Van Engen �996:�509 Conforme David Bosch �980:�6�.

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quase afundou. �0

Como procurei demonstrar em Missão Peregrina (Mission on the Way), quando a Igreja e a Missão se confundem e fundem, e quando a missio Dei representa todas as atividades que a igreja queira levar implementar no mundo – então a máxima de Stephen Neil parece provada: “Quando tudo é missão, nada é missão”.�� Com o tempo, no contexto do Conselho Mundial de Igrejas, o termo passou a se referir a uma mudança na seqüência, com relação ao conceito da missão. A perspectiva clássica começa com Deus, o qual trabalha primeiramente através da igreja para alcançar e transformar o mundo (Deus-Igreja-Mundo). Mas o profundo pessimismo de J.C.Hoekendijk o motivou a sugerir em A igreja do Avesso (The Church Inside Out) (1966) que uma nova seqüência se fazia necessária, uma ordem que se tornou uma parte essencial da compreensão da missio Dei por parte do CMI após sua Quarta Assembléia em Upsala em �968. Depois de �968, seguindo o caminho aberto por Hoekendijk, missio Dei era usada em círculos do Conselho Mundial de Igrejas para enfatizar que Deus trabalhava no mundo e o melhor que a igreja poderia fazer era juntar-se ao movimento do que Deus estava fazendo no mundo (Deus-mundo-igreja). Essa mudança no encadeamento teve um efeito profundo e de longo alcance na teologia da missão produzida por pessoas associadas com o Conselho Mundial de Igrejas. Tomando em consideração os três exemplos resumidos acima, creio que missiólogos evangélicos devem ser muito claros ao expressar o que crêem – e o que não crêem – ao usar tais termos.

Creio que ninguém estava contente com a dicotomia que eu resumi acima. As décadas de 70 e 80 foram testemunhas de muitas tentativas de reduzir a fissura entre a ação social e o evangelismo verbal. O Movimento de Lausanne trouxe à luz uma série de consultas, publicações e encontros buscando repensar a questão da “prioridade do evangelismo” como articulada no Pacto de Lausanne. Nos anos 70 Arthur Glasser, apesar de ainda usar a linguagem do “mandato evangelístico” e o “mandato cultural”, ele começou a basear-se nas obras de Oscar Cullmann (1951), Herman Ridderbos (1962) e George Ladd (1974) para desenvolver a noção do Reino de Deus como uma maneira de aproximar evangelismo e ação social. Hoje em dia há um maior consenso global a respeito do tema do Reino de Deus como uma forma de estabelecer uma visão de missão mais integral (veja, por exemplo, C.Van Engen 1991: 101-118). Esse tópico tem sido proeminente na teologia da missão de René Padilla �0 Veja, por exemplo, H.H.Rosin, “Missio Dei: um Exame da Origem, Con-teúdo e Função do Termo na Discussão Teológica Protestante;” 1972; James Scherer �98�:9�-�25; James Scherer, “Igreja, Reino e Missio Dei: Correções Luteranas e Or-todoxas para Teologia Missiológica Ecumênica Atual 1993:82-88”; Johannes Verkuyl: �9�8:�28-���; �9�-204; David Bosch �980:242-248; �99�:�89-�9�; C.Van Engen 1981:277-279; 305-323; 1991:108; 1996:150-153; Andrew Kirk 1999:229; Jan Jon-geneel e Jan van Engelen �995:44�-448; Jan Jongeneel �99�:59-6�; D.T.Niles �962; George Vicedom “Missio Dei” em Stephen Neill, Gerald H. Anderson e John Goo-dwins; editores 1971:387; John McIntosh, “Missio Dei” em Moreau, Netland e Van Engen, editores. Dicionário Evangélico de Missões Mundiais (Evangelical Dictionary of World Missions) 2000: 631-633; Leslie Newbigin O Segredo Revelado (The Open Secret) �9�8 �9�8:20-��; Roger Bassham �9�9:6�-��.�� Stephen Neill, 1959, citado por Johannes Blauw 1962:109.

O conceito de mis-sio Dei , articulado

pela primeira vez por Karl Barth, foi

associado com uma visão trinitariana de missão na con-

ferência do CMI em Willingen, 1952.

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e seus associados na Fraternidade Teológica Latino Americana (FTLA). Ao usar o conceito de Reino de Deus, eles desenvolveram a idéia de “missão integral” como uma base conceitual que poderia ligar o abismo que separa o evangelismo e a ação social.�2

A Associação de Teólogos do Terceiro Mundo (ATTM) lidou com o problema nos estágios iniciais de suas consultas.�� Membros da Associação Teológica Asiática também tentaram expressar uma compreensão mais integral da missão para juntar as antigas dicotomias, como é evidente nos escritos de Ken Gnanakan (1989, �992). No Conselho Mundial surgiu um interesse maior em matérias de espiritualidade e formação espiritual. Teólogos Latino-Americanos ligados à Teologia da Libertação, como Gustavo Gutierrez, passaram a explorar questões acerca de espiritualidade e formação espiritual como parte da libertação.

