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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS ANO XII – N.18 – JULHO DE 2009 GOIÂNIA – GOIÁS

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

ANO XII – N.18 – JULHO DE 2009

GOIÂNIA – GOIÁS

A responsabilidade dos trabalhos publicados é exclusivamente de seus autores.

Pede-se permuta On demande l'échange We ask for exchange

Edição, Organização e Capa: Coordenação de Editoração da ESMPGOFoto capa: Weimer CarvalhoImpressão: GRAFSET Gráfica e Editora Ltda.

Ministério Público do Estado de GoiásProcuradoria Geral de Justiça do Estado de GoiásProcurador Geral de Justiça - Eduardo Abdon MouraEscola Superior do Ministério Público do Estado de GoiásDiretora - Alice de Almeida FreireEscola Superior do Ministério Público do Estado de Goiás – ESMP-GORua 23, esquina c/ Av. Fued Sebba, Qd.06, Lts.15/24 Jardim Goiás - Goiânia - CEP 74.805 – 100 Fone: (62) 3243 8000e.mail: [email protected]; [email protected]

http://www.mp.go.gov.br

Editoração: Ana Holowate

Revisão ortográfica: Mirela Adriele da Silva Castro

Tiragem: 1000 exemplares

Conselho Editorial: Alice de Almeida FreireAltamir Rodrigues Vieira JúniorFabíola Marquez TeixeiraFlávio Cardoso PereiraJoão Porto Silvério JúniorMarcelo Henrique dos SantosPaulo Henrique OtoniReuder Cavalcante MottaSpiridon Nicofotis Anyfantis

Apresentação .................................................................................................05

ARTIGOS

Recebimento de denúncia ou queixa: os arts. 396, caput, e 399, do CPP, com a redação da Lei n. 11.719/2008 ...........................................................07Renato Marcão

As Forças Armadas e a garantia da Lei e da Ordem......................................13Emerson Garcia

A indisponibilidade de bens na improbidade administrativa .........................41Reuder Cavalcante Motta

Uniões Homoafetivas em sua correta contextualização no âmbito do direito de família ........................................................................... .......87Ana Carolina Portelinha Falconi

Pena de multa criminal, execução e legitimidade ativa do Ministério Público ........................................................................................................101Valter Foleto Santin

Ação publiciana ...................................................................................... ....119Heitor de Carvalho Pagliaro

O psicológo e o Ministério Público ........................................................ ....125Mirella Camarota Pimenta

Artigo Parecer Ministerial - pedido de prisão domiciliar sui generis - pela concessão .............................................................................................143Vinícius Marçal Vieira

SUMÁRIO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 3

Revista do Ministério Público / Ministério Público do Estado de Goiás - , n.18 (julho/setembro 2009) - . - Goiânia : ESMP-GO. 1996 -v.; 22cm.150p.

Trimestral ISSN 1809-5917

1. Direito – periódicos. 2. Escola Superior do Ministério Público de Goiás.

CDU 34 (051)

T.G.G. CRB 1842

A responsabilidade dos trabalhos publicados é exclusivamente de seus autores.

Pede-se permuta On demande l'échange We ask for exchange

Edição, Organização e Capa: Coordenação de Editoração da ESMPGOFoto capa: Weimer CarvalhoImpressão: GRAFSET Gráfica e Editora Ltda.

Ministério Público do Estado de GoiásProcuradoria Geral de Justiça do Estado de GoiásProcurador Geral de Justiça - Eduardo Abdon MouraEscola Superior do Ministério Público do Estado de GoiásDiretora - Alice de Almeida FreireEscola Superior do Ministério Público do Estado de Goiás – ESMP-GORua 23, esquina c/ Av. Fued Sebba, Qd.06, Lts.15/24 Jardim Goiás - Goiânia - CEP 74.805 – 100 Fone: (62) 3243 8000e.mail: [email protected]; [email protected]

http://www.mp.go.gov.br

Editoração: Ana Holowate

Revisão ortográfica: Mirela Adriele da Silva Castro

Tiragem: 1000 exemplares

Conselho Editorial: Alice de Almeida FreireAltamir Rodrigues Vieira JúniorFabíola Marquez TeixeiraFlávio Cardoso PereiraJoão Porto Silvério JúniorMarcelo Henrique dos SantosPaulo Henrique OtoniReuder Cavalcante MottaSpiridon Nicofotis Anyfantis

Apresentação .................................................................................................05

ARTIGOS

Recebimento de denúncia ou queixa: os arts. 396, caput, e 399, do CPP, com a redação da Lei n. 11.719/2008 ...........................................................07Renato Marcão

As Forças Armadas e a garantia da Lei e da Ordem......................................13Emerson Garcia

A indisponibilidade de bens na improbidade administrativa .........................41Reuder Cavalcante Motta

Uniões Homoafetivas em sua correta contextualização no âmbito do direito de família ........................................................................... .......87Ana Carolina Portelinha Falconi

Pena de multa criminal, execução e legitimidade ativa do Ministério Público ........................................................................................................101Valter Foleto Santin

Ação publiciana ...................................................................................... ....119Heitor de Carvalho Pagliaro

O psicológo e o Ministério Público ........................................................ ....125Mirella Camarota Pimenta

Artigo Parecer Ministerial - pedido de prisão domiciliar sui generis - pela concessão .............................................................................................143Vinícius Marçal Vieira

SUMÁRIO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 3

Revista do Ministério Público / Ministério Público do Estado de Goiás - , n.18 (julho/setembro 2009) - . - Goiânia : ESMP-GO. 1996 -v.; 22cm.150p.

Trimestral ISSN 1809-5917

1. Direito – periódicos. 2. Escola Superior do Ministério Público de Goiás.

CDU 34 (051)

T.G.G. CRB 1842

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/20094

APRESENTAÇÃO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 5

Divulgar a rica cultura do nosso Estado. Com esse enfoque, as capas das revistas nº 18 e 19 foram ilustradas com imagens do patrimônio cultural e suas diversas formas de manifestação.

A presente edição dedicou-se à divulgação de pinturas rupestres datadas de 11.000 (onze mil) anos, localizadas no município de Serranópolis, região sudoeste do Estado, registradas com óxido de ferro e óleos vegetais. As cenas retratam o dia a dia dos povos que habitaram a região.

A Revista nº 18 do Ministério Público do Estado de Goiás é uma publicação da Escola Superior que prioriza o debate a respeito de assuntos relevantes e atuais para os desafios enfrentados pela Instituição.

Em destaque, o texto a respeito das uniões homoafetivas. Os temas relacionados foram cuidadosamente analisados e revisados pelo Conselho Editoral da Escola Superior do MPGO, a fim de proporcionar maior alcance e interesse dos leitores, representando, além de uma divulgação institucional, uma aspiração do Ministério Público goiano em aprimorar a formação dos membros e da comunidade jurídica em geral.

Assim, na esteira das edições anteriores, permanece a proposta de divulgação do pensamento jurídico, privilegiando uma visão sistêmica e multidisciplinar com foco na efetividade das políticas públicas e alinhada aos anseios da sociedade contemporânea.

Alice de Almeida FreireDiretora da ESMP-GO

Presidente do Conselho Editorial da Revista MPGO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/20094

APRESENTAÇÃO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 5

Divulgar a rica cultura do nosso Estado. Com esse enfoque, as capas das revistas nº 18 e 19 foram ilustradas com imagens do patrimônio cultural e suas diversas formas de manifestação.

A presente edição dedicou-se à divulgação de pinturas rupestres datadas de 11.000 (onze mil) anos, localizadas no município de Serranópolis, região sudoeste do Estado, registradas com óxido de ferro e óleos vegetais. As cenas retratam o dia a dia dos povos que habitaram a região.

A Revista nº 18 do Ministério Público do Estado de Goiás é uma publicação da Escola Superior que prioriza o debate a respeito de assuntos relevantes e atuais para os desafios enfrentados pela Instituição.

Em destaque, o texto a respeito das uniões homoafetivas. Os temas relacionados foram cuidadosamente analisados e revisados pelo Conselho Editoral da Escola Superior do MPGO, a fim de proporcionar maior alcance e interesse dos leitores, representando, além de uma divulgação institucional, uma aspiração do Ministério Público goiano em aprimorar a formação dos membros e da comunidade jurídica em geral.

Assim, na esteira das edições anteriores, permanece a proposta de divulgação do pensamento jurídico, privilegiando uma visão sistêmica e multidisciplinar com foco na efetividade das políticas públicas e alinhada aos anseios da sociedade contemporânea.

Alice de Almeida FreireDiretora da ESMP-GO

Presidente do Conselho Editorial da Revista MPGO

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/20096

RECEBIMENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA:

OS ARTS. 396, CAPUT, E 399, DO CPP,

COM A REDAÇÃO DA LEI N. 11.719/2008

Renato Marcão*

Resumo:Com a vigência da Lei n. 11.719/2008, que alterou procedimentos judiciais regulados no Código de Processo Penal, surgiram discussões a respeito do exato momento em que ocorre o efetivo recebimento da inicial acusatória, instaurando-se, assim, a ação penal. A necessidade de uma adequada compreensão das novas regras se impõe não apenas em razão do debate acadêmico que se estabeleceu, mas especialmente em homenagem ao due process of Law (art. 5º, LIV, CF), por conta das inúmeras implicações deletérias que decorrem da existência de um procedimento penal eivado de nulidade. O presente trabalho analisa criteriosamente as posições existentes e conclui, de forma fundamentada, direcionando a exata compreensão das regras procedimentais.

Palavras-chave: Recebimento, denúncia, queixa, Lei n. 11.719/2008.

Discussão atual das mais acirradas centra suas energias em definir o exato momento em que ocorre o efetivo recebimento da denúncia ou queixa no processo penal, em razão das disposições trazidas com a Lei n. 11.719/2008.

Segundo pensamos, oferecida a denúncia ou queixa, caberá ao

* Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal, Político e Econômico. Professor no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito Damásio E. de Jesus; no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e no curso de pós-graduação do Instituto Busato de Ensino. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva), Estatuto do Desarmamento (Saraiva), Crimes de Trânsito (Saraiva, no prelo) e Lei de Execução Penal Anotada e Interpretada (Lumen Juris). Coautor dos livros: Notáveis do Direito Penal (Consulex) e Comentários à Lei de Imprensa (Revista dos Tribunais).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 7

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/20096

RECEBIMENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA:

OS ARTS. 396, CAPUT, E 399, DO CPP,

COM A REDAÇÃO DA LEI N. 11.719/2008

Renato Marcão*

Resumo:Com a vigência da Lei n. 11.719/2008, que alterou procedimentos judiciais regulados no Código de Processo Penal, surgiram discussões a respeito do exato momento em que ocorre o efetivo recebimento da inicial acusatória, instaurando-se, assim, a ação penal. A necessidade de uma adequada compreensão das novas regras se impõe não apenas em razão do debate acadêmico que se estabeleceu, mas especialmente em homenagem ao due process of Law (art. 5º, LIV, CF), por conta das inúmeras implicações deletérias que decorrem da existência de um procedimento penal eivado de nulidade. O presente trabalho analisa criteriosamente as posições existentes e conclui, de forma fundamentada, direcionando a exata compreensão das regras procedimentais.

Palavras-chave: Recebimento, denúncia, queixa, Lei n. 11.719/2008.

Discussão atual das mais acirradas centra suas energias em definir o exato momento em que ocorre o efetivo recebimento da denúncia ou queixa no processo penal, em razão das disposições trazidas com a Lei n. 11.719/2008.

Segundo pensamos, oferecida a denúncia ou queixa, caberá ao

* Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal, Político e Econômico. Professor no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito Damásio E. de Jesus; no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e no curso de pós-graduação do Instituto Busato de Ensino. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva), Estatuto do Desarmamento (Saraiva), Crimes de Trânsito (Saraiva, no prelo) e Lei de Execução Penal Anotada e Interpretada (Lumen Juris). Coautor dos livros: Notáveis do Direito Penal (Consulex) e Comentários à Lei de Imprensa (Revista dos Tribunais).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 7

juiz proceder à análise da inicial acusatória sob o aspecto formal, verificar os elementos de prova que a instruem, e, sendo caso, rejeitá-la liminarmente, a teor do disposto no art. 395 do CPP, assim procedendo quando for manifestamente inepta, faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, ou faltar justa causa para o exercício da ação penal. Para ser viável, é imprescindível que a inicial acusatória esteja formalmente em ordem e substancialmente autorizada.

Não identificando qualquer das causas justificadoras da rejeição liminar e, portanto, entendendo viável a acusação, o juiz deverá proferir despacho de recebimento da peça acusatória e ordenar a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

1Apesar da redação do art. 399 do CPP , que também fala em recebimento da denúncia ou queixa, não há falar em mero juízo preliminar de admissibilidade da acusação por ocasião do art. 396, caput, do CPP.

A lei é clara ao determinar o efetivo recebimento da denúncia já por ocasião do art. 396 (“[...] o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á [...]”), e o curso do procedimento com a citação do acusado de molde a permitir que o processo tenha completada sua formação, como explicita o art. 363 do CPP, havendo harmonia entre esses dispositivos.

Para que se tenha por completa a formação do processo é imprescindível que se estabeleça a relação triangular que envolve a acusação (oferecimento da peça acusatória), o juiz (recebimento formal da acusação) e o réu (citação válida). Entender que o recebimento da denúncia só ocorre por ocasião do art. 399 do CPP acarreta negar vigência ao art. 363 do mesmo Codex, e também vigência parcial ao art. 396.

A técnica jurídica está explícita. A lei fala em rejeição da denúncia ou queixa e absolvição sumária, tendo entre elas o recebimento e a citação. Rejeição, como é óbvio, antes do recebimento da inicial acusatória. Absolvição sumária, como também é reluzente, após a efetiva instauração da ação penal, pressupondo recebimento formal da acusação e citação, estando completa a formação do processo, como diz o art. 363 do CPP.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/20098

2O art. 406 do CPP, com a redação da Lei n. 11.689/2008 , bem indica a opção do legislador no sentido de determinar o efetivo recebimento da inicial acusatória antes de mandar citar o acusado para apresentação de resposta escrita.

Não se seguiu, por aqui, a opção antes exposta no art. 81 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais); no art. 38 da Lei n. 10.409/2002 (anterior Lei de Drogas, já revogada), e no art. 55 da Lei n. 11.343/2006 (atual Lei de Drogas), no sentido de permitir resposta à acusação precedente ao recebimento da peça inaugural.

Necessário observar, ainda, que o art. 397 do CPP estabelece hipóteses em que o juiz, analisando o conteúdo da resposta escrita, poderá/deverá decretar a absolvição sumária do acusado, e é sem lógica pensar possa ser proferida sentença absolutória sem que exista processo efetivamente instaurado, e se é certo que processo instaurado pressupõe inicial acusatória formalmente recebida, resulta inviável pretender que o recebimento efetivo só ocorra por ocasião do art. 399 do CPP, cuja redação remete ao passado (“recebida”).

Recebida a denúncia ou queixa e não tendo ocorrido absolvição sumária, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.

Não há qualquer dúvida que o legislador deveria ter pautado por melhor técnica na redação dos arts. 366 e 399 do CPP. Os lamentáveis e evitáveis equívocos a que se tem prestado em matéria penal e processual penal são recorrentes, infelizmente, e bastante sintomáticos.

No sentido de que a inicial acusatória deve ser recebida já por ocasião do art. 396, caput, do CPP, conferir: Eugênio Pacelli de

3 4Oliveira ; Guilherme de Souza Nucci ; Luiz Flávio Gomes, 5Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto ; e Rômulo de

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 9

1 Recebida a denúncia ou queixa [...].

2 Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

3 OLIVEIRA, E. P. de. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 640.

4 NUCCI, G. de S. Código de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 715.

5 GOMES, L. F.; CUNHA, R. S.; PINTO, R. B. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 338.

juiz proceder à análise da inicial acusatória sob o aspecto formal, verificar os elementos de prova que a instruem, e, sendo caso, rejeitá-la liminarmente, a teor do disposto no art. 395 do CPP, assim procedendo quando for manifestamente inepta, faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, ou faltar justa causa para o exercício da ação penal. Para ser viável, é imprescindível que a inicial acusatória esteja formalmente em ordem e substancialmente autorizada.

Não identificando qualquer das causas justificadoras da rejeição liminar e, portanto, entendendo viável a acusação, o juiz deverá proferir despacho de recebimento da peça acusatória e ordenar a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

1Apesar da redação do art. 399 do CPP , que também fala em recebimento da denúncia ou queixa, não há falar em mero juízo preliminar de admissibilidade da acusação por ocasião do art. 396, caput, do CPP.

A lei é clara ao determinar o efetivo recebimento da denúncia já por ocasião do art. 396 (“[...] o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á [...]”), e o curso do procedimento com a citação do acusado de molde a permitir que o processo tenha completada sua formação, como explicita o art. 363 do CPP, havendo harmonia entre esses dispositivos.

Para que se tenha por completa a formação do processo é imprescindível que se estabeleça a relação triangular que envolve a acusação (oferecimento da peça acusatória), o juiz (recebimento formal da acusação) e o réu (citação válida). Entender que o recebimento da denúncia só ocorre por ocasião do art. 399 do CPP acarreta negar vigência ao art. 363 do mesmo Codex, e também vigência parcial ao art. 396.

A técnica jurídica está explícita. A lei fala em rejeição da denúncia ou queixa e absolvição sumária, tendo entre elas o recebimento e a citação. Rejeição, como é óbvio, antes do recebimento da inicial acusatória. Absolvição sumária, como também é reluzente, após a efetiva instauração da ação penal, pressupondo recebimento formal da acusação e citação, estando completa a formação do processo, como diz o art. 363 do CPP.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/20098

2O art. 406 do CPP, com a redação da Lei n. 11.689/2008 , bem indica a opção do legislador no sentido de determinar o efetivo recebimento da inicial acusatória antes de mandar citar o acusado para apresentação de resposta escrita.

Não se seguiu, por aqui, a opção antes exposta no art. 81 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais); no art. 38 da Lei n. 10.409/2002 (anterior Lei de Drogas, já revogada), e no art. 55 da Lei n. 11.343/2006 (atual Lei de Drogas), no sentido de permitir resposta à acusação precedente ao recebimento da peça inaugural.

Necessário observar, ainda, que o art. 397 do CPP estabelece hipóteses em que o juiz, analisando o conteúdo da resposta escrita, poderá/deverá decretar a absolvição sumária do acusado, e é sem lógica pensar possa ser proferida sentença absolutória sem que exista processo efetivamente instaurado, e se é certo que processo instaurado pressupõe inicial acusatória formalmente recebida, resulta inviável pretender que o recebimento efetivo só ocorra por ocasião do art. 399 do CPP, cuja redação remete ao passado (“recebida”).

Recebida a denúncia ou queixa e não tendo ocorrido absolvição sumária, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.

Não há qualquer dúvida que o legislador deveria ter pautado por melhor técnica na redação dos arts. 366 e 399 do CPP. Os lamentáveis e evitáveis equívocos a que se tem prestado em matéria penal e processual penal são recorrentes, infelizmente, e bastante sintomáticos.

No sentido de que a inicial acusatória deve ser recebida já por ocasião do art. 396, caput, do CPP, conferir: Eugênio Pacelli de

3 4Oliveira ; Guilherme de Souza Nucci ; Luiz Flávio Gomes, 5Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto ; e Rômulo de

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 9

1 Recebida a denúncia ou queixa [...].

2 Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

3 OLIVEIRA, E. P. de. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 640.

4 NUCCI, G. de S. Código de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 715.

5 GOMES, L. F.; CUNHA, R. S.; PINTO, R. B. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 338.

6Andrade Moreira .7Em sentido contrário, Geraldo Luiz Prado assim leciona:

[...] oferecida a denúncia ou queixa e se não houver imediata rejeição, por aplicação do disposto no artigo 395 do Código de Processo Penal, o juiz determinará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, em dez dias. Somente depois disso é que o juiz poderá receber a inicial (artigo 399), caso não a rejeite à luz dos novos argumentos ou não absolva o acusado com fundamento em alguma das causas previstas no artigo 397 do mesmo estatuto.

Sob o ângulo prático, essa interpretação/aplicação restitui as coisas aos seus devidos lugares e conforma a atividade da legislação ordinária a critérios constitucionais.

E, não menos importante, permite que a Reserva de Código opere em uma dupla dimensão garantista: reforçando a ideia do Código como “instrumento de acesso e interação com uma

8determinada realidade” ; e “fundando a necessária racionalidade a possibilitar que a norma processual prevista no artigo 394, § 4º, do Código de Processo Penal cumpra a exigência constitucional de

9validade do sistema” .Nessa mesma linha de pensamento, conferir: Cezar

10Roberto Bitencourt e José Fernando Gonzales .11Antonio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes

denominam o primeiro despacho (art. 396, caput) como

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200910

“recebimento preliminar” e concluem que o recebimento efetivo, sendo caso, somente se dará após o oferecimento da resposta escrita.

As posições doutrinárias estão postas claramente e fundadas em fortes argumentos que reclamam cuidadosa reflexão.

As consequências práticas de se adotar uma ou outra não se limitam ao debate ideológico ou acadêmico.

Resta aguardar para ver o entendimento que, enfim, prevalecerá na Suprema Corte.

Referências

BITENCOURT, C. R.; GONZALES, J. F. O recebimento da denúncia segundo a Lei 11.719/08. Disponível em: http://www.conjur.com.br.

CHOUKR, F. H. Processo Penal de Emergência. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2002.

FERNANDES, A. S.; LOPES, M. O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCrim, n. 190, p. 2, set. de 2008.

GOMES, L. F.; CUNHA, R. S.; PINTO, R. B. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MOREIRA, R. de A. A reforma do Código de Processo Penal – Procedimentos. Revista Jurídica, n. 370, p. 117, ago. 2008.

NUCCI, G. de S. Código de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, E. P. de. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

PASTOR, D. R. Recodificación Penal y Principio de Reserva de Código. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 11

6 MOREIRA, R. de A. A reforma do Código de Processo Penal – Procedimentos. Revista Jurídica, n. 370, p. 117, ago. 2008.

7 PRADO, G. L. Sobre procedimentos e antinomias. Boletim IBCCrim, n. 190, p. 5, set. 2008.

8 CHOUKR, F H. Processo Penal de Emergência. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2002 p. 26.

9 PASTOR, D R. Recodificación Penal y Principio de Reserva de Código. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005 p. 11.

10BITENCOURT, C. R.; GONZALES, J. F. O recebimento da denúncia segundo a Lei 11.719/08. Disponível em: http://www.conjur.com.br.

11FERNANDES, A. S.; LOPES, M. O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCrim, n. 190, p. 2, set. de 2008.

..

..

6Andrade Moreira .7Em sentido contrário, Geraldo Luiz Prado assim leciona:

[...] oferecida a denúncia ou queixa e se não houver imediata rejeição, por aplicação do disposto no artigo 395 do Código de Processo Penal, o juiz determinará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, em dez dias. Somente depois disso é que o juiz poderá receber a inicial (artigo 399), caso não a rejeite à luz dos novos argumentos ou não absolva o acusado com fundamento em alguma das causas previstas no artigo 397 do mesmo estatuto.

Sob o ângulo prático, essa interpretação/aplicação restitui as coisas aos seus devidos lugares e conforma a atividade da legislação ordinária a critérios constitucionais.

E, não menos importante, permite que a Reserva de Código opere em uma dupla dimensão garantista: reforçando a ideia do Código como “instrumento de acesso e interação com uma

8determinada realidade” ; e “fundando a necessária racionalidade a possibilitar que a norma processual prevista no artigo 394, § 4º, do Código de Processo Penal cumpra a exigência constitucional de

9validade do sistema” .Nessa mesma linha de pensamento, conferir: Cezar

10Roberto Bitencourt e José Fernando Gonzales .11Antonio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes

denominam o primeiro despacho (art. 396, caput) como

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200910

“recebimento preliminar” e concluem que o recebimento efetivo, sendo caso, somente se dará após o oferecimento da resposta escrita.

As posições doutrinárias estão postas claramente e fundadas em fortes argumentos que reclamam cuidadosa reflexão.

As consequências práticas de se adotar uma ou outra não se limitam ao debate ideológico ou acadêmico.

Resta aguardar para ver o entendimento que, enfim, prevalecerá na Suprema Corte.

Referências

BITENCOURT, C. R.; GONZALES, J. F. O recebimento da denúncia segundo a Lei 11.719/08. Disponível em: http://www.conjur.com.br.

CHOUKR, F. H. Processo Penal de Emergência. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2002.

FERNANDES, A. S.; LOPES, M. O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCrim, n. 190, p. 2, set. de 2008.

GOMES, L. F.; CUNHA, R. S.; PINTO, R. B. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MOREIRA, R. de A. A reforma do Código de Processo Penal – Procedimentos. Revista Jurídica, n. 370, p. 117, ago. 2008.

NUCCI, G. de S. Código de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, E. P. de. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

PASTOR, D. R. Recodificación Penal y Principio de Reserva de Código. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 11

6 MOREIRA, R. de A. A reforma do Código de Processo Penal – Procedimentos. Revista Jurídica, n. 370, p. 117, ago. 2008.

7 PRADO, G. L. Sobre procedimentos e antinomias. Boletim IBCCrim, n. 190, p. 5, set. 2008.

8 CHOUKR, F H. Processo Penal de Emergência. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2002 p. 26.

9 PASTOR, D R. Recodificación Penal y Principio de Reserva de Código. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2005 p. 11.

10BITENCOURT, C. R.; GONZALES, J. F. O recebimento da denúncia segundo a Lei 11.719/08. Disponível em: http://www.conjur.com.br.

11FERNANDES, A. S.; LOPES, M. O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCrim, n. 190, p. 2, set. de 2008.

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PRADO, G. L. Sobre procedimentos e antinomias. Boletim IBCCrim n. 190, setembro de 2008, p. 4-5.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200912 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 13

AS FORÇAS ARMADAS E A GARANTIA

DA LEI E DA ORDEM

Emerson Garcia*

Resumo:O aumento da violência nos grandes centros urbanos constantemente evidencia a ineficiência dos órgãos de segurança pública e realimenta o debate em torno da utilização das Forças Armadas na defesa da ordem pública interna. A análise realizada busca demonstrar a forma de efetivação dessa medida e a sua excepcionalidade, já que um aparato voltado ao combate e, ipso facto, à eliminação do inimigo, não está ontologicamente vocacionado ao policiamento ostensivo e à repressão à criminalidade civil.

Palavras-chave: defesa da paz, Forças Armadas, ordem pública, polícia administrativa, segurança pública.

Aspectos introdutórios

A linha evolutiva do Estado de Direito, marcada por períodos de instabilidade institucional e uso abusivo da força, culminou com o surgimento da dicotomia entre poder militar e poder civil. A subordinação de um ao outro no âmbito da organização política permitirá se fale, conforme o caso, em regime militar ou em regime civil, com distintos reflexos na subsistência da própria democracia. Os Estados contemporâneos, em sua grande maioria, adotam regimes civis, cabendo normalmente ao

* Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Consultor Jurídico da Procuradoria Geral de Justiça, Assessor Jurídico da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), Pós-Graduado em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade de Lisboa, Mestre e Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela mesma Universidade Membro da International Association of Prosecutors (The Hague – Holanda).

e

PRADO, G. L. Sobre procedimentos e antinomias. Boletim IBCCrim n. 190, setembro de 2008, p. 4-5.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200912 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 13

AS FORÇAS ARMADAS E A GARANTIA

DA LEI E DA ORDEM

Emerson Garcia*

Resumo:O aumento da violência nos grandes centros urbanos constantemente evidencia a ineficiência dos órgãos de segurança pública e realimenta o debate em torno da utilização das Forças Armadas na defesa da ordem pública interna. A análise realizada busca demonstrar a forma de efetivação dessa medida e a sua excepcionalidade, já que um aparato voltado ao combate e, ipso facto, à eliminação do inimigo, não está ontologicamente vocacionado ao policiamento ostensivo e à repressão à criminalidade civil.

Palavras-chave: defesa da paz, Forças Armadas, ordem pública, polícia administrativa, segurança pública.

Aspectos introdutórios

A linha evolutiva do Estado de Direito, marcada por períodos de instabilidade institucional e uso abusivo da força, culminou com o surgimento da dicotomia entre poder militar e poder civil. A subordinação de um ao outro no âmbito da organização política permitirá se fale, conforme o caso, em regime militar ou em regime civil, com distintos reflexos na subsistência da própria democracia. Os Estados contemporâneos, em sua grande maioria, adotam regimes civis, cabendo normalmente ao

* Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Consultor Jurídico da Procuradoria Geral de Justiça, Assessor Jurídico da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), Pós-Graduado em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade de Lisboa, Mestre e Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela mesma Universidade Membro da International Association of Prosecutors (The Hague – Holanda).

e

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200914

Chefe de Estado o controle das Forças Armadas, com maior ou menor influência do Parlamento ou de outros órgãos colegiados

1(v.g. Conselho de Defesa) .Não parece haver dúvidas quanto à constatação de que o

princípio democrático, delineado pela participação popular na escolha dos governantes e pela contínua renovação do poder, é de todo incompatível com o regime militar. Afinal, não há democracia sem liberdade, e regimes militares, de forma nitidamente antagônica, são caracterizados pelo uso da força ou

pela manipulação do sistema de modo a afastar o pluralismo político, o que inevitavelmente conduz à tentativa de perpetuação de um indivíduo ou de um grupo no poder.

Princípio democrático e regime militar, em verdade, encerram premissas antinômicas, não sendo possível a sua coexistência, conclusão clara na medida em que inexistem mecanismos aptos a apurar a responsabilidade daqueles que

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 15

1 No direito francês, o Presidente da República é o “chefe das armadas”, presidindo os conselhos e comitês superiores de defesa nacional (Constituição de 1958, art. 15), colegiados que tomam as decisões mais relevantes nessa matéria: enquanto a segunda atribuição se dilui nas deliberações dos referidos órgãos, a primeira apresenta maior importância, o que é realçado pelo Decreto de 12 de junho de 1996 (antecedido pelo Decreto de 14 de janeiro de 1964), que conferiu ao Presidente da República a competência exclusiva de utilizar a força nuclear. Apesar do título “chef des armées”, as limitações impostas ao Presidente da República levaram Duverger a afirmar, ainda sob a égide da Constituição de 1946, que se tratava “de um humor muito saboroso, embora involuntário” (Manuel de Droit Constitutionnel et de Science Politique. Paris: Presses Universitaires de France, 1948. p. 338). O Primeiro-Ministro é o responsável pela defesa nacional, devendo coordenar a preparação e a execução das medidas a serem adotadas (Constituição de 1958, art. 21). As forças armadas, a exemplo da administração, estão à disposição do governo (Constituição de 1958, art. 21). Cf. PRÉLOT, M.; BOULOUIS, J. Institutions Politiques et Droit Constitutionnel. 10. ed. Paris: Dalloz, 1987. p. 719 e 752; PANNETIER, M. La défense de la France, indépendance et solidarité. Paris: Lavauzelle, 1985; LECLERQ, C. Droit Constitutionnel et institutions politiques. 5. ed. Paris: Librairies Techniques, 1987. p. 591-592; e HAMON, F.; TROPER, M.; BURDEAU, G. Manuel de Droit Constitutionnel. 27. ed. Paris: LGDJ, 2001. p. 559-560. No direito italiano, o Presidente da República, Chefe de Estado (Capo dello Stato), preside o Conselho Supremo de Defesa, órgão meramente consultivo, e detém o “alto comando” da “forze armate” (Constituição de 1947, art. 87, n. 9), mas não possui qualquer poder de direção efetiva para o seu emprego concreto em operações militares específicas. As decisões de natureza político-administrativa são tomadas pelo Governo, com a apresentação de relatórios informativos ao Chefe de Estado e a possibilidade de responsabilização perante a Câmara Legislativa. Cf. DI RUFFIA, P. B. Diritto Costituzionale. XV ed. Napoli: Jovene Editore, 1989. p. 491, notas 31 e 32; p. 341; DI CELSO, M. M.; SALERMO, G. M. Manuale di Diritto Costituzionale. Padova: CEDAM, 2002. p. 471. No direito espanhol, o Rei possui o “mando supremo de las Fuerzas Armadas” (Constituição de 1978,

art. 62, h), poder que, como assinalam Balaguer Callejón et al., apresenta “dimensão mais simbólica que real” (Derecho Constitucional. v. II. 2. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2003. p. 432). Na verdade, cabe ao Ministro da Defesa e, acima dele, ao Presidente do Conselho de Ministros, a direção da política militar e de defesa, observada a legislação de regência e com assessoramento da “Junta de Defensa Nacional” e da “Junta de Jefes de Estado Mayor”. No direito norte-americano, o Presidente é o “Comandante Supremo” (Commander in Chief) do Exército e da Marinha, isso sem olvidar a milícia, força civil somente utilizável em situações de emergência e que teve papel decisivo na Guerra de Independência (Constituição de 1787, art. II, Seção 2; e Segunda Emenda de 1791); a omissão à Aeronáutica é justificável na medida em que o avião ainda não havia sido inventado à época da promulgação do texto constitucional. O objetivo dos framers, como anota Hamilton (O Federalista n. 69), era atribuir ao Presidente uma posição um pouco superior à de um Primeiro General ou Almirante, mas inferior à do Rei inglês, que podia declarar a guerra, bem como recrutar e regulamentar a Armada, competências que seriam do legislativo (vide Constituição de 1787, art. I, Seção 8). Em 1866, a Suprema Corte declarou que os Poderes do Presidente alcançavam, apenas, “o comando das forças e da condução das campanhas” (Ex parte Milligan, 71 U.S. 2, 139, 1866). Posteriormente, passou-se a entender que a “Commander in Chief Clause” alcançava tudo o que fosse inerente à autoridade marcial que o Presidente deve possuir. Cf. TRIBE, L. H. American Constitutional Law. 3. ed. New York: Foundation Press, 2000. p. 657-658; WILLOUGHBY, W. W. Principles of the Constitutional Law of the United States. 2. ed. New York: Baker, Voorhis & Co., 1938. p. 641-661; MADISON, J.; HAMILTON, A.; JAY, J. Os artigos federalistas (The federalist papers). Trad. de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1993. p. 435-436; e Black's Law Dictionary. 6. ed. Sb. Paul: West Publishing, 1990. p. 993. Sobre os poderes do Presidente norte-americano na guerra contra o terrorismo, vide CHEMERINSKY, E. Constitutional Law, principles and policies. 3. ed. New York: Aspen, 2006. p. 376-385. No direito brasileiro, como veremos, o Presidente da República exerce o “comando supremo” (na verdadeira acepção da expressão) das Forças Armadas, mas a declaração de guerra depende de aprovação do Congresso Nacional (Constituição de 1988, arts. 49, II; 84, XIII; e 142, caput).

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Chefe de Estado o controle das Forças Armadas, com maior ou menor influência do Parlamento ou de outros órgãos colegiados

1(v.g. Conselho de Defesa) .Não parece haver dúvidas quanto à constatação de que o

princípio democrático, delineado pela participação popular na escolha dos governantes e pela contínua renovação do poder, é de todo incompatível com o regime militar. Afinal, não há democracia sem liberdade, e regimes militares, de forma nitidamente antagônica, são caracterizados pelo uso da força ou

pela manipulação do sistema de modo a afastar o pluralismo político, o que inevitavelmente conduz à tentativa de perpetuação de um indivíduo ou de um grupo no poder.

Princípio democrático e regime militar, em verdade, encerram premissas antinômicas, não sendo possível a sua coexistência, conclusão clara na medida em que inexistem mecanismos aptos a apurar a responsabilidade daqueles que

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 15

1 No direito francês, o Presidente da República é o “chefe das armadas”, presidindo os conselhos e comitês superiores de defesa nacional (Constituição de 1958, art. 15), colegiados que tomam as decisões mais relevantes nessa matéria: enquanto a segunda atribuição se dilui nas deliberações dos referidos órgãos, a primeira apresenta maior importância, o que é realçado pelo Decreto de 12 de junho de 1996 (antecedido pelo Decreto de 14 de janeiro de 1964), que conferiu ao Presidente da República a competência exclusiva de utilizar a força nuclear. Apesar do título “chef des armées”, as limitações impostas ao Presidente da República levaram Duverger a afirmar, ainda sob a égide da Constituição de 1946, que se tratava “de um humor muito saboroso, embora involuntário” (Manuel de Droit Constitutionnel et de Science Politique. Paris: Presses Universitaires de France, 1948. p. 338). O Primeiro-Ministro é o responsável pela defesa nacional, devendo coordenar a preparação e a execução das medidas a serem adotadas (Constituição de 1958, art. 21). As forças armadas, a exemplo da administração, estão à disposição do governo (Constituição de 1958, art. 21). Cf. PRÉLOT, M.; BOULOUIS, J. Institutions Politiques et Droit Constitutionnel. 10. ed. Paris: Dalloz, 1987. p. 719 e 752; PANNETIER, M. La défense de la France, indépendance et solidarité. Paris: Lavauzelle, 1985; LECLERQ, C. Droit Constitutionnel et institutions politiques. 5. ed. Paris: Librairies Techniques, 1987. p. 591-592; e HAMON, F.; TROPER, M.; BURDEAU, G. Manuel de Droit Constitutionnel. 27. ed. Paris: LGDJ, 2001. p. 559-560. No direito italiano, o Presidente da República, Chefe de Estado (Capo dello Stato), preside o Conselho Supremo de Defesa, órgão meramente consultivo, e detém o “alto comando” da “forze armate” (Constituição de 1947, art. 87, n. 9), mas não possui qualquer poder de direção efetiva para o seu emprego concreto em operações militares específicas. As decisões de natureza político-administrativa são tomadas pelo Governo, com a apresentação de relatórios informativos ao Chefe de Estado e a possibilidade de responsabilização perante a Câmara Legislativa. Cf. DI RUFFIA, P. B. Diritto Costituzionale. XV ed. Napoli: Jovene Editore, 1989. p. 491, notas 31 e 32; p. 341; DI CELSO, M. M.; SALERMO, G. M. Manuale di Diritto Costituzionale. Padova: CEDAM, 2002. p. 471. No direito espanhol, o Rei possui o “mando supremo de las Fuerzas Armadas” (Constituição de 1978,

art. 62, h), poder que, como assinalam Balaguer Callejón et al., apresenta “dimensão mais simbólica que real” (Derecho Constitucional. v. II. 2. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2003. p. 432). Na verdade, cabe ao Ministro da Defesa e, acima dele, ao Presidente do Conselho de Ministros, a direção da política militar e de defesa, observada a legislação de regência e com assessoramento da “Junta de Defensa Nacional” e da “Junta de Jefes de Estado Mayor”. No direito norte-americano, o Presidente é o “Comandante Supremo” (Commander in Chief) do Exército e da Marinha, isso sem olvidar a milícia, força civil somente utilizável em situações de emergência e que teve papel decisivo na Guerra de Independência (Constituição de 1787, art. II, Seção 2; e Segunda Emenda de 1791); a omissão à Aeronáutica é justificável na medida em que o avião ainda não havia sido inventado à época da promulgação do texto constitucional. O objetivo dos framers, como anota Hamilton (O Federalista n. 69), era atribuir ao Presidente uma posição um pouco superior à de um Primeiro General ou Almirante, mas inferior à do Rei inglês, que podia declarar a guerra, bem como recrutar e regulamentar a Armada, competências que seriam do legislativo (vide Constituição de 1787, art. I, Seção 8). Em 1866, a Suprema Corte declarou que os Poderes do Presidente alcançavam, apenas, “o comando das forças e da condução das campanhas” (Ex parte Milligan, 71 U.S. 2, 139, 1866). Posteriormente, passou-se a entender que a “Commander in Chief Clause” alcançava tudo o que fosse inerente à autoridade marcial que o Presidente deve possuir. Cf. TRIBE, L. H. American Constitutional Law. 3. ed. New York: Foundation Press, 2000. p. 657-658; WILLOUGHBY, W. W. Principles of the Constitutional Law of the United States. 2. ed. New York: Baker, Voorhis & Co., 1938. p. 641-661; MADISON, J.; HAMILTON, A.; JAY, J. Os artigos federalistas (The federalist papers). Trad. de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1993. p. 435-436; e Black's Law Dictionary. 6. ed. Sb. Paul: West Publishing, 1990. p. 993. Sobre os poderes do Presidente norte-americano na guerra contra o terrorismo, vide CHEMERINSKY, E. Constitutional Law, principles and policies. 3. ed. New York: Aspen, 2006. p. 376-385. No direito brasileiro, como veremos, o Presidente da República exerce o “comando supremo” (na verdadeira acepção da expressão) das Forças Armadas, mas a declaração de guerra depende de aprovação do Congresso Nacional (Constituição de 1988, arts. 49, II; 84, XIII; e 142, caput).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200916 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 17

2controlam a força e estão no poder graças a ela . A força armada, 3como assinalou Benjamin Constant , não é um poder

constitucional, mas é um “terrível” poder de fato.Não obstante os riscos que oferece, praticamente todos os

regimes democráticos têm feito uso do poder militar, o que, por vezes, tem se mostrado especialmente relevante na garantia da soberania e na preservação do próprio regime. O importante, no entanto, é que o poder militar não abandone o seu papel coadjuvante, subjugando o poder civil. Além da imposição de restrições operacionais, afastando a possibilidade de atuação de ofício e exigindo a subordinação a agentes democraticamente legitimados, já se sustentou, inclusive, que o contingente das Forças Armadas

4deveria ser periodicamente renovado. Montesquieu , por exemplo, defendia que as Forças Armadas deveriam ser o povo e ter o mesmo espírito do povo, o que exigia a responsabilidade por seus atos e um serviço temporário, por prazo não superior a um ano. Esse padrão, à evidência, dificilmente poderia ser alcançado por Estados que contem com grande contingente, o que inviabiliza renovações periódicas de tamanha extensão. Enfraquecer a organização e a especialização das Forças Armadas, por outro lado, não parece ser a melhor solução para mantê-las subordinadas ao regime.

O melhor caminho, ao que parece, é investir na solidez das instituições democráticas, estimulando a ideologia participativa, de modo a criar um ambiente sociopolítico infenso a rupturas. Com isso, as Forças Armadas prestarão um relevante serviço para a preservação da paz no próprio território brasileiro, medida de caráter excepcional e que será objeto de algumas reflexões nestas breves linhas. Para tanto, analisaremos alguns aspectos do poder de polícia estatal e da concepção de ordem pública que lhe é inerente, premissas que serão integradas à funcionalidade da força

pública no Estado de Direito, permitindo verificar em que situações será possível o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem.

Polícia administrativa

A “polícia administrativa”, também denominada “poder de polícia” ou “limitações administrativas à liberdade e à propriedade”, não possui contornos propriamente finalísticos, mas instrumentais, estando essencialmente voltada à garantia da ordem

5pública (ou interesse público ). Não designa propriamente uma estrutura orgânica, mas sim uma atividade que impõe restrições à esfera jurídica alheia de modo a preservar a harmônica coexistência do grupamento e a permitir que o Estado execute as atividades que lhe são características. Num Estado de Direito, essa tensão dialética entre liberdade e autoridade deve ser sempre resolvida com os olhos voltados à advertência de Waline: “a

6liberdade é a regra, a restrição por medidas de polícia a exceção” .Na identificação das estruturas estatais de poder

competentes para o exercício da polícia administrativa deve ser observada a divisão de competências da Federação brasileira. Essa atividade pode assumir contornos preventivos ou repressivos: no primeiro caso, o objetivo é prevenir distúrbios à ordem pública, fim normalmente alcançado com a regulamentação administrativa de certas matérias e com a fiscalização de atividades potencialmente lesivas; no segundo, por sua vez, busca-se reprimir os distúrbios à ordem pública, o que é alcançado por meio da

7coerção, inclusive com o uso da força pública . Como consequência dessas atividades, ainda será possível a aplicação das sanções cominadas pela ordem jurídica. Regulamentação, fiscalização e coerção são as formas de manifestação da polícia administrativa.2 Como afirmou Ferreira Filho, “não há bombeiros para apagar o fogo que

bombeiros atearam e atiçam [...]” (Curso de Direito Constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 240).

3 CONSTANT, B. Cours de Politique Constitutionnelle, Tome Premier. 2. ed. Paris: Librairie de Guillaumin et Cie, 1872. p. 106.

4 MONTESQUIEU, C. De L'Esprit des Lois, Tome Premier. Paris: Éditions Garnier Frères, 1949. p. 172-173.

5 Código Tributário Nacional, art. 78.6 WALINE, M. Droit Administratif. 9. ed. Paris: Éditions Sirey, 1963. p. 637.7 Cf. HAURIOU, M. Précis de droit administratif et de droit public. 12. ed.

Paris: Dalloz, 1932. p. 549.

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2controlam a força e estão no poder graças a ela . A força armada, 3como assinalou Benjamin Constant , não é um poder

constitucional, mas é um “terrível” poder de fato.Não obstante os riscos que oferece, praticamente todos os

regimes democráticos têm feito uso do poder militar, o que, por vezes, tem se mostrado especialmente relevante na garantia da soberania e na preservação do próprio regime. O importante, no entanto, é que o poder militar não abandone o seu papel coadjuvante, subjugando o poder civil. Além da imposição de restrições operacionais, afastando a possibilidade de atuação de ofício e exigindo a subordinação a agentes democraticamente legitimados, já se sustentou, inclusive, que o contingente das Forças Armadas

4deveria ser periodicamente renovado. Montesquieu , por exemplo, defendia que as Forças Armadas deveriam ser o povo e ter o mesmo espírito do povo, o que exigia a responsabilidade por seus atos e um serviço temporário, por prazo não superior a um ano. Esse padrão, à evidência, dificilmente poderia ser alcançado por Estados que contem com grande contingente, o que inviabiliza renovações periódicas de tamanha extensão. Enfraquecer a organização e a especialização das Forças Armadas, por outro lado, não parece ser a melhor solução para mantê-las subordinadas ao regime.

O melhor caminho, ao que parece, é investir na solidez das instituições democráticas, estimulando a ideologia participativa, de modo a criar um ambiente sociopolítico infenso a rupturas. Com isso, as Forças Armadas prestarão um relevante serviço para a preservação da paz no próprio território brasileiro, medida de caráter excepcional e que será objeto de algumas reflexões nestas breves linhas. Para tanto, analisaremos alguns aspectos do poder de polícia estatal e da concepção de ordem pública que lhe é inerente, premissas que serão integradas à funcionalidade da força

pública no Estado de Direito, permitindo verificar em que situações será possível o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem.

Polícia administrativa

A “polícia administrativa”, também denominada “poder de polícia” ou “limitações administrativas à liberdade e à propriedade”, não possui contornos propriamente finalísticos, mas instrumentais, estando essencialmente voltada à garantia da ordem

5pública (ou interesse público ). Não designa propriamente uma estrutura orgânica, mas sim uma atividade que impõe restrições à esfera jurídica alheia de modo a preservar a harmônica coexistência do grupamento e a permitir que o Estado execute as atividades que lhe são características. Num Estado de Direito, essa tensão dialética entre liberdade e autoridade deve ser sempre resolvida com os olhos voltados à advertência de Waline: “a

6liberdade é a regra, a restrição por medidas de polícia a exceção” .Na identificação das estruturas estatais de poder

competentes para o exercício da polícia administrativa deve ser observada a divisão de competências da Federação brasileira. Essa atividade pode assumir contornos preventivos ou repressivos: no primeiro caso, o objetivo é prevenir distúrbios à ordem pública, fim normalmente alcançado com a regulamentação administrativa de certas matérias e com a fiscalização de atividades potencialmente lesivas; no segundo, por sua vez, busca-se reprimir os distúrbios à ordem pública, o que é alcançado por meio da

7coerção, inclusive com o uso da força pública . Como consequência dessas atividades, ainda será possível a aplicação das sanções cominadas pela ordem jurídica. Regulamentação, fiscalização e coerção são as formas de manifestação da polícia administrativa.2 Como afirmou Ferreira Filho, “não há bombeiros para apagar o fogo que

bombeiros atearam e atiçam [...]” (Curso de Direito Constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 240).

3 CONSTANT, B. Cours de Politique Constitutionnelle, Tome Premier. 2. ed. Paris: Librairie de Guillaumin et Cie, 1872. p. 106.

4 MONTESQUIEU, C. De L'Esprit des Lois, Tome Premier. Paris: Éditions Garnier Frères, 1949. p. 172-173.

5 Código Tributário Nacional, art. 78.6 WALINE, M. Droit Administratif. 9. ed. Paris: Éditions Sirey, 1963. p. 637.7 Cf. HAURIOU, M. Précis de droit administratif et de droit public. 12. ed.

Paris: Dalloz, 1932. p. 549.

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A existência do poder regulamentar está associada à concepção de que outras estruturas estatais de poder podem especificar, com imperatividade, as providências a serem adotadas para a integração ou o aperfeiçoamento dos comandos legais postos pelo legislador democraticamente legitimado. Como disse

8Chapus : “Se não há senão um único legislador, há uma pluralidade de detentores do poder regulamentar”. Trata-se de manifestação especial do princípio da legalidade, permitindo concluir que o facere estatal pode assumir contornos concretos, o ato administrativo típico, ou gerais, aqui se enquadrando o

9regulamento . A generalidade é uma característica indissociável dos regulamentos, apontando para a impessoalidade dos seus

10comandos . Observados os balizamentos estabelecidos pela lei, os regulamentos podem impor restrições à esfera jurídica alheia, exigindo a prática de atos comissivos (v.g. definindo requisitos de ordem sanitária a serem observados pelos estabelecimentos que comercializem gêneros alimentícios) ou omissivos (v.g. obstando a venda de produtos que não observem as especificações sanitárias). No âmbito da polícia administrativa, os regulamentos, como dissemos, assumem contornos eminentemente preventivos.

A fiscalização, como instrumento preventivo de proteção à ordem pública, ocupa uma zona intermédia entre a regulamentação e a coerção. Em outras palavras, reflete a atividade administrativa que verifica o cumprimento dos comandos legais e regulamentares, e, em caso de inobservância, adota as providências necessárias, quer à imediata cessação da ilicitude, o que faz incidir a coerção estatal, quer ao sancionamento dos respectivos responsáveis, o que pode ocorrer nas instâncias cível, criminal, política e administrativa, nesse último caso com a aplicação das denominadas “sanções de polícia” (v.g. multa). Existem, ainda, atos administrativos intimamente ligados à atividade fiscalizatória desenvolvida pelo Poder Público,

indicando a observância das normas legais e regulamentares incidentes no caso (v.g. a concessão de licença ou autorização para o exercício de certa atividade).

A coerção, em sentido lato, pode ser vista como um mecanismo de execução forçada dos atos administrativos, em relação àquelas situações que comportem providências dessa natureza (v.g. apreensão de mercadorias comercializadas sem autorização legal), não quanto às demais (v.g. atos meramente declaratórios). A partir da autoexecutoriedade inerente aos atos

11administrativos, que independem de chancela por outro Poder , permitindo que a Administração os implemente tão logo identifique a presença dos requisitos legais que os justifiquem, são adotadas as medidas necessárias à sua efetividade. É importante ressaltar que não se identifica uma linearidade entre os sistemas jurídicos quanto à matéria, havendo grandes oscilações sobre a possibilidade de execução forçada dos atos administrativos (v.g.

12enquanto o direito espanhol a reconhece como princípio geral, o direito francês só a admite em situações específicas,

13expressamente previstas em lei ).Nem toda situação de fato ou ato voluntário dissonante da

lei permitirá que a Administração Pública promova a sua execução forçada (v.g. a satisfação de créditos da Fazenda junto aos particulares). Num Estado Democrático de Direito, atos dessa natureza devem estar necessariamente amparados pela lei, sendo de todo descabida a realização de intervenções na esfera jurídica alheia à margem de qualquer balizamento estabelecido pelo órgão legislativo competente. A lei, assim, há de definir as ações ou omissões a cargo do administrado e a amplitude da coerção estatal (v.g. a Lei n. 7.679/1988, em seu art. 4º, a exemplo do Decreto-lei n. 221/1968, em seu art. 56, autorizam a apreensão de equipamento

8 CHAPUS, R. Droit administrative général, Tome 1. 15. ed. Paris: Montchrestien, 2001. p. 649.

9 er MAYER, O. Le droit administratif allemand, Tome 1 . Paris: V. Giard & E. Brière, 1903. p. 115-116.

10 WALINE, op. cit., p. 117.

11 Cf. MEDAUAR, O. Direito Administrativo moderno. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 155; e CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 74.

12 Cf. GARCÍA DE ENTERRÍA, E.; FERNÁNDEZ, T.-R. Curso de Derecho Administrativo. v. I. 12. ed. Madrid: Civitas, 2004. p. 782-784.

13 Cf. WALINE, op. cit., p. 641.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200918 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 19

A existência do poder regulamentar está associada à concepção de que outras estruturas estatais de poder podem especificar, com imperatividade, as providências a serem adotadas para a integração ou o aperfeiçoamento dos comandos legais postos pelo legislador democraticamente legitimado. Como disse

8Chapus : “Se não há senão um único legislador, há uma pluralidade de detentores do poder regulamentar”. Trata-se de manifestação especial do princípio da legalidade, permitindo concluir que o facere estatal pode assumir contornos concretos, o ato administrativo típico, ou gerais, aqui se enquadrando o

9regulamento . A generalidade é uma característica indissociável dos regulamentos, apontando para a impessoalidade dos seus

10comandos . Observados os balizamentos estabelecidos pela lei, os regulamentos podem impor restrições à esfera jurídica alheia, exigindo a prática de atos comissivos (v.g. definindo requisitos de ordem sanitária a serem observados pelos estabelecimentos que comercializem gêneros alimentícios) ou omissivos (v.g. obstando a venda de produtos que não observem as especificações sanitárias). No âmbito da polícia administrativa, os regulamentos, como dissemos, assumem contornos eminentemente preventivos.

A fiscalização, como instrumento preventivo de proteção à ordem pública, ocupa uma zona intermédia entre a regulamentação e a coerção. Em outras palavras, reflete a atividade administrativa que verifica o cumprimento dos comandos legais e regulamentares, e, em caso de inobservância, adota as providências necessárias, quer à imediata cessação da ilicitude, o que faz incidir a coerção estatal, quer ao sancionamento dos respectivos responsáveis, o que pode ocorrer nas instâncias cível, criminal, política e administrativa, nesse último caso com a aplicação das denominadas “sanções de polícia” (v.g. multa). Existem, ainda, atos administrativos intimamente ligados à atividade fiscalizatória desenvolvida pelo Poder Público,

indicando a observância das normas legais e regulamentares incidentes no caso (v.g. a concessão de licença ou autorização para o exercício de certa atividade).

A coerção, em sentido lato, pode ser vista como um mecanismo de execução forçada dos atos administrativos, em relação àquelas situações que comportem providências dessa natureza (v.g. apreensão de mercadorias comercializadas sem autorização legal), não quanto às demais (v.g. atos meramente declaratórios). A partir da autoexecutoriedade inerente aos atos

11administrativos, que independem de chancela por outro Poder , permitindo que a Administração os implemente tão logo identifique a presença dos requisitos legais que os justifiquem, são adotadas as medidas necessárias à sua efetividade. É importante ressaltar que não se identifica uma linearidade entre os sistemas jurídicos quanto à matéria, havendo grandes oscilações sobre a possibilidade de execução forçada dos atos administrativos (v.g.

12enquanto o direito espanhol a reconhece como princípio geral, o direito francês só a admite em situações específicas,

13expressamente previstas em lei ).Nem toda situação de fato ou ato voluntário dissonante da

lei permitirá que a Administração Pública promova a sua execução forçada (v.g. a satisfação de créditos da Fazenda junto aos particulares). Num Estado Democrático de Direito, atos dessa natureza devem estar necessariamente amparados pela lei, sendo de todo descabida a realização de intervenções na esfera jurídica alheia à margem de qualquer balizamento estabelecido pelo órgão legislativo competente. A lei, assim, há de definir as ações ou omissões a cargo do administrado e a amplitude da coerção estatal (v.g. a Lei n. 7.679/1988, em seu art. 4º, a exemplo do Decreto-lei n. 221/1968, em seu art. 56, autorizam a apreensão de equipamento

8 CHAPUS, R. Droit administrative général, Tome 1. 15. ed. Paris: Montchrestien, 2001. p. 649.

9 er MAYER, O. Le droit administratif allemand, Tome 1 . Paris: V. Giard & E. Brière, 1903. p. 115-116.

10 WALINE, op. cit., p. 117.

11 Cf. MEDAUAR, O. Direito Administrativo moderno. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 155; e CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. p. 74.

12 Cf. GARCÍA DE ENTERRÍA, E.; FERNÁNDEZ, T.-R. Curso de Derecho Administrativo. v. I. 12. ed. Madrid: Civitas, 2004. p. 782-784.

13 Cf. WALINE, op. cit., p. 641.

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14de pesca de uso proibido) . À míngua de previsão normativa, ainda que a medida seja conveniente, a tutela jurisdicional, em regra, será imperativa. Em situações excepcionais e que exijam ação imediata da Administração para a proteção de relevante interesse público, a coerção, estando caracterizada a urgência, é igualmente admitida, ainda que não haja previsão legal expressa e não seja possível assegurar o contraditório e a ampla defesa de

15modo prévio (v.g. demolição de construção prestes a ruir) . Nesse último caso, sobre a Administração recairá o ônus argumentativo voltado à demonstração da correção do seu proceder, arcando o responsável com os excessos que venha a cometer.

Assim, apesar da autoexecutoriedade que acompanha os atos administrativos, sendo inerente à regra de competência e à presunção de veracidade que ostentam, a coerção exige um plus. Para que a coerção administrativa seja cabível é necessário que: 1) o comportamento omissivo ou comissivo a cargo do particular decorra, ainda que mediatamente, de imposição legal; 2) haja inobservância dessa imposição legal; e 3) estejam presentes, no exercício do poder de polícia, os requisitos de todo e qualquer ato administrativo (competência, forma etc.), em especial que a providência adotada pela Administração, além de necessária

16(rectius: proporcional ), encontre amparo na lei “em seu objeto, 17em seu alcance e em seu procedimento” (v.g. interdição de

estabelecimento). O ato de coerção, além disso, deve render estrita obediência aos direitos fundamentais, em especial ao direito à igualdade, evitando que grupos específicos sejam perseguidos ou

privilegiados com a ação do Poder Público, isto sob pena de caracterização do desvio de finalidade.

A coerção, como forma de manifestação da polícia administrativa, reflete o emprego da força para a obtenção de um dado resultado de fato (v.g. apreensão de mercadorias), que pode consubstanciar a execução forçada de atos administrativos ou de normas jurídicas direcionados a esse objetivo. A dicotomia aqui referida, no entanto, deve ser objeto de um prévio esclarecimento: toda coerção será antecedida por uma decisão administrativa, ainda que verbal e não reduzida a termo, que aproximará a abstração da previsão normativa às especificidades do caso concreto, concluindo pela necessidade de consecução de um fim (rectius: recomposição da ordem pública) a ser racionalmente alcançado. Conquanto o ato administrativo sempre se faça presente na coerção, num caso assume a feição de simples “ordem de execução”, refletindo reação instantânea a uma situação de fato dissonante do comando normativo; no outro, tem-se o fluxo normal de um processo administrativo formal, com teses e

18antíteses, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa .Nas hipóteses de cumprimento de ordem judicial a situação

19é diversa . Aqui não se tem um ato de natureza administrativa, mas órgãos administrativos garantindo a efetividade de um ato judicial. A polícia administrativa, aliás, não se confunde com a polícia judiciária, atividade voltada à apuração das infrações penais e que busca viabilizar a sua persecução judicial, atuando como órgão auxiliar do dominus littis da ação penal, o Ministério Público, ou, se for o caso, o particular, e, num segundo momento, o órgão

20jurisdicional competente . Acresça-se que a polícia administrativa atua voltada para si própria, ainda que sua atividade possa vir a balizar a apuração de responsabilidades na esfera criminal. Polícia administrativa e polícia judiciária, conquanto sejam atividades distintas, podem ser realizadas pelos mesmos agentes e estruturas orgânicas: o ponto nodal de distinção entre ambas é a existência de

14 Como afirmam García de Enterría e Fernández (op. cit., p. 793), “la coacción administrativa es, por de pronto, como ya nos consta, una manifestación jurídica de la Administración y por ello resulta sometida a la misma regla de la legalidad que las restantes manifestaciones de la misma. Esa legalidad, como en todos los casos, ha de habilitar la acción administrativa, definir una potestad de obrar (aquí de obrar coactivamente forzando o supliendo voluntades ajenas) más o menos amplia, pero nunca ilimitada”.

15 Cf. GASPARINI, D. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 77-78 e 135; e PINHEIRO MADEIRA, J. M. Reconceituando o Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 51 e ss.

16 Cf. LAUBADÈRE, A. de. Traité élémentaire de Droit Administratif. v. I. 3. ed. Paris: L.G.D.J., 1963. p. 513.

17 GARCÍA DE ENTERRÍA; FERNÁNDEZ, op. cit., p. 793.

18 Cf. GARCÍA DE ENTERRÍA; FERNÁNDEZ, op. cit., p. 790.19 Cf. HAURIOU, op. cit., p. 578.20 Cf. HAURIOU, op. cit., p. 549; CHAPUS, op. cit., p. 737; e WALINE, op. cit.,

p. 639.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200920 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 21

14de pesca de uso proibido) . À míngua de previsão normativa, ainda que a medida seja conveniente, a tutela jurisdicional, em regra, será imperativa. Em situações excepcionais e que exijam ação imediata da Administração para a proteção de relevante interesse público, a coerção, estando caracterizada a urgência, é igualmente admitida, ainda que não haja previsão legal expressa e não seja possível assegurar o contraditório e a ampla defesa de

15modo prévio (v.g. demolição de construção prestes a ruir) . Nesse último caso, sobre a Administração recairá o ônus argumentativo voltado à demonstração da correção do seu proceder, arcando o responsável com os excessos que venha a cometer.

Assim, apesar da autoexecutoriedade que acompanha os atos administrativos, sendo inerente à regra de competência e à presunção de veracidade que ostentam, a coerção exige um plus. Para que a coerção administrativa seja cabível é necessário que: 1) o comportamento omissivo ou comissivo a cargo do particular decorra, ainda que mediatamente, de imposição legal; 2) haja inobservância dessa imposição legal; e 3) estejam presentes, no exercício do poder de polícia, os requisitos de todo e qualquer ato administrativo (competência, forma etc.), em especial que a providência adotada pela Administração, além de necessária

16(rectius: proporcional ), encontre amparo na lei “em seu objeto, 17em seu alcance e em seu procedimento” (v.g. interdição de

estabelecimento). O ato de coerção, além disso, deve render estrita obediência aos direitos fundamentais, em especial ao direito à igualdade, evitando que grupos específicos sejam perseguidos ou

privilegiados com a ação do Poder Público, isto sob pena de caracterização do desvio de finalidade.

