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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República na Paraíba EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ___ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA PARAÍBA N.° /2013/MPF/PR/PB/JBS Ref erência : Inquérito Civil Público MPF N.° 1.24.000.001781/2011-23 (em anexo) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador que ao final subscreve, com base no procedimento extrajudicial supramencionado (em anexo), vem, perante Vossa Excelência, com lastro nos arts. 37, §4º, 127 e 129, inciso III, da Constituição da República; arts. 5º, incisos I, letra “h” e V, letra “b”, e 6º, incisos VII, letra “b”, inciso XIV, letra “f”, da Lei Complementar Nº. 75/1993, bem como nas Leis Nº. 7.347/1985 e Nº. 8.429/1992, ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE RESPONSABILIZAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face de: (1) MARGARIDA MARIA SILVEIRA GOMES, brasileira, ex- gestora do Município Mogeiro-PB* , nos anos de 2001 a 2008, CPF Nº. 078.959.924-49, filha de Iracy Rodrigues de Farias Melo, domiciliada na Rua Otaviano Joaquim da Silveira, N°. 22, Centro, CEP 58.375-000, Mogeiro-PB; (2) ROSÂNGELA GUEDES DE LIMA, brasileira , CPF Nº. 966.233.147-68 , ex-Presidente da Comissão de Licitação do Município de Mogeiro-PB* , nascida em 23/07/1964, filha de Virgínia Ferreira Guedes , residente na Rua Presidente Médici, 58, Mogeiro, CEP 58.375-000, Mogeiro–PB, Telefone: (83) 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Procuradoria da República na Paraíba

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ___ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA PARAÍBA

N.° /2013/MPF/PR/PB/JBS

Ref erência : Inquérito Civil Público MPF N.° 1.24.000.001781/2011-23 (em anexo)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador que ao final subscreve, com base no procedimento extrajudicial supramencionado (em anexo), vem, perante Vossa Excelência, com lastro nos arts. 37, §4º, 127 e 129, inciso III, da Constituição da República; arts. 5º, incisos I, letra “h” e V, letra “b”, e 6º, incisos VII, letra “b”, inciso XIV, letra “f”, da Lei Complementar Nº. 75/1993, bem como nas Leis Nº. 7.347/1985 e Nº. 8.429/1992, ajuizar a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE RESPONSABILIZAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

em face de:

(1) MARGARIDA MARIA SILVEIRA GOMES, brasileira, ex-gestora do Município Mogeiro-PB*, nos anos de 2001 a 2008, CPF Nº. 078.959.924-49, filha de Iracy Rodrigues de Farias Melo, domiciliada na Rua Otaviano Joaquim da Silveira, N°. 22, Centro, CEP 58.375-000, Mogeiro-PB;

(2) ROSÂNGELA GUEDES DE LIMA, brasileira, CPF Nº. 966.233.147-68, ex-Presidente da Comissão de Licitação do Município de Mogeiro-PB*, nascida em 23/07/1964, filha de Virgínia Ferreira Guedes, residente na Rua Presidente Médici, 58, Mogeiro, CEP 58.375-000, Mogeiro–PB, Telefone: (83)

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3266-1021 ou Rua José Silveira, s/n, Centro, CEP: 58.375-000, Mogeiro-PB;

(3) GILVÂNCLEIDE DE LOURDES SOUSA DA SILVA, brasileira, CPF Nº. 548.754.554-53, ex-Presidente da Comissão de Licitação do Município de Mogeiro-PB*, nascida em 06/03/1967, filha de Maria das Neves Sousa da Silva, residente na Rua Presidente João Pessoa, N°. 86, Centro, CEP 58.375-000, Mogeiro–PB, Telefone (83) 8105-0478;

(3) JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA, brasileiro* casado, portador do RG Nº. 21.088.169 – SSP/PB e CPF n.º 568.300.504-30, filho de Manoel Marcelino Pereira e de Carmelita Pereira da Cunha, residente na Rua da Tecnologia, 301, Bairro das Indústrias, João Pessoa/PB, telefone (83) 8710-3563;

(4) JURANDIR RONALDO DA SILVA, brasileiro*, separado, autônomo, nascido em 02.05.1968, RG N°. 1.237.690— SSP/PB, CPF N°. 618.309.902-49, filho de Terezinha Eunice da Silva, com residência na Rua Major Joaquim Henriques, N°. 232, Expedicionários, João Pessoa/PB, Telefone 9106-4139;

(5) SAULO JOSÉ DE LIMA, brasileiro*, casado, economista, nascido em 22.09.1952, RG n.° 337.6358 - 2 via, CPF N°. 078.530.504-10, filho de José Júlio Rodrigues de Lima Filho e Paulina Anunciada de Jesus, com residência na Rua Golfo de Sanfernando, N°. 189, Intermares, Cabedelo-PB, Telefone (83) 3248-2274 e 8837-1313;

(6) J. R. PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA.*, pessoa jurídica de responsabilidade limitada, inscrita no CNPJ sob o Nº. 04.828.552/0001-43, podendo ser notificada nas pessoas de seus administradores de fato, Srs. SAULO JOSÉ DE LIMA e JURANDIR RONALDO DA SILVA, acima qualificados;

(7) CONSTRUTORA SÃO LUIZ LTDA.*, pessoa jurídica de responsabilidade limitada, inscrita no CNPJ Nº. 05.193.007/0001-90, podendo ser notificada/citada na pessoa de seu administrador de fato, Sr. JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA, acima qualificado;

(8) ARCO-ÍRIS CONSTRUTORA LTDA.*, pessoa jurídica de responsabilidade limitada, inscrita no CNPJ Nº. 06.943.110/0001-73, podendo ser notificada/citada na pessoa de seu administrador de fato, Sr. JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA, acima qualificado;

pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

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I – DO OBJETO DA AÇÃO

A Ação Civil Pública ora intentada busca, em síntese, a responsabilização dos demandados por atos de improbidade administrativa, consistentes na inobservância de formalidades referentes a procedimentos licitatórios e frustração do caráter competitivo dos certames, inicialmente concebidos para a aplicação de recursos federais repassados ao município de Mogeiro-PB, através dos convênios 17/2002 e 1005/2003 e do contrato de repasse N°. 159520-34/2003, firmados, respectivamente, pelo Ministério da Integração Nacional, pela Fundação Nacional de Saúde e pelo Ministério das Cidades, este último com intermédio da Caixa Econômica Federal (CEF).

A investigação ministerial, como se detalhará mais adiante, não apontou inexecução dos objetos dos convênios e dos contratos. Por outro lado, atestou a ocorrência de uma série de irregularidades que frustraram o caráter competitivo das licitações e, por conseguinte, princípios da Administração Pública (impessoalidade, isonomia, moralidade, entre outros) pelos agentes públicos que organizaram os certames, bem como pelas pessoas jurídicas e particulares (responsáveis e representantes) que deles participaram. As condutas aqui descritas enquadram-se, portanto, nas hipóteses previstas nos arts. 10, inc. VIII e 11, inc. I, da Lei N°. 8.429/1992.

II - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

É induvidosa, no ordenamento jurídico vigente, a legitimidade ativa do Ministério Público para a promoção de Ação Civil Pública intentando a aplicação das sanções pela prática de atos tipificados como ímprobos por agentes públicos. Este propósito está evidenciado na Constituição Federal, mais precisamente no art. 129, III, § 1º, bem como no art. 6º, incs. VII, letra “b” e XIV, letra “f” da Lei Complementar Nº. 75/1993 – Lei Orgânica do Ministério Público da União.