Quando chegamos aos anos 80 e 90, vemos o mundo missionário evangélico começando a interessar-se em um método “integral” de fazer missões. Creio que esse interesse por ter sido influenciado pelo fato que agências missionárias baseadas na América do Norte, ativas por mais de 50 anos, agora têm convertidos de segunda e terceira geração, assim como igrejas amadurecendo na África e na Ásia. Esses convertidos frutos da evangelização inicial por parte dessas missões, começaram a buscar maneiras para que o evangelho que aceitaram tivesse um impacto nas realidades sócio-econômica, cultural e política em que se encontram inserido. Essas novas gerações de convertidos vivem atualmente em circunstâncias de opressão, perseguição, doença, fome e pobreza absoluta. E eles começam a perguntar aos seus irmãos e irmãs ocidentais qual deveria ser o impacto do evangelho nas realidades em que vivem.

Com o declínio da igreja ocidental, e o centro de gravidade mudando de tal forma que agora dois terços da totalidade do Cristianismo encontra-se na Ásia, África, América Latina e Oceania, a igreja de Jesus Cristo cada vez mais é uma igreja de pobres e oprimidos. Assim, no início desse novo século, cristãos e não cristãos ao redor do globo sofrem todo tipo de opressão, necessidade e carência, no contexto do mundo conhecido como o mundo dos dois terços. David Barrett já apontou para esse fenômeno em um artigo publicado na edição de outubro de �98� do International Bulletin of Mission Research, “Não Tenho Ouro ou Prata: Igreja dos Pobres ou Igreja dos Ricos?” (7:4, outubro 1983, 146-151).

Dessa maneira, o movimento “Investigação” (Enquiry), do qual Luis Bush foi pioneiro, é muito importante. Ele tem o potencial de provocar uma reformulação do conceito sobre a natureza da missão que flui da fonte das igrejas majoritárias situadas no mundo majoritário, expressado por cristãos majoritários, espalhados em todos os seis continentes.

�2 A primeira grande publicação da Fraternidade Teológica Latino Americana foi intitulada O Reino de Deus e América Latina (El Reino de Dios y América Latina). Desde então a FTLA tem enfatizado consistentemente o que Padilla e outros chama de “missão integral”. Veja, nesse sentido, Orlando Costas 1974; 1982; Mortimer Arias �980, �984, �998, 200�; René Padilla �986; Samuel Escobar �998; �999; 2002; Timo-thy Carriker 1992 e Valdir Steuernagel 1991, 1992.�� Veja, por exemplo, John Mbiti, 200�.

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Poderíamos dizer que pela primeira vez em �600 anos, desde Constantino, a igreja mundial tem a possibilidade de construir sua compreensão da missão usando como base a experiência, vida, vitalidade e visão de igrejas e missões no sul e no leste do globo, assim como no norte e no oeste. Tudo isso leva a um desejo de repensar e refazer conceitos sobre a natureza da missão no início desse novo século.

A situação atual: reconquistando credibilidade

Quando eu era criança, crescendo em San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, no sul do México, a palavra “transformador” se referia àquelas volumosas caixas redondas instaladas em altos postes de eletricidade, as quais transformavam a corrente de alta-voltagem bruta em uma forma para uso doméstico. Regularmente eles explodiam, deixando a todos nós no escuro. A função daqueles transformadores era converter a energia de alta-voltagem vinda das linhas de alta-tensão acima – energia aquela que não era útil e, de fato, perigosa para nossos lares – e a transformar em voltagem, watts e ciclos apropriados para uso em nossas residências. Eles adaptavam a eletricidade ao contexto de nossas casas.

Na alvorada desse novo século, creio que estamos em uma situação similar no processo de repensar nossos conceitos de missão da igreja global/local. Com dois terços do cristianismo localizado agora no sul e leste, acredito que uma das mais importantes questões sobre missões, sua existência e seu fluxo interior e exterior nos seis continentes no mundo atual, tem a ver com a credibilidade da igreja e sua missão. Do ponto de vista dos que ainda não são cristãos, na arena da competição por afiliações religiosas, e em um mundo de profunda fome espiritual e curiosidade, seria credível a Igreja e sua missão? Pareceria que tentativas anteriores de criar uma teologia relevante falharam.

A fórmula dos três “autos” não é boa o suficiente: ela é demasiadamente eclesiocêntrica e introspectiva. Ela vê a igreja através de lentes predominantemente institucionais e se torna facilmente cega às questões diante daqueles que vivem fora do contexto da igreja.

A linguagem da “prioridade do evangelismo” não é apropriada contextualmente para a maior parte das situações. Ela parece mais preocupada com a formação a priori de definições fixas de evangelismo do que em responder às necessidades, aspirações, preocupações e sonhos das pessoas no contexto ao redor que ainda não conhecem Jesus Cristo. O equilíbrio entre ação e palavra em nosso evangelismo deveria ser orientado em relação ao receptor e bem informada contextualmente.

A linguagem do Reino de Deus é útil, mas tomou significados e formas diferentes no momento de ser posta em prática – e parece ter sido reduzida uma percepção de Deus predominantemente horizontal, com a perda das questões verticais existentes. Estou começando a ver que, para sermos fiéis à figura bíblica de Deus e à missão de

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Deus, devo permear-me da linguagem de relacionamentos, de pacto, sobre o amor a Deus e ao próximo. Apesar de que aqueles que falam a respeito do “Reino de Deus” deixam tal estrutura implícita, ela não é sempre aparente ou enfatizada.