A coerção, como forma de manifestação da polícia administrativa, reflete o emprego da força para a obtenção de um dado resultado de fato (v.g. apreensão de mercadorias), que pode consubstanciar a execução forçada de atos administrativos ou de normas jurídicas direcionados a esse objetivo. A dicotomia aqui referida, no entanto, deve ser objeto de um prévio esclarecimento: toda coerção será antecedida por uma decisão administrativa, ainda que verbal e não reduzida a termo, que aproximará a abstração da previsão normativa às especificidades do caso concreto, concluindo pela necessidade de consecução de um fim (rectius: recomposição da ordem pública) a ser racionalmente alcançado. Conquanto o ato administrativo sempre se faça presente na coerção, num caso assume a feição de simples “ordem de execução”, refletindo reação instantânea a uma situação de fato dissonante do comando normativo; no outro, tem-se o fluxo normal de um processo administrativo formal, com teses e

18antíteses, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa .Nas hipóteses de cumprimento de ordem judicial a situação

19é diversa . Aqui não se tem um ato de natureza administrativa, mas órgãos administrativos garantindo a efetividade de um ato judicial. A polícia administrativa, aliás, não se confunde com a polícia judiciária, atividade voltada à apuração das infrações penais e que busca viabilizar a sua persecução judicial, atuando como órgão auxiliar do dominus littis da ação penal, o Ministério Público, ou, se for o caso, o particular, e, num segundo momento, o órgão

20jurisdicional competente . Acresça-se que a polícia administrativa atua voltada para si própria, ainda que sua atividade possa vir a balizar a apuração de responsabilidades na esfera criminal. Polícia administrativa e polícia judiciária, conquanto sejam atividades distintas, podem ser realizadas pelos mesmos agentes e estruturas orgânicas: o ponto nodal de distinção entre ambas é a existência de

14 Como afirmam García de Enterría e Fernández (op. cit., p. 793), “la coacción administrativa es, por de pronto, como ya nos consta, una manifestación jurídica de la Administración y por ello resulta sometida a la misma regla de la legalidad que las restantes manifestaciones de la misma. Esa legalidad, como en todos los casos, ha de habilitar la acción administrativa, definir una potestad de obrar (aquí de obrar coactivamente forzando o supliendo voluntades ajenas) más o menos amplia, pero nunca ilimitada”.

15 Cf. GASPARINI, D. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 77-78 e 135; e PINHEIRO MADEIRA, J. M. Reconceituando o Poder de Polícia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 51 e ss.

16 Cf. LAUBADÈRE, A. de. Traité élémentaire de Droit Administratif. v. I. 3. ed. Paris: L.G.D.J., 1963. p. 513.

17 GARCÍA DE ENTERRÍA; FERNÁNDEZ, op. cit., p. 793.

18 Cf. GARCÍA DE ENTERRÍA; FERNÁNDEZ, op. cit., p. 790.19 Cf. HAURIOU, op. cit., p. 578.20 Cf. HAURIOU, op. cit., p. 549; CHAPUS, op. cit., p. 737; e WALINE, op. cit.,

p. 639.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200922

21 CHAPUS, op. cit., p. 737.22 CF. GASPARINI, op. cit., p. 132.23 Convenção Européia dos Direitos Humanos, art. 2º: “A morte não será

considerada infringida com infração do presente artigo quando se produza como conseqüência de um recurso à força que seja absolutamente necessário: a) em defesa de uma pessoa contra uma agressão ilegítima; b) para deter uma pessoa de acordo com o direito ou para impedir a evasão de um preso ou detido legalmente; c) para reprimir, de acordo com a lei, uma revolta ou insurreição”.

21uma “infração penal determinada” . Além disso, enquanto a primeira é regida por normas puramente administrativas, a segunda também é alcançada por normas processuais

22administrativas .Enquanto a regulamentação e a fiscalização possuem um

caráter continuado, a coerção é eminentemente temporária, cessando tão logo cesse o distúrbio à ordem pública que motivou o seu aparecimento. Essa tensão dialética entre um status contínuo e outro temporário guarda correlação direta com os conceitos de eficácia e efetividade da norma: enquanto a regulamentação e a fiscalização devem ser deflagradas com a só vigência do comando normativo, a coerção exige um plus, a sua inefetividade, a sua falta de eficácia social.

A forma mais drástica de coerção, não só pelos riscos que enseja como por sua potencialidade lesiva, é aquela realizada com o emprego de armas de fogo, a cargo da força pública. A coerção armada é medida excepcional, último recurso a ser utilizado. Não

23há liberdade para o seu emprego; há necessidade . Liberdade haverá, unicamente, para que o agente público, iluminado por ideais morais ou teológicos, não obstante compelido pelas circunstâncias e colocando em risco sua própria integridade física, deixe de utilizá-la para preservar a integridade alheia. Caso a ação armada resulte em danos a terceiros, restará ao autor demonstrar a presença de uma das excludentes de antijuridicidade contempladas na legislação penal.

Contornos essenciais da ordem pública

A concepção de ordem pública, cuja preservação é o fim último da polícia administrativa, assume feições nitidamente

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 23

24 Cf. HAURIOU, op. cit., p. 549.25 Cf. LAUBADÈRE, op. cit., p. 506. 26 Cf. CHAPUS, op. cit., p. 705-706.27 J. em 27/10/1995, Rec. Lebon, p. 372.

voláteis, apresentando variações que acompanham os referenciais de tempo e lugar utilizados. Sob o prisma etimológico, o designativo ordem, do latim ordine, sempre estará associado ao conceito de correção, que pode ser analisado em diversos planos como: 1) o normativo, onde ordem se assemelha à lei (ordem jurídica); ou 2) o sociológico, onde ordem aponta para a paz e a tranquilidade públicas (ordem pública).

Na medida em que tanto a realidade social como a normatização utilizada para regulá-la são extremamente cambiantes, apresentando variações conforme a época e o local objeto de análise, é fácil intuir que a essência da ordem pública não permanecerá indiferente a esses circunstancialismos, não sendo

24uniforme e muito menos invariável. Na definição de Hauriou , “a ordem pública, no sentido da polícia, é a ordem material e exterior considerada como um estado de fato oposto à desordem, o estado de paz oposto ao estado de problemas”. Reprime-se o que afeta a ordem, protege-se ou tolera-se o que não a perturba.

No direito francês, a concepção de ordem pública é tradicionalmente formada pela necessidade de manutenção da

25segurança, da tranquilidade e da salubridade públicas , o que pouco a pouco vai se ampliando para alcançar a salvaguarda de outros interesses de indiscutível relevância para a coletividade,

26como o meio ambiente e o patrimônio histórico cultural , ou mesmo a dignidade da pessoa humana ou a própria “ordem moral”, vedando a realização de condutas que as afetem.

Especificamente em relação à dignidade da pessoa humana, merece lembrança o polêmico Caso Commune de Morsang-sur-Orge (lancers de nain), onde o Conselho de Estado francês decidiu que ela deveria ser vista como componente da ordem pública, justificando que os poderes constituídos adotassem

27as providências necessárias à sua proteção . Na situação concreta, o Prefeito de Monsang-sur-Orge havia interditado os espetáculos de “lançamento de anão”, que seriam realizados nas discotecas da

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200922

21 CHAPUS, op. cit., p. 737.22 CF. GASPARINI, op. cit., p. 132.23 Convenção Européia dos Direitos Humanos, art. 2º: “A morte não será

considerada infringida com infração do presente artigo quando se produza como conseqüência de um recurso à força que seja absolutamente necessário: a) em defesa de uma pessoa contra uma agressão ilegítima; b) para deter uma pessoa de acordo com o direito ou para impedir a evasão de um preso ou detido legalmente; c) para reprimir, de acordo com a lei, uma revolta ou insurreição”.

21uma “infração penal determinada” . Além disso, enquanto a primeira é regida por normas puramente administrativas, a segunda também é alcançada por normas processuais

22administrativas .Enquanto a regulamentação e a fiscalização possuem um

caráter continuado, a coerção é eminentemente temporária, cessando tão logo cesse o distúrbio à ordem pública que motivou o seu aparecimento. Essa tensão dialética entre um status contínuo e outro temporário guarda correlação direta com os conceitos de eficácia e efetividade da norma: enquanto a regulamentação e a fiscalização devem ser deflagradas com a só vigência do comando normativo, a coerção exige um plus, a sua inefetividade, a sua falta de eficácia social.

A forma mais drástica de coerção, não só pelos riscos que enseja como por sua potencialidade lesiva, é aquela realizada com o emprego de armas de fogo, a cargo da força pública. A coerção armada é medida excepcional, último recurso a ser utilizado. Não

23há liberdade para o seu emprego; há necessidade . Liberdade haverá, unicamente, para que o agente público, iluminado por ideais morais ou teológicos, não obstante compelido pelas circunstâncias e colocando em risco sua própria integridade física, deixe de utilizá-la para preservar a integridade alheia. Caso a ação armada resulte em danos a terceiros, restará ao autor demonstrar a presença de uma das excludentes de antijuridicidade contempladas na legislação penal.

Contornos essenciais da ordem pública

A concepção de ordem pública, cuja preservação é o fim último da polícia administrativa, assume feições nitidamente

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 23

24 Cf. HAURIOU, op. cit., p. 549.25 Cf. LAUBADÈRE, op. cit., p. 506. 26 Cf. CHAPUS, op. cit., p. 705-706.27 J. em 27/10/1995, Rec. Lebon, p. 372.

voláteis, apresentando variações que acompanham os referenciais de tempo e lugar utilizados. Sob o prisma etimológico, o designativo ordem, do latim ordine, sempre estará associado ao conceito de correção, que pode ser analisado em diversos planos como: 1) o normativo, onde ordem se assemelha à lei (ordem jurídica); ou 2) o sociológico, onde ordem aponta para a paz e a tranquilidade públicas (ordem pública).

Na medida em que tanto a realidade social como a normatização utilizada para regulá-la são extremamente cambiantes, apresentando variações conforme a época e o local objeto de análise, é fácil intuir que a essência da ordem pública não permanecerá indiferente a esses circunstancialismos, não sendo

24uniforme e muito menos invariável. Na definição de Hauriou , “a ordem pública, no sentido da polícia, é a ordem material e exterior considerada como um estado de fato oposto à desordem, o estado de paz oposto ao estado de problemas”. Reprime-se o que afeta a ordem, protege-se ou tolera-se o que não a perturba.

No direito francês, a concepção de ordem pública é tradicionalmente formada pela necessidade de manutenção da

25segurança, da tranquilidade e da salubridade públicas , o que pouco a pouco vai se ampliando para alcançar a salvaguarda de outros interesses de indiscutível relevância para a coletividade,

26como o meio ambiente e o patrimônio histórico cultural , ou mesmo a dignidade da pessoa humana ou a própria “ordem moral”, vedando a realização de condutas que as afetem.

Especificamente em relação à dignidade da pessoa humana, merece lembrança o polêmico Caso Commune de Morsang-sur-Orge (lancers de nain), onde o Conselho de Estado francês decidiu que ela deveria ser vista como componente da ordem pública, justificando que os poderes constituídos adotassem

27as providências necessárias à sua proteção . Na situação concreta, o Prefeito de Monsang-sur-Orge havia interditado os espetáculos de “lançamento de anão”, que seriam realizados nas discotecas da

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200924

referida cidade, tendo tomado sua decisão não com base no poder de polícia especial relativo aos espetáculos, mas com base no poder de polícia geral, que se destinava a garantir a segurança do público ou a prevenir eventuais turbações à ordem pública. O Prefeito, no entanto, fundamentou sua decisão no fato de o espetáculo ser atentatório à dignidade humana.

Apesar de a ordem pública ser associada à clássica trilogia segurança, tranquilidade e salubridade públicas (alcançando, em alguns casos, também a moralidade pública), o Conselho de Estado, pela primeira vez, enquadrou a dignidade humana no conceito. Entendeu-se que o lançamento de anão pelos frequentadores da discoteca terminava por utilizar, como projétil, uma pessoa afetada por uma deficiência física e apresentada como tal. Assim, a redução do homem à condição de objeto seria

28manifestamente degradante e atentatória à sua dignidade .A ordem pública, num sentido mais amplo, alcança não só

aquele estado de fato imprescindível à preservação da paz social (v.g. garantia da segurança pública), como aquelas situações que aumentem a comodidade ou a qualidade de vida do grupamento, fins a serem sempre perseguidos pelo Estado (v.g. proibição de comércio ambulante na via pública). Em alguns casos, pode alcançar medidas que busquem proteger o indivíduo contra si próprio (v.g. a obrigação do uso do cinto de segurança), evitando resultados que imediatamente poderiam afetar a coletividade (v.g. despesas financeiras para o atendimento de acidentados e manutenção de hospitais).

A polícia administrativa está voltada ao restabelecimento da ordem material, com abstração das causas de natureza político-social que podem ter influenciado a sua formação (v.g. situações de pobreza extrema, políticas públicas equivocadas, etc.). Não deve

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 25

29 Cf. WALINE, op. cit., p. 642-643.30 Cf. HAURIOU, M. Précis de Droit Constitutionnel. 2. ed. Paris: Recueil Sirey,

1929. p. 421.31 Cf. DUGUIT, L. Manuel de Droit Constitutionnel. 2. ed. Paris: Fontemoing &

Cie. Éditteurs, 1911. p. 410.

29ser motivada por interesses financeiros do Poder Público , ou pessoais da autoridade competente, sob pena de caracterização do desvio de finalidade.

Cada quadrante da ordem pública será objeto de proteção por órgãos específicos. Naquilo que diz respeito ao nosso estudo, vale dizer, à segurança pública, identifica-se a atuação dos órgãos de segurança pública e, subsidiariamente, das Forças Armadas. Não obstante a terminologia empregada pela Constituição Brasileira de 1988, que admite o emprego das Forças Armadas, no âmbito interno, para a proteção da “lei e da ordem”, cremos que a primeira é absorvida pela segunda, sendo possível falar em ordem jurídica ou em ordem pública. Considerando que a ordem jurídica está finalisticamente voltada à garantia da ordem pública, parece claro que essa última noção absorverá todas as demais.

A defesa da paz e a funcionalidade da força pública

O primeiro dever de qualquer governo é a defesa da paz, que deve ser compreendida em seu sentido lato, abrangendo tanto a

30paz interior como a paz exterior . A análise das situações de risco e do status do opressor permite afirmar que a força pública possui quatro objetivos fundamentais: 1) defender a soberania brasileira, garantindo suas fronteiras e reprimindo o inimigo externo; 2) atuar no cumprimento das obrigações internacionais de caráter militar assumidas pelo País; 3) defender a ordem interna em situações de anormalidade institucional; e 4) defender a ordem interna em situações de normalidade institucional. Os três primeiros objetivos devem ser outorgados, primordialmente, à força pública permanente militar, que é justamente a força armada, ou

31simplesmente armada, e o último à força permanente civil , função que pode ser desempenhada por agentes meramente 28 Moutouh, no entanto, após colocar em dúvida o enquadramento do “lancer de

nain” como atentatório à dignidade humana, adverte para o risco de considerações de moralidade pública tornarem prevalecentes as próprias concepções morais da autoridade competente, com sério risco para a liberdade individual (La dignité de l'homme em Droit. Revue du Droit Public, n. 1, p. 159 (187-188), 1999]. No mesmo sentido: JEROIN, B. La dignité de la personne humanine: ou la difficile insertion d'une règle morale dans le droit positif. Revue du Droit Public, n. 1, p. 197 (224, 231), 1999.

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referida cidade, tendo tomado sua decisão não com base no poder de polícia especial relativo aos espetáculos, mas com base no poder de polícia geral, que se destinava a garantir a segurança do público ou a prevenir eventuais turbações à ordem pública. O Prefeito, no entanto, fundamentou sua decisão no fato de o espetáculo ser atentatório à dignidade humana.

Apesar de a ordem pública ser associada à clássica trilogia segurança, tranquilidade e salubridade públicas (alcançando, em alguns casos, também a moralidade pública), o Conselho de Estado, pela primeira vez, enquadrou a dignidade humana no conceito. Entendeu-se que o lançamento de anão pelos frequentadores da discoteca terminava por utilizar, como projétil, uma pessoa afetada por uma deficiência física e apresentada como tal. Assim, a redução do homem à condição de objeto seria

28manifestamente degradante e atentatória à sua dignidade .A ordem pública, num sentido mais amplo, alcança não só

aquele estado de fato imprescindível à preservação da paz social (v.g. garantia da segurança pública), como aquelas situações que aumentem a comodidade ou a qualidade de vida do grupamento, fins a serem sempre perseguidos pelo Estado (v.g. proibição de comércio ambulante na via pública). Em alguns casos, pode alcançar medidas que busquem proteger o indivíduo contra si próprio (v.g. a obrigação do uso do cinto de segurança), evitando resultados que imediatamente poderiam afetar a coletividade (v.g. despesas financeiras para o atendimento de acidentados e manutenção de hospitais).

A polícia administrativa está voltada ao restabelecimento da ordem material, com abstração das causas de natureza político-social que podem ter influenciado a sua formação (v.g. situações de pobreza extrema, políticas públicas equivocadas, etc.). Não deve

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 25

29 Cf. WALINE, op. cit., p. 642-643.30 Cf. HAURIOU, M. Précis de Droit Constitutionnel. 2. ed. Paris: Recueil Sirey,

1929. p. 421.31 Cf. DUGUIT, L. Manuel de Droit Constitutionnel. 2. ed. Paris: Fontemoing &

Cie. Éditteurs, 1911. p. 410.

29ser motivada por interesses financeiros do Poder Público , ou pessoais da autoridade competente, sob pena de caracterização do desvio de finalidade.

Cada quadrante da ordem pública será objeto de proteção por órgãos específicos. Naquilo que diz respeito ao nosso estudo, vale dizer, à segurança pública, identifica-se a atuação dos órgãos de segurança pública e, subsidiariamente, das Forças Armadas. Não obstante a terminologia empregada pela Constituição Brasileira de 1988, que admite o emprego das Forças Armadas, no âmbito interno, para a proteção da “lei e da ordem”, cremos que a primeira é absorvida pela segunda, sendo possível falar em ordem jurídica ou em ordem pública. Considerando que a ordem jurídica está finalisticamente voltada à garantia da ordem pública, parece claro que essa última noção absorverá todas as demais.

A defesa da paz e a funcionalidade da força pública

O primeiro dever de qualquer governo é a defesa da paz, que deve ser compreendida em seu sentido lato, abrangendo tanto a

30paz interior como a paz exterior . A análise das situações de risco e do status do opressor permite afirmar que a força pública possui quatro objetivos fundamentais: 1) defender a soberania brasileira, garantindo suas fronteiras e reprimindo o inimigo externo; 2) atuar no cumprimento das obrigações internacionais de caráter militar assumidas pelo País; 3) defender a ordem interna em situações de anormalidade institucional; e 4) defender a ordem interna em situações de normalidade institucional. Os três primeiros objetivos devem ser outorgados, primordialmente, à força pública permanente militar, que é justamente a força armada, ou

31simplesmente armada, e o último à força permanente civil , função que pode ser desempenhada por agentes meramente 28 Moutouh, no entanto, após colocar em dúvida o enquadramento do “lancer de

nain” como atentatório à dignidade humana, adverte para o risco de considerações de moralidade pública tornarem prevalecentes as próprias concepções morais da autoridade competente, com sério risco para a liberdade individual (La dignité de l'homme em Droit. Revue du Droit Public, n. 1, p. 159 (187-188), 1999]. No mesmo sentido: JEROIN, B. La dignité de la personne humanine: ou la difficile insertion d'une règle morale dans le droit positif. Revue du Droit Public, n. 1, p. 197 (224, 231), 1999.

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32 REUTER, P. Droit international public. 4. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1973. p. 358-360.

33 A sedimentação de uma ideologia pacifista é especialmente percebida na Constituição Japonesa de 1946 (art. 4º), em que o Constituinte, além de renunciar à guerra “como direito soberano da nação”, afastando qualquer “ameaça ou uso de força como meio de solucionar litígios internacionais”, vedou “a manutenção de forças de terra, mar e ar com aquele objetivo”.

administrativos ou por agentes armados, atribuição que recai, nesse último caso, sobre os órgãos de segurança pública.

A atuação das Forças Armadas na garantia das fronteiras e na repressão ao inimigo externo são atribuições que emergem de sua própria ratio essendi. As profundas mutações verificadas na sociedade internacional, pautadas na concepção de coexistência pacífica entre os povos, culminaram com a abolição do jus belli (“direito à guerra”), legitimado pelo direito internacional clássico e que constantemente integrava a pauta das relações externas dos Estados mais fortes. O argumento de que o direito à guerra refletia mera projeção da soberania estatal, integrando-se às competências discricionárias do Estado, que poderia fazer uso das armas sem qualquer preocupação em justificá-lo, mostrou-se especialmente preocupante com o aumento da força lesiva dos artefatos de

32guerra . Daí as construções voltadas à distinção entre guerras justas e injustas, ofensivas e defensivas. Após a Primeira Guerra Mundial, prevaleceu a concepção de que o uso da força deveria ser precedido de uma causa de justificação (v.g. a legítima defesa), bem como que uma organização internacional, a Sociedade das Nações, sucedida pela Organização das Nações Unidas, desempenharia um papel primordial na resolução dos conflitos. O Pacto de Paris, conhecido como Briand-Kellog, de 27 de agosto de 1928, condenou o recurso à guerra para a solução dos conflitos internacionais e vedou a sua utilização como instrumento de

33política nacional .A segunda forma de atuação das Forças Armadas está

relacionada ao cumprimento de obrigações internacionais de natureza militar assumidas pelo País, que podem derivar imediatamente de tratados ou convenções internacionais de natureza bilateral ou multilateral ou decorrer de deliberações adotadas por alguma organização internacional de que faça parte.

34 Cf. MOTA DE CAMPOS, J. et al. Organizações internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 291-296.

35 No direito português, a atuação das Forças Armadas no âmbito interno somente é admitida quando decretado o estado de sítio ou o estado de emergência (art. 275, 7, da Constituição de 1976). No entender da doutrina, “fora disso, estariam em perigo tanto o papel institucional das Forças Armadas, como o princípio do Estado de Direito democrático (como a experiência histórica, portuguesa e de outros países, demonstra, são regimes autoritários e totalitários que se servem das Forças Armadas para, em nome da segurança interna, se perpetuarem)” (MIRANDA, J.; MEDEIROS, R. Constituição Portuguesa anotada. Tomo III. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 684). Sobre a materialização desse “perigo” na realidade brasileira, vide: RIBEIRO BASTOS, R. C.; GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA, M. E. Os militares e a ordem constitucional republicana brasileira: de 1898 a 1964. Revista de Informação Legislativa, n. 158, p. 241, abr./jun. 2003.

36 HAURIOU, 1929, p. 705.37 Constituições: brasileira de 1988, art. 139; portuguesa de 1976, art. 19, 6;

espanhola de 1978, art. 55, 1; francesa de 1958, art. 36; e moçambicana de 2004, art. 282.

38 Constituições: brasileira de 1988, art. 136, § 1º; e moçambicana de 2004, art. 282; bem como a Grundgesetz alemã de 1949 (art. 115a).

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É nesse último contexto que se inserem as operações de manutenção da paz mantidas pela Organização das Nações Unidas, utilizadas com frequência apesar da ausência de qualquer referência na Carta da ONU. São formadas por combatentes cedidos por alguns Estados-Membros e buscam alcançar a paz e a segurança internacionais influindo na não deflagração ou na

34cessação de uma disputa armada .A terceira forma de atuação das Forças Armadas é

essencialmente voltada ao âmbito interno, manifestando-se em 35situações de anormalidade institucional . As Constituições

modernas costumam autorizar a imposição de limitações aos direitos fundamentais em decorrência de graves crises institucionais, com a correlata necessidade de se atribuírem poderes reforçados aos órgãos de soberania: os poderes do órgão executivo são ampliados e a divisão entre as funções estatais

36atenuada, tudo com o objetivo de assegurar a “paz pública” . Daí 37 38se falar em “estado de sítio” , “estado de defesa” , “estado de

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32 REUTER, P. Droit international public. 4. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1973. p. 358-360.

33 A sedimentação de uma ideologia pacifista é especialmente percebida na Constituição Japonesa de 1946 (art. 4º), em que o Constituinte, além de renunciar à guerra “como direito soberano da nação”, afastando qualquer “ameaça ou uso de força como meio de solucionar litígios internacionais”, vedou “a manutenção de forças de terra, mar e ar com aquele objetivo”.

administrativos ou por agentes armados, atribuição que recai, nesse último caso, sobre os órgãos de segurança pública.

A atuação das Forças Armadas na garantia das fronteiras e na repressão ao inimigo externo são atribuições que emergem de sua própria ratio essendi. As profundas mutações verificadas na sociedade internacional, pautadas na concepção de coexistência pacífica entre os povos, culminaram com a abolição do jus belli (“direito à guerra”), legitimado pelo direito internacional clássico e que constantemente integrava a pauta das relações externas dos Estados mais fortes. O argumento de que o direito à guerra refletia mera projeção da soberania estatal, integrando-se às competências discricionárias do Estado, que poderia fazer uso das armas sem qualquer preocupação em justificá-lo, mostrou-se especialmente preocupante com o aumento da força lesiva dos artefatos de

32guerra . Daí as construções voltadas à distinção entre guerras justas e injustas, ofensivas e defensivas. Após a Primeira Guerra Mundial, prevaleceu a concepção de que o uso da força deveria ser precedido de uma causa de justificação (v.g. a legítima defesa), bem como que uma organização internacional, a Sociedade das Nações, sucedida pela Organização das Nações Unidas, desempenharia um papel primordial na resolução dos conflitos. O Pacto de Paris, conhecido como Briand-Kellog, de 27 de agosto de 1928, condenou o recurso à guerra para a solução dos conflitos internacionais e vedou a sua utilização como instrumento de

33política nacional .A segunda forma de atuação das Forças Armadas está

relacionada ao cumprimento de obrigações internacionais de natureza militar assumidas pelo País, que podem derivar imediatamente de tratados ou convenções internacionais de natureza bilateral ou multilateral ou decorrer de deliberações adotadas por alguma organização internacional de que faça parte.

34 Cf. MOTA DE CAMPOS, J. et al. Organizações internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 291-296.

35 No direito português, a atuação das Forças Armadas no âmbito interno somente é admitida quando decretado o estado de sítio ou o estado de emergência (art. 275, 7, da Constituição de 1976). No entender da doutrina, “fora disso, estariam em perigo tanto o papel institucional das Forças Armadas, como o princípio do Estado de Direito democrático (como a experiência histórica, portuguesa e de outros países, demonstra, são regimes autoritários e totalitários que se servem das Forças Armadas para, em nome da segurança interna, se perpetuarem)” (MIRANDA, J.; MEDEIROS, R. Constituição Portuguesa anotada. Tomo III. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 684). Sobre a materialização desse “perigo” na realidade brasileira, vide: RIBEIRO BASTOS, R. C.; GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA, M. E. Os militares e a ordem constitucional republicana brasileira: de 1898 a 1964. Revista de Informação Legislativa, n. 158, p. 241, abr./jun. 2003.

36 HAURIOU, 1929, p. 705.37 Constituições: brasileira de 1988, art. 139; portuguesa de 1976, art. 19, 6;

espanhola de 1978, art. 55, 1; francesa de 1958, art. 36; e moçambicana de 2004, art. 282.

38 Constituições: brasileira de 1988, art. 136, § 1º; e moçambicana de 2004, art. 282; bem como a Grundgesetz alemã de 1949 (art. 115a).

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É nesse último contexto que se inserem as operações de manutenção da paz mantidas pela Organização das Nações Unidas, utilizadas com frequência apesar da ausência de qualquer referência na Carta da ONU. São formadas por combatentes cedidos por alguns Estados-Membros e buscam alcançar a paz e a segurança internacionais influindo na não deflagração ou na

34cessação de uma disputa armada .A terceira forma de atuação das Forças Armadas é

essencialmente voltada ao âmbito interno, manifestando-se em 35situações de anormalidade institucional . As Constituições

modernas costumam autorizar a imposição de limitações aos direitos fundamentais em decorrência de graves crises institucionais, com a correlata necessidade de se atribuírem poderes reforçados aos órgãos de soberania: os poderes do órgão executivo são ampliados e a divisão entre as funções estatais

36atenuada, tudo com o objetivo de assegurar a “paz pública” . Daí 37 38se falar em “estado de sítio” , “estado de defesa” , “estado de

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39 Constituição portuguesa de 1976, art. 19, 6.40 Constituição espanhola de 1978, art. 55, 1.41 O estado de urgência encontra-se previsto em uma lei francesa de 3 de abril de

1955, decidindo o Conselho Constitucional no sentido de sua recepção pela Constituição de 1958 (Décision n. 85-187 DC, de 25/01/1985 (Loi relative à l’état d’urgence en Nouvelle-Calédonie et dépendances), Recueil, p. 43, JO de 26/01/1985, p. 1137). Como principal linha argumentativa, aduziu o Conselho que o art. 34 da Constituição autoriza o legislador a impor restrições ao exercício dos direitos fundamentais. A decisão foi analisada por FAVOREU, L.; PHILIP, L. Les grandes décisions du Conseil Constitutionnel. 12. ed. Paris: Dalloz, 2003. p. 620-632. Vide, ainda, PRÉLOT; BOULOUIS, op. cit., p. 882. A Constituição francesa de 1958 (art. 16) também prevê a possibilidade de o Presidente da República instituir um regime de exceção, passando a dispor de poderes excepcionais, inclusive o de limitar os direitos fundamentais. Cf. FAVOREU, L. La protection constitutionnelle des Droits Fondamentaux. In: ______. (Org.). Droit des Libertés Fondamentales. 2. ed. Paris: Dalloz, 2002. p. 137.

42 LOEWENSTEIN, K. Political reconstruction. New York: The Macmillan Company, 1946. p. 322.

43 Constituição de Weimar, art. 48: “se no Reich alemão houver alteração ou perigo grave da segurança e da ordem públicas, o Presidente do Reich pode adotar as medidas necessárias ao seu restabelecimento”. A doutrina do notrecht foi encampada pela Carta brasileira de 1937, dispondo que a declaração do “estado de emergência”: 1) era faculdade privativa do Presidente; 2) não podia ser suspensa pelo Congresso; 3) podia resultar na suspensão das imunidades de qualquer membro do Congresso; 4) afastava a apreciação do Judiciário; e 5) pressupunha a mera “ameaça externa”, a “iminência de perturbações internas” ou a “existência de concerto, plano ou conspiração”. Na ditadura de Vargas, “o País viveu em permanente ‘estado de emergência’” (JACQUES. P. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 524).

39 40 41emergência” , “estado de exceção” e “estado de urgência” . Os poderes emergenciais, como anota Loewenstein, poderiam ser considerados “atributo natural” do governo, utilizáveis sempre que uma crise institucional delineasse um quadro sociopolítico

42distinto daquele que direcionou a elaboração da ordem jurídica . No entanto, como construções desse tipo contribuíram para que Estados democráticos se transmudassem em arbitrários e ditatoriais (vide o famoso art. 48 da Constituição de Weimar, que consagrava o Notrecht – direito de emergência –, permitindo que o Presidente do “Reich” suspendesse direitos fundamentais sem

43autorização prévia do parlamento ), sua utilização passou a ser precedida de grande cautela, inclusive com a previsão de

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mecanismos parlamentares e judiciais de controle. Poderes excepcionais que são, como tais hão de ser exercidos. São meios de garantia constitucional, não de ruptura, devendo manter-se adstritos aos delineamentos traçados na Constituição, sempre com

44o objetivo de preservar o Estado e o regime político vigente .Em situações de anormalidade institucional, a força

permanente civil (rectius: os órgãos de segurança pública) não se mostra apta a preservar o Estado e o regime político vigente, o que justifica a intervenção das Forças Armadas. Nesse caso, a dicotomia entre poder militar e poder civil sofre atenuações, permitindo-se ao primeiro o exercício da polícia administrativa no âmbito interno do território.

Quanto à defesa da ordem interna em situações de normalidade institucional, trata-se de atribuição a ser primordialmente exercida pela força permanente civil, estrutura formada por órgãos e agentes vocacionados à manutenção da paz interna. Essa força está mais “acostumada a perseguir que a

45combater, a vigiar que a conquistar” . A necessidade de a força permanente militar permanecer apartada da ordem interior, isto em razão da especificidade de suas características existenciais, há muito foi realçada pelo Abade Sieyès, expoente do movimento

46revolucionário francês , verbis:

A liberdade, enfim, pode ser atacada por um inimigo estrangeiro. Daí a necessidade de um exército. É evidente que ele é estranho à ordem interior, que não é criado senão na ordem das relações externas. Com efeito, se fosse possível que um povo permanecesse isolado sobre a terra, ou se se tornasse impossível aos outros povos atacá-lo, não seria certo que não teríamos nenhuma necessidade de um exército? A paz e a tranqüilidade interiores exigem, em verdade, uma força coercitiva, mas de natureza absolutamente

44 Cf. MIRANDA, J. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p. 342-344.

45 CONSTANT, op. cit., p. 110.46 SIEYÈS, E. J. Exposição refletida dos Direitos do Homem e do Cidadão. Trad.

de Emerson Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008. p. 64-65.

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39 Constituição portuguesa de 1976, art. 19, 6.40 Constituição espanhola de 1978, art. 55, 1.41 O estado de urgência encontra-se previsto em uma lei francesa de 3 de abril de

1955, decidindo o Conselho Constitucional no sentido de sua recepção pela Constituição de 1958 (Décision n. 85-187 DC, de 25/01/1985 (Loi relative à l’état d’urgence en Nouvelle-Calédonie et dépendances), Recueil, p. 43, JO de 26/01/1985, p. 1137). Como principal linha argumentativa, aduziu o Conselho que o art. 34 da Constituição autoriza o legislador a impor restrições ao exercício dos direitos fundamentais. A decisão foi analisada por FAVOREU, L.; PHILIP, L. Les grandes décisions du Conseil Constitutionnel. 12. ed. Paris: Dalloz, 2003. p. 620-632. Vide, ainda, PRÉLOT; BOULOUIS, op. cit., p. 882. A Constituição francesa de 1958 (art. 16) também prevê a possibilidade de o Presidente da República instituir um regime de exceção, passando a dispor de poderes excepcionais, inclusive o de limitar os direitos fundamentais. Cf. FAVOREU, L. La protection constitutionnelle des Droits Fondamentaux. In: ______. (Org.). Droit des Libertés Fondamentales. 2. ed. Paris: Dalloz, 2002. p. 137.

42 LOEWENSTEIN, K. Political reconstruction. New York: The Macmillan Company, 1946. p. 322.

43 Constituição de Weimar, art. 48: “se no Reich alemão houver alteração ou perigo grave da segurança e da ordem públicas, o Presidente do Reich pode adotar as medidas necessárias ao seu restabelecimento”. A doutrina do notrecht foi encampada pela Carta brasileira de 1937, dispondo que a declaração do “estado de emergência”: 1) era faculdade privativa do Presidente; 2) não podia ser suspensa pelo Congresso; 3) podia resultar na suspensão das imunidades de qualquer membro do Congresso; 4) afastava a apreciação do Judiciário; e 5) pressupunha a mera “ameaça externa”, a “iminência de perturbações internas” ou a “existência de concerto, plano ou conspiração”. Na ditadura de Vargas, “o País viveu em permanente ‘estado de emergência’” (JACQUES. P. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 524).

39 40 41emergência” , “estado de exceção” e “estado de urgência” . Os poderes emergenciais, como anota Loewenstein, poderiam ser considerados “atributo natural” do governo, utilizáveis sempre que uma crise institucional delineasse um quadro sociopolítico

42distinto daquele que direcionou a elaboração da ordem jurídica . No entanto, como construções desse tipo contribuíram para que Estados democráticos se transmudassem em arbitrários e ditatoriais (vide o famoso art. 48 da Constituição de Weimar, que consagrava o Notrecht – direito de emergência –, permitindo que o Presidente do “Reich” suspendesse direitos fundamentais sem

43autorização prévia do parlamento ), sua utilização passou a ser precedida de grande cautela, inclusive com a previsão de

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mecanismos parlamentares e judiciais de controle. Poderes excepcionais que são, como tais hão de ser exercidos. São meios de garantia constitucional, não de ruptura, devendo manter-se adstritos aos delineamentos traçados na Constituição, sempre com

44o objetivo de preservar o Estado e o regime político vigente .Em situações de anormalidade institucional, a força

permanente civil (rectius: os órgãos de segurança pública) não se mostra apta a preservar o Estado e o regime político vigente, o que justifica a intervenção das Forças Armadas. Nesse caso, a dicotomia entre poder militar e poder civil sofre atenuações, permitindo-se ao primeiro o exercício da polícia administrativa no âmbito interno do território.

Quanto à defesa da ordem interna em situações de normalidade institucional, trata-se de atribuição a ser primordialmente exercida pela força permanente civil, estrutura formada por órgãos e agentes vocacionados à manutenção da paz interna. Essa força está mais “acostumada a perseguir que a

45combater, a vigiar que a conquistar” . A necessidade de a força permanente militar permanecer apartada da ordem interior, isto em razão da especificidade de suas características existenciais, há muito foi realçada pelo Abade Sieyès, expoente do movimento

46revolucionário francês , verbis:

A liberdade, enfim, pode ser atacada por um inimigo estrangeiro. Daí a necessidade de um exército. É evidente que ele é estranho à ordem interior, que não é criado senão na ordem das relações externas. Com efeito, se fosse possível que um povo permanecesse isolado sobre a terra, ou se se tornasse impossível aos outros povos atacá-lo, não seria certo que não teríamos nenhuma necessidade de um exército? A paz e a tranqüilidade interiores exigem, em verdade, uma força coercitiva, mas de natureza absolutamente

44 Cf. MIRANDA, J. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p. 342-344.

45 CONSTANT, op. cit., p. 110.46 SIEYÈS, E. J. Exposição refletida dos Direitos do Homem e do Cidadão. Trad.

de Emerson Garcia. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008. p. 64-65.

47 No mesmo sentido: CONSTANT, op. cit., p. 109.48 Constituição espanhola de 1978, art. 8º.49 Constituição espanhola de 1978, art. 104.50 Constituição espanhola de 1978, art. 116.51 BALAGUER CALLEJÓN et al., op. cit., p. 432.52 DI CELSO; SALERMO, op. cit., p. 341.

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diferente. Ou, se a ordem interior, se o estabelecimento de uma força coercitiva legal pode se passar por um exército, é de suma importância que, lá onde é um exército, a ordem interior tenha uma independência tal que jamais haja alguma espécie de relação entre um e outro.É então incontestável que o soldado jamais deve ser empregado contra os cidadãos, e que a ordem interior do Estado deve ser de tal modo estabelecida que, em qualquer caso, em qualquer circunstância possível, não haja necessidade de recorrer ao poder militar, a não ser contra o inimigo

47estrangeiro.

Em situações pontuais, no entanto, onde a coerção estatal deva assumir proporções extremas, a atuação das Forças Armadas na ordem interna, mesmo em situações de normalidade institucional, tem sido admitida.

No direito espanhol, por exemplo, as “fuerzas armadas” e as “fuerzas y cuerpos de seguridad del Estado” têm atribuições bem definidas: às primeiras compete “garantir a soberania e independência da Espanha, defender a integridade territorial e o

48ordenamento constitucional” ; às segundas compete “proteger o livre exercício dos direitos e liberdades e garantir a segurança

49cidadã” . Em qualquer caso, a força pública atua sob autoridade e direção do Governo, que poderá, em situações extremas, pleitear a

50declaração dos estados de alarme, de exceção e de sítio . A política militar e de defesa, apesar de essencialmente ligada à política exterior, o que se verifica nas hipóteses de conflito bélico com Estado estrangeiro, também alcança a política interior, assegurando a defesa da ordem constitucional em caso de rebelião

51interna . Na Itália, situa-se no âmbito das funções presidenciais a possibilidade de determinar o emprego legítimo das forças

52armadas em caso de crise internacional ou interna . Na Alemanha,

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do mesmo modo, admite-se que as Forças Armadas, em caso de 53defesa ou tensão , apoiem as medidas policiais, atuando em

54regime de cooperação com as autoridades competentes . Tratando-se de perigo imediato para a existência ou o regime fundamental de liberdade e democracia da Federação ou de um Estado, e não estando o Estado afetado disposto ou em condições de combatê-lo com suas forças de segurança, o Governo Federal o fará com o emprego das Forças Armadas, assumindo o controle da

55polícia desse Estado ou, se necessário, também de outros .Como se percebe, a atuação das Forças Armadas pode ocorrer

em situações de guerra ou de paz, no exterior ou no interior do seu território de origem. Essa atuação, no entanto, tanto pode ocorrer a título principal, refletindo um dever jurídico imediato, como a título acessório, que surgirá quando constatada a impossibilidade de os órgãos de segurança pública remediarem a situação de injuridicidade que abala o Estado e a sociedade. Nesse último caso, uma interpretação teleológico-sistemática da Constituição brasileira de 1988 exige seja observado um referencial de subsidiariedade. No plano administrativo, o princípio da subsidiariedade parte da premissa de que o interesse público será melhor tutelado com a descentralização administrativa: o poder administrativo, assim, deve ser exercido no plano mais baixo possível, aproximando os centros de decisão dos sujeitos destinatários da ação administrativa; somente quando o exercício do poder se mostre ineficaz no plano inferior é que será acionado o órgão de escalão

56superior, e assim sucessivamente .Enquanto “a preservação da ordem pública e da incolumidade

57das pessoas e do patrimônio” é atribuição específica dos órgãos de

53 As Forças Armadas (Streitkräfte) poderão ser utilizadas, inclusive, no caso de catástrofe natural (Naturkatastrophe). Cf. ROBERTS, G. Einführung in das Deutsche Recht. 3. ed. Bade: Nomos Verlagsgesellschaft, 2002. p. 76.

54 Grundgesetz de 1949, art. 87a, 3.55 Grundgesetz de 1949, arts. 87a, 4; e 91, 2.56 Cf. BASSI, F. Lezioni di Diritto Amministrativo. 7. ed. Milano: Dott A. Giuffrè

Editore, 2003. p. 66-67.57 Constituição brasileira de 1988, art. 144, caput. As Constituições de 1934 (art.

162), 1946 (art. 177) e 1967 (art. 92, § 1º), bem como a EC n. 1/1969 (art. 91) previam expressamente, como atribuições das Forças Armadas, a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. A Constituição de 1891 (art. 48, 3º) falava em “defesa da ordem interna ou externa”.

47 No mesmo sentido: CONSTANT, op. cit., p. 109.48 Constituição espanhola de 1978, art. 8º.49 Constituição espanhola de 1978, art. 104.50 Constituição espanhola de 1978, art. 116.51 BALAGUER CALLEJÓN et al., op. cit., p. 432.52 DI CELSO; SALERMO, op. cit., p. 341.

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diferente. Ou, se a ordem interior, se o estabelecimento de uma força coercitiva legal pode se passar por um exército, é de suma importância que, lá onde é um exército, a ordem interior tenha uma independência tal que jamais haja alguma espécie de relação entre um e outro.É então incontestável que o soldado jamais deve ser empregado contra os cidadãos, e que a ordem interior do Estado deve ser de tal modo estabelecida que, em qualquer caso, em qualquer circunstância possível, não haja necessidade de recorrer ao poder militar, a não ser contra o inimigo

47estrangeiro.

Em situações pontuais, no entanto, onde a coerção estatal deva assumir proporções extremas, a atuação das Forças Armadas na ordem interna, mesmo em situações de normalidade institucional, tem sido admitida.

No direito espanhol, por exemplo, as “fuerzas armadas” e as “fuerzas y cuerpos de seguridad del Estado” têm atribuições bem definidas: às primeiras compete “garantir a soberania e independência da Espanha, defender a integridade territorial e o

48ordenamento constitucional” ; às segundas compete “proteger o livre exercício dos direitos e liberdades e garantir a segurança

49cidadã” . Em qualquer caso, a força pública atua sob autoridade e direção do Governo, que poderá, em situações extremas, pleitear a

50declaração dos estados de alarme, de exceção e de sítio . A política militar e de defesa, apesar de essencialmente ligada à política exterior, o que se verifica nas hipóteses de conflito bélico com Estado estrangeiro, também alcança a política interior, assegurando a defesa da ordem constitucional em caso de rebelião

51interna . Na Itália, situa-se no âmbito das funções presidenciais a possibilidade de determinar o emprego legítimo das forças

52armadas em caso de crise internacional ou interna . Na Alemanha,

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do mesmo modo, admite-se que as Forças Armadas, em caso de 53defesa ou tensão , apoiem as medidas policiais, atuando em

54regime de cooperação com as autoridades competentes . Tratando-se de perigo imediato para a existência ou o regime fundamental de liberdade e democracia da Federação ou de um Estado, e não estando o Estado afetado disposto ou em condições de combatê-lo com suas forças de segurança, o Governo Federal o fará com o emprego das Forças Armadas, assumindo o controle da

55polícia desse Estado ou, se necessário, também de outros .Como se percebe, a atuação das Forças Armadas pode ocorrer

em situações de guerra ou de paz, no exterior ou no interior do seu território de origem. Essa atuação, no entanto, tanto pode ocorrer a título principal, refletindo um dever jurídico imediato, como a título acessório, que surgirá quando constatada a impossibilidade de os órgãos de segurança pública remediarem a situação de injuridicidade que abala o Estado e a sociedade. Nesse último caso, uma interpretação teleológico-sistemática da Constituição brasileira de 1988 exige seja observado um referencial de subsidiariedade. No plano administrativo, o princípio da subsidiariedade parte da premissa de que o interesse público será melhor tutelado com a descentralização administrativa: o poder administrativo, assim, deve ser exercido no plano mais baixo possível, aproximando os centros de decisão dos sujeitos destinatários da ação administrativa; somente quando o exercício do poder se mostre ineficaz no plano inferior é que será acionado o órgão de escalão

56superior, e assim sucessivamente .Enquanto “a preservação da ordem pública e da incolumidade

57das pessoas e do patrimônio” é atribuição específica dos órgãos de

53 As Forças Armadas (Streitkräfte) poderão ser utilizadas, inclusive, no caso de catástrofe natural (Naturkatastrophe). Cf. ROBERTS, G. Einführung in das Deutsche Recht. 3. ed. Bade: Nomos Verlagsgesellschaft, 2002. p. 76.

54 Grundgesetz de 1949, art. 87a, 3.55 Grundgesetz de 1949, arts. 87a, 4; e 91, 2.56 Cf. BASSI, F. Lezioni di Diritto Amministrativo. 7. ed. Milano: Dott A. Giuffrè

Editore, 2003. p. 66-67.57 Constituição brasileira de 1988, art. 144, caput. As Constituições de 1934 (art.

162), 1946 (art. 177) e 1967 (art. 92, § 1º), bem como a EC n. 1/1969 (art. 91) previam expressamente, como atribuições das Forças Armadas, a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. A Constituição de 1891 (art. 48, 3º) falava em “defesa da ordem interna ou externa”.

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segurança pública, as Forças Armadas somente atuarão em defesa da 58“lei e da ordem” por iniciativa dos poderes constitucionais , claro

indicativo de que sua atuação está condicionada à realização de um juízo valorativo pela autoridade competente, caracterizando um dever jurídico meramente mediato. Conclui-se, assim, que a intervenção das Forças Armadas, no âmbito interno, em situação de normalidade institucional, há de ser devidamente motivada pela ineficiência dos órgãos que, por imposição constitucional, possuem, como dever jurídico imediato, a obrigação de zelar pela segurança pública.

A sistemática legal para o emprego das Forças Armadas

O legislador infraconstitucional, valendo-se da liberdade de conformação deixada pelo art. 142, § 1º, da Constituição de 1988, editou a Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999, diploma normativo que “dispõe sobre as normas gerais para a

59organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas” . As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, estão subordinadas ao governo civil e apresentam linhas verticais de comando: cada Força dispõe de um

60Comandante , todos os Comandantes estão subordinados ao 61Ministro da Defesa e este ao Presidente da República.

Cada Comandante, além da responsabilidade pelo preparo 62de seus órgãos operativos e de apoio , tem competência para, no

termos de decreto baixado pelo Executivo, dispor sobre a criação, a denominação, a localização e a definição das atribuições das

63organizações integrantes das estruturas da respectiva Força .O Ministro da Defesa exerce a direção superior das Forças

64Armadas , traçando a política a ser observada pelos respectivos comandantes no preparo de seus órgãos operativos e de apoio. É

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assessorado pelo Conselho Militar de Defesa, pelo Estado-Maior de Defesa e por outros órgãos previstos em lei. Especificamente em relação ao Estado-Maior de Defesa, compete a esse órgão, além de outras atribuições que lhe sejam outorgadas, elaborar o planejamento do emprego combinado das Forças Armadas e assessorar o Ministro de Estado da Defesa na condução dos exercícios combinados e na

65atuação de forças brasileiras em operações de paz .No sistema brasileiro, diversamente ao que se verifica em

outras plagas, o Chefe do Executivo federal é, de fato e de direito, o 66“Comandante Supremo das Forças Armadas” , detendo poderes de

grande amplitude. Se não vejamos: 1) nomeia e define a competência 67 68dos seus Comandantes ; 2) promove os oficiais-generais ; e 3)

apesar de assessorado pelo Conselho Militar de Defesa ou pelo 69Ministro de Estado da Defesa, conforme a natureza da matéria ,

detém a palavra final sobre o emprego das Forças Armadas em situações de guerra ou de paz, no exterior ou no interior do território

70brasileiro . Decidindo pela ativação de órgãos operacionais, expedirá a respectiva determinação ao Ministro de Estado da

71Defesa .Prestigiando a unicidade de comando, dispôs a Lei

58 Constituição brasileira de 1988, art. 142, caput.59 A matéria fora anteriormente regulada pela Lei Complementar n 69/1991. 60 LC n 97/1999, art. 4º.61 LC n 97/1999, art. 3º.62 LC n 97/1999, art. 13.63 Constituição de 1988, art. 84, IV; e LC n 97/1999, art. 6º. 64 LC n 97/1999, art. 9º.

....

..

65 LC n. 97/1999, art. 11.66 Constituição de 1988, art. 84, XIII. Todas as Constituições republicanas, a

partir de 1891, reconheceram expressamente que as Forças Armadas estavam sob a autoridade (suprema) do Presidente da República (Constituições de 1891, art. 48, 3º; 1934, art. 56, 7º; 1937, art. 74; e 1946, art. 176; 1967, art. 92; e EC n. 1 de 1969, art. 90).

67 Constituição de 1988, art. 84, XIII; e LC n. 97/1999, arts. 4º e 6º.68 Constituição de 1988, art. 84, XIII ; e LC n. 97/1999, art. 7º, parágrafo único.69 LC n. 97/1999, art. 2º.70 LC n. 97/1999, art. 15.71 A forma de subordinação apresentará variações conforme a natureza do

comando (combinado ou único) e da operação (combinada, isolada ou de paz). Eis o que dispõem, a respeito da subordinação, os incisos do art. 15 da Lei Complementar n. 97/1999: “I - diretamente ao Comandante Supremo, no caso de Comandos Combinados, compostos por meios adjudicados pelas Forças Armadas e, quando necessário, por outros órgãos; II - diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fim de adestramento, em operações combinadas, ou quando da participação brasileira em operações de paz; III - diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de emprego isolado de meios de uma única Força”.

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segurança pública, as Forças Armadas somente atuarão em defesa da 58“lei e da ordem” por iniciativa dos poderes constitucionais , claro

indicativo de que sua atuação está condicionada à realização de um juízo valorativo pela autoridade competente, caracterizando um dever jurídico meramente mediato. Conclui-se, assim, que a intervenção das Forças Armadas, no âmbito interno, em situação de normalidade institucional, há de ser devidamente motivada pela ineficiência dos órgãos que, por imposição constitucional, possuem, como dever jurídico imediato, a obrigação de zelar pela segurança pública.

A sistemática legal para o emprego das Forças Armadas

O legislador infraconstitucional, valendo-se da liberdade de conformação deixada pelo art. 142, § 1º, da Constituição de 1988, editou a Lei Complementar n. 97, de 9 de junho de 1999, diploma normativo que “dispõe sobre as normas gerais para a

59organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas” . As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, estão subordinadas ao governo civil e apresentam linhas verticais de comando: cada Força dispõe de um

60Comandante , todos os Comandantes estão subordinados ao 61Ministro da Defesa e este ao Presidente da República.

Cada Comandante, além da responsabilidade pelo preparo 62de seus órgãos operativos e de apoio , tem competência para, no

termos de decreto baixado pelo Executivo, dispor sobre a criação, a denominação, a localização e a definição das atribuições das

63organizações integrantes das estruturas da respectiva Força .O Ministro da Defesa exerce a direção superior das Forças

64Armadas , traçando a política a ser observada pelos respectivos comandantes no preparo de seus órgãos operativos e de apoio. É

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assessorado pelo Conselho Militar de Defesa, pelo Estado-Maior de Defesa e por outros órgãos previstos em lei. Especificamente em relação ao Estado-Maior de Defesa, compete a esse órgão, além de outras atribuições que lhe sejam outorgadas, elaborar o planejamento do emprego combinado das Forças Armadas e assessorar o Ministro de Estado da Defesa na condução dos exercícios combinados e na

65atuação de forças brasileiras em operações de paz .No sistema brasileiro, diversamente ao que se verifica em

outras plagas, o Chefe do Executivo federal é, de fato e de direito, o 66“Comandante Supremo das Forças Armadas” , detendo poderes de

grande amplitude. Se não vejamos: 1) nomeia e define a competência 67 68dos seus Comandantes ; 2) promove os oficiais-generais ; e 3)

apesar de assessorado pelo Conselho Militar de Defesa ou pelo 69Ministro de Estado da Defesa, conforme a natureza da matéria ,

detém a palavra final sobre o emprego das Forças Armadas em situações de guerra ou de paz, no exterior ou no interior do território

70brasileiro . Decidindo pela ativação de órgãos operacionais, expedirá a respectiva determinação ao Ministro de Estado da

71Defesa .Prestigiando a unicidade de comando, dispôs a Lei

58 Constituição brasileira de 1988, art. 142, caput.59 A matéria fora anteriormente regulada pela Lei Complementar n 69/1991. 60 LC n 97/1999, art. 4º.61 LC n 97/1999, art. 3º.62 LC n 97/1999, art. 13.63 Constituição de 1988, art. 84, IV; e LC n 97/1999, art. 6º. 64 LC n 97/1999, art. 9º.

....

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65 LC n. 97/1999, art. 11.66 Constituição de 1988, art. 84, XIII. Todas as Constituições republicanas, a

partir de 1891, reconheceram expressamente que as Forças Armadas estavam sob a autoridade (suprema) do Presidente da República (Constituições de 1891, art. 48, 3º; 1934, art. 56, 7º; 1937, art. 74; e 1946, art. 176; 1967, art. 92; e EC n. 1 de 1969, art. 90).

67 Constituição de 1988, art. 84, XIII; e LC n. 97/1999, arts. 4º e 6º.68 Constituição de 1988, art. 84, XIII ; e LC n. 97/1999, art. 7º, parágrafo único.69 LC n. 97/1999, art. 2º.70 LC n. 97/1999, art. 15.71 A forma de subordinação apresentará variações conforme a natureza do

comando (combinado ou único) e da operação (combinada, isolada ou de paz). Eis o que dispõem, a respeito da subordinação, os incisos do art. 15 da Lei Complementar n. 97/1999: “I - diretamente ao Comandante Supremo, no caso de Comandos Combinados, compostos por meios adjudicados pelas Forças Armadas e, quando necessário, por outros órgãos; II - diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fim de adestramento, em operações combinadas, ou quando da participação brasileira em operações de paz; III - diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de emprego isolado de meios de uma única Força”.

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Complementar n. 97/1999 que a utilização das Forças Armadas, no âmbito interno, sempre estará condicionada à decisão do Presidente da República, o que poderá ocorrer “por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos

72Deputados” . Foram estabelecidos, assim, balizamentos à “iniciativa” referida no art. 142, caput, da Constituição de 1988, que passa a ser vista como provocação ou requerimento dos poderes constitucionais, condicionado ao juízo valorativo e consequente decisão do Chefe do Executivo.

A legislação de regência ainda realça a subsidiariedade da intervenção das Forças Armadas, que somente deve ocorrer “após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,

73relacionados no art. 144 da Constituição Federal” . O preenchimento dessa condicionante, além de uma análise detida e cautelosa dos dados disponíveis, pressupõe o reconhecimento formal, pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual, de que as estruturas de segurança pública são “indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho

74regular de sua missão constitucional” . A exigência de reconhecimento formal, pelo Chefe do

Executivo, da inaptidão dos órgãos de segurança pública para restabelecer a ordem e garantir o primado da lei mostra-se adequada por duas razões básicas. A primeira baseia-se na ascendência hierárquica desse agente, que ocupa o ápice do funcionalismo público estadual, sendo natural seja devidamente considerada a avaliação que faz a respeito de seus subordinados. A segunda e mais importante aponta para a preservação da coerência do sistema, já que o art. 34, III, da Constituição de 1988 prevê, como causa de intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal, a necessidade de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”, objetivo condicionado a um processo específico e

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 35

que tem consequências drásticas, claro indicativo de que não pode ser alcançado por vias transversas. Uma atuação não consentida assumiria claros contornos de intervenção.

A atuação das Forças Armadas ainda deverá observar os balizamentos de natureza modal, espacial e temporal fixados pelo Chefe do Executivo.

O Presidente da República, além de decidir sobre o emprego das Forças Armadas, ainda estabelecerá “diretrizes” a

75respeito de seu modo de atuação . A possibilidade de fixação dessas “diretrizes”, no entanto, não parece se afeiçoar com a posição de extraneus do Chefe do Executivo, agente que não integra qualquer das Forças e que não parece qualificado a definir estratégias ou instrumentos de atuação necessários à recomposição da ordem. No direito francês, há muito observara

76Hauriou que a requisição de emprego das Forças Armadas deveria indicar claramente o objetivo a ser alcançado, mas deixar ao comando militar a escolha dos meios que permitiriam alcançá-lo. Trata-se, aliás, de um imperativo de ordem lógica, pois não faz sentido que agentes estranhos aos quadros militares dirijam operações dessa natureza.

No plano temporal, a atuação deve ocorrer de forma episódica 77e por tempo limitado . A atuação, por ser episódica, deve apresentar

contornos de eventualidade e acessoriedade, referenciais de todo incompatíveis com a noção de continuidade. Deve ser, tanto quanto possível, inesperada. Além disso, é imperativo que a atuação ocorra por tempo limitado, sem ultrapassar o estritamente necessário à superação da situação de injuridicidade que motivou o seu surgimento.

No plano espacial, a atuação das Forças Armadas deve ser antecedida pela delimitação da respectiva área territorial em que se

78desenvolverá . Essa delimitação será orientada, consoante critérios de razoabilidade, pela natureza e extensão do problema a ser combatido, podendo se estender desde pequenas parcelas de uma cidade à integralidade de um Estado ou região.

Observados esses balizamentos, os órgãos operacionais das

72 LC n 97/1999, art. 15, § 1º.73 LC n 97/1999, art. 15, § 2º.74 LC n 97/1999, art. 15, § 3º.

.

.

.

75 LC n. 97/1999, art. 15, § 2º.76 HAURIOU, 1932, p. 583-584, nota 40.77 LC n. 97/1999, art. 15, § 4º.78 LC n. 97/1999, art. 15, § 4º.

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Complementar n. 97/1999 que a utilização das Forças Armadas, no âmbito interno, sempre estará condicionada à decisão do Presidente da República, o que poderá ocorrer “por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos

72Deputados” . Foram estabelecidos, assim, balizamentos à “iniciativa” referida no art. 142, caput, da Constituição de 1988, que passa a ser vista como provocação ou requerimento dos poderes constitucionais, condicionado ao juízo valorativo e consequente decisão do Chefe do Executivo.

A legislação de regência ainda realça a subsidiariedade da intervenção das Forças Armadas, que somente deve ocorrer “após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,

73relacionados no art. 144 da Constituição Federal” . O preenchimento dessa condicionante, além de uma análise detida e cautelosa dos dados disponíveis, pressupõe o reconhecimento formal, pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual, de que as estruturas de segurança pública são “indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho

74regular de sua missão constitucional” . A exigência de reconhecimento formal, pelo Chefe do

Executivo, da inaptidão dos órgãos de segurança pública para restabelecer a ordem e garantir o primado da lei mostra-se adequada por duas razões básicas. A primeira baseia-se na ascendência hierárquica desse agente, que ocupa o ápice do funcionalismo público estadual, sendo natural seja devidamente considerada a avaliação que faz a respeito de seus subordinados. A segunda e mais importante aponta para a preservação da coerência do sistema, já que o art. 34, III, da Constituição de 1988 prevê, como causa de intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal, a necessidade de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”, objetivo condicionado a um processo específico e

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que tem consequências drásticas, claro indicativo de que não pode ser alcançado por vias transversas. Uma atuação não consentida assumiria claros contornos de intervenção.

A atuação das Forças Armadas ainda deverá observar os balizamentos de natureza modal, espacial e temporal fixados pelo Chefe do Executivo.

O Presidente da República, além de decidir sobre o emprego das Forças Armadas, ainda estabelecerá “diretrizes” a

75respeito de seu modo de atuação . A possibilidade de fixação dessas “diretrizes”, no entanto, não parece se afeiçoar com a posição de extraneus do Chefe do Executivo, agente que não integra qualquer das Forças e que não parece qualificado a definir estratégias ou instrumentos de atuação necessários à recomposição da ordem. No direito francês, há muito observara

76Hauriou que a requisição de emprego das Forças Armadas deveria indicar claramente o objetivo a ser alcançado, mas deixar ao comando militar a escolha dos meios que permitiriam alcançá-lo. Trata-se, aliás, de um imperativo de ordem lógica, pois não faz sentido que agentes estranhos aos quadros militares dirijam operações dessa natureza.

No plano temporal, a atuação deve ocorrer de forma episódica 77e por tempo limitado . A atuação, por ser episódica, deve apresentar

contornos de eventualidade e acessoriedade, referenciais de todo incompatíveis com a noção de continuidade. Deve ser, tanto quanto possível, inesperada. Além disso, é imperativo que a atuação ocorra por tempo limitado, sem ultrapassar o estritamente necessário à superação da situação de injuridicidade que motivou o seu surgimento.