Observa-se, ainda, o art. 37 da Carta Magna, a estabelecer os princípios da Administração Pública, preceito que pavimentou a superveniência da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), cujo art. 17, caput, atribui ao Ministério Público a defesa do Patrimônio Público: “Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar” (grifei). Os Tribunais Superiores, de forma unânime, afirmam a legitimidade ministerial para tanto, a exemplo dos arestos abaixo colacionados:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – (...) 4. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve alargamento do campo de atuação do Parquet que, em seu art. 129, III, prevê, como uma das funções institucionais do Ministério Público a legitimidade para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos. 5. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os

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individuais homogêneos1. (destacado do original)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, MORALIDADE E IMPESSOALIDADE – PENALIDADES PREVISTAS NO ART. 12, III, DA LEI 8.429/92 – ADOÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, OU ADEQUAÇÃO ENTRE A CONDUTA DO AGENTE E SUA PENALIZAÇÃO – CABIMENTO – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO – O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública, na hipótese de dano ao Erário. Obedecido o princípio da proporcionalidade, mostra-se correta a aplicação das penalidades previstas no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92. Precedentes do STJ2. (grifado do original)

Constata-se, portanto, que há clara legitimidade do MPF para figurar no polo ativo da presente Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, poder-dever de atuação do Parquet Federal.

Além disso, a legitimidade ativa do Ministério Público não se resume apenas à perseguição das sanções previstas para a improbidade administrativa. Tem espectro mais amplo, consentâneo com a natureza do interesse inegavelmente difuso, abrangendo em seu conteúdo qualquer medida tendente à defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa, na qual se inclui a probidade dos agentes administrativos.

III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA

De acordo com a Lei de Improbidade (art. 1º, caput, e parágrafo único, c/c arts. 2º e 3º), o sujeito ativo de tais atos – e, portanto, passivos da ação – são os agentes públicos, servidores ou não, que exerçam, embora transitoriamente ou sem remuneração, seja por eleição, nomeação, designação, contratação ou por qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na administração direta ou indireta, em empresa incorporada ao patrimônio público ou em entidade para cuja criação ou custeio o erário tenha concorrido ou concorra com mais de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio ou receita anual.

In casu, como anteriormente já reportado, as irregularidades foram detectadas em procedimentos licitatórios para utilização de verbas federais, como descrito no item “I” acima. Sendo a ex-gestora e o ex-presidente da comissão permanente de licitação do município as pessoas responsáveis pela probidade do procedimento licitatório, pela regularidade da execução e aplicação do objeto do certame, bem como pela ordenação de despesa e pela consequente aplicação dos recursos, enquadram-se, portanto, na situação colocada pelo art. 2º da legislação em foco.

Os demais réus, por sua vez, submetem-se à definição insculpida no artigo 3º da Lei Nº. 8.429/1992: “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou

1 (STJ – RESP 408219 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 14.10.2002)2 (STJ – RESP 291747 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – DJU 18.03.2002)

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concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta” (grifei). Extreme de dúvidas a conclusão segundo a qual as pessoas físicas responsáveis, representantes e/ou com posições de ingerência nas pessoas jurídicas contratadas através do certame viciado beneficiaram-se dos atos ímprobos.

Dessa forma, enquadram-se nas raias da legislação punitiva não só os servidores ou equiparados, mas, de igual modo, os particulares que, de qualquer sorte, tenham concorrido ou se beneficiado de forma direta ou indireta da conduta praticada à margem do ordenamento jurídico e em contrariedade às regras resguardadoras dos princípios legais e constitucionais moldados para a Administração Pública. Nesta senda, muito objetiva a lição dos Professores ÉLCIO D’ANGELO e SUZI D’ANGELO:

“O sujeito ativo do ato de improbidade administrativa é o agente público que, com ou sem auxílio de terceiro, vem a praticar o ato de improbidade, sendo que o particular que induzir ou concorrer para a prática do ato de improbidade ou dele beneficiar-se de qualquer forma, direta ou indiretamente, será considerado sujeito ativo do ato de improbidade administrativa por equiparação (art. 3º, Lei nº 8.429/92).Aquele que não é servidor ou agente público poderá ser, também, sujeito ativo do ato de improbidade administrativa, desde que induza ou concorra para a prática desse ato ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art. 3º da Lei de Improbidade Administrativa), porém, há que se ressaltar que se não for servidor ou agente público não poderá perder o cargo ou emprego, uma vez que as sanções a eles previstas serão outras que não estas, como decorrência lógica”3

Nesse diapasão, com base nas provas carreadas aos autos, justifica-se o ajuizamento de ação por ato de improbidade administrativa em desfavor das pessoas jurídicas listadas no início desta peça (bem como seus responsáveis diretos), além de MARGARIDA MARIA SILVEIRA GOMES, ROSÂNGELA GUEDES DE LIMA e GILVÂNCLEIDE DE LOURDES SOUSA DA SILVA, então prefeita municipal e ex-presidentes da Comissão Permanente de Licitação de Mogeiro-PB, respectivamente, à época dos fatos adiante narrados. Por isso, é inegável a legitimidade passiva dos demandados para figurarem na ACP.

A partir das considerações doutrinárias e jurisprudenciais, as investigações permitem entrever o papel de cada um na empreitada criminosa. Vejamos, de modo resumido, como cada um deles se liga aos ilícitos em disceptação (no item “V” abordaremos os atos ímprobos com maior detalhamento):

MARGARIDA MARIA SILVEIRA GOMES, ex-gestora do Município de Mogeiro-PB, de 2001 a 2008. Consta dos autos que determinou a abertura dos procedimentos licitatórios fraudulentos (Cartas Convite Nºs. 17/2002, 04/2005 e 06/2005), visando beneficiar as pessoas jurídicas adjudicatárias;

GILVÂNCLEIDE DE LOURDES SOUSA DA SILVA, na condição de presidente da Comissão de Licitação do Município de Mogeiro-PB, à época dos

3 O Princípio da Probidade Administrativa e a Atuação do Ministério Público, LZN Editora, 2003, 1a. Edição, pág. 28 – grifei.

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acontecimentos aqui narrados, permitiu a participação, no Convite Nº. 17/2002, de empresa vinculada a uma organização criminosa (que veio a ser a vencedora da competição), atuando em conluio para favorecê-la;

ROSÂNGELA GUEDES DE LIMA, na condição de presidente da Comissão de Licitação do Município de Mogeiro-PB, à época dos eventos aqui tratados, permitiu a participação, nos Convites Nºs 04/2005 e 06/2005, de duas empresas vinculadas a uma organização criminosa, atuando em conluio, favorecendo as adjudicatárias;

JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA, apontado como o responsável pelas pessoas jurídicas CONSTRUTORA SÃO LUIZ LTDA. e ARCO-IRIS CONSTRUTORA LTDA. nos certames, teve participação ativa nas fraudes detectadas nos Convites Nºs. 04/2005 e 06/2005;

JURANDIR RONALDO DA SILVA, por sua vez, apontado como o responsável pela pessoa jurídica J. R. PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA., teve participação ativa nas fraudes detectadas no Convite Nº. 17/2002;

SAULO JOSÉ DE LIMA, tido como responsável de fato pela pessoa jurídica J. R. PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA., também se envolveu na utilização das empresas precedentes em fraudes de licitações públicas, e pode ter participado não só da montagem no convite 17/2002, como também dos convites 4/2005 e 6/2005.

Dessa forma, como ficará demonstrado nos tópicos seguintes, a ex-gestora, as ex-presidentes da Comissão de Licitação e os particulares, em conjunto, cometeram inúmeras irregularidades na gestão de recursos públicos federais repassados ao Município de Mogeiro-PB, sendo necessária a inclusão de todos no polo passivo da presente demanda.

IV – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

A presente actio, como já dito, trata de desobediência às exigências legais em processo licitatório e sabotagem do caráter de competição do referido instituto administrativo, na aplicação de recursos financeiros repassados por órgãos e entidades federais (FUNASA, MIntN, Mcid e CEF).