Como mencionado na discussão acima, a linguagem de missio Dei, apesar de potencialmente útil, necessita maior clarificação hoje em dia, devido à bagagem múltipla, confusa e, por vezes, contraditória que o termo carrega. Como vamos distinguir o que é parte da missio Dei e o que não é? Devemos ser cuidadosos em não fazer de tudo missões – e perder a missões no processo. �4

A linguagem de “missão integral” ou “missão encarnacional” pode ter algo a oferecer também, mas, às vezes, ela parece basear-se em perspectivas que continuam a trabalhar com uma dicotomia entre missão como uma proclamação verbal e pessoal e missão que busca uma mudança sócio-cultural e estrutural. Em outros momentos, a “missão encarnacional” parece tão preocupada em afirmar a cultura que o escândalo profético da cruz pode ser eclipsado pelo desejo da identificação com os receptores.

Tudo considerado, tenho a impressão que nós evangélicos começamos a entender que se olhássemos para missões como uma moeda, deveríamos levar em consideração tanto sua “cara” como a sua “coroa”. Mas parece que continuamos em nossa atitude de valorizar separadamente os dois lados, deixando de reconhecer que a moeda se trata de uma peça de 25 centavos. Gostaria de sugerir que uma missiologia de transformação iria nos ajudar a falar sobre a missão como uma “moeda de 25 centavos” em vez de “cara” ou “coroa”.

David Bosch intitulou sua magnum opus “Missão Transformadora” (Transforming Mission). E, ao fazê-lo, ele quis oferecer três significados:

No novo testamento e através do tempo, o conceito de missão transformou-se de tal forma que se formaram uma variedade de “paradigmas” de auto-compreensão relacionados a como a igreja forma seus conceitos sobre a missão.

Com o passar do tempo, as atividades da missão transformaram a igreja à medida que ela participa na missão de Deus.

Os leitores de Bosch – e a igreja em geral – precisa permitir que o Espírito Santo transforme sua idéia sobre a missão para incluir pelos menos os treze “elementos emergentes de um modelo ecumênico de missão”, os quais Bosch especifica no capítulo final de seu livro.

�4 Uma maneira que tenho usado nesse sentido é usar a definição de missão de Stephen Neill “o cruzar intencional de barreiras entre igreja para não-igreja em pala-vras e ação em prol da proclamação do evangelho (Neill: vídeo de 1984)”. Eu defino a missão como “a obra de Deus que colocada em prática primariamente através do Povo de Deus, intencionalmente cruzando barreiras entre a igreja e não-igreja e fé e não-fé, para proclamar em palavra e ação a vinda do Reino de Deus em Jesus Cristo através da participação da igreja na obra de Deus, reconciliando pessoas com Deus, consigo mesmas, entre si e com o mundo, reunindo-lhes na igreja através do arrependimento e fé em Jesus Cristo pela obra do Espírito Santo com vistas a transformar o mundo como sinal do Reino em Jesus Cristo”.

�.

2.

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A fórmula dos três “autos” é demasia-damente eclesiocên-trica e introspectiva.

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Eu gostaria de sugerir que o uso por Bosch do conceito de “transformação” não foi desenvolvido suficientemente. Em Romanos 12:2, o apóstolo Paulo admoesta seus ouvintes para que “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”(NIV). Paulo usa aqui a forma grega μεταμορφοισθε. Ele exige uma metamorfose.�5 Uma missiologia de metamorfose incluiria o tipo de missão que vemos na transformação da mulher de Sicar – assim como toda a vila de Sicar – em João 4.

Metamorfose é a palavra usada para descrever a transformação fenomenal que acontece quando uma crisálida se transforma em borboleta! Creio que uma missiologia bíblica de transformação imagina justamente uma transformação do mesmo tipo em pessoas, estruturas sociais e nações de nosso mundo por causa do evangelho do Reino e a obra do Espírito Santo.

Uma tal missiologia de metamorfose envolveria o tipo de mudança radical que vemos em Paulo após encontrar-se com Jesus na estrada de Damasco. Esta é a missão de Deus que procura “resgatar (pessoas) do domínio das trevas e (resgatá-las) para o reino do seu filho amado (por Deus), em quem temos a redenção, a saber, o perdão dos pecados” (Col. 1:13-14 NIV). Essa é uma profunda e penetrante transformação, a qual leva Paulo a dizer “fui crucificado com Cristo. Assim já não sou eu quem vive. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. (Gal. 2:20 NIV).

Essa é uma missiologia que procura virar o mundo de cabeça para baixo. Porque a missão da igreja é participar na missão de Jesus – e a missão de Jesus fixa os parâmetros para a missão da igreja. A igreja de Cristo em missão intenta “pregar as boas novas aos pobres... proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos, e proclamar o ano da graça do Senhor” (Lucas 4:18-19, NIV). No final do capítulo tratando do “Alvo e propósito da missão” (The goal and purpose of mission), Johannes Verkuyl assinalou para uma missiologia de metamorfose ao enfatizar “o Reino de Deus como alvo da missio Dei”. Aqui estão alguns exemplos de seu pensamento.

