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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA ROCURADORIA DA DA R REPÚBLICA EPÚBLICA EM EM P PERNAMBUCO ERNAMBUCO EXCELENTÍSSIMO(A) SR(A) JUIZ(ÍZA) FEDERAL DA VARA EM PERNAMBUCO: Ação Civil Pública nº26/2007 ref. PA nº1.26.000.002250/2007-05 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do procurador da República que esta subscreve, no ofício de uma de suas atribuições institucionais, com fundamento nos artigos 37, §4º e 129, incs. II e III, da Constituição Federal, art. 5º da Lei nº 7.347/1985, art. 6º, inciso VII, letras “b” e “c” e inciso XIV, letra “c”, da Lei Complementar nº 75/93, vêm à presença de Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de antecipação de tutela em face da UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, representada para este fim pela Advocacia-Geral da União em Pernambuco, situada na Rua Quarenta e Oito, nº149, Encruzilhada, nesta

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPPROCURADORIAROCURADORIA DADA R REPÚBLICAEPÚBLICA EMEM P PERNAMBUCOERNAMBUCO

EXCELENTÍSSIMO(A) SR(A) JUIZ(ÍZA) FEDERAL DA VARA EM PERNAMBUCO:

Ação Civil Pública nº26/2007ref. PA nº1.26.000.002250/2007-05

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do

procurador da República que esta subscreve, no ofício de uma de suas

atribuições institucionais, com fundamento nos artigos 37, §4º e 129, incs. II e

III, da Constituição Federal, art. 5º da Lei nº 7.347/1985, art. 6º, inciso VII,

letras “b” e “c” e inciso XIV, letra “c”, da Lei Complementar nº 75/93, vêm à

presença de Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com

pedido de antecipação de tutela em face da

UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, representada para este fim pela Advocacia-Geral da União em Pernambuco, situada na Rua Quarenta e Oito, nº149, Encruzilhada, nesta

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO ACP nº 26/2007

cidade, a ser citada na pessoa de seu procurador-chefe, na forma do art. 12, I, do CPC, e dos artigos 9º, §3º, 35, IV e 37 da Lei Complementar nº73, de 10/2/93, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

1. DOS FATOS

A Ordem dos Advogados do Brasil e outras entidades

representativas de classe, sindicatos e associações de moradores1

representaram nesta Procuradoria da República noticiando abusos e

ilegalidades cometidas pela Secretaria do Patrimônio da União, órgão do

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, referentes à cobrança da

taxa de foro e ocupação dos imóveis da União cedidos em regime de

aforamento ou ocupação.

As ilegalidades aventadas foram assim resumidas na

representação:

(i) aumentos abusivos dos foros pagos anualmente, o que transcende o campo jurídico e chega ao campo social, em função de afetar a vida de milhares de pernambucanos;(ii) cobrança de laudêmio nas transferências, computando-se não só o valor do domínio pleno do terreno como também das benfeitorias sobre ele existentes;(iii) criação de novos terrenos de marinha, vez que diversas pessoas físicas e jurídicas, proprietários de imóveis sem qualquer tipo de restrição e devidamente registrados em Cartório de Imóveis, com certidão negativa do SPU, localizados na Região Metropolitana do Recife, estão recebendo notificações do próprio SPU, as quais informam que, em função de novo recadastramento – sem que se apresente a fundamentação da nova base de cálculo ou parâmetros para definição do preamar-médio de 1831 -, os seus imóveis passaram a pertencer à União Federal, e seus então proprietários a ser meros ocupantes, sendo cobrados as taxas e – pior – sem direito a qualquer indenização.

1 Ordem dos Advogados Do Brasil - Seccional Pernambuco, Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco, Sindicato da Indústria de Construção Civil No Estado de Pernambuco, Sindicato das Empresas de Compras, Vendas, Locação e Administração de Imóveis e dos Ofícios em Condomínio Residenciais e Comerciais do Estado de Pernambuco, Associação de Moradores do Pina, Boa Viagem E Setúbal e o Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de Pernambuco

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO ACP nº 26/2007

A representação em tela deu origem ao Procedimento

Administrativo nº1.26.000.002250/2007, no bojo do qual a SPU foi chamada a

se manifestar, apresentando a resposta constante do Anexo I, do referido

Procedimento Administrativo.

Após a regular instrução do feito, com a vinda de informações

complementares e manifestação do Analista Pericial em Geologia desta

Procuradoria da República, o Ministério Público Federal, convencendo-se da

procedência dos argumentos dos representantes, vem ajuizar a presente Ação

Civil Pública, com o objetivo de i) dirimir conflitos sobre a correta demarcação

da linha de preamar média de 1831 (LPM/1831), mediante perícia judicial; ii)

compelir a União a corrigir procedimentos administrativos demarcatórios,

assegurando a ampla defesa; e iii) coibir a cobrança abusiva de taxas de

ocupação e foro, tudo conforme será melhor explicitado no corpo desta peça.

2. - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Os atos administrativos questionados nesta ação, como será mais

detidamente analisado em tópicos próprios, têm reflexos diretos no direito

social à moradia (art. 6º, Constituição Federal), no direito de ampla defesa e

contraditório, à segurança jurídica e de propriedade de uma parcela enorme da

população pernambucana.

A Constituição Federal no caput do art. 127, III, preceitua que

incumbe ao Ministério Público, dentre outras atribuições, a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.

Entre as funções institucionais do Ministério Público está a de

promover o inquérito civil e ação civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos

(art. 129, III).

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO ACP nº 26/2007

Sobre a definição de direito coletivo, assim leciona Hugo Nigro

Mazzilli:

“Em sentido lato, ou seja, de maneira mais abrangente, a expressão interesses coletivos refere-se a interesses transindividuais, de grupos, classes ou categorias de pessoas. Nessa acepção larga é que a Constituição se referiu a direitos coletivos em seu Título II, ou a interesses coletivos, em seu art. 129, III; ainda nesse sentido é que o próprio CDC disciplina a ação coletiva, que se presta não só à defesa de direitos coletivos stricto sensu, mas também à defesa de direitos e interesses difusos e individuais homogêneos.(...)Tanto interesses difusos como coletivos são indivisíveis, mas distinguem-se pela origem: os difusos supõem titulares indetermináveis, ligados por circunstâncias de fato, enquanto os coletivos dizem respeito a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, ligadas pela mesma relação jurídica básica.Os interesses coletivos e os interesses individuais homogêneos têm também um ponto de contato: ambos reúnem grupo, categoria ou classe de pessoas determináveis; contudo, só os interesses individuais homogêneos são divisíveis, supondo uma origem comum.”2

No que se refere ao cabimento da ação civil pública para a defesa

de tais direito, é oportuno citar a Lei Complementar no 75/1993, que prevê em

seu art. 6º os instrumentos de que dispõe o Ministério Público da União para

cumprir suas funções institucionais, dentre os quais inclui a ação civil pública,

conforme dispositivo abaixo:

Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:(...)VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:a) a proteção dos direitos constitucionais;(...)d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;

O Código de Defesa do Consumidor, cujas normas são aplicáveis

às ações coletivas de forma geral, assim estabelece:

2 MAZZILLI, Hugo Nigro, in A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 15ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2002

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“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:I (....);II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

“Art. 82. Para os fins do artigo 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;”

A presente ACP questiona basicamente dois aspectos distintos

referentes aos terrenos de marinha, quais sejam, vícios no processo de

demarcação e abuso nos reajustes de foros e taxas de ocupação.

No primeiro caso, verifica-se a presença de nítido direito difuso,

pois a demarcação da linha de preamar, sem critérios científicos seguros, gera

grande insegurança jurídica e afeta um grupo indeterminado de pessoas

ligadas pela mesma situação de fato, qual seja, a de possuírem imóveis

próximos às áreas de marinha.

Por outro lado, no que se refere ao pleito atinente aos reajustes

dos foros e taxas de ocupação, estamos diante de inequívoco direito coletivo

em sentido amplo, na categoria de individuais homogêneos, nos termos do

inciso III, supra.

Nesse sentido, há de se verificar ainda o disposto no art. 129,

inciso III e IX da Constituição Federal, bem como a Lei Complementar nº

75/93, art. 6º, XII. Referidas normas são condizentes com a finalidade da

instituição Ministério Público. Objetiva esse dispositivo cumprir a função

defendida pela 2ª onda de acesso à Justiça, encabeçada por Mauro Capelletti,

qual seja, a defesa dos direitos coletivos, que até então era obstaculizada por

entraves processuais. Achou por bem o legislador complementar incumbir ao

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO ACP nº 26/2007

MP a defesa dos direitos individuais homogêneos, mesmo que disponíveis, em

virtude de sua grande abrangência.

Trata-se, no caso, de se conferir eficácia ao princípio

constitucional de amplo acesso ao Judiciário, pois de nada adiantaria garanti-lo

formalmente, retirando do cidadão, no entanto, a utilidade de questionar a

violação ao seu direito. Por outro lado, mesmo que estes se dispusessem a

ingressar maciçamente no Poder Judiciário, seria ilógico que o já assoberbado

aparelho judiciário se dedicasse a julgar, de forma individual e após longa e

custosa tramitação, cada uma das ações movidas, com possibilidade, ainda, do

inconveniente de decisões discrepantes.

Os fatos questionados nesta ACP atingem grande parcela da

população da Região Metropolitana do Recife, que tem imensa área classificada

como terreno de marinha, além daquelas radicadas nas demais áreas

litorâneas do Estado de Pernambuco. Com efeito, como se pode ver do PA que

lastreia a presente ação (fls. 31/34), existem 5.044 logradouros que se

enquadram na definição de terreno de marinha.