Nos termos do artigo 109 da Constituição da República, o fator determinante para fixar a competência da Justiça Federal é a existência de lesão a bens, interesses ou serviços da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais. Nesse sentido, eis a jurisprudência sobre o tema:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DESCONSTITUTIVA DE DECISÃO DO TCU MOVIDA POR EX-PREFEITO. RECURSOS TRANSFERIDOS AO ERÁRIO MUNICIPAL POR FORÇA DE CONVÊNIO FIRMADO COM A UNIÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. (...) 3. A competência cível da Justiça Federal é definida ratione personae, e, por isso, absoluta, determinada em razão das pessoas que figuram no processo como autoras, rés, assistentes ou oponentes. 4. Incidência da súmula

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208/STJ: "Compete a justiça federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal." 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara de Passo Fundo-RS, o suscitado” (CC 46.714/RS, Relator Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14.09.2005, DJ 26.09.2005, p. 164 – grifei).

No caso em tela, por envolver recursos provenientes das entidades acima referenciadas, os demandados estão sujeitos à ação por ato de improbidade na esfera da Justiça Federal de primeira instância. Na mesma linha preleciona a Súmula Nº. 208, do Superior Tribunal de Justiça: “compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”.

V – DOS FATOS

V.1 – INTRODUÇÃO

O procedimento anexo à presente inicial foi instaurado a partir do IPL Nº. 411/2009 (“Operação Transparência”), que identificou uma organização criminosa voltada à constituição de pessoas jurídicas com a finalidade de fraudar licitações e desviar recursos públicos, conforme se depreende do despacho de fls. 04/52 (os números de páginas mencionados sem referência a autos correspondem ao Inquérito Civil Público do MPF N°. 1.24.000.001781/2011-23).

Devidamente ajuizada a ação penal, tendo por objeto a organização criminosa, e autorizada judicialmente a extração de cópias para apurar fraudes licitatórias e desvios de verbas públicas (fls. 61/62 e 63), foram instaurados vários procedimentos extrajudiciais destinados a apurar as irregularidades na execução de obras e serviços pelo grupo criminoso em cada Município e órgão público, conforme consta do citado despacho.

O mencionado procedimento administrativo, que tramitou neste Parquet Federal, teve por objeto específico as apurações acerca da atuação da referida ORCRIM no Município de Mogeiro-PB.

V. 2. - DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.

A vasta prova produzida na fase investigatória do IPL Nº. 411/2009 permitiu identificar a existência de uma organização criminosa que agia em diferentes núcleos de atuação, todos devidamente constituídos, de forma estável e duradoura, desde o ano de 2002, que se estruturou profissionalmente a partir da criação de pessoas jurídicas constituídas em nome de “laranjas”4, para a prática de crimes de fraudes em licitações públicas, sonegação fiscal, corrupção ativa e passiva, desvio de recursos públicos e falsificação e uso de documentos falsos.

4 O termo “laranja” será utilizado nesta peça processual para definir terceiros que não tinham qualquer participação ou não sabiam do uso de suas identidades pela ORCRIM.

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A organização criminosa era estruturada em núcleos específicos, cada um colaborando com o todo em busca de uma forma individualizada de contraprestação e, dessa forma, garantindo a sobrevivência de um engenhoso esquema de fraudes e desvios de recursos de municípios e órgãos públicos.

A constituição de empresas em nome de “laranjas” era de fundamental importância para evitar a identificação e a responsabilização dos verdadeiros proprietários, os quais, assim agindo, asseguravam a ocultação da vantagem ilícita auferida.

Em um primeiro momento, o grupo iniciou suas investidas contra os cofres públicos por meio das pessoas jurídicas Construtora SÃO LUIZ Ltda., Construtora ARCO-ÍRIS Ltda., S.J.L. Construções e Serviços Ltda., F.C. Projetos e Construções Ltda. e J.R. Projetos e Construções Ltda., todas constituídas, em sua maioria, em nome de pessoas humildes e sem conhecimento das fraudes (as empresas aqui demandadas estão destacadas em negrito).

Já em um segundo momento, a partir de 2005, novos personagens passaram a participar, ou mediante ingresso na sociedade criminosa ou pelo menos atuando de forma mais ostensiva e efetiva, conferindo mais vigor e organicidade aos trabalhos do grupo.

Com o incremento do grupo, novas empresas surgiram e passaram a interagir com as anteriormente criadas e, com o decurso do tempo, começaram a atuar em substituição às inicialmente fundadas, já que as pessoas jurídicas mais antigas se tornavam visadas pelos órgãos de fiscalização. Nesse rol incluem-se D.R. Projetos e Construções Ltda., ATLANTIS Incorporações, Construções e Serviços Ltda., ALTAS Construções, Projetos e Serviços Ltda., Construtora LDF Ltda., ONIX Construções e Incorporações Ltda., PHOENIX Investimentos e Construções Ltda., Construtora DINAPOLI Ltda., BIANA Construções e Serviços Ltda. e Construtora CANAL Ltda.

Não muito diferente do que normalmente acontece nas várias licitações públicas diariamente abertas neste Estado, as firmas identificadas nesta peça processual apenas serviam, em sua maioria, para formalizar o certame e legitimar os pagamentos efetuados, já que os autos mostram, confirmando o que a experiência há tempos revela, que as obras e os serviços eram executados por particulares, sob o comando dos gestores, ou por outras empresas que não aparecem nos procedimentos por estarem, em maior ou menor grau, vinculadas ou de qualquer forma relacionadas com o poder local.

Constituídas as empresas, os demandados burlavam os certames licitatórios das prefeituras paraibanas com a participação, sobretudo, de prefeitos e de secretários municipais, entre outros servidores públicos, sem os quais as atividades da organização criminosa seriam impossíveis. Em diálogos telefônicos validamente interceptados, os demandados demonstraram praticar de forma reiterada até mesmo a forjadura de licitações com datas retroativas, ou seja, pagamentos eram realizados aos componentes da organização e só posteriormente as licitações eram montadas com os documentos das empresas “de fachada”, a fim de dar aparência de regularidade aos ilícitos perpetrados.

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Carimbos de autoridades, de empresários e de órgãos públicos; papeis timbrados de empresas e prefeituras; cópias xerográficas de rubricas e assinaturas; talonários de notas fiscais e cópias de contratos sociais, ou seja, tudo o que era necessário para a confecção das licitações fraudulentas foi encontrado na posse dos responsáveis pelas empresas componentes do esquema, conforme relatórios de análise de documentação apreendida a seguir citados.

Uma vez constituídas as firmas em nome de interpostas pessoas, era preciso montar os mecanismos para operacionalizar as fraudes junto aos municípios e órgãos públicos. Neste ponto, aparece o segundo núcleo da organização, que, como se depreende da investigação, operava diretamente nos municípios paraibanos, articulando acertos com os membros das comissões de licitação, servidores e gestores públicos, com o único propósito de proporcionar o desvio de recursos públicos, que era assegurado pelas fraudes, afastando a concorrência e permitindo a prática de preços acima dos cotados pelo mercado ou o emprego de outros mecanismos igualmente reprováveis.

As investidas do grupo ficam mais cristalinas a partir das interceptações e dos interrogatórios colacionados na mídia anexada aos autos, revelando a participação direta de gestores municipais, o pagamento de quantias, chamadas de “lambus”5, para que terceiros se afastassem dos certames e deixassem o caminho livre para as tratativas entre o grupo, os agentes públicos e, a princípio, os parlamentares autores das emendas.

A gravidade e a extensão dos ilícitos eram tamanhas que foi possível identificar numerosas e diferentes irregularidades em diversos procedimentos licitatórios. Em muitos deles não havia coerência entre as datas de emissão e saque dos cheques, havia notas fiscais sem identificação de convênio, despesas sem empenho e liquidação, tudo com o único propósito de formalizar e tentar justificar gastos como se fossem legais e devidos.