No plano espacial, a atuação das Forças Armadas deve ser antecedida pela delimitação da respectiva área territorial em que se

78desenvolverá . Essa delimitação será orientada, consoante critérios de razoabilidade, pela natureza e extensão do problema a ser combatido, podendo se estender desde pequenas parcelas de uma cidade à integralidade de um Estado ou região.

Observados esses balizamentos, os órgãos operacionais das

72 LC n 97/1999, art. 15, § 1º.73 LC n 97/1999, art. 15, § 2º.74 LC n 97/1999, art. 15, § 3º.

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75 LC n. 97/1999, art. 15, § 2º.76 HAURIOU, 1932, p. 583-584, nota 40.77 LC n. 97/1999, art. 15, § 4º.78 LC n. 97/1999, art. 15, § 4º.

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79 o LC n. 97/1999, art. 15, § 6 : “Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais”.

80 LC n. 97/1999, art. 15, § 5º.81 LC n. 97/1999, art. 15, § 4º.82 Constituição brasileira de 1988, arts. 84, IV, e 25, caput.83 Esse aspecto foi especialmente realçado pelo art. 3º do Decreto n. 3.897, de 24 de

agosto de 2001, que fixou “diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem”, verbis: “Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico”.

79Forças Armadas, que também deterão o controle operacional dos órgãos 80de segurança pública , poderão desenvolver todas “as ações de caráter

preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das 81operações na garantia da lei e da ordem” . Ao assegurar às Forças

Armadas o exercício de todas as “ações” “necessárias”, o legislador infraconstitucional, como é intuitivo, não lhes conferiu uma autorização ampla e irrestrita para atuarem da forma que melhor lhes aprouver. Hão de observar os balizamentos estabelecidos pela ordem jurídica, com especial reverência aos direitos fundamentais, sem se distanciar da juridicidade característica de toda e qualquer ação do Poder Público.

Acresça-se que a prescrição legal não deixa margem a dúvidas em relação ao poder de polícia outorgado às Forças Armadas, pois referidas “ações” nada mais são que as medidas a serem adotadas na consecução do objetivo almejado, alcançando os poderes de fiscalização e coerção. Apenas a regulamentação, que, além de não ser propriamente uma ação, situa-se na esfera de

82competência do Executivo por imposição constitucional , não poderá ser exercida. Não é demais lembrar que ao exercer uma competência característica dos órgãos de segurança pública, inclusive com a assunção do seu comando operacional, as Forças Armadas necessariamente praticarão todos os atos da alçada

83desses órgãos, o que, à evidência, alcança o poder de polícia .

Ainda é oportuno frisar, isto com escusas pela obviedade, que os poderes de polícia referidos no art. 17-A da Lei

84Complementar n. 97/1999 não têm o condão de legitimar uma conclusão a fortiori, de modo a excluir da alçada das Forças Armadas, mais especificamente do Exército, o exercício do poder de polícia fora das circunstâncias ali previstas. Nessas situações, tem-se um dever jurídico principal, a ser exercido em caráter continuado, não um dever jurídico subsididiário, condicionado à ineficiência dos órgãos de segurança pública.

Epílogo

A disseminação da violência nos grandes centros urbanos, fruto de uma exclusão social facilmente perceptível a um olhar desatento, tem desnudado a ineficiência dos órgãos de segurança pública na garantia da ordem pública interna.

O que muitos não querem perceber é que a ineficiência não é apanágio exclusivo dos órgãos de segurança. Em verdade, é um padrão de conduta do próprio Estado brasileiro, ainda preso a políticas puramente assistencialistas e que pouco tem feito em termos de inclusão social. A massa de iletrados (ou tecnicamente alfabetizados, se preferirem) não alcança padrões mínimos de qualificação técnica e a cada dia aumenta o abismo entre as classes sociais.

Empregar as Forças Armadas em operações tipicamente urbanas é medida extrema, a ser adotada em situações igualmente extremas. Trata-se de dogma que jamais deve ser esquecido num País recém-saído de um regime de exceção. Além do risco mediato à democracia e à própria população civil, ainda está em jogo a credibilidade das instituições, pois um aparato voltado ao combate e, ipso facto, à eliminação do inimigo, não está ontologicamente

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84 LC n 97/1999, art. 17-A: “Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares: ... IV atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de: a) patrulhamento; b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e c) prisões em flagrante delito”.

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79 o LC n. 97/1999, art. 15, § 6 : “Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais”.

80 LC n. 97/1999, art. 15, § 5º.81 LC n. 97/1999, art. 15, § 4º.82 Constituição brasileira de 1988, arts. 84, IV, e 25, caput.83 Esse aspecto foi especialmente realçado pelo art. 3º do Decreto n. 3.897, de 24 de

agosto de 2001, que fixou “diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem”, verbis: “Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico”.

79Forças Armadas, que também deterão o controle operacional dos órgãos 80de segurança pública , poderão desenvolver todas “as ações de caráter

preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das 81operações na garantia da lei e da ordem” . Ao assegurar às Forças

Armadas o exercício de todas as “ações” “necessárias”, o legislador infraconstitucional, como é intuitivo, não lhes conferiu uma autorização ampla e irrestrita para atuarem da forma que melhor lhes aprouver. Hão de observar os balizamentos estabelecidos pela ordem jurídica, com especial reverência aos direitos fundamentais, sem se distanciar da juridicidade característica de toda e qualquer ação do Poder Público.

Acresça-se que a prescrição legal não deixa margem a dúvidas em relação ao poder de polícia outorgado às Forças Armadas, pois referidas “ações” nada mais são que as medidas a serem adotadas na consecução do objetivo almejado, alcançando os poderes de fiscalização e coerção. Apenas a regulamentação, que, além de não ser propriamente uma ação, situa-se na esfera de

82competência do Executivo por imposição constitucional , não poderá ser exercida. Não é demais lembrar que ao exercer uma competência característica dos órgãos de segurança pública, inclusive com a assunção do seu comando operacional, as Forças Armadas necessariamente praticarão todos os atos da alçada

83desses órgãos, o que, à evidência, alcança o poder de polícia .

Ainda é oportuno frisar, isto com escusas pela obviedade, que os poderes de polícia referidos no art. 17-A da Lei

84Complementar n. 97/1999 não têm o condão de legitimar uma conclusão a fortiori, de modo a excluir da alçada das Forças Armadas, mais especificamente do Exército, o exercício do poder de polícia fora das circunstâncias ali previstas. Nessas situações, tem-se um dever jurídico principal, a ser exercido em caráter continuado, não um dever jurídico subsididiário, condicionado à ineficiência dos órgãos de segurança pública.

Epílogo

A disseminação da violência nos grandes centros urbanos, fruto de uma exclusão social facilmente perceptível a um olhar desatento, tem desnudado a ineficiência dos órgãos de segurança pública na garantia da ordem pública interna.

O que muitos não querem perceber é que a ineficiência não é apanágio exclusivo dos órgãos de segurança. Em verdade, é um padrão de conduta do próprio Estado brasileiro, ainda preso a políticas puramente assistencialistas e que pouco tem feito em termos de inclusão social. A massa de iletrados (ou tecnicamente alfabetizados, se preferirem) não alcança padrões mínimos de qualificação técnica e a cada dia aumenta o abismo entre as classes sociais.

Empregar as Forças Armadas em operações tipicamente urbanas é medida extrema, a ser adotada em situações igualmente extremas. Trata-se de dogma que jamais deve ser esquecido num País recém-saído de um regime de exceção. Além do risco mediato à democracia e à própria população civil, ainda está em jogo a credibilidade das instituições, pois um aparato voltado ao combate e, ipso facto, à eliminação do inimigo, não está ontologicamente

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84 LC n 97/1999, art. 17-A: “Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares: ... IV atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de: a) patrulhamento; b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e c) prisões em flagrante delito”.

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vocacionado ao policiamento ostensivo e à repressão à criminalidade civil. Imaginar (ou forçar) o contrário pode desaguar num extermínio generalizado ou no descrédito de uma instituição essencial à solidez do Estado brasileiro.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 41

Resumo:O presente estudo discorre acerca da medida judicial cautelar de indisponibilidade de bens de pessoas envolvidas em atos de improbidade administrativa inserta na Constituição Federal de 1988 (art. 37, § 4°) e, também, na Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal n. 8.249/92). O conceito e as principais discussões polêmicas sobre o tema na doutrina e na jurisprudência brasileiras são apresentados. Não se limita à compilação, mas, também em relação a tais discussões, procura-se incrementar o debate acadêmico e profissional, com a exposição de posicionamentos críticos do autor, baseados em uma interpretação sistêmica e teleológica da medida, fundada no princípio constitucional da moralidade administrativa. Traz, também, sugestões de natureza pragmática para o alcance da plena efetividade da medida.

Palavras-chave: Moralidade administrativa, improbidade administrativa, indisponibilidade de bens, medidas Cautelares Processuais, corrupção no poder público.

Introdução

1Chega a ser um truísmo dizer que a corrupção na

A INDISPONIBILIDADE DE BENS NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Reuder Cavalcante Motta*

* Promotor de Justiça em Goiás. Membro do Núcleo de Apoio Técnico do Centro de Apoio de Defesa do Patrimônio Público do Ministério Público do Estado de Goiás.

1 “[...] corrupção não é apenas uma falta, grave sem dúvida, mas que não transcende a pessoa que a comete. É uma falta que perverte e, por isso, ameaça o regime [democrático], porque solapa seus fundamentos”. FERREIRA FILHO, M. G. Corrupção e Democracia. In: ZILVETE, F. A.; LOPES, S. (Coord.). O regime democrático e a questão da corrupção política. São Paulo: Atlas, 2004. p. 18.

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Resumo:O presente estudo discorre acerca da medida judicial cautelar de indisponibilidade de bens de pessoas envolvidas em atos de improbidade administrativa inserta na Constituição Federal de 1988 (art. 37, § 4°) e, também, na Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal n. 8.249/92). O conceito e as principais discussões polêmicas sobre o tema na doutrina e na jurisprudência brasileiras são apresentados. Não se limita à compilação, mas, também em relação a tais discussões, procura-se incrementar o debate acadêmico e profissional, com a exposição de posicionamentos críticos do autor, baseados em uma interpretação sistêmica e teleológica da medida, fundada no princípio constitucional da moralidade administrativa. Traz, também, sugestões de natureza pragmática para o alcance da plena efetividade da medida.

Palavras-chave: Moralidade administrativa, improbidade administrativa, indisponibilidade de bens, medidas Cautelares Processuais, corrupção no poder público.

Introdução

1Chega a ser um truísmo dizer que a corrupção na

A INDISPONIBILIDADE DE BENS NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Reuder Cavalcante Motta*

* Promotor de Justiça em Goiás. Membro do Núcleo de Apoio Técnico do Centro de Apoio de Defesa do Patrimônio Público do Ministério Público do Estado de Goiás.

1 “[...] corrupção não é apenas uma falta, grave sem dúvida, mas que não transcende a pessoa que a comete. É uma falta que perverte e, por isso, ameaça o regime [democrático], porque solapa seus fundamentos”. FERREIRA FILHO, M. G. Corrupção e Democracia. In: ZILVETE, F. A.; LOPES, S. (Coord.). O regime democrático e a questão da corrupção política. São Paulo: Atlas, 2004. p. 18.

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administração pública é um dos mais graves problemas nacionais desde o ano de 1500. A moralidade e a probidade administrativas são valores fundamentais da nossa República previstos constitucionalmente (art. 5º, LXXIII; art. 15, V; art. 37 caput; e art. 85, V, da CF/88). O repúdio à falta de probidade administrativa tem sede expressa no artigo 37, § 4º, dessa Carta Magna, prevista como tutela jurisdicional no juízo cível, “sem prejuízo da ação penal cabível”, para a aplicação de sanções civis de “suspensão de direitos políticos”, de “perda da função pública”, e de “ressarcimento ao erário” – naturalmente, por meio de devido

2processo legal e conduzido por autoridade competente – contra aqueles que atentem referidos valores constitucionais. Em meio às sanções civis discriminadas no artigo 37, § 4º (mesmo sem boa técnica legislativa, por colocar institutos de natureza diversa na mesma lista), o constituinte previu, também, medida de natureza cautelar e prévia à sanção e à garantia de ressarcimento,

3denominada “indisponibilidade de bens” . Ela, inegavelmente, atua em favor do patrimônio público e em desfavor daqueles que

4cometem “atos de improbidade administrativa” . A ação de improbidade administrativa e esse novo instituto

da indisponibilidade de bens, previstos no artigo 37, § 4º, foram regulamentados pela Lei n. 8.429/92, de 02 de junho de 1992 (Lei da Improbidade Administrativa). Também nesse mesmo diploma legal foi criado outro dispositivo protetivo e temporário, de caráter não sancionatório, da probidade administrativa: o afastamento

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 43

cautelar do agente público (Lei n. 8.429/92, art. 20, parágrafo 5único) . Ocorre, porém, que o afastamento cautelar do agente

público tem sido considerado pelos tribunais como medida gravíssima, em especial nos casos de detentores de mandatos políticos, por atentar contra a vontade popular expressada no voto. A prova de que o agente público esteja de fato prejudicando a

6instrução do processo é de difícil realização, de sorte que o uso da medida é restrito. Por conseguinte, o instituto da indisponibilidade

7administrativa de bens tornou-se, praticamente, a única medida hábil de garantia à proteção do erário, em caso de ato de improbidade administrativa. Ela é profícua nos casos em que os agentes ímprobos ainda disponham de patrimônio, uma vez que, em regra, com o início da ação de improbidade ou a simples divulgação do inquérito civil para tal fim, o acusado realiza rápido desfazimento dos “seus” bens, com transferências simuladas a terceiros (familiares e “laranjas”, em muitos casos).

Mesmo diante da inegável importância da medida, o que se tem visto, após 16 anos da vigência da Lei n. 8.429/92, é que o instituto não tem sido devidamente compreendido e enfrentado em todos os seus pormenores, tanto na doutrina como nos tribunais. E, o que é pior, muitas vezes os juristas têm enfraquecido sua força normativa. O presente artigo propõe-se a enfrentar, sem a

2 Constituição Federal. Art. 5°, LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

3 Salvo equívoco de nossa parte, é a primeira legislação brasileira que faz uso do termo “indisponibilidade de bens”. Os outros institutos assemelhados, em várias leis, são, ordinariamente, denominados de arresto e/ou sequestro de bens. Exemplos: Lei Pitombo – Godói Ilha (Lei n. 3.164/57), Decreto-Lei n. 3.240/41 (ainda vigente) e Lei Bilac Pinto (Lei n. 3.502/58).

4 Expressão que também é inovadora no ordenamento jurídico brasileiro, embora as expressões “probidade administrativa” e “improbidade administrativa” já tivessem sido usadas em algumas legislações anteriores. Ex: Lei n. 1.079/51, art. 4º, V, ‘probidade’, e Decreto-Lei n. 5.452/43 [CLT], art. 482, ‘a’, ‘improbidade’. Somente no Decreto-Lei n. 201/67 (Art. 7º, I) há a expressão completa: “ato de corrupção ou de improbidade administrativa”.

5 Art. 20. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

6 O único posicionamento que apresenta interpretação mais ampliativa quanto ao afastamento cautelar do agente ímprobo, que se tem notícia, é o de Fábio Medina Osório (Improbidade Administrativa. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1998. p. 242). Sustenta o autor: “Não se mostra imprescindível que o agente público tenha, concretamente, ameaçado testemunhas ou alterado documentos, mas basta que, pela quantidade de fatos, pela complexidade da demanda, pela notória necessidade de dilação probante, se faça necessário, em tese, o afastamento compulsório e liminar do agente público do exercício do cargo, sem prejuízo de seus vencimentos, enquanto persistir a importância da coleta de elementos informativos ao processo”.

7 O sequestro de bens, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras referidos no artigo 16 da Lei n. 8.429/92 não são senão elementos de efetivação da indisponibilidade de bens, e não institutos diversos, como veremos adiante.

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administração pública é um dos mais graves problemas nacionais desde o ano de 1500. A moralidade e a probidade administrativas são valores fundamentais da nossa República previstos constitucionalmente (art. 5º, LXXIII; art. 15, V; art. 37 caput; e art. 85, V, da CF/88). O repúdio à falta de probidade administrativa tem sede expressa no artigo 37, § 4º, dessa Carta Magna, prevista como tutela jurisdicional no juízo cível, “sem prejuízo da ação penal cabível”, para a aplicação de sanções civis de “suspensão de direitos políticos”, de “perda da função pública”, e de “ressarcimento ao erário” – naturalmente, por meio de devido

2processo legal e conduzido por autoridade competente – contra aqueles que atentem referidos valores constitucionais. Em meio às sanções civis discriminadas no artigo 37, § 4º (mesmo sem boa técnica legislativa, por colocar institutos de natureza diversa na mesma lista), o constituinte previu, também, medida de natureza cautelar e prévia à sanção e à garantia de ressarcimento,

3denominada “indisponibilidade de bens” . Ela, inegavelmente, atua em favor do patrimônio público e em desfavor daqueles que

4cometem “atos de improbidade administrativa” . A ação de improbidade administrativa e esse novo instituto

da indisponibilidade de bens, previstos no artigo 37, § 4º, foram regulamentados pela Lei n. 8.429/92, de 02 de junho de 1992 (Lei da Improbidade Administrativa). Também nesse mesmo diploma legal foi criado outro dispositivo protetivo e temporário, de caráter não sancionatório, da probidade administrativa: o afastamento

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cautelar do agente público (Lei n. 8.429/92, art. 20, parágrafo 5único) . Ocorre, porém, que o afastamento cautelar do agente

público tem sido considerado pelos tribunais como medida gravíssima, em especial nos casos de detentores de mandatos políticos, por atentar contra a vontade popular expressada no voto. A prova de que o agente público esteja de fato prejudicando a

6instrução do processo é de difícil realização, de sorte que o uso da medida é restrito. Por conseguinte, o instituto da indisponibilidade

7administrativa de bens tornou-se, praticamente, a única medida hábil de garantia à proteção do erário, em caso de ato de improbidade administrativa. Ela é profícua nos casos em que os agentes ímprobos ainda disponham de patrimônio, uma vez que, em regra, com o início da ação de improbidade ou a simples divulgação do inquérito civil para tal fim, o acusado realiza rápido desfazimento dos “seus” bens, com transferências simuladas a terceiros (familiares e “laranjas”, em muitos casos).

Mesmo diante da inegável importância da medida, o que se tem visto, após 16 anos da vigência da Lei n. 8.429/92, é que o instituto não tem sido devidamente compreendido e enfrentado em todos os seus pormenores, tanto na doutrina como nos tribunais. E, o que é pior, muitas vezes os juristas têm enfraquecido sua força normativa. O presente artigo propõe-se a enfrentar, sem a

2 Constituição Federal. Art. 5°, LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

3 Salvo equívoco de nossa parte, é a primeira legislação brasileira que faz uso do termo “indisponibilidade de bens”. Os outros institutos assemelhados, em várias leis, são, ordinariamente, denominados de arresto e/ou sequestro de bens. Exemplos: Lei Pitombo – Godói Ilha (Lei n. 3.164/57), Decreto-Lei n. 3.240/41 (ainda vigente) e Lei Bilac Pinto (Lei n. 3.502/58).

4 Expressão que também é inovadora no ordenamento jurídico brasileiro, embora as expressões “probidade administrativa” e “improbidade administrativa” já tivessem sido usadas em algumas legislações anteriores. Ex: Lei n. 1.079/51, art. 4º, V, ‘probidade’, e Decreto-Lei n. 5.452/43 [CLT], art. 482, ‘a’, ‘improbidade’. Somente no Decreto-Lei n. 201/67 (Art. 7º, I) há a expressão completa: “ato de corrupção ou de improbidade administrativa”.

5 Art. 20. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

6 O único posicionamento que apresenta interpretação mais ampliativa quanto ao afastamento cautelar do agente ímprobo, que se tem notícia, é o de Fábio Medina Osório (Improbidade Administrativa. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1998. p. 242). Sustenta o autor: “Não se mostra imprescindível que o agente público tenha, concretamente, ameaçado testemunhas ou alterado documentos, mas basta que, pela quantidade de fatos, pela complexidade da demanda, pela notória necessidade de dilação probante, se faça necessário, em tese, o afastamento compulsório e liminar do agente público do exercício do cargo, sem prejuízo de seus vencimentos, enquanto persistir a importância da coleta de elementos informativos ao processo”.

7 O sequestro de bens, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras referidos no artigo 16 da Lei n. 8.429/92 não são senão elementos de efetivação da indisponibilidade de bens, e não institutos diversos, como veremos adiante.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200944

presunção de esgotar o tema, as principais características e peculiaridades desse importante instituto de combate à corrupção no Brasil, focado em sua importância para a garantia de efetividade no combate à corrupção administrativa. Visa, também, identificar os requisitos necessários para que o pedido de indisponibilidade de bens possa ser requerido, concedido e executado eficazmente de modo a cumprir os objetivos do constituinte e de todos aqueles de defendem o patrimônio público, por meio de medidas judiciais.

Comando constitucional, conceito e consequências ao direito de propriedade

Em defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa, o legislador constituinte previu sanções àqueles que cometessem atos de improbidade administrativa e, já no texto constitucional (art. 37, § 4º), ao lado das sanções cabíveis, previu a

8indisponibilidade de bens que, ao contrário dos institutos que a acompanham na lista, não se trata de sanção, mas sim de medida judicial de natureza cautelar.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também ao seguinte: [...]§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (negritos nossos)

Conforme Maria Helena Diniz, “A propriedade é direito que a pessoa física ou jurídica tem dentro dos limites normativos,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 45

de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem 9como o de reivindicar de quem injustamente o detenha” . Segundo

a autora, o “Jus disponendi” é o direito de dispor da coisa; é o poder de aliená-la a título oneroso ou gratuito, abrangendo o poder de consumi-la e o de gravá-la de ônus reais ou de submetê-la ao serviço de outrem. Esses são os elementos essenciais e constitutivos da propriedade, ao lado do direito de usar, gozar e reivindicar.

A medida de indisponibilidade de bens não é pretensão final do autor da ação de improbidade, mas sim meio pelo qual o requerente poderá garantir o ressarcimento integral do dano ao patrimônio público, ao final. Tal medida não encontra conceito legal, eis que a Constituição Federal e a Lei n. 8.429/92 apenas a enunciam, deixando aos operadores do direito, por meio da hermenêutica jurídica, descobrir seu conteúdo e extensão. Sobre a natureza e o fim da medida de indisponibilidade de bens, precisa é a lição de Enrique Ricardo Lewandowski:

[...] Trata-se de providência de natureza acautelatória [...]. Esse provimento judicial – convém ressaltar – não constitui um fim em si mesmo, apresentando caráter meramente instrumental e preparatório, posto que objetiva assegurar o integral ressarcimento do erário público desfalcado, perdurando enquanto a ação principal estiver pendente ou até perder a eficácia

10caso esta não seja intentada no prazo legal.

A medida de indisponibilidade de bens é, portanto, medida de natureza processual cautelar, determinada pelo juízo competente, em processo cível de apuração de improbidade administrativa, visando garantir o cumprimento do pedido de aplicação de sanções de natureza pecuniária aos agentes ímprobos que figuram no polo passivo da ação. O ato judicial que decreta a

8 Segundo De Plácido e Silva, indisponibilidade, “no sentido jurídico, exprime a qualidade atribuída às coisas que, sob o encargo ou ônus de inalienabilidade, não podem ser vendidas ou alheadas sob qualquer pretexto” (Vocabulário jurídico 16. ed. Rio de Janeiro Forense, 1999 p. 427).. : .

9 DINIZ, M. H. Código Civil anotado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 732.10 BUENO, C. S. Comentários acerca da indisponibilidade liminar de bens na lei

8.429. In: BUENO, C. S.; PORTO FILHO, P. P. de R. (Coords.). Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 184.

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presunção de esgotar o tema, as principais características e peculiaridades desse importante instituto de combate à corrupção no Brasil, focado em sua importância para a garantia de efetividade no combate à corrupção administrativa. Visa, também, identificar os requisitos necessários para que o pedido de indisponibilidade de bens possa ser requerido, concedido e executado eficazmente de modo a cumprir os objetivos do constituinte e de todos aqueles de defendem o patrimônio público, por meio de medidas judiciais.

Comando constitucional, conceito e consequências ao direito de propriedade

Em defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa, o legislador constituinte previu sanções àqueles que cometessem atos de improbidade administrativa e, já no texto constitucional (art. 37, § 4º), ao lado das sanções cabíveis, previu a

8indisponibilidade de bens que, ao contrário dos institutos que a acompanham na lista, não se trata de sanção, mas sim de medida judicial de natureza cautelar.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também ao seguinte: [...]§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (negritos nossos)

Conforme Maria Helena Diniz, “A propriedade é direito que a pessoa física ou jurídica tem dentro dos limites normativos,

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de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem 9como o de reivindicar de quem injustamente o detenha” . Segundo

a autora, o “Jus disponendi” é o direito de dispor da coisa; é o poder de aliená-la a título oneroso ou gratuito, abrangendo o poder de consumi-la e o de gravá-la de ônus reais ou de submetê-la ao serviço de outrem. Esses são os elementos essenciais e constitutivos da propriedade, ao lado do direito de usar, gozar e reivindicar.

A medida de indisponibilidade de bens não é pretensão final do autor da ação de improbidade, mas sim meio pelo qual o requerente poderá garantir o ressarcimento integral do dano ao patrimônio público, ao final. Tal medida não encontra conceito legal, eis que a Constituição Federal e a Lei n. 8.429/92 apenas a enunciam, deixando aos operadores do direito, por meio da hermenêutica jurídica, descobrir seu conteúdo e extensão. Sobre a natureza e o fim da medida de indisponibilidade de bens, precisa é a lição de Enrique Ricardo Lewandowski:

[...] Trata-se de providência de natureza acautelatória [...]. Esse provimento judicial – convém ressaltar – não constitui um fim em si mesmo, apresentando caráter meramente instrumental e preparatório, posto que objetiva assegurar o integral ressarcimento do erário público desfalcado, perdurando enquanto a ação principal estiver pendente ou até perder a eficácia

10caso esta não seja intentada no prazo legal.

A medida de indisponibilidade de bens é, portanto, medida de natureza processual cautelar, determinada pelo juízo competente, em processo cível de apuração de improbidade administrativa, visando garantir o cumprimento do pedido de aplicação de sanções de natureza pecuniária aos agentes ímprobos que figuram no polo passivo da ação. O ato judicial que decreta a

8 Segundo De Plácido e Silva, indisponibilidade, “no sentido jurídico, exprime a qualidade atribuída às coisas que, sob o encargo ou ônus de inalienabilidade, não podem ser vendidas ou alheadas sob qualquer pretexto” (Vocabulário jurídico 16. ed. Rio de Janeiro Forense, 1999 p. 427).. : .

9 DINIZ, M. H. Código Civil anotado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 732.10 BUENO, C. S. Comentários acerca da indisponibilidade liminar de bens na lei

8.429. In: BUENO, C. S.; PORTO FILHO, P. P. de R. (Coords.). Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 184.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200946

indisponibilidade de bens é decisão interlocutória, nos termos do artigo 163, § 1º do CPC. Portanto, recorrível à instância superior

11por meio de agravo .A medida não se equipara à hipoteca ou ao penhor. Não

constitui direito real sobre coisa alheia, por ausência de tal referência em lei (em especial no título próprio, no Código Civil de 2002), mas traz, em consequência, o impedimento para que haja nova gravação de ônus ao bem (vide conceito do jus disponendi acima). Ao contrário do bem hipotecado, que pode mudar de proprietário, o bem indisponível permanece com o mesmo proprietário, aguardando o desfecho do processo judicial. O gravame da indisponibilidade sobre o bem não o torna impenhorável. A penhora por outro credor pode realizar-se para fins de registro de expectativa de direito, gerando uma lista de preferência entre os demais credores. Diz-se expectativa porque o bem marcado pela indisponibilidade não é adjudicável, nem arrematável por outros credores, porque esses atos importam em mudança de propriedade e desrespeito à medida acautelatória. A penhora de terceiros sobre o bem indisponível, eventualmente, ser-lhes-á útil somente nos casos de revogação/cassação judicial da medida, ou se apurar, a posteriori, que o valor do bem supera a soma das condenações pecuniárias que vier a sofrer o agente ímprobo. Nesse último caso, os demais credores buscariam apropriar-se legalmente do valor remanescente.

Objetivo da medida – resultado útil

A indisponibilidade dos bens do agente a quem se imputa um ato de improbidade administrativa, no tocante ao patrimônio do requerido, visa a que ela seja utilizada, ao final, para que se alcance a indenização ao erário, tanto no plano material como no plano moral. Ou seja, o decreto judicial de indisponibilidade dos bens dos réus na ação de improbidade é medida de natureza acautelatória destinada a garantir um resultado útil ao final da ação

de improbidade, conforme muitas vezes expressado pelo Tribunal de Justiça de Goiás, a exemplo da ementa do julgado abaixo:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE A D M I N I S T R AT I VA . L I M I N A R D E INDISPONIBILIDADE DE BENS. VISANDO A GARANTIA DO EFEITO ÚTIL AO P R O C E S S O , N A H I P Ó T E S E D E C O N D E N A Ç Ã O D O S I N D I C I A D O S RESPONSÁVEIS POR RESSARCIMENTO AO ERÁRIO, DEMANDADOS POR ATOS DE I M P R O B I D A D E A D M I N I S T R AT I VA , CONSTITUI ATO LEGAL E LEGÍTIMO, A MERECER CONFIRMAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. 2ª Câm. Cível. DJ 12541 de 24/04/1997. Acórdão de 01/04/1997. Rel. Des. Jalles Ferreira da Costa. Agravo de Instrumento 11322-0/180. Comarca de Goiânia. Agravante: Milton Vieira Ramos. Agravado: Ministério Público. (negritos nossos)

No mesmo sentido, a lição de Carlos Velloso, ex-ministro do STF:

[...] assegurando o resultado útil do processo, estará a medida, na verdade, garantindo a efetividade de outros princípios constitucionais de idêntica relevância, a saber: o primado da “universalidade da jurisdição” que tem na função cautelar, mais que uma tutela das partes, um mecanismo de garantia de si mesma da jurisdição, isto é, da plenitude do exercício da função típica do Poder Judiciário, e, ainda, o princípio da função preventiva da jurisdição, insculpido no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, onde se lê que “à lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou

12ameaça a direito”. (negritos nossos)

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 47

12 Nesse sentido, RMS 17619/SC, Rel. Min. Humberto Martins, T2, j. 24.04.07, DJ 09.05.2007, p. 227. BUENO, C. S. Comentários acerca da indisponibilidade liminar de bens na lei 8.429. In: BUENO; PORTO FILHO, op. cit. p. 121.

11 Nesse sentido, RMS 17619/SC, Rel. Min. Humberto Martins, T2, j. 24.04.07, DJ 09.05.2007, p. 227.

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indisponibilidade de bens é decisão interlocutória, nos termos do artigo 163, § 1º do CPC. Portanto, recorrível à instância superior

11por meio de agravo .A medida não se equipara à hipoteca ou ao penhor. Não

constitui direito real sobre coisa alheia, por ausência de tal referência em lei (em especial no título próprio, no Código Civil de 2002), mas traz, em consequência, o impedimento para que haja nova gravação de ônus ao bem (vide conceito do jus disponendi acima). Ao contrário do bem hipotecado, que pode mudar de proprietário, o bem indisponível permanece com o mesmo proprietário, aguardando o desfecho do processo judicial. O gravame da indisponibilidade sobre o bem não o torna impenhorável. A penhora por outro credor pode realizar-se para fins de registro de expectativa de direito, gerando uma lista de preferência entre os demais credores. Diz-se expectativa porque o bem marcado pela indisponibilidade não é adjudicável, nem arrematável por outros credores, porque esses atos importam em mudança de propriedade e desrespeito à medida acautelatória. A penhora de terceiros sobre o bem indisponível, eventualmente, ser-lhes-á útil somente nos casos de revogação/cassação judicial da medida, ou se apurar, a posteriori, que o valor do bem supera a soma das condenações pecuniárias que vier a sofrer o agente ímprobo. Nesse último caso, os demais credores buscariam apropriar-se legalmente do valor remanescente.

Objetivo da medida – resultado útil

A indisponibilidade dos bens do agente a quem se imputa um ato de improbidade administrativa, no tocante ao patrimônio do requerido, visa a que ela seja utilizada, ao final, para que se alcance a indenização ao erário, tanto no plano material como no plano moral. Ou seja, o decreto judicial de indisponibilidade dos bens dos réus na ação de improbidade é medida de natureza acautelatória destinada a garantir um resultado útil ao final da ação

de improbidade, conforme muitas vezes expressado pelo Tribunal de Justiça de Goiás, a exemplo da ementa do julgado abaixo:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE A D M I N I S T R AT I VA . L I M I N A R D E INDISPONIBILIDADE DE BENS. VISANDO A GARANTIA DO EFEITO ÚTIL AO P R O C E S S O , N A H I P Ó T E S E D E C O N D E N A Ç Ã O D O S I N D I C I A D O S RESPONSÁVEIS POR RESSARCIMENTO AO ERÁRIO, DEMANDADOS POR ATOS DE I M P R O B I D A D E A D M I N I S T R AT I VA , CONSTITUI ATO LEGAL E LEGÍTIMO, A MERECER CONFIRMAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. 2ª Câm. Cível. DJ 12541 de 24/04/1997. Acórdão de 01/04/1997. Rel. Des. Jalles Ferreira da Costa. Agravo de Instrumento 11322-0/180. Comarca de Goiânia. Agravante: Milton Vieira Ramos. Agravado: Ministério Público. (negritos nossos)

No mesmo sentido, a lição de Carlos Velloso, ex-ministro do STF:

[...] assegurando o resultado útil do processo, estará a medida, na verdade, garantindo a efetividade de outros princípios constitucionais de idêntica relevância, a saber: o primado da “universalidade da jurisdição” que tem na função cautelar, mais que uma tutela das partes, um mecanismo de garantia de si mesma da jurisdição, isto é, da plenitude do exercício da função típica do Poder Judiciário, e, ainda, o princípio da função preventiva da jurisdição, insculpido no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, onde se lê que “à lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou

12ameaça a direito”. (negritos nossos)

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12 Nesse sentido, RMS 17619/SC, Rel. Min. Humberto Martins, T2, j. 24.04.07, DJ 09.05.2007, p. 227. BUENO, C. S. Comentários acerca da indisponibilidade liminar de bens na lei 8.429. In: BUENO; PORTO FILHO, op. cit. p. 121.

11 Nesse sentido, RMS 17619/SC, Rel. Min. Humberto Martins, T2, j. 24.04.07, DJ 09.05.2007, p. 227.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200948

Previsão na Lei de Improbidade Administrativa

As sanções previstas no comando constitucional acima referido (art. 37, § 4º) encontraram resposta no artigo 12 da Lei 8.429/92, enquanto que o comando constitucional da indisponibilidade de bens, ao nosso sentir, foi atendido através do artigo 7º e, também, do artigo 16 da Lei de Improbidade Administrativa. Vejamos:

Art. 7º. Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. (negritos nossos)

O art. 16 da mesma lei, por seu turno, impõe a decretação do sequestro dos bens dos implicados, havendo fundados indícios de responsabilidade. Dispõe o citado artigo:

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. (negritos nossos)§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 a 825 do Código Processo Civil.§ 2º Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos das leis e tratados internacionais.

George Sarmento traz a lume importante lição do Ministro Hélio Mosimann, do STJ, acerca da discussão entre arresto e/ou sequestro na lei de improbidade, verbis:

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 49

A doutrina tem perdido muito tempo discutindo o tipo de ação cautelar adequada. Seqüestro? Arresto? Indisponibilidade dos bens? Tanto faz. Tal debate não tem razão de ser. Não importa o caminho: o importante é que os bens do acusado sejam a garantia de ressarcimento dos prejuízos sofridos pela Fazenda Pública.

O Ministro Hélio Mosimann, do STJ, reforça esse ponto de vista ao asseverar:

Chame-se arresto ou seqüestro, a medida acautelatória é aquela de natureza especial prevista no art. 16 da Lei nº 8.429/92, que deve prevalecer sobre a geral. Pouco importa a denominação que se lhe queira dar. O essencial é a observância dos requisitos necessários, havendo indícios de responsabilidade de que o agente tenha enriquecido ilicitamente (art. 16) ou recair sobre o acréscimo patrimonial daí resultante. (STJ – 2ª Turma – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 6.182/DF – Rel. Min. Hélio Mosimann

13– DJ de 01.12.1997, p. 62.700)

Acrescenta o autor que, apesar das opiniões em contrário, “o arresto, seqüestro, penhora e busca e apreensão são espécies de

14indisponibilidade de bens” , conceito com o qual concordamos, acrescentando-se à lista a figura do bloqueio de bens.

Indisponibilidade de bens é gênero do qual as figuras do arresto e do sequestro são espécies, dentre outras, respeitadas as

15posições em contrário .

13 SARMENTO, G. Improbidade administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 164.14 SARMENTO, op. cit., p. 164.15 Entre elas, mas não totalmente divergente nos efeitos decorrentes do sequestro, é a

posição de Ernane Fidélis dos Santos que, em artigo, entende que a figura do sequestro na Lei 8.429/92 assemelha-se ao sequestro conservativo do direito italiano e que “A medida cautelar [sequestro], conforme disciplinada na Lei 8.429/92, não tem qualquer veiculação, com outras previstas na legislação brasileira. Neste caso, assim como na Itália o termo seqüestro é usado, genericamente, como apreensão de bens para finalidades diversas, pode-se tipificar, com as mesmas características, medida cautelar e distinta e específica, sem importarem os fins a que se destina”. (SANTOS, E. F. dos. Aspectos processuais da

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200948

Previsão na Lei de Improbidade Administrativa

As sanções previstas no comando constitucional acima referido (art. 37, § 4º) encontraram resposta no artigo 12 da Lei 8.429/92, enquanto que o comando constitucional da indisponibilidade de bens, ao nosso sentir, foi atendido através do artigo 7º e, também, do artigo 16 da Lei de Improbidade Administrativa. Vejamos:

Art. 7º. Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. (negritos nossos)

O art. 16 da mesma lei, por seu turno, impõe a decretação do sequestro dos bens dos implicados, havendo fundados indícios de responsabilidade. Dispõe o citado artigo:

Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. (negritos nossos)§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 a 825 do Código Processo Civil.§ 2º Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos das leis e tratados internacionais.

George Sarmento traz a lume importante lição do Ministro Hélio Mosimann, do STJ, acerca da discussão entre arresto e/ou sequestro na lei de improbidade, verbis:

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A doutrina tem perdido muito tempo discutindo o tipo de ação cautelar adequada. Seqüestro? Arresto? Indisponibilidade dos bens? Tanto faz. Tal debate não tem razão de ser. Não importa o caminho: o importante é que os bens do acusado sejam a garantia de ressarcimento dos prejuízos sofridos pela Fazenda Pública.

O Ministro Hélio Mosimann, do STJ, reforça esse ponto de vista ao asseverar:

Chame-se arresto ou seqüestro, a medida acautelatória é aquela de natureza especial prevista no art. 16 da Lei nº 8.429/92, que deve prevalecer sobre a geral. Pouco importa a denominação que se lhe queira dar. O essencial é a observância dos requisitos necessários, havendo indícios de responsabilidade de que o agente tenha enriquecido ilicitamente (art. 16) ou recair sobre o acréscimo patrimonial daí resultante. (STJ – 2ª Turma – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 6.182/DF – Rel. Min. Hélio Mosimann

13– DJ de 01.12.1997, p. 62.700)

Acrescenta o autor que, apesar das opiniões em contrário, “o arresto, seqüestro, penhora e busca e apreensão são espécies de

14indisponibilidade de bens” , conceito com o qual concordamos, acrescentando-se à lista a figura do bloqueio de bens.

Indisponibilidade de bens é gênero do qual as figuras do arresto e do sequestro são espécies, dentre outras, respeitadas as

15posições em contrário .

13 SARMENTO, G. Improbidade administrativa. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 164.14 SARMENTO, op. cit., p. 164.15 Entre elas, mas não totalmente divergente nos efeitos decorrentes do sequestro, é a

posição de Ernane Fidélis dos Santos que, em artigo, entende que a figura do sequestro na Lei 8.429/92 assemelha-se ao sequestro conservativo do direito italiano e que “A medida cautelar [sequestro], conforme disciplinada na Lei 8.429/92, não tem qualquer veiculação, com outras previstas na legislação brasileira. Neste caso, assim como na Itália o termo seqüestro é usado, genericamente, como apreensão de bens para finalidades diversas, pode-se tipificar, com as mesmas características, medida cautelar e distinta e específica, sem importarem os fins a que se destina”. (SANTOS, E. F. dos. Aspectos processuais da

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200950

Tem-se a convicção de que, para que se tenha o contorno jurídico-legal acerca da indisponibilidade na lei de improbidade administrativa, é necessária uma interpretação conjunta do artigo 7º e 16, à luz do comando constitucional. É o que abordaremos nas seções seguintes.

Vinculação da autoridade administrativa para representar ao MP

16Nos termos do artigo 7º, é ato vinculado da autoridade administrativa (“caberá”), em procedimento administrativo-disciplinar, representar para que o Ministério Público pleiteie a decretação da medida de indisponibilidade. É comando expresso. Não há imposição na lei de qualquer condição para que a autoridade administrativa condicione sua conduta a qualquer juízo, quando da necessidade da medida, parecendo clara a posição do legislador para que a avaliação da oportunidade e a avaliação da

17necessidade da medida caibam ao Ministério Público .E, havendo o parquet formado sua opinio sobre a existência

do requisito legal, também ele fica vinculado a requerer ao juízo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 51

competente a decretação da indisponibilidade. A opinio do parquet se funda na verificação da justa causa para a medida que poderá se efetivar, nos termos da Lei 8.429/92 e do CPC, perante o Poder Judiciário.

Repita-se, indisponibilidade, entendida em sentido amplo, abrange, como vimos, o sequestro, o arresto e a busca e apreensão.

Fundados indícios de responsabilidade como único requisito

Recorrendo-se à lei para se saber qual o requisito para o sequestro, encontra-se, no art. 16, a oração: “Havendo fundados indícios de responsabilidade”.

Há definição legal de indícios no ordenamento jurídico brasileiro, encontrável no Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941), Título VII, “Das Provas”, em seu art. 239, nos termos seguintes:

Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com outro fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Miguel Reale Júnior, na mesma linha, define que indícios “são elementos conhecidos da realidade, a partir dos quais, em trabalho dedutivo-indutivo e segundo os dados da lógica, alcança-

18se a descoberta de fato não conhecido diretamente” .Há, como visto, expressa disposição legal que, para o

sequestro de bens daquele que figura como réu em ação de improbidade administrativa, bastam fundados indícios da sua responsabilidade. Os elementos necessários à existência de responsabilidade civil, em regra, são o dano, a conduta, o resultado e o nexo causal. Portanto, há de haver, de forma aditiva, indícios da existência do dano ao patrimônio público (ainda que somente o dano ao patrimônio imaterial), da existência de conduta do agente (ainda que indireta ou na condição de beneficiário do ato), indícios

Lei de Improbidade Administrativa. In: SAMPAIO, J. A. L. (Org.). Improbidade Administrativa – 10 anos da Lei 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 113).

16 “Os atos vinculados ou regrados são aqueles em que a Administração age nos estritos limites da lei, simplesmente porque a lei não deixou opções. Ela estabelece os requisitos para a prática do ato, sem dar ao administrador liberdade de optar outra forma de agir” (MARINELA, F. Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2007).

17 Carlos Frederico Brito dos Santos parece alinhar-se a este entendimento quando enuncia que ele seria “o único legitimado para tanto”, isto é, para peticionar ao juízo a providência cautelar de indisponibilidade de bens (Improbidade Administrativa: reflexões sobre a Lei n.° 8.429/92. 2. ed. rev. atual., ampl. e com jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 273). Porém, embora não cumprindo o fim do legislador, não há óbices que a pessoa jurídica lesada que tem legitimidade para o ajuizamento da demanda principal, postule, por meio de sua procuradoria, o pedido judicial de indisponibilidade de bens. Pedro Roberto Decomain, ressaltando a legitimidade concorrente do ente, registra essa possibilidade sem fazer restrições (Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007. p. 275).

18 JÚNIOR, M. R. A versão e a lógica. Folha de São Paulo, 06.05.2001, A3 apud SARMENTO, op. cit., p. 165.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200950

Tem-se a convicção de que, para que se tenha o contorno jurídico-legal acerca da indisponibilidade na lei de improbidade administrativa, é necessária uma interpretação conjunta do artigo 7º e 16, à luz do comando constitucional. É o que abordaremos nas seções seguintes.

Vinculação da autoridade administrativa para representar ao MP

16Nos termos do artigo 7º, é ato vinculado da autoridade administrativa (“caberá”), em procedimento administrativo-disciplinar, representar para que o Ministério Público pleiteie a decretação da medida de indisponibilidade. É comando expresso. Não há imposição na lei de qualquer condição para que a autoridade administrativa condicione sua conduta a qualquer juízo, quando da necessidade da medida, parecendo clara a posição do legislador para que a avaliação da oportunidade e a avaliação da

17necessidade da medida caibam ao Ministério Público .E, havendo o parquet formado sua opinio sobre a existência

do requisito legal, também ele fica vinculado a requerer ao juízo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 51

competente a decretação da indisponibilidade. A opinio do parquet se funda na verificação da justa causa para a medida que poderá se efetivar, nos termos da Lei 8.429/92 e do CPC, perante o Poder Judiciário.

Repita-se, indisponibilidade, entendida em sentido amplo, abrange, como vimos, o sequestro, o arresto e a busca e apreensão.

Fundados indícios de responsabilidade como único requisito

Recorrendo-se à lei para se saber qual o requisito para o sequestro, encontra-se, no art. 16, a oração: “Havendo fundados indícios de responsabilidade”.

Há definição legal de indícios no ordenamento jurídico brasileiro, encontrável no Código de Processo Penal (Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941), Título VII, “Das Provas”, em seu art. 239, nos termos seguintes:

Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com outro fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Miguel Reale Júnior, na mesma linha, define que indícios “são elementos conhecidos da realidade, a partir dos quais, em trabalho dedutivo-indutivo e segundo os dados da lógica, alcança-

18se a descoberta de fato não conhecido diretamente” .Há, como visto, expressa disposição legal que, para o

sequestro de bens daquele que figura como réu em ação de improbidade administrativa, bastam fundados indícios da sua responsabilidade. Os elementos necessários à existência de responsabilidade civil, em regra, são o dano, a conduta, o resultado e o nexo causal. Portanto, há de haver, de forma aditiva, indícios da existência do dano ao patrimônio público (ainda que somente o dano ao patrimônio imaterial), da existência de conduta do agente (ainda que indireta ou na condição de beneficiário do ato), indícios

Lei de Improbidade Administrativa. In: SAMPAIO, J. A. L. (Org.). Improbidade Administrativa – 10 anos da Lei 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 113).

16 “Os atos vinculados ou regrados são aqueles em que a Administração age nos estritos limites da lei, simplesmente porque a lei não deixou opções. Ela estabelece os requisitos para a prática do ato, sem dar ao administrador liberdade de optar outra forma de agir” (MARINELA, F. Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2007).

17 Carlos Frederico Brito dos Santos parece alinhar-se a este entendimento quando enuncia que ele seria “o único legitimado para tanto”, isto é, para peticionar ao juízo a providência cautelar de indisponibilidade de bens (Improbidade Administrativa: reflexões sobre a Lei n.° 8.429/92. 2. ed. rev. atual., ampl. e com jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 273). Porém, embora não cumprindo o fim do legislador, não há óbices que a pessoa jurídica lesada que tem legitimidade para o ajuizamento da demanda principal, postule, por meio de sua procuradoria, o pedido judicial de indisponibilidade de bens. Pedro Roberto Decomain, ressaltando a legitimidade concorrente do ente, registra essa possibilidade sem fazer restrições (Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007. p. 275).

18 JÚNIOR, M. R. A versão e a lógica. Folha de São Paulo, 06.05.2001, A3 apud SARMENTO, op. cit., p. 165.

do nexo causal entre a conduta do agente, a realização do dano e o resultado dessa conduta (dolosa, culposa ou sem culpa, no caso do beneficiário de boa-fé), o resultado de seu enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário, violação aos princípios constitucionais, ou, ainda, o enriquecimento do beneficiário de boa-fé, mas decorrente de ato de improbidade.

Para que o magistrado decrete a indisponibilidade de bens, quase sempre em fase preparatória, deve ele, por meio da cognição sumária dos elementos de prova trazidos pelo autor, fazer um juízo de probabilidade de que os requeridos responderão civilmente pelos danos que direta ou indiretamente, ao que tudo evidencia no momento da decisão, foram causados ao erário. Em sua necessária fundamentação, deve valer-se das regras de experiência e dos elementos de prova trazidos pelo autor e, por meio de um raciocínio lógico, inferir que a medida protegerá o patrimônio público. Em eventual caso de dúvida, deve decidir em favor do Poder Público, pela aplicação do princípio in dúbio pro societate, mesmo porque nenhum caso de indisponibilidade de bens importa em irreversibilidade da medida. É a ausência de perigo de mora in reverso.

Os referidos “fundados indícios de responsabilidade” são, outrossim, o fumus boni juris previsto em regra para a concessão de toda medida cautelar. Lembrando-se de que, consoante Vicente Greco Filho, “o fumus boni juris não é um prognóstico de resultado favorável ao processo principal, nem uma antecipação do julgamento, mas, simplesmente, um juízo de probabilidade, perspectiva essa que basta para justificar o asseguramento do

19direito” . Nesse sentido:

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mantendo seqüestro concedido em medida cautelar, asseverou que não é a possibilidade de sucesso da demanda principal que o justifica, mas a fundada suspeita de malversação e de munificiência com o dinheiro público, pois se a lei de regência busca um juízo de certeza na ação

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200952 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 53

principal, com relação ao provimento cautelar, 20contenta-se com a simples dúvida.

Entendemos que o legislador ordinário, ao exigir somente a existência de “fundados indícios” para a concessão do sequestro, em cumprimento ao mandamento do constituinte de defender o patrimônio público por meio da indisponibilidade de bens nas ações de improbidade, inovou no ordenamento jurídico, dispensando a presença de todas as hipóteses do artigo 813, I a III do CPC (condições para o arresto) que seriam aplicáveis em regra ao sequestro por força do artigo 823 do CPC.

O legislador ordinário estabeleceu essa regra de maior garantia ao erário em caso de sequestro. Entendemos, a bem do cumprimento do mandamento constitucional da indisponibilidade do bem, ser cabível a interpretação extensiva para que sejam os requisitos para o sequestro (espécie) os mesmos necessários para a indisponibilidade (gênero), pois esta só tem referência expressa no ordenamento jurídico na Lei de Improbidade Administrativa, não sendo esperado do legislador ordinário um rigorismo científico de defini-la com todas as suas características nesse diploma.

Portanto, o fumus boni iuris para a concessão da medida de indisponibilidade de bens (gênero), e também todas as suas espécies (arresto, sequestro, bloqueio de bens e busca e apreensão), é a existência de “fundados indícios de responsabilidade” civil do agente. Para nós, é o único requisito para a decretação da indisponibilidade, já que não vemos como necessária a prova do periculum in mora.

Alguns renomados autores têm se posicionado no sentido de que, para o decreto da indisponibilidade de bens na ação de improbidade, o periculum in mora é presumido, posição que, na teoria e muito mais na prática, aproxima-se da nossa. Trouxemos à colação lições de alguns. Vejamos.

Wallace Paiva Martins Júnior tem posição completa sobre o assunto, abordando também a questão do fumus boni juris:

20 3.ª Câm. de Direito Público, AgI 92.762-5/3-00, São Paulo, Rel. Des. Rui Stoco, 6-4-1999, v.u., RT 764:113 apud MARTINS JÚNIOR, W. P. Probidade Administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 442.

19 GRECO FILHO, V. Direito Processual Civil Brasileiro. v. 3. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 168.

do nexo causal entre a conduta do agente, a realização do dano e o resultado dessa conduta (dolosa, culposa ou sem culpa, no caso do beneficiário de boa-fé), o resultado de seu enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário, violação aos princípios constitucionais, ou, ainda, o enriquecimento do beneficiário de boa-fé, mas decorrente de ato de improbidade.

Para que o magistrado decrete a indisponibilidade de bens, quase sempre em fase preparatória, deve ele, por meio da cognição sumária dos elementos de prova trazidos pelo autor, fazer um juízo de probabilidade de que os requeridos responderão civilmente pelos danos que direta ou indiretamente, ao que tudo evidencia no momento da decisão, foram causados ao erário. Em sua necessária fundamentação, deve valer-se das regras de experiência e dos elementos de prova trazidos pelo autor e, por meio de um raciocínio lógico, inferir que a medida protegerá o patrimônio público. Em eventual caso de dúvida, deve decidir em favor do Poder Público, pela aplicação do princípio in dúbio pro societate, mesmo porque nenhum caso de indisponibilidade de bens importa em irreversibilidade da medida. É a ausência de perigo de mora in reverso.

Os referidos “fundados indícios de responsabilidade” são, outrossim, o fumus boni juris previsto em regra para a concessão de toda medida cautelar. Lembrando-se de que, consoante Vicente Greco Filho, “o fumus boni juris não é um prognóstico de resultado favorável ao processo principal, nem uma antecipação do julgamento, mas, simplesmente, um juízo de probabilidade, perspectiva essa que basta para justificar o asseguramento do

19direito” . Nesse sentido:

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mantendo seqüestro concedido em medida cautelar, asseverou que não é a possibilidade de sucesso da demanda principal que o justifica, mas a fundada suspeita de malversação e de munificiência com o dinheiro público, pois se a lei de regência busca um juízo de certeza na ação

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principal, com relação ao provimento cautelar, 20contenta-se com a simples dúvida.

Entendemos que o legislador ordinário, ao exigir somente a existência de “fundados indícios” para a concessão do sequestro, em cumprimento ao mandamento do constituinte de defender o patrimônio público por meio da indisponibilidade de bens nas ações de improbidade, inovou no ordenamento jurídico, dispensando a presença de todas as hipóteses do artigo 813, I a III do CPC (condições para o arresto) que seriam aplicáveis em regra ao sequestro por força do artigo 823 do CPC.

O legislador ordinário estabeleceu essa regra de maior garantia ao erário em caso de sequestro. Entendemos, a bem do cumprimento do mandamento constitucional da indisponibilidade do bem, ser cabível a interpretação extensiva para que sejam os requisitos para o sequestro (espécie) os mesmos necessários para a indisponibilidade (gênero), pois esta só tem referência expressa no ordenamento jurídico na Lei de Improbidade Administrativa, não sendo esperado do legislador ordinário um rigorismo científico de defini-la com todas as suas características nesse diploma.

Portanto, o fumus boni iuris para a concessão da medida de indisponibilidade de bens (gênero), e também todas as suas espécies (arresto, sequestro, bloqueio de bens e busca e apreensão), é a existência de “fundados indícios de responsabilidade” civil do agente. Para nós, é o único requisito para a decretação da indisponibilidade, já que não vemos como necessária a prova do periculum in mora.

Alguns renomados autores têm se posicionado no sentido de que, para o decreto da indisponibilidade de bens na ação de improbidade, o periculum in mora é presumido, posição que, na teoria e muito mais na prática, aproxima-se da nossa. Trouxemos à colação lições de alguns. Vejamos.

Wallace Paiva Martins Júnior tem posição completa sobre o assunto, abordando também a questão do fumus boni juris:

20 3.ª Câm. de Direito Público, AgI 92.762-5/3-00, São Paulo, Rel. Des. Rui Stoco, 6-4-1999, v.u., RT 764:113 apud MARTINS JÚNIOR, W. P. Probidade Administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 442.

19 GRECO FILHO, V. Direito Processual Civil Brasileiro. v. 3. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 168.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200954

Razoável o argumento que exonera a presença do fumus boni juris e do periculum in mora para a concessão da indisponibilidade dos bens, apesar das opiniões contrárias. Com efeito, a lei presume estes requisitos ao autorizar a indisponibilidade. Porquanto a medida acautelatória tende à garantia da execução da sentença, tendo como requisitos específicos evidências do enriquecimento ilícito ou lesão ao erário, sendo indiferente que haja fundado receio de fraude ou de insolvência, porque o perigo é ínsito aos próprios efeitos do ato hostilizado. Exsurge, assim, a indisponibilidade como medida de segurança obrigatória nessas

21hipóteses.

O mestre José Roberto Santos Bedaque, Desembargador do TJSP e renomado processualista, sobre os requisitos da indisponibilidade assim se posiciona:

A indisponibilidade, segundo expressamente determinado pelo legislador, está restrita ao valor do causado ou ao acréscimo patrimonial decorrente da atividade ilícita. Isso significa que a tutela cautelar em questão deve ser requerida com esse fundamento. Necessita a parte deduzir o valor do suposto dano ou do acréscimo patrimonial e pleitear a indisponibilidade sobre bens suficientes ao ressarcimento a ser decidido em outra sede. Corresponde tal requisito à verossimilhança do direito, pois o requerente deve demonstrar plausibilidade de suas afirmações, apresentando dados concretos sobre os prejuízos causados pelo réu. Imprescindível, pois a vinculação entre o valor do prejuízo e o dos bens tornados indisponíveis. Em compensação, desnecessário o perigo de dano, pois o legislador contenta-se com o fumus boni iuris para autorizar essa modalidade de medida de urgência. Essa solução vem sendo adotada pela jurisprudência (43). Identificam-se, portanto, como características da indisponibilidade prevista no art. 7.º: está limitada ao valor do prejuízo causado e não necessita da demonstração do perigo

de dano. O legislador dispensou esse requisito, tendo em vista a gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento ao patrimônio. [...] 43. Para a concessão da liminar nas ações movidas contra os agentes públicos por atos de improbidade administrativa, com fundamento nos casos mencionados nos arts. 9º e 10 da Lei 8.429, de 1992, basta que o direito invocado seja plausível (fumus boni juris), pois a dimensão do provável receio de dano (periculum in mora) é dado pela própria Lei 8.429 e aferida em razão da alegada lesão ao patrimônio da Administração Pública (cf. TJPR, 4.ª C. AI 15.688, rel. Des. Airvaldo Stela

22Alves, j. 13.9.1999, v.u. RT 759/319).

Rogério Pacheco Alves, na companhia de José Roberto Santos Bedaque, posiciona-se de igual forma à que estamos sustentando:

Quanto ao periculum in mora, parte da doutrina se inclina no sentido de sua implicitude, de sua presunção pelo art. 7.º da Lei de Improbidade, o que dispensaria o autor de demonstrar a intenção de o agente dilapidar ou desviar seu patrimônio com vistas a afastar a reparação do dano. Neste sentido argumenta Fábio Medina Osório que “O periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário”, sustentando, outrossim, que “a indisponibilidade patrimonial é medida obrigatória, pois traduz conseqüência jurídica do processamento da ação, forte no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal. De fato, exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente furtar-se à efetividade da condenação representaria, do ponto de vista prático, irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal. Como muito bem percebido por José Roberto dos Santos Bedaque,

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22 BEDAQUE, J. R. S. Tutela Jurisdicional Cautelar e Atos de Improbidade Administrativa. p. 127 e 128. In: BUENO; PORTO FILHO, op. cit.

21 MARTINS JÚNIOR, op. cit., p. 442.

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Razoável o argumento que exonera a presença do fumus boni juris e do periculum in mora para a concessão da indisponibilidade dos bens, apesar das opiniões contrárias. Com efeito, a lei presume estes requisitos ao autorizar a indisponibilidade. Porquanto a medida acautelatória tende à garantia da execução da sentença, tendo como requisitos específicos evidências do enriquecimento ilícito ou lesão ao erário, sendo indiferente que haja fundado receio de fraude ou de insolvência, porque o perigo é ínsito aos próprios efeitos do ato hostilizado. Exsurge, assim, a indisponibilidade como medida de segurança obrigatória nessas

21hipóteses.

O mestre José Roberto Santos Bedaque, Desembargador do TJSP e renomado processualista, sobre os requisitos da indisponibilidade assim se posiciona:

A indisponibilidade, segundo expressamente determinado pelo legislador, está restrita ao valor do causado ou ao acréscimo patrimonial decorrente da atividade ilícita. Isso significa que a tutela cautelar em questão deve ser requerida com esse fundamento. Necessita a parte deduzir o valor do suposto dano ou do acréscimo patrimonial e pleitear a indisponibilidade sobre bens suficientes ao ressarcimento a ser decidido em outra sede. Corresponde tal requisito à verossimilhança do direito, pois o requerente deve demonstrar plausibilidade de suas afirmações, apresentando dados concretos sobre os prejuízos causados pelo réu. Imprescindível, pois a vinculação entre o valor do prejuízo e o dos bens tornados indisponíveis. Em compensação, desnecessário o perigo de dano, pois o legislador contenta-se com o fumus boni iuris para autorizar essa modalidade de medida de urgência. Essa solução vem sendo adotada pela jurisprudência (43). Identificam-se, portanto, como características da indisponibilidade prevista no art. 7.º: está limitada ao valor do prejuízo causado e não necessita da demonstração do perigo

de dano. O legislador dispensou esse requisito, tendo em vista a gravidade do ato e a necessidade de garantir o ressarcimento ao patrimônio. [...] 43. Para a concessão da liminar nas ações movidas contra os agentes públicos por atos de improbidade administrativa, com fundamento nos casos mencionados nos arts. 9º e 10 da Lei 8.429, de 1992, basta que o direito invocado seja plausível (fumus boni juris), pois a dimensão do provável receio de dano (periculum in mora) é dado pela própria Lei 8.429 e aferida em razão da alegada lesão ao patrimônio da Administração Pública (cf. TJPR, 4.ª C. AI 15.688, rel. Des. Airvaldo Stela

22Alves, j. 13.9.1999, v.u. RT 759/319).

Rogério Pacheco Alves, na companhia de José Roberto Santos Bedaque, posiciona-se de igual forma à que estamos sustentando:

Quanto ao periculum in mora, parte da doutrina se inclina no sentido de sua implicitude, de sua presunção pelo art. 7.º da Lei de Improbidade, o que dispensaria o autor de demonstrar a intenção de o agente dilapidar ou desviar seu patrimônio com vistas a afastar a reparação do dano. Neste sentido argumenta Fábio Medina Osório que “O periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário”, sustentando, outrossim, que “a indisponibilidade patrimonial é medida obrigatória, pois traduz conseqüência jurídica do processamento da ação, forte no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal. De fato, exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente furtar-se à efetividade da condenação representaria, do ponto de vista prático, irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal. Como muito bem percebido por José Roberto dos Santos Bedaque,

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22 BEDAQUE, J. R. S. Tutela Jurisdicional Cautelar e Atos de Improbidade Administrativa. p. 127 e 128. In: BUENO; PORTO FILHO, op. cit.

