missa sobre o mundo em guerra - moçambique miandica 1968

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Missa Sobre o Mundo Em Guerra - Moçambique Miandica 1968. Em Abril de 1968, cerca de três meses depois de chegarmos ao cenário de guerra, um pelotão de "checas" é enviado para render os "veteranos" num dos lugares mais isolados e perigosos da guerra em Moçambique... O comandante, Tenente Coronel Palhares Falcão, entendeu que o Capelão devia lá estar...

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MISSA SOBRE O MUNDO em GUERRA FRICA - Norte de Moambique - Miandica 1 de Abril de 1968

Capela dos Bides - LUNHO - Cart 2325 - Construda com os destroos da Guerra 1968

Miandica, Norte de Moambique 1 de Abril de 1968 Como o Padre Pierre Teilhar de Chardin em MISSA SOBRE O MUNDO...Uma vez mais, eis que no tenho um altar, nem toalhas, nem hstia, nem clice para celebrar o sacrifcio da Missa segundo os rituais e as normas estabelecidas... Tenho, mas no pode haver Missa. Estamos em plena guerra e de rigorosa preveno. As tropas de elite saram para uma operao e no pode haver ajuntamentos ou actividades que no permitam uma reaco pronta e imediata... Estamos em pleno mato. o destacamento mais pequeno e mais isolado do batalho no meio do maior isolamento e desolao! Somos cerca de trs dezenas de soldados. Tenho os nervos num feixe como eles mas no o posso dar a entender... pior a expectativa do que a aco planeada e movimentada, comenta o comandante do destacamento um alferes miliciano com os estudos em suspenso at ao fim da guerra dele ou... para sempre!...?... H rumores. H ditos. H avisos. Houve certas informaes. Houve um morto h poucos dias precisamente no dia em que este grupo veio substituir o destacamento que c estava... Vieram atrs de vocs checas dum raio... Uma vez ou outra atacam de longe daquele... e mal tiveram tempo de se abrigar as granadas de morteiro comearam a chover e foi um tiroteio infernal... Os checas no se mechem. Abrigam-se. Deixem actuar os VCC*. O do morteiro, sozinho, valia por um exrcito inteiro! Chegou a juntar cinco tiros no ar...

A primeira granada deles acertou em cheio na barreira onde eles estavam... a segunda ao p do mastro... e a terceira foi a que matou o soldado e o resto dos estilhaos bateram no nicho que alm erguemos a Nossa Senhora de Miandica Rogai por Ns que ali est desde dez de Novembro de mil novecentos e sessenta e sete, seno teria sido aqui uma mortandade completa... Esta santinha deve ter salvo muitos de morrerem ... S aquele que no se salvou!... As outras j foram cair longe para a mata... Com os primeiros tiros, o morteiro deve ter-se deslocado e foi a nossa salvao... a reaco pronta e estrondosa deve ter desmoralizado os Turras que atacavam. Dentro em pouco estava tudo sereno e no houve mais ataques at hoje... Valha-nos aqui Nossa Senhora que este destacamento s um matadouro sem utilidade nenhuma a guardar um mastro com a bandeira no meio do deserto que esta mata inexplorada! ... H preveno para qualquer eventualidade. Uma defesa de um ataque surpresa ou uma sada rpida em socorro dos que partiram em operao de retaliao e preveno... Conversa-se pouco. Alis, todos somos poucos e cada um est no seu posto e tem as tarefas a cumprir... Cada um rumina para si o medo e as incertezas. as revoltas. Pode ser desolador partilhar tanta carga. Pode desmoralizar. H que passar... Ir conversando. ir animando... Dar-lhes uma oportunidade... que falem. que desopilem. que digam... Provoc-los para que no se metam na concha ou fiquem ali a tiritar de medo... Nestas alturas perde-se a noo dos outros... o inimigo desconhecido e inesperado tem mil formas... perde-se a noo dos companheiros... Cada um tem a tentao de se encolher e pensar em si... Ouvidas estas sbias estratgias dos entendidos militares passado algum tempo estou s, no alto da barreira, porque no pode haver a mnima distraco... A noite cai e o estado de tenso aumenta. Deve rondar pela meia noite! Uma vez mais, eis que no tenho um altar, nem toalhas, nem hstia, nem clice para celebrar o sacrifcio da Missa. Eis que Te ofereo, Senhor, esta Missa do Galo, nesta noite de insnias foradas sem a alegria expectante do Natal em Abril... Nesta noite imensa povoada de mistrios e incertezas celebro o TEU MISTRIO. Como no tenho NADA levanto nas minhas fracas mos esta PATENA gigante voltada para baixo que este cu diferente povoado de jogos de mil luzes em cambiantes fantsticos de sonho que so as estrelas e as constelaes desconhecidas que povoam a abarcar todo este Hemisfrio Sul e esta frica... Eu, teu sacerdote, teu ministro, com o poder de Cristo Sacerdote do Deus Todo Poderoso levanto todo este MISTRIO voltado para Ti... para Ti que habitas a IMENSIDADE...