O bando mantinha, ainda, um braço dentro da FUNASA, terceiro núcleo da organização, o que permitia a obtenção de informações privilegiadas, de dados internos estritamente relacionados à execução de convênios, bem como a manipulação de auditorias. A ingerência no órgão de controle permitia atestar, provavelmente, o emprego de materiais inferiores aos licitados, além de outras falhas propositais.

Ante o teor dos elementos de convicção angariados na fase pré-processual, não remanescem quaisquer dúvidas de que os núcleos da organização criminosa, por meio de cada componente, inclusive os ora demandados JOSÉ ROBERTO MARCELINO, JURANDIR RONALDO DA SILVA e SAULO JOSÉ DE LIMA estavam associados de forma permanente e estável com o objetivo espúrio de cometer os atos ímprobos aqui descritos.

V.3. DAS LICITAÇÕES IRREGULARES

5 Vide definição acima.

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Em seguida, vejamos um quadro sinótico dos procedimentos licitatórios que compõem o objeto da presente inicial, com o detalhamento das irregularidades em cada certame nos tópicos em continuação:

Licitação Convênio Órgão Repassador Empresas Participantes

Carta Convite Nº. 04/2005

Contrato de repasse N°. 1595-34/2003

Ministério das Cidades - CEF

- Construtora São Luiz Ltda. (vencedora)- Arco-Íris Construtora Ltda.- JBN Construções Ltda.

Carta Convite Nº. 06/2005

Convênio N°. 1005/2003

FUNASA - Arco-Íris Construtora Ltda. (vencedora)- Construtora Capital Ltda.- JBN Construções Ltda.

Carta Convite Nº. 17/2002

Convênio N°.457/2001

Ministério da Integração Nacional

- J.R. Projetos e Construções Ltda. (vencedora)- Construtora Caiçara Ltda.- F.B. Construções Ltda.

V.3.1. - CARTA CONVITE N.º 004/2005

Em 15 de fevereiro de 2005, a Prefeitura do Município de Mogeiro-PB abriu o procedimento licitatório Carta Convite Nº. 004/2005, para a construção de 11 (onze) casas populares para famílias de baixa renda, com recursos oriundos do Ministério das Cidades, intermediados pela Caixa Econômica Federal (contrato de repasse N°. 1595-34/2003, com o valor, à época, de R$ 90.000,00 – noventa mil reais) (fls. 163/198 e 1/88 do Anexo I). Presidia a comissão de licitação a requerida Rosângela Guedes de Lima.

O certame, porém, não passou de um simulacro, em frontal violação ao princípio da competitividade que deve nortear os procedimentos licitatórios. É que as empresas CONSTRUTORA SÃO LUIZ LTDA. e ARCO-ÍRIS CONSTRUTORA LTDA. eram administradas, na verdade, por integrantes da organização criminosa descortinada pela “Operação Transparência”.

Essas empresas, apesar de formalmente constituídas em nome de terceiras pessoas, eram de responsabilidade de JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA, sendo diretamente por este utilizadas para fins fraudulentos, como também negociada, mediante parceria, com outros responsáveis de empresa que participaram de outras licitações em municípios diversos.

Em interrogatório policial às fls. 18/25 do Anexo III (mídia à fl. 63) do IPL N°. 411/2009, FRANCINETE PEREIRA DA SILVA, secretária de JOSÉ ROBERTO e cúmplice do esquema, afirmou que este era responsável pela ARCO-IRIS e pela SÃO LUIZ. Vejamos:

“QUE a empresa DR PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA substituiu a empresa ARCO ÍRIS em seu local de funcionamento; QUE tanto a ARCO ÍRIS, quanto a DR PROJETOS são empresas de "papel", ou seja, constituídas apenas para participarem de licitações na modalidade

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convite; QUE na verdade essas empresas não existem e não possuem funcionários; QUE além da DR PROJETOS e ARCO ÍRIS, JOSÉ ROBERTO também tem as empresas de "papel", ATLANTIS INCORPORAÇÕES CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA e CONSTRUTORA SÃO LUIZ; (...) QUE as licitações em que as empresas participam são direcionadas, sendo que JOSÉ ROBERTO recebe apenas um percentual que varia de 4% a 8% do valor dos contratos firmados com Órgãos Públicos; QUE a interrogada monta as propostas das licitantes; (...) QUE essas empresas são utilizadas em processos licitatórios previamente direcionados; (…); QUE quanto a empresa SJL, a mesma pertence a SAULO LIMA; QUE, entretanto, formalmente como proprietário da empresa consta FRANSCISCO CANINDÉ, que é esposo da sobrinha de SAULO LIMA; QUE tal empresa é utilizada por JOSÉ ROBERTO, sendo a mesma de fachada; QUE fora acordado entre JOSÉ ROBERTO e SAULO que JOSÉ ROBERTO ficaria com as notas fiscais da SJL e, em contrapartida SAULO poderia utilizar as empresas de JOSÉ ROBERTO (ATLANTIS, SÃO LUIZ e DR) para emissão de notas fiscais (...)” (sem grifo no original).

Espancando quaisquer dúvidas acerca da também responsabilidade de JOSÉ ROBERTO pela ARCO-ÍRIS CONSTRUTORA LTDA. e pela CONSTRUTORA SÃO LUIZ LTDA., verifica-se do seu próprio depoimento prestado perante a autoridade policial nos autos do IPL Nº. 411/2009 (mídia à fl. 63):

“(…) QUE é proprietário das empresas CONSTRUTORA SÃO LUIZ, CONSTRUTORA ARCO ÍRIS LTDA; QUE constituiu tais empresas, respectivamente nos anos de 2003 e 2004; (...) QUE confirma que apresentava suas empresas de fachada a prefeituras para forjar licitações, recebendo para tanto cerca de 6 a 8% do valor da obra, deduzidos os impostos, quando eles são pagos; QUE também fornecia suas empresas aos intermediários, JÚNIOR, SÉRGIO, AUDY e SOARES, para que os mesmos utilizassem suas empresas de fachada, pagando para o interrogado cerca de 6% do valor da obras;(...) (fls. 07/15 do anexo III - sem grifos no original).

A ausência de competitividade e de seriedade, com a participação de duas empresas “de fachada”, sendo uma delas a vencedora, demonstra que verdadeiramente não houve licitação in casu. Ou seja, tudo não passou de uma montagem, com o objetivo de conferir aparência de legalidade, o que pode ser comprovado pela realização de perícia nos originais do referido procedimento licitatório, como já ocorreu em outras situações investigadas por este Ministério Público Federal e pela Polícia Federal (Laudo N°. 421/2013, de fls. 214/2416). Este Parquet Federal, ciente dessa situação, acresce aos pedidos formulados ao final desta peça o de trabalho técnico sobre os originais dos procedimentos licitatórios investigados (item “VIII.f”, abaixo).

V.3.2 - CARTA CONVITE Nº. 006/2005

Outro procedimento aberto pela Prefeitura de Mogeiro foi a Carta Convite Nº. 006/2005, para a “execução de melhorias sanitárias domiciliares”, com recursos advindos do Convênio N°. 1005/2003, firmado com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), ostentando, à época, as cifras de R$

6 Os originais estão apensados aos autos do IPL n.º 0449/2012

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59.996,61(cinquenta e nove mil, novecentos e noventa e seis reais e sessenta e um centavos) (fls. 81/102 e 140/144 do ICP/MPF e fls. 1/84 do Anexo I, 2ª numeração). Presidia a comissão de licitação a requerida Rosângela Guedes de Lima.