O reino do qual a Bíblia testifica envolve uma proclamação e uma concretização de uma salvação total, a qual cobre todo o espectro das necessidades humanas e destrói cada bolsão do mal e dor que

aflige a humanidade. Reino no Novo Testamento tem amplitude e âmbito insuperáveis; ele abarca tanto os céus como a terra, a histó-

ria mundial assim como a totalidade do cosmo.O reino de Deus é a nova ordem das coisas iniciada em Cristo o

qual, quando finalmente completada por ele, incluirá a restauração �5 É interessante notar que todas as traduções em inglês que eu verifiquei traduziram essa palavra como “ser transformado”. A Nova Versão Inglesa traduziu o verso como “não mais adaptarem-se ao padrão deste presente mundo, mas deixem suas mentes serem refeitas e toda sua natureza ser então transformada. Então vocês serão capazes de discernir a vontade de Deus, e saberem como ela é boa, aceitável e perfeita”.

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não somente da relação do homem (humanidade) com Deus, mas também aquelas entre os sexos, gerações, raças e mesmo entre o

homem (humanidade) e a natureza...Quando investigamos as conseqüências práticas de enxergar a mis-são da perspectiva do reino e de suas estruturas, uma das primeiras

coisas a mencionar é nosso chamado divino para convidar seres humanos virem conhecer a Jesus como o Messias do reino... Duas

coisas são necessárias a fim de levar pessoas ao Messias e convidá-los a confessá-lo em palavra e atos. Em primeiro lugar, eles preci-

sam saber o que o Novo Testamento diz a respeito dele... A segunda coisa necessária ao levarmos pessoas ao Messias consiste que cada

um de nós tenha claro que o Senhor vivo está presente... Assim, cada geração descobre novos aspectos sobre ele e O confessa em um

novo feitio...Precisamente porque aceitamos o reino como nosso termo de

referência e ponto de orientação para nossa tarefa missionária, nós devemos prosseguir em afirmar que um chamado à conversão deve suceder nossa proclamação... Dentro do esquema do reino, a

conversão tem sido vista corretamente como um dos alvos inclusivos da missão...

De acordo com o Novo Testamento, a proclamação da mensagem messiânica deve sempre ser seguida pelo ajuntamento, preservação e adição ao povo de Deus... A missiologia deve sempre reservar um

lugar para a eclesiologia e para o estudo de igrejas em seus pró-prios ambientes...

Olhar para nossa tarefa missionária dentro da perspectiva mais am-pla do reino nos levará para ainda outra descoberta: que a partici-pação na luta contra todo vestígio de maldade que ainda atormenta

o homem (humanidade) é parte intrínseca de nosso chamado. De acordo com a Bíblia, o reino não pertence ao futuro. É uma reali-dade atual, ainda não totalmente revelada, mas que mostra sinais

inequívocos de estar a caminho...É gratificante ser capaz de notar ao final do estudo sobre o alvo

da missio Dei e nossa concomitante missão, que a missiologia está progressivamente vendo o reino de Deus como o centro ao redor do qual revolve todo o trabalho missionário. Igrejas nos seis continen-

tes devem manter uma atitude alerta para necessidades em constan-te mutação e adaptar suas prioridades de acordo com as mudanças.

Mas mesmo então elas devem apresentar a mensagem completa a respeito do reino e não reduzi-la a apenas um ponto. Seria inumano tratar somente das carências mais urgentes e agudas de um povo e privá-lo de todas as promessas de Deus por não mencionar o pró-

prio Messias. Ao mesmo tempo, seria um sinal de descaso e indolên-cia pecaminosos se não tentássemos, pela fé, junto com os filhos do reino espalhados ao redor do mundo, erigir no meio das dificulda-des e pecados humanos, sinais e símbolos daquilo que está por vir. Quem ora ‘venha o Teu reino, seja feita Tua vontade’ é chamado a

ajudar na difusão do reino de Deus em todo comprimento e largura da Terra.”(1978:197-204).

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A ênfase trinitariana, orientada ao reino teve eco nos escritos de Lesslie Newbigin, como expressado em O Segredo Revelado (The Open Secret). Ele afirmou que:

A missão cristã é colocar em ação uma crença fundamental e, ao mesmo tempo, um processo no qual essa crença é constantemente reconsiderada à luz da experiência de sua prática em todos os se-tores da vida humana, assim como no diálogo com todos os outros

modos de pensar com os quais homens e mulheres procuram dar sentido às suas vidas. [Essa] crença fundamental é definida pela

afirmação que Deus revelou a si mesmo como Pai, Filho e Espírito. Devo, então, [olhar]... para a missão cristã de três maneiras – a

proclamação do reino do Pai, compartilhando da vida do Filho e dando testemunho do Espírito. (1978:31).