21 MARTINS JÚNIOR, op. cit., p. 442.

a indisponibilidade prevista na Lei de Improbidade é uma daquelas hipóteses nas quais o próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano. Deste modo, em vista da redação imperativa adotada pela Constituição Federal, art. 37, § 4.º e pela própria Lei de Improbidade (art. 7º), cremos acertada tal orientação, que se vê

23confirmada pela melhor jurisprudência”. (negritos nossos)

Também Tribunais Pátrios têm caminhado no sentido de reconhecer que, no caso de ação de improbidade, a indisponibilidade de bens tem como requisito tão-somente o fumus boni juris previsto antecipadamente pelo legislador como “fundados indícios de responsabilidade”. Nesse sentido:

Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso:[...] exsurgindo dos autos de ação civil pública p rovas conv incen t e s da improb idade administrativa, pode o Juiz determinar, a requerimento do autor, a indisponibilidade dos bens dos requeridos à vista do periculum in mora ínsito no art. 7.º da Lei 8.429/92, devendo contudo guardar proporcionalidade com a reparação civil

24perseguida.

No mesmo sentido, também do TJMT, 3ª Câm. Cível, AgI 10.786, Rel. Des. Ernani Vieira de Souza, 9-2-2000, v.u. RT 781:339.

E, por todos,

Assim, ainda que não desconheça respeitável corrente jurisprudencial em contrário, desnecessário aguardar que o envolvido em improbidade administrativa comece a dilapidar seu patrimônio para, só então, promover o ajuizamento da medida de indisponibilidade de bens. Tal possibilidade tornaria a medida inócua e enfraqueceria o objetivo do legislador que, como já salientado, é reprimir e

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200956

23 ALVES, R. P.; GARCIA, E. Improbidade Administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 829-830.

24 1ª Câm. AgI 8.324, Paramatinga, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, 20-4-1998, v.u., RT 759:319.

punir com rigor os atos de improbidade administrativa e assegurar a eficácia da decisão final, impedindo seja frustrada sua execução, se porventura ficar reconhecida a responsabilidade dos réus. O ‘periculum in mora’ emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, e do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário, ficando a decretação da medida sujeita ao prudente arbítrio do Magistrado. [...] O bloqueio dos bens dos envolvidos não implica em violação de direitos individuais. O direito de propriedade comporta limitações decorrentes da própria vontade do titular ou da lei, caso dos autos. Em se tratando de indisponibilidade, o proprietário mantém os poderes de posse, uso e gozo, só não podendo dispor de seus bens. Presente, pois, o requisito do ‘periculum in mora’ que, reitere-se, no caso é presumido. O autor da ação propõe-se demonstrar os prejuízos que teriam sido causados pelo agravante e pela co-ré. E há indiscutível necessidade de que seja profícua a garantia para a obtenção de resultado concreto na ação proposta, ou seja, que se garanta venha a ser recuperado o patrimônio da entidade de administração indireta do Município, se realmente lesado. Há, portanto, razoáveis elementos para o deferimento do pedido de indisponibilidade dos bens. E o recorrente está sujeito à medida, consoante o que estabelece o § 4º do artigo 37 da Constituição

25Federal e o artigo 7º da Lei n. 8.429/92 [...].

Esta posição protetiva em favor do erário indicada na Lei de Improbidade Administrativa não é única no ordenamento brasileiro. O Decreto-Lei n. 3.240, de 1941, ainda em vigência, sujeita a sequestro os bens das pessoas indiciadas por crime de que resulta prejuízo para a Fazenda Pública. Esse “sequestro” não tem os mesmos requisitos de igual medida processual prevista no Código de Processo Penal, mas tem por finalidade obter o ressarcimento ao erário, tal qual a indisponibilidade na Ação de Improbidade Administrativa. Como se vê nos artigos abaixo destacados, também se exige somente a existência de fumus boni juris, caracterizados sob

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 57

25 TJSP, 9ª Câm. de Direito Público, AgI 149.514-5/1, São Paulo, Rel. Des. Gonzaga Franceschini, 21-6-2000, v.u.

a indisponibilidade prevista na Lei de Improbidade é uma daquelas hipóteses nas quais o próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano. Deste modo, em vista da redação imperativa adotada pela Constituição Federal, art. 37, § 4.º e pela própria Lei de Improbidade (art. 7º), cremos acertada tal orientação, que se vê

23confirmada pela melhor jurisprudência”. (negritos nossos)

Também Tribunais Pátrios têm caminhado no sentido de reconhecer que, no caso de ação de improbidade, a indisponibilidade de bens tem como requisito tão-somente o fumus boni juris previsto antecipadamente pelo legislador como “fundados indícios de responsabilidade”. Nesse sentido:

Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso:[...] exsurgindo dos autos de ação civil pública p rovas conv incen t e s da improb idade administrativa, pode o Juiz determinar, a requerimento do autor, a indisponibilidade dos bens dos requeridos à vista do periculum in mora ínsito no art. 7.º da Lei 8.429/92, devendo contudo guardar proporcionalidade com a reparação civil

24perseguida.

No mesmo sentido, também do TJMT, 3ª Câm. Cível, AgI 10.786, Rel. Des. Ernani Vieira de Souza, 9-2-2000, v.u. RT 781:339.

E, por todos,

Assim, ainda que não desconheça respeitável corrente jurisprudencial em contrário, desnecessário aguardar que o envolvido em improbidade administrativa comece a dilapidar seu patrimônio para, só então, promover o ajuizamento da medida de indisponibilidade de bens. Tal possibilidade tornaria a medida inócua e enfraqueceria o objetivo do legislador que, como já salientado, é reprimir e

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200956

23 ALVES, R. P.; GARCIA, E. Improbidade Administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 829-830.

24 1ª Câm. AgI 8.324, Paramatinga, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, 20-4-1998, v.u., RT 759:319.

punir com rigor os atos de improbidade administrativa e assegurar a eficácia da decisão final, impedindo seja frustrada sua execução, se porventura ficar reconhecida a responsabilidade dos réus. O ‘periculum in mora’ emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, e do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário, ficando a decretação da medida sujeita ao prudente arbítrio do Magistrado. [...] O bloqueio dos bens dos envolvidos não implica em violação de direitos individuais. O direito de propriedade comporta limitações decorrentes da própria vontade do titular ou da lei, caso dos autos. Em se tratando de indisponibilidade, o proprietário mantém os poderes de posse, uso e gozo, só não podendo dispor de seus bens. Presente, pois, o requisito do ‘periculum in mora’ que, reitere-se, no caso é presumido. O autor da ação propõe-se demonstrar os prejuízos que teriam sido causados pelo agravante e pela co-ré. E há indiscutível necessidade de que seja profícua a garantia para a obtenção de resultado concreto na ação proposta, ou seja, que se garanta venha a ser recuperado o patrimônio da entidade de administração indireta do Município, se realmente lesado. Há, portanto, razoáveis elementos para o deferimento do pedido de indisponibilidade dos bens. E o recorrente está sujeito à medida, consoante o que estabelece o § 4º do artigo 37 da Constituição

25Federal e o artigo 7º da Lei n. 8.429/92 [...].

Esta posição protetiva em favor do erário indicada na Lei de Improbidade Administrativa não é única no ordenamento brasileiro. O Decreto-Lei n. 3.240, de 1941, ainda em vigência, sujeita a sequestro os bens das pessoas indiciadas por crime de que resulta prejuízo para a Fazenda Pública. Esse “sequestro” não tem os mesmos requisitos de igual medida processual prevista no Código de Processo Penal, mas tem por finalidade obter o ressarcimento ao erário, tal qual a indisponibilidade na Ação de Improbidade Administrativa. Como se vê nos artigos abaixo destacados, também se exige somente a existência de fumus boni juris, caracterizados sob

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25 TJSP, 9ª Câm. de Direito Público, AgI 149.514-5/1, São Paulo, Rel. Des. Gonzaga Franceschini, 21-6-2000, v.u.

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a forma de “indícios veementes da responsabilidade” (que é quase a mesma redação contida na lei de improbidade).

Decreto-Lei nº 3.240/41:Artigo 3º. Para a decretação do seqüestro é necessário que haja indícios veementes da responsabilidade, os quais serão comunicados ao juiz em segredo, por escrito ou por declarações orais reduzidas a termo, e com indicação dos bens que devam ser objeto da medida.Artigo 4.º O seqüestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender os bens em poder de terceiros desde que estes os tenham adquiridos dolosamente, ou com culpa grave. (negritos nossos)

Igualmente aliada à defesa ao erário é também a previsão da hipoteca legal sobre os bens dos agentes públicos, nos termos do Código Civil abaixo destacado. Nele sequer há previsão de qualquer indício de irregularidade para a previsão da medida, para que se garanta, para a fazenda pública, direito sobre o bem de seus agentes:

Código Civil de 2002:Art. 1.489. A lei confere hipoteca: I – às pessoas de direito público interno (art. 41) sobre os imóveis pertencentes aos encarregados de cobrança, guarda ou administração dos respectivos fundos e rendas;II – aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias antes de fazer o inventário do casal anterior;III- ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqüente, para a satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais;IV – ao co-herdeiro, para a garantia do seu quinhão ou torna na partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente;V – ao credor sobre o imóvel arrematado, para a garantia do pagamento do restante do preço da arrematação.

Acerca da vulnerabilidade do Estado e a necessidade de protegê-lo de forma diferenciada, arguta é a colocação de José dos Santos Carvalho Filho, no trecho de sua obra em que comenta a hipoteca legal sobre os bens de agentes públicos prevista no artigo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 59

827 do Código Civil de 1916, de redação assemelhada:

As pessoas jurídicas de Direito Público são representadas pelos seus administradores, os quais, por elas, gerem seus negócios. E é nesse mesmo sentido que se costuma dizer que a Fazenda Pública é equiparada, quanto à sua posição jurídica e encarada como pessoa civil, aos menores e incapazes – res publicam ut pupillum extra ordinem juvari moris est, justificando-se, por isso, a hipoteca legal que a lei lhe confere sobre os imóveis dos tesoureiros, etc. Até mesmo porque, não podendo por si administrar os bens próprios, é obrigada a confiá-los à administração de outros, que agem em seu nome e interesse, por força de representação, garantindo a lei esses direitos pertencentes a tais pessoas, por serem eles destinados a serviços públicos, o que explica porque a lei não outorga também a hipoteca legal em se tratando de pessoa

26jurídica de direito privado. (negritos nossos)

Enfim, é esta posição de vulnerabilidade da Fazenda Pública que justifica seu tratamento privilegiado para se prevenir contra os corruptos de toda sorte. De modo que acertada é a posição da doutrina e dos julgados colacionados no sentido de que bastam os “indícios fundados de responsabilidade” para o decreto da indisponibilidade de bens. E aceitável também é a posição daqueles que se inclinam no sentido da suposição de um perigo na demora presumida, raciocínio que mais se mostra ser feito para o fim da respeitável preocupação dos autores em, numa visão sistemática, não aceitar uma medida cautelar que prescinda de um

27dos dois requisitos das cautelares em geral .Desnecessário, outrossim, exigir prova de que os

26 CARVALHO FILHO, J. dos S. Código Civil brasileiro interpretado. v. X. 18. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 1961. p. 431.

27 Não nos olvidamos de reconhecer também haver autores de renome que não dispensam nem o fumus boni iuris, tampouco o periculum in mora, para o decreto da indisponibilidade de bens em tela. Nesse sentido, FAZZIO JÚNIOR, W. Atos de Improbidade Administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2007. p. 276.

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a forma de “indícios veementes da responsabilidade” (que é quase a mesma redação contida na lei de improbidade).

Decreto-Lei nº 3.240/41:Artigo 3º. Para a decretação do seqüestro é necessário que haja indícios veementes da responsabilidade, os quais serão comunicados ao juiz em segredo, por escrito ou por declarações orais reduzidas a termo, e com indicação dos bens que devam ser objeto da medida.Artigo 4.º O seqüestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender os bens em poder de terceiros desde que estes os tenham adquiridos dolosamente, ou com culpa grave. (negritos nossos)

Igualmente aliada à defesa ao erário é também a previsão da hipoteca legal sobre os bens dos agentes públicos, nos termos do Código Civil abaixo destacado. Nele sequer há previsão de qualquer indício de irregularidade para a previsão da medida, para que se garanta, para a fazenda pública, direito sobre o bem de seus agentes:

Código Civil de 2002:Art. 1.489. A lei confere hipoteca: I – às pessoas de direito público interno (art. 41) sobre os imóveis pertencentes aos encarregados de cobrança, guarda ou administração dos respectivos fundos e rendas;II – aos filhos, sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias antes de fazer o inventário do casal anterior;III- ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqüente, para a satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais;IV – ao co-herdeiro, para a garantia do seu quinhão ou torna na partilha, sobre o imóvel adjudicado ao herdeiro reponente;V – ao credor sobre o imóvel arrematado, para a garantia do pagamento do restante do preço da arrematação.

Acerca da vulnerabilidade do Estado e a necessidade de protegê-lo de forma diferenciada, arguta é a colocação de José dos Santos Carvalho Filho, no trecho de sua obra em que comenta a hipoteca legal sobre os bens de agentes públicos prevista no artigo

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827 do Código Civil de 1916, de redação assemelhada:

As pessoas jurídicas de Direito Público são representadas pelos seus administradores, os quais, por elas, gerem seus negócios. E é nesse mesmo sentido que se costuma dizer que a Fazenda Pública é equiparada, quanto à sua posição jurídica e encarada como pessoa civil, aos menores e incapazes – res publicam ut pupillum extra ordinem juvari moris est, justificando-se, por isso, a hipoteca legal que a lei lhe confere sobre os imóveis dos tesoureiros, etc. Até mesmo porque, não podendo por si administrar os bens próprios, é obrigada a confiá-los à administração de outros, que agem em seu nome e interesse, por força de representação, garantindo a lei esses direitos pertencentes a tais pessoas, por serem eles destinados a serviços públicos, o que explica porque a lei não outorga também a hipoteca legal em se tratando de pessoa

26jurídica de direito privado. (negritos nossos)

Enfim, é esta posição de vulnerabilidade da Fazenda Pública que justifica seu tratamento privilegiado para se prevenir contra os corruptos de toda sorte. De modo que acertada é a posição da doutrina e dos julgados colacionados no sentido de que bastam os “indícios fundados de responsabilidade” para o decreto da indisponibilidade de bens. E aceitável também é a posição daqueles que se inclinam no sentido da suposição de um perigo na demora presumida, raciocínio que mais se mostra ser feito para o fim da respeitável preocupação dos autores em, numa visão sistemática, não aceitar uma medida cautelar que prescinda de um

27dos dois requisitos das cautelares em geral .Desnecessário, outrossim, exigir prova de que os

26 CARVALHO FILHO, J. dos S. Código Civil brasileiro interpretado. v. X. 18. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 1961. p. 431.

27 Não nos olvidamos de reconhecer também haver autores de renome que não dispensam nem o fumus boni iuris, tampouco o periculum in mora, para o decreto da indisponibilidade de bens em tela. Nesse sentido, FAZZIO JÚNIOR, W. Atos de Improbidade Administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2007. p. 276.

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requeridos estejam na iminência de dilapidar seu patrimônio, gravá-los de quaisquer ônus, transmitir ao nome de terceiros, ou qualquer das hipóteses previstas no artigo 813 do CPC (aliás, esse artigo, no inciso IV, além da enumeração exemplificativa, estende a concessão da medida para os “demais casos expressos em lei”). Ora, se o próprio arresto do CPC prevê a possibilidade de sua aplicação em hipótese que venha a ser prevista em lei, a indisponibilidade de bens, de que se cuida neste trabalho, muito mais poderá valer-se, tão-somente, dos dispositivos da lei especial que a concretizou, em razão de seu berço constitucional, sem depender do CPC para completar-lhe o sentido.

Aparentemente, os Ministros do STJ sentem-se em dificuldades para aceitar a existência de uma medida cautelar que possa ser legalmente aplicada prescindindo da ocorrência do periculum in mora, a ponto de, em caso determinado, anular um julgamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por não tê-lo

28analisado . Contudo, conferindo suas decisões, observamos que, embora não admitam a desnecessidade de prova do periculum in mora, por muitas vezes não apontam, nas decisões, os fatos nos autos que o caracterizam, ou apontam fatos que não são, em verdade, configuradores do requisito. Interessante verificar o conteúdo das decisões e ementas proferidas em REsp

29 30 31220.088/SP , AgRg no REsp. 731108/PR , no REsp 958582/MG

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32e no REsp 956039/PR .

Indisponibilidade de todos os bens do administrador ímprobo

33Há no Superior Tribunal de Justiça duas decisões da 1ª Turma , em que em ambas se consignou que a “indisponibilidade de bens, para os efeitos da Lei n. 8.429/92, só pode ser efetivada sobre os adquiridos posteriormente aos atos supostamente de improbidade”. Data venia, foram equivocadas tais decisões, como esclareceremos adiante.

A crítica aos referidos acórdãos provém de vários doutrinadores. Destacamos a posição de Rogério Pacheco Alves, em relação ao tema, e sua crítica expressa à decisão de mesmo teor da acima contida, no REsp. n. 196.932-SP, DJ de 10/5/99, como se segue:

A obrigação de reparar o dano é regra que se extrai do art. 159 do CC, tendo merecido expressa referência por parte do texto constitucional (art. 37, § 4.º) e pela própria Lei de Improbidade (art. 5.º).

28 REsp. 905.035/SC, Rel. Min. Castro Meira, T2, j. 04.09.2007. “1. O fato de ser admitida a petição inicial da ação de improbidade não gera presunção de que o réu irá desviar ou dilapidar seu patrimônio a ponto de dispensar a necessária configuração do periculum in mora para o deferimento do pedido liminar de indisponibilidade de bens. 2. Acórdão que entendeu desnecessária a análise acerca do periculum in mora para a concessão da liminar é nulo”. São citados os precedentes do REsp 469.366/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 02.06.2003 e o REsp 731109/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 20.03.2006.

29 REsp 220.088/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, T2, 02.08.2001, DJ 15.10.2001 p.255, RSTJ v. 150, p. 194. “2. Evidenciadas a relevância do pedido de indisponibilidade dos bens do recorrente e o perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação, devido à escassez dos referidos bens, não havia como negar a liminar pleiteada”.

30 REsp 731109/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, T2, j. 02.02.2006, DJ 20.03.06. “A indisponibilidade de bens prevista no art. 7.º da Lei n. 8.429/92 depende da existência de fortes indícios de que o ente público atingido por ato de improbidade tenha sido defraudado patrimonialmente ou de que o agente

do ato tenha-se enriquecido em conseqüência de resultados advindos do ato ilícito”.

31 REsp 958582/MG, Rel. Min. José Delgado, T1, j. 06.03.2008, Dje 04.08.2008. “há de ser aplicado o art. 7.º da Lei n. 8.429, de 1992, quando em ação de improbidade administrativa há evidente caracterização de que os réus causaram prejuízos aos cofres públicos na ordem de R$ 26.518.122,51. 2. Necessidade imperiosa de indisponibilidade de bens dos promovidos. Presença de fumaça do bom direito e do “periculum in mora”. No voto do relator destaca-se, ainda, “Os paradigmas [...] evidenciados pelo MPE/MG são suficientes para demonstrar a inclinação do STJ em manter liminares determinadoras de indisponibilidade de bens quando demonstrada a suficiência de indícios da prática de atos de improbidade administrativa”.

32 AgRg no REsp 956039/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, T1, j. 03.06.2008, Dje 07.08.2008. “Segundo consta do arresto recorrido, os atos de improbidade administrativa alegados pelo agravado estão, ao menos em tese, configurados, assim como demonstrado está o prejuízo causado aos cofres públicos. Restou evidenciada, portanto, a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, a ensejar o deferimento da liminar para a indisponibilidade de bens do agravante”.

33 Relator o Ministro José Delgado, AgRg no REsp 422583/PR, julgado em 20.06.2002, publicado em 20.06.2002 DJ 09.09.2002, p. 175, e RTSJ v. 161, p. 54; e o AGREsp nº 433.357/RS, julgado em 17.09.2002, publicado no DJ de 21.10.2002, p. 295.

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requeridos estejam na iminência de dilapidar seu patrimônio, gravá-los de quaisquer ônus, transmitir ao nome de terceiros, ou qualquer das hipóteses previstas no artigo 813 do CPC (aliás, esse artigo, no inciso IV, além da enumeração exemplificativa, estende a concessão da medida para os “demais casos expressos em lei”). Ora, se o próprio arresto do CPC prevê a possibilidade de sua aplicação em hipótese que venha a ser prevista em lei, a indisponibilidade de bens, de que se cuida neste trabalho, muito mais poderá valer-se, tão-somente, dos dispositivos da lei especial que a concretizou, em razão de seu berço constitucional, sem depender do CPC para completar-lhe o sentido.

Aparentemente, os Ministros do STJ sentem-se em dificuldades para aceitar a existência de uma medida cautelar que possa ser legalmente aplicada prescindindo da ocorrência do periculum in mora, a ponto de, em caso determinado, anular um julgamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por não tê-lo

28analisado . Contudo, conferindo suas decisões, observamos que, embora não admitam a desnecessidade de prova do periculum in mora, por muitas vezes não apontam, nas decisões, os fatos nos autos que o caracterizam, ou apontam fatos que não são, em verdade, configuradores do requisito. Interessante verificar o conteúdo das decisões e ementas proferidas em REsp

29 30 31220.088/SP , AgRg no REsp. 731108/PR , no REsp 958582/MG

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32e no REsp 956039/PR .

Indisponibilidade de todos os bens do administrador ímprobo

33Há no Superior Tribunal de Justiça duas decisões da 1ª Turma , em que em ambas se consignou que a “indisponibilidade de bens, para os efeitos da Lei n. 8.429/92, só pode ser efetivada sobre os adquiridos posteriormente aos atos supostamente de improbidade”. Data venia, foram equivocadas tais decisões, como esclareceremos adiante.

A crítica aos referidos acórdãos provém de vários doutrinadores. Destacamos a posição de Rogério Pacheco Alves, em relação ao tema, e sua crítica expressa à decisão de mesmo teor da acima contida, no REsp. n. 196.932-SP, DJ de 10/5/99, como se segue:

A obrigação de reparar o dano é regra que se extrai do art. 159 do CC, tendo merecido expressa referência por parte do texto constitucional (art. 37, § 4.º) e pela própria Lei de Improbidade (art. 5.º).

28 REsp. 905.035/SC, Rel. Min. Castro Meira, T2, j. 04.09.2007. “1. O fato de ser admitida a petição inicial da ação de improbidade não gera presunção de que o réu irá desviar ou dilapidar seu patrimônio a ponto de dispensar a necessária configuração do periculum in mora para o deferimento do pedido liminar de indisponibilidade de bens. 2. Acórdão que entendeu desnecessária a análise acerca do periculum in mora para a concessão da liminar é nulo”. São citados os precedentes do REsp 469.366/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 02.06.2003 e o REsp 731109/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 20.03.2006.

29 REsp 220.088/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, T2, 02.08.2001, DJ 15.10.2001 p.255, RSTJ v. 150, p. 194. “2. Evidenciadas a relevância do pedido de indisponibilidade dos bens do recorrente e o perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação, devido à escassez dos referidos bens, não havia como negar a liminar pleiteada”.

30 REsp 731109/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, T2, j. 02.02.2006, DJ 20.03.06. “A indisponibilidade de bens prevista no art. 7.º da Lei n. 8.429/92 depende da existência de fortes indícios de que o ente público atingido por ato de improbidade tenha sido defraudado patrimonialmente ou de que o agente

do ato tenha-se enriquecido em conseqüência de resultados advindos do ato ilícito”.

31 REsp 958582/MG, Rel. Min. José Delgado, T1, j. 06.03.2008, Dje 04.08.2008. “há de ser aplicado o art. 7.º da Lei n. 8.429, de 1992, quando em ação de improbidade administrativa há evidente caracterização de que os réus causaram prejuízos aos cofres públicos na ordem de R$ 26.518.122,51. 2. Necessidade imperiosa de indisponibilidade de bens dos promovidos. Presença de fumaça do bom direito e do “periculum in mora”. No voto do relator destaca-se, ainda, “Os paradigmas [...] evidenciados pelo MPE/MG são suficientes para demonstrar a inclinação do STJ em manter liminares determinadoras de indisponibilidade de bens quando demonstrada a suficiência de indícios da prática de atos de improbidade administrativa”.

32 AgRg no REsp 956039/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, T1, j. 03.06.2008, Dje 07.08.2008. “Segundo consta do arresto recorrido, os atos de improbidade administrativa alegados pelo agravado estão, ao menos em tese, configurados, assim como demonstrado está o prejuízo causado aos cofres públicos. Restou evidenciada, portanto, a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, a ensejar o deferimento da liminar para a indisponibilidade de bens do agravante”.

33 Relator o Ministro José Delgado, AgRg no REsp 422583/PR, julgado em 20.06.2002, publicado em 20.06.2002 DJ 09.09.2002, p. 175, e RTSJ v. 161, p. 54; e o AGREsp nº 433.357/RS, julgado em 17.09.2002, publicado no DJ de 21.10.2002, p. 295.

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Trata-se, como visto amplamente no tópico 54 da primeira parte desta obra, de um princípio geral do direito e que pressupõe: a) a ação ou omissão do agente, residindo um elemento volitivo no dolo ou na culpa; b) a constatação do dano, que pode ser material ou moral; c) a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano verificado; d) que da conduta do agente surja o dever jurídico de reparação. Deste modo, verificada, a partir da disciplina contida no art. 10 da Lei nº 8.429/92, a ocorrência de ‘lesão ao erário’ (rectius: ao patrimônio público), o acervo patrimonial do agente, presente e futuro (v.g. créditos sujeitos a condição suspensiva ou resolutiva), estará sujeito à responsabilização.

Em nota de rodapé, complementa o autor:

Equivocado, assim, data venia, o entendimento encampado pela 1ª T. do STJ no sentido de que, em se tratando de dano ao patrimônio público, somente os bens ‘adquiridos’ após o ato tido como criminoso’ (rectius: “como de improbidade”) poderiam ser objeto de constrição (REsp. nº 196.932/SP, un., DJ 10/5/1999). Restringir a efetividade da reparação do dano de tal forma importa em responsabilizar de modo mais severo aquele que não possui qualquer vínculo com o ente estatal, que responde por seus atos com todo o seu patrimônio. [Fim da nota]Aplicando-se aqui, a regra geral de que o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo restrições estabelecidas em lei (art. 591 do CPC). Também o patrimônio do extraneus que tenha auferido benefícios da improbidade (v.g.: a pessoa jurídica que se beneficiou de uma licitação superfaturada). O desiderato de “integral reparação do dano” será alcançado assim, por intermédio da decretação da indisponibilidade de tantos bens de expressão econômica (dinheiro, móveis, imóveis, veículos, ações, créditos de um modo gera l e tc . ) quan tos bas tem ao

34restabelecimento do status quo ante.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 63

Ainda mais incisiva é a crítica de Emerson Garcia à decisão mais antiga, o RMS n. 6.182-DF, Relator designado Min. Adhemar Maciel, 2ª Turma, julgado em 20/02/97, DJ de 01/12/97. Destacamos o trecho seguinte:

Tal decisão, não obstante o brilho do órgão julgador, caminha em norte contrário a séculos de evolução da ciência jurídica, culminando em afastar o princípio de que o devedor responde com seu patrimônio pelos atos que praticar, importante conquista da humanidade e que afastou a crueldade das sanções corporais preteritamente impostas ao devedor inadimplente. De acordo com esse princípio, tanto os bens existentes por ocasião da causação do dano, que originou o dever de reparar, como aqueles posteriormente adquiridos, ressalvadas as exceções legais, poderão ser penhorados para satisfazer o débito existente. [...] O dever de reparar o dano causado a outrem preexistia à Lei nº 8.429/92, no mínimo desde o

35direito romano.

Acrescente-se que a própria Lei n. 8.429/92, embora não precisasse dizer, enfaticamente, destacou no artigo 7º, parágrafo único, sobre quais bens deve recair a restrição, verbis:

Art. 7º Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. (negritos nossos)

Ora, não há distinção para que a indisponibilidade recaia somente sobre os bens adquiridos após os atos de improbidade, sendo regra elementar de hermenêutica que, onde não há distinção

34 ALVES; GARCIA, op. cit., p. 827-828.35 Idem, ibidem, p. 481.

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Trata-se, como visto amplamente no tópico 54 da primeira parte desta obra, de um princípio geral do direito e que pressupõe: a) a ação ou omissão do agente, residindo um elemento volitivo no dolo ou na culpa; b) a constatação do dano, que pode ser material ou moral; c) a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano verificado; d) que da conduta do agente surja o dever jurídico de reparação. Deste modo, verificada, a partir da disciplina contida no art. 10 da Lei nº 8.429/92, a ocorrência de ‘lesão ao erário’ (rectius: ao patrimônio público), o acervo patrimonial do agente, presente e futuro (v.g. créditos sujeitos a condição suspensiva ou resolutiva), estará sujeito à responsabilização.

Em nota de rodapé, complementa o autor:

Equivocado, assim, data venia, o entendimento encampado pela 1ª T. do STJ no sentido de que, em se tratando de dano ao patrimônio público, somente os bens ‘adquiridos’ após o ato tido como criminoso’ (rectius: “como de improbidade”) poderiam ser objeto de constrição (REsp. nº 196.932/SP, un., DJ 10/5/1999). Restringir a efetividade da reparação do dano de tal forma importa em responsabilizar de modo mais severo aquele que não possui qualquer vínculo com o ente estatal, que responde por seus atos com todo o seu patrimônio. [Fim da nota]Aplicando-se aqui, a regra geral de que o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo restrições estabelecidas em lei (art. 591 do CPC). Também o patrimônio do extraneus que tenha auferido benefícios da improbidade (v.g.: a pessoa jurídica que se beneficiou de uma licitação superfaturada). O desiderato de “integral reparação do dano” será alcançado assim, por intermédio da decretação da indisponibilidade de tantos bens de expressão econômica (dinheiro, móveis, imóveis, veículos, ações, créditos de um modo gera l e tc . ) quan tos bas tem ao

34restabelecimento do status quo ante.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 63

Ainda mais incisiva é a crítica de Emerson Garcia à decisão mais antiga, o RMS n. 6.182-DF, Relator designado Min. Adhemar Maciel, 2ª Turma, julgado em 20/02/97, DJ de 01/12/97. Destacamos o trecho seguinte:

Tal decisão, não obstante o brilho do órgão julgador, caminha em norte contrário a séculos de evolução da ciência jurídica, culminando em afastar o princípio de que o devedor responde com seu patrimônio pelos atos que praticar, importante conquista da humanidade e que afastou a crueldade das sanções corporais preteritamente impostas ao devedor inadimplente. De acordo com esse princípio, tanto os bens existentes por ocasião da causação do dano, que originou o dever de reparar, como aqueles posteriormente adquiridos, ressalvadas as exceções legais, poderão ser penhorados para satisfazer o débito existente. [...] O dever de reparar o dano causado a outrem preexistia à Lei nº 8.429/92, no mínimo desde o

35direito romano.

Acrescente-se que a própria Lei n. 8.429/92, embora não precisasse dizer, enfaticamente, destacou no artigo 7º, parágrafo único, sobre quais bens deve recair a restrição, verbis:

Art. 7º Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito. (negritos nossos)

Ora, não há distinção para que a indisponibilidade recaia somente sobre os bens adquiridos após os atos de improbidade, sendo regra elementar de hermenêutica que, onde não há distinção

34 ALVES; GARCIA, op. cit., p. 827-828.35 Idem, ibidem, p. 481.

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na lei, não cabe ao intérprete distinguir. Portanto, todos os bens do indiciado, presentes ou créditos

que venha a receber no futuro, estão sujeitos à medida cautelar que se mostra útil ao ressarcimento, como tanto tem frisado, corretamente, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

O Código Civil é claro ao prescrever: “Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”. Também o Código de Processo Civil, de forma cristalina, expressa: “Art. 591. O devedor responde, para cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

Não há, portanto, excepcionalidade legal prevista para conferir blindagem aos bens do agente ímprobo (sobre a indisponibilidade de bem de família, ver adiante). A decisão de protegê-lo beira ao absurdo, razão por que fomos pesquisar a origem da referida decisão do STJ, que encontrou eco em julgados isolados de alguns outros Tribunais estaduais aplicados em situação muito diversa da que foi julgada no RMS n. 6.182 (95.044473-9) – Distrito Federal.

A olvidada e mais importante característica do RMS 6.182 é o fato de que, ao requerido naqueles autos, João Alves de Almeida – que ficou conhecido como o “anão do orçamento” –, imputava-se o ato ímprobo previsto no artigo 9º, VII da L.I.A., a saber: “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”. Ora, trata-se de um dos raros casos de ato de improbidade que importa em enriquecimento ilícito dentre os previstos no artigo 9º, que não decorre, por si só, em prejuízo ao erário (a não ser o prejuízo ao patrimônio moral do ente público, que sequer foi cogitado naqueles autos).

Portanto, naquele caso específico do RMS 6.182, uma vez que não havia prova de dano ao erário, excepcionalmente caberia, de fato, reconhecer que os bens adquiridos antes do ato ímprobo imputado estariam excluídos do sequestro.

Ocorre que uma pequena frase da ementa passou a ser utilizada em outros contextos de ação de improbidade e acabou por angariar decisões em outros tribunais estaduais. Esqueceram que

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“Exceptiones sunt strictissimae interpretaciones” (interpretam-se as exceções estritíssimamente). Carlos Maximiliano, em obra clássica, já alertava para os riscos de apontar arrestos sem a devida interpretação:

Em virtude da lei do menor esforço e também para assegurarem os advogados e o êxito os juízes inferiores a manutenção de suas sentenças, do que muitos se vangloriam, preferem, causídicos e magistrados, às exposições sistemáticas de doutrina jurídica os repositórios de jurisprudência. Basta uma consulta rápida a um índice alfabético para ficar um caso liquidado, com as razões na aparência documentadas cientificamente. Por isso, os repertórios de decisões, um resumo, simples compilações obtém esplêndido êxito de livrarias. Há verdadeiro fanatismo pelos acórdãos: dentre os freqüentadores dos pretórios, são muitos os que se rebelam contra uma doutrina; ao passo que rareiam

36os que ousam discutir um julgado.

O patrono da causa, advogado de João Alves de Almeida, o eminente hoje ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Veloso Filho, que abriu o precedente, anos após a decisão foi convidado a escrever sobre a polêmica decisão. Em artigo, após esclarecimento do contexto em que foi julgado o RMS 6.182, expressou que apenas nos casos de enriquecimento ilícito sem prejuízo ao erário é que se pode cogitar que a medida de sequestro ficaria restrita aos bens adquiridos posteriormente. Sua conclusão é a que se segue:

61. Óbvio, todavia, que o entendimento supra só vale para os casos em que se imputa ao agente apenas o enriquecimento ilícito, sem se cogitar de dano ao erário, tal como versado no precedente jurisprudencial colacionado (STJ, RMS 6.182). 62. Se a hipótese for de improbidade causadora de lesão aos cofres públicos a indisponibilidade deverá alcançar tantos bens quantos forem

36 MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do Direito. São Paulo: Freitas Bastos, 1951. p. 223.

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na lei, não cabe ao intérprete distinguir. Portanto, todos os bens do indiciado, presentes ou créditos

que venha a receber no futuro, estão sujeitos à medida cautelar que se mostra útil ao ressarcimento, como tanto tem frisado, corretamente, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

O Código Civil é claro ao prescrever: “Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”. Também o Código de Processo Civil, de forma cristalina, expressa: “Art. 591. O devedor responde, para cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

Não há, portanto, excepcionalidade legal prevista para conferir blindagem aos bens do agente ímprobo (sobre a indisponibilidade de bem de família, ver adiante). A decisão de protegê-lo beira ao absurdo, razão por que fomos pesquisar a origem da referida decisão do STJ, que encontrou eco em julgados isolados de alguns outros Tribunais estaduais aplicados em situação muito diversa da que foi julgada no RMS n. 6.182 (95.044473-9) – Distrito Federal.

A olvidada e mais importante característica do RMS 6.182 é o fato de que, ao requerido naqueles autos, João Alves de Almeida – que ficou conhecido como o “anão do orçamento” –, imputava-se o ato ímprobo previsto no artigo 9º, VII da L.I.A., a saber: “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”. Ora, trata-se de um dos raros casos de ato de improbidade que importa em enriquecimento ilícito dentre os previstos no artigo 9º, que não decorre, por si só, em prejuízo ao erário (a não ser o prejuízo ao patrimônio moral do ente público, que sequer foi cogitado naqueles autos).

Portanto, naquele caso específico do RMS 6.182, uma vez que não havia prova de dano ao erário, excepcionalmente caberia, de fato, reconhecer que os bens adquiridos antes do ato ímprobo imputado estariam excluídos do sequestro.

Ocorre que uma pequena frase da ementa passou a ser utilizada em outros contextos de ação de improbidade e acabou por angariar decisões em outros tribunais estaduais. Esqueceram que

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“Exceptiones sunt strictissimae interpretaciones” (interpretam-se as exceções estritíssimamente). Carlos Maximiliano, em obra clássica, já alertava para os riscos de apontar arrestos sem a devida interpretação:

Em virtude da lei do menor esforço e também para assegurarem os advogados e o êxito os juízes inferiores a manutenção de suas sentenças, do que muitos se vangloriam, preferem, causídicos e magistrados, às exposições sistemáticas de doutrina jurídica os repositórios de jurisprudência. Basta uma consulta rápida a um índice alfabético para ficar um caso liquidado, com as razões na aparência documentadas cientificamente. Por isso, os repertórios de decisões, um resumo, simples compilações obtém esplêndido êxito de livrarias. Há verdadeiro fanatismo pelos acórdãos: dentre os freqüentadores dos pretórios, são muitos os que se rebelam contra uma doutrina; ao passo que rareiam

36os que ousam discutir um julgado.

O patrono da causa, advogado de João Alves de Almeida, o eminente hoje ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Veloso Filho, que abriu o precedente, anos após a decisão foi convidado a escrever sobre a polêmica decisão. Em artigo, após esclarecimento do contexto em que foi julgado o RMS 6.182, expressou que apenas nos casos de enriquecimento ilícito sem prejuízo ao erário é que se pode cogitar que a medida de sequestro ficaria restrita aos bens adquiridos posteriormente. Sua conclusão é a que se segue:

61. Óbvio, todavia, que o entendimento supra só vale para os casos em que se imputa ao agente apenas o enriquecimento ilícito, sem se cogitar de dano ao erário, tal como versado no precedente jurisprudencial colacionado (STJ, RMS 6.182). 62. Se a hipótese for de improbidade causadora de lesão aos cofres públicos a indisponibilidade deverá alcançar tantos bens quantos forem

36 MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e aplicação do Direito. São Paulo: Freitas Bastos, 1951. p. 223.

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37 VELOSO FILHO, C. M. da. A indisponibilidade de bens na Lei 8.429 de 1992. In: BUENO; PORTO FILHO, op. cit. p. 127-128.

suficientes ao ressarcimento do erário, sejam eles adquiridos antes ou depois da prática do ilícito. 63. Tal conclusão, aliás, decorre da literal interpretação do art. 7.º, parágrafo único, da Lei 8.429, de 1992, onde se lê que “a indisponibilidade [...] recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano [...] 7. Conclusões [...] VII No caso de lesão ao erário a indisponibilidade deve recair sobre quantos bens bastem para garantir o ressarcimento do dano, tenham sido eles adquiridos anteriormente ou posteriormente à

37prática da improbidade”.

Felizmente, constatado o erro grave decorrente da interpretação parcial do RMS 6.182 e sua aplicação em outros contextos, já surgiram julgados no STJ no mesmo sentido do posicionamento que ora desenvolvemos. Em nossa pesquisa, encontramos o REsp 439918/SP, 1ª Turma, Relatora a Ministra Denise Arruda, julgado em 03.11.2005; REsp 401536/MG, 1ª Turma, Rela. Denise Arruda, julgado em 06.12.2005; e, também, o REsp 781431/BA, 1ª Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, julgado em 28.11.2006, cuja ementa, por ser a mais recente, transcrevemos:

A D M I N I S T R AT I V O . I M P R O B I D A D E ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. REQUISITOS PARA A DECRETAÇÃO DA LIMINAR. SÚMULA Nº 07/STJ. INDISPONIBILIDADE DE BENS ADQUIRIDOS DEPOIS DA SUPOSTA PRÁTICA DO ATO ÍMPROBO. M O N TA N T E S U F I C I E N T E PA R A O R E S S A R C I M E N T O D O D A N O . DIMENSIONAMENTO. JUÍZO DE ORIGEM. I – A acusação que pesa contra o recorrente é pela suposta prática de ato de improbidade, no exercício do cargo de prefeito da cidade de Ilhéus-BA, entre os anos de 1993 e 1996, consistente na contratação de pessoal sem a realização de concurso público.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 67

II – Em ação civil pública, com base no conjunto probatório dos autos, foi concedida liminar tornando-se indisponíveis os bens do ex-administrador municipal, no limite da lesão praticada contra o erário público. Para dar relevo à irresignação do recorrente no sentido de que inexistiriam os requisitos autorizadores da tutela de urgência, ter-se-ia impositivo o reexame dos elementos fáticos constantes dos autos, o que é vedado a esta Corte Superior no âmbito do recurso especial. Incidência da súmula 7/STJ.III – Deve ser afastada a alegada violação ao artigo 535 do CPC, uma vez que o Tribunal a quo julgou satisfatoriamente a lide, pronunciando-se sobre o tema proposto, deixando claro que a indisponibilidade de bens deveria recair somente sobre o montante correspondente ao dano provocado e à multa civil, entretanto, com dimensionamento oportunamente apreciado pelo juízo de origem.IV – Consoante o disposto no art. 7.º da Lei nº 8.429/92, a indisponibilidade incidirá sobre tantos bens quantos forem necessários ao ressarcimento do dano ou acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito, podendo recair sobre quaisquer bens do agente acusado, independentemente de terem sido adquiridos antes ou depois do ato supostamente ímprobo. Precedentes: AgRg na MC n.º 11.139/SP, FRANCISCO FALCÃO, DJ de 27.03.2006 e REsp n. 401.536/MG, Rela. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 06/02/2006. V – A determinação do Tribunal a quo, no sentido de deixar para o Juízo de origem, no momento da efetivação do bloqueio, o dimensionamento dos danos a serem ressarcidos com o fito de delimitar a medida de indisponibilidade dos bens do agente acusado de improbidade vai ao encontro da dicção plasmada no art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa, porquanto não determina o bloqueio ilimitado de bens.

38VI – Recurso especial improvido. (negritos nossos)

38 STJ. REsp 781431 / BA, Rel. Min. Francisco Falcão, T1, D. J. 28/11/2006, DP 14.12.2006, p. 274.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200966

37 VELOSO FILHO, C. M. da. A indisponibilidade de bens na Lei 8.429 de 1992. In: BUENO; PORTO FILHO, op. cit. p. 127-128.

suficientes ao ressarcimento do erário, sejam eles adquiridos antes ou depois da prática do ilícito. 63. Tal conclusão, aliás, decorre da literal interpretação do art. 7.º, parágrafo único, da Lei 8.429, de 1992, onde se lê que “a indisponibilidade [...] recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano [...] 7. Conclusões [...] VII No caso de lesão ao erário a indisponibilidade deve recair sobre quantos bens bastem para garantir o ressarcimento do dano, tenham sido eles adquiridos anteriormente ou posteriormente à

37prática da improbidade”.

Felizmente, constatado o erro grave decorrente da interpretação parcial do RMS 6.182 e sua aplicação em outros contextos, já surgiram julgados no STJ no mesmo sentido do posicionamento que ora desenvolvemos. Em nossa pesquisa, encontramos o REsp 439918/SP, 1ª Turma, Relatora a Ministra Denise Arruda, julgado em 03.11.2005; REsp 401536/MG, 1ª Turma, Rela. Denise Arruda, julgado em 06.12.2005; e, também, o REsp 781431/BA, 1ª Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, julgado em 28.11.2006, cuja ementa, por ser a mais recente, transcrevemos:

A D M I N I S T R AT I V O . I M P R O B I D A D E ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. REQUISITOS PARA A DECRETAÇÃO DA LIMINAR. SÚMULA Nº 07/STJ. INDISPONIBILIDADE DE BENS ADQUIRIDOS DEPOIS DA SUPOSTA PRÁTICA DO ATO ÍMPROBO. M O N TA N T E S U F I C I E N T E PA R A O R E S S A R C I M E N T O D O D A N O . DIMENSIONAMENTO. JUÍZO DE ORIGEM. I – A acusação que pesa contra o recorrente é pela suposta prática de ato de improbidade, no exercício do cargo de prefeito da cidade de Ilhéus-BA, entre os anos de 1993 e 1996, consistente na contratação de pessoal sem a realização de concurso público.

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II – Em ação civil pública, com base no conjunto probatório dos autos, foi concedida liminar tornando-se indisponíveis os bens do ex-administrador municipal, no limite da lesão praticada contra o erário público. Para dar relevo à irresignação do recorrente no sentido de que inexistiriam os requisitos autorizadores da tutela de urgência, ter-se-ia impositivo o reexame dos elementos fáticos constantes dos autos, o que é vedado a esta Corte Superior no âmbito do recurso especial. Incidência da súmula 7/STJ.III – Deve ser afastada a alegada violação ao artigo 535 do CPC, uma vez que o Tribunal a quo julgou satisfatoriamente a lide, pronunciando-se sobre o tema proposto, deixando claro que a indisponibilidade de bens deveria recair somente sobre o montante correspondente ao dano provocado e à multa civil, entretanto, com dimensionamento oportunamente apreciado pelo juízo de origem.IV – Consoante o disposto no art. 7.º da Lei nº 8.429/92, a indisponibilidade incidirá sobre tantos bens quantos forem necessários ao ressarcimento do dano ou acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito, podendo recair sobre quaisquer bens do agente acusado, independentemente de terem sido adquiridos antes ou depois do ato supostamente ímprobo. Precedentes: AgRg na MC n.º 11.139/SP, FRANCISCO FALCÃO, DJ de 27.03.2006 e REsp n. 401.536/MG, Rela. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 06/02/2006. V – A determinação do Tribunal a quo, no sentido de deixar para o Juízo de origem, no momento da efetivação do bloqueio, o dimensionamento dos danos a serem ressarcidos com o fito de delimitar a medida de indisponibilidade dos bens do agente acusado de improbidade vai ao encontro da dicção plasmada no art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa, porquanto não determina o bloqueio ilimitado de bens.

38VI – Recurso especial improvido. (negritos nossos)

38 STJ. REsp 781431 / BA, Rel. Min. Francisco Falcão, T1, D. J. 28/11/2006, DP 14.12.2006, p. 274.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200968

Ainda na mesma linha de entendimento, de que a constrição de bens necessários ao ressarcimento integral do dano deve alcançar também os bens adquiridos anteriormente ao ato de improbidade, continuam surgindo novas decisões no STJ, a exemplo da que foi proferida no REsp 762894/GO, Rel. Min. Denise Arruda, primeira turma, j. 24/06/2008, DJ 04/08/2008. Podemos inferir que, a bem da defesa do patrimônio público, aquela corte já efetivamente reverteu o posicionamento anterior, não sendo esperado novos retrocessos nesse sentido.

Outrossim, em julgados recentes no STJ tem surgido a discussão sobre a possibilidade de se colocar em situação de indisponibilidade o bem de família do agente ímprobo. No REsp. 806.301/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 11/12/2007, destaca-se:

[...] a indisponibilidade do sub examine atinge o bem de família que, por força da mens legis do

o 39inciso VI do art. 3 da Lei de Improbidade , quer pelo fato de que torna indisponível o bem; não significa expropriá-lo, o que conspira em prol dos propósitos da Lei 8.009/90. 5. A fortiori, o eventual caráter de bem de família dos imóveis nada i n t e r f e r e n a d e t e r m i n a ç ã o d e s u a indisponibilidade. Não se trata de penhora, mas, ao contrário, de impossibilidade de alienação, mormente porque a Lei nº 8.009/90 visa resguardar o lugar onde se estabelece o lar, impedindo alienação do bem onde se exerce a residência familiar. No caso, o perigo de alienação, para o agravante, não existe. Ao contrário, a indisponibilidade objetiva justamente impedir que o imóvel seja alienado e, caso julgado procedente o pedido formulado contra o agravante na ação de improbidade, assegurar o ressarcimento dos danos que porventura tenham sido causados ao erário.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 69

Pela unanimidade ao voto acima, nesse julgamento, os Ministros da Turma fizeram uma interpretação ampliativa do art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, para que a exceção à impenhorabilidade do bem de família valha, também, quando do cumprimento de sentença de

40ação de improbidade administrativa . Essa decisão é contrária à outra do STJ, que entendeu não haver exceção de impenhorabilidade de bem de família em se tratando de ação de indenização de ato ilícito

41(não criminal) – RTJ 104/332. Em alguns julgados os Ministros apontam, com razão, que somente no momento da execução/cumprimento de sentença é que se deve verificar a questão do bem de família, e não quando do decreto de indisponibilidade. Parece-nos difícil sustentar que o bem de família possa ser utilizado para ressarcimento ao erário em ação de natureza civil, dado o caráter excepcional do artigo 3º da Lei 8.009/90. Por outro lado, é bem razoável deixar a análise da impenhorabilidade do bem para o momento da penhora, eis que, entre o decreto da indisponibilidade e a penhora do bem pode se verificar a alteração da situação do bem ou, mesmo havendo falsidade na afirmação da condição de bem de família, permutas simuladas de bens, sonegação de bens, etc. Rogério Pacheco Alves bem lembra que,

[...] quando a conduta causadora de dano ao patrimônio público também caracterizar crime – hipótese bastante provável – e desde que haja sentença condenatória penal com trânsito em julgado, incabível será a oposição de impenhorabilidade de bem de família, aplicando-se o art. 3º, VI, da Lei nº 8.009, de

4229 de março de 1990.

40 Registro, contudo, que o Min. Teori Labino Zavaski, que votou no referido acórdão, mudou de posição no AgRg no Resp 956039, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 03.06.08, Dje 07.08.08, mas foi vencido pelos colegas. Em seu voto-vista, entendeu que o bem de família era impenhorável em ação civil pública de improbidade. Seu voto é sucinto, sem enfrentar os argumentos do Min. Luiz Fux.

41 REsp. nº 478.749/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 17/11/2003, p. 208: “[...] necessária a verificação dos fatos para a definição do momento em que foram adquiridos os bens cuja indisponibilidade foi decretada; se caracterizam-se como bem de família”, que é referido também em AgRg no REsp 956039/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 03.06.08, p. Dje 07.08.08.

42 ALVES; GARCIA, op. cit., p. 831.

39 Ao que tudo indica, o Ministro Relator quer referir-se ao artigo 3, VI da Lei 8.009/90, que tem a seguinte redação: “Artigo 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: [...] VI – por ter sido adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200968

Ainda na mesma linha de entendimento, de que a constrição de bens necessários ao ressarcimento integral do dano deve alcançar também os bens adquiridos anteriormente ao ato de improbidade, continuam surgindo novas decisões no STJ, a exemplo da que foi proferida no REsp 762894/GO, Rel. Min. Denise Arruda, primeira turma, j. 24/06/2008, DJ 04/08/2008. Podemos inferir que, a bem da defesa do patrimônio público, aquela corte já efetivamente reverteu o posicionamento anterior, não sendo esperado novos retrocessos nesse sentido.

Outrossim, em julgados recentes no STJ tem surgido a discussão sobre a possibilidade de se colocar em situação de indisponibilidade o bem de família do agente ímprobo. No REsp. 806.301/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 11/12/2007, destaca-se:

[...] a indisponibilidade do sub examine atinge o bem de família que, por força da mens legis do

o 39inciso VI do art. 3 da Lei de Improbidade , quer pelo fato de que torna indisponível o bem; não significa expropriá-lo, o que conspira em prol dos propósitos da Lei 8.009/90. 5. A fortiori, o eventual caráter de bem de família dos imóveis nada i n t e r f e r e n a d e t e r m i n a ç ã o d e s u a indisponibilidade. Não se trata de penhora, mas, ao contrário, de impossibilidade de alienação, mormente porque a Lei nº 8.009/90 visa resguardar o lugar onde se estabelece o lar, impedindo alienação do bem onde se exerce a residência familiar. No caso, o perigo de alienação, para o agravante, não existe. Ao contrário, a indisponibilidade objetiva justamente impedir que o imóvel seja alienado e, caso julgado procedente o pedido formulado contra o agravante na ação de improbidade, assegurar o ressarcimento dos danos que porventura tenham sido causados ao erário.

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Pela unanimidade ao voto acima, nesse julgamento, os Ministros da Turma fizeram uma interpretação ampliativa do art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, para que a exceção à impenhorabilidade do bem de família valha, também, quando do cumprimento de sentença de

40ação de improbidade administrativa . Essa decisão é contrária à outra do STJ, que entendeu não haver exceção de impenhorabilidade de bem de família em se tratando de ação de indenização de ato ilícito

41(não criminal) – RTJ 104/332. Em alguns julgados os Ministros apontam, com razão, que somente no momento da execução/cumprimento de sentença é que se deve verificar a questão do bem de família, e não quando do decreto de indisponibilidade. Parece-nos difícil sustentar que o bem de família possa ser utilizado para ressarcimento ao erário em ação de natureza civil, dado o caráter excepcional do artigo 3º da Lei 8.009/90. Por outro lado, é bem razoável deixar a análise da impenhorabilidade do bem para o momento da penhora, eis que, entre o decreto da indisponibilidade e a penhora do bem pode se verificar a alteração da situação do bem ou, mesmo havendo falsidade na afirmação da condição de bem de família, permutas simuladas de bens, sonegação de bens, etc. Rogério Pacheco Alves bem lembra que,

[...] quando a conduta causadora de dano ao patrimônio público também caracterizar crime – hipótese bastante provável – e desde que haja sentença condenatória penal com trânsito em julgado, incabível será a oposição de impenhorabilidade de bem de família, aplicando-se o art. 3º, VI, da Lei nº 8.009, de

4229 de março de 1990.

40 Registro, contudo, que o Min. Teori Labino Zavaski, que votou no referido acórdão, mudou de posição no AgRg no Resp 956039, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 03.06.08, Dje 07.08.08, mas foi vencido pelos colegas. Em seu voto-vista, entendeu que o bem de família era impenhorável em ação civil pública de improbidade. Seu voto é sucinto, sem enfrentar os argumentos do Min. Luiz Fux.

41 REsp. nº 478.749/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 17/11/2003, p. 208: “[...] necessária a verificação dos fatos para a definição do momento em que foram adquiridos os bens cuja indisponibilidade foi decretada; se caracterizam-se como bem de família”, que é referido também em AgRg no REsp 956039/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 03.06.08, p. Dje 07.08.08.

42 ALVES; GARCIA, op. cit., p. 831.

39 Ao que tudo indica, o Ministro Relator quer referir-se ao artigo 3, VI da Lei 8.009/90, que tem a seguinte redação: “Artigo 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: [...] VI – por ter sido adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200970

43 “[...] três funções podem ser facilmente visualizadas no instituto da reparação civil: compensatória do dano à vítima; punitiva do ofensor; e desmotivação social da conduta lesiva. Na primeira função encontra-se o objetivo básico e finalidade da reparação civil: retornar as coisas ao statu quo ante. [...] Como uma função secundária em relação à reposição das coisas ao estado em que se encontravam, mas igualmente relevante, está a idéia de punição do ofensor. [...], persuadindo-o a não mais lesionar. E essa persuasão não se limita à figura do ofensor, acabando por incidir numa terceira função, de cunho sócio-educativo, que é a tornar público que condutas semelhantes não serão toleradas. Assim, alcança-se, por via indireta, a própria sociedade, restabelecendo-se o equilíbrio e a segurança desejados pelo Direito” (negritos nossos) (GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo Curso de Direito Civil. v. III. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 23-24).

Por cautela, estando diante de ato de improbidade administrativa, deve-se perquirir também a persecução penal, sempre que possível, o que é provável, valendo-se das medidas assecuratórias previstas no Código de Processo Penal, bem como do referido Decreto-Lei 3.240/41, referido neste estudo.

Garantia integral do ressarcimento do dano material e imaterial

Acrescente-se que, ao lado da obrigação solidária de reparar o prejuízo ao erário, ao requerido na ação de improbidade pode decorrer responsabilidade pessoal através da aplicação individual de multa civil, nas hipóteses dos incisos I e II, do artigo 12, da Lei de Improbidade Administrativa.

A aplicação da multa civil, que tem, além do caráter punitivo pessoal do agente ímprobo, também o de prevenção

43geral em toda a sociedade, é uma pretensão legítima do autor da ação de improbidade. Não há razão para que a medida acautelatória de indisponibilidade de bens não busque também garantir o pagamento da multa civil aplicável ao agente ímprobo. Razão há, outrossim, para que a indisponibilidade alcance bens de todos os réus envolvidos no ilícito, em amplitude tal que seja capaz do integral ressarcimento ao erário, aí incluída a projeção da multa civil aplicável a cada um dos agentes, pela lesão ao bem jurídico imaterial da moralidade da administração pública.

Nesse sentido:

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 71

44 COSTA NETO E CASTRO, N. D. Improbidade Administrativa: aspectos materiais e processuais. In: SAMPAIO, op cit., p. 373-374.

A cominação de multa civil pode ser encartada no campo do ressarcimento, destinando-se mais especificamente à reparação do dano imaterial. Em geral, a multa pode revelar timbre coercitivo, com caráter intimidativo, com vistas a compelir alguém à satisfação de uma obrigação. Sob outro prisma, porém, pode a multa assumir uma feição compensatória, ou de reparação civil. É por esse ângulo que se deve compreender a multa civil referida no artigo 12 da Lei 8.429/92. Juarez de Freitas, a propósito, afirma que a multa civil destina-se à reparação do núcleo moral do dano, pontificando que “o ato de improbidade de quaisquer das espécies sempre poderá acarretar algum dano, ao menos de conteúdo moral, mas certo deve resultar que a multa civil, potencialmente de elevada monta, reúne forças mais do que razoáveis para assumir o lugar deste

44‘ressarcimento’ por dano moral.

O efeito útil da medida acautelatória de indisponibilidade é permitir que o autor, ao final da demanda, alcance tudo aquilo que pediu, em toda sua extensão que, no caso da ação de improbidade administrativa, é o ressarcimento pleno e integral do patrimônio público, sob o seu aspecto material e imaterial, aquele ressarcido através de reparação do dano material, este através do pagamento das multas civis e demais sanções de caráter personalíssimo.

Evitar excesso, mas incluir correção monetária e juros compensatórios

Apesar dos vários pontos polêmicos, no tocante à indisponibilidade de bens, um resta pacífico: a indisponibilidade não pode alcançar montante superior à indenização. É da essência do Estado Democrático de Direito o princípio da proibição do excesso que, conforme conclusão de Canotilho,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200970

43 “[...] três funções podem ser facilmente visualizadas no instituto da reparação civil: compensatória do dano à vítima; punitiva do ofensor; e desmotivação social da conduta lesiva. Na primeira função encontra-se o objetivo básico e finalidade da reparação civil: retornar as coisas ao statu quo ante. [...] Como uma função secundária em relação à reposição das coisas ao estado em que se encontravam, mas igualmente relevante, está a idéia de punição do ofensor. [...], persuadindo-o a não mais lesionar. E essa persuasão não se limita à figura do ofensor, acabando por incidir numa terceira função, de cunho sócio-educativo, que é a tornar público que condutas semelhantes não serão toleradas. Assim, alcança-se, por via indireta, a própria sociedade, restabelecendo-se o equilíbrio e a segurança desejados pelo Direito” (negritos nossos) (GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo Curso de Direito Civil. v. III. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 23-24).

Por cautela, estando diante de ato de improbidade administrativa, deve-se perquirir também a persecução penal, sempre que possível, o que é provável, valendo-se das medidas assecuratórias previstas no Código de Processo Penal, bem como do referido Decreto-Lei 3.240/41, referido neste estudo.

Garantia integral do ressarcimento do dano material e imaterial

Acrescente-se que, ao lado da obrigação solidária de reparar o prejuízo ao erário, ao requerido na ação de improbidade pode decorrer responsabilidade pessoal através da aplicação individual de multa civil, nas hipóteses dos incisos I e II, do artigo 12, da Lei de Improbidade Administrativa.

A aplicação da multa civil, que tem, além do caráter punitivo pessoal do agente ímprobo, também o de prevenção

43geral em toda a sociedade, é uma pretensão legítima do autor da ação de improbidade. Não há razão para que a medida acautelatória de indisponibilidade de bens não busque também garantir o pagamento da multa civil aplicável ao agente ímprobo. Razão há, outrossim, para que a indisponibilidade alcance bens de todos os réus envolvidos no ilícito, em amplitude tal que seja capaz do integral ressarcimento ao erário, aí incluída a projeção da multa civil aplicável a cada um dos agentes, pela lesão ao bem jurídico imaterial da moralidade da administração pública.

Nesse sentido:

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 71

44 COSTA NETO E CASTRO, N. D. Improbidade Administrativa: aspectos materiais e processuais. In: SAMPAIO, op cit., p. 373-374.

A cominação de multa civil pode ser encartada no campo do ressarcimento, destinando-se mais especificamente à reparação do dano imaterial. Em geral, a multa pode revelar timbre coercitivo, com caráter intimidativo, com vistas a compelir alguém à satisfação de uma obrigação. Sob outro prisma, porém, pode a multa assumir uma feição compensatória, ou de reparação civil. É por esse ângulo que se deve compreender a multa civil referida no artigo 12 da Lei 8.429/92. Juarez de Freitas, a propósito, afirma que a multa civil destina-se à reparação do núcleo moral do dano, pontificando que “o ato de improbidade de quaisquer das espécies sempre poderá acarretar algum dano, ao menos de conteúdo moral, mas certo deve resultar que a multa civil, potencialmente de elevada monta, reúne forças mais do que razoáveis para assumir o lugar deste

44‘ressarcimento’ por dano moral.