O certame, da mesma forma que o descrito anteriormente, não passou de um simulacro, em flagrante violação aos princípios da competitividade e da obtenção do menor preço pela Administração, que norteiam os procedimentos licitatórios. Uma das empresas participantes – e exatamente a vencedora da competição – foi a “ARCO-ÍRIS CONSTRUTORA LTDA.”, administrada, como já descrito no item acima, por integrantes da organização criminosa desbaratada pela “Operação Transparência”.

De fato, conforme destacado no item pregresso – oportunidade em que foram colacionados trechos de vários depoimentos, não sendo necessário reproduzi-los neste tópico –, a pessoa jurídica “ARCO-ÍRIS CONSTRUTORA LTDA.” é uma das empresas “de fachada”, como bem demonstrou os trabalhos de investigação efetuados pela Operação Transparência, vinculada, ainda que na condição de representante, a JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA. Mais adiante, iremos descrever com mais detalhes os liames ilícitos que aproximam as empresas requeridas e seus respectivos responsáveis de fato.

Assim, não restam dúvidas de que o Convite Nº. 006/2005 foi fraudado, não passando de uma licitação simulada, direcionada a um determinado interessado, violando o princípio da competitividade e acarretando prejuízos ao erário. Reforçam essa suspeita o fato de que nenhuma das assinaturas dos representantes das empresas que tomaram parte na licitação encontram-se nominalmente identificadas, o mesmo valendo para o convite abordado no item precedente.

O mesmo trabalho pericial requerido no item anterior pode ser aplicado nos cadernos processuais desse certame, de modo a atestar a ocorrência da montagem e do direcionamento.

V.3.3 - CARTA CONVITE Nº. 17/2002

Em 1º de agosto de 2002, a Prefeitura investigada abriu o procedimento licitatório Carta Convite Nº. 17/2002, para a reconstrução de 08 (oito) casas populares para famílias de baixo poder aquisitivo, com recursos oriundos do Ministério da Integração Nacional, obtidos por meio do Convênio N°. 457/2011, com o valor, à época, de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (fls. 114/130 e 146/160 do ICP/MPF e páginas sem numeração do Anexo I). Presidia a comissão de licitação a requerida Gilvâncleide de Lourdes Sousa da Silva.

O certame, porém, tratou-se de uma simulação, uma vez que foi vencido por uma empresa “de fachada”, administrada por integrantes da organização criminosa descortinada pela “Operação Transparência” - cuida-se da “J.R. PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA.”

Durante as investigações que instruíram o Inquérito Policial N°. 411/2009, verificou-se, através do Relatório da Receita Federal do Brasil (fls.

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109/238 dos mencionados autos, em mídia anexa à presente inicial) receitas auferidas pela empresa na ordem de R$ 3.028.444,92 (três milhões, vinte e oito mil, quatrocentos e quarenta e quatro reais e noventa e dois centavos), entre 2004 e 2008, sem qualquer recolhimento a título de tributos federais.

No Termo de Informação Fiscal de fls. 1.248/1.276 (IPL N°. 411/2009), a RFB informou que, no endereço constante da base de dados do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), nunca funcionou a J.R.; que a Sra. Damiana da Silva Andrade e o Sr. Paulo Roberto da Silva, sócios da JR, são pessoas humildes; que o responsável de fato pela empresa era o requerido JURANDIR RONALDO. O relatório de fl. 1.289, nos autos 2009.82.00.005562-2 (também constante do CD-ROM em anexo), demonstra que, não obstante a significativa quantia recebida, a J.R. não tinha nenhum empregado em seus quadros! Complementando, a Polícia Federal, às fls. 1538/1556 (processo N°. 2009.82.00.005562-2), constatou que:

“Conforme se extrai do contrato social de tal empresa a mesma teria sido constituída em 18 de dezembro de 2001 no seguinte endereço: Rua Major Henriques n° 232, Torre, João Pessoa/PB. Endereço idêntico ao fornecido pelos supostos sócios EDVALDO ARAÚJO LIMA, DAMIANA DA SILVA ANDRADE e PAULO ROBERTO DA SILVA. Tal endereço conforme apurado posteriormente pela Receita Federal foi indicado com pertencente a outras pessoas, utilizadas como 'laranjas' de empresas criadas por JURANDIR (VOL I fls.186).Em 07 de janeiro de 2004 houve mudança do endereço da empresa fictícia para: BR 230 KM 41, S/N, Galpão 06, Santa Rita/PB. Conforme termo de informação fiscal (VOL fls.1248/1276) o local onde funcionaria a empresa JR PROJETOS já teria sido sede fictícia de outras empresas de fachada, conforme apurado através de cruzamento de dados e por meio de diligências naquele local. (vide VOL I, fls. 183).Ouvidas pela Receita Federal, no município de Santa Luzia/PB, os sócios fictícios da JR PROJETOS, DAMIANA DA SILVA ANDRADE (CPF 037.749.094-66) e PAULO ROBERTO DA SILVA (CPF 008.839.114-00), afirmaram não ter conhecimento que figuravam como sócios da citada empresa. Tais pessoas, como já era esperado pelos fiscais federais, admitiram nunca terem residido fora de Santa Luzia, embora seus domicílios, junto ao Fisco tivessem sido alterados. (…) Ouvido em termo de depoimento nesta Superintendência de Polícia Federal (VOL V, fls. 1002-1006), JURANDIR RONALDO DA SILVA admitiu ter administrado a JR PROJETOS, tendo dito que os sócios formais da empresa eram pessoas próximas a ele, embora tais pessoas não tivessem admitido isso aos fiscais da Receita. Entretanto, afirmou ter passado procuração da JR PROJETOS para SAULO JOSÉ DE LIMA, tendo tal pessoa ficado à frente dos assuntos relativos à participação da empresa em licitações. Cito parte do depoimento de JURANDIR: 'QUE administrou uma construtora de nome JR PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA; QUE tal empresa participou de licitações realizadas em municípios e órgãos do Estado; QUE a JR PROJETOS E CONSTRUÇÕES apresentava como sócios formais as pessoas de DAMIANA DA SILVA ANDRADE (…); QUE, posteriormente passou uma procuração da JR PROJETOS E CONSTRUÇÕES para SAULO JOSÉ DE LIMA; QUE SAULO JOSÉ DE LIMA não constou formalmente como administrador daquela empresa, embora fosse o responsável por ela; QUE a empresa passou a participar de licitações, tendo SAULO JOSÉ DE LIMA solicitando ao depoente que assinasse alguns papéis; QUE ficou acordado entre o depoente e SAULO JOSÉ DE LIMA que tal

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pessoa pagaria os impostos devidos pela empresa em caso de participação da mesma em licitações e repassaria valores ao depoente; QUE o depoente não se recorda os valores que lhe eram repassados por SAULO; QUE não se recorda quais empresas concorriam com a JR PROJETOS; QUE reafirma que quem ficava à frente das licitações era a pessoa de SAULO JOSÉ DE LIMA; QUE não sabe dizer qual era a modalidade de licitação que a JR PROJETOS participava; QUE não sabe dizer quais municípios a JR PROJETOS participava de licitações".

À fls. 1.039/1.041 dos autos 2009.82.00.005562-2, JURANDIR RONALDO afirmou que constituiu a J.R. em nome de terceiros, em razão de restrições cadastrais em seu nome. Ou seja, declarou ser efetivamente responsável pela constituição da pessoa jurídica. Destaca-se do relatório da Receita Federal do Brasil e da Representação Fiscal para Fins Penais (fls. 1840/1868 dos autos supramencionados) que os "laranjas" utilizados no quadro societário da J.R., além de terem sido utilizados em outras firmas vinculadas a JURANDIR RONALDO, possuíam como endereço cadastrado na base de dados da Receita Federal a Rua Major Joaquim Henriques, n° 232, Expedicionários, João Pessoa/PB, que é, nada mais, nada menos, que aquele em que mora (ou morava) JURANDIR.