Recriando em um século: buscando uma teologia de transformação

Como podemos, então, caminhar em direção à construção de uma missiologia de transformação que seja trinitariana, tendo o Reino como base? Parece-me que um primeiro passo seria afirmar que a missão não é fundamentalmente nossa: ela não pertence à igreja, ela não è propriedade de agências missionárias, não é propriedade de ONGs (organizações não-governamentais) cristãs. Não nos compete determinar nem o conteúdo nem os parâmetros de nossa missão. Pelo contrário, seguindo a ênfase primeiramente expressada por Vicedom, missão é primordial e fundamentalmente a missão de Deus: ela é a missio Dei. Tomando essa afirmação como verdadeira, é essencial que construamos um fundamento teológico sobre o qual edifiquemos a superestrutura de uma missiologia de transformação. Tal fundamento não pode ser antropológico ou estratégico, demográfico ou lingüístico, político-econômico, sociológico, psicológico ou político. Ele não é determinado tampouco pelas necessidades, exigências ou aspirações das audiências as quais procuramos alcançar. As colunas enterradas no solo macio de nossos vários contextos, colunas que suportarão a estrutura de uma missiologia de transformação devem ser formadas de verdades teológicas tiradas das Escrituras e de como a Igreja compreende Deus, uma compreensão alcançada em vinte séculos de experiência com Deus e de relação com Ele. Isso é pedir bastante, e está muito além dos limites desse capítulo. Entretanto, na parte final desse artigo pretendo descrever em frases gerais resumidas o que eu creio que poderia constituir o conteúdo de uma missiologia de transformação trinitariana e do Reino de Deus. Nós começamos, então, como a Bíblia, (por exemplo, Gênesis �-�, Salmos 8, João �, Efésios �, Colossenses �) declarando Deus o Pai Criador Todo-Poderoso dos céus e da Terra.

Cada geração descobre

novos aspec-tos sobre o Senhor e O

confessa em um novo feitio.

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Deus o Pai

Cristãos cuidam da criação não porque ela é a “mãe terra” (paganismo Nova Era), nem porque o seu cuidado garante a sobrevivência da raça humana (humanismo secular), mas porque ela é criada, cuidada e sustentada por nosso Pai celestial em Jesus Cristo (Salmo 8, João 1, Colossenses � e Efésios �). Sabemos que há um elo entre a salvação dos homens e a da natureza. Pois “a natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados... na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Romanos 8:19-22). E sabemos que o status da criação está conectado intimamente com o relacionamento de seres humanos com Deus. Quando os homens se rebelaram contra Deus no Jardim do Éden, aconteceu a queda da própria natureza. E agora “sabemos que toda natureza criada geme até agora, como em dores de parto... porque aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados...” (Romanos 8:19-22). Deus está sempre, em todo momento, ativamente envolvido na preservação e recriação de tudo que existe. Desta forma, uma missiologia de transformação que participa da missio Dei inclui os cristãos no cuidado, preservação e recriação da ordem criada.

Todos os seres humanos são membros da mesma família humana (somos todos primos, por assim dizer), criados pelo mesmo Deus (Gênesis 1-3, John 1). E toda vida é, em si mesma, sem preço, apesar de caída é criada por Deus, na imagem de Deus. E, como filhos do Deus Criador, os cristãos são inerentemente contra tudo que desumaniza e destrói a vida. Uma missiologia de transformação significará um profundo compromisso de valorizar tudo que dá valor, cuida e realça a vida humana. O Deus da Bíblia ama toda a humanidade de forma igual (a Lista das Nações de Gênesis 10 e Atos 2). “Porque Deus amou o mundo de tal maneira” (João 3:16) inclui toda a humanidade, mesmo aqueles que ainda não são cristãos. Desta forma, uma missiologia de transformação buscará por todos os meios legítima a chamar todos os povos a um relacionamento vivo de fé com seu Criador em Jesus Cristo pela graça, através da fé, concedida pelo Espírito Santo.

Porque Deus o Criador de tudo colocou os homens como administradores da Sua criação, uma missiologia de transformação é uma missiologia de mordomia. Essa mordomia não é meramente somente o uso cuidadoso e sábio do que você e eu possuímos. Em vez disso, é cuidado resoluto e amoroso de tudo que pertence a Deus. Pois tudo que possuímos pertence a Deus. Os cristãos entendem que serem administradores de tudo que Deus criou é seu chamado e sua responsabilidade, algo dado por Deus (Gênesis 1-3, Salmo 8, Hebreus 2:6-9).

O Deus da Bíblia é um Deus compassivo, paciente, cheio de misericórdia (veja, por exemplo, Êxodos 34-6, 2 Crônicas 30:9, Salmo 86:�5) que não quer que ninguém pereça mas que deseja

Uma missiologia de transformação que participa da missio Dei inclui os cristãos no cuidado, preservação e recriação da ordem criada.

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que todos se arrependam (2 Pedro 3:9). Assim, nós como cristãos amamos todos os outros seres humanos porque Deus os amou primeiro e deu Sua vida por eles – e que mesmo sendo ainda pecadores, Cristo morreu por nós e por eles (Romanos 5:8). Nossa motivação para a missão brota da criação de Deus, do amor de Deus, da missão de Deus e do desejo de Deus. Sermos “filhos de Deus” (João 1:12) supõe a participação na missão de Deus. Somos, então, motivados a pregar o evangelho a todos os povos porque somos, de fato, “devedores a ambos gregos e a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes (Romanos 1:14). Participamos no chamado de nosso Pai a todas as gentes para Si mesmo, pois “todo o que nele confia jamais será envergonhado. Não há diferença entre judeus e gentios - o mesmo Senhor é o Senhor de todos e abençoa ricamente todos os que o invocam, porque ‘todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo’” (Romanos 10:11-13).

Deus o Filho: Jesus o Cristo

Cristãos em diálogo com pessoas de outras religiões confessam que não há salvação em nenhum outro: somente através da fé em Jesus Cristo (Atos 4:12). Uma missiologia de transformação irá reconhecer a revelação geral ou graça precursora que Deus inseriu em outras religiões, mas afirmará que somente Jesus Cristo é a completa revelação de Deus – e que somente em Cristo há salvação.