para Ti que eu imagino a habitar por cima das nossas cabeas, no Cu... recordaes da minha infncia de menino europeu civilizado do Hemisfrio Norte e Ocidental da Europa sem me lembrar que estou na frica Austral, no Hemisfrio Sul, habituado a considerar, menos objectivamente, os outros povos, as outras raas, as outras civilizaes... os outros credos, as outras religies... Eu, teu sacerdote, da religio que me dizem ser a nica verdadeira, quero juntar o meu humilde cntico e integrar-me nessa inteira e global MISSA SOBRE O MUNDO... Ofereo-Te como Coro esta fantstica orquestrao que so os rudos da noite destas assombrosas noites de uma frondosa floresta de frica... Esta natureza pujante, majestosa que respira vitalidade e fora desde as razes que se adivinham profundamente cravadas na terra, at aos grandes troncos que se elevam nas alturas, folhagem densa e verdejante que tudo cobre como um vu... Ofereo-te sobretudo, de tudo, o que tem mais valor: os HOMENS que criaste. Estes homens que aqui dormem... Estes homens que no so capazes de dormir... Estes homens que vigiam e no entendem o que eu fao... os seus anseios... a sua ansiedade... os seus receios... as angstias e a tenso que viveram hoje todo o dia e esto a viver esta noite... a ateno vigilante... cansada das sentinelas... a preocupao e reflexes dos responsveis... dos oficiais... dos comandantes... No OFERTRIO desta MISSA ponho os seus medos e as suas fraquezas... talvez os seus dios e rancores... a sua revolta... a sua sede incontida de vingana, mal dominada, irracional, latente, de que mal se apercebem... numa guerra que no entendem... que no tem sentido nem sada... em que lhes dizem que h inimigos a abater... que h uma ptria a defender... uma ptria que deles e eles que a defendem... de qu?... de quem?... E junto deles, a audcia e o dio a revolta daqueles que aqui e agora so para eles o inimigo que ataca fere e mata... inimigo que ns julgamos pelos nossos critrios e noes e sobretudo pela situao em que se encontram... e que nos torna impotentes, incapazes de perceber, porque s Tu tens critrios de VERDADE irrevogveis. A tens, Senhor, este OFERTRIO de tudo o que teu de tudo o que criaste

to rico e simples nas minhas mos de simples sacerdote... OFERTRIO que, fora de o repetirmos todos os dias nas nossas aldeias a viver em paz podre?! minimizamos e julgamos pequenino sem descortinar o simbolismo e a fora do po e do vinho que Te apresentamos... Nesta HSTIA e neste VINHO a transformar no CORPO e no SANGUE do TEU FILHO... Talvez haja mesmo sangue agora... amanh... j houve nos dias que passaram... nosso e deles... sangue e lgrimas e dor corpos exaustos e suados mas que tm o sopro da vitalidade que lhes deste e est latente os torna capazes de herosmos e faanhas que no conforto e bem alimentados no ousariam tentar... Senhor, todos estes valores e defeitos so o po e o vinho que Te oferecemos. Todas estas coisas humanas, todos estes males, dios, erros, nossos, deles, so o po e o vinho fabricados pelas nossas mos que tu nos deste hbeis, inbeis, destras, menos adestradas... so o nosso OFERTRIO. Sobre estas oferendas to pobres impuras imperfeitas pronuncio, nesta contemplao, as TUAS PALAVRAS da TUA LTIMA CEIA com os teus discpulos para que sob estas espcies ns e eles e os outros possamos ver, pela F, que TU ests, permaneces, s. TOMAI E COMEI ESTE O MEU CORPO... TOMAI E BEBEI ESTE O CLICE DO MEU SANGUE DA NOVA E ETERNA ALIANA... Estou encarregado tambm, como ministro dos sacramentos, de distribuir a COMUNHO. Vou distribuir a COMUNHO desta MISSA aos soldados que me esto confiados e esperam receber de mim uma ajuda que nem um exrcito inteiro pode dar, com todo o seu arsenal... O TEU CORPO e SANGUE sob as espcies deste po e deste vinho que a Natureza verdejante e majestosa que criaste e que suor e sangue ansiedade e dor e sofrimento e pecado e herosmo destes homens que fizeste a Tua imagem e semelhana. SENHOR, que ao receberem-na eu e eles fiquemos em COMUNHO CONTIGO, TE recebamos a TI presente nas coisas todas que nos rodeiam nas pessoas nos sentimentos... j purificados de tudo o que podem ter de mal... e que lentamente, pouco a pouco, ou por milagre, de repente, a Tua GRAA nos penetre, nos possua, - que TU nos possuas e comecemos a olhar as coisas, as pessoas