Observou-se aqui, ainda, o mesmo problema constatado nos demais procedimentos investigados no município de Monteiro: nenhuma das assinaturas dos representantes das construtoras que tomaram parte na licitação encontram-se nominalmente identificadas, isso desde o recibo de entrega dos convites, até a assinatura dos contratos. Constam, apenas, carimbos com o nome das firmas e, no máximo, a descrição “responsável legal”. Os agentes públicos requeridos, ao invés de imprimirem esforços para possibilitar a transparência e a legalidade no decorrer do certame, não só entregaram convites a empresas que existem apenas “no papel”, mas também ficaram silentes diante de todas as irregularidades que macularam a escolha das firmas que executaram os objetos dos convênios firmados.

Por tudo quanto exposto, não restam dúvidas de que o procedimento licitatório em testilha, assim como os outros listados na presente inicial, foi fraudado, não passando de uma licitação simulada, direcionada a um determinado interessado, violando, entre outros princípios, o da competitividade, além de resultar em sérios prejuízos ao erário.

V.4. DAS RELAÇÕES ENTRE AS EMPRESAS INVESTIGADAS E SEUS RESPECTIVOS RESPONSÁVEIS DE FATO.

JURANDIR RONALDO, no termo de depoimento de fls. 1002/1006 (IPL N°. 411/2009, Volume 4, no CD-ROM), admitiu ter administrado a J.R. Projetos e Construções Ltda. e que chegou a passar procuração para SAULO JOSÉ DE LIMA, que também passou a administrar a empresa. Assim, deixou claro que SAULO JOSÉ DE LIMA administrava a J.R., e que "SAULO JOSÉ DE LIMA por ser construtor, também ficava responsável por boa parte das licitações e obras que eram realizadas pela CONSTRUTORA SÃO LUIZ; QUE SAULO JOSÉ DE LIMA possuía procuração da referida construtora". Veja-se, portanto, a ligação de JURANDIR RONALDO com a J.R. e a SÃO LUIZ, empresas participantes e vencedoras de dois dos procedimentos licitatórios aqui investigados.

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No seu depoimento, JURANDIR afirmou que também era procurador da CONSTRUTORA SÃO LUIZ LTDA., além de SAULO, podendo, inclusive, movimentar quantias da empresa: "QUE o depoente possuía procuração da CONSTRUTORA SÃO LUIZ, junto às instituições bancárias para movimentação de valores, bem como possuía poderes para representar a empresa junto à licitações". Acrescentou que "JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA passou a fazer parte do quadro societário da empresa" e que "era o responsável pela contabilidade da empresa", o que demonstra a união de JURANDIR, SAULO e JOSÉ ROBERTO em torno da SÃO LUIZ.

Dessa forma, embora tenham utilizado artifícios para se eximirem das devidas responsabilidades, o cruzamento entre os depoimentos e as auditorias permitem fixar laços entre as empresas em foco e JURANDIR, SAULO e JOSÉ ROBERTO. Embora constituídas por um ou por outro, eram indistintamente utilizadas por todos. A ARCO-ÍRIS, vencedora da Carta Convite N°. 06/2005, despontou em várias outras obras públicas. Mesmo tendo JURANDIR afirmado, em seu interrogatório no IPL N°. 411/2009, que a constituição da ARCO-ÍRIS ficou a cargo de JOSÉ ROBERTO, a empresa foi, na realidade, inicialmente constituída por JURANDIR RONALDO. Sua ligação com a ARCO-ÍRIS é inconteste, pois afirmou ter trabalhado no escritório da empresa e que tinha procuração para representá-la perante instituições bancárias e licitações públicas.

Estreitando ainda mais esses laços, verifica-se, à fl. 1129, apenso 19, sub-item 23.1, do IPL 411/2009, que JURANDIR RONALDO tinha procuração da CONSTRUTORA ARCO-ÍRIS com amplos poderes, inclusive para realizar movimentações bancárias. Já os documentos de fls. 1.123/1.124, do mesmo apenso, mostram JOSÉ ROBERTO como testemunha na constituição da J.R. Projetos e Construções Ltda.

A empresa ARCO-ÍRIS, conforme relatório da Receita Federal do Brasil e da Representação Fiscal para Fins Penais, foi constituída, em 25/08/2004, em nome de “laranjas”7. Em 27/10/2004, ingressou nessa sociedade JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA e, em 06/07/2005, a sua esposa, Josineria Cunha dos Santos. Portanto, SAULO JOSÉ DE LIMA, JURANDIR RONALDO e JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA, desde 2002, mantinham estreito relacionamento à frente de pessoas jurídicas que de fato não existiam. JURANDIR RONALDO, ainda em seu depoimento de fls. 1.004/1.006 (do multicitado Inquérito Policial), afirmou que "a empresa ARCO ÍRIS não possuía nenhum maquinário", o que evidencia a ausência de qualquer atividade empresarial.

VI - DA RESPONSABILIDADE

7 MOACIR GURGEL DE OLIVEIRA (CPF 343.368.694-72) "laranja" também utilizado para a constituição da empresa Cerealista Mendes Ltda. (CNPJ02.970.637/0001-36), cujo endereço constante na base de dados da Receita Federal (Rua Major Joaquim Henriques, n° 232, Expedicionários, João Pessoa/PB) é nada mais nada menos que aquele em que mora/morava JURANDIR. Também é o mesmo endereço de um dos sócios da J.R.; FRANCISCO MARCOS DA SILVA (CPF 219.537.914-68) – "laranja" também utilizado por JURANDIR na empresa Comercial Jaqueira Ltda. (CNPJ 06.299.015/0001-89). Em 27/10/2004, JURANDIR substituiu Moacir Gurgel por Francisco Nascimento de Andrade (também utilizado na constituição fraudulenta da empresa Comercial Jaqueira Ltda., CNPJ 06.299.015/0001-89), e, em 13/06/2005, ele substituiu este último e Francisco Marcos da Silva por Cícero Silva Bulcão.

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As provas carreadas aos autos demonstram que os certames realizados nos anos de 2002 e 2005, ora enfrentados na causa de pedir da presente demanda, foram instaurados com o único propósito de legitimar os gastos públicos realizados. A gravidade dos ilícitos está tão evidente que é possível concluir que tudo era montagem, ou seja, tudo foi feito com o único propósito de formalizar e tentar justificar gastos como se fossem legais e realmente devidos.

Verifica-se dos autos que todos os procedimentos licitatórios não passaram de meras formalidades, de processos que frustraram o caráter competitivo do instituto originalmente moldado pelo legislador, configurando um inequívoco direcionamento, infringindo os princípios da administração pública e as leis Nºs. 8.666/1993 e 8.429/1992.

O direto envolvimento dos demandados JOSÉ ROBERTO MARCELINO PEREIRA, ARCO-ÍRIS CONSTRUTORA LTDA., CONSTRUTORA SÃO LUIZ LTDA., J.R. PROJETOS E CONSTRUÇÕES LTDA., JURANDIR RONALDO DA SILVA e SAULO JOSÉ DE LIMA já foi enfrentado nos itens precedentes, não sendo necessário transcrevê-los novamente, restando, apenas, apontar a participação dos demais demandados.

O direto envolvimento dos membros da Comissão de Licitação também restou configurado a partir do momento em que os réus responsáveis por empresas de fachada confirmam sua participação nos certames, bem como a total omissão quanto às fraudes detectadas, inclusive no momento da abertura dos procedimentos licitatórios. Não bastasse isso, é flagrante, no mínimo, o descuido com a legalidade e demais princípios que regem a competição licitatória, consubstanciados na total ausência de identificação nominal dos responsáveis pelas empresas que apõem assinatura no corpo dos documentos do procedimento licitatório, em suas várias etapas. Não há, portanto, como afastar os fortes indícios no sentido de que com tudo concordaram, participando diretamente das fraudes.