O efeito útil da medida acautelatória de indisponibilidade é permitir que o autor, ao final da demanda, alcance tudo aquilo que pediu, em toda sua extensão que, no caso da ação de improbidade administrativa, é o ressarcimento pleno e integral do patrimônio público, sob o seu aspecto material e imaterial, aquele ressarcido através de reparação do dano material, este através do pagamento das multas civis e demais sanções de caráter personalíssimo.

Evitar excesso, mas incluir correção monetária e juros compensatórios

Apesar dos vários pontos polêmicos, no tocante à indisponibilidade de bens, um resta pacífico: a indisponibilidade não pode alcançar montante superior à indenização. É da essência do Estado Democrático de Direito o princípio da proibição do excesso que, conforme conclusão de Canotilho,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200972

Trata-se, afinal, de um controle de natureza eqüitativa que não pondo em causa os poderes constitucionalmente competentes para a prática de actos autoritativos e sem afectar a certeza do direito, contribui para a integração do “momento

45de justiça” no palco da conflitualidade social.

Na lição de Marlene Freitas Bueno, verbis:

A medida de indisponibilidade deve ser proporcional ao quantum devido a título de ressarcimento, ou seja, não deve exorbitar da pretensão a quantia a ser devolvida ao erário. Para tanto, o Promotor de Justiça fará uma estimativa

46desse valor.

Dificuldade há, entretanto, quando da expedição do decreto da indisponibilidade, para que o juízo possa assegurar-se de que os bens tornados indisponíveis correspondam à projeção do valor indenizável. No tocante aos bens imóveis, às vezes são subavaliados nos registros de imóveis. Outras vezes, os valores apresentados pelo

47administrador ímprobo não correspondem ao valor de mercado . Entendemos, outrossim, que, de início, em face da natureza cognitiva sumária no momento da concessão da liminar, não se pode exigir um exame acurado, preciso e milimétrico dos valores dos bens, sendo razoável que se permita ao juiz, de ofício ou provocado por quaisquer das partes, determine avaliação por perito e, a posteriori, se for o caso, libere a quantia excedente; ou, ao revés, promova novas medidas para o reforço da garantia.

Pedro Roberto Decomain noticia que, em caso concreto,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 73

decidido pelo TJSC, “reconheceu viável a indisponibilidade de todos os bens do requerido, considerando que a respectiva avaliação somente haveria de ocorrer em eventual execução de sentença

48condenatória” . O caso concreto poderia até autorizar o decreto, mas a postergação do momento da avaliação parece-nos equivocada e pode prejudicar tanto o réu como as pretensões do autor. Entendemos que a perícia de avaliação dos bens só deve ser evitada quando se evidenciar desnecessária, o que ocorre somente quando a garantia é notoriamente inferior ao prejuízo ao erário projetado.

Outro aspecto de importância é não se olvidar da necessidade de avaliar a extensão do dano aplicando-se a correção monetária, porque,

[...] [a] correção monetária não é um plus que se acrescenta, mas um minus que se evita. Outra motivação não tem e nada mais importa senão em uma mera manutenção do valor aquisitivo da moeda, que se impõe por razões econômicas, morais e jurídicas, em nada se relacionando com a

49pena decorrente da mora.

Também não se pode esquecer de que os juros estão compreendidos no pedido, conforme disposição legal: “CPC. Art. 293. Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal, os juros legais”.

Não menos importante é a fixação do termo inicial para a aplicação dos juros e da correção monetária. Em se tratando de ato de improbidade administrativa – ato ilícito por excelência – todo o prejuízo sofrido pelo erário deverá ser calculado a partir da consumação do ato gerador do prejuízo. No caso específico de enriquecimento ilícito, isso ocorre a partir da saída dos valores dos cofres públicos. A esse respeito, a legislação é expressa:

Código Civil. Art. 395. Responde o devedor pelos

48 TJSC. AI n. 9.770, de São José. Rel.: Des. Pedro Manoel Abreu. DJ 10.11.95, p. 9. In: DECOMAIN, op. cit., p. 281.

49 REsp n. 244.296, Rel. Min. César Asfor Rocha, T4, j. 27.06.2000, p. DJ 05/08/2002, p. 345.

45 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina. 1997. p. 269.

46 BUENO, M. F. Manual de atuação na defesa do patrimônio público. Goiânia: ESMP, 2006. p. 41.

47 Os detentores de mandatos eletivos são obrigados a apresentar para o registro de suas candidaturas (Lei 9.504/97, art.11, §, IV) sua declaração de bens assinada. Todos os agentes públicos também devem apresentar suas declarações de bens, quando de sua posse, e anualmente (Lei 8.429/92 e estatutos de servidores). A experiência mostra que principalmente por parte de candidatos, nessas declarações geralmente os bens são apresentados subavaliados.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200972

Trata-se, afinal, de um controle de natureza eqüitativa que não pondo em causa os poderes constitucionalmente competentes para a prática de actos autoritativos e sem afectar a certeza do direito, contribui para a integração do “momento

45de justiça” no palco da conflitualidade social.

Na lição de Marlene Freitas Bueno, verbis:

A medida de indisponibilidade deve ser proporcional ao quantum devido a título de ressarcimento, ou seja, não deve exorbitar da pretensão a quantia a ser devolvida ao erário. Para tanto, o Promotor de Justiça fará uma estimativa

46desse valor.

Dificuldade há, entretanto, quando da expedição do decreto da indisponibilidade, para que o juízo possa assegurar-se de que os bens tornados indisponíveis correspondam à projeção do valor indenizável. No tocante aos bens imóveis, às vezes são subavaliados nos registros de imóveis. Outras vezes, os valores apresentados pelo

47administrador ímprobo não correspondem ao valor de mercado . Entendemos, outrossim, que, de início, em face da natureza cognitiva sumária no momento da concessão da liminar, não se pode exigir um exame acurado, preciso e milimétrico dos valores dos bens, sendo razoável que se permita ao juiz, de ofício ou provocado por quaisquer das partes, determine avaliação por perito e, a posteriori, se for o caso, libere a quantia excedente; ou, ao revés, promova novas medidas para o reforço da garantia.

Pedro Roberto Decomain noticia que, em caso concreto,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 73

decidido pelo TJSC, “reconheceu viável a indisponibilidade de todos os bens do requerido, considerando que a respectiva avaliação somente haveria de ocorrer em eventual execução de sentença

48condenatória” . O caso concreto poderia até autorizar o decreto, mas a postergação do momento da avaliação parece-nos equivocada e pode prejudicar tanto o réu como as pretensões do autor. Entendemos que a perícia de avaliação dos bens só deve ser evitada quando se evidenciar desnecessária, o que ocorre somente quando a garantia é notoriamente inferior ao prejuízo ao erário projetado.

Outro aspecto de importância é não se olvidar da necessidade de avaliar a extensão do dano aplicando-se a correção monetária, porque,

[...] [a] correção monetária não é um plus que se acrescenta, mas um minus que se evita. Outra motivação não tem e nada mais importa senão em uma mera manutenção do valor aquisitivo da moeda, que se impõe por razões econômicas, morais e jurídicas, em nada se relacionando com a

49pena decorrente da mora.

Também não se pode esquecer de que os juros estão compreendidos no pedido, conforme disposição legal: “CPC. Art. 293. Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal, os juros legais”.

Não menos importante é a fixação do termo inicial para a aplicação dos juros e da correção monetária. Em se tratando de ato de improbidade administrativa – ato ilícito por excelência – todo o prejuízo sofrido pelo erário deverá ser calculado a partir da consumação do ato gerador do prejuízo. No caso específico de enriquecimento ilícito, isso ocorre a partir da saída dos valores dos cofres públicos. A esse respeito, a legislação é expressa:

Código Civil. Art. 395. Responde o devedor pelos

48 TJSC. AI n. 9.770, de São José. Rel.: Des. Pedro Manoel Abreu. DJ 10.11.95, p. 9. In: DECOMAIN, op. cit., p. 281.

49 REsp n. 244.296, Rel. Min. César Asfor Rocha, T4, j. 27.06.2000, p. DJ 05/08/2002, p. 345.

45 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina. 1997. p. 269.

46 BUENO, M. F. Manual de atuação na defesa do patrimônio público. Goiânia: ESMP, 2006. p. 41.

47 Os detentores de mandatos eletivos são obrigados a apresentar para o registro de suas candidaturas (Lei 9.504/97, art.11, §, IV) sua declaração de bens assinada. Todos os agentes públicos também devem apresentar suas declarações de bens, quando de sua posse, e anualmente (Lei 8.429/92 e estatutos de servidores). A experiência mostra que principalmente por parte de candidatos, nessas declarações geralmente os bens são apresentados subavaliados.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200974

prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Código Civil. Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.

Súmula 54 do STJ. Os juros moratórios fluem a par t i r do evento danoso em caso de

50responsabilidade extra-contratual.

Quanto ao índice oficial a ser utilizado para a atualização monetária de dívida, é o IGP-M (Índice Geral de Preços-M, da Fundação Getúlio Vargas – RJ) que tem sido mais acolhido nos tribunais pátrios, a exemplo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Cabível, por sua vez, a utilização do IGP-M, da FGV, para a atualização dos valores, pois o referido índice é um dos que

51melhor reflete a desvalorização da moeda pela inflação” .Também, resta pacífico o entendimento de que a aplicação

da taxa de juros moratórios é de 6% ao ano, até o início da vigência do novo Código Civil (11/01/02) e, a partir dessa data, os juros são de 12% ao ano, conforme artigo 406 do novo Código Civil c/c art.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 75

161, § 1º do Código Tributário Nacional. Nesse sentido:

STJ. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO R E G I M E N T A L N O A G R AV O D E INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVA. JUROS DE MORA. NOVO CÓDIGO CIVIL. APLICABILIDADE. 1. O entendimento prevalente nesta Corte é no sentido de que “o pagamento de juros moratórios é obrigação de trato sucessivo, incidindo a taxa prevista na lei vigente à época do seu vencimento” (voto-vista proferido pelo Min. Antônio de Pádua Ribeiro no REsp 594.486/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 13.6.2005). Desse modo, os juros de mora devem ser fixados no percentual de 6% ao ano, da citação até o advento no novo Código Civil, sendo que a partir de sua vigência devem ser calculados com base no disposto no art. 406 do mesmo diploma legal. Nesse sentido: Edcl no REsp 528.547/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 1.º.3.2004; REsp 594.486/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 13.6.2005; AgRg no Agrg no Edcl no REsp 556.068/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 16.8.2004. 2 [...] 3. Agravo regimental a que se

52nega provimento.

Código Civil. Artigo 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação de lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Enunciado nº 20, aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, realizado em Brasília, de 11 a 13 de setembro de 2002, com a seguinte redação: “a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, §1.º, do Código Tributário Nacional, ou seja 1% (um por cento) ao mês”.

50 “Se a transgressão se refere a um dever gerado em negócio jurídico, há um ilícito negocial comumente chamado de ilícito contratual, por isso que mais freqüentemente os deveres jurídicos têm como fonte os contratos. Se a transgressão pertine a um dever jurídico imposto pela lei, o ilícito é extracontratual, por isso gerado fora dos contratos, mais precisamente fora dos negócios jurídicos. Ilícito extracontratual é, assim, a transgressão de um dever jurídico imposto pela lei”, enquanto que ilícito contratual é a violação de dever jurídico criado pelas partes no contrato (LIRA, R. P. Ato ilícito. Revista de Direito da Procuradoria-Geral, p. 49/85-86 apud CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 37). Resta claro, outrossim, que a responsabilidade do agente ímprobo é de natureza extracontratual, eis que no ato de improbidade há violação direta de uma ou mais normas legais.

51 Trecho do voto do Des. Marco Aurélio Heinz (revisor) nos autos n. 70016190373-2006/Cível. Ap. Cível. 08.11.2006. Apelante Indústria e Comércio de Madeiras Zurawski Ltda. Apelado. Município de Entre Rios do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Rel. Des. Francisco José Moesch, DJ 3485 em 28.11.06.

52 AgRg no Ag 686.807/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 13.09 2005..

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200974

prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Código Civil. Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.

Súmula 54 do STJ. Os juros moratórios fluem a par t i r do evento danoso em caso de

50responsabilidade extra-contratual.

Quanto ao índice oficial a ser utilizado para a atualização monetária de dívida, é o IGP-M (Índice Geral de Preços-M, da Fundação Getúlio Vargas – RJ) que tem sido mais acolhido nos tribunais pátrios, a exemplo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Cabível, por sua vez, a utilização do IGP-M, da FGV, para a atualização dos valores, pois o referido índice é um dos que

51melhor reflete a desvalorização da moeda pela inflação” .Também, resta pacífico o entendimento de que a aplicação

da taxa de juros moratórios é de 6% ao ano, até o início da vigência do novo Código Civil (11/01/02) e, a partir dessa data, os juros são de 12% ao ano, conforme artigo 406 do novo Código Civil c/c art.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 75

161, § 1º do Código Tributário Nacional. Nesse sentido:

STJ. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO R E G I M E N T A L N O A G R AV O D E INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVA. JUROS DE MORA. NOVO CÓDIGO CIVIL. APLICABILIDADE. 1. O entendimento prevalente nesta Corte é no sentido de que “o pagamento de juros moratórios é obrigação de trato sucessivo, incidindo a taxa prevista na lei vigente à época do seu vencimento” (voto-vista proferido pelo Min. Antônio de Pádua Ribeiro no REsp 594.486/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 13.6.2005). Desse modo, os juros de mora devem ser fixados no percentual de 6% ao ano, da citação até o advento no novo Código Civil, sendo que a partir de sua vigência devem ser calculados com base no disposto no art. 406 do mesmo diploma legal. Nesse sentido: Edcl no REsp 528.547/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 1.º.3.2004; REsp 594.486/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 13.6.2005; AgRg no Agrg no Edcl no REsp 556.068/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 16.8.2004. 2 [...] 3. Agravo regimental a que se

52nega provimento.

Código Civil. Artigo 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação de lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Enunciado nº 20, aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, realizado em Brasília, de 11 a 13 de setembro de 2002, com a seguinte redação: “a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, §1.º, do Código Tributário Nacional, ou seja 1% (um por cento) ao mês”.

50 “Se a transgressão se refere a um dever gerado em negócio jurídico, há um ilícito negocial comumente chamado de ilícito contratual, por isso que mais freqüentemente os deveres jurídicos têm como fonte os contratos. Se a transgressão pertine a um dever jurídico imposto pela lei, o ilícito é extracontratual, por isso gerado fora dos contratos, mais precisamente fora dos negócios jurídicos. Ilícito extracontratual é, assim, a transgressão de um dever jurídico imposto pela lei”, enquanto que ilícito contratual é a violação de dever jurídico criado pelas partes no contrato (LIRA, R. P. Ato ilícito. Revista de Direito da Procuradoria-Geral, p. 49/85-86 apud CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 37). Resta claro, outrossim, que a responsabilidade do agente ímprobo é de natureza extracontratual, eis que no ato de improbidade há violação direta de uma ou mais normas legais.

51 Trecho do voto do Des. Marco Aurélio Heinz (revisor) nos autos n. 70016190373-2006/Cível. Ap. Cível. 08.11.2006. Apelante Indústria e Comércio de Madeiras Zurawski Ltda. Apelado. Município de Entre Rios do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Rel. Des. Francisco José Moesch, DJ 3485 em 28.11.06.

52 AgRg no Ag 686.807/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 13.09 2005..

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200976

Código Tributário Nacional. Artigo 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante de sua falta, sem prejuízo da imposição de penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.

Ainda sobre os juros, cumpre registrar que sua capitalização é vedada no ordenamento pátrio, salvo para as instituições financeiras em regulamentos próprios, restando no Código Civil atual a previsão tão-somente de sua capitalização anual no contrato de mútuo. Apenas na rara hipótese de que o ressarcimento ao erário estivesse associado a um crime praticado antes da vigência do novo código civil é que teríamos a aplicação da capitalização baseado no artigo 1.544 do Código Civil de 1916. Ainda assim, tal capitalização seria aplicável somente até o dia 11 de janeiro de 2003, data de início

53de vigência do atual Código Civil .Por fim, ainda no tocante à estimativa do dano ao erário,

cumpre destacar um aspecto final quando o pedido de condenação está associado a ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito (art. 6° e 9° da Lei 8.429/92). Diz o artigo 12, I, da referida Lei de Improbidade Administrativa que a condenação enseja (rectius pode ensejar) a “perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio”. Também nesse caso a multa civil pode ser arbitrada pelo juiz em “até três vezes o acréscimo patrimonial”. O que se deve ressaltar é que se o

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 77

patrimônio do agente ímprobo foi acrescido ilicitamente, aumentou ou gerou frutos civis para o infrator, por certo também esse aumento e esses frutos civis são fruits of poisonous tree (frutos da árvore envenenada – expressão de doutrina utilizada na análise das provas ilícitas, que resume todo um pensamento e que trazemos para aplicação, por analogia, na reparação dos danos decorrentes de atos de improbidade). Pontua-se que os lucros e ganhos que o agente ímprobo obteve, ainda que de forma honesta (exemplo: obteve dividendos na bolsa de valores com a aplicação do dinheiro público desviado), pela utilização do patrimônio ilicitamente obtido na administração pública, estão maculados, por serem valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio. Por isso, esses acréscimos também devem ser estimados na projeção da condenação e, por conseguinte, devem ser considerados quando do decreto de indisponibilidade.

Alcance da medida sobre todos os réus: agentes, coautores, partícipes e beneficiários

A responsabilidade civil na ação de improbidade decorre de quaisquer das práticas vedadas (atos ilícitos), previstas nos artigos 9º (enriquecimento ilícito), 10 (prejuízo ao erário) e 11 (violação de princípios), seja sob a forma de agente que realiza as condutas típicas ali previstas, seja pela forma de indução, concorrência (coautoria ou participação) ou da condição de beneficiário do ato ímprobo, nos termos do artigo 3º da L.I.A.

Art. 3º. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Exsurge da leitura do artigo supra que mesmo que o requerido, na ação de improbidade administrativa, tenha apenas induzido ou concorrido indiretamente para a prática do ato de improbidade, a lei o alcança. Ou seja, ainda que tenha se beneficiado do ato, sob qualquer forma, as disposições da lei o alcançam.

53 Neste sentido, a lição de Luiz Antônio Scavone Júnior: “No regime do Código Civil de 1916 eram devidos juros capitalizados de forma composta no caso de liquidação de obrigações decorrentes de responsabilidade civil por ato tipificado penalmente. [...] No âmbito do Código Civil de 2002 não há norma equivalente ao art. 1.544 do Código Civil de 1916. Sendo assim, é forçoso concluir que não subsiste a possibilidade de cobrança de juros compostos como regra geral no Código Civil de 2002, até por aplicação do seu art. 591, e, também do art. 4° do Decreto 22.626/33, por analogia” (SCAVONE JÚNIOR, L. A. Juros no Direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 147).

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Código Tributário Nacional. Artigo 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante de sua falta, sem prejuízo da imposição de penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.

Ainda sobre os juros, cumpre registrar que sua capitalização é vedada no ordenamento pátrio, salvo para as instituições financeiras em regulamentos próprios, restando no Código Civil atual a previsão tão-somente de sua capitalização anual no contrato de mútuo. Apenas na rara hipótese de que o ressarcimento ao erário estivesse associado a um crime praticado antes da vigência do novo código civil é que teríamos a aplicação da capitalização baseado no artigo 1.544 do Código Civil de 1916. Ainda assim, tal capitalização seria aplicável somente até o dia 11 de janeiro de 2003, data de início

53de vigência do atual Código Civil .Por fim, ainda no tocante à estimativa do dano ao erário,

cumpre destacar um aspecto final quando o pedido de condenação está associado a ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito (art. 6° e 9° da Lei 8.429/92). Diz o artigo 12, I, da referida Lei de Improbidade Administrativa que a condenação enseja (rectius pode ensejar) a “perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio”. Também nesse caso a multa civil pode ser arbitrada pelo juiz em “até três vezes o acréscimo patrimonial”. O que se deve ressaltar é que se o

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patrimônio do agente ímprobo foi acrescido ilicitamente, aumentou ou gerou frutos civis para o infrator, por certo também esse aumento e esses frutos civis são fruits of poisonous tree (frutos da árvore envenenada – expressão de doutrina utilizada na análise das provas ilícitas, que resume todo um pensamento e que trazemos para aplicação, por analogia, na reparação dos danos decorrentes de atos de improbidade). Pontua-se que os lucros e ganhos que o agente ímprobo obteve, ainda que de forma honesta (exemplo: obteve dividendos na bolsa de valores com a aplicação do dinheiro público desviado), pela utilização do patrimônio ilicitamente obtido na administração pública, estão maculados, por serem valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio. Por isso, esses acréscimos também devem ser estimados na projeção da condenação e, por conseguinte, devem ser considerados quando do decreto de indisponibilidade.

Alcance da medida sobre todos os réus: agentes, coautores, partícipes e beneficiários

A responsabilidade civil na ação de improbidade decorre de quaisquer das práticas vedadas (atos ilícitos), previstas nos artigos 9º (enriquecimento ilícito), 10 (prejuízo ao erário) e 11 (violação de princípios), seja sob a forma de agente que realiza as condutas típicas ali previstas, seja pela forma de indução, concorrência (coautoria ou participação) ou da condição de beneficiário do ato ímprobo, nos termos do artigo 3º da L.I.A.

Art. 3º. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Exsurge da leitura do artigo supra que mesmo que o requerido, na ação de improbidade administrativa, tenha apenas induzido ou concorrido indiretamente para a prática do ato de improbidade, a lei o alcança. Ou seja, ainda que tenha se beneficiado do ato, sob qualquer forma, as disposições da lei o alcançam.

53 Neste sentido, a lição de Luiz Antônio Scavone Júnior: “No regime do Código Civil de 1916 eram devidos juros capitalizados de forma composta no caso de liquidação de obrigações decorrentes de responsabilidade civil por ato tipificado penalmente. [...] No âmbito do Código Civil de 2002 não há norma equivalente ao art. 1.544 do Código Civil de 1916. Sendo assim, é forçoso concluir que não subsiste a possibilidade de cobrança de juros compostos como regra geral no Código Civil de 2002, até por aplicação do seu art. 591, e, também do art. 4° do Decreto 22.626/33, por analogia” (SCAVONE JÚNIOR, L. A. Juros no Direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 147).

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Desde que decorra, do conjunto de condutas de todos os réus, prejuízo ao erário, a lei impõe responsabilidade a todos, inclusive aos beneficiários, de modo solidário, nos termos do Código Civil, conforme artigos abaixo referidos. Os que concorreram para o ato ilícito, em qualquer grau, por força desses mesmos dispositivos do Código Civil, devem permanecer vinculados à responsabilidade.

Código Civil.Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem.Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à divida toda.Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Não se exclui, outrossim, a necessidade de decreto judicial de indisponibilidade dos bens do requerido na ação de improbidade, ainda que a responsabilidade dele decorra apenas de coautoria ou participação sem que haja enriquecimento ilícito daquele que concorreu. É que, mesmo no caso desse agente ímprobo, que concorreu para o ato que causou prejuízo ao erário, ele é solidariamente responsável pelo prejuízo causado.

Quanto ao beneficiário do ato de improbidade administrativa que não tenha concorrido para a prática do ato, e

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54que tenha, de fato , agido de boa-fé e sem culpa, entendemos que a Lei 8.429/92 o alcança para que promova a devolução do que recebeu e do que enriqueceu as custas de um benefício indevido. No entanto, não incide sobre ele a solidariedade com os demais réus por falta de concorrência para o ato ilícito. Em caso de devolução, não lhe seriam também imputados os juros compensatórios, pois não cometera ato ilícito, apenas enriquecera

55sem causa . Todo esse raciocínio, naturalmente, se faz se o benefício recebido tiver valor econômico.

Outra medida, por vezes necessária, é que se peça a desconsideração da personalidade jurídica de empresa beneficiada por ato de improbidade administrativa. A medida, antes prevista com base na doutrina estrangeira do disregard doctrine, agora tem

54 Aqui, também, há de haver rigor para não favorecer indevidamente aquele que age com dolo eventual ou culpa, ainda que leve. Um bom paralelo, como exemplo, é o tipo penal da receptação culposa (artigo 180, § 3° do Código Penal). Se pelas circunstâncias, “pela condição que quem oferece”, é esperado que o beneficiado do ato de improbidade, “deve[sse] presumir-se obtido por meio criminoso”, in casu, improbidade administrativa, ele age com culpa. Se o beneficiado do ato de improbidade para o qual não concorreu, na situação retro descrita, é agente público, a quem cabe, por lei, noticiar a irregularidade à autoridade competente (art. 6° da Lei 7.347/86: “o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil [pública]”), e não o faz, ele responderá na condição de beneficiado do ato de improbidade administrativa de terceiro e por ato próprio de improbidade administrativa por omissão dolosa ou culposa no cumprimento do artigo 6° da Lei 7.347/86. Confira-se, também, artigo 66 do Decreto-Lei 3.688/41 – Lei de Contravenções Penais: Deixar de comunicar a autoridade competente: I – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação. “A falta de comunicação, seja ou não intencional, há de traduzir uma ofensa aos interesses da administração da justiça. Essa comunicação imposta como obrigação a todo funcionário [...] pode ser qualificada, adotando a denominação de Manzini, como denúncia profissional [...] A circunstância de não possuírem conhecimentos técnico-jurídico para aferir da natureza da ação cabível não os releva da obrigação, visto como não podem ignorar a lei (ved: MANZINI – Trat. di Dir. pen., V, p. 610)” (FARIA, B. de. Contravenções penais. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942. p. 260-262).

55 “Cada pessoa tem o seu patrimônio, que é a soma dos bens da vida, de valor econômico, que lhe pertencem. Se uma [pessoa] retira, por ato seu ou não, do patrimônio de outra, para o seu, ou para o de terceiro, ou de seu próprio para o

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Desde que decorra, do conjunto de condutas de todos os réus, prejuízo ao erário, a lei impõe responsabilidade a todos, inclusive aos beneficiários, de modo solidário, nos termos do Código Civil, conforme artigos abaixo referidos. Os que concorreram para o ato ilícito, em qualquer grau, por força desses mesmos dispositivos do Código Civil, devem permanecer vinculados à responsabilidade.

Código Civil.Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem.Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à divida toda.Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Não se exclui, outrossim, a necessidade de decreto judicial de indisponibilidade dos bens do requerido na ação de improbidade, ainda que a responsabilidade dele decorra apenas de coautoria ou participação sem que haja enriquecimento ilícito daquele que concorreu. É que, mesmo no caso desse agente ímprobo, que concorreu para o ato que causou prejuízo ao erário, ele é solidariamente responsável pelo prejuízo causado.

Quanto ao beneficiário do ato de improbidade administrativa que não tenha concorrido para a prática do ato, e

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54que tenha, de fato , agido de boa-fé e sem culpa, entendemos que a Lei 8.429/92 o alcança para que promova a devolução do que recebeu e do que enriqueceu as custas de um benefício indevido. No entanto, não incide sobre ele a solidariedade com os demais réus por falta de concorrência para o ato ilícito. Em caso de devolução, não lhe seriam também imputados os juros compensatórios, pois não cometera ato ilícito, apenas enriquecera

55sem causa . Todo esse raciocínio, naturalmente, se faz se o benefício recebido tiver valor econômico.

Outra medida, por vezes necessária, é que se peça a desconsideração da personalidade jurídica de empresa beneficiada por ato de improbidade administrativa. A medida, antes prevista com base na doutrina estrangeira do disregard doctrine, agora tem

54 Aqui, também, há de haver rigor para não favorecer indevidamente aquele que age com dolo eventual ou culpa, ainda que leve. Um bom paralelo, como exemplo, é o tipo penal da receptação culposa (artigo 180, § 3° do Código Penal). Se pelas circunstâncias, “pela condição que quem oferece”, é esperado que o beneficiado do ato de improbidade, “deve[sse] presumir-se obtido por meio criminoso”, in casu, improbidade administrativa, ele age com culpa. Se o beneficiado do ato de improbidade para o qual não concorreu, na situação retro descrita, é agente público, a quem cabe, por lei, noticiar a irregularidade à autoridade competente (art. 6° da Lei 7.347/86: “o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil [pública]”), e não o faz, ele responderá na condição de beneficiado do ato de improbidade administrativa de terceiro e por ato próprio de improbidade administrativa por omissão dolosa ou culposa no cumprimento do artigo 6° da Lei 7.347/86. Confira-se, também, artigo 66 do Decreto-Lei 3.688/41 – Lei de Contravenções Penais: Deixar de comunicar a autoridade competente: I – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação. “A falta de comunicação, seja ou não intencional, há de traduzir uma ofensa aos interesses da administração da justiça. Essa comunicação imposta como obrigação a todo funcionário [...] pode ser qualificada, adotando a denominação de Manzini, como denúncia profissional [...] A circunstância de não possuírem conhecimentos técnico-jurídico para aferir da natureza da ação cabível não os releva da obrigação, visto como não podem ignorar a lei (ved: MANZINI – Trat. di Dir. pen., V, p. 610)” (FARIA, B. de. Contravenções penais. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942. p. 260-262).

55 “Cada pessoa tem o seu patrimônio, que é a soma dos bens da vida, de valor econômico, que lhe pertencem. Se uma [pessoa] retira, por ato seu ou não, do patrimônio de outra, para o seu, ou para o de terceiro, ou de seu próprio para o

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56tratamento adequado no novo Código Civil, em hipóteses que bem se amoldam em regra àquelas existentes em caso de improbidade administrativa, não demandando maiores discussões. Importa lembrar que devem ser alcançados pela medida de indisponibilidade de bens os sucessores dos agentes ímprobos. Sua responsabilidade é expressa em artigo próprio na LIA: “Art. 8º. O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações até o limite do valor da herança”.

Se o inventário do agente ímprobo falecido não se ultimou, a indisponibilidade é dirigida aos bens do espólio, representados pelo inventariante. Se findo o inventário, serão os próprios herdeiros que figurarão como réus e sujeitos à indisponibilidade, até o limite do valor da herança, nos termos do artigo acima referido. Válidas aqui as considerações feitas acerca do que se enriqueceu ilicitamente de boa-fé ou não. Também válidas são as nossas considerações sobre a fixação do montante a ser devolvido ao erário, se o espólio se constituir de patrimônio muito superior à futura reparação.

Do momento e do modo de se pleitear a indisponibilidade

Não há previsão legal do momento em que deva ser pleiteada a medida de indisponibilidade, tampouco quanto ao

de outrem, algum bem da vida ou parte dele, há de haver justificação para isso, ou o enriquecimento é injustificado” (MIRANDA, 1959 apud MOSCON, C. de F. M. O enriquecimento sem causa e o novo Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 75). Código Civil, artigo 884. “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. Parágrafo único. “Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido”.

56 Código Civil. Desconsideração da personalidade jurídica. “Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Frise-se que foi adotada, nesse particular, uma linha objetivista, que dispensa, pois, prova do dolo específico do sócio ou administrador.

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modo de pedi-la. Também não há regra expressa exigindo a oitiva da parte contrária para a concessão da liminar.

Quanto ao momento de sua postulação, a prática e a prudência impõem que seja requerida a medida tão logo presentes os requisitos para sua interposição (ver item deste trabalho: “Fundados indícios de responsabilidade como único requisito”). Esse exame necessariamente ocorre antes da propositura da ação de improbidade administrativa, pois, se ao início da ação tais indícios não estiverem presentes, a ação não deverá ser recebida

57pelo juiz, nos termos do artigo 17, § 8° da Lei 8.429/92 . A medida pode ser requerida por meio de ação cautelar

preparatória ou como pedido inserto na demanda principal (autorizada pelo artigo 12 da Lei 7.347/86), situações que devem ser avaliadas pelo autor como estratégia para a preservação do sigilo do pedido de indisponibilidade. Não há óbices a que o pedido seja feito após o início da ação ou somente após a sentença ou acórdão, porém o risco de que o agente aliene seus bens aumenta exponencialmente e a medida será inútil. Já se registram casos em que os agentes ímprobos se desfazem de seus bens diante da confirmação da notícia

58de que possa haver investigação contra eles .59Da experiência forense decorre a máxima de que o pedido

de indisponibilidade deva ser sempre requerido inaudita altera pars, sob pena de sua total ineficácia. Se o juiz não está devidamente convencido da existência dos indícios de responsabilidade do agente apontado como ímprobo, deve

57 Redação imposta pela medida provisória n. 2.225-45, de 04/09/2001, em vigor pela Emenda Constitucional n. 32, também de 2001.

58 Em situação tal como descrita acima, o TJGO confirmou sentença do juízo do primeiro grau, Dr. Fernando Melo Xavier, da Vara da Fazenda Pública de Itumbiara-GO, que entendeu que o Ministério Público tinha legitimidade para anular compra e venda simulada realizada por agente público investigado em inquérito civil por improbidade administrativa, mesmo não sendo ele ainda devedor ou réu, com vista a dar efetividade a pedido de indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa futura e iminente. A nulidade do ato simulado foi decretada antes mesmo do fim da ação de improbidade administrativa (TJGO, Autos n. 200400386881).

59 “[...] máximas da experiência são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos fatos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação

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56tratamento adequado no novo Código Civil, em hipóteses que bem se amoldam em regra àquelas existentes em caso de improbidade administrativa, não demandando maiores discussões. Importa lembrar que devem ser alcançados pela medida de indisponibilidade de bens os sucessores dos agentes ímprobos. Sua responsabilidade é expressa em artigo próprio na LIA: “Art. 8º. O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações até o limite do valor da herança”.

Se o inventário do agente ímprobo falecido não se ultimou, a indisponibilidade é dirigida aos bens do espólio, representados pelo inventariante. Se findo o inventário, serão os próprios herdeiros que figurarão como réus e sujeitos à indisponibilidade, até o limite do valor da herança, nos termos do artigo acima referido. Válidas aqui as considerações feitas acerca do que se enriqueceu ilicitamente de boa-fé ou não. Também válidas são as nossas considerações sobre a fixação do montante a ser devolvido ao erário, se o espólio se constituir de patrimônio muito superior à futura reparação.

Do momento e do modo de se pleitear a indisponibilidade

Não há previsão legal do momento em que deva ser pleiteada a medida de indisponibilidade, tampouco quanto ao

de outrem, algum bem da vida ou parte dele, há de haver justificação para isso, ou o enriquecimento é injustificado” (MIRANDA, 1959 apud MOSCON, C. de F. M. O enriquecimento sem causa e o novo Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 75). Código Civil, artigo 884. “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. Parágrafo único. “Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido”.

56 Código Civil. Desconsideração da personalidade jurídica. “Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”. Frise-se que foi adotada, nesse particular, uma linha objetivista, que dispensa, pois, prova do dolo específico do sócio ou administrador.

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modo de pedi-la. Também não há regra expressa exigindo a oitiva da parte contrária para a concessão da liminar.

Quanto ao momento de sua postulação, a prática e a prudência impõem que seja requerida a medida tão logo presentes os requisitos para sua interposição (ver item deste trabalho: “Fundados indícios de responsabilidade como único requisito”). Esse exame necessariamente ocorre antes da propositura da ação de improbidade administrativa, pois, se ao início da ação tais indícios não estiverem presentes, a ação não deverá ser recebida

57pelo juiz, nos termos do artigo 17, § 8° da Lei 8.429/92 . A medida pode ser requerida por meio de ação cautelar

preparatória ou como pedido inserto na demanda principal (autorizada pelo artigo 12 da Lei 7.347/86), situações que devem ser avaliadas pelo autor como estratégia para a preservação do sigilo do pedido de indisponibilidade. Não há óbices a que o pedido seja feito após o início da ação ou somente após a sentença ou acórdão, porém o risco de que o agente aliene seus bens aumenta exponencialmente e a medida será inútil. Já se registram casos em que os agentes ímprobos se desfazem de seus bens diante da confirmação da notícia

58de que possa haver investigação contra eles .59Da experiência forense decorre a máxima de que o pedido

de indisponibilidade deva ser sempre requerido inaudita altera pars, sob pena de sua total ineficácia. Se o juiz não está devidamente convencido da existência dos indícios de responsabilidade do agente apontado como ímprobo, deve

57 Redação imposta pela medida provisória n. 2.225-45, de 04/09/2001, em vigor pela Emenda Constitucional n. 32, também de 2001.

58 Em situação tal como descrita acima, o TJGO confirmou sentença do juízo do primeiro grau, Dr. Fernando Melo Xavier, da Vara da Fazenda Pública de Itumbiara-GO, que entendeu que o Ministério Público tinha legitimidade para anular compra e venda simulada realizada por agente público investigado em inquérito civil por improbidade administrativa, mesmo não sendo ele ainda devedor ou réu, com vista a dar efetividade a pedido de indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa futura e iminente. A nulidade do ato simulado foi decretada antes mesmo do fim da ação de improbidade administrativa (TJGO, Autos n. 200400386881).

59 “[...] máximas da experiência são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral, desligados dos fatos concretos que se julgam no processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação

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indeferir o pedido ou oportunizar ao Ministério Público (autor em regra) que melhor instrua o feito, sob pena de indeferimento. Se o autor não tiver elementos suficientes para o convencimento do juízo, quanto à necessidade de indisponibilidade dos bens, deve desistir do pedido, temporariamente, e buscá-los com a melhor instrução do feito, salvo, é claro, se for o caso de agravar a decisão que indeferir a liminar – se ocorrer.

Inadequada, data venia, nessa linha de raciocínio, é a conduta do magistrado que, diante de um pedido de indisponibilidade dos bens, inaudita altera pars, permite o contraditório prévio à sua decisão. Melhor postura seria a rejeição do pedido, pois nenhuma das duas decisões que tomar depois do contraditório prévio terá utilidade. Cumpre frisar que, enquanto o decreto de indisponibilidade conta, a todo tempo, com a possibilidade de reversibilidade da medida, sem prejuízos maiores ao réu, a rejeição do pedido pode facultar a imediata alienação de todo patrimônio do réu, com dificuldade hercúlea de se restaurar o statu quo ante.

Cumpre registrar, também, que a medida de indisponibilidade de bens se faz sempre em favor da administração e em seu benefício futuro. Assim, não há que se cogitar, por consequência, da oitiva prévia do representante da pessoa jurídica de direito público lesada. As prerrogativas previstas na Lei n.

60 618.437/92 são em favor da Fazenda Pública, não contra ela .

são deduzidos e que, acima desses casos, pretendem ter validade para outros novos” (STEIN, 1973 apud LOPES, J. B. A prova no Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 68). “Conceituam-se como noções ou conhecimentos adquiridos pelo juiz, ao longo de sua experiência profissional, social e prática, lastreados na observação de casos particulares segundo o que ordinariamente acontece. Tais noções não decorrem, assim, de estudos teóricos realizados pelo magistrado, mas do que comumente acontece (id quod pelrumque accidit). [...] as máximas da experiência desempenham importante papel na prestação jurisdicional, representando instrumento útil e valioso para o esclarecimento dos fatos da causa” (idem, ibidem, p. 60-70).

60 Lei n. 8.437, de 30 de Junho de 1992, “Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências”.

61 Nesse sentido, TJGO, AI 21.150-6/180 – DJ 06.03.2001 – 1.ª CC – Rel. p/ acórdão Des. Arivaldo da Silva Chaves, referido por BEZERRA DA SILVA, A. Lei de Improbidade Administrativa. 1. ed. (ano 2005), 3. reimpr. Curitiba: Juruá, 2008. p. 144.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 83

Conclusão

A indisponibilidade de bens é instrumento valioso para que se obtenha a recomposição do patrimônio público lesado. Os agentes ímprobos, por outro lado, até pela prática rotineira de atos antiéticos, estão cada vez mais atentos e tudo fazem para impedir que a indisponibilidade atinja seus patrimônios. Restam aos combatentes da corrupção, na esfera judicial, além de anteciparem ao máximo as condições legais para o decreto da indisponibilidade, fazerem pedidos que levem em conta todas as questões esposadas neste artigo, sob pena de desferir golpes de espada em moinhos de vento imaginários. O ressarcimento integral do dano – objetivo único e finalístico da decretação da indisponibilidade de bens – somente será alcançado com pedidos devidamente adequados, abrangentes e oportunos.

Referências

ALVES, R. P.; GARCIA, E. Improbidade Administrativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

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CARVALHO FILHO, J. dos S. Código Civil brasileiro interpretado. v. X. 18. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 1961.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200982

indeferir o pedido ou oportunizar ao Ministério Público (autor em regra) que melhor instrua o feito, sob pena de indeferimento. Se o autor não tiver elementos suficientes para o convencimento do juízo, quanto à necessidade de indisponibilidade dos bens, deve desistir do pedido, temporariamente, e buscá-los com a melhor instrução do feito, salvo, é claro, se for o caso de agravar a decisão que indeferir a liminar – se ocorrer.

Inadequada, data venia, nessa linha de raciocínio, é a conduta do magistrado que, diante de um pedido de indisponibilidade dos bens, inaudita altera pars, permite o contraditório prévio à sua decisão. Melhor postura seria a rejeição do pedido, pois nenhuma das duas decisões que tomar depois do contraditório prévio terá utilidade. Cumpre frisar que, enquanto o decreto de indisponibilidade conta, a todo tempo, com a possibilidade de reversibilidade da medida, sem prejuízos maiores ao réu, a rejeição do pedido pode facultar a imediata alienação de todo patrimônio do réu, com dificuldade hercúlea de se restaurar o statu quo ante.

Cumpre registrar, também, que a medida de indisponibilidade de bens se faz sempre em favor da administração e em seu benefício futuro. Assim, não há que se cogitar, por consequência, da oitiva prévia do representante da pessoa jurídica de direito público lesada. As prerrogativas previstas na Lei n.

60 618.437/92 são em favor da Fazenda Pública, não contra ela .

são deduzidos e que, acima desses casos, pretendem ter validade para outros novos” (STEIN, 1973 apud LOPES, J. B. A prova no Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 68). “Conceituam-se como noções ou conhecimentos adquiridos pelo juiz, ao longo de sua experiência profissional, social e prática, lastreados na observação de casos particulares segundo o que ordinariamente acontece. Tais noções não decorrem, assim, de estudos teóricos realizados pelo magistrado, mas do que comumente acontece (id quod pelrumque accidit). [...] as máximas da experiência desempenham importante papel na prestação jurisdicional, representando instrumento útil e valioso para o esclarecimento dos fatos da causa” (idem, ibidem, p. 60-70).

60 Lei n. 8.437, de 30 de Junho de 1992, “Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências”.

61 Nesse sentido, TJGO, AI 21.150-6/180 – DJ 06.03.2001 – 1.ª CC – Rel. p/ acórdão Des. Arivaldo da Silva Chaves, referido por BEZERRA DA SILVA, A. Lei de Improbidade Administrativa. 1. ed. (ano 2005), 3. reimpr. Curitiba: Juruá, 2008. p. 144.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 83

Conclusão

A indisponibilidade de bens é instrumento valioso para que se obtenha a recomposição do patrimônio público lesado. Os agentes ímprobos, por outro lado, até pela prática rotineira de atos antiéticos, estão cada vez mais atentos e tudo fazem para impedir que a indisponibilidade atinja seus patrimônios. Restam aos combatentes da corrupção, na esfera judicial, além de anteciparem ao máximo as condições legais para o decreto da indisponibilidade, fazerem pedidos que levem em conta todas as questões esposadas neste artigo, sob pena de desferir golpes de espada em moinhos de vento imaginários. O ressarcimento integral do dano – objetivo único e finalístico da decretação da indisponibilidade de bens – somente será alcançado com pedidos devidamente adequados, abrangentes e oportunos.

Referências

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Resumo:Embora se observe no meio jurídico algum avanço no tocante ao reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas, profunda resistência ainda subsiste no tocante à caracterização de tais enlaces como autênticas entidades familiares. Considerável parcela da doutrina, e mesmo da jurisprudência, mantém-se fiel à vetusta concepção de que uniões desse jaez poderiam ser disciplinadas de forma satisfatória a partir da simples ideia de meras sociedades de fato. Diante de tal constatação, o presente artigo tem por escopo evidenciar que as relações públicas, contínuas e estáveis, voltadas à constituição de família, ainda que mantidas por pessoas do mesmo sexo, devem ser consideradas autênticas entidades familiares para todos os efeitos jurídicos, embora não referidas expressamente pelo art. 226 da Constituição Federal, pois, a exemplo das famílias resultantes de matrimônios ou uniões afetivas convencionais, revelam-se como verdadeiro instrumento voltado ao desenvolvimento da personalidade de seus integrantes. Enfatiza-se que a caracterização dos aludidos grupos como entidades familiares é, a rigor, consectário lógico dos fundamentos e objetivos fundamentais de um Estado Democrático de Direito, como a dignidade humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, independentemente de preconceitos e das mais diversas formas de discriminação. Não se pretende com o presente artigo uma subversão do conceito de família, mas sim a sua correta compreensão, pluralizada, instrumentalizada e socioafetiva, moldada em respeito à individualidade e à autodeterminação de cada um, no âmbito da intimidade.

Palavras-chave: Uniões, pessoas, mesmo sexo, homoafetivas, isoafetivas, caracterização, entidade familiar, instrumento, dignidade, pessoa humana, famílias plurais, concepção, socioafetiva.

Hodiernamente, conquanto se observe no meio jurídico algum avanço no tocante ao reconhecimento jurídico das uniões

UNIÕES HOMOAFETIVAS EM SUA CORRETA CONTEXTUALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO

DIREITO DE FAMÍLIA

Carolina Portelinha Falconi*

* Promotora de Justiça Substituta.

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Resumo:Embora se observe no meio jurídico algum avanço no tocante ao reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas, profunda resistência ainda subsiste no tocante à caracterização de tais enlaces como autênticas entidades familiares. Considerável parcela da doutrina, e mesmo da jurisprudência, mantém-se fiel à vetusta concepção de que uniões desse jaez poderiam ser disciplinadas de forma satisfatória a partir da simples ideia de meras sociedades de fato. Diante de tal constatação, o presente artigo tem por escopo evidenciar que as relações públicas, contínuas e estáveis, voltadas à constituição de família, ainda que mantidas por pessoas do mesmo sexo, devem ser consideradas autênticas entidades familiares para todos os efeitos jurídicos, embora não referidas expressamente pelo art. 226 da Constituição Federal, pois, a exemplo das famílias resultantes de matrimônios ou uniões afetivas convencionais, revelam-se como verdadeiro instrumento voltado ao desenvolvimento da personalidade de seus integrantes. Enfatiza-se que a caracterização dos aludidos grupos como entidades familiares é, a rigor, consectário lógico dos fundamentos e objetivos fundamentais de um Estado Democrático de Direito, como a dignidade humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, independentemente de preconceitos e das mais diversas formas de discriminação. Não se pretende com o presente artigo uma subversão do conceito de família, mas sim a sua correta compreensão, pluralizada, instrumentalizada e socioafetiva, moldada em respeito à individualidade e à autodeterminação de cada um, no âmbito da intimidade.

Palavras-chave: Uniões, pessoas, mesmo sexo, homoafetivas, isoafetivas, caracterização, entidade familiar, instrumento, dignidade, pessoa humana, famílias plurais, concepção, socioafetiva.

Hodiernamente, conquanto se observe no meio jurídico algum avanço no tocante ao reconhecimento jurídico das uniões

UNIÕES HOMOAFETIVAS EM SUA CORRETA CONTEXTUALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO

DIREITO DE FAMÍLIA

Carolina Portelinha Falconi*

* Promotora de Justiça Substituta.

homoafetivas, profunda resistência ainda subsiste no tocante à caracterização de tais enlaces como autênticas entidades familiares.

Não raro pessoas do mesmo sexo mantém entre si relações públicas, contínuas e estáveis, voltadas à constituição de família, mesmo porque lastreadas no afeto. Estabelecem vínculo afetivo cuja essência em nada difere de toda e qualquer família matrimonial, monoparental ou mesmo oriunda de uniões estáveis heterossexuais.

Não obstante, considerável parcela da doutrina e mesmo da jurisprudência mantém-se fiel à vetusta concepção de que uniões deste jaez poderiam ser disciplinadas de forma satisfatória a partir da simples ideia de meras sociedades de fato, a serem regidas pelo Direito das Obrigações.

Bem verdade que a disciplina do tema, como ora se propõe, não vem expressa em sede constitucional, ou mesmo em meio à vasta legislação civil. Porém, é cediço que a inexistência de regulação específica em nada se confunde com uma suposta carência de direito.

Colhe-se de precedentes jurisprudenciais – cada vez mais numerosos – que pessoas do mesmo sexo que entre si dividem projetos familiares vem deduzindo perante o Poder Judiciário as mais diversas pretensões. Muitas delas revestem-se de nítido cunho patrimonial, mas, em última análise, descortinam a configuração de verdadeiras entidades familiares.

Nesse contexto, eventual negativa de prestação jurisdicional ou mesmo um errôneo enquadramento de tais uniões como simples sociedades de fato somente reforçariam o repúdio da sociedade às uniões homoamorosas, consolidando preconceitos de ordem moral que, conforme adverte Maria Berenice Dias, por certo:

[...] não devem servir de justificativa para alijar direitos. [...] A quem vive fora dos padrões sociais e não goza da referência legal é descabido negar proteção e excluir direitos. Ao juiz não cabe julgar as opções de vida das partes e chegar a resultado que se afaste da ética. Deve cingir-se a apreciar as questões que lhe são postas, devendo centrar-se, exclusivamente, na apuração dos fatos para encontrar uma solução justa. [...] Quem ainda resiste em reconhecer tais uniões como entidade familiar, que ao menos invoque a

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analogia para aplicar as regras de direito das famílias, pois são as que mais se aproximam das

1uniões homoafetivas [...]. (negritos nossos)

A rigor, até mesmo a carência legislativa sobre o tema revela o preconceito dedicado às relações afetivas não convencionais, fato que, de um lado, inibe o legislador de desincumbir-se de seu mister e, de outro, condena as uniões homossexuais à invisibilidade, como se a ausência de regulamentação fosse capaz de alterar a realidade fática, suprimindo atávicas formas de união consolidadas pelo vínculo do afeto.

Ademais, a moderna doutrina em matéria de Direito de Família orienta que a noção de família institucionalizada, dependente das noções de matrimônio e hierarquia, encontra-se deveras superada, pois já não se cogita da proteção à família pela família, mas sim em atenção aos seres humanos que a compõem.

Na percuciente lição de Gustavo Tepedino,

a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade

2dos filhos. (negritos nossos)

Com efeito, a ideia de família-instituição evoluiu para a de família-instrumento, voltada ao desenvolvimento da personalidade de seus componentes, como expressão máxima da concretização da dignidade da pessoa humana, ante a constatação de que é a família que existe em razão de seus membros e não mais o inverso.

Dessa premissa, aliás, extrai-se verdadeiramente a função social da família, a revelar no âmbito das relações afetivas uma das diretrizes que nortearam a elaboração do vigente Código Civil, qual seja, a da socialidade e, por que não dizer, uma das mais ricas materializações do princípio da solidariedade, estampado em sua vertente familiar.

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1 DIAS, M. B. Manual de Direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 194.

2 TEPEDINO, G. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 349.

homoafetivas, profunda resistência ainda subsiste no tocante à caracterização de tais enlaces como autênticas entidades familiares.

Não raro pessoas do mesmo sexo mantém entre si relações públicas, contínuas e estáveis, voltadas à constituição de família, mesmo porque lastreadas no afeto. Estabelecem vínculo afetivo cuja essência em nada difere de toda e qualquer família matrimonial, monoparental ou mesmo oriunda de uniões estáveis heterossexuais.

Não obstante, considerável parcela da doutrina e mesmo da jurisprudência mantém-se fiel à vetusta concepção de que uniões deste jaez poderiam ser disciplinadas de forma satisfatória a partir da simples ideia de meras sociedades de fato, a serem regidas pelo Direito das Obrigações.

Bem verdade que a disciplina do tema, como ora se propõe, não vem expressa em sede constitucional, ou mesmo em meio à vasta legislação civil. Porém, é cediço que a inexistência de regulação específica em nada se confunde com uma suposta carência de direito.

Colhe-se de precedentes jurisprudenciais – cada vez mais numerosos – que pessoas do mesmo sexo que entre si dividem projetos familiares vem deduzindo perante o Poder Judiciário as mais diversas pretensões. Muitas delas revestem-se de nítido cunho patrimonial, mas, em última análise, descortinam a configuração de verdadeiras entidades familiares.

Nesse contexto, eventual negativa de prestação jurisdicional ou mesmo um errôneo enquadramento de tais uniões como simples sociedades de fato somente reforçariam o repúdio da sociedade às uniões homoamorosas, consolidando preconceitos de ordem moral que, conforme adverte Maria Berenice Dias, por certo:

[...] não devem servir de justificativa para alijar direitos. [...] A quem vive fora dos padrões sociais e não goza da referência legal é descabido negar proteção e excluir direitos. Ao juiz não cabe julgar as opções de vida das partes e chegar a resultado que se afaste da ética. Deve cingir-se a apreciar as questões que lhe são postas, devendo centrar-se, exclusivamente, na apuração dos fatos para encontrar uma solução justa. [...] Quem ainda resiste em reconhecer tais uniões como entidade familiar, que ao menos invoque a

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analogia para aplicar as regras de direito das famílias, pois são as que mais se aproximam das

1uniões homoafetivas [...]. (negritos nossos)

A rigor, até mesmo a carência legislativa sobre o tema revela o preconceito dedicado às relações afetivas não convencionais, fato que, de um lado, inibe o legislador de desincumbir-se de seu mister e, de outro, condena as uniões homossexuais à invisibilidade, como se a ausência de regulamentação fosse capaz de alterar a realidade fática, suprimindo atávicas formas de união consolidadas pelo vínculo do afeto.

Ademais, a moderna doutrina em matéria de Direito de Família orienta que a noção de família institucionalizada, dependente das noções de matrimônio e hierarquia, encontra-se deveras superada, pois já não se cogita da proteção à família pela família, mas sim em atenção aos seres humanos que a compõem.

Na percuciente lição de Gustavo Tepedino,

a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade

2dos filhos. (negritos nossos)

Com efeito, a ideia de família-instituição evoluiu para a de família-instrumento, voltada ao desenvolvimento da personalidade de seus componentes, como expressão máxima da concretização da dignidade da pessoa humana, ante a constatação de que é a família que existe em razão de seus membros e não mais o inverso.

Dessa premissa, aliás, extrai-se verdadeiramente a função social da família, a revelar no âmbito das relações afetivas uma das diretrizes que nortearam a elaboração do vigente Código Civil, qual seja, a da socialidade e, por que não dizer, uma das mais ricas materializações do princípio da solidariedade, estampado em sua vertente familiar.

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1 DIAS, M. B. Manual de Direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 194.

2 TEPEDINO, G. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 349.

Nesse sentido, cumpre trazer à baila os judiciosos ensinamentos de Cristiano Chaves de Farias:

[...] a família cumpre modernamente um papel funcionalizado, devendo, efetivamente, servir como ambiente propício para a promoção da dignidade e realização da dignidade de seus membros, integrando sentimentos, esperanças e valores, servindo como alicerce fundamental para

3o alcance da felicidade.

Em verdade, não se pretende aqui uma subversão do conceito de família, mas sim sua compreensão plural, instrumentalizada e socioafetiva, de modo a retirar da clandestinidade e da situação de exclusão pessoas que necessitam de efetiva tutela jurídica, mormente no que tange a seus direitos fundamentais.

Hodiernamente, já não se concebe a família como mero núcleo econômico reprodutivo, mas sim como instrumento de realização existencial do ser humano, a qual, por certo, não pode ser alcançada sem que se permita a seus integrantes o livre exercício da autodeterminação emocional.

Daí a solução proposta por Maria Berenice Dias, no sentido de que a

norma (CF 226) é uma cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade. Não se pode deixar de reconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem a diversidade de sexos, atendem a tais requisitos. Têm origem no vínculo afetivo, devendo ser identificados como entidade familiar a

4merecer a tutela legal [com todos os seus consectários]. (negritos nossos)

Com efeito, uma análise ainda que perfunctória do aludido dispositivo permite a constatação de que o legislador constituinte

3 FARIAS, C. C. Escritos de Direito de Família. Reconhecer a obrigação alimentar nas uniões homoafetivas: uma questão de respeito à Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 136.

4 DIAS, op. cit., p. 192.

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pautou-se pela noção de famílias plurais, abarcando não apenas a família matrimonializada, mas também as informais, monoparentais, em um rol meramente exemplificativo que encerra, outrossim, as famílias homoafetivas ou mesmo anaparentais, estas desprovidas de uma noção verticalizada do vínculo entre seus membros.

Tudo isso porque o que hoje distingue a família não é a diferença de sexos, o envolvimento sexual, ou mesmo a celebração do vínculo pelo instituto do casamento, mas sim a presença de um núcleo afetivo de comprometimento mútuo, a envolver seus integrantes em torno de propósitos e projetos de vida comuns, de ordem patrimonial e também espiritual.

Aliás, em matéria de interpretação constitucional, o postulado do princípio integrador orienta que por

ser a Constituição um elemento do processo de integração comunitária, nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais, deve-se dar primazia aos critérios que favoreçam a integração política e social, produzindo um efeito criador e

5conservador desta unidade.

Destarte, na atividade de interpretação constitucional, não pode o exegeta preferir as soluções que promovam ou de qualquer sorte favoreçam a desagregação social, alijando, por exemplo, integrantes de relações homoafetivas do conceito de família e da plena realização de seus direitos fundamentais simplesmente em virtude da orientação sexual.

Assim, embora a Lex Mater não tenha albergado, expressamente, em seu art. 226, as famílias isossexuais, uma visão unitária e sistêmica do ordenamento jurídico conduz inarredavelmente à caracterização dos aludidos grupos como entidades familiares, máxime em atenção aos fundamentos e objetivos fundamentais de um Estado Democrático de Direito, de que são exemplos o princípio da dignidade humana (art. 1º, inciso III, Constituição Federal), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I, CR/88) e a promoção do bem de todos, independentemente de preconceitos de origem, sexo, cor,

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5 NOVELINO, M. Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 78.

Nesse sentido, cumpre trazer à baila os judiciosos ensinamentos de Cristiano Chaves de Farias:

[...] a família cumpre modernamente um papel funcionalizado, devendo, efetivamente, servir como ambiente propício para a promoção da dignidade e realização da dignidade de seus membros, integrando sentimentos, esperanças e valores, servindo como alicerce fundamental para

3o alcance da felicidade.

Em verdade, não se pretende aqui uma subversão do conceito de família, mas sim sua compreensão plural, instrumentalizada e socioafetiva, de modo a retirar da clandestinidade e da situação de exclusão pessoas que necessitam de efetiva tutela jurídica, mormente no que tange a seus direitos fundamentais.

Hodiernamente, já não se concebe a família como mero núcleo econômico reprodutivo, mas sim como instrumento de realização existencial do ser humano, a qual, por certo, não pode ser alcançada sem que se permita a seus integrantes o livre exercício da autodeterminação emocional.

Daí a solução proposta por Maria Berenice Dias, no sentido de que a

norma (CF 226) é uma cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade. Não se pode deixar de reconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem a diversidade de sexos, atendem a tais requisitos. Têm origem no vínculo afetivo, devendo ser identificados como entidade familiar a

4merecer a tutela legal [com todos os seus consectários]. (negritos nossos)

Com efeito, uma análise ainda que perfunctória do aludido dispositivo permite a constatação de que o legislador constituinte

3 FARIAS, C. C. Escritos de Direito de Família. Reconhecer a obrigação alimentar nas uniões homoafetivas: uma questão de respeito à Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 136.

4 DIAS, op. cit., p. 192.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200990

pautou-se pela noção de famílias plurais, abarcando não apenas a família matrimonializada, mas também as informais, monoparentais, em um rol meramente exemplificativo que encerra, outrossim, as famílias homoafetivas ou mesmo anaparentais, estas desprovidas de uma noção verticalizada do vínculo entre seus membros.

Tudo isso porque o que hoje distingue a família não é a diferença de sexos, o envolvimento sexual, ou mesmo a celebração do vínculo pelo instituto do casamento, mas sim a presença de um núcleo afetivo de comprometimento mútuo, a envolver seus integrantes em torno de propósitos e projetos de vida comuns, de ordem patrimonial e também espiritual.

Aliás, em matéria de interpretação constitucional, o postulado do princípio integrador orienta que por

ser a Constituição um elemento do processo de integração comunitária, nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais, deve-se dar primazia aos critérios que favoreçam a integração política e social, produzindo um efeito criador e

5conservador desta unidade.

Destarte, na atividade de interpretação constitucional, não pode o exegeta preferir as soluções que promovam ou de qualquer sorte favoreçam a desagregação social, alijando, por exemplo, integrantes de relações homoafetivas do conceito de família e da plena realização de seus direitos fundamentais simplesmente em virtude da orientação sexual.

Assim, embora a Lex Mater não tenha albergado, expressamente, em seu art. 226, as famílias isossexuais, uma visão unitária e sistêmica do ordenamento jurídico conduz inarredavelmente à caracterização dos aludidos grupos como entidades familiares, máxime em atenção aos fundamentos e objetivos fundamentais de um Estado Democrático de Direito, de que são exemplos o princípio da dignidade humana (art. 1º, inciso III, Constituição Federal), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I, CR/88) e a promoção do bem de todos, independentemente de preconceitos de origem, sexo, cor,

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 91

5 NOVELINO, M. Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p. 78.

dentre outras formas de discriminação (art. 3º, inc. IV, CR/88).Some-se a isso o direito à igualdade substancial (arts. 3º e 5º

da Constituição), o direito à vida e o multicitado pluralismo familiar, albergado expressamente no art. 226 do mesmo diploma. Todos esses fatores, concatenados, induzem à conclusão de que o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares é imperativo constitucional, fruto do respeito à individualidade e à autodeterminação de cada um, no âmbito da intimidade.

Negar-lhes a proteção típica dos grupos familiares equivale a refutar a noção instrumentalizada das famílias, “retirando proteção da pessoa humana e repristinando uma era já superada (definitivamente!) institucionalista, como se a proteção não fosse

6dedicada à pessoa, atentando contra sua intransigível dignidade” . Implicaria, ainda, no tácito reconhecimento de uma suposta licitude na perda de garantias fundamentais como simples decorrência da orientação sexual, o que se afigura inconcebível em um Estado Democrático de Direito.

Com esteio nesses fundamentos, vários Tribunais de Justiça, especialmente o do Rio Grande do Sul, vêm reiteradamente proclamando a condição de entidades familiares em favor das uniões homoafetivas, as quais, sem sombra de dúvidas, reclamam – e com urgência – a inclusão social, pois, não obstante o preconceito que lhes é dedicado, revelam uma realidade social consolidada e que o Judiciário já não pode ignorar.