com TU e possamos ter para com elas OS TEUS SENTIMENTOS e JUZOS de valor, justos e verdadeiros. Que ASSIM SEJA, SENHOR. AMEN. Nesta MISSA SOLENE SOBRE O MUNDO no direi o ITE MISSA EST!... No direi: IDE EM PAZ!... Esta MISSA no tem espao nem tempo. S tem o presente da Tua Eternidade. Ficaremos a celebr-la indefinidamente devido s nossas condies de tempo e de espao AT AO FIM DA GUERRA AT AO FIM DE TODAS AS GUERRAS. POR TUDO ISTO, SENHOR, E POR TERDES PERMITIDO QUE EU SEJA VOSSO MINISTRO EIS-ME EM PROFUNDA E PERMANENTE ACO DE GRAAS. Um capelo militar em frica, Norte de Moambique, Miandica, 1 de Abril de 1968. Penedo Gordo, Beja, Maio de 1992, com reviso para o volume da CART 2325 - em Maio de 1994.

Capela dos Bides Lunho com a N S de Miandica no bido recortado direita... Toda construda com os restos da sucata das viaturas rebentadas na picada entre Nova Coimbra e Lunho: a picada da morte!... Notas: Checas Eram os novatos, acabados de chegar ou com poucos meses de guerra... VCC era a sigla dos Veteranos de Guerra = Velhinhos Com' Caralho - que tinham uns meses de permanncia no terreno, mais ou menos um ano dos dois que durava a comisso de servio... Para festejarem o 1 ano de comisso, muitos gravavam o VCC nos bons...

Trechos de A MISSA SOBRE O MUNDO, de TEILHARD DE CHARDIN

Pierre Teilhard de Chardin (Orcines, 1 de maio de 1881 Nova Iorque, 10 de abril de1955) foi um padre jesuta, telogo, filsofo e paleontlogo francs que logrou construir uma viso integradora entre cincia e teologia.

"Senhor, j que uma vez ainda, no mais nas florestas da Frana, mas nas estepes da sia, no tenho po, nem vinho, nem altar, eu me elevarei acima dos smbolos at pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo". "O sol acaba de iluminar, ao longe, a franja extrema do primeiro oriente. Mais uma vez, sob a toalha mvel de seus fogos, a superfcie viva da Terra desperta, freme, e recomea seu espantoso trabalho. Colocarei sobre minha patena, meu Deus, a messe esperada desse novo esforo. Derramarei no meu clice a seiva de todos os frutos que hoje sero esmagados". "Meu clice e minha patena, so as profundezas de uma alma largamente aberta a todas as foras que, em um instante, vo elevar-se de todos os pontos do Globo e convergir para o Esprito. - Que venham pois, a mim, a lembrana e a mstica presena daqueles que a luz desperta para uma nova jornada!" "Outrora, carregava-se para vosso Templo as primcias das colheitas e a flor dos rebanhos. A oferenda que esperais agora, aquela de que tendes misteriosamente necessidade cada dia, para aplacar vossa fome, para acalmar vossa sede, no nada menos do que o crescimento do mundo impelido pelo devir universal". "Recebei, Senhor, esta Hstia total que a Criao, movida por vossa atrao, vos apresenta nova aurora. Este po, nosso esforo, no em si, eu o sei, mais que uma degradao imensa. Este vinho, nossa dor, no ainda, ai de mim, mais que uma dissolvente poo. Mas, no fundo dessa massa informe, colocastes disso estou certo, porque o sinto um irresistvel e santificante desejo que nos faz a todos gritar, desde o mpio ao fiel: "Senhor, fazei-nos Um!" "Porque, falta do zelo espiritual e da sublime pureza de vossos santos, deste-me, meu Deus, uma simpatia irresistvel por tudo quanto se move na matria obscura, porque irremediavelmente, reconheo em mim, bem mais que um filho do Cu, um filho da Terra, - subirei, esta manh, em pensamento, s alturas, carregado das esperanas e das misrias de minha Terra-Me; e l, por fora de um sacerdcio que somente Vs, creio, me destes, - sobre tudo aquilo que, na Carne humana, se prepara para nascer ou perecer sob o sol que se levanta, eu chamarei o Fogo". "Aconteceu. O fogo, mais uma vez, penetrou na Terra.