A Escarnação nos mostra que a salvação envolve a criação de uma pessoa nova completamente, pois “se alguém está em Cristo [essa pessoa] é uma nova criação, as coisas velhas passaram e tudo se fez novo” (2 Coríntios 5:17). Uma missiologia de transformação se implicará na criação e recriação de pessoas, almejando que elas se tornem completas, totalmente humanas em Cristo.

A contextualização encarnacional nos leva a uma comunicação e contextualização baseada no receptor. Jesus adaptou sua missão não somente aos seres humanos, mas também a seres humanos específicos: compare sua missão com Nicodemos a sua missão com a mulher se Sicar (João 3 e 4).

O conteúdo da missão da igreja é definido e limitado pela missão de Jesus. Em Lucas 4, Jesus descreve e declara a essência de sua missão. Baseado em como o Novo testamento descreve a missão messiânica de Jesus, e como o corpo de Cristo, a missão da igreja inclui pelo menos Koinonia, Kerygma, Diakonia e Marturia, sendo para o mundo uma comunidade de Profetas, Sacerdotes, Reis, Sanadores, Libertadores e Sábios, e uma amorosa Comunidade do Rei (veja C.Van Engen, O Povo Missionário de Deus (God’s Missionary People) 8�-��2).

O fundamento cristológico de uma missiologia de transformação consistirá em um discipulado duplo. Primeiro, nosso chamado na Grande Comissão é para fazer discípulos – chamar, convidar e juntar

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aqueles que se tornarão discípulos de Jesus Cristo. Em segundo lugar, os discípulos devem “oferecer seus corpos em sacrifícios vivos” sendo constantemente transformados a fim de “experimentar e comprovar [qual é] a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2). Como discípulos de Jesus somos por natureza discípulos missionários e “o amor de Cristo nos compele a sermos embaixadores da reconciliação” (2 Coríntios 5:11-21) em um mundo ferido, confuso e conflitado.

O senhorio de Cristo é o senhorio sobre todos os homens. Um dia, “todo joelho se dobrará” diante de Seu senhorio (Filipenses 2). Nosso privilégio, direito e dever é proclamar o Evangelho do Reino em que “Jesus é o Senhor” em todos os cantos do globo, entre todos os grupos étnicos, e para toda pessoa. O senhorio de Cristo é também sobre todos os principados e poderes deste mundo, incluindo centros de poder econômico, político, social ou estrutural.

Deus o Espírito Santo

O Espírito Santo transforma toda a vida – cada aspecto e todas as facetas da vida de homem e mulheres. Assim uma missiologia de transformação com fundamentos pneumatológicos almejará a criação e recriação da pessoa integral, permeando todos os relacionamentos e estruturas humanas relativas à vida da pessoa.

O Espírito Santo convence “o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (João 16:8). O Espírito Santo converte (transforma) pessoas, dando a elas graça e fé para crerem em Jesus Cristo. Ele é o agente de transformação de pessoas de dentro para fora. A conversão não é possível exceto pela obra do Espírito Santo. Uma teologia de transformação somente pode acontecer através da obra do Espírito Santo. Ela procurará, no poder do Espírito, a criação e recriação espiritual da pessoa juntamente com os aspectos físicos, sociais, emocionais e intelectuais do seu ser. Devemos também, ultimamente, reconhecer que uma missão de transformação implicará, devido à sua própria natureza, uma variedade de formas de guerra espiritual.

Uma missiologia de transformação com fundamentos pneumatológicos supõe o entendimento que somente o Espírito Santo forma a Igreja – e que somente o Espírito Santo dá poder e direção à missão da Igreja (Harry Boer 1961). O Espírito Santo forma, transforma e reforma a igreja para ser, saber, fazer, servir e se relacionar de maneiras descritas em uma variedade de metáforas bíblicas de igreja em missão, como “sal da terra”, “luz do mundo”, vasos terrenos cheios de pérolas do Evangelho, corpo de Cristo, uma nova humanidade, embaixadores da reconciliação, a família de Deus, entre outras. A espiritualidade dos cristãos, de igrejas, e de agências missionárias deve ser transformada através do ministério do Espírito Santo e dirigido em missão para um mundo perdido e ferido tão amado por Deus.

A missão messiânica de Jesus inclui pelo menos Koinonia, Kerygma, Diakonia e Marturia, sendo para o mundo uma comunida-de de Profetas, Sacer-dotes, Reis, Sanadores, Libertadores e Sábios.

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Os dons do Espírito Santo são dados à igreja para a missão no mundo. E os frutos do Espírito são produzidos para o mundo através da presença da comunidade da fé que representa aqueles frutos. Nosso mundo encontra-se em um estado desesperado de necessidade do fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio (Gálatas 5:22). E esse fruto é baseado em pessoas vivendo o Decálogo no amor a Deus e ao próximo. Tal fruto, no poder do Espírito Santo, transformará radicalmente – ele alterará fundamentalmente – as realidades nas quais vivemos hoje em dia.

Jesus Cristo governa o Reino pelo ministério do Espírito Santo. Nós não podemos ter uma missiologia do Reino a menos que tenhamos um conceito pneumatológico e prático da missão que seja amplo, profundo, elevado e vasto.