A título de ilustração, cumpre colacionar o teor dos seguintes precedentes:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto,

6 FARIAS, op. cit., p. 138.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200992

assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo, vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. (SEGREDO

7DE JUSTIÇA). (negritos nossos)

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA - UNIÃO HOMOAFETIVA - ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL PROTEGIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRINCÍPIO DA IGUALDADE (NÃO-DISCRIMINAÇÃO) E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DE UM PARCEIRO EM RELAÇÃO AO OUTRO, PARA TODOS OS FINS DE DIREITO - REQUISITOS PREENCHIDOS - PEDIDO PROCEDENTE. - À UNIÃO HOMOAFETIVA, que preenche os requisitos da UNIÃO estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226 da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 93

7 Apelação Cível Nº 70009550070, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 17/11/2004.

dentre outras formas de discriminação (art. 3º, inc. IV, CR/88).Some-se a isso o direito à igualdade substancial (arts. 3º e 5º

da Constituição), o direito à vida e o multicitado pluralismo familiar, albergado expressamente no art. 226 do mesmo diploma. Todos esses fatores, concatenados, induzem à conclusão de que o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares é imperativo constitucional, fruto do respeito à individualidade e à autodeterminação de cada um, no âmbito da intimidade.

Negar-lhes a proteção típica dos grupos familiares equivale a refutar a noção instrumentalizada das famílias, “retirando proteção da pessoa humana e repristinando uma era já superada (definitivamente!) institucionalista, como se a proteção não fosse

6dedicada à pessoa, atentando contra sua intransigível dignidade” . Implicaria, ainda, no tácito reconhecimento de uma suposta licitude na perda de garantias fundamentais como simples decorrência da orientação sexual, o que se afigura inconcebível em um Estado Democrático de Direito.

Com esteio nesses fundamentos, vários Tribunais de Justiça, especialmente o do Rio Grande do Sul, vêm reiteradamente proclamando a condição de entidades familiares em favor das uniões homoafetivas, as quais, sem sombra de dúvidas, reclamam – e com urgência – a inclusão social, pois, não obstante o preconceito que lhes é dedicado, revelam uma realidade social consolidada e que o Judiciário já não pode ignorar.

A título de ilustração, cumpre colacionar o teor dos seguintes precedentes:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto,

6 FARIAS, op. cit., p. 138.

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assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo, vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. (SEGREDO

7DE JUSTIÇA). (negritos nossos)

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA - UNIÃO HOMOAFETIVA - ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL PROTEGIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRINCÍPIO DA IGUALDADE (NÃO-DISCRIMINAÇÃO) E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DE UM PARCEIRO EM RELAÇÃO AO OUTRO, PARA TODOS OS FINS DE DIREITO - REQUISITOS PREENCHIDOS - PEDIDO PROCEDENTE. - À UNIÃO HOMOAFETIVA, que preenche os requisitos da UNIÃO estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226 da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da

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7 Apelação Cível Nº 70009550070, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 17/11/2004.

dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à UNIÃO estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a UNIÃO HOMOAFETIVA, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. - A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um

8direito. (negritos nossos)

E M E N T A : A D M I N I S T R A T I V O . CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO. COMPANHEIRA HOMOSSEXUAL. LEI 8.112/90. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS-DC Nº 25.1- Não há que se falar de ausência de interesse de agir quando a Ré, no mérito de sua resposta, nega o direito vindicado. 2- A alegação de impossibilidade jurídica do pedido confunde-se com o próprio cerne da demanda, além de não existir expressa vedação legal à pretensão autoral, a implicar em extinção do feito sem julgamento do mérito. 3- A sociedade de fato existente entre homossexuais merece tratamento isonômico ao dispensado às uniões heterossexuais em respeito aos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da promoção do bem de todos sem preconceito ou discriminação. 4- A inexistência de regra que contemple a possibilidade da percepção do benefício da pensão por morte, por companheiro(a) homossexual de servidor público falecido, não pode ser considerada como obstáculo para o reconhecimento da existência de um fato notório, para o qual a proteção jurídica é reclamada. 5- Mesmo que se pudesse entender que a Lei nº 8.112/90 não alberga a situação da Autora, o que implicaria em incorrer em

8 Apelação Cível / Reexame necessário n. 1.0024.06.930324-6/001 - Comarca de Belo Horizonte – Remetente: Jd 1 V faz comarca Belo Horizonte – Apelante(s): Estado Minas Gerais – Apelado(a)(s): Maria Cristina da Silva

aAzevedo e outro(a)(s) – Relatora: Des . Heloísa Combat, Dj 27/07/2007).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200994

inaceitável e antijurídica discriminação sexual, se o sistema geral de previdência do país comporta hipótese similar, como consignado na IN nº 25-INSS, a qual estabelece procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios prev idenc iár ios ao companhe iro ou companheira homossexual, em observância ao princípio isonômico, deve-se aplicar aos servidores públicos federais, por analogia, o disposto nesse indigitado ato normativo. 6- [...]

9Apelação e Remessa Oficial improvidas. [...]. (negritos nossos)

Na mesma esteira posicionou-se o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em conhecidos acórdãos assim ementados:

P R O C E S S O C I V I L E C I V I L - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - SÚMULA 282/STF - UNIÃO HOMOAFETIVA - INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO D E A S S I S T Ê N C I A M É D I C A - P O S S I B I L I D A D E - D I V E R G Ê N C I A JURISPRUDENCIAL NÃO-CONFIGURADA. - Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão, não se conhece d o r e c u r s o e s p e c i a l , à m í n g u a d e prequestionamento. - A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. - O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. - Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples transcrição

10de ementas não basta. (negritos nossos)

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 95

9 TRF 5ª Região, AC 334141-RN, 3ª Turma, Relator Desembargador Federal Geraldo Apoliano, 2ª Vara Federal/RN, publicado em 18/07/2004.

10 REsp 238.715/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª TURMA, julgado em 07.03.2006, DJ 02.10.2006 p. 263.

dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à UNIÃO estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a UNIÃO HOMOAFETIVA, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. - A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um

8direito. (negritos nossos)

E M E N T A : A D M I N I S T R A T I V O . CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO. COMPANHEIRA HOMOSSEXUAL. LEI 8.112/90. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS-DC Nº 25.1- Não há que se falar de ausência de interesse de agir quando a Ré, no mérito de sua resposta, nega o direito vindicado. 2- A alegação de impossibilidade jurídica do pedido confunde-se com o próprio cerne da demanda, além de não existir expressa vedação legal à pretensão autoral, a implicar em extinção do feito sem julgamento do mérito. 3- A sociedade de fato existente entre homossexuais merece tratamento isonômico ao dispensado às uniões heterossexuais em respeito aos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da promoção do bem de todos sem preconceito ou discriminação. 4- A inexistência de regra que contemple a possibilidade da percepção do benefício da pensão por morte, por companheiro(a) homossexual de servidor público falecido, não pode ser considerada como obstáculo para o reconhecimento da existência de um fato notório, para o qual a proteção jurídica é reclamada. 5- Mesmo que se pudesse entender que a Lei nº 8.112/90 não alberga a situação da Autora, o que implicaria em incorrer em

8 Apelação Cível / Reexame necessário n. 1.0024.06.930324-6/001 - Comarca de Belo Horizonte – Remetente: Jd 1 V faz comarca Belo Horizonte – Apelante(s): Estado Minas Gerais – Apelado(a)(s): Maria Cristina da Silva

aAzevedo e outro(a)(s) – Relatora: Des . Heloísa Combat, Dj 27/07/2007).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200994

inaceitável e antijurídica discriminação sexual, se o sistema geral de previdência do país comporta hipótese similar, como consignado na IN nº 25-INSS, a qual estabelece procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios prev idenc iár ios ao companhe iro ou companheira homossexual, em observância ao princípio isonômico, deve-se aplicar aos servidores públicos federais, por analogia, o disposto nesse indigitado ato normativo. 6- [...]

9Apelação e Remessa Oficial improvidas. [...]. (negritos nossos)

Na mesma esteira posicionou-se o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em conhecidos acórdãos assim ementados:

P R O C E S S O C I V I L E C I V I L - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - SÚMULA 282/STF - UNIÃO HOMOAFETIVA - INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO D E A S S I S T Ê N C I A M É D I C A - P O S S I B I L I D A D E - D I V E R G Ê N C I A JURISPRUDENCIAL NÃO-CONFIGURADA. - Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão, não se conhece d o r e c u r s o e s p e c i a l , à m í n g u a d e prequestionamento. - A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. - O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. - Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples transcrição

10de ementas não basta. (negritos nossos)

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 95

9 TRF 5ª Região, AC 334141-RN, 3ª Turma, Relator Desembargador Federal Geraldo Apoliano, 2ª Vara Federal/RN, publicado em 18/07/2004.

10 REsp 238.715/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, 3ª TURMA, julgado em 07.03.2006, DJ 02.10.2006 p. 263.

R E C U R S O E S P E C I A L . D I R E I T O PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA. [...] 5 - Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável , com vista ao direi to previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva. 6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: “Art. 201- Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2º. “7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito. 8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento 9 -

11Recurso Especial não provido. (negritos nossos)

11 REsp 395.904/RS, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, 6ª TURMA, julgado em 13.12.2005, DJ 06.02.2006 p. 365.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200996

Mais recentemente, a mesma Corte, em acórdão relatado pelo eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, posicionou-se no sentido da possibilidade jurídica do pedido deduzido em ação declaratória de união homoafetiva, ante a inexistência de vedação ao pleito no ordenamento jurídico. Confira-se:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 97

R E C U R S O E S P E C I A L . D I R E I T O PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA. [...] 5 - Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável , com vista ao direi to previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva. 6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: “Art. 201- Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2º. “7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito. 8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento 9 -

11Recurso Especial não provido. (negritos nossos)

11 REsp 395.904/RS, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, 6ª TURMA, julgado em 13.12.2005, DJ 06.02.2006 p. 365.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200996

Mais recentemente, a mesma Corte, em acórdão relatado pelo eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, posicionou-se no sentido da possibilidade jurídica do pedido deduzido em ação declaratória de união homoafetiva, ante a inexistência de vedação ao pleito no ordenamento jurídico. Confira-se:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 97

eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 6. Recurso especial

12conhecido e provido. (negritos nossos)

A quaestio chegou ao âmbito da Suprema Corte por intermédio da ADI n. 3330, na qual se colimava a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei n. 9.276/96, por não reconhecer as uniões estáveis entre homossexuais como entidades familiares.

No entanto, o Min. Celso de Mello, relator, extinguiu a ação direta em virtude da revogação da norma impugnada pelo Novo Código Civil. Não obstante, em obter dictum, expendeu valiosos comentários que bem refletem a importância do reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares. De seu voto, colhe-se trecho bastante pertinente e elucidativo:

[...] o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem t a n t o o re c o n h e c i m e n t o d o d i re i t o personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e i n s t i t u c i o n a i s f u n d a d a s e m f ó r m u l a s

12 REsp 820.475/RJ, Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Luís Felipe Salomão, 4ª TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 06/10/2008

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200998

preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas [...].

A lição do brilhante jurista, como de costume, afigura-se irretocável.

Dito isso, conclui-se que a mais abalizada e moderna doutrina, com respaldo inclusive na jurisprudência dos órgãos de convergência e superposição da Jurisdição Nacional, vem em socorro à tese ora esposada, no sentido do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, nos moldes de uma verdadeira e constitucionalizada entidade familiar.

Assim, em que pese a literalidade do art. 1723 do Novo Código Civil, no ponto em que alude à “convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família” (negritos nossos), a comunhão de vida e as responsabilidades recíprocas na intimidade das uniões homoafetivas reclamam a aplicação do regramento atinente à união estável, como forma de concretização da dignidade da pessoa humana e de autêntica cidadania.

A diversidade de sexos não há de ser considerada essencial à caracterização de ditas uniões, sob pena de obstar-se a inclusão social daqueles que, no exercício do direito à liberdade de autodeterminação emocional, optaram pela celebração de uniões igualmente calcadas no afeto e voltadas à constituição de família.

Referências

DIAS, M. B. Manual de Direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

FARIAS, C. C. Escritos de Direito de Família. Reconhecer a obrigação alimentar nas uniões homoafetivas: uma questão de respeito à Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 99

eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 6. Recurso especial

12conhecido e provido. (negritos nossos)

A quaestio chegou ao âmbito da Suprema Corte por intermédio da ADI n. 3330, na qual se colimava a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei n. 9.276/96, por não reconhecer as uniões estáveis entre homossexuais como entidades familiares.

No entanto, o Min. Celso de Mello, relator, extinguiu a ação direta em virtude da revogação da norma impugnada pelo Novo Código Civil. Não obstante, em obter dictum, expendeu valiosos comentários que bem refletem a importância do reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares. De seu voto, colhe-se trecho bastante pertinente e elucidativo:

[...] o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem t a n t o o re c o n h e c i m e n t o d o d i re i t o personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e i n s t i t u c i o n a i s f u n d a d a s e m f ó r m u l a s

12 REsp 820.475/RJ, Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Ministro Luís Felipe Salomão, 4ª TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 06/10/2008

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/200998

preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas [...].

A lição do brilhante jurista, como de costume, afigura-se irretocável.

Dito isso, conclui-se que a mais abalizada e moderna doutrina, com respaldo inclusive na jurisprudência dos órgãos de convergência e superposição da Jurisdição Nacional, vem em socorro à tese ora esposada, no sentido do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, nos moldes de uma verdadeira e constitucionalizada entidade familiar.

Assim, em que pese a literalidade do art. 1723 do Novo Código Civil, no ponto em que alude à “convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família” (negritos nossos), a comunhão de vida e as responsabilidades recíprocas na intimidade das uniões homoafetivas reclamam a aplicação do regramento atinente à união estável, como forma de concretização da dignidade da pessoa humana e de autêntica cidadania.

A diversidade de sexos não há de ser considerada essencial à caracterização de ditas uniões, sob pena de obstar-se a inclusão social daqueles que, no exercício do direito à liberdade de autodeterminação emocional, optaram pela celebração de uniões igualmente calcadas no afeto e voltadas à constituição de família.

Referências

DIAS, M. B. Manual de Direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

FARIAS, C. C. Escritos de Direito de Família. Reconhecer a obrigação alimentar nas uniões homoafetivas: uma questão de respeito à Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 99

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009100

NOVELINO, M. Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008.

TEPEDINO, G. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 101

Resumo:O trabalho trata de execução de multa criminal e legitimidade de parte ativa do Ministério Público.

Palavras-chave: Execução, pena de multa, legitimidade, Ministério Público.

Introdução

A execução de multa criminal processava-se tradicionalmente no próprio Juízo de conhecimento ou no Juízo da Execução Criminal, na dependência de ser única sanção aplicada ou se cumulada com pena privativa de liberdade, com movimentação e participação ativa do Ministério Público.

Depois da alteração de redação do artigo 51 do Código Penal pela Lei 9.268/1996, surgiu entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o Juízo criminal não possuiria mais competência jurisdicional para execução de pena de multa, passando o encargo para a Vara da Fazenda Pública, e que a legitimidade ativa para pleitear a cobrança deveria ser exercida pela Procuradoria da Fazenda, não mais de atribuição do Ministério Público.

Este trabalho procura analisar as questões pertinentes à multa penal, competência jurisdicional do Juízo Criminal e continuidade da atribuição do Ministério Público para promover a execução da multa criminal.

PENA DE MULTA CRIMINAL, EXECUÇÃO E LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Valter Foleto Santin*

* Promotor de Justiça em São Paulo. Professor do programa de mestrado em Direito da Universidade Estadual do Norte do Paraná, em Jacarezinho (Paraná) e Doutor em Processo.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009100

NOVELINO, M. Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008.

TEPEDINO, G. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 101

Resumo:O trabalho trata de execução de multa criminal e legitimidade de parte ativa do Ministério Público.

Palavras-chave: Execução, pena de multa, legitimidade, Ministério Público.

Introdução

A execução de multa criminal processava-se tradicionalmente no próprio Juízo de conhecimento ou no Juízo da Execução Criminal, na dependência de ser única sanção aplicada ou se cumulada com pena privativa de liberdade, com movimentação e participação ativa do Ministério Público.

Depois da alteração de redação do artigo 51 do Código Penal pela Lei 9.268/1996, surgiu entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o Juízo criminal não possuiria mais competência jurisdicional para execução de pena de multa, passando o encargo para a Vara da Fazenda Pública, e que a legitimidade ativa para pleitear a cobrança deveria ser exercida pela Procuradoria da Fazenda, não mais de atribuição do Ministério Público.

Este trabalho procura analisar as questões pertinentes à multa penal, competência jurisdicional do Juízo Criminal e continuidade da atribuição do Ministério Público para promover a execução da multa criminal.

PENA DE MULTA CRIMINAL, EXECUÇÃO E LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Valter Foleto Santin*

* Promotor de Justiça em São Paulo. Professor do programa de mestrado em Direito da Universidade Estadual do Norte do Paraná, em Jacarezinho (Paraná) e Doutor em Processo.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009102

Fundamentação

O cometimento de delito sujeita o agente às penas privativas de liberdade, restritivas de direito e de multa (art. 32, I a III, do Código Penal), estabelecidas e individualizadas pelo juiz na sentença, com base nos norteamentos da fase de aplicação da pena (art. 59, do Código Penal).

A multa pode ser modalidade autônoma de pena ou substitutiva.

A multa constante do tipo penal é modalidade autônoma de pena (arts. 32, III, e 58, do Código Penal) e não permitiria a conversão em prisão (Lei 9.268/1996), sendo caso de exigência por processo de execução de pena.

Porém, a despeito do mesmo nome “multa”, a multa substitutiva tem natureza jurídica diversa, tratando-se de modalidade secundária e dependente (arts. 44, § 2º, 58, parágrafo único, e 60, § 2º, do Código Penal), permitindo em caso de descumprimento a reversão em pena privativa de liberdade (art. 44, § 4º, do Código Penal).

A multa substitutiva pode ser usada como substituição da pena privativa de liberdade exclusiva, alternativa ou cumulativa. Na pena privativa de liberdade não superior a 06 meses (art. 60, § 2º, do mesmo codex) a substituição por multa é exclusiva; na sanção superior a 06 meses e até 01 ano, a substituição é alternativa, por concorrência da multa com pena restritiva de direito (art. 44, § 2º, 1ª parte, do Código Penal); e se superior a 1 ano até 4 anos, quando possível a substituição da pena privativa de liberdade por duas sanções, a multa pode ser cumulativa ou alternativa com pena restritiva de direito, em virtude de opção de aplicação de uma pena restritiva de direito e multa ou por duas restritivas de direito (art. 44, § 2º, 2ª parte, do Código Penal), porque possível a substituição de modalidade de pena privativa de liberdade até 4 anos (art. 44, I, do Código Penal).

Não há no capítulo da aplicação da pena e da multa substitutiva (art. 60, § 2º, do Código Penal) solução legal sobre o descumprimento da sanção pecuniária substitutiva. Uma alternativa é a execução da multa (art. 51 do Código Penal). Outra solução é a reversão da multa, tendo em vista que há previsão

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 103

expressa de substituição da pena privativa de liberdade por multa ou restritiva de direito (art. 44, § 2º) e a sua conversão em caso de descumprimento (art. 44, § 4º).

A reversão é possível porque a multa substitutiva tem ligação umbilical com a pena substituída (privativa de liberdade), é dela dependente e, em caso de descumprimento, a solução lógica, normal, racional e proporcional é o retorno ao status quo ante e a exigência da pena aplicada, no caso a privativa de liberdade. O E. STJ já decidiu ser possível a reconversão em prisão da pena pecuniária substitutiva, enfatizando que o

princípio constitucional que proíbe a prisão por dívidas incide sobre as penas de multa previstas no próprio tipo penal, a teor do que dispõe a Lei 9.268/96, contudo, não compreende a pena pecuniária advinda em substituição da prisão, conforme opinião lançada

1nos precedentes desta Casa.

Em relação à multa prevista como pena autônoma no tipo penal (art. 32, III, CP), não há mais possibilidade de conversão em prisão (art. 51 do Código Penal, com a nova redação fornecida pela Lei 9.268/1996), sendo a única alternativa a execução da multa (art. 51).

A execução da pena de multa criminal está regulada atualmente pelo artigo 164, da Lei de Execução Penal, e pela Lei 6.830/1980, observando que o artigo 51 fez referência à aplicação das normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública.

Prevê o artigo 164, da LEP (Lei 7.210/1984), que

extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.

O dispositivo trata de questões processuais da execução, cuidando da condição de título executivo judicial (certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado), legitimidade

1 HC 22568/MG, Relator(a) Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª turma, j. em 20/02/2003, DJ 24.03.2003, p. 249, v.u..

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009102

Fundamentação

O cometimento de delito sujeita o agente às penas privativas de liberdade, restritivas de direito e de multa (art. 32, I a III, do Código Penal), estabelecidas e individualizadas pelo juiz na sentença, com base nos norteamentos da fase de aplicação da pena (art. 59, do Código Penal).

A multa pode ser modalidade autônoma de pena ou substitutiva.

A multa constante do tipo penal é modalidade autônoma de pena (arts. 32, III, e 58, do Código Penal) e não permitiria a conversão em prisão (Lei 9.268/1996), sendo caso de exigência por processo de execução de pena.

Porém, a despeito do mesmo nome “multa”, a multa substitutiva tem natureza jurídica diversa, tratando-se de modalidade secundária e dependente (arts. 44, § 2º, 58, parágrafo único, e 60, § 2º, do Código Penal), permitindo em caso de descumprimento a reversão em pena privativa de liberdade (art. 44, § 4º, do Código Penal).

A multa substitutiva pode ser usada como substituição da pena privativa de liberdade exclusiva, alternativa ou cumulativa. Na pena privativa de liberdade não superior a 06 meses (art. 60, § 2º, do mesmo codex) a substituição por multa é exclusiva; na sanção superior a 06 meses e até 01 ano, a substituição é alternativa, por concorrência da multa com pena restritiva de direito (art. 44, § 2º, 1ª parte, do Código Penal); e se superior a 1 ano até 4 anos, quando possível a substituição da pena privativa de liberdade por duas sanções, a multa pode ser cumulativa ou alternativa com pena restritiva de direito, em virtude de opção de aplicação de uma pena restritiva de direito e multa ou por duas restritivas de direito (art. 44, § 2º, 2ª parte, do Código Penal), porque possível a substituição de modalidade de pena privativa de liberdade até 4 anos (art. 44, I, do Código Penal).

Não há no capítulo da aplicação da pena e da multa substitutiva (art. 60, § 2º, do Código Penal) solução legal sobre o descumprimento da sanção pecuniária substitutiva. Uma alternativa é a execução da multa (art. 51 do Código Penal). Outra solução é a reversão da multa, tendo em vista que há previsão

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 103

expressa de substituição da pena privativa de liberdade por multa ou restritiva de direito (art. 44, § 2º) e a sua conversão em caso de descumprimento (art. 44, § 4º).

A reversão é possível porque a multa substitutiva tem ligação umbilical com a pena substituída (privativa de liberdade), é dela dependente e, em caso de descumprimento, a solução lógica, normal, racional e proporcional é o retorno ao status quo ante e a exigência da pena aplicada, no caso a privativa de liberdade. O E. STJ já decidiu ser possível a reconversão em prisão da pena pecuniária substitutiva, enfatizando que o

princípio constitucional que proíbe a prisão por dívidas incide sobre as penas de multa previstas no próprio tipo penal, a teor do que dispõe a Lei 9.268/96, contudo, não compreende a pena pecuniária advinda em substituição da prisão, conforme opinião lançada

1nos precedentes desta Casa.

Em relação à multa prevista como pena autônoma no tipo penal (art. 32, III, CP), não há mais possibilidade de conversão em prisão (art. 51 do Código Penal, com a nova redação fornecida pela Lei 9.268/1996), sendo a única alternativa a execução da multa (art. 51).

A execução da pena de multa criminal está regulada atualmente pelo artigo 164, da Lei de Execução Penal, e pela Lei 6.830/1980, observando que o artigo 51 fez referência à aplicação das normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública.

Prevê o artigo 164, da LEP (Lei 7.210/1984), que

extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.

O dispositivo trata de questões processuais da execução, cuidando da condição de título executivo judicial (certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado), legitimidade

1 HC 22568/MG, Relator(a) Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª turma, j. em 20/02/2003, DJ 24.03.2003, p. 249, v.u..

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009104

ativa (Ministério Público) e de procedimento (citação para pagar ou nomear bens em 10 dias).

Por seu turno, o artigo 51 do Código Penal, dispõe:

Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

A disposição penal trata da caracterização da multa como dívida de valor e aplicação da legislação sobre a dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive interrupção e suspensão da prescrição.

O artigo 164 da LEP e o art. 51 do CP são perfeitamente conciliáveis, porque este confirma a condição de título executivo da sentença condenatória transitada em julgado e acresce a característica de dívida de valor. É regra básica de hermenêutica o aproveitamento das normas legais, retirando eventuais conflitos aparentes despropositados, para harmonia de todo o ordenamento jurídico nacional. Não há revogação e muito menos conflito entre as normas, não sendo permitido ao intérprete buscar interpretação desastrosa e contrária ao sistema.

Cabe destacar que o art. 51 do Código Penal trata da condição de trânsito em julgado para a execução da multa e sua consideração como dívida de valor, além da submissão às normas da legislação da dívida ativa da Fazenda Pública. Mas nada trata de legitimidade de parte ativa para a execução. Não retira do Ministério Público a legitimação processual nem a transfere à Fazenda Pública.

E a Lei 6.830/1980? O diploma legal que regula o procedimento de execução de dívida ativa das Fazendas Públicas cuida da dívida definida como tributária ou não tributária na Lei 4.320/1964 e alterações, sobre normas de direito financeiro na elaboração e controle orçamentário da União, Estado, Município e do Distrito Federal (art. 2º, caput, da Lei 6.830/1980). O valor em cobrança atribuído às referidas entidades é considerado dívida ativa (§ 1º). Estatui-se que a inscrição é controle administrativo da legalidade, para apurar a liquidez e certeza do crédito e efeito de suspensão da prescrição (§ 3º), contendo o § 5º os requisitos do termo de inscrição, cuja certidão deverá acompanhar a petição

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 105

inicial (art. 6º, § 1º, da Lei 6.830/1980).A Lei 6.830/1980 não trata especificamente da cobrança de

multa criminal nem da legitimidade da Fazenda Pública para tanto. O direito de execução de natureza processual tem origem no direito material, para definição da modalidade da prestação, legitimidade e demais norteamentos para efetividade do direito.

A multa penal tem relação direta com o cometimento de crime (fato gerador) e a condenação criminal transitada em julgado (título executivo judicial), enquanto o crédito tributário tem ligação com a posse ou propriedade de bem ou direito, exercício de atividade ou prestação de serviço (fato gerador de imposto, taxa, contribuição de melhoria) ou atividade parafiscal (contribuição previdenciária ou outra similar). O processo administrativo é essencial para a constituição do título executivo tributário, com lançamento e inscrição na dívida ativa.

É visível que pena criminal e tributo são duas coisas totalmente diferentes, originárias de poderes estatais diversos, pertinentes à persecução penal estatal e ao poder de tributação. A pena relaciona-se ao poder de persecução penal e exercício da violência simbólica, objeto do sistema penal, delineado no art. 5º, principalmente nos incisos XXXVII, XXXVIII, XXXIX, XL, XLI, XLII, XLIII, XLIV, XLV, XLVI, XLVII, XLVIII, XLIX, L, LI, LII, LIII, LIV, LV, LVI, LVII, LVIII, LIX, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LXVIII, LXXV, da Constituição Federal. Por outro lado, o tributo decorre do poder de tributação e conteúdo do sistema tributário (arts. 145 a 162, da Constituição Federal) para a exigência e captação de recursos para o custeio da máquina administrativa e dos serviços públicos. A pena expressa o poder de coerção criminal; o tributo a coerção tributária. São duas fontes diferentes de obrigação: uma (pena) decorre da relação jurídica criminal, cujo fato gerador é o ato ilícito penal, e a outra (tributo) nasce de relação jurídica tributária, com fato gerador de natureza patrimonial e econômica.

Anoto que o art. 51 do Código Penal não autoriza a grave confusão entre direito material e direito processual, com interpretação equivocada de que a norma processual (rito da execução) teria interferido no aspecto material (pena), para transformação da natureza jurídica de pena criminal (multa) em crédito tributário.

Observo que a consideração do débito decorrente de

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009104

ativa (Ministério Público) e de procedimento (citação para pagar ou nomear bens em 10 dias).

Por seu turno, o artigo 51 do Código Penal, dispõe:

Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

A disposição penal trata da caracterização da multa como dívida de valor e aplicação da legislação sobre a dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive interrupção e suspensão da prescrição.

O artigo 164 da LEP e o art. 51 do CP são perfeitamente conciliáveis, porque este confirma a condição de título executivo da sentença condenatória transitada em julgado e acresce a característica de dívida de valor. É regra básica de hermenêutica o aproveitamento das normas legais, retirando eventuais conflitos aparentes despropositados, para harmonia de todo o ordenamento jurídico nacional. Não há revogação e muito menos conflito entre as normas, não sendo permitido ao intérprete buscar interpretação desastrosa e contrária ao sistema.

Cabe destacar que o art. 51 do Código Penal trata da condição de trânsito em julgado para a execução da multa e sua consideração como dívida de valor, além da submissão às normas da legislação da dívida ativa da Fazenda Pública. Mas nada trata de legitimidade de parte ativa para a execução. Não retira do Ministério Público a legitimação processual nem a transfere à Fazenda Pública.

E a Lei 6.830/1980? O diploma legal que regula o procedimento de execução de dívida ativa das Fazendas Públicas cuida da dívida definida como tributária ou não tributária na Lei 4.320/1964 e alterações, sobre normas de direito financeiro na elaboração e controle orçamentário da União, Estado, Município e do Distrito Federal (art. 2º, caput, da Lei 6.830/1980). O valor em cobrança atribuído às referidas entidades é considerado dívida ativa (§ 1º). Estatui-se que a inscrição é controle administrativo da legalidade, para apurar a liquidez e certeza do crédito e efeito de suspensão da prescrição (§ 3º), contendo o § 5º os requisitos do termo de inscrição, cuja certidão deverá acompanhar a petição

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 105

inicial (art. 6º, § 1º, da Lei 6.830/1980).A Lei 6.830/1980 não trata especificamente da cobrança de

multa criminal nem da legitimidade da Fazenda Pública para tanto. O direito de execução de natureza processual tem origem no direito material, para definição da modalidade da prestação, legitimidade e demais norteamentos para efetividade do direito.

A multa penal tem relação direta com o cometimento de crime (fato gerador) e a condenação criminal transitada em julgado (título executivo judicial), enquanto o crédito tributário tem ligação com a posse ou propriedade de bem ou direito, exercício de atividade ou prestação de serviço (fato gerador de imposto, taxa, contribuição de melhoria) ou atividade parafiscal (contribuição previdenciária ou outra similar). O processo administrativo é essencial para a constituição do título executivo tributário, com lançamento e inscrição na dívida ativa.

É visível que pena criminal e tributo são duas coisas totalmente diferentes, originárias de poderes estatais diversos, pertinentes à persecução penal estatal e ao poder de tributação. A pena relaciona-se ao poder de persecução penal e exercício da violência simbólica, objeto do sistema penal, delineado no art. 5º, principalmente nos incisos XXXVII, XXXVIII, XXXIX, XL, XLI, XLII, XLIII, XLIV, XLV, XLVI, XLVII, XLVIII, XLIX, L, LI, LII, LIII, LIV, LV, LVI, LVII, LVIII, LIX, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LXVIII, LXXV, da Constituição Federal. Por outro lado, o tributo decorre do poder de tributação e conteúdo do sistema tributário (arts. 145 a 162, da Constituição Federal) para a exigência e captação de recursos para o custeio da máquina administrativa e dos serviços públicos. A pena expressa o poder de coerção criminal; o tributo a coerção tributária. São duas fontes diferentes de obrigação: uma (pena) decorre da relação jurídica criminal, cujo fato gerador é o ato ilícito penal, e a outra (tributo) nasce de relação jurídica tributária, com fato gerador de natureza patrimonial e econômica.

Anoto que o art. 51 do Código Penal não autoriza a grave confusão entre direito material e direito processual, com interpretação equivocada de que a norma processual (rito da execução) teria interferido no aspecto material (pena), para transformação da natureza jurídica de pena criminal (multa) em crédito tributário.

Observo que a consideração do débito decorrente de

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009106

sanção penal como “dívida de valor” procurou pacificar o dissenso jurisprudencial sobre a característica da dívida originária de título executivo penal como “dívida de valor” ou “dívida de dinheiro”, pois os critérios para a correção monetária eram diversos, com o cômputo desde o fato (dívida de valor) ou da sentença (dívida de dinheiro) ou do trânsito em julgado ou execução.

No final da década de 1980 até meados de 1990, o assunto foi bastante discutido e a jurisprudência era oscilante, passando a ser majoritária na consideração como dívida de valor e a correção monetária desde a data dos fatos.

Para amostragem, no extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, incorporado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, eram três critérios diferentes de correção, o que tornava verdadeira loteria judiciária a definição do marco inicial da atualização: correção monetária a partir da data do fato ou do trânsito em julgado da sentença ou da citação para execução penal. Os critérios de correção monetária a partir da data do fato foram adotados nos seguintes julgamentos: Agravo em Execução n. 500.373/8, j. em 05/05/1988, 7ª Câmara, Relator Hélio de Freitas, RJDTACRIM 1/38; AE n. 619.555/6, j. em 30/08/1990, 1ª Câmara, Relator Eduardo Goulart, RJDTACRIM 7/33; AE n. 632.231/1, j. em 14/11/1990, 10ª Câmara, Relator Jo Tatsumi, RJDTACRIM 8/58; AE n. 611.031/9, j. em 10/10/1990, 10ª Câmara, Relator José Santana, RJDTACRIM 8/59; AE n. 636.151/1, j. em 06/02/1991, 9ª Câmara, Relator Barbosa de Almeida, RJDTACRIM 9/35; AE n. 635.263/7, j. em 28/11/1990, 6ª Câmara, Relator Almeida Braga, RJDTACRIM 10/32; AE n. 709.441/3, j. em 27/02/1992, 7ª Câmara, Relator Luiz Ambra, RJDTACRIM 13/25; AE n. 693.901/6, j. em 22/04/1992, 6ª Câmara, Relator Aguiar Vallim, RJDTACRIM 14/24; Apelação n. 720.233/7, j. em 24/08/1992, 12ª Câmara, Relator Oliveira Santos, RJDTACRIM 15/132; Apelação n. 732.541/1, j. em 22/09/1993, 9ª Câmara, Relator Canellas de Godoy, RJDTACRIM 20/136. O critério do trânsito em julgado da sentença foi prestigiado nos seguintes recursos: AE n. 501.397/5, j. em 25/02/1988, 2ª Câmara, Relator Haroldo Luz, RJDTACRIM 3/53; AE n. 611.057/5, j. em 10/05/1990, 2ª Câmara, Relator designado Ribeiro Machado, Declaração de voto vencido Pedro Gagliardi, Declaração de voto vencido em parte Haroldo Luz,

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RJDTACRIM 8/59; AE n. 626.275/2, j. em 06/09/1990, 7ª Câmara, Relator Walter Tintori, RJDTACRIM 9/36; AE n. 702.271/2, j. em 23/03/1992, 11ª Câmara, Relator designado Gonçalves Nogueira, Declaração de voto vencido Sidnei Beneti, RJDTACRIM 14/25. E a contagem a partir da citação da execução: AE n. 534.761/1, j. em 18/01/1989, 5ª Câmara, Relator Heitor Prado, RJDTACRIM 2/30; AE n. 546.869/3, j. em 02/02/1989, 3ª Câmara, Relator designado Gomes de Amorim, RJDTACRIM 3/54; AE n. 548.107/7, j. em 22/03/1989, 5ª Câmara, Relator Paulo Franco, Declaração de voto vencedor Ribeiro dos Santos, RJDTACRIM 3/55; AE n. 914.261/7, j. em 07/12/1994, 5ª Câmara, Relator designado Edgard Coelho, Declaração de voto

2vencido Geraldo Lucena, RJDTACRIM 24/26 .O E. STJ pacificou a situação, definindo o critério de

correção monetária a partir da data do fato delituoso, conforme se percebe nos seguintes recursos: EREsp 91003/RS, Relator(a) Ministro Gilson Dipp, 3ª seção, j. em 13/12/1999, DJ 21/02/2000 p. 84, LEXSTJ, v. 129, p. 279, v.u.; REsp 83846/RS, Relator(a) Ministro José Dantas, 5ª turma, j. em 16/12/1997, DJ 02/03/1998, p. 127, v.u.; REsp 120678/SP, Relator(a) Ministro Felix Fischer, 5ª turma, j. em 09/06/1997, DJ 04/08/1997, p. 34839, v.u.; REsp 81578/SP, Relator(a) Ministro Edson Vidigal, 5ª turma, j. 08/04/1996, DJ 13/05/1996, p. 15568, v.u.; REsp 39429/SP, Relator(a) Ministro Edson Vidigal, 5ª turma, j. em 02/04/1996, DJ 06/05/1996, p. 14436, v.u.; REsp 67747/MG, Relator(a) Ministro José Dantas, 5ª turma, j. em 06/02/1996, DJ 04/03/1996, p. 5415, v.u.; REsp 41438/SP, Relator(a) Ministro Assis Toledo, 5ª turma, j. em 28/09/1994, DJ 17/10/1994, p. 27906.

É pertinente a análise das dívidas de valor e de dinheiro.3Orlando Gomes anota que a dívida pecuniária é

“obrigação de valor nominal”, as obrigações pecuniárias determinam-se por “uma quantia fixa”, e as dívidas de valor variam no quantum em função do “valor da moeda”, por alteração do poder aquisitivo da moeda, com uso de cláusula de indexação contra a deterioração da moeda, “fixando o valor da dívida em

2 Vide http://www.tacrim.sp.gov.br.3 GOMES, O. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 56-58.

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sanção penal como “dívida de valor” procurou pacificar o dissenso jurisprudencial sobre a característica da dívida originária de título executivo penal como “dívida de valor” ou “dívida de dinheiro”, pois os critérios para a correção monetária eram diversos, com o cômputo desde o fato (dívida de valor) ou da sentença (dívida de dinheiro) ou do trânsito em julgado ou execução.

No final da década de 1980 até meados de 1990, o assunto foi bastante discutido e a jurisprudência era oscilante, passando a ser majoritária na consideração como dívida de valor e a correção monetária desde a data dos fatos.

Para amostragem, no extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, incorporado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, eram três critérios diferentes de correção, o que tornava verdadeira loteria judiciária a definição do marco inicial da atualização: correção monetária a partir da data do fato ou do trânsito em julgado da sentença ou da citação para execução penal. Os critérios de correção monetária a partir da data do fato foram adotados nos seguintes julgamentos: Agravo em Execução n. 500.373/8, j. em 05/05/1988, 7ª Câmara, Relator Hélio de Freitas, RJDTACRIM 1/38; AE n. 619.555/6, j. em 30/08/1990, 1ª Câmara, Relator Eduardo Goulart, RJDTACRIM 7/33; AE n. 632.231/1, j. em 14/11/1990, 10ª Câmara, Relator Jo Tatsumi, RJDTACRIM 8/58; AE n. 611.031/9, j. em 10/10/1990, 10ª Câmara, Relator José Santana, RJDTACRIM 8/59; AE n. 636.151/1, j. em 06/02/1991, 9ª Câmara, Relator Barbosa de Almeida, RJDTACRIM 9/35; AE n. 635.263/7, j. em 28/11/1990, 6ª Câmara, Relator Almeida Braga, RJDTACRIM 10/32; AE n. 709.441/3, j. em 27/02/1992, 7ª Câmara, Relator Luiz Ambra, RJDTACRIM 13/25; AE n. 693.901/6, j. em 22/04/1992, 6ª Câmara, Relator Aguiar Vallim, RJDTACRIM 14/24; Apelação n. 720.233/7, j. em 24/08/1992, 12ª Câmara, Relator Oliveira Santos, RJDTACRIM 15/132; Apelação n. 732.541/1, j. em 22/09/1993, 9ª Câmara, Relator Canellas de Godoy, RJDTACRIM 20/136. O critério do trânsito em julgado da sentença foi prestigiado nos seguintes recursos: AE n. 501.397/5, j. em 25/02/1988, 2ª Câmara, Relator Haroldo Luz, RJDTACRIM 3/53; AE n. 611.057/5, j. em 10/05/1990, 2ª Câmara, Relator designado Ribeiro Machado, Declaração de voto vencido Pedro Gagliardi, Declaração de voto vencido em parte Haroldo Luz,

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RJDTACRIM 8/59; AE n. 626.275/2, j. em 06/09/1990, 7ª Câmara, Relator Walter Tintori, RJDTACRIM 9/36; AE n. 702.271/2, j. em 23/03/1992, 11ª Câmara, Relator designado Gonçalves Nogueira, Declaração de voto vencido Sidnei Beneti, RJDTACRIM 14/25. E a contagem a partir da citação da execução: AE n. 534.761/1, j. em 18/01/1989, 5ª Câmara, Relator Heitor Prado, RJDTACRIM 2/30; AE n. 546.869/3, j. em 02/02/1989, 3ª Câmara, Relator designado Gomes de Amorim, RJDTACRIM 3/54; AE n. 548.107/7, j. em 22/03/1989, 5ª Câmara, Relator Paulo Franco, Declaração de voto vencedor Ribeiro dos Santos, RJDTACRIM 3/55; AE n. 914.261/7, j. em 07/12/1994, 5ª Câmara, Relator designado Edgard Coelho, Declaração de voto

2vencido Geraldo Lucena, RJDTACRIM 24/26 .O E. STJ pacificou a situação, definindo o critério de

correção monetária a partir da data do fato delituoso, conforme se percebe nos seguintes recursos: EREsp 91003/RS, Relator(a) Ministro Gilson Dipp, 3ª seção, j. em 13/12/1999, DJ 21/02/2000 p. 84, LEXSTJ, v. 129, p. 279, v.u.; REsp 83846/RS, Relator(a) Ministro José Dantas, 5ª turma, j. em 16/12/1997, DJ 02/03/1998, p. 127, v.u.; REsp 120678/SP, Relator(a) Ministro Felix Fischer, 5ª turma, j. em 09/06/1997, DJ 04/08/1997, p. 34839, v.u.; REsp 81578/SP, Relator(a) Ministro Edson Vidigal, 5ª turma, j. 08/04/1996, DJ 13/05/1996, p. 15568, v.u.; REsp 39429/SP, Relator(a) Ministro Edson Vidigal, 5ª turma, j. em 02/04/1996, DJ 06/05/1996, p. 14436, v.u.; REsp 67747/MG, Relator(a) Ministro José Dantas, 5ª turma, j. em 06/02/1996, DJ 04/03/1996, p. 5415, v.u.; REsp 41438/SP, Relator(a) Ministro Assis Toledo, 5ª turma, j. em 28/09/1994, DJ 17/10/1994, p. 27906.

É pertinente a análise das dívidas de valor e de dinheiro.3Orlando Gomes anota que a dívida pecuniária é

“obrigação de valor nominal”, as obrigações pecuniárias determinam-se por “uma quantia fixa”, e as dívidas de valor variam no quantum em função do “valor da moeda”, por alteração do poder aquisitivo da moeda, com uso de cláusula de indexação contra a deterioração da moeda, “fixando o valor da dívida em

2 Vide http://www.tacrim.sp.gov.br.3 GOMES, O. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 56-58.

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função da variação de determinado índice econômico”.4A propósito, Arnoldo Wald conceitua dívida de valor como

aquela em que “o débito não é de certo número de unidades monetárias, mas do pagamento de uma soma correspondente a certo valor”, em que a moeda “não constitui o objeto da dívida, mas uma simples medida de valor”, pois a dívida é de “um quid” e não de “um quantum”, por representar um valor correspondente a um bem determinado e não certo número de unidades monetárias.

5Leib Soibelman também entende a dívida de valor como a obrigação em que “‘o objeto não é o dinheiro como dinheiro, mas o dinheiro como meio de medida de um valor patrimonial que ele representa no momento da conclusão do contrato”, sendo que em caso de desvalorização do dinheiro no decorrer do contrato “o credor já não receberá o valor que ele pretendeu ao contratar”, motivo para a “aplicação da correção monetária, correção do valor do objeto do contrato”. Entende que é o oposto da dívida pecuniária. Anota que nesta “o dinheiro é o meio de pagamento, pouco importando sua desvalorização”.

As dívidas em dinheiro são aquelas em que o dinheiro em si é “objeto da prestação”, como no mútuo, enquanto que nas dívidas de

6valor o dinheiro serve para “medir ou valorar o objeto na prestação” .A propósito, a dívida de dinheiro tem referência com a

unidade monetária, o chamado valor de face da moeda, em que há correspondência exata para a utilização como troca por bem ou serviço. Uma tradução de dívida de dinheiro é a obrigação originária de mútuo ou de título de crédito. Por outro lado, a dívida de valor representa algo, um bem ou serviço, e a sua estimação em moeda é o mecanismo para a sua exigibilidade e certeza. São exemplos as obrigações alimentares, indenizações decorrentes de atos ilícitos ou de responsabilidade extracontratual e as provenientes de desapropriação. Na dívida de dinheiro, a moeda é objeto; na dívida de valor, a moeda é instrumento de estimação de algum bem.

4 WALD, A. Curso de Direito Civil brasileiro: obrigações e contratos. 12. ed. São Paulo: RT, 1995. p. 52.

5 SOIBELMAN, L. Enciclopédia do advogado. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1983. p. 134.

6 DINIZ, M. H. et al. Novo Código Civil comentado. Disponível em: http://www.netlegis.com.br/ componentes/upload/CCCOMENTADO.pdf.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 109

O Código Civil estabelece o objeto do pagamento, a prestação estabelecida, sem obrigação de recebimento de prestação diversa, mesmo que mais valiosa (art. 313), com a previsão de que a obrigação de pagamento das dívidas em dinheiro deverá ocorrer no vencimento, “em moeda corrente e pelo valor nominal” (art. 315). A dívida de dinheiro está definida no art. 314 (moeda corrente pelo valor nominal), enquanto as demais dívidas são de valor, pois o seu descumprimento importa em obrigação de responder “pelo equivalente” (arts. 234 e 239) ou exigir “o equivalente” (art. 236), denotando-se que a expressão equivalente indica dívida de valor.

Note-se que o inadimplemento de qualquer obrigação gera a obrigação de pagamento de atualização monetária, além de juros e perdas e danos (art. 389), de modo que a análise econômica de nominalismo ou valorismo é irrelevante. A própria diferenciação entre dívida de valor e dívida de dinheiro perdeu importância, tendo em vista que as duas dívidas são corrigidas monetariamente.

No campo penal, antes da alteração legislativa de 1984, a pena de multa era prevista em réis e depois em cruzeiro, moedas anteriores ao atual real. Para lembrança, ao delito de receptação (art. 180, caput, do Código Penal) era imposta, além da pena de reclusão, a multa de quinhentos mil réis a dez contos de réis (Decreto-lei 2.848/1940), depois de Cr$500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros), pela redação dada pela Lei n. 2.505, de 1955. A redação atual prevê pena cumulativa de reclusão (1 a 4 anos) e multa; não há indicação de valor em moeda corrente; o sistema vigente é de dias-multa, entre o mínimo de 10 e o máximo de 360, fixando-se cada unidade de dia-multa com base no salário mínimo (art. 49 do Código Penal), sem especificação no tipo penal do valor em moeda. A pena de multa com fixação da sanção em moeda corrente era inegavelmente dívida de dinheiro, enquanto o sistema de dias-multa tem característica de dívida de valor, por necessidade da sua estimação monetária, com transformação em quantia certa, além da expressa previsão legal no art. 51 do Código Penal.

A visão de transformação da dívida por condenação por crime em dívida tributária é distorcida. A referência à legislação processual tributária para a execução não é apta a transformar a

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função da variação de determinado índice econômico”.4A propósito, Arnoldo Wald conceitua dívida de valor como

aquela em que “o débito não é de certo número de unidades monetárias, mas do pagamento de uma soma correspondente a certo valor”, em que a moeda “não constitui o objeto da dívida, mas uma simples medida de valor”, pois a dívida é de “um quid” e não de “um quantum”, por representar um valor correspondente a um bem determinado e não certo número de unidades monetárias.

5Leib Soibelman também entende a dívida de valor como a obrigação em que “‘o objeto não é o dinheiro como dinheiro, mas o dinheiro como meio de medida de um valor patrimonial que ele representa no momento da conclusão do contrato”, sendo que em caso de desvalorização do dinheiro no decorrer do contrato “o credor já não receberá o valor que ele pretendeu ao contratar”, motivo para a “aplicação da correção monetária, correção do valor do objeto do contrato”. Entende que é o oposto da dívida pecuniária. Anota que nesta “o dinheiro é o meio de pagamento, pouco importando sua desvalorização”.

As dívidas em dinheiro são aquelas em que o dinheiro em si é “objeto da prestação”, como no mútuo, enquanto que nas dívidas de

6valor o dinheiro serve para “medir ou valorar o objeto na prestação” .A propósito, a dívida de dinheiro tem referência com a

unidade monetária, o chamado valor de face da moeda, em que há correspondência exata para a utilização como troca por bem ou serviço. Uma tradução de dívida de dinheiro é a obrigação originária de mútuo ou de título de crédito. Por outro lado, a dívida de valor representa algo, um bem ou serviço, e a sua estimação em moeda é o mecanismo para a sua exigibilidade e certeza. São exemplos as obrigações alimentares, indenizações decorrentes de atos ilícitos ou de responsabilidade extracontratual e as provenientes de desapropriação. Na dívida de dinheiro, a moeda é objeto; na dívida de valor, a moeda é instrumento de estimação de algum bem.

4 WALD, A. Curso de Direito Civil brasileiro: obrigações e contratos. 12. ed. São Paulo: RT, 1995. p. 52.

5 SOIBELMAN, L. Enciclopédia do advogado. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1983. p. 134.

6 DINIZ, M. H. et al. Novo Código Civil comentado. Disponível em: http://www.netlegis.com.br/ componentes/upload/CCCOMENTADO.pdf.

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O Código Civil estabelece o objeto do pagamento, a prestação estabelecida, sem obrigação de recebimento de prestação diversa, mesmo que mais valiosa (art. 313), com a previsão de que a obrigação de pagamento das dívidas em dinheiro deverá ocorrer no vencimento, “em moeda corrente e pelo valor nominal” (art. 315). A dívida de dinheiro está definida no art. 314 (moeda corrente pelo valor nominal), enquanto as demais dívidas são de valor, pois o seu descumprimento importa em obrigação de responder “pelo equivalente” (arts. 234 e 239) ou exigir “o equivalente” (art. 236), denotando-se que a expressão equivalente indica dívida de valor.

Note-se que o inadimplemento de qualquer obrigação gera a obrigação de pagamento de atualização monetária, além de juros e perdas e danos (art. 389), de modo que a análise econômica de nominalismo ou valorismo é irrelevante. A própria diferenciação entre dívida de valor e dívida de dinheiro perdeu importância, tendo em vista que as duas dívidas são corrigidas monetariamente.

No campo penal, antes da alteração legislativa de 1984, a pena de multa era prevista em réis e depois em cruzeiro, moedas anteriores ao atual real. Para lembrança, ao delito de receptação (art. 180, caput, do Código Penal) era imposta, além da pena de reclusão, a multa de quinhentos mil réis a dez contos de réis (Decreto-lei 2.848/1940), depois de Cr$500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros), pela redação dada pela Lei n. 2.505, de 1955. A redação atual prevê pena cumulativa de reclusão (1 a 4 anos) e multa; não há indicação de valor em moeda corrente; o sistema vigente é de dias-multa, entre o mínimo de 10 e o máximo de 360, fixando-se cada unidade de dia-multa com base no salário mínimo (art. 49 do Código Penal), sem especificação no tipo penal do valor em moeda. A pena de multa com fixação da sanção em moeda corrente era inegavelmente dívida de dinheiro, enquanto o sistema de dias-multa tem característica de dívida de valor, por necessidade da sua estimação monetária, com transformação em quantia certa, além da expressa previsão legal no art. 51 do Código Penal.

A visão de transformação da dívida por condenação por crime em dívida tributária é distorcida. A referência à legislação processual tributária para a execução não é apta a transformar a

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natureza jurídica da dívida decorrente de condenação criminal em dívida de natureza tributária, porque as origens são diversas e inconciliáveis. A deformação de origem seria a mesma se o legislador resolvesse alterar novamente o art. 51 do Código Penal e o sistema de execução de pena criminal e adotasse hipoteticamente o procedimento de execução de alimentos (art. 733 do Código de Processo Civil): o título executivo judicial de origem criminal também não seria crédito alimentar. O rito procedimental da execução não pode alterar a origem e natureza jurídica do débito de condenação criminal.

A competência jurisdicional para a execução de multa criminal é do juízo criminal de conhecimento ou de execução criminal, e não do juízo fazendário, a despeito de utilização de rito procedimental de dívida ativa da fazenda pública. O rito da execução não altera o direito material nem a competência jurisdicional.

A atribuição de movimentação da execução de multa penal é do Ministério Público e não da Procuradoria da Fazenda, por se tratar de atividade relacionada à promoção da ação penal e não cobrança de crédito tributário.

A legitimidade ativa do Ministério Público para a execução de pena criminal, especialmente a multa criminal, decorre do art. 164 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984). Ademais, o órgão de acusação é legitimado para a execução penal de qualquer de suas modalidades, seja a execução de pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos ou multa, por ser um dos órgãos da execução penal (art. 61, III, LEP) incumbido da fiscalização da execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução (art. 67, LEP), e de requerer “todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo” (art. 68, II, “a”, da LEP), além de outras funções, como requerimento da execução de pena restritiva de direitos (art. 147, LEP) ou de requerimento para iniciação do procedimento judicial de execução (art. 195, LEP).

Como se vê, todo o sistema do ordenamento jurídico infraconstitucional prestigia e confirma a legitimidade do Ministério Público no campo penal e processual penal, no processo de conhecimento e de execução.

E não poderia ser diferente! Deve ser lembrado que o artigo

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129, I, da Constituição Federal, estabelece o princípio da privatividade da ação penal pública pelo Ministério Público, que deve ser interpretado como poder de interferência e atuação em todas as fases relacionadas ao crime, desde a fase de política de segurança pública, investigação criminal, passando pela ação penal, até a execução da pena, fase final da persecução penal estatal, além de outras atividades pertinentes. Trata-se de legitimidade constitucional

7do Ministério Público, de cunho político e processual . A execução da pena de multa integra a persecução penal do Estado e o Ministério Público tem incumbência para buscar a efetivação do conteúdo

8decisório da sentença penal condenatória .No direito comparado, a atribuição de movimentação da

execução de pena pecuniária é função do Ministério Público. Na Itália, O Ministério Público faz os pedidos e participa de todos os incidentes de execução (art. 655, CPP), inclusive na execução de multa (art. 660, CPP). Em Portugal, findo o prazo sem pagamento da execução, o Ministério Público “promove logo a execução” (art. 491, 2, CPP, Decreto Lei 78/1987, atualizado pela Lei 48/2007). Na Alemanha, o Ministério Público é responsável pela execução de sentenças penais (art. 451, CPP), com supervisão da aplicação das sanções, incluindo-se a conversão da multa não paga

9em prisão (459e) . Na Argentina, o Ministério Público atua em 10todos os incidentes de execução penal .

A execução da pena é judicializada no sistema do Código Processual Penal Modelo para Íbero-América (art. 389 e seguintes), com intervenção do Ministério Público nos incidentes de execução (art. 391) e previsão expressa de atuação na conversão da multa não paga em prisão (art. 395). O Código de Processo Penal do Paraguai (Ley 1.286/1998) adotou a sistemática (Código

7 SANTIN, V. F. Legitimidade do Ministério Público no processo penal. Justitia, São Paulo, PGJ-APMP, v. 189-192, p. 13-26; ______. O Ministério Público na investigação criminal. 2. ed. Bauru: Edipro, 2007. p. 218-219.

8 BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. v. 1, parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 584.

9 Sobre a atuação do Ministério Público na Europa, vide http://www.euro-justice.com/sitemap/.

10 MOM, J. R. M. Manual de Derecho Procesal Penal. 6. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2004. p. 43 e 442-443.

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natureza jurídica da dívida decorrente de condenação criminal em dívida de natureza tributária, porque as origens são diversas e inconciliáveis. A deformação de origem seria a mesma se o legislador resolvesse alterar novamente o art. 51 do Código Penal e o sistema de execução de pena criminal e adotasse hipoteticamente o procedimento de execução de alimentos (art. 733 do Código de Processo Civil): o título executivo judicial de origem criminal também não seria crédito alimentar. O rito procedimental da execução não pode alterar a origem e natureza jurídica do débito de condenação criminal.

A competência jurisdicional para a execução de multa criminal é do juízo criminal de conhecimento ou de execução criminal, e não do juízo fazendário, a despeito de utilização de rito procedimental de dívida ativa da fazenda pública. O rito da execução não altera o direito material nem a competência jurisdicional.

A atribuição de movimentação da execução de multa penal é do Ministério Público e não da Procuradoria da Fazenda, por se tratar de atividade relacionada à promoção da ação penal e não cobrança de crédito tributário.

A legitimidade ativa do Ministério Público para a execução de pena criminal, especialmente a multa criminal, decorre do art. 164 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984). Ademais, o órgão de acusação é legitimado para a execução penal de qualquer de suas modalidades, seja a execução de pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos ou multa, por ser um dos órgãos da execução penal (art. 61, III, LEP) incumbido da fiscalização da execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução (art. 67, LEP), e de requerer “todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo” (art. 68, II, “a”, da LEP), além de outras funções, como requerimento da execução de pena restritiva de direitos (art. 147, LEP) ou de requerimento para iniciação do procedimento judicial de execução (art. 195, LEP).

Como se vê, todo o sistema do ordenamento jurídico infraconstitucional prestigia e confirma a legitimidade do Ministério Público no campo penal e processual penal, no processo de conhecimento e de execução.

E não poderia ser diferente! Deve ser lembrado que o artigo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 111

129, I, da Constituição Federal, estabelece o princípio da privatividade da ação penal pública pelo Ministério Público, que deve ser interpretado como poder de interferência e atuação em todas as fases relacionadas ao crime, desde a fase de política de segurança pública, investigação criminal, passando pela ação penal, até a execução da pena, fase final da persecução penal estatal, além de outras atividades pertinentes. Trata-se de legitimidade constitucional

7do Ministério Público, de cunho político e processual . A execução da pena de multa integra a persecução penal do Estado e o Ministério Público tem incumbência para buscar a efetivação do conteúdo

8decisório da sentença penal condenatória .No direito comparado, a atribuição de movimentação da

execução de pena pecuniária é função do Ministério Público. Na Itália, O Ministério Público faz os pedidos e participa de todos os incidentes de execução (art. 655, CPP), inclusive na execução de multa (art. 660, CPP). Em Portugal, findo o prazo sem pagamento da execução, o Ministério Público “promove logo a execução” (art. 491, 2, CPP, Decreto Lei 78/1987, atualizado pela Lei 48/2007). Na Alemanha, o Ministério Público é responsável pela execução de sentenças penais (art. 451, CPP), com supervisão da aplicação das sanções, incluindo-se a conversão da multa não paga

9em prisão (459e) . Na Argentina, o Ministério Público atua em 10todos os incidentes de execução penal .

A execução da pena é judicializada no sistema do Código Processual Penal Modelo para Íbero-América (art. 389 e seguintes), com intervenção do Ministério Público nos incidentes de execução (art. 391) e previsão expressa de atuação na conversão da multa não paga em prisão (art. 395). O Código de Processo Penal do Paraguai (Ley 1.286/1998) adotou a sistemática (Código

7 SANTIN, V. F. Legitimidade do Ministério Público no processo penal. Justitia, São Paulo, PGJ-APMP, v. 189-192, p. 13-26; ______. O Ministério Público na investigação criminal. 2. ed. Bauru: Edipro, 2007. p. 218-219.

8 BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. v. 1, parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 584.

9 Sobre a atuação do Ministério Público na Europa, vide http://www.euro-justice.com/sitemap/.

10 MOM, J. R. M. Manual de Derecho Procesal Penal. 6. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2004. p. 43 e 442-443.

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Tipo), conforme se verifica nos arts. 493, 495 e 498. No Chile, as normas sobre execução de sentença constam dos arts. 467 a 472, CPP, a cargo do Juízo, com intervenção do Ministério Público e da defesa (art. 466, CPP, Ley 19.696/2000). Na Bolívia, o art. 430 e seguintes tratam da execução judicial da pena, com atuação do Ministério Público e da defesa nos incidentes (art. 432, CPP, Ley 1970, de 25.02.1999).

Frise-se que a retirada da legitimidade do Ministério Público e da competência jurisdicional da Vara Criminal ou das Execuções Criminais seria um ataque fatal à multa criminal, que se não cumprida espontaneamente pelo condenado teria pouca condição de exigência e coerção penal-patrimonial. A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo não movimenta a execução por pequeno valor do débito, possuindo patamar mínimo para execução fiscal. A situação caracteriza-se como coroamento da impunidade, velório e enterro da pena de multa.

Não se desconhece o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça no sentido da perda da legitimidade do Ministério Público e a atribuição de representante da Fazenda Pública para a execução de multa.

O E. STJ tem se apegado à condição de “dívida de valor” da multa penal ou de “dívida ativa” para afastamento da legitimidade do Ministério Público, consideração de atribuição da Procuradoria da Fazenda Pública e existência de juízo especializado para a cobrança da dívida, não das Execuções Penais. A consideração como dívida de valor consta do REsp 1042887/MG, Relator(a) Ministro Jorge Mussi, 5ª turma, j. em 18/09/2008, DJe 20/10/2008, LEXSTJ, v. 231, p. 346; AgRg no REsp 1027204, Relator(a) Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª turma, j. em 19/06/2008, DJe 18/08/2008, v.u.; REsp 832267/RS, Relator(a) Ministra Laurita Vaz, 5ª turma, j. em 20/03/2007, DJ 14/05/2007, p. 385; CAt 92/SP, Relator(a) Ministro Gilson Dipp, 3ª seção, j. em 26/10/2005, DJe 07/05/2008; REsp 286889/SP, Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha, 2ª turma, j. em 06/12/2005, DJ 01/02/2006, p. 475. O tratamento como dívida ativa foi feito nos REsp 286889/SP, Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha; CAt 92/SP, Relator(a) Ministro Gilson Dipp; REsp 169586/SP, Relator(a) Ministro Castro Meira, 2ª turma, j. em 22/02/2005, DJ 04/04/2005, p. 236, inclusive necessidade de

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inscrição na dívida ativa (CAt 92/SP, Relator(a) Ministro Gilson Dipp; REsp 286889/SP, Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha). Sobre a característica da multa penal, tem-se entendido como “sanção penal” (REsp 832267/RS, Relator(a) Ministra Laurita Vaz) ou “extrapenal” (REsp 286889/SP, Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha).