No caiu ruidosamente sobre os cimos como o raio em seu fragor. Fora o Mestre as portas para entrar em sua casa? Sem abalo, sem trovo, a chama iluminou tudo por dentro. Desde o corao do menor tomo energia das leis mais universais, ela to naturalmente invadiu, individual e conjuntamente, cada elemento, cada mola, cada liame de nosso Cosmos que ele, poder-se-ia crer, inflamou-se espontaneamente". "E agora, pronunciai sobre ele, por minha boca, a dupla e eficaz palavra, sem a qual tudo desmorona, tudo se desata, em nossa sabedoria e em nossa experincia, - mas com a qual tudo se rene e tudo se consolida, a perder de vista, em nossas especulaes e nossa prtica do Universo. Sobre toda a vida que vai germinar, crescer, florescer e amadurecer neste dia, repeti: "Isto o meu Corpo". E, sobre toda a morte pronta a corroer, fanar e segar, ordenai (o mistrio de f por excelncia!): "Isto o meu Sangue". "Rico da seiva do Mundo, subo para o Esprito que me sorri para alm de toda conquista, revestido do esplendor concreto do Universo. E, perdido no mistrio da Carne divina, eu j no saberia dizer qual a mais radiosa destas duas bemaventuranas: ter encontrado o Verbo para dominar a Matria, ou possuir a Matria para atingir e receber a luz de Deus". "Se o Fogo desceu ao corao do Mundo , finalmente, para me tomar e para me absorver. A partir de ento, no basta que eu o contemple e que por uma f viva intensifique sem cessar seu ardor minha volta. preciso que, depois de haver cooperado, de todas as minhas foras, com a Consagrao que o faz jorrar, eu consinta enfim na comunho que lhe dar em minha pessoa o alimento que ele veio finalmente procurar". "Cristo glorioso, influncia secretamente difusa no seio da Matria e Centro deslumbrante em que se ligam todas as fibras inmeras do Mltiplo; Potncia implacvel como o Mundo e quente como a Vida; Vs que tendes a fronte de neve, os olhos de fogo, os ps mais irradiantes que o ouro em fuso; Vos cujas mos aprisionam as estrelas, Vs que sois o primeiro e o ltimo, o vivo, o morto e o ressuscitado: Vs que reunis em vossa unidade todos os encantos, todos os gostos, todas as foras, todos os estados: por Vs que meu ser chamava com um desejo mais vasto do que o universo: Vs sois verdadeiramente meu Senhor e meu Deus!" "Senhor, encerrai-me no mais profundo das entranhas de vosso Corao. E, quando a me tiverdes, abrasai-me, purificai-me, inflamai-me, sublimai-me, at a satisfao perfeita de vossos gostos, at a mais completa aniquilao de mim mesmo." "Toda minha alegria e meu xito, toda a minha razo de ser e meu gosto de viver, meu Deus, esto suspensos a essa viso fundamental de vossa conjuno com o Universo. Que outros anunciem os esplendores de vosso puro Esprito! Para mim, dominado por uma vocao que penetra at s ltimas fibras de minha natureza, eu no quero, eu no posso dizer outra coisa que os inmeros prolongamentos de vosso Ser encarnado atravs da matria: jamais poderia pregar seno o mistrio de vossa Carne, Alma que transpareceis em tudo o que nos rodeia!" "Ao vosso Corpo em toda sua extenso, isto , ao Mundo tornado por vosso poder e por minha f o crisol magnfico e vivo em que tudo aparece para renascer, eu me entrego para dele viver e dele morrer, Jesus"Postado por Gilberto Ribeiro e Silva 14 de Setembro de 2008 In - http://teilharddechardin.blogspot.com/