Tampouco há como afastar o envolvimento da então gestora pública nas fraudes apuradas no curso da instrução do presente feito. No caso, coube à ex-gestora a abertura dos autos licitatórios, a homologação, a adjudicação, a celebração dos contratos e a realização dos pagamentos, tudo em um contexto de fraude, tendo indicado pessoas de sua confiança para a composição das respectivas CPLs. Assim, não há como afastar sua participação, ainda que por omissão, vez que tinha o dever legal de evitar as fraudes.

Por fim, mesmo diante de eventuais afirmações dos membros da referida comissão licitatória, que possam ser feitas no curso da instrução probatória, de que não havia qualquer tipo de interferência nos certames, não se pode ignorar as provas juntadas pelo MPF e pela Polícia Federal no multicitado inquérito. Também milita em desfavor da ex-prefeita, em caso de possível tese defensiva de ignorância quanto às irregularidades ocorridas e apontadas pelo Órgão Ministerial, o tamanho da estrutura administrativa do Município e da própria edilidade em si, o que permitia ao gestor conhecimento amplo das ocorrências administrativas.

VII – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

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A Constituição Federal dispõe em seu artigo 37, § 4°., verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(…) § 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Com o fim de dar concreção a essa norma constitucional, veio a lume a Lei Nº. 8.429/1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos, no caso de improbidade no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração direta, indireta ou fundacional, ou entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício de órgão público.

Nas palavras de Nicolau Dino de Castro e Costa Neto: “Os tipos correspondentes à improbidade administrativa estão divididos em três categorias separadas por linhas demarcatórias débeis e, por vezes, imperceptíveis. Assim, na Lei 8.429/92, o art. 9º, elenca os atos de improbidade que implicam enriquecimento ilícito; o art. 10 dedica-se aos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário e o art. 11 reporta-se aos atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública. Todos os três dispositivos legais citados encerram, no caput, tipos genéricos, dedicando os incisos à especificação de algumas condutas, a título exemplificativo, como revela o emprego do vocábulo notadamente”7. Tais sanções independem das demais de natureza criminal e/ou administrativa. Neste caminho, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça esclarece que:

“Os atos de improbidade administrativa definidos nos arts. 9, 10 e 11, da Lei Nº. 8.429/1992, acarretam a imposição de sanções previstas no art. 12, do mesmo diploma legal, às quais são aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas. Tais sanções, embora não tenham natureza penal, revelam-se de suma gravidade, pois importam em perda de bens e de função pública, ou em pagamento de multa e suspensão de direitos políticos, todos aplicados no âmbito de uma ação civil (...)” (REsp. 150329/RS, Relator Ministro VICENTE LEAL, DJ 05/04/1999, p. 156).

Naturalmente, caso a caso, as penalidades são aplicadas de maneira cumulativa ou não. Nesse sentido, Nicolau Dino de Castro e Costa Neto, acima citado, informa a não cumulatividade obrigatória das sanções previstas na Lei N°. 8.429/1992, o que está expresso no art. 12 em razão da nova redação conferida pela Lei Nº. 12.120/2009:

“A gênese das sanções correspondentes à improbidade administrativa está no próprio art. 37, §4º, da Constituição da República, o qual estabelece que a prática de tais atos importará a suspensão de direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei.Advirta-se, desde logo, que as sanções previstas no art. 12 têm natureza civil, lato sensu, não se tratando de promoção de responsabilidade penal.

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Vários aspectos merecem ser ponderados nesta oportunidade. Inicialmente, considerando o extenso rol de sanções, é de se observar que a aplicação das mesmas está subordinada aos princípios da mínima intervenção estatal e da proporcionalidade. Vale dizer, as penas podem ser aplicadas cumulativamente ou não, a depender das situações concretas sujeitas à apreciação judicial.”8

No caso versado nos autos, tem-se que as condutas dos demandados, consistentes na frustração do caráter competitivo do s certame s envolvendo recursos federais, causaram prejuízo ao erário e violaram princípios da administração pública, praticando atos de improbidade previstos no art. 10, caput, e inciso VIII, e art. 11, caput e inc. I , da Lei N º. 8.429/92, que assim dispõem:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa, que enseja perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:(…) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;” “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições e notadamente:I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência (...)”.

Quanto à tipologia do art. 10 da Lei Nº. 8.429/1992, explicam Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:

“(...) Agindo com dolo ou culpa (leve, grave ou gravíssima), sofrerá o agente político as sanções cominadas, não havendo previsão legal de um salvo-conduto para que possa dilapidar o patrimônio público com a prática de atos irresponsáveis e completamente dissociados da redobrada cautela que deve estar presente entre todos aqueles que administram o patrimônio alheio.”

Depreende-se do dispositivo acima que o prejuízo ao erário foi derivado de condutas ilícitas e conscientes, ofensivas aos princípios que norteiam a Administração Pública. Neste ponto “É importante frisar que a noção de dano não se encontra adstrita à necessidade de demonstração da diminuição patrimonial, sendo inúmeras as hipóteses de lesividade presumida na legislação”.9

Insta salientar que a técnica adotada pelo legislador na Lei Nº. 8.492/1992, permite, segundo Emerson Garcia, uma autonomia entre os incisos e o caput dos dispositivos. A enumeração, contudo, não é taxativa, o que se infere da própria indeterminação de alguns conceitos.

De acordo com a doutrina, o legislador se fez valer de duas técnicas ao elaborar a lei, utilizando-se, primeiramente, de conceitos jurídicos indeterminados, apresentando-se como instrumento jurídico adequado ao infindável 8 ob.cit, pág. 364/3659 Op. cit. pag. 261.

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da criatividade e o poder de improvisação humano; a segunda técnica foi utilizada na formação de diversos incisos, que facilitam a compreensão dos conceitos indeterminados veiculados no caput.

O ato de improbidade praticado também se enquadra no art. 11, caput, e inc. I da Lei Nº. 8.429/1992, comando este incisivo ao gizar que “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições(...)”.

A conduta retratada nos autos evidenciam a improbidade administrativa e demonstra desprezo aos Princípios da Moralidade, Impessoalidade e da Legalidade, todos de observância incondicionada exigida pela Constituição da República, e também aos princípios insculpidos na legislação de regência, como a isonomia, o interesse público, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a exigência de julgamento objetivo, na medida em que dispensaram preceitos éticos e regras da boa administração.

Consoante ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Melo, o comportamento do administrador público deve pautar-se sempre nos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade administrativas, assim definidos:

"(...) o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, (...), só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas (...)De acordo com o princípio da moralidade administrativa, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação,... Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos".10

Insta salientar que a enunciação meramente exemplificativa adotada pela Lei N°. 8.429/1992, diferentemente da legislação penal, revela que cabe ao Magistrado se ater à causa petendi, não havendo ilogicidade a aplicação de um dispositivo diverso do invocado na inicial. Assim, estando devidamente apontadas as causas de pedir próxima e remota, balizada está a atuação do Julgador. Neste sentido, Rogério Pacheco Alves:

“Deste modo, em resumo, é preciso distinguir: quanto à causa petendi, há uma estreita vinculação entre a inicial e a prestação jurisdicional, não podendo o juiz aplicar uma sanção por fato não descrito pelo autor. Neste passo, a congruência há de ser absoluta, sob pena de indesculpável inquisitorialismo, como também injustificável violação ao princípio constitucional da ampla defesa. Quanto ao pedido sancionatório, por ser genérico, não há que se falar em adstrição, bastando a narrativa do fato caracterizador de improbidade para que o magistrado aplique as sanções