Tal postura restritiva de atuação do Ministério Público e da execução da multa criminal não merece continuar aguardando que o E. Superior Tribunal de Justiça reveja o seu posicionamento e altere o rumo da jurisprudência para colocar as coisas nos seus devidos lugares. Nem sempre a posição majoritária dos tribunais prevalece, até porque o movimento jurisprudencial é dinâmico e mutável, diante de interpretação e hermenêutica mais adequada ao assunto em debate.

Cabe anotar que o E. STJ já se posicionou favoravelmente à legitimidade da execução penal de multa pelo Ministério Público, em interpretação do art. 51 do Código Penal, pois “nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público, enquanto titular da ação penal, promover a execução da pena de

11multa, perante o Juízo das Execuções Penais” , entendimento mais adequado à espécie.

A E. Procuradoria Geral da República ingressou, em 2004, com ação direta de inconstitucionalidade do art. 51 do Código Penal, para que, em interpretação conforme, seja reconhecida a legitimidade do Ministério Público para ingressar com execução da pena de multa e a competência do Juízo das Execuções

12Criminais. A ação constitucional ainda está em andamento . Os principais argumentos constantes da petição inicial são de que o caráter polissêmico do dispositivo provocou dissensão doutrinária e jurisprudencial, por entendimentos de que teria sido retirado o caráter penal da multa ou de modificação meramente procedimental. A consideração tributária de punição criminal não se compatibiliza com a Carta Política, e a única interpretação viável é a limitação dos efeitos da Lei 9.268/1996 à modificação do rito da Lei 7.210/1984 (art. 164, §2º), sem resvalar na competência

11 REsp 699286/SP, Relator(a) Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª turma, j. em 08/11/2005, DJ 05.12.2005, p. 369, RT v. 846, p. 556, v.u.

12 ADI 3150, Rel. Marco Aurélio, disponível em: www.stf.jus.br.

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Tipo), conforme se verifica nos arts. 493, 495 e 498. No Chile, as normas sobre execução de sentença constam dos arts. 467 a 472, CPP, a cargo do Juízo, com intervenção do Ministério Público e da defesa (art. 466, CPP, Ley 19.696/2000). Na Bolívia, o art. 430 e seguintes tratam da execução judicial da pena, com atuação do Ministério Público e da defesa nos incidentes (art. 432, CPP, Ley 1970, de 25.02.1999).

Frise-se que a retirada da legitimidade do Ministério Público e da competência jurisdicional da Vara Criminal ou das Execuções Criminais seria um ataque fatal à multa criminal, que se não cumprida espontaneamente pelo condenado teria pouca condição de exigência e coerção penal-patrimonial. A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo não movimenta a execução por pequeno valor do débito, possuindo patamar mínimo para execução fiscal. A situação caracteriza-se como coroamento da impunidade, velório e enterro da pena de multa.

Não se desconhece o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça no sentido da perda da legitimidade do Ministério Público e a atribuição de representante da Fazenda Pública para a execução de multa.

O E. STJ tem se apegado à condição de “dívida de valor” da multa penal ou de “dívida ativa” para afastamento da legitimidade do Ministério Público, consideração de atribuição da Procuradoria da Fazenda Pública e existência de juízo especializado para a cobrança da dívida, não das Execuções Penais. A consideração como dívida de valor consta do REsp 1042887/MG, Relator(a) Ministro Jorge Mussi, 5ª turma, j. em 18/09/2008, DJe 20/10/2008, LEXSTJ, v. 231, p. 346; AgRg no REsp 1027204, Relator(a) Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª turma, j. em 19/06/2008, DJe 18/08/2008, v.u.; REsp 832267/RS, Relator(a) Ministra Laurita Vaz, 5ª turma, j. em 20/03/2007, DJ 14/05/2007, p. 385; CAt 92/SP, Relator(a) Ministro Gilson Dipp, 3ª seção, j. em 26/10/2005, DJe 07/05/2008; REsp 286889/SP, Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha, 2ª turma, j. em 06/12/2005, DJ 01/02/2006, p. 475. O tratamento como dívida ativa foi feito nos REsp 286889/SP, Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha; CAt 92/SP, Relator(a) Ministro Gilson Dipp; REsp 169586/SP, Relator(a) Ministro Castro Meira, 2ª turma, j. em 22/02/2005, DJ 04/04/2005, p. 236, inclusive necessidade de

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inscrição na dívida ativa (CAt 92/SP, Relator(a) Ministro Gilson Dipp; REsp 286889/SP, Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha). Sobre a característica da multa penal, tem-se entendido como “sanção penal” (REsp 832267/RS, Relator(a) Ministra Laurita Vaz) ou “extrapenal” (REsp 286889/SP, Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha).

Tal postura restritiva de atuação do Ministério Público e da execução da multa criminal não merece continuar aguardando que o E. Superior Tribunal de Justiça reveja o seu posicionamento e altere o rumo da jurisprudência para colocar as coisas nos seus devidos lugares. Nem sempre a posição majoritária dos tribunais prevalece, até porque o movimento jurisprudencial é dinâmico e mutável, diante de interpretação e hermenêutica mais adequada ao assunto em debate.

Cabe anotar que o E. STJ já se posicionou favoravelmente à legitimidade da execução penal de multa pelo Ministério Público, em interpretação do art. 51 do Código Penal, pois “nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público, enquanto titular da ação penal, promover a execução da pena de

11multa, perante o Juízo das Execuções Penais” , entendimento mais adequado à espécie.

A E. Procuradoria Geral da República ingressou, em 2004, com ação direta de inconstitucionalidade do art. 51 do Código Penal, para que, em interpretação conforme, seja reconhecida a legitimidade do Ministério Público para ingressar com execução da pena de multa e a competência do Juízo das Execuções

12Criminais. A ação constitucional ainda está em andamento . Os principais argumentos constantes da petição inicial são de que o caráter polissêmico do dispositivo provocou dissensão doutrinária e jurisprudencial, por entendimentos de que teria sido retirado o caráter penal da multa ou de modificação meramente procedimental. A consideração tributária de punição criminal não se compatibiliza com a Carta Política, e a única interpretação viável é a limitação dos efeitos da Lei 9.268/1996 à modificação do rito da Lei 7.210/1984 (art. 164, §2º), sem resvalar na competência

11 REsp 699286/SP, Relator(a) Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª turma, j. em 08/11/2005, DJ 05.12.2005, p. 369, RT v. 846, p. 556, v.u.

12 ADI 3150, Rel. Marco Aurélio, disponível em: www.stf.jus.br.

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da Vara de Execuções Penais. A finalidade da norma é a melhor atuação na persecução criminal e no cumprimento da pena, de tratamento processual; a privatividade da ação penal (art. 129, I, CF) abriga a execução da sentença condenatória, por compreensão instrumental, tanto da fase cognitiva como da executória; a legitimidade processual da Fazenda Pública viola frontalmente a atribuição constitucional privativa do Ministério Público e confere à Vara das Execuções Fiscais a implementação de sanção penal; o crédito tributário poderia ser exigido dos herdeiros do apenado, em afronta à responsabilidade penal pessoal, por intranscendência da sanção penal, lesionando o art. 5º, XLV, da CF/88; a menção à dívida de valor não tem o condão de alterar a natureza da multa, que é uma sanção penal, nem desviar a sua finalidade de recurso de Fundo Penitenciário; injustificável o entendimento de inscrição de multas em dívida ativa da Fazenda, pela providência absolutamente despicienda e ilegítima de transformar um título judicial em título extrajudicial; a norma jurídica é o resultado de sua interpretação, dentro do contexto da ordem legislativa como um todo, sendo que a Constituição se projeta sobre o sistema jurídico, impregnando-o de seus valores e revestindo-o dos fundamentos de validade e autoridade; alguns significados da lei podem ser compatíveis e outros inconciliáveis com o Texto Fundamental, incumbindo ao Judiciário superar o impasse, elegendo a interpretação harmônica com a Constituição, para conservar a validade da lei e prestigiar a presunção de constitucionalidade; a interpretação conforme a Constituição configura mecanismo de controle de constitucionalidade; na eleição da alternativa hermenêutica é reconhecido que a norma impugnada é constitucional quando imbuída do significado que a concilia e afirma a inconstitucionalidade do dispositivo se aplicado segundo o critério antagônico; a eliminação das hipóteses interpretativas e a aplicação de mecanismo da interpretação conforme a Constituição visa salvar a lei impugnada.

13Cezar Roberto Bittencourt entende que a Lei 9.268/1996 não alterou a competência para a execução da pena de multa, ainda do Juízo das Execuções Criminais, o procedimento permanece

13 BITTENCOURT, op. cit., p. 582-585.

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regulado pelos arts. 164 a 169 da LEP e a legitimidade continua do Ministério Público. A pena de multa mantém a “natureza de sanção criminal” e considera impossível juridicamente a inscrição em dívida ativa de sentença penal condenatória, verdadeira “heresia jurídica”, porque a lei não prevê a necessidade de inscrição; a eventual previsão transformaria um título judicial (sentença condenatória) em título extrajudicial (dívida ativa) e deslocaria o crédito do Fundo Penitenciário para o orçamento da União. O fundamento político-legislativo da definição como dívida de valor seria para justificar a inconversibilidade da multa não paga em prisão e possibilitar a atualização monetária.

14Guilherme de Souza Nucci posiciona-se pela possibilidade de correção monetária da multa. Por se tratar de simples atualização do valor da moeda, a Lei 9.268/1996 pretendeu evitar a conversão da multa em prisão, a multa continua com a natureza jurídica de sanção penal, e não civil, a competência seria da Vara das Execuções Criminais, executada pelo Ministério Público e seguindo o rito da Lei 6.830/1980.

15Vladimir Brega Filho considera a expressão “dívida de valor” como esclarecimento para a incidência da correção monetária, sem transformação da natureza penal da multa, e que a execução da multa deve ser promovida pelo Ministério Publico, perante o Juízo das Execuções Criminais.

16Em sentido contrário, Damásio Evangelista de Jesus , com base na Lei 9.268/1996, pensa que o valor da pena de multa de sentença penal condenatória transitada em julgado deva ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública, não se procede mais nos termos dos arts. 164 e seguintes da LEP, a execução deve ser promovida pela Fazenda Pública, não mais de atribuição do Ministério Público. Anota o “caráter extrapenal” da execução, mas “a multa permanece com sua natureza penal, subsistindo os efeitos penais da sentença”. Sem acréscimos,

14 NUCCI, G. de S. Código Penal comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 346; ______. Manual de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 429-430.

15 BREGA FILHO, V. A execução da pena de multa: alterações da Lei 9.268/96. Disponível em: www.travelnet.com.br/juridica/art11_96.htm.

16 JESUS, D. E. de. Direito Penal. v. 1, parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 533.

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da Vara de Execuções Penais. A finalidade da norma é a melhor atuação na persecução criminal e no cumprimento da pena, de tratamento processual; a privatividade da ação penal (art. 129, I, CF) abriga a execução da sentença condenatória, por compreensão instrumental, tanto da fase cognitiva como da executória; a legitimidade processual da Fazenda Pública viola frontalmente a atribuição constitucional privativa do Ministério Público e confere à Vara das Execuções Fiscais a implementação de sanção penal; o crédito tributário poderia ser exigido dos herdeiros do apenado, em afronta à responsabilidade penal pessoal, por intranscendência da sanção penal, lesionando o art. 5º, XLV, da CF/88; a menção à dívida de valor não tem o condão de alterar a natureza da multa, que é uma sanção penal, nem desviar a sua finalidade de recurso de Fundo Penitenciário; injustificável o entendimento de inscrição de multas em dívida ativa da Fazenda, pela providência absolutamente despicienda e ilegítima de transformar um título judicial em título extrajudicial; a norma jurídica é o resultado de sua interpretação, dentro do contexto da ordem legislativa como um todo, sendo que a Constituição se projeta sobre o sistema jurídico, impregnando-o de seus valores e revestindo-o dos fundamentos de validade e autoridade; alguns significados da lei podem ser compatíveis e outros inconciliáveis com o Texto Fundamental, incumbindo ao Judiciário superar o impasse, elegendo a interpretação harmônica com a Constituição, para conservar a validade da lei e prestigiar a presunção de constitucionalidade; a interpretação conforme a Constituição configura mecanismo de controle de constitucionalidade; na eleição da alternativa hermenêutica é reconhecido que a norma impugnada é constitucional quando imbuída do significado que a concilia e afirma a inconstitucionalidade do dispositivo se aplicado segundo o critério antagônico; a eliminação das hipóteses interpretativas e a aplicação de mecanismo da interpretação conforme a Constituição visa salvar a lei impugnada.

13Cezar Roberto Bittencourt entende que a Lei 9.268/1996 não alterou a competência para a execução da pena de multa, ainda do Juízo das Execuções Criminais, o procedimento permanece

13 BITTENCOURT, op. cit., p. 582-585.

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regulado pelos arts. 164 a 169 da LEP e a legitimidade continua do Ministério Público. A pena de multa mantém a “natureza de sanção criminal” e considera impossível juridicamente a inscrição em dívida ativa de sentença penal condenatória, verdadeira “heresia jurídica”, porque a lei não prevê a necessidade de inscrição; a eventual previsão transformaria um título judicial (sentença condenatória) em título extrajudicial (dívida ativa) e deslocaria o crédito do Fundo Penitenciário para o orçamento da União. O fundamento político-legislativo da definição como dívida de valor seria para justificar a inconversibilidade da multa não paga em prisão e possibilitar a atualização monetária.

14Guilherme de Souza Nucci posiciona-se pela possibilidade de correção monetária da multa. Por se tratar de simples atualização do valor da moeda, a Lei 9.268/1996 pretendeu evitar a conversão da multa em prisão, a multa continua com a natureza jurídica de sanção penal, e não civil, a competência seria da Vara das Execuções Criminais, executada pelo Ministério Público e seguindo o rito da Lei 6.830/1980.

15Vladimir Brega Filho considera a expressão “dívida de valor” como esclarecimento para a incidência da correção monetária, sem transformação da natureza penal da multa, e que a execução da multa deve ser promovida pelo Ministério Publico, perante o Juízo das Execuções Criminais.

16Em sentido contrário, Damásio Evangelista de Jesus , com base na Lei 9.268/1996, pensa que o valor da pena de multa de sentença penal condenatória transitada em julgado deva ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública, não se procede mais nos termos dos arts. 164 e seguintes da LEP, a execução deve ser promovida pela Fazenda Pública, não mais de atribuição do Ministério Público. Anota o “caráter extrapenal” da execução, mas “a multa permanece com sua natureza penal, subsistindo os efeitos penais da sentença”. Sem acréscimos,

14 NUCCI, G. de S. Código Penal comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 346; ______. Manual de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 429-430.

15 BREGA FILHO, V. A execução da pena de multa: alterações da Lei 9.268/96. Disponível em: www.travelnet.com.br/juridica/art11_96.htm.

16 JESUS, D. E. de. Direito Penal. v. 1, parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 533.

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17Fernando Capez adota a mesma posição .A decisão de indeferimento da inicial de execução de multa

criminal viola e nega vigência aos artigos 164, 61, III, 67, 68, II, “a”, 147, 195, da Lei de Execução Penal, Lei 7.210/1984, sob argumento de ilegitimidade de parte ativa do Ministério Público e incompetência do Juízo criminal.

A posição excludente da atuação do Ministério Público padece de inconstitucionalidade por ferimento ao artigo 129, I, da Constituição Federal, que prevê o princípio da privatividade da ação penal pelo Ministério Público e o sistema acusatório. A inviabilização da execução da sanção criminal também se configura como violação ao direito constitucional do Ministério Público de acesso à Justiça para reparação de dano integral provocado pelo crime, lesão a direito da sociedade, em afronta ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. E mais: um ataque à pessoalidade e intranscendentalidade da pena (art. 5º, XLV), à individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF) e ao juiz natural (art. 5º, LIII, CF).

Conclusão

Tendo em vista tais fatos, concluo:

1) A pena de multa criminal é de natureza criminal, aplicada em relação processual penal por lesão provocada pelo crime, no exercício da persecução penal estatal, sanção bem diversa do crédito tributário, que é originário de relação tributária e exercício do poder tributário;

2) O uso do rito de execução de dívida ativa da Fazenda Pública não afeta a condição essencial de multa criminal nem a transforma em crédito tributário, constituindo-se em mera forma procedimental de cobrança de dívida de natureza penal;

3) O Ministério Público tem legitimidade constitucional e infraconstitucional para a movimentação da ação penal pública e da ação de execução de multa criminal, com evidente invasão

17 CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. v. 1, parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 395-397.

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de atribuição e ilegitimidade da atuação da Procuradoria da Fazenda na execução de multa penal;

4) A competência para o processo de execução de multa é do Juízo Criminal ou da Execução Penal, não da Vara da Fazenda Pública, por constituir matéria relativa à pena criminal, sem ligação a crédito tributário.

Referências

BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. v. 1, parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

BREGA FILHO, V. A execução da pena de multa: alterações da Lei 9.268/96. Disponível em: www.travelnet.com.br/juridica/art11_96.htm.

CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. v. 1, parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DINIZ, M. H. et al. Novo Código Civil comentado. Disponível em: http://www.netlegis.com.br/componentes/upload/CCCOMENTADO.pdf.

GOMES, O. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

JESUS, D. E. de. Direito Penal. v. 1, parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

MOM, J. R. M. Manual de Derecho Procesal Penal. 6. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2004.

NUCCI, G. de S. Código Penal comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006.

______. Manual de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007.

SANTIN, V. F. S. Legitimidade do Ministério Público no processo penal. Justitia, São Paulo, PGJ-APMP, v. 189-192, p. 13-26.

______. O Ministério Público na investigação criminal. 2. ed. Bauru: Edipro, 2007.

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17Fernando Capez adota a mesma posição .A decisão de indeferimento da inicial de execução de multa

criminal viola e nega vigência aos artigos 164, 61, III, 67, 68, II, “a”, 147, 195, da Lei de Execução Penal, Lei 7.210/1984, sob argumento de ilegitimidade de parte ativa do Ministério Público e incompetência do Juízo criminal.

A posição excludente da atuação do Ministério Público padece de inconstitucionalidade por ferimento ao artigo 129, I, da Constituição Federal, que prevê o princípio da privatividade da ação penal pelo Ministério Público e o sistema acusatório. A inviabilização da execução da sanção criminal também se configura como violação ao direito constitucional do Ministério Público de acesso à Justiça para reparação de dano integral provocado pelo crime, lesão a direito da sociedade, em afronta ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. E mais: um ataque à pessoalidade e intranscendentalidade da pena (art. 5º, XLV), à individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF) e ao juiz natural (art. 5º, LIII, CF).

Conclusão

Tendo em vista tais fatos, concluo:

1) A pena de multa criminal é de natureza criminal, aplicada em relação processual penal por lesão provocada pelo crime, no exercício da persecução penal estatal, sanção bem diversa do crédito tributário, que é originário de relação tributária e exercício do poder tributário;

2) O uso do rito de execução de dívida ativa da Fazenda Pública não afeta a condição essencial de multa criminal nem a transforma em crédito tributário, constituindo-se em mera forma procedimental de cobrança de dívida de natureza penal;

3) O Ministério Público tem legitimidade constitucional e infraconstitucional para a movimentação da ação penal pública e da ação de execução de multa criminal, com evidente invasão

17 CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. v. 1, parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 395-397.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 117

de atribuição e ilegitimidade da atuação da Procuradoria da Fazenda na execução de multa penal;

4) A competência para o processo de execução de multa é do Juízo Criminal ou da Execução Penal, não da Vara da Fazenda Pública, por constituir matéria relativa à pena criminal, sem ligação a crédito tributário.

Referências

BITTENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal. v. 1, parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

BREGA FILHO, V. A execução da pena de multa: alterações da Lei 9.268/96. Disponível em: www.travelnet.com.br/juridica/art11_96.htm.

CAPEZ, F. Curso de Direito Penal. v. 1, parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

DINIZ, M. H. et al. Novo Código Civil comentado. Disponível em: http://www.netlegis.com.br/componentes/upload/CCCOMENTADO.pdf.

GOMES, O. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

JESUS, D. E. de. Direito Penal. v. 1, parte geral. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

MOM, J. R. M. Manual de Derecho Procesal Penal. 6. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2004.

NUCCI, G. de S. Código Penal comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006.

______. Manual de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007.

SANTIN, V. F. S. Legitimidade do Ministério Público no processo penal. Justitia, São Paulo, PGJ-APMP, v. 189-192, p. 13-26.

______. O Ministério Público na investigação criminal. 2. ed. Bauru: Edipro, 2007.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009118

SOIBELMAN, L. Enciclopédia do advogado. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1983.

WALD, A. Curso de Direito Civil brasileiro: obrigações e contratos. 12. ed. São Paulo: RT, 1995.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 119

Resumo:Neste artigo se buscará a compreensão histórica do instituto jurídico da ação publiciana, sendo necessário, para isso, um retorno ao Direito Romano. Contudo, não há pretensão de se fazer um estudo exaustivo de direito comparado, mas apenas de buscar o conhecimento necessário para encontrar na história o surgimento deste instituto, de forma a auxiliar a compreensão dessa ação no ordenamento jurídico pátrio vigente.

Palavras-chave: ação publiciana, direito romano, hermenêutica histórica, direitos reais.

Introdução

Estudar o Direito na História é uma forma de pesquisa consagrada pela Escola Histórica, que tem por fundador Friedrich Carl Von Savigny. Há duas espécies de história do direito: interna e

1externa . Resumidamente, aquela consiste na apreensão dos institutos jurídicos em sua evolução no decorrer do tempo, enquanto esta é o estudo dos fatos sociais e suas influências no Direito. Este artigo propõe um estudo da história interna do Direito, na qual se buscarão as raízes históricas do instituto da ação publiciana.

Para realizar essa tarefa será necessário um retorno ao Direito Romano. Este compreende um período de doze séculos (há divergências), um verdadeiro laboratório jurídico, desde a fundação da cidade de Roma, em 753 a.C., até a morte do imperador Justiniano, em 565 d.C.

Havia vários sistemas jurídicos na antiguidade, mas o

AÇÃO PUBLICIANA

Heitor de Carvalho Pagliaro*

* Graduando em Direito pela UFG.1 Conforme concepção de Miguel Reale.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009118

SOIBELMAN, L. Enciclopédia do advogado. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1983.

WALD, A. Curso de Direito Civil brasileiro: obrigações e contratos. 12. ed. São Paulo: RT, 1995.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 119

Resumo:Neste artigo se buscará a compreensão histórica do instituto jurídico da ação publiciana, sendo necessário, para isso, um retorno ao Direito Romano. Contudo, não há pretensão de se fazer um estudo exaustivo de direito comparado, mas apenas de buscar o conhecimento necessário para encontrar na história o surgimento deste instituto, de forma a auxiliar a compreensão dessa ação no ordenamento jurídico pátrio vigente.

Palavras-chave: ação publiciana, direito romano, hermenêutica histórica, direitos reais.

Introdução

Estudar o Direito na História é uma forma de pesquisa consagrada pela Escola Histórica, que tem por fundador Friedrich Carl Von Savigny. Há duas espécies de história do direito: interna e

1externa . Resumidamente, aquela consiste na apreensão dos institutos jurídicos em sua evolução no decorrer do tempo, enquanto esta é o estudo dos fatos sociais e suas influências no Direito. Este artigo propõe um estudo da história interna do Direito, na qual se buscarão as raízes históricas do instituto da ação publiciana.

Para realizar essa tarefa será necessário um retorno ao Direito Romano. Este compreende um período de doze séculos (há divergências), um verdadeiro laboratório jurídico, desde a fundação da cidade de Roma, em 753 a.C., até a morte do imperador Justiniano, em 565 d.C.

Havia vários sistemas jurídicos na antiguidade, mas o

AÇÃO PUBLICIANA

Heitor de Carvalho Pagliaro*

* Graduando em Direito pela UFG.1 Conforme concepção de Miguel Reale.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009120

Romano se destaca pelo seu brilhantismo, sobretudo no Direito Privado. O Corpus Juris Civiles, planejado e levado a efeito pelo Imperador Justiniano, é o monumento histórico que simboliza a grandiosidade jurídica dos Romanos.

No mais, é importante salientar que, considerando que não existe conhecimento cientifico asséptico, neste artigo não existe nenhuma intenção de se chegar à verdade pura, mas apenas de traçar um ponto de vista, uma convicção jurídica norteada pelo

2estudo histórico do Direito .

Desenvolvimento

Em Roma, os pretores eram magistrados que exerciam funções relativamente semelhantes às do juiz de hoje. Detinham o poder do império (imperium), sendo investidos na jurisdição (jurisdictio). Por meio dos edictos, eles apresentavam uma espécie de plataforma, um conjunto de declarações que expunha aos administrados os projetos que pretendiam desenvolver.

A figura do pretor, como sujeito coletivo, teve grande importância na era republicana de Roma – esta compreendeu um período de aproximadamente quinhentos anos.

Como eram imbuídos do instrumento da equidade, foi sendo construído, com o tempo, um direito pretoriano, diferente do jus civile, na medida em que era mais liberal, humano, desapegado do formalismo estrito e mais atento ao caso concreto.

Sendo o direito pretoriano prático e casuístico, não empreendedor de grandes classificações sistemáticas globais, torna-se difícil extrair um conceito romano sobre determinado instituto. Não obstante, as fontes romanas fornecem elementos para que se estruture, consoante o espírito da romanidade, algumas concepções.

A respeito do direito das coisas, pode-se dizer que a propriedade no mundo romano ocupava posição central no

2 A respeito: “a ilusão científica de ‘objetividade’ não passou de um elemento sedativo e anestésico que hoje não tem mais utilidade; toda ciência é ideológica porque todo saber é ideológico” (ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, H. Manual de Direito Penal brasileiro. 5. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 63).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 121

sistema, girando-lhe ao redor toda ordem jurídica e econômica. Ela era um direito, enquanto a posse era um fato.

Inicialmente a propriedade era absoluta, sendo permitido ao proprietário dispor livremente sobre seu bem. Mas essa concepção evoluiu no decorrer do tempo, sofrendo influências do cristianismo, e a noção materialista se humanizou, passando a ser vista como um bem que acarreta ao titular direitos, mas também deveres e obrigações morais.

Havia três tipos de propriedade. A quiritária (dominium ex jure quiritium), que exigia a cidadania romana do dono e era defendida pela rei vindicatio. A provincial, que consistia na propriedade das terras provinciais, também protegida por ações. Por último, a pretoriana, não reconhecida pelo jus civile, mas protegida pelos pretores por meio da exceção da coisa vendida e entregue (exceptio rei venditae et traditae) e pela ação publiciana.

O jus civile era rígido e exigia formalismo para o comércio de bens imóveis. Por outro lado, o rápido desenvolvimento do comércio demandava flexibilidade jurídica.

A transferência solene da propriedade era uma exigência rígida do jus civile. Nesse sentido, no caso de transferência mediante simples tradição, perante o jus civile o vendedor continuava sendo proprietário, enquanto o adquirente passava a ser mero possuidor (tinha apenas relação de fato com a coisa), mesmo tendo pagado devidamente. Somente após o usucapião adquiriria a propriedade.

O pretor, armando-se da equidade, visando trazer justiça para as relações jurídicas reais, criou o meio de defesa processual da exceptio rei venditae et traditae (exceção da coisa vendida e entregue), que paralisava a eventual pretensão de má-fé do alienante de reaver a posse, protegendo o comprador que efetuou o devido pagamento.

Posteriormente essa defesa foi estendida para os casos em que a coisa entregue ao comprador pela simples tradição caísse porventura em mãos de terceiros. Nesse caso, como dito, conforme o jus civile, o comprador não tinha direito reconhecido no qual pudesse se basear para reaver a coisa. O pretor de nome Quinto Publicius, no afã de solucionar esse problema com justeza, criou a actio publiciana, que exigia a devolução da coisa ao comprador.

Essa ação era uma actio ficticiae, que no Direito Romano

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009120

Romano se destaca pelo seu brilhantismo, sobretudo no Direito Privado. O Corpus Juris Civiles, planejado e levado a efeito pelo Imperador Justiniano, é o monumento histórico que simboliza a grandiosidade jurídica dos Romanos.

No mais, é importante salientar que, considerando que não existe conhecimento cientifico asséptico, neste artigo não existe nenhuma intenção de se chegar à verdade pura, mas apenas de traçar um ponto de vista, uma convicção jurídica norteada pelo

2estudo histórico do Direito .

Desenvolvimento

Em Roma, os pretores eram magistrados que exerciam funções relativamente semelhantes às do juiz de hoje. Detinham o poder do império (imperium), sendo investidos na jurisdição (jurisdictio). Por meio dos edictos, eles apresentavam uma espécie de plataforma, um conjunto de declarações que expunha aos administrados os projetos que pretendiam desenvolver.

A figura do pretor, como sujeito coletivo, teve grande importância na era republicana de Roma – esta compreendeu um período de aproximadamente quinhentos anos.

Como eram imbuídos do instrumento da equidade, foi sendo construído, com o tempo, um direito pretoriano, diferente do jus civile, na medida em que era mais liberal, humano, desapegado do formalismo estrito e mais atento ao caso concreto.

Sendo o direito pretoriano prático e casuístico, não empreendedor de grandes classificações sistemáticas globais, torna-se difícil extrair um conceito romano sobre determinado instituto. Não obstante, as fontes romanas fornecem elementos para que se estruture, consoante o espírito da romanidade, algumas concepções.

A respeito do direito das coisas, pode-se dizer que a propriedade no mundo romano ocupava posição central no

2 A respeito: “a ilusão científica de ‘objetividade’ não passou de um elemento sedativo e anestésico que hoje não tem mais utilidade; toda ciência é ideológica porque todo saber é ideológico” (ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, H. Manual de Direito Penal brasileiro. 5. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 63).

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sistema, girando-lhe ao redor toda ordem jurídica e econômica. Ela era um direito, enquanto a posse era um fato.

Inicialmente a propriedade era absoluta, sendo permitido ao proprietário dispor livremente sobre seu bem. Mas essa concepção evoluiu no decorrer do tempo, sofrendo influências do cristianismo, e a noção materialista se humanizou, passando a ser vista como um bem que acarreta ao titular direitos, mas também deveres e obrigações morais.

Havia três tipos de propriedade. A quiritária (dominium ex jure quiritium), que exigia a cidadania romana do dono e era defendida pela rei vindicatio. A provincial, que consistia na propriedade das terras provinciais, também protegida por ações. Por último, a pretoriana, não reconhecida pelo jus civile, mas protegida pelos pretores por meio da exceção da coisa vendida e entregue (exceptio rei venditae et traditae) e pela ação publiciana.

O jus civile era rígido e exigia formalismo para o comércio de bens imóveis. Por outro lado, o rápido desenvolvimento do comércio demandava flexibilidade jurídica.

A transferência solene da propriedade era uma exigência rígida do jus civile. Nesse sentido, no caso de transferência mediante simples tradição, perante o jus civile o vendedor continuava sendo proprietário, enquanto o adquirente passava a ser mero possuidor (tinha apenas relação de fato com a coisa), mesmo tendo pagado devidamente. Somente após o usucapião adquiriria a propriedade.

O pretor, armando-se da equidade, visando trazer justiça para as relações jurídicas reais, criou o meio de defesa processual da exceptio rei venditae et traditae (exceção da coisa vendida e entregue), que paralisava a eventual pretensão de má-fé do alienante de reaver a posse, protegendo o comprador que efetuou o devido pagamento.

Posteriormente essa defesa foi estendida para os casos em que a coisa entregue ao comprador pela simples tradição caísse porventura em mãos de terceiros. Nesse caso, como dito, conforme o jus civile, o comprador não tinha direito reconhecido no qual pudesse se basear para reaver a coisa. O pretor de nome Quinto Publicius, no afã de solucionar esse problema com justeza, criou a actio publiciana, que exigia a devolução da coisa ao comprador.

Essa ação era uma actio ficticiae, que no Direito Romano

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009122

consistia naquelas em que o magistrado supunha existir um elemento necessário para a ação de jus civile. A ação publiciana era

3uma actio ficticiae porque supunha usucapião da coisa . No Direito brasileiro a ação publiciana, apesar de ter a

mesma finalidade, difere-se da do Direito Romano na medida em que não supõe fictamente a existência da usucapião. A ação publiciana atualmente exige três prerrequisitos: que tenha decorrido o tempo suficiente para ensejar usucapião, que não haja ação de usucapião pendente e que haja perda do exercício da posse direta pelo autor em decorrência do esbulho.

Ela se fundamenta no Código Civil de 2002 nos artigos 1.228, que garante ao proprietário o direito de reaver a posse e 1.238, que dispõe sobre a aquisição originária da coisa por meio da usucapião. Por mais que ela não apareça expressamente na letra da lei, é permitida.

De forma clara, pode ingressar com a ação publiciana o possuidor que já preencheu os requisitos da usucapião, mas ainda não requereu judicialmente a declaração desta e foi esbulhado em sua posse. É uma espécie de reivindicatória sem título que visa reaver a posse perdida e garantir usucapião, sendo uma ação de natureza declaratória e com efeitos inter partes. A sentença não serve de título para registrar o bem no Cartório de Registro de Imóveis, sendo necessária a ação de usucapião.

No entendimento do magistrado José Wellington B. da 4Costa Neto , é pacífica a doutrina em admitir que o usucapiente,

que ainda não teve declarado seu direito dominial, pleiteie por meio da ação publiciana o reconhecimento de usucapião e a posse do bem para si.

A doutrina ensina:

quem tem justo título, apto, em tese, para a aquisição do domínio, pela prescrição aquisitiva, pode intentar a ação publiciana, para exigir a posse,

3 CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 188.

4 COSTA NETO, J. W. B. A exceção de usucapião nas ações possessórias. Disponível em: http://www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos/178.htm. Acesso em: 18 nov. 08.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 123

de que carece, para completar seu direito de propriedade. Pede-se a posse hábil para gerar a prescrição aquisitiva, que o investirá em pleno

5domínio da coisa ou do imóvel.

Conclusão

Partindo do pressuposto de que “a lei é algo que representa uma realidade cultural e histórica que se situa na progressão do

6tempo” , foi possível descobrir a origem da Ação Publiciana, por meio do estudo da história interna do direito.

Pelo que se pôde compreender, o instituto surgiu no Direito Romano, na era republicana, pelo pretor Quinto Publicius, recebendo a ação nome derivado do sobrenome de seu criador.

Impossível conter comentários a respeito da importância do estudo do Direito Romano para a compreensão e fundamentação dos institutos de Direito Civil atuais, que decorrem, em sua maioria, de lá. As concepções jurídicas romanas percorreram os séculos e se alastraram pelos continentes influenciando o Direito dos Estados modernos.

Ademais, nota-se que a ação publiciana cabível no Direito brasileiro não é idêntica à do Direito Romano. Lá consistia em uma actio ficticiae, que, como foi explicado, supunha a existência da usucapião. Aqui, esse é um prerrequisito.

Pouco utilizada no sistema jurídico pátrio, com rala jurisprudência, a ação publiciana é uma construção doutrinária plausível e coerente com o Direito vigente.

5 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 61.

6 REALE, M. Lições preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 282.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009122

consistia naquelas em que o magistrado supunha existir um elemento necessário para a ação de jus civile. A ação publiciana era

3uma actio ficticiae porque supunha usucapião da coisa . No Direito brasileiro a ação publiciana, apesar de ter a

mesma finalidade, difere-se da do Direito Romano na medida em que não supõe fictamente a existência da usucapião. A ação publiciana atualmente exige três prerrequisitos: que tenha decorrido o tempo suficiente para ensejar usucapião, que não haja ação de usucapião pendente e que haja perda do exercício da posse direta pelo autor em decorrência do esbulho.

Ela se fundamenta no Código Civil de 2002 nos artigos 1.228, que garante ao proprietário o direito de reaver a posse e 1.238, que dispõe sobre a aquisição originária da coisa por meio da usucapião. Por mais que ela não apareça expressamente na letra da lei, é permitida.

De forma clara, pode ingressar com a ação publiciana o possuidor que já preencheu os requisitos da usucapião, mas ainda não requereu judicialmente a declaração desta e foi esbulhado em sua posse. É uma espécie de reivindicatória sem título que visa reaver a posse perdida e garantir usucapião, sendo uma ação de natureza declaratória e com efeitos inter partes. A sentença não serve de título para registrar o bem no Cartório de Registro de Imóveis, sendo necessária a ação de usucapião.

No entendimento do magistrado José Wellington B. da 4Costa Neto , é pacífica a doutrina em admitir que o usucapiente,

que ainda não teve declarado seu direito dominial, pleiteie por meio da ação publiciana o reconhecimento de usucapião e a posse do bem para si.

A doutrina ensina:

quem tem justo título, apto, em tese, para a aquisição do domínio, pela prescrição aquisitiva, pode intentar a ação publiciana, para exigir a posse,

3 CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 188.

4 COSTA NETO, J. W. B. A exceção de usucapião nas ações possessórias. Disponível em: http://www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos/178.htm. Acesso em: 18 nov. 08.

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de que carece, para completar seu direito de propriedade. Pede-se a posse hábil para gerar a prescrição aquisitiva, que o investirá em pleno

5domínio da coisa ou do imóvel.

Conclusão

Partindo do pressuposto de que “a lei é algo que representa uma realidade cultural e histórica que se situa na progressão do

6tempo” , foi possível descobrir a origem da Ação Publiciana, por meio do estudo da história interna do direito.

Pelo que se pôde compreender, o instituto surgiu no Direito Romano, na era republicana, pelo pretor Quinto Publicius, recebendo a ação nome derivado do sobrenome de seu criador.

Impossível conter comentários a respeito da importância do estudo do Direito Romano para a compreensão e fundamentação dos institutos de Direito Civil atuais, que decorrem, em sua maioria, de lá. As concepções jurídicas romanas percorreram os séculos e se alastraram pelos continentes influenciando o Direito dos Estados modernos.

Ademais, nota-se que a ação publiciana cabível no Direito brasileiro não é idêntica à do Direito Romano. Lá consistia em uma actio ficticiae, que, como foi explicado, supunha a existência da usucapião. Aqui, esse é um prerrequisito.

Pouco utilizada no sistema jurídico pátrio, com rala jurisprudência, a ação publiciana é uma construção doutrinária plausível e coerente com o Direito vigente.

5 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 61.

6 REALE, M. Lições preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 282.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009124

Referências

COSTA NETO, J. W. B. A exceção de usucapião nas ações possessórias. Disponível em: http://www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos/178.htm. Acesso em 18 nov. 08.

CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano. 19. edição. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

REALE, M. Lições preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, H. Manual de Direito Penal brasileiro. 5. ed. São Paulo: RT, 2004.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 125

Resumo:A Psicologia Jurídica é uma área especializada de conhecimento e campo de atuação profissional que estabelece uma relação específica com o Direito. O objetivo desta pesquisa foi constatar se a presença do psicólogo junto à instituição do Ministério Público é importante para a consecução da sua atividade fim. A pesquisa foi realizada a partir do método quantitativo não experimental, utilizando o programa estatístico SPSS – Statisticical Package for the Social Sciences, versão 12.0 – e a pesquisa qualitativa de enfoque fenomenológico, seguindo as etapas distintas, descrição, redução e interpretação fenomenológica para análise dos dados. Foi elaborado um questionário estruturado que aborda itens que compreendam a importância do psicólogo no âmbito do Ministério Público, a competência do psicólogo em função das atribuições relacionadas com a atividade fim do Ministério Público, a aceitação do laudo psicológico, a solicitação do parecer psicológico e a confiança nos resultados apresentados no laudo psicológico. A pesquisa foi realizada com a cooperação e participação de 34 Promotores de Justiça integrantes do Ministério Público do Estado de Goiás. O resultado da pesquisa foi satisfatório, pois percebeu-se a necessidade da criação de um espaço formal de aprimoramento para psicólogos que atuem ou desejem atuar em contextos jurídicos.

Palavras-chave: Psicologia Jurídica, Promotor de Justiça, atividade fim.

Introdução

Ante a diversidade dos casos existentes junto ao Ministério

O PSICÓLOGO E O MINISTÉRIO PÚBLICO

*Mirella Camarota Pimenta

* Secretária Auxiliar do quadro de servidores do Ministério Público do Estado de Goiás, lotada na 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Rio Verde-GO. Bacharel em Direito pela Universidade de Rio Verde-GO (FESURV) acadêmica do curso de Psicologia na mesma instituição

e.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009124

Referências

COSTA NETO, J. W. B. A exceção de usucapião nas ações possessórias. Disponível em: http://www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos/178.htm. Acesso em 18 nov. 08.

CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano. 19. edição. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

REALE, M. Lições preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

ZAFFARONI, E. R.; PIERANGELI, H. Manual de Direito Penal brasileiro. 5. ed. São Paulo: RT, 2004.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 125

Resumo:A Psicologia Jurídica é uma área especializada de conhecimento e campo de atuação profissional que estabelece uma relação específica com o Direito. O objetivo desta pesquisa foi constatar se a presença do psicólogo junto à instituição do Ministério Público é importante para a consecução da sua atividade fim. A pesquisa foi realizada a partir do método quantitativo não experimental, utilizando o programa estatístico SPSS – Statisticical Package for the Social Sciences, versão 12.0 – e a pesquisa qualitativa de enfoque fenomenológico, seguindo as etapas distintas, descrição, redução e interpretação fenomenológica para análise dos dados. Foi elaborado um questionário estruturado que aborda itens que compreendam a importância do psicólogo no âmbito do Ministério Público, a competência do psicólogo em função das atribuições relacionadas com a atividade fim do Ministério Público, a aceitação do laudo psicológico, a solicitação do parecer psicológico e a confiança nos resultados apresentados no laudo psicológico. A pesquisa foi realizada com a cooperação e participação de 34 Promotores de Justiça integrantes do Ministério Público do Estado de Goiás. O resultado da pesquisa foi satisfatório, pois percebeu-se a necessidade da criação de um espaço formal de aprimoramento para psicólogos que atuem ou desejem atuar em contextos jurídicos.

Palavras-chave: Psicologia Jurídica, Promotor de Justiça, atividade fim.

Introdução

Ante a diversidade dos casos existentes junto ao Ministério

O PSICÓLOGO E O MINISTÉRIO PÚBLICO

*Mirella Camarota Pimenta

* Secretária Auxiliar do quadro de servidores do Ministério Público do Estado de Goiás, lotada na 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de Rio Verde-GO. Bacharel em Direito pela Universidade de Rio Verde-GO (FESURV) acadêmica do curso de Psicologia na mesma instituição

e.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009126

Público, percebem-se situações em que, efetivamente, a presença do psicólogo seria de primordial importância, pois é comum o trato com pessoas que sofreram algum tipo de ultraje, privação ou outras formas consistentes em diminuição da dignidade ou violação da integridade física ou psicológica.

São casos ligados a filhos de pais separados, gravidez precoce, lesão corporal, separação e divórcio, guarda de menores, abuso sexual, interdição, menores infratores, idosos, portadores de necessidades especiais, famílias de vítimas e condenados, dentre outros.

Percebe-se que o Promotor de Justiça fica à mercê da disponibilidade (quando existem) de psicólogos ou assistentes sociais, que trabalhem junto aos serviços sociais municipais e estaduais já existentes e que, às vezes, ante a elevada demanda de casos, não é possível a realização de todas as solicitações com o empenho e atenção necessários.

Para contornar esse entrave, faria o psicólogo um trabalho de assessoramento junto ao Promotor de Justiça, intervindo em depoimentos, inquirições e atendimentos ao público nos casos já mencionados, assistindo-o em busca da realização da atividade fim do órgão ministerial, uma vez que ambos desenvolvem um trabalho integrativo para promover a conciliação entre as partes ou sensibilizar os envolvidos.

Ministério Público

1Segundo Ferraz e Guimarães Júnior , o Promotor de Justiça desempenhava suas atribuições individualmente, atuando quase inteiramente aos feitos processuais em andamento perante uma Vara Judicial em que funcionava um único Juiz de Direito. O Ministério Público não contava com recursos materiais ou apoio administrativo para o desempenho das funções, até mesmo as instalações físicas que ocupava (e ainda ocupa em alguns casos) pertenciam ao Poder Judiciário e quase sempre se revelaram inadequadas.

1 FERRAZ, A. A. M. de C.; GUIMARÃES JÚNIOR, J. L. A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil constitucional. In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. cap. 1. p. 19-35.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 127

2De acordo com Macedo Júnior , a partir da Constituição Federal de 1988 o Ministério Público ampliou o âmbito de sua atuação funcional para além dos limites de sua atividade perante o Poder Judiciário e o Promotor de Justiça passou a ter importante papel como agente mediador dos conflitos de interesses sociais; a tarefa institucional expandiu-se no plano da realização de acordos, promoção da efetiva implementação da justiça social por meio de seu envolvimento direto (e não apenas por meio dos autos do processo) com os problemas sociais. No desempenho de suas funções o, Promotor de Justiça pode e deve ouvir diretamente as pessoas, visando tomar ciência de eventuais fatos que permeiam a sociedade onde atua e reside.

Os instrumentos de atuação colocados ao dispor do membro do Ministério Público devem sempre ser usados em busca da comunicação da atividade fim ministerial, ou seja, a observância da lei em todos os seus aspectos.

3Para Ferraz e Guimarães Júnior , “seria interessante que a Instituição mantivesse em sua estrutura administrativa um órgão de amparo à vítima do crime, ou a seus familiares”:

A responsabilidade pelos interesses confiados à defesa da Instituição, além de coletiva, é direta. Isso significa que o Ministério Público deve procurar soluções para o próprio problema criminal, para a própria preservação do meio ambiente, para a própria proteção ao menor, da pessoa portadora de deficiência e do acidentado do trabalho, por exemplo, e não apenas soluções para um ou vários processos criminais, ou para feitos que versem sobre dano ambiental, ou processos em que figurem como parte um menor, um deficiente ou um

4acidentado do trabalho.

5De acordo com Guimarães Júnior , “o Ministério Público é

2 MACEDO JÚNIOR, R. P. Evolução institucional do Ministério Público brasileiro. In: FERRAZ, A. .A M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. cap. 2. p. 36-65.

3 FERRAZ; GUIMARÃES JÚNIOR, op. cit., p. 31.4 Idem, ibidem, p. 32.5 GUIMARÃES JÚNIOR, J. L. Papel constitucional do Ministério Público.

In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. p. 96.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009126

Público, percebem-se situações em que, efetivamente, a presença do psicólogo seria de primordial importância, pois é comum o trato com pessoas que sofreram algum tipo de ultraje, privação ou outras formas consistentes em diminuição da dignidade ou violação da integridade física ou psicológica.

São casos ligados a filhos de pais separados, gravidez precoce, lesão corporal, separação e divórcio, guarda de menores, abuso sexual, interdição, menores infratores, idosos, portadores de necessidades especiais, famílias de vítimas e condenados, dentre outros.

Percebe-se que o Promotor de Justiça fica à mercê da disponibilidade (quando existem) de psicólogos ou assistentes sociais, que trabalhem junto aos serviços sociais municipais e estaduais já existentes e que, às vezes, ante a elevada demanda de casos, não é possível a realização de todas as solicitações com o empenho e atenção necessários.

Para contornar esse entrave, faria o psicólogo um trabalho de assessoramento junto ao Promotor de Justiça, intervindo em depoimentos, inquirições e atendimentos ao público nos casos já mencionados, assistindo-o em busca da realização da atividade fim do órgão ministerial, uma vez que ambos desenvolvem um trabalho integrativo para promover a conciliação entre as partes ou sensibilizar os envolvidos.

Ministério Público

1Segundo Ferraz e Guimarães Júnior , o Promotor de Justiça desempenhava suas atribuições individualmente, atuando quase inteiramente aos feitos processuais em andamento perante uma Vara Judicial em que funcionava um único Juiz de Direito. O Ministério Público não contava com recursos materiais ou apoio administrativo para o desempenho das funções, até mesmo as instalações físicas que ocupava (e ainda ocupa em alguns casos) pertenciam ao Poder Judiciário e quase sempre se revelaram inadequadas.

1 FERRAZ, A. A. M. de C.; GUIMARÃES JÚNIOR, J. L. A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil constitucional. In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. cap. 1. p. 19-35.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 127

2De acordo com Macedo Júnior , a partir da Constituição Federal de 1988 o Ministério Público ampliou o âmbito de sua atuação funcional para além dos limites de sua atividade perante o Poder Judiciário e o Promotor de Justiça passou a ter importante papel como agente mediador dos conflitos de interesses sociais; a tarefa institucional expandiu-se no plano da realização de acordos, promoção da efetiva implementação da justiça social por meio de seu envolvimento direto (e não apenas por meio dos autos do processo) com os problemas sociais. No desempenho de suas funções o, Promotor de Justiça pode e deve ouvir diretamente as pessoas, visando tomar ciência de eventuais fatos que permeiam a sociedade onde atua e reside.

Os instrumentos de atuação colocados ao dispor do membro do Ministério Público devem sempre ser usados em busca da comunicação da atividade fim ministerial, ou seja, a observância da lei em todos os seus aspectos.

3Para Ferraz e Guimarães Júnior , “seria interessante que a Instituição mantivesse em sua estrutura administrativa um órgão de amparo à vítima do crime, ou a seus familiares”:

A responsabilidade pelos interesses confiados à defesa da Instituição, além de coletiva, é direta. Isso significa que o Ministério Público deve procurar soluções para o próprio problema criminal, para a própria preservação do meio ambiente, para a própria proteção ao menor, da pessoa portadora de deficiência e do acidentado do trabalho, por exemplo, e não apenas soluções para um ou vários processos criminais, ou para feitos que versem sobre dano ambiental, ou processos em que figurem como parte um menor, um deficiente ou um

4acidentado do trabalho.

5De acordo com Guimarães Júnior , “o Ministério Público é

2 MACEDO JÚNIOR, R. P. Evolução institucional do Ministério Público brasileiro. In: FERRAZ, A. .A M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. cap. 2. p. 36-65.

3 FERRAZ; GUIMARÃES JÚNIOR, op. cit., p. 31.4 Idem, ibidem, p. 32.5 GUIMARÃES JÚNIOR, J. L. Papel constitucional do Ministério Público.

In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. p. 96.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009128

o órgão que pode (e deve) obter junto ao Judiciário (tanto na área cível como na área criminal) decisões destinadas a solucionar conflitos e proteger bens e valores de interesse da sociedade”.

6No entanto, segundo Ferraz e Guimarães Júnior , a Promotoria de Justiça pode ser definida como órgão administrativo, integrado por Promotores de determinada Comarca, com atribuições especializadas ou não, dotada de estrutura funcional e material de apoio e voltada ao estabelecimento de uma política própria de atuação para alcançar objetivos institucionais concretos.

Expõe ser o Ministério Público uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, ao qual incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme o dispositivo do artigo 127 da Constituição Federal.

Psicologia Jurídica

7Para Jesus , a Psicologia Jurídica iniciou-se no século XVIII, devido à necessidade de se estabelecer normas para o convívio comum de acordo com as regras e normas de condutas determinadas pelo grupo social, surgindo a relação natural entre Psicologia e Direito.

Constata-se a importância da interdisciplinaridade nesse campo de atuação para que o fato jurídico seja analisado de maneira contextualizada:

A relação entre Psicologia e Direito é antiga, mas a pós-modernidade exige atuação interdisciplinar caracterizada por intervenções sistêmicas em áreas diversificadas que facilitem o real e amplo alcance

8do exercício dos Direitos Humanos.

6 FERRAZ; GUIMARÃES JÚNIOR, op. cit.7 JESUS, F. de. Psicologia aplicada à justiça. 2. ed. Goiânia: AB, 2006.8 CARVALHO, M. C. N. de; MIRANDA, V. R. Psicologia Jurídica: temas de

aplicação. Curitiba: Juruá, 2008. p. 18.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 129

9Segundo Fiorelli “a Psicologia apresenta-se como um instrumento de extraordinário valor para o profissional que se dedica ao Direito (advogado, promotor, juiz) porque lança luzes a respeito da compreensão das forças interiores que movem os indivíduos”.

10De acordo com Jesus “a Psicologia Jurídica constitui-se de um campo de investigação psicológico especializado, cuja finalidade é o estudo do comportamento dos atores jurídicos no âmbito do Direito, da lei e da justiça”.

11Para Rovinski , “Psicologia e Direito, mesmo constituindo-se disciplinas distintas, possuem como ponto de intersecção o interesse pelo comportamento humano”.

12Segundo Carvalho e Miranda , “a Psicologia Jurídica é uma área especializada de conhecimento e campo de atuação profissional que estabelece uma relação específica com o Direito”.

13De acordo com França , a Psicologia Jurídica está subdividida da seguinte forma:

- Psicologia Jurídica e o Menor;- Psicologia Jurídica e o Direito de Família;- Psicologia Jurídica e o Direito Cível;- Psicologia Jurídica do Trabalho;- Psicologia Jurídica e o Direito Penal;- Psicologia Judicial ou do Testemunho, Jurado;- Psicologia Penitenciária;- Psicologia Policial e das Forças Armadas;- Vitimologia;- Mediação;- Formação e atendimento aos Juízes e Promotores.

9 FIORELLI, J. O. Psicologia aplicada ao Direito. São Paulo: Ltr, 2006. p. 11.10 JESUS, op. cit., p. 46.11 ROVINSKI, S. L. R. Fundamentos da perícia psicológica forense. São Paulo:

Vetor, 2004. p. 13.12 CARVALHO; MIRANDA, op. cit., p. 10.13 FRANÇA, F. Reflexões sobre Psicologia Jurídica e seu panorama no Brasil.

Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 73-80, jun. 2004. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/ptp/v6n1/v6n1a06.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2008.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009128

o órgão que pode (e deve) obter junto ao Judiciário (tanto na área cível como na área criminal) decisões destinadas a solucionar conflitos e proteger bens e valores de interesse da sociedade”.

6No entanto, segundo Ferraz e Guimarães Júnior , a Promotoria de Justiça pode ser definida como órgão administrativo, integrado por Promotores de determinada Comarca, com atribuições especializadas ou não, dotada de estrutura funcional e material de apoio e voltada ao estabelecimento de uma política própria de atuação para alcançar objetivos institucionais concretos.

Expõe ser o Ministério Público uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, ao qual incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme o dispositivo do artigo 127 da Constituição Federal.

Psicologia Jurídica

7Para Jesus , a Psicologia Jurídica iniciou-se no século XVIII, devido à necessidade de se estabelecer normas para o convívio comum de acordo com as regras e normas de condutas determinadas pelo grupo social, surgindo a relação natural entre Psicologia e Direito.

Constata-se a importância da interdisciplinaridade nesse campo de atuação para que o fato jurídico seja analisado de maneira contextualizada:

A relação entre Psicologia e Direito é antiga, mas a pós-modernidade exige atuação interdisciplinar caracterizada por intervenções sistêmicas em áreas diversificadas que facilitem o real e amplo alcance

8do exercício dos Direitos Humanos.

6 FERRAZ; GUIMARÃES JÚNIOR, op. cit.7 JESUS, F. de. Psicologia aplicada à justiça. 2. ed. Goiânia: AB, 2006.8 CARVALHO, M. C. N. de; MIRANDA, V. R. Psicologia Jurídica: temas de

aplicação. Curitiba: Juruá, 2008. p. 18.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 129

9Segundo Fiorelli “a Psicologia apresenta-se como um instrumento de extraordinário valor para o profissional que se dedica ao Direito (advogado, promotor, juiz) porque lança luzes a respeito da compreensão das forças interiores que movem os indivíduos”.

10De acordo com Jesus “a Psicologia Jurídica constitui-se de um campo de investigação psicológico especializado, cuja finalidade é o estudo do comportamento dos atores jurídicos no âmbito do Direito, da lei e da justiça”.

11Para Rovinski , “Psicologia e Direito, mesmo constituindo-se disciplinas distintas, possuem como ponto de intersecção o interesse pelo comportamento humano”.

12Segundo Carvalho e Miranda , “a Psicologia Jurídica é uma área especializada de conhecimento e campo de atuação profissional que estabelece uma relação específica com o Direito”.

13De acordo com França , a Psicologia Jurídica está subdividida da seguinte forma:

- Psicologia Jurídica e o Menor;- Psicologia Jurídica e o Direito de Família;- Psicologia Jurídica e o Direito Cível;- Psicologia Jurídica do Trabalho;- Psicologia Jurídica e o Direito Penal;- Psicologia Judicial ou do Testemunho, Jurado;- Psicologia Penitenciária;- Psicologia Policial e das Forças Armadas;- Vitimologia;- Mediação;- Formação e atendimento aos Juízes e Promotores.

9 FIORELLI, J. O. Psicologia aplicada ao Direito. São Paulo: Ltr, 2006. p. 11.10 JESUS, op. cit., p. 46.11 ROVINSKI, S. L. R. Fundamentos da perícia psicológica forense. São Paulo:

Vetor, 2004. p. 13.12 CARVALHO; MIRANDA, op. cit., p. 10.13 FRANÇA, F. Reflexões sobre Psicologia Jurídica e seu panorama no Brasil.

Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 73-80, jun. 2004. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/ptp/v6n1/v6n1a06.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2008.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009130

14Segundo Jesus , as funções do psicólogo jurídico, no exercício de suas atribuições, poderiam ser assim sintetizadas:

a) avaliar e diagnosticar: em relação às condutas psicológicas dos atores jurídicos;b) assessorar: orientar e/ou assessorar, como perito, órgãos judiciais em questões próprias de sua área, a fim de trazer para os autos informações psicológicas essenciais para a tomada de decisão;c) intervir: planejar e realizar programas de prevenção, tratamento, reabilitação e integração de atores jurídicos na comunidade, no meio penitenciário, tanto individual quanto coletivamente;d) formar e educar: treinar e selecionar profissionais do sistema legal (juízes, policiais, promotores, advogados, agentes penitenciários, etc.) em conteúdos e técnicas psicológicas úteis em seu trabalho;e) colaborar com campanhas de prevenção social contra a criminalidade em meios de comunicação: elaborar e assessorar campanhas de informação social para a população em geral e para a que vive em área de risco;f) pesquisar: estudar e pesquisar os problemas da Psicologia Jurídica;g) vitimologia: pesquisar e contribuir para a melhoria da situação da vítima e para sua interação com o sistema legal;h) mediar: apresentar soluções negociadas aos conflitos jurídicos, através de uma intervenção mediadora que contribua para diminuir e prevenir o dano emocional e social, e que possa oferecer uma alternativa à via legal, em que as partes tenham um papel predominante.

15De acordo com Silva , a evolução conjunta do Direito com a Psicologia gera então a Psicologia Jurídica, considerada apropriada para abarcar as questões aí envolvidas, desenvolvidas pelos psicólogos nomeados peritos para dirimir controvérsias no campo da psique, e trazidas ao judiciário, no que se refere aos conflitos emocionais e

14 JESUS, op. cit., p. 46.15 SILVA, D. M. P. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro. São Paulo:

Casa do Psicólogo, 2003.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 131

comportamentais, através de laudos e pareceres que servem de instrumentos indispensáveis para que o juiz possa aplicar a justiça.

Método

A pesquisa foi realizada a partir do método quantitativo não 16experimental descrito por Moreira “como o assim chamado

levantamento amostral, em que as variáveis são medidas através de questionários ou escalas aos quais os sujeitos respondem”.

Utilizou-se o programa estatístico SPSS – Statisticical Package for the Social Sciences versão 12.0 – e a metodologia qualitativa por meio do método fenomenológico para análise dos resultados.

17Moreira demonstra que “o método fenomenológico enfoca fenômenos subjetivos na crença de que verdades essenciais acerca da realidade são baseadas na experiência vivida”.

Contudo, enquanto a pesquisa quantitativa trabalha com uma realidade que pode ser mensurada, a pesquisa qualitativa trabalha com um universo de significados, motivos, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos.

As etapas seguidas na execução da pesquisa qualitativa foram:

a) Descrição fenomenológica ou de exploração aprofundada dos significados vivenciados nas unidades temáticas com que se desdobra o estudo da experiência estudada;

b) Redução fenomenológica ou de construção das estruturas significativas a partir de todos os significados revelados em cada uma das unidades temáticas anteriormente exploradas; análise dos elementos variantes e invariantes de cada uma dessas estruturas;

c) Interpretação fenomenológica ou de avaliação de que significado ou significados podem estar subjacentes à conduta estudada, ou a futuras condutas do gênero, relacionadas com a experiência estudada.

16 MOREIRA, D. A. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002. p. 30.

17 MOREIRA, op. cit., p. 108.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009130

14Segundo Jesus , as funções do psicólogo jurídico, no exercício de suas atribuições, poderiam ser assim sintetizadas:

a) avaliar e diagnosticar: em relação às condutas psicológicas dos atores jurídicos;b) assessorar: orientar e/ou assessorar, como perito, órgãos judiciais em questões próprias de sua área, a fim de trazer para os autos informações psicológicas essenciais para a tomada de decisão;c) intervir: planejar e realizar programas de prevenção, tratamento, reabilitação e integração de atores jurídicos na comunidade, no meio penitenciário, tanto individual quanto coletivamente;d) formar e educar: treinar e selecionar profissionais do sistema legal (juízes, policiais, promotores, advogados, agentes penitenciários, etc.) em conteúdos e técnicas psicológicas úteis em seu trabalho;e) colaborar com campanhas de prevenção social contra a criminalidade em meios de comunicação: elaborar e assessorar campanhas de informação social para a população em geral e para a que vive em área de risco;f) pesquisar: estudar e pesquisar os problemas da Psicologia Jurídica;g) vitimologia: pesquisar e contribuir para a melhoria da situação da vítima e para sua interação com o sistema legal;h) mediar: apresentar soluções negociadas aos conflitos jurídicos, através de uma intervenção mediadora que contribua para diminuir e prevenir o dano emocional e social, e que possa oferecer uma alternativa à via legal, em que as partes tenham um papel predominante.