O Espírito Santo cria esperança sobre a vinda do reino em Jesus Cristo como um depósito da vida eterna (Efésios 1:14). (veja C. Van Engen, “Fé, Amor e Esperança: uma Teologia de Missão No Caminho – em Missão no Caminho 1996, 253-262 (Faith, Love, and Hope: A Theology of Mission-on-the-Way,” in Mission on the Way). Uma missiologia de transformação com fundamentos pneumatológicos aguardará com ansiedade o dia final quando Cristo retorne assim como a transformação final, completa, que ocorrerá em um novo céu e em uma nova terra. Naquele dia, cristãos transformados, dentro de uma realidade transformada, se juntarão ao redor do trono do Cordeiro cantando: “Digno é o Cordeiro que foi morto de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra glória e louvor” (Apocalipse 5:12 NIV).

Os pensamentos acima compõem somente um resumo do que creio serem os pontos básicos do desenvolvimento de uma teologia de transformação. No âmago dessa visão encontra-se um compromisso para uma mudança radical.

Conclusão

Durante as décadas de �0 e 80 servi como missionário em Tapachula, uma cidade tropical na fronteira Mexicana com a Guatemala. Ali, um “transformador” era uma pequena caixa de metal na qual conectávamos nossos eletrodomésticos para regular a corrente que entrava em nossa casa. Aquele “transformador” elevava a voltagem a níveis aceitáveis e amortecia as variações súbitas na corrente elétrica. Esses aparelhos eram imprescindíveis para uma longa vida útil de nossos eletrodomésticos.

Da mesma forma, a missão global/local no século 21 deve ser cultural e contextualmente apropriada às necessidades, aspirações, cosmovisão e programas das pessoas em cada contexto. A fim de responder tais reivindicações, uma missão de transformação precisará ser baseada

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em uma visão trinitariana que está em conformidade com o que aprendemos sobre a missão nos últimos cem anos e, contrariamente, em descontinuidade com a prática missionária levada a cabo no último século. Continuidade e descontinuidade. Essa parece ser a essência do conceito de trans-form-ação. Uma missiologia de transformação envolve trans – e – formação, descontinuidade e câmbios unidos com continuidade e recriação.

TRANS- (discontinuidade)Uma missiologia de transformação pede movimento, metamorfose, mudança, conversão e uma mudança íntima. Sem tal mudança de coração; uma mudança do eu, do ser, nada se transformará. Uma mera mudança de religião, meramente uma conversão individual e vertical não transformará as pessoas, estruturas, sistemas, e culturas desse mundo. A fim de serem credíveis, a igreja e cristãos devem ser úteis para algo – eles devem ser capazes de demonstrar aos povos dos seus contextos e nações que eles têm algo concreto, mensurável, visível, positivo, construtivo e útil aos seus contextos e nações. Isso pede conversões radicais tanto da igreja e de cristãos a serem a presença transformadora de Cristo nesse mundo – quanto à conversão de não cristãos à fé em Jesus Cristo.

-FORMAÇÃO (continuidade) Uma missiologia de transformação também pede uma contextualização encarnacional, para lidar com a relação do evangelho e cultura em milhares de contextos diferentes mundialmente. Essa transformação não é somente uma mera mudança religiosa, não meramente uma questão de um novo rol de membros da igreja. Não se trata somente de civilização ou educação, ou uma mudança do comportamento ético; não é somente uma melhora política ou sócio-econômica. Em vez disto, uma teologia de transformação supõe a nova formação, a recriação de pessoas integrais – de todos os aspectos de suas vidas, cada um em seu contexto particular em termos de saber, ser, fazer, servir e relacionar-se uns aos outros. Ela tem implicações simultâneas pessoais, sociais, estruturais e nacionais. Implica reconciliação com Deus, com o eu, com a criação, outros, e as estruturas sócio-culturais. (Conforme 1 Coríntios 5; veja também a definição de missão de C. Van Engen na nota de rodapé 14 acima).

João termina seu evangelho dizendo: “Jesus realizou na presença de seus discípulos muitos outros sinais milagrosos, que não estão registrados neste livro. Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome” (João 20:30-31). Para que tenham vida. Assim como uma esponja é permeada de água, também nossa missão é oferecer nova vida a mulheres e homens de nosso mundo do século 2� na qual a totalidade de suas vidas, cada aspecto da vida, cada campo de batalha dela sejam permeados com a presença de Deus o Pai, Filho e Espírito Santo. E os ricos e poderosos desse mundo precisam ser transformados, eles precisam se converter, assim como também precisam os pobres e fracos.

Esse é um tempo de mudança social massiva na África, Ásia, Europa

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Oriental, e América Latina – assim como em cidades da Europa Ocidental, Austrália e America do Norte. A igreja de Jesus Cristo está ali para proclamar o evangelho e contribuir na construção de novas nações e na reconstrução de velhas nações. A igreja de Jesus Cristão representa amor, gozo, paz, reconciliação e o valor da vida humana.