10 Melo, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, 8. ed. Malheiros Ed. 1996, pp. 57 e 69.

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mais adequadas ao caso, não se devendo olvidar que tal aplicação é, em princípio, cumulativa.”11

Embora, na presente inicial, não esteja diretamente demonstrada a existência de lesão ao erário, é importante consignar que os Tribunais Superiores dispensam, de forma tranquila, a necessidade de prova de malferimento ao erário para a configuração do ato ímprobo atentatório aos princípios da administração pública. Nessa via, o colendo STJ sedimentou o seguinte entendimento:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO QUE, NO EXERCÍCIO DO MANDATO, VINCULOU SUA IMAGEM A REPASSE DE VERBA PÚBLICA COMO SE FOSSE DOAÇÃO PESSOAL. ACÓRDÃO QUE RECONHECEU QUE A CONDUTA DO AGENTE SE ENQUADROU NO ART. 11, I, DA LEI 8.429/92 (…) DESNECESSIDADE DE LESÃO PATRIMONIAL AO ERÁRIO. PRECEDENTES.(…) 5. A jurisprudência desta Corte vem-se alinhando no entendimento de que, quanto ao art. 11 da Lei 8.429/92, por tratar-se de violação a princípios administrativos, a lei não exige prova da lesão ao erário público. Nesse ponto, basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Caso reste demonstrada a lesão, o inciso III, do art. 12, da mesma lei, autoriza seja o agente público condenado a ressarcir o erário. Se não houver dano ou se este não restar demonstrado, o agente poderá ser condenado às demais sanções previstas no dispositivo como a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, a impossibilidade de contratar com a administração pública por determinado período de tempo, dentre outras (Resp 621.415/MG, voto vista do Min. Castro Meira, DJ 30/05/06). Precedentes: Resp 650.674/MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ 01/08/06; Resp 604.151/RS, Rel. p/ ac. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 08/06/06; Resp 717.375/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ 08/05/06; Resp 711.732/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 10/04/06. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não-provido (REsp 884.083-PR, Rel. Min. José Delgado, 1ª TURMA, DJe 16/04/2008 – grifei).

Observe-se que o arranjo de licitações, normalmente, é acompanhado de ilícitos ainda mais graves do que os ora atribuídos aos requeridos. Muitos maus gestores servem-se desse mecanismo fraudulento para entregar a execução de obras e serviços a terceiros, às custas de recursos próprios da municipalidade, ou com a utilização de bens e serviços de qualidade duvidosa, com o fim de desviar a verba oriunda dos convênios. Por essa razão, tais condutas não podem ser minimizadas, sob o simples argumento de aparente execução dos objetos dos contratos, sem que haja forte estímulo à repetição desse odioso método em Prefeituras no Estado da Paraíba e em outras unidades da Federação.

VIII – DOS PEDIDOS:

Em face do exposto, requer o Ministério Público Federal:

a) a decretação d o sigilo dos autos, haja vista a mídia encartada à fl. 63 , contendo cópia quase integral dos autos

11 Op. cit. pág. 718.

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do IPL N°. 411/2009;

b) a notificação dos demandados para se manifestarem por escrito, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, e que, após tal prazo, em juízo de admissibilidade, seja recebida a presente ação, dando prosseguimento regular, nos termos dos §§ 7º e 9º do art. 17, da Lei N.° 8.429/1992;

c) a citação dos réus para, querendo, apresentarem contestação no prazo de lei, sob pena de revelia (art. 319 do CPC);

d) a notificação da União, por meio do Procurador-Chefe da Advocacia-Geral da União no Estado da Paraíba, localizada na Av. Maximiano Figueiredo, nº. 404, Centro, João Pessoa/PB, CEP n.º 58.013-470, para ingressar no polo ativo da presente lide civil pública, na condição de litisconsorte - arts. 17, §3º da Lei Nº. 8.429/1992 (Improbidade Administrativa) e 6º da Lei Nº. 4.717/1965 (Ação Popular);

e) a intimação da Prefeitura Municipal de Mogeiro-PB para apresentar originais dos cadernos processuais que encerram os procedimentos licitatórios 04/2005, 06/2005 e 17/2002, para submetê-los a perícia no Departamento de Polícia Federal;

f) a intimação do Departamento Técnico da Superintendência de Polícia Federal no Estado da Paraíba, para que proceda à realização de exame pericial nos originais dos processos licitatórios em exame, notadamente nos termos e recibos de entrega de convite, nas atas e homologações, para verificar se esses documentos foram montados, ou seja, se foram criados e firmados em uma mesma data, configurando o conluio;

AO FINAL DA INSTRUÇÃO:

g) seja afastada a personalidade jurídica das pessoas jurídicas demandadas, a fim de responsabilizar seus representantes e responsáveis, também ora demandados;

h) a condenação dos réus nas sanções previstas no art. 12, inc. II, da Lei Nº. 8.429/1992, nos termos da inicial;

i) subsidiariamente, condenação no art. 12, inc. III, da Lei Nº. 8.429/1992; e

j) a condenação dos réus ao pagamento das custas, demais despesas processuais e honorários advocatícios, na forma da Lei.

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Protesta o Parquet, ainda, por todos os meios de prova admitidos em direito, notadamente pericial (como requerido no item “VIII.f” acima), documental e testemunhal (conforme rol em anexo, com a oitiva das testemunhas não residentes no Juízo por carta precatória), além do depoimento pessoal das partes.

Dá-se à causa o valor de R$ 400.578,23 (quatrocentos mil, quinhentos e setenta e oito reais e vinte e três centavos), quantia atualizada de acordo com a taxa SELIC.

João Pessoa-PB, 16 de dezembro de 2013.

JOÃO BERNARDO DA SILVAProcurador da República(Em substituição ao 9º Ofício)

ROL DE TESTEMUNHAS:*

REGINALDO FELIPE DA SILVA, sócio não administrador da “Construtora São Luiz Ltda.”, CPF Nº. 034.101.694-23, Título de Eleitor Nº 00.234.530.612-01, residente na Rua Pero Vaz de Caminha, N°. 377, Jardim 13 de Maio, CEP 58.025-310, João Pessoa-PB, ou Rua Sargento José Camilo, s/n, Alto Damião, CEP 58.213-000, Pirpirituba-PB, ou Rua Solon de Lucena, N°. 135, Centro, CEP 58.213-000, Pirpirituba-PB;

FRANCISCO MARCOS DA SILVA, ex-sócio da “Construtora Arco-Íris Ltda.”, nascido em 15/02/1939, portador do CPF N°. 219.537.914-68 e do título de eleitor N°. 00.057.093.012-01, residente na Rua Major Joaquim Henriques, N°. 232, Expedicionários, João Pessoa – PB, CEP 58040700, telefone (83) 2432984;

DAMIANA DA SILVA ANDRADE, sócia não administradora da empresa “J. R. Projetos e Construções Ltda.”, nascida em 09/08/1969, filha de Damiana Maria da Silva Andrade, portadora do título de eleitor nº 00.149.933.012-95 e do CPF N°. 037.749.094-66, residente à Rua Major Joaquim Henriques, N°. 232, Expedicionários, João Pessoa–PB, CEP 58015230, telefones (83) 2219906;

PAULO ROBERTO DA SILVA, sócio da empresa “J.R.Projetos e Construções Ltda.”, portador do CPF N.º 008.839.114-00, com residência na Av. Cruz das Armas, Nº. 2948, Cruz das Armas, João Pessoa–PB, CEP 58013410, Telefone (83) 3241-6691;*Todas as informações de caráter pessoal foram retiradas em obediência ao artigo 9º, inciso III, da Portaria PGR/MPF nº 918, de 18 de dezembro de 2013, que instituiu a Política Nacional de Comunicação Social do Ministério Público Federal.

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