15De acordo com Silva , a evolução conjunta do Direito com a Psicologia gera então a Psicologia Jurídica, considerada apropriada para abarcar as questões aí envolvidas, desenvolvidas pelos psicólogos nomeados peritos para dirimir controvérsias no campo da psique, e trazidas ao judiciário, no que se refere aos conflitos emocionais e

14 JESUS, op. cit., p. 46.15 SILVA, D. M. P. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro. São Paulo:

Casa do Psicólogo, 2003.

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comportamentais, através de laudos e pareceres que servem de instrumentos indispensáveis para que o juiz possa aplicar a justiça.

Método

A pesquisa foi realizada a partir do método quantitativo não 16experimental descrito por Moreira “como o assim chamado

levantamento amostral, em que as variáveis são medidas através de questionários ou escalas aos quais os sujeitos respondem”.

Utilizou-se o programa estatístico SPSS – Statisticical Package for the Social Sciences versão 12.0 – e a metodologia qualitativa por meio do método fenomenológico para análise dos resultados.

17Moreira demonstra que “o método fenomenológico enfoca fenômenos subjetivos na crença de que verdades essenciais acerca da realidade são baseadas na experiência vivida”.

Contudo, enquanto a pesquisa quantitativa trabalha com uma realidade que pode ser mensurada, a pesquisa qualitativa trabalha com um universo de significados, motivos, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos.

As etapas seguidas na execução da pesquisa qualitativa foram:

a) Descrição fenomenológica ou de exploração aprofundada dos significados vivenciados nas unidades temáticas com que se desdobra o estudo da experiência estudada;

b) Redução fenomenológica ou de construção das estruturas significativas a partir de todos os significados revelados em cada uma das unidades temáticas anteriormente exploradas; análise dos elementos variantes e invariantes de cada uma dessas estruturas;

c) Interpretação fenomenológica ou de avaliação de que significado ou significados podem estar subjacentes à conduta estudada, ou a futuras condutas do gênero, relacionadas com a experiência estudada.

16 MOREIRA, D. A. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002. p. 30.

17 MOREIRA, op. cit., p. 108.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009132

Participantes

A pesquisa foi realizada com a cooperação e participação de 34 Promotores de Justiça do quadro de membros do Ministério Público do Estado de Goiás, dos quais 24 eram do sexo masculino (70,6%) e 10 do sexo feminino (29,4%), com idade variando entre 26 e 55 anos. O tempo de atuação no cargo alterna entre 30 dias e 17 anos.

Dentre os participantes da pesquisa, 1 Promotor de Justiça atua na Procuradoria de Justiça na capital (2,9%), e os demais estão divididos em: 4 atuam na capital – Entrância Final (11,76%), 15 atuam no interior – Entrância Intermediária (44,11%), 6 atuam no interior – Entrância Inicial (17,64%) e 8 são Promotores de Justiça Substitutos (23,52%), ou seja, tomaram posse recentemente no cargo de Promotor de Justiça do Estado de Goiás.

Instrumentos

Foi elaborado um questionário estruturado que aborda itens que compreendam a importância do psicólogo no âmbito do Ministério Público, a competência do psicólogo em função das atribuições relacionadas com a atividade fim do Ministério Público, a aceitação do laudo psicológico, a solicitação do parecer psicológico e a confiança nos resultados apresentados no laudo psicológico.

Resultado e discussão

Acerca dos quesitos propostos aos participantes, seguem adiante os resultados da análise pelo método quantitativo e qualitativo.

Análise quantitativa

FIGURA 1. Análise comparativa entre a importância e a competência do Psicólogo para o Promotor de Justiça.

Os dados apresentados na Figura 1 revelaram uma discrepância entre a percepção da importância e a competência do Psicólogo por parte dos Promotores de Justiça.

Extraiu-se que 76,5% dos Promotores de Justiça acreditam na importância do Psicólogo para auxiliar nas atividades fins ministeriais, porém, 52,9% revelaram não ter conhecimento da competência do Psicólogo.

Denota-se, então, que os Promotores de Justiça não acreditam que o Psicólogo tenha competência para auxiliá-lo pelo fato de não utilizarem o trabalho desse profissional, sendo assim, não sabem em que consistem suas atividades.

18Para Silva , a função do perito consiste em oferecer ao juiz subsídios no âmbito de seu conhecimento técnico específico, visando o auxílio na formação da opinião. Nos casos que envolvem contendas familiares, o laudo psicológico poderá sugerir posturas ao juiz ou para os membros da família a fim de que melhor possam promover o equilíbrio emocional.

19Segundo Caires , os psicólogos têm contribuído nas últimas décadas de modo acentuado com a Justiça, ora emitindo Parecer Psicológico, na condição de exame complementar nas perícias de matéria médica e em suas diversas especialidades, ora emitindo Laudo Psicológico, subsidiando as contendas civis com as Varas da Família e as da Infância e Juventude.

133

Concordo Totalmente Concordo Sem opinião

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

90,00%

76,50%

20,60%

2,90%

52,90%

41,20%

5,90%

Importância vs. Competência

Importância

Competência

18 SILVA, op. cit.19 CAIRES, M A de F. Psicologia Jurídica: implicações conceituais e

aplicações práticas. São Paulo: Vetor, 2003.. .

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009132

Participantes

A pesquisa foi realizada com a cooperação e participação de 34 Promotores de Justiça do quadro de membros do Ministério Público do Estado de Goiás, dos quais 24 eram do sexo masculino (70,6%) e 10 do sexo feminino (29,4%), com idade variando entre 26 e 55 anos. O tempo de atuação no cargo alterna entre 30 dias e 17 anos.

Dentre os participantes da pesquisa, 1 Promotor de Justiça atua na Procuradoria de Justiça na capital (2,9%), e os demais estão divididos em: 4 atuam na capital – Entrância Final (11,76%), 15 atuam no interior – Entrância Intermediária (44,11%), 6 atuam no interior – Entrância Inicial (17,64%) e 8 são Promotores de Justiça Substitutos (23,52%), ou seja, tomaram posse recentemente no cargo de Promotor de Justiça do Estado de Goiás.

Instrumentos

Foi elaborado um questionário estruturado que aborda itens que compreendam a importância do psicólogo no âmbito do Ministério Público, a competência do psicólogo em função das atribuições relacionadas com a atividade fim do Ministério Público, a aceitação do laudo psicológico, a solicitação do parecer psicológico e a confiança nos resultados apresentados no laudo psicológico.

Resultado e discussão

Acerca dos quesitos propostos aos participantes, seguem adiante os resultados da análise pelo método quantitativo e qualitativo.

Análise quantitativa

FIGURA 1. Análise comparativa entre a importância e a competência do Psicólogo para o Promotor de Justiça.

Os dados apresentados na Figura 1 revelaram uma discrepância entre a percepção da importância e a competência do Psicólogo por parte dos Promotores de Justiça.

Extraiu-se que 76,5% dos Promotores de Justiça acreditam na importância do Psicólogo para auxiliar nas atividades fins ministeriais, porém, 52,9% revelaram não ter conhecimento da competência do Psicólogo.

Denota-se, então, que os Promotores de Justiça não acreditam que o Psicólogo tenha competência para auxiliá-lo pelo fato de não utilizarem o trabalho desse profissional, sendo assim, não sabem em que consistem suas atividades.

18Para Silva , a função do perito consiste em oferecer ao juiz subsídios no âmbito de seu conhecimento técnico específico, visando o auxílio na formação da opinião. Nos casos que envolvem contendas familiares, o laudo psicológico poderá sugerir posturas ao juiz ou para os membros da família a fim de que melhor possam promover o equilíbrio emocional.

19Segundo Caires , os psicólogos têm contribuído nas últimas décadas de modo acentuado com a Justiça, ora emitindo Parecer Psicológico, na condição de exame complementar nas perícias de matéria médica e em suas diversas especialidades, ora emitindo Laudo Psicológico, subsidiando as contendas civis com as Varas da Família e as da Infância e Juventude.

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Concordo Totalmente Concordo Sem opinião

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Importância vs. Competência

Importância

Competência

18 SILVA, op. cit.19 CAIRES, M A de F. Psicologia Jurídica: implicações conceituais e

aplicações práticas. São Paulo: Vetor, 2003.. .

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20De acordo com Arantes , a perícia é um dos procedimentos mais utilizados na área jurídica e tem como objetivo fornecer elementos tendentes a prevenir a formação da convicção judicial que resultará na elaboração da sentença, dentro do que impõe a lei. A perícia pode ser solicitada para averiguação de periculosidade, das condições de discernimento ou sanidade mental das partes em litígios ou em julgamento.

FIGURA 2. Análise comparativa entre a solicitação pericial, o suprimento da necessidade, o acolhimento e a confiança nos resultados apresentados no Laudo Psicológico.

Em meio aos recortes aqui demonstrados, denota-se que 58,8% dos Promotores de Justiça realizam solicitações de perícia que necessitam de um psicólogo, 29,4% reconhecem que a necessidade foi suprida diante dessas solicitações, 26,5% acolhem totalmente o resultado do Laudo Psicológico e 32,4% confiam nos resultados apresentados no Laudo Psicológico.

Contudo, observando pelo ângulo da parcialidade, percebe-se que 50% dos Promotores de Justiça acolhem, mesmo que parcialmente, o resultado do Laudo Psicológico e 55,9% confiam, em partes, nos resultados apresentados no Laudo Psicológico.

20 ARANTES, E. M. de M. Pensando a Psicologia aplicada à Justiça. In: GONÇALVES, H. S.; BRANDÃO, E. P. Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau, 2005. Cap. 1. p. 15-49.

Concordo Totalmente Concordo Sem opinião Discordo Discordo Totalmente

0,00%

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5,90%2,90%

29,40%26,50%

32,40%

8,80%

2,90%

26,50%

50,00%

11,80%

8,80%

2,90%

32,40%

55,90%

5,90% 5,90%

Da solicitação da perícia à confiança nos resultados

Solicitação

Suprimento da necessidade

Acolhimento do resultado

Confiança no resultado

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 135

21De acordo com Silva , o Judiciário espera que o laudo fornecido pelo psicólogo seja o instrumento da verdade, que seja peça capaz de evidenciar quais fatos e argumentos são verdadeiros e quais evidências efetivamente servem de meio para provar algo. Isso limita e restringe a atuação do psicólogo, pois, se o laudo estiver desprovido das informações que o juiz necessita, o julgador poderá dispensá-lo, julgando a lide conforme os critérios e provas existentes nos autos.

22Segundo Jesus , os juízes são livres em suas convicções sobre os fatos, mesmo utilizando-se de trabalhos periciais, pois não estão limitados à prova pericial, podendo, se assim entenderem, desprezá-la. No entanto, na busca da verdade dos fatos, os juízes têm privilegiado a prova pericial, sobrepondo-a a outras provas quando estas não contêm dados suficientes que assegurem a justa decisão racional. Assim, os juízes se instruem mediante convicção nela fundamentada, realizando justo pronunciamento e atribuindo a cada um o que por direito é seu.

23De acordo com Rovinski , o objeto da investigação da perícia judicial passa a ser a elucidação de fatos controversos, decorrentes de conflitos de interesses em relação a um direito pleiteado, ou mesmo anteriores a estes, por ação do Ministério Público, que busca a apuração de responsabilidades por atos ilícitos.

FIGURA 3. Interessante ter um psicólogo para auxiliar na atividade fim do Ministério Público.

21 SILVA, op. cit.22 JESUS, F. de. Perícia e investigação de fraude. 2. ed. Goiânia: AB, 2000.23 ROVINSKI, op. cit., p. 22.

61,80%

35,30%

2,90%

Interessante ter um psicólogo para auxiliar na atividade fim do Ministério Público

Concordo Totalmente

Concordo

Sem opinião

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009134

20De acordo com Arantes , a perícia é um dos procedimentos mais utilizados na área jurídica e tem como objetivo fornecer elementos tendentes a prevenir a formação da convicção judicial que resultará na elaboração da sentença, dentro do que impõe a lei. A perícia pode ser solicitada para averiguação de periculosidade, das condições de discernimento ou sanidade mental das partes em litígios ou em julgamento.

FIGURA 2. Análise comparativa entre a solicitação pericial, o suprimento da necessidade, o acolhimento e a confiança nos resultados apresentados no Laudo Psicológico.

Em meio aos recortes aqui demonstrados, denota-se que 58,8% dos Promotores de Justiça realizam solicitações de perícia que necessitam de um psicólogo, 29,4% reconhecem que a necessidade foi suprida diante dessas solicitações, 26,5% acolhem totalmente o resultado do Laudo Psicológico e 32,4% confiam nos resultados apresentados no Laudo Psicológico.

Contudo, observando pelo ângulo da parcialidade, percebe-se que 50% dos Promotores de Justiça acolhem, mesmo que parcialmente, o resultado do Laudo Psicológico e 55,9% confiam, em partes, nos resultados apresentados no Laudo Psicológico.

20 ARANTES, E. M. de M. Pensando a Psicologia aplicada à Justiça. In: GONÇALVES, H. S.; BRANDÃO, E. P. Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau, 2005. Cap. 1. p. 15-49.

Concordo Totalmente Concordo Sem opinião Discordo Discordo Totalmente

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

58,80%

11,80%

20,60%

5,90%2,90%

29,40%26,50%

32,40%

8,80%

2,90%

26,50%

50,00%

11,80%

8,80%

2,90%

32,40%

55,90%

5,90% 5,90%

Da solicitação da perícia à confiança nos resultados

Solicitação

Suprimento da necessidade

Acolhimento do resultado

Confiança no resultado

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 135

21De acordo com Silva , o Judiciário espera que o laudo fornecido pelo psicólogo seja o instrumento da verdade, que seja peça capaz de evidenciar quais fatos e argumentos são verdadeiros e quais evidências efetivamente servem de meio para provar algo. Isso limita e restringe a atuação do psicólogo, pois, se o laudo estiver desprovido das informações que o juiz necessita, o julgador poderá dispensá-lo, julgando a lide conforme os critérios e provas existentes nos autos.

22Segundo Jesus , os juízes são livres em suas convicções sobre os fatos, mesmo utilizando-se de trabalhos periciais, pois não estão limitados à prova pericial, podendo, se assim entenderem, desprezá-la. No entanto, na busca da verdade dos fatos, os juízes têm privilegiado a prova pericial, sobrepondo-a a outras provas quando estas não contêm dados suficientes que assegurem a justa decisão racional. Assim, os juízes se instruem mediante convicção nela fundamentada, realizando justo pronunciamento e atribuindo a cada um o que por direito é seu.

23De acordo com Rovinski , o objeto da investigação da perícia judicial passa a ser a elucidação de fatos controversos, decorrentes de conflitos de interesses em relação a um direito pleiteado, ou mesmo anteriores a estes, por ação do Ministério Público, que busca a apuração de responsabilidades por atos ilícitos.

FIGURA 3. Interessante ter um psicólogo para auxiliar na atividade fim do Ministério Público.

21 SILVA, op. cit.22 JESUS, F. de. Perícia e investigação de fraude. 2. ed. Goiânia: AB, 2000.23 ROVINSKI, op. cit., p. 22.

61,80%

35,30%

2,90%

Interessante ter um psicólogo para auxiliar na atividade fim do Ministério Público

Concordo Totalmente

Concordo

Sem opinião

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009136

Dos Promotores de Justiça participantes, 61,8% concordam totalmente de que seria interessante ter um psicólogo para auxiliar na atividade fim que exercem, 35,3% concordam, 2,9% não tem opinião.

24Segundo Carvalho , outras atividades propostas para a atuação do psicólogo jurídico são: mediação, reuniões interdisciplinares, grupos de pais e adolescentes em conflito com a lei, orientação a familiares de apenados, grupos com sujeitos em cumprimento de pena e envolvidos com dependência química, grupo de crianças e adolescentes abrigados e plantão psicológico na Delegacia do Adolescente.

25Para Svoboda , o Ministério Público, então fiscal da lei, constitucionalmente foi investido com o mister de defensor da cidadania, assumindo responsabilidade de zelar pela sociedade, em especial pelos juridicamente incapazes, intervindo como custus legis para garantir o acesso aos direitos mediante a regularização de sua representatividade.

FIGURA 4. Análise comparativa entre a importância e o interesse do Promotor de Justiça em ter a presença do Psicólogo junto à instituição do Ministério Público.

24 CARVALHO, M. C. N. de. Contribuições para a formação de psicólogos jurídicos: uma década de experiências. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. cap. 2. p. 21-25.

25 SVOBODA, N. K. A necessidade, oportunidade e conveniência da intervenção de equipe interdisciplinar nas demandas judiciais cíveis. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 13. p. 73-76.

Concordo Totalmente Concordo Sem opinião

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

90,00%

76,50%

20,60%

2,90%

61,80%

35,30%

2,90%

Importância vs. Presença do Psicólogo

Importância

Presença do Psicólogo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 137

Elucida-se que 76,5% dos Promotores de Justiça concordam totalmente que é importante o Psicólogo como auxiliar no trabalho que envolve pessoas que dependam da atividade fim do Ministério Público e, como dado ainda mais relevante, que 61,8% dos Promotores de Justiça concordam totalmente com a presença do Psicólogo junto à instituição.

Esses dados se revestem de importância, pois com esses resultados ter-se-á uma proposta que poderá ser apresentada ao Poder Público, a qual pode ser convertida em lei que preveja a criação de cargos de Psicólogos junto ao Ministério Público.

FIGURA 5. Áreas do Direito que mais precisam da intervenção do Psicólogo.

Da análise da Figura 5 denota-se que, para os Promotores de Justiça, as áreas de mais importância, carecedoras da intervenção do Psicólogo, observadas pela forma decrescente, são: 100% abuso sexual, 91,17% menores em conflito com a lei e crianças vitimizadas, 85,29% adoção, 73,52% guarda, 67,64 família da vítima, 47,05% idoso e separação e divórcio, 44,11% criminal e 38,23% portadores de necessidades especiais e interdição.

A função do Psicólogo Jurídico consiste em interpretar a comunicação inconsciente que ocorre na dinâmica familiar e pessoal, em processos jurídicos que envolvem: separação (consensual ou litigiosa), divórcio (consensual ou litigioso), modificação de guarda, tutela, curatela, pensão alimentícia, vitimização em qualquer de suas formas (física, sexual,

Criminal

Idoso

Port. Neces. Especiais

Interdição

Adoção

Menores Conflito Lei

Guarda

Abuso Sexual

Separação e Divórcio

Família da vítima

Criança Vitimizada

0,00%

20,00%

40,00%

60,00%

80,00%

100,00%

120,00%

44,11%47,05%

38,23% 38,23%

85,29%

91,17%

73,52%

100,00%

47,05%

67,64%

91,17%

Áreas do direito que mais precisam da intervenção do Psicólogo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009136

Dos Promotores de Justiça participantes, 61,8% concordam totalmente de que seria interessante ter um psicólogo para auxiliar na atividade fim que exercem, 35,3% concordam, 2,9% não tem opinião.

24Segundo Carvalho , outras atividades propostas para a atuação do psicólogo jurídico são: mediação, reuniões interdisciplinares, grupos de pais e adolescentes em conflito com a lei, orientação a familiares de apenados, grupos com sujeitos em cumprimento de pena e envolvidos com dependência química, grupo de crianças e adolescentes abrigados e plantão psicológico na Delegacia do Adolescente.

25Para Svoboda , o Ministério Público, então fiscal da lei, constitucionalmente foi investido com o mister de defensor da cidadania, assumindo responsabilidade de zelar pela sociedade, em especial pelos juridicamente incapazes, intervindo como custus legis para garantir o acesso aos direitos mediante a regularização de sua representatividade.

FIGURA 4. Análise comparativa entre a importância e o interesse do Promotor de Justiça em ter a presença do Psicólogo junto à instituição do Ministério Público.

24 CARVALHO, M. C. N. de. Contribuições para a formação de psicólogos jurídicos: uma década de experiências. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. cap. 2. p. 21-25.

25 SVOBODA, N. K. A necessidade, oportunidade e conveniência da intervenção de equipe interdisciplinar nas demandas judiciais cíveis. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 13. p. 73-76.

Concordo Totalmente Concordo Sem opinião

0,00%

10,00%

20,00%

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40,00%

50,00%

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80,00%

90,00%

76,50%

20,60%

2,90%

61,80%

35,30%

2,90%

Importância vs. Presença do Psicólogo

Importância

Presença do Psicólogo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 137

Elucida-se que 76,5% dos Promotores de Justiça concordam totalmente que é importante o Psicólogo como auxiliar no trabalho que envolve pessoas que dependam da atividade fim do Ministério Público e, como dado ainda mais relevante, que 61,8% dos Promotores de Justiça concordam totalmente com a presença do Psicólogo junto à instituição.

Esses dados se revestem de importância, pois com esses resultados ter-se-á uma proposta que poderá ser apresentada ao Poder Público, a qual pode ser convertida em lei que preveja a criação de cargos de Psicólogos junto ao Ministério Público.

FIGURA 5. Áreas do Direito que mais precisam da intervenção do Psicólogo.

Da análise da Figura 5 denota-se que, para os Promotores de Justiça, as áreas de mais importância, carecedoras da intervenção do Psicólogo, observadas pela forma decrescente, são: 100% abuso sexual, 91,17% menores em conflito com a lei e crianças vitimizadas, 85,29% adoção, 73,52% guarda, 67,64 família da vítima, 47,05% idoso e separação e divórcio, 44,11% criminal e 38,23% portadores de necessidades especiais e interdição.

A função do Psicólogo Jurídico consiste em interpretar a comunicação inconsciente que ocorre na dinâmica familiar e pessoal, em processos jurídicos que envolvem: separação (consensual ou litigiosa), divórcio (consensual ou litigioso), modificação de guarda, tutela, curatela, pensão alimentícia, vitimização em qualquer de suas formas (física, sexual,

Criminal

Idoso

Port. Neces. Especiais

Interdição

Adoção

Menores Conflito Lei

Guarda

Abuso Sexual

Separação e Divórcio

Família da vítima

Criança Vitimizada

0,00%

20,00%

40,00%

60,00%

80,00%

100,00%

120,00%

44,11%47,05%

38,23% 38,23%

85,29%

91,17%

73,52%

100,00%

47,05%

67,64%

91,17%

Áreas do direito que mais precisam da intervenção do Psicólogo

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009138

psicológica) perda ou suspensão do poder familiar, entre outras.26Silva menciona que:

O objetivo do Psicólogo Judiciário é destacar e analisar os aspectos psicológicos das pessoas envolvidas, que digam respeito a questões afetivo-comportamentais da dinâmica familiar, ocultas por trás das relações processuais, e que garantam os direitos e o bem-estar da criança e/ou adolescente, a fim de auxiliar o juiz na tomada de uma decisão que melhor atenda às necessidades dessas pessoas.

27De acordo com Kulka , é de crucial importância o atendimento à família, pois não se concebe tratar as questões da adolescência sem auxiliar os pais, os quais se encontram fragilizados e vivenciando uma impotência real, com dificuldades em estabelecer limites e regras: “A violência parece ser a forma de comunicação e de diálogo”.

28Silva ressalta que, nos casos de questões familiares, a perícia psicológica torna-se necessária e admissível quando se reconhece a existência de pessoas com atitudes inconvenientes envolvidas no litígio, pois se sabe que por detrás desses atos podem estar latentes determinações que a razão desconhece.

29Segundo Bernardini , “a Psicologia na área jurídica e na área da criminologia tem contribuído de forma eficaz, diante da enorme velocidade de mudanças comportamentais que a sociedade tem apresentado principalmente no que se refere à violência”.

Análise qualitativa

Descrição fenomenológica

26 SILVA, op. cit., p. 39.27 KULKA, T. O adolescente em cumprimento de Medida Socioeducativa:

liberdade assistida. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. p. 66

28 SILVA, op. cit.29 BERNARDINI, A. M. A importância da contribuição da Psicologia no resgate

da cidadania dos excluídos aprisionados. In: ROEHRIG, op. cit., p. 47.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 139

Obteve-se êxito na compilação dos dados coletados, pois evidenciou-se que a maioria dos Promotores de Justiça possuem convicções semelhantes acerca da forma de como o Psicólogo poderá colaborar para as atividades fins do Ministério Público.

Os Promotores de Justiça participantes descreveram que o Psicólogo poderá colaborar para as atividades fins nos seguintes aspectos: Aferição das medidas socioeducativas; Diagnóstico de inimputabilidade mental e tratamentos; Mais eficácia na função restauradora do direito; Assistência Psicológica às vítimas, às testemunhas e às famílias nos casos de violência e conflitos emocionais; Realização de perícias e elaboração de laudos técnicos; Acompanhamento de casos; Assistência terapêutica aos Promotores de Justiça; Necessidade da interdisciplinariedade; Orientação aos Promotores de Justiça; Auxílio em entrevistas; Socialização do condenado para a mudança de comportamento.

Redução fenomenológica

FIGURA 6. Componentes variantes e invariantes

Unidade Temática Significados explanados através dos questionários aplicados

Variantes

Invariantes

- Aferição das medidas socioeducativas- Auxílio em entrevistas

- Necessidade da interdisciplinariedade- Acompanhamento de casos

- Diagnóstico de inimpu tabilidade mental e tratamentos

- Mais eficácia na função restauradora do direito

- Assistência psicológica às vítimas, às testemunhas, às famílias nos casos de violência e conflitos emocionais

- Realização de perícias e elaboração de laudos técnicos

- Assistência terapêutica aos Promotores de Justiça- Orientação aos Promotores de Justiça

De que forma você acha que o psicólogo poderá colaborar para as atividades do Ministério Público?

- Socialização do condenado para a mudança de comportamento

Total Total de variantes: 2 Total de invariantes: 9

Variantes Invariantes Total

0

2

4

6

8

10

12Componentes Variantes e Invariantes

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009138

psicológica) perda ou suspensão do poder familiar, entre outras.26Silva menciona que:

O objetivo do Psicólogo Judiciário é destacar e analisar os aspectos psicológicos das pessoas envolvidas, que digam respeito a questões afetivo-comportamentais da dinâmica familiar, ocultas por trás das relações processuais, e que garantam os direitos e o bem-estar da criança e/ou adolescente, a fim de auxiliar o juiz na tomada de uma decisão que melhor atenda às necessidades dessas pessoas.

27De acordo com Kulka , é de crucial importância o atendimento à família, pois não se concebe tratar as questões da adolescência sem auxiliar os pais, os quais se encontram fragilizados e vivenciando uma impotência real, com dificuldades em estabelecer limites e regras: “A violência parece ser a forma de comunicação e de diálogo”.

28Silva ressalta que, nos casos de questões familiares, a perícia psicológica torna-se necessária e admissível quando se reconhece a existência de pessoas com atitudes inconvenientes envolvidas no litígio, pois se sabe que por detrás desses atos podem estar latentes determinações que a razão desconhece.

29Segundo Bernardini , “a Psicologia na área jurídica e na área da criminologia tem contribuído de forma eficaz, diante da enorme velocidade de mudanças comportamentais que a sociedade tem apresentado principalmente no que se refere à violência”.

Análise qualitativa

Descrição fenomenológica

26 SILVA, op. cit., p. 39.27 KULKA, T. O adolescente em cumprimento de Medida Socioeducativa:

liberdade assistida. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. p. 66

28 SILVA, op. cit.29 BERNARDINI, A. M. A importância da contribuição da Psicologia no resgate

da cidadania dos excluídos aprisionados. In: ROEHRIG, op. cit., p. 47.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 139

Obteve-se êxito na compilação dos dados coletados, pois evidenciou-se que a maioria dos Promotores de Justiça possuem convicções semelhantes acerca da forma de como o Psicólogo poderá colaborar para as atividades fins do Ministério Público.

Os Promotores de Justiça participantes descreveram que o Psicólogo poderá colaborar para as atividades fins nos seguintes aspectos: Aferição das medidas socioeducativas; Diagnóstico de inimputabilidade mental e tratamentos; Mais eficácia na função restauradora do direito; Assistência Psicológica às vítimas, às testemunhas e às famílias nos casos de violência e conflitos emocionais; Realização de perícias e elaboração de laudos técnicos; Acompanhamento de casos; Assistência terapêutica aos Promotores de Justiça; Necessidade da interdisciplinariedade; Orientação aos Promotores de Justiça; Auxílio em entrevistas; Socialização do condenado para a mudança de comportamento.

Redução fenomenológica

FIGURA 6. Componentes variantes e invariantes

Unidade Temática Significados explanados através dos questionários aplicados

Variantes

Invariantes

- Aferição das medidas socioeducativas- Auxílio em entrevistas

- Necessidade da interdisciplinariedade- Acompanhamento de casos

- Diagnóstico de inimpu tabilidade mental e tratamentos

- Mais eficácia na função restauradora do direito

- Assistência psicológica às vítimas, às testemunhas, às famílias nos casos de violência e conflitos emocionais

- Realização de perícias e elaboração de laudos técnicos

- Assistência terapêutica aos Promotores de Justiça- Orientação aos Promotores de Justiça

De que forma você acha que o psicólogo poderá colaborar para as atividades do Ministério Público?

- Socialização do condenado para a mudança de comportamento

Total Total de variantes: 2 Total de invariantes: 9

Variantes Invariantes Total

0

2

4

6

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10

12Componentes Variantes e Invariantes

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009140

Interpretação fenomenológicaA Figura 6 demonstra a quantidade de significados

invariantes, ou seja, significados comuns na experiência vivida de cada Promotor de Justiça participante, onde foi possível verificar que existe uma linearidade nas respostas, sendo um dado de grande relevância, pois a maioria dos Promotores de Justiça concorda que o Psicólogo poderá colaborar para as atividades fins ministeriais, nos casos já mencionados:

O trabalho do Psicólogo Jurídico não é apenas um trabalho voltado às avaliações e pareceres, mas uma tarefa de resgate aos valores, vivências e transmissão de experiências. Não é terapia aos dissociais, mas seqüência de atividades terapêuticas para homens e mulheres que experimentaram a vida do crime e têm dificuldades em evitar as infrações, especialmente em relação ao uso de álcool e drogas. E mais que isto, é fortificar os laços que unem o homem a seu mundo familiar e social, contribuindo para que este incorpore o respeito e conservação do mundo de

30valores dessa sociedade.

Considerações finais

Constatou-se, por meio desta pesquisa, que os Promotores de Justiça reconhecem a importância do Psicólogo Jurídico junto à instituição do Ministério Público para a consecução de sua atividade fim.

Mediante os dados coletados, identificou-se que as situações nas quais o Psicólogo é mais requisitado pelo membro do Ministério Público em seus respectivos grau de importância são: abuso sexual, menores em conflito com a lei, criança vitimizada, adoção, guarda, família da vítima, idoso, separação e divórcio, âmbito criminal, portador de necessidades especiais e interdição.

Observou-se que os laudos psicológicos são aceitos pelos Promotores de Justiça, mas não em sua totalidade. Em grande percentual os Promotores de Justiça aceitam parcialmente esses laudos por declararem não suprir a total necessidade de suas solicitações.

30 BERNARDINI, op. cit., p. 48

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 141

Contudo, mesmo que os Promotores de Justiça reconheçam a importância do profissional de Psicologia junto à instituição do Ministério Público, eles não percebem sua ausência como algo que venha obstaculizar a plenitude de suas atividades fins, mas acreditam que a presença do Psicólogo possa aperfeiçoar a atuação do Promotor de Justiça em seus trabalhos.

Em suma, esta pesquisa propiciou resultados importantes para a Psicologia em interface com o Direito, chegando a conclusões representativas quanto ao reconhecimento dos Promotores de Justiça de que a presença do Psicólogo junto à instituição do Ministério Público é importante e gratificante.

Percebe-se a necessidade de se criar um espaço formal de aprimoramento para psicólogos que atuam, ou desejam atuar, em contextos jurídicos. Diante desses resultados, propõe-se ao Poder Público a criação de cargos de Psicólogos junto ao Ministério Público, através da elaboração de um projeto e sua conversão em lei.

Referências

ARANTES, E. M. de M. Pensando a Psicologia aplicada à Justiça. In: GONÇALVES, H. S.; BRANDÃO, E. P. Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau, 2005. Cap. 1. p. 15-49.

BERNARDINI, A. M. A importância da contribuição da Psicologia no resgate da cidadania dos excluídos aprisionados. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 7. p. 47-49.

CAIRES, M. A. de F. Psicologia Jurídica: implicações conceituais e aplicações práticas. São Paulo: Vetor, 2003.

CARVALHO, M. C. N. de; MIRANDA, V. R. Psicologia Jurídica: temas de aplicação. Curitiba: Juruá, 2008.

CARVALHO, M. C. N. de. Contribuições para a formação de psicólogos jurídicos: uma década de experiências. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 2. p. 21-25.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009140

Interpretação fenomenológicaA Figura 6 demonstra a quantidade de significados

invariantes, ou seja, significados comuns na experiência vivida de cada Promotor de Justiça participante, onde foi possível verificar que existe uma linearidade nas respostas, sendo um dado de grande relevância, pois a maioria dos Promotores de Justiça concorda que o Psicólogo poderá colaborar para as atividades fins ministeriais, nos casos já mencionados:

O trabalho do Psicólogo Jurídico não é apenas um trabalho voltado às avaliações e pareceres, mas uma tarefa de resgate aos valores, vivências e transmissão de experiências. Não é terapia aos dissociais, mas seqüência de atividades terapêuticas para homens e mulheres que experimentaram a vida do crime e têm dificuldades em evitar as infrações, especialmente em relação ao uso de álcool e drogas. E mais que isto, é fortificar os laços que unem o homem a seu mundo familiar e social, contribuindo para que este incorpore o respeito e conservação do mundo de

30valores dessa sociedade.

Considerações finais

Constatou-se, por meio desta pesquisa, que os Promotores de Justiça reconhecem a importância do Psicólogo Jurídico junto à instituição do Ministério Público para a consecução de sua atividade fim.

Mediante os dados coletados, identificou-se que as situações nas quais o Psicólogo é mais requisitado pelo membro do Ministério Público em seus respectivos grau de importância são: abuso sexual, menores em conflito com a lei, criança vitimizada, adoção, guarda, família da vítima, idoso, separação e divórcio, âmbito criminal, portador de necessidades especiais e interdição.

Observou-se que os laudos psicológicos são aceitos pelos Promotores de Justiça, mas não em sua totalidade. Em grande percentual os Promotores de Justiça aceitam parcialmente esses laudos por declararem não suprir a total necessidade de suas solicitações.

30 BERNARDINI, op. cit., p. 48

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 141

Contudo, mesmo que os Promotores de Justiça reconheçam a importância do profissional de Psicologia junto à instituição do Ministério Público, eles não percebem sua ausência como algo que venha obstaculizar a plenitude de suas atividades fins, mas acreditam que a presença do Psicólogo possa aperfeiçoar a atuação do Promotor de Justiça em seus trabalhos.

Em suma, esta pesquisa propiciou resultados importantes para a Psicologia em interface com o Direito, chegando a conclusões representativas quanto ao reconhecimento dos Promotores de Justiça de que a presença do Psicólogo junto à instituição do Ministério Público é importante e gratificante.

Percebe-se a necessidade de se criar um espaço formal de aprimoramento para psicólogos que atuam, ou desejam atuar, em contextos jurídicos. Diante desses resultados, propõe-se ao Poder Público a criação de cargos de Psicólogos junto ao Ministério Público, através da elaboração de um projeto e sua conversão em lei.

Referências

ARANTES, E. M. de M. Pensando a Psicologia aplicada à Justiça. In: GONÇALVES, H. S.; BRANDÃO, E. P. Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau, 2005. Cap. 1. p. 15-49.

BERNARDINI, A. M. A importância da contribuição da Psicologia no resgate da cidadania dos excluídos aprisionados. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 7. p. 47-49.

CAIRES, M. A. de F. Psicologia Jurídica: implicações conceituais e aplicações práticas. São Paulo: Vetor, 2003.

CARVALHO, M. C. N. de; MIRANDA, V. R. Psicologia Jurídica: temas de aplicação. Curitiba: Juruá, 2008.

CARVALHO, M. C. N. de. Contribuições para a formação de psicólogos jurídicos: uma década de experiências. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 2. p. 21-25.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009142

FERRAZ, A. A. M. de C.; GUIMARÃES JÚNIOR, J. L. G. A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil Constitucional. In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. Cap. 1. p. 19-35.

FIORELLI, J. O. Psicologia aplicada ao Direito. São Paulo: Ltr, 2006.

FRANÇA, F. Reflexões sobre Psicologia Jurídica e seu panorama no Brasil. Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 73-80, jun. 2004. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/ptp/v6n1/v6n 1a06.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2008.

GUIMARÃES JÚNIOR, J. L. Papel constitucional do Ministério Público. In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. Cap. 4. p. 90-103.

JESUS, F. de. Psicologia aplicada à justiça. 2. ed. Goiânia: AB, 2006.

______. Perícia e investigação de fraude. 2. ed. Goiânia: AB, 2000.

MACEDO JÚNIOR, R. P. Evolução institucional do Ministério Público brasileiro. In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. Cap. 2. p. 36-65.

KULKA, T. O adolescente em cumprimento de Medida Socioeducativa: liberdade assistida. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 11. p. 63-67.

MOREIRA, D. A. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.

ROVINSKI, S. L. R. Fundamentos da perícia psicológica forense. São Paulo: Vetor, 2004.

SILVA, D. M. P. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro. São Paulo: Casa do Psiocólogo, 2003.

SVOBODA, N. K. A necessidade, oportunidade e conveniência da intervenção de equipe interdisciplinar nas demandas judiciais cíveis. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 13. p. 73-76.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 143

“Prisioneiros são só isso: prisioneiros, e não animais. Foram considerados culpados de crimes e pagam por isso. É preciso garantir que a sociedade brasileira, ao privá-los da liberdade, não os prive da

1dignidade humana” .

MM.Juiz(a),

Trata-se de pedido de prisão domiciliar sui generis formulado por MARIA APARECIDA DA SILVA.

Em apertada síntese, o pedido sub judice se estriba nas seguintes asserções: a) a requerente foi condenada, pelo crime previsto no art. 33 da Lei de Drogas, ao cumprimento de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime fechado; b) está grávida; c) a gestação é de alto risco; d) está prestes a dar à luz; e) não tem recebido atendimento médico suficiente.

Diante disso, MARIA APARECIDA DA SILVA formulou seu pedido de prisão domiciliar, nos seguintes termos: “conceder a requerente a prisão domiciliar nesta cidade até uns 15 dias após o parto, uma vez que conforme documentação anexa, a requerente precisa ser mais bem assistida, sob pena de estar em risco não sua própria vida, como também a do nascituro”.

Os autos vieram para manifestação Ministerial.De antemão, importa deixar claro que a autora do pedido

em exame não pugnou para que lhe fosse reconhecido o direito de cumprir todo o restante de sua pena em regime de prisão

AUTOS Nº 200804243241

*Vinícius Marçal Vieira

* Promotor de Justiça de Itapaci – Goiás.1 SANE, P. Prisões e violação de Direitos Humanos. Folha de São Paulo,

25/06/1999, caderno 1, p. 3.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009142

FERRAZ, A. A. M. de C.; GUIMARÃES JÚNIOR, J. L. G. A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil Constitucional. In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. Cap. 1. p. 19-35.

FIORELLI, J. O. Psicologia aplicada ao Direito. São Paulo: Ltr, 2006.

FRANÇA, F. Reflexões sobre Psicologia Jurídica e seu panorama no Brasil. Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 73-80, jun. 2004. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/ptp/v6n1/v6n 1a06.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2008.

GUIMARÃES JÚNIOR, J. L. Papel constitucional do Ministério Público. In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. Cap. 4. p. 90-103.

JESUS, F. de. Psicologia aplicada à justiça. 2. ed. Goiânia: AB, 2006.

______. Perícia e investigação de fraude. 2. ed. Goiânia: AB, 2000.

MACEDO JÚNIOR, R. P. Evolução institucional do Ministério Público brasileiro. In: FERRAZ, A. A. M. de C. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo: Atlas, 1999. Cap. 2. p. 36-65.

KULKA, T. O adolescente em cumprimento de Medida Socioeducativa: liberdade assistida. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 11. p. 63-67.

MOREIRA, D. A. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.

ROVINSKI, S. L. R. Fundamentos da perícia psicológica forense. São Paulo: Vetor, 2004.

SILVA, D. M. P. Psicologia jurídica no processo civil brasileiro. São Paulo: Casa do Psiocólogo, 2003.

SVOBODA, N. K. A necessidade, oportunidade e conveniência da intervenção de equipe interdisciplinar nas demandas judiciais cíveis. In: ROEHRIG, L. D. et. al. Caderno de Psicologia Jurídica – Coletânea ConexãoPsi. Curitiba: Unificado, 2007. Cap. 13. p. 73-76.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 143

“Prisioneiros são só isso: prisioneiros, e não animais. Foram considerados culpados de crimes e pagam por isso. É preciso garantir que a sociedade brasileira, ao privá-los da liberdade, não os prive da

1dignidade humana” .

MM.Juiz(a),

Trata-se de pedido de prisão domiciliar sui generis formulado por MARIA APARECIDA DA SILVA.

Em apertada síntese, o pedido sub judice se estriba nas seguintes asserções: a) a requerente foi condenada, pelo crime previsto no art. 33 da Lei de Drogas, ao cumprimento de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime fechado; b) está grávida; c) a gestação é de alto risco; d) está prestes a dar à luz; e) não tem recebido atendimento médico suficiente.

Diante disso, MARIA APARECIDA DA SILVA formulou seu pedido de prisão domiciliar, nos seguintes termos: “conceder a requerente a prisão domiciliar nesta cidade até uns 15 dias após o parto, uma vez que conforme documentação anexa, a requerente precisa ser mais bem assistida, sob pena de estar em risco não sua própria vida, como também a do nascituro”.

Os autos vieram para manifestação Ministerial.De antemão, importa deixar claro que a autora do pedido

em exame não pugnou para que lhe fosse reconhecido o direito de cumprir todo o restante de sua pena em regime de prisão

AUTOS Nº 200804243241

*Vinícius Marçal Vieira

* Promotor de Justiça de Itapaci – Goiás.1 SANE, P. Prisões e violação de Direitos Humanos. Folha de São Paulo,

25/06/1999, caderno 1, p. 3.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009144

domiciliar. Não! A requerente, frise-se, não ingressou com pedido de prisão domiciliar puro, pois, conforme dito alhures, o que ela almeja é a concessão “temporária” do benefício da prisão domiciliar (prisão domiciliar sui generis).

Feito esse breve esclarecimento, calha transcrever o que diz a LEP sobre o instituto da prisão domiciliar:

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:I - condenado maior de 70 (setenta) anos;II - condenado acometido de doença grave;III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;IV - condenada gestante.

Fazendo uma interpretação literal do aludido dispositivo, doutrina e jurisprudência majoritárias pacificaram o entendimento segundo o qual “A prisão domiciliar é reservada aos condenados que cumprem pena em regime aberto, em razão das circunstâncias especiais previstas no art. 117 da Lei nº 7.210/84, sendo

2incompatível com outros regimes prisionais” .Assim sendo, por via de regra, a prisão domiciliar pura não

pode ser concedida fora dos estritos lindes do art. 117 da LEP. No entanto, o caso em análise reclama apreciação diferenciada, por tratar-se de pedido de prisão domiciliar sui generis (com prazo certo e determinado).

Se por um lado pode-se dizer que a prisão domiciliar sui generis não encontra agasalho na LEP, por outro, convém contra-argumentar dizendo que mesmo diante de casos típicos de prisão domiciliar pura a jurisprudência vem admitindo uma análise ampliativa do art. 117, a teor do que se colhe das transcrições abaixo:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. EXECUÇÃO DE PENA. REGIME SEMI-ABERTO. GESTANTE. ALTO RISCO. FALTA

2 Recurso de Agravo n 1.0000.04.406151-3/001, 2ª Câmara Criminal do TJMG, Juiz de Fora, Rel. Célio César Paduani. j. 15.04.2004, unânime, Publ. 05.05.2004.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 145

DE TRATAMENTO MÉDICO ADEQUADO. PRISÃO DOMICILIAR. ART. 117, LEP. LIVRAMENTO CONDICIONAL. ART. 83 DO CP. CONCESSÃO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. I - A prisão domiciliar, em princípio, só é admitida quando se tratar de réu inserido no regime prisional aberto, ex vi do art. 117 da Lei de Execução Penal (precedentes do STF). II - Excepcionalmente, porém, tem a jurisprudência entendido ser possível a concessão do benefício, no caso de regime prisional diverso do aberto, se o tratamento médico necessário não puder ser ministrado no presídio em que se encontra o apenado (precedentes do STJ). III - Todavia, no caso em exame, o impetrante não comprovou que se trata de gestação de alto risco, bem como não demonstrou a impossibilidade de se ministrar o tratamento médico adequado na unidade prisional

3onde se encontra a ora paciente. [...].

AGRAVO EM EXECUÇÃO. CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR. HIPÓTESES NÃO TAXATIVAS DO ARTIGO 117, DA LEP. SUPERLOTAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. Diante do quadro calamitoso apresentado por alguns dos presídios deste Estado, e da voluntária omissão dos Poderes Executivo e Legislativo na busca de solução perene para o problema, impõe-se a concessão do benefício da prisão domiciliar como forma de amenizar o problema, considerando meramente exemplificativas as hipóteses do artigo 117 da LEP. Compulsando-se os autos, verifica-se que a situação da Penitenciária é dramática. Pelas informações prestadas, resta evidente que a penitenciária ultrapassa o limite de sua capacidade, estando alguns detentos dormindo, inclusive em banheiros. À unanimidade, negaram

4provimento ao agravo ministerial. (Agravo nº 70027339118, 6ª Câmara Criminal do TJRS, Rel. Mário Rocha Lopes Filho, DJ 13.01.2009).

3 Habeas Corpus n 31011/SP (2003/0181873-4), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Félix Fischer, unânime, DJ 31.05.2004.

4 Agravo em Execução Penal n. 159-1/352 (200703301343), 2ª Câmara Criminal do TJGO, Rel. Charife Oscar Abrão, unânime, DJ 28.11.2007.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009144

domiciliar. Não! A requerente, frise-se, não ingressou com pedido de prisão domiciliar puro, pois, conforme dito alhures, o que ela almeja é a concessão “temporária” do benefício da prisão domiciliar (prisão domiciliar sui generis).

Feito esse breve esclarecimento, calha transcrever o que diz a LEP sobre o instituto da prisão domiciliar:

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:I - condenado maior de 70 (setenta) anos;II - condenado acometido de doença grave;III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;IV - condenada gestante.

Fazendo uma interpretação literal do aludido dispositivo, doutrina e jurisprudência majoritárias pacificaram o entendimento segundo o qual “A prisão domiciliar é reservada aos condenados que cumprem pena em regime aberto, em razão das circunstâncias especiais previstas no art. 117 da Lei nº 7.210/84, sendo

2incompatível com outros regimes prisionais” .Assim sendo, por via de regra, a prisão domiciliar pura não

pode ser concedida fora dos estritos lindes do art. 117 da LEP. No entanto, o caso em análise reclama apreciação diferenciada, por tratar-se de pedido de prisão domiciliar sui generis (com prazo certo e determinado).

Se por um lado pode-se dizer que a prisão domiciliar sui generis não encontra agasalho na LEP, por outro, convém contra-argumentar dizendo que mesmo diante de casos típicos de prisão domiciliar pura a jurisprudência vem admitindo uma análise ampliativa do art. 117, a teor do que se colhe das transcrições abaixo:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. EXECUÇÃO DE PENA. REGIME SEMI-ABERTO. GESTANTE. ALTO RISCO. FALTA

2 Recurso de Agravo n 1.0000.04.406151-3/001, 2ª Câmara Criminal do TJMG, Juiz de Fora, Rel. Célio César Paduani. j. 15.04.2004, unânime, Publ. 05.05.2004.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 145

DE TRATAMENTO MÉDICO ADEQUADO. PRISÃO DOMICILIAR. ART. 117, LEP. LIVRAMENTO CONDICIONAL. ART. 83 DO CP. CONCESSÃO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. I - A prisão domiciliar, em princípio, só é admitida quando se tratar de réu inserido no regime prisional aberto, ex vi do art. 117 da Lei de Execução Penal (precedentes do STF). II - Excepcionalmente, porém, tem a jurisprudência entendido ser possível a concessão do benefício, no caso de regime prisional diverso do aberto, se o tratamento médico necessário não puder ser ministrado no presídio em que se encontra o apenado (precedentes do STJ). III - Todavia, no caso em exame, o impetrante não comprovou que se trata de gestação de alto risco, bem como não demonstrou a impossibilidade de se ministrar o tratamento médico adequado na unidade prisional

3onde se encontra a ora paciente. [...].

AGRAVO EM EXECUÇÃO. CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR. HIPÓTESES NÃO TAXATIVAS DO ARTIGO 117, DA LEP. SUPERLOTAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. Diante do quadro calamitoso apresentado por alguns dos presídios deste Estado, e da voluntária omissão dos Poderes Executivo e Legislativo na busca de solução perene para o problema, impõe-se a concessão do benefício da prisão domiciliar como forma de amenizar o problema, considerando meramente exemplificativas as hipóteses do artigo 117 da LEP. Compulsando-se os autos, verifica-se que a situação da Penitenciária é dramática. Pelas informações prestadas, resta evidente que a penitenciária ultrapassa o limite de sua capacidade, estando alguns detentos dormindo, inclusive em banheiros. À unanimidade, negaram

4provimento ao agravo ministerial. (Agravo nº 70027339118, 6ª Câmara Criminal do TJRS, Rel. Mário Rocha Lopes Filho, DJ 13.01.2009).

3 Habeas Corpus n 31011/SP (2003/0181873-4), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Félix Fischer, unânime, DJ 31.05.2004.

4 Agravo em Execução Penal n. 159-1/352 (200703301343), 2ª Câmara Criminal do TJGO, Rel. Charife Oscar Abrão, unânime, DJ 28.11.2007.

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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009146

R E C U R S O E M S E N T I D O E S T R I TO . CONVERSÃO EM AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL, APROPRIADO PARA A ESPÉCIE. (...) Em situações excepcionais, a jurisprudência tem admitido que o sentenciado que cumpre pena em regime fechado possa fazê-lo em regime mais benéfico, no caso de padecer de alguma doença grave, isso, entretanto, somente é possível à luz de provas concretas de que o estabelecimento prisional onde está recolhido não pode prestar-lhe a assistência médica devida, o que não é o caso dos autos. Todas as vezes em que o agravante necessitou, teve assistência médica adequada, mesmo no regime prisional em que se encontra, tendo inclusive se submetido à cirurgia cardíaca. 3 - Agravo improvido.

Assim sendo, se até para a sua concessão em caráter definitivo (sempre, porém, rebus sic stantibus) a prisão domiciliar, excepcionalmente, pode ser deferida fora dos casos do art. 117 da LEP, a fortiori, também de maneira excepcional, poderá ser deferida a prisão domiciliar sui generis, especialmente se isso for feito no afã de prestar homenagem ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (um dos fundamentos da República Federativa do Brasil – art. 1º, inc. III, CF/88).

E é exatamente com fulcro no fundamento republicano da dignidade humana que o Ministério Público vislumbra a possibilidade jurídica do pedido formulado pela requerente.

5Ora, nossa triste realidade carcerária é conhecida por todos .

5 “É de conhecimento geral que ‘grande parte da população carcerária está confinada em cadeias públicas, presídios, casas de detenção e estabelecimentos análogos, onde prisioneiros de alta periculosidade convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais, de escassa ou de nenhuma periculosidade, e pacientes de imposição penal prévia (presos provisórios ou aguardando julgamento), para quem é um mito, no caso, a presunção de inocência. Nestes ambientes de estufa, a ociosidade é a regra; a intimidade, inevitável e profunda. A deterioração do caráter, resultante da influência corruptora da subcultura criminal, o hábito da ociosidade, a alienação mental, a perda paulatina da aptidão para o trabalho, o comprometimento da saúde, são conseqüências desse tipo de confinamento promíscuo, já definido alhures como ‘sementeiras de reincidências’, dados os seus efeitos criminógenos” (Item n. 100 da exposição de motivos da Lei de Execução Penal).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 147

Ademais, é cediço que os “presídios” que compõem a comarca de Itapaci são desprovidos de uma real e efetiva assistência à saúde (art. 41, inc. VII, LEP) – direito constitucional fundamental. Sabe-se, ainda, que “O regime fechado – como qualquer outro – só não funciona ou funciona mal entre nós, devido a desconsideração que as autoridades do Poder Executivo devotam – como sempre devotaram – à população

6carcerária [...]” . Assim sendo, há de se reconhecer que a requerente – gestante – e seu filho (nascituro) não podem ser “responsabilizados” pela incúria do Estado, que deveria proporcionar a ela condições minimamente suficientes para poder dar à luz, ainda que presa, livre de qualquer risco e, ao mesmo tempo, garantir ao nascituro a aplicação

7irrestrita do princípio constitucional da proteção integral .Dessarte, com espeque nas considerações gizadas, e

exaltando o primado da força normativa da Constituição, o parecer Ministerial segue pelo deferimento do pedido, concedendo-se à requerente o direito à prisão domiciliar sui generis, pelo período 15 (quinze) dias após o parto.

Itapaci-GO, 01 de abril de 2009.

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

6 Habeas Corpus n. 24602/SP (2006.03.00.037555-0), 1ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Johonsom Di Salvo. j. 13.06.2006, unânime, DJU 04.07.2006.

7 A Constituição Republicana (artigo 227) determina expressamente ser um dever “do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Frise-se que o vetor constitucionalista da dignidade humana é pacificamente aplicável ao nascituro: “A dispensa de servidoras ocupantes de função pública, no lapso gestacional ou na vigência da licença-maternidade deve ser feita em harmonia com os princípios constitucionais da moralidade e da dignidade da pessoa humana, que norteiam as tutelas concedidas à maternidade e ao nascituro, direito socialmente garantido inclusive aos servidores públicos” (MS n. 1.0000.06.441476-6/000(1), Corte Superior do TJMG, Rel. Dorival Guimarães Pereira. j. 10.01.2007. Publ. 11.05.2007).

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R E C U R S O E M S E N T I D O E S T R I TO . CONVERSÃO EM AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL, APROPRIADO PARA A ESPÉCIE. (...) Em situações excepcionais, a jurisprudência tem admitido que o sentenciado que cumpre pena em regime fechado possa fazê-lo em regime mais benéfico, no caso de padecer de alguma doença grave, isso, entretanto, somente é possível à luz de provas concretas de que o estabelecimento prisional onde está recolhido não pode prestar-lhe a assistência médica devida, o que não é o caso dos autos. Todas as vezes em que o agravante necessitou, teve assistência médica adequada, mesmo no regime prisional em que se encontra, tendo inclusive se submetido à cirurgia cardíaca. 3 - Agravo improvido.

Assim sendo, se até para a sua concessão em caráter definitivo (sempre, porém, rebus sic stantibus) a prisão domiciliar, excepcionalmente, pode ser deferida fora dos casos do art. 117 da LEP, a fortiori, também de maneira excepcional, poderá ser deferida a prisão domiciliar sui generis, especialmente se isso for feito no afã de prestar homenagem ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (um dos fundamentos da República Federativa do Brasil – art. 1º, inc. III, CF/88).

E é exatamente com fulcro no fundamento republicano da dignidade humana que o Ministério Público vislumbra a possibilidade jurídica do pedido formulado pela requerente.

5Ora, nossa triste realidade carcerária é conhecida por todos .

5 “É de conhecimento geral que ‘grande parte da população carcerária está confinada em cadeias públicas, presídios, casas de detenção e estabelecimentos análogos, onde prisioneiros de alta periculosidade convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais, de escassa ou de nenhuma periculosidade, e pacientes de imposição penal prévia (presos provisórios ou aguardando julgamento), para quem é um mito, no caso, a presunção de inocência. Nestes ambientes de estufa, a ociosidade é a regra; a intimidade, inevitável e profunda. A deterioração do caráter, resultante da influência corruptora da subcultura criminal, o hábito da ociosidade, a alienação mental, a perda paulatina da aptidão para o trabalho, o comprometimento da saúde, são conseqüências desse tipo de confinamento promíscuo, já definido alhures como ‘sementeiras de reincidências’, dados os seus efeitos criminógenos” (Item n. 100 da exposição de motivos da Lei de Execução Penal).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 147

Ademais, é cediço que os “presídios” que compõem a comarca de Itapaci são desprovidos de uma real e efetiva assistência à saúde (art. 41, inc. VII, LEP) – direito constitucional fundamental. Sabe-se, ainda, que “O regime fechado – como qualquer outro – só não funciona ou funciona mal entre nós, devido a desconsideração que as autoridades do Poder Executivo devotam – como sempre devotaram – à população

6carcerária [...]” . Assim sendo, há de se reconhecer que a requerente – gestante – e seu filho (nascituro) não podem ser “responsabilizados” pela incúria do Estado, que deveria proporcionar a ela condições minimamente suficientes para poder dar à luz, ainda que presa, livre de qualquer risco e, ao mesmo tempo, garantir ao nascituro a aplicação

7irrestrita do princípio constitucional da proteção integral .Dessarte, com espeque nas considerações gizadas, e

exaltando o primado da força normativa da Constituição, o parecer Ministerial segue pelo deferimento do pedido, concedendo-se à requerente o direito à prisão domiciliar sui generis, pelo período 15 (quinze) dias após o parto.

Itapaci-GO, 01 de abril de 2009.

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

6 Habeas Corpus n. 24602/SP (2006.03.00.037555-0), 1ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Johonsom Di Salvo. j. 13.06.2006, unânime, DJU 04.07.2006.

7 A Constituição Republicana (artigo 227) determina expressamente ser um dever “do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Frise-se que o vetor constitucionalista da dignidade humana é pacificamente aplicável ao nascituro: “A dispensa de servidoras ocupantes de função pública, no lapso gestacional ou na vigência da licença-maternidade deve ser feita em harmonia com os princípios constitucionais da moralidade e da dignidade da pessoa humana, que norteiam as tutelas concedidas à maternidade e ao nascituro, direito socialmente garantido inclusive aos servidores públicos” (MS n. 1.0000.06.441476-6/000(1), Corte Superior do TJMG, Rel. Dorival Guimarães Pereira. j. 10.01.2007. Publ. 11.05.2007).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009148 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 149Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS

?O Conselho Consultivo da ESMP-GO definiu que a Revista do Ministério Público é de opinião doutrinária, cujo objetivo é fomentar o debate jurídico em temas que guardem pertinência e oportunidade com a atuação ministerial.

?Os artigos deverão ser preferencialmente inéditos.?Serão aceitos artigos doutrinários e peças funcionais,

observada a gramática normativa.?Cada artigo, na primeira lauda, deverá vir acompanhado de:

1- resumo (com o máximo de setenta palavras), sem parágrafos;2- palavras-chave (no máximo cinco palavras);3- título do trabalho;4- nome completo do autor (ou autores);5- minicurrículo (créditos), contendo o nome do autor (ou autores), com endereço, fax e e-mail, situação acadêmica, títulos, instituições às quais pertença e a principal atividade exercida.

?Formatação: fonte Times New Roman, corpo 12, entrelinha 1,5, justificado, sem recuos, deslocamentos ou espaçamentos, antes ou depois, e, tampouco, tabulador para determinar os parágrafos, os quais serão abertos automaticamente. Tamanho de papel A4, margens superior e inferior 2,5 cm e laterais 3,0 cm. Os artigos deverão conter de 3 a 6 laudas, utilizando os editores de texto Word (Microsoft) ou Writer (BrOffice).

?Bibliografia: as referências bibliográficas seguirão as normas da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, atendendo ao disposto na NBT ABNT 6023/2002. As citações deverão ser feitas em sistema de chamada, numérico ou autor/data, conforme especificado na NBR 10520/2002. A exatidão e a adequação das referências a trabalhos que tenham sido consultados e mencionados no corpo do artigo são de responsabilidade exclusiva do autor (ou autores).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009148 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009 149Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS

?O Conselho Consultivo da ESMP-GO definiu que a Revista do Ministério Público é de opinião doutrinária, cujo objetivo é fomentar o debate jurídico em temas que guardem pertinência e oportunidade com a atuação ministerial.

?Os artigos deverão ser preferencialmente inéditos.?Serão aceitos artigos doutrinários e peças funcionais,

observada a gramática normativa.?Cada artigo, na primeira lauda, deverá vir acompanhado de:

1- resumo (com o máximo de setenta palavras), sem parágrafos;2- palavras-chave (no máximo cinco palavras);3- título do trabalho;4- nome completo do autor (ou autores);5- minicurrículo (créditos), contendo o nome do autor (ou autores), com endereço, fax e e-mail, situação acadêmica, títulos, instituições às quais pertença e a principal atividade exercida.

?Formatação: fonte Times New Roman, corpo 12, entrelinha 1,5, justificado, sem recuos, deslocamentos ou espaçamentos, antes ou depois, e, tampouco, tabulador para determinar os parágrafos, os quais serão abertos automaticamente. Tamanho de papel A4, margens superior e inferior 2,5 cm e laterais 3,0 cm. Os artigos deverão conter de 3 a 6 laudas, utilizando os editores de texto Word (Microsoft) ou Writer (BrOffice).

?Bibliografia: as referências bibliográficas seguirão as normas da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, atendendo ao disposto na NBT ABNT 6023/2002. As citações deverão ser feitas em sistema de chamada, numérico ou autor/data, conforme especificado na NBR 10520/2002. A exatidão e a adequação das referências a trabalhos que tenham sido consultados e mencionados no corpo do artigo são de responsabilidade exclusiva do autor (ou autores).

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 18, Julho/2009150

?Remessa: Todo o material deverá ser gravado em CD e enviado via e-mail, em arquivo anexo, para o seguinte endereço eletrônico < @mp.go.gov.br >. É obrigatório, ainda, que sejam enviadas à ESMP-GO (duas) cópias impressas, devidamente assinadas pelo seu autor (ou autores).

?Aprovação: a ESMP-GO, ao receber os trabalhos, fará a sua análise pelo Conselho Editorial. O relator designado analisará o artigo que lhe for distribuído, conforme as regras estabelecidas pelo Conselho Consultivo.

?Trabalho aprovado será submetido à revisão gramatical e, se for o caso, será submetido à concordância do autor.

?Em caso de rejeição do artigo para publicação, somente será feita a comunicação ao seu autor (ou autores) havendo consulta pessoal à direção da ESMP-GO.

?Os trabalhos recebidos para seleção não serão devolvidos.?Não serão devidos direitos autorais ou qualquer remuneração

pela publicação dos trabalhos na revista.?Os artigos publicados a partir da 16ª edição já seguem o novo

acordo ortográfico da Língua Portuguesa.

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