Nossa missão é uma missão de transformação. Penso que Gisbertus Voetius (1589-1676) entendeu corretamente – mas devido a sua perspectiva do cristianismo, ele foi incompleto na sua visão da missão de Deus. Voetius afirmou que o alvo da missão é triplo: a conversão de pessoas a Jesus Cristo, a implantação e desenvolvimento da igreja e a glória de Deus. (J.H. Bavinck 1977:155; D. Bosch 1980; 1980:126-127; J. Verkuyl 1978:21; Moreau, Netland, Van Engen, editores, 2000:�002).

Entendo que no século 2� devemos acrescentar um quarto alvo, inserido entre “implantação e desenvolvimento da igreja” e a “glória de Deus”, como abaixo. Sabemos que hoje ao redor de um quarto da população do mundo professa algum tipo de fé em Jesus Cristo. Esses cristãos estão agora espalhados pelo mundo em todas as nações, falam mais línguas e tem mais facilidades de comunicação e de locomoção do que nunca na história da igreja. Pela primeira vez na história da humanidade, a igreja de Jesus Cristo pode apresentar o evangelho em uma forma compreensível para todo ser humano na face da terra. Mas isso significa também que a igreja tem também a oportunidade, dever e chamado de ser uma presença transformadora em todos os cantos do planeta. Creio então que devemos adicionar um quarto alvo de missões, como abaixo:

a conversão de pessoas a Jesus Cristo, a implantação e desenvolvimento da igreja, a transformação da igreja e, através dos ministérios da igreja, a transformação dos contextos e nações nos quais ela se encontra e,a glória de Deus.

Orlando Costas estava certo quando afirmou que a igreja somente pode ser o penúltimo alvo da missão, não o alvo final. Mudanças sócio-econômicas é também somente o penúltimo alvo da missão. Uma missiologia de transformação trinitariana e baseada no reino de Deus terá somente um alvo: a glória de Deus (veja, por exemplo, Efésios 1:6, �2, �4). Um dia estaremos em pé juntos com todos aqueles vindos de todas as tribos, famílias e nações que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro. Todos nós nos colocaremos ao redor do trono do Cordeiro e cantaremos: “Digno é o Cordeiro que foi morto...” (Apocalipse 5:12).

Nossa missão é participar na missão de Jesus, a qual era fazer a missão de Deus no poder do Espírito Santo: nada mais, nada menos. Essa missão de transformação radical – uma missão de metamorfose. Qual forma ela deve tomar nesse período transitório entre o “já está aqui” e o “ainda não está aqui” da vinda do Reino de Deus? Creio que Lesslie Newbigin

•••

Uma missiologia de transformação trinitariana e ba-seada no reino de

Deus terá somente um alvo: a glória

de Deus.

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capturou isso bem quando nos desafiou a dar presença concreta, vida e expressão à nossa missão (nossa missão como transformação) dentro e através da vida de congregações locais espalhadas ao redor do mundo. Ele colocou assim:

A realidade primária a qual devemos levar em consideração na nos-sa busca de um impacto Cristão na vida pública é a congregação

cristã... A única hermenêutica do evangelho é um grupo de homens e mulheres que crêem n’Ele e vivem por Ele... Essa comunidade

terá, penso, as seis seguintes características:Ela será uma comunidade de louvorEla será uma comunidade da verdadeEla será uma comunidade que não vive para si mesmaEla será uma comunidade... experimentada no exercício do sacerdócio no mundoEla será uma comunidade de responsabilidade mútuaEla será uma comunidade de esperança.

(Lesslie Newbigin 1989:222-223)

Seja um brinquedo nas mãos do meu filho Andrew, um grande contêiner colocado acima de um poste ou um pequeno aparelho elétrico no sul do México, as três imagens nos mostrarão a mesma idéia: cada objeto é sempre a mesma coisa, mas sempre se transformando em alguma coisa diferente. Assim deve ser nossa missão nesse novo século. Nossa missão é proclamar em palavra e atos sempre o mesmo evangelho que sempre toma novas formas – que sempre recebe transformações e sempre causa transformações.

Minha tese consiste que uma missiologia evangélica de transformação

baseia-se em conceitos clássicos de missão desenvolvidos durante os últimos �00 anos;

supera as dicotomias entre evangelismo e ação social que surgiram 50 anos atrás; e

recria a si mesma em uma prática trinitariana de missão apropriada aos desafios globais/locais e às oportunidades de igreja e mundo nesse novo século.

••••

••

�.

2.

�.

Nossa missão é procla-mar em palavra e atos sempre o mesmo evan-gelho que sempre toma novas formas – que sempre recebe transfor-mações e sempre causa transformações.

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ObrasCitadas: Arias, Mortimer

�980 Venga tu Reino: La memoria subversiva de Jesús. México: Casa Unida — subsequently published in English as Announcing the Reign of God: Evangelization and the Subversive Memory of Jesus. Phil.: Fortress, �984.

�998 Anunciando el Reino de Dios, Evangelización integral desde la memoria de Jesús. San José, Costa Rica: Visión Mundial.

200� El Ultimo Mandato, la Gran Comisión, Relectura desde América Latina. Bogotá: Visión Mundial.

Bassham, Roger

�9�9 Mission Theology 1948-1975: Years of Worldwide Creative Tension—Ecumenical, Evangelical and Roman Catholic. So. Pas.: WCL.

Bavinck, J.H.

�9�� An Introduction to the Science of Missions. N.J.: Presbyterian and Reformed.

Blauw, Johannes

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