Assim, o interesse tutelado nesta ação, referente aos reajustes,

embora individual e homogêneo, reveste-se de relevância e amplitude social,

tornando forçosa a atuação do Ministério Público, de conformidade com a

jurisprudência já consolidada no Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DANOS CAUSADOS AOS TRABALHADORES NAS MINAS DE MORRO VELHO. INTERESSE SOCIAL RELEVANTE. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.1. O MINISTÉRIO PUBLICO TEM LEGITIMIDADE ATIVA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, DESDE QUE ESTEJA CONFIGURADO INTERESSE SOCIAL RELEVANTE.2. A situação dos trabalhadores submetidos a condições insalubres, acarretando danos à saúde, configura direito individual homogêneo revestido de interesse social relevante a justificar o ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Publico.3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.(RESP 58682/MG; Relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, 3ª Turma do STJ, DJ de 16/12/1996, p. 50864, Data da Decisão 08/10/19960).

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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. RECURSO ESPECIAL.1. Há certos direitos e interesses individuais homogêneos que, quando visualizados em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal, passam a representar mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, mas verdadeiros interesses sociais, sendo cabível sua proteção pela ação civil pública.2. É o Ministério Público ente legitimado a postular, via ação civil pública, a proteção do direito ao salário-mínimo dos servidores municipais, tendo em vista sua relevância social, o número de pessoas que envolvem a economia processual.3. Recurso conhecido e provido.(RESP 95347/SE, Relator Ministro EDSON VIDIGAL, 5ª Turma do STJ, DJ DATA:01/02/1999, PG:00221, Data da Decisão:24/11/1998).

Por fim, não se deve esquecer que a imposição de ônus excessivo

sobre imóveis residenciais, como será visto mais abaixo, tem reflexos diretos

no direito social da moradia3, previsto expressamente na Constituição, na

medida em que até mesmo inviabiliza grande parte da população em manter

seus imóveis.

Inequívoca, portanto, a legitimidade do Ministério Público Federal

para agir em nome da coletividade.

3. DOS TERRENOS DE MARINHA

A Constituição Federal incluiu os terrenos de marinha entre os

bens da União (art. 22, VII). O Conceito de terreno de marinha é extraído do

Decreto-Lei n° 9.760/46:

"Art. 1° Incluem-se entre os bens imóveis da União:

a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Art. 2° São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:

3 “Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

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a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

Art. 3° São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.

Art. 4° São terrenos marginais os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 (quinze) metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, contados dêsde a linha média das enchentes ordinárias.

Por conta da ampla definição da lei, a cidade do Recife, por

exemplo, tem cerca de 60% (sessenta por cento) de sua área definida como

de marinha4, atingindo até mesmo bairros que hoje não ostentam quaisquer

alagados, rios, riachos, manguezais etc.

As razões que levaram à criação do terreno de marinha, há quase

dois séculos, principalmente relacionadas à defesa da costa brasileira, não

mais subsistem, sendo eles, contudo, uma realidade incontestável em nosso

ordenamento jurídico, albergados inclusive pela Constituição Federal, pelo que

o Ministério Público Federal irá aqui apenas questionar o alcance fático que se

pretende conferir à sua definição, bem como vícios da respectiva demarcação e

cobrança.

Com efeito, como instituto de direito administrativo, as regras que

regem a demarcação e cobrança de taxas de foro e ocupação terão que ser

interpretadas em consonância com os princípios e valores estabelecidos na

Constituição Federal, bem como os próprios objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil (art. 3º, Constituição Federal).

4 disponível em http://www.ademi-pe.com.br/imprensa/jc_16jun07.html, acessado em 11/2007.

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Com a constitucionalização do Direito Administrativo5, a lei deixa

de ser o fundamento único e último da atividade administrativa. A Constituição

— entendida como sistema de regras e princípios— passa a constituir o cerne

da vinculação administrativa à juridicidade. A legalidade, embora ainda muito

importante, passa a constituir apenas um princípio do sistema de princípios e

regras constitucionais. Passa-se, assim, a falar em um princípio da juridicidade

administrativa para designar a conformidade da atuação da Administração

Pública ao direito como um todo, e não mais apenas à lei.

Talvez o mais importante aspecto dessa constitucionalização do

Direito Administrativo seja a ligação direta da Administração aos princípios

constitucionais, vistos estes como núcleos de condensação de valores6. A nova

principiologia constitucional, que tem exercido influência decisiva sobre outros

ramos do direito, passa também a ocupar posição central na constituição de

um Direito Administrativo democrático e comprometido com a realização dos

direitos do homem. Como assinala Santamaria Pastor, as bases profundas do

Direito Administrativo são de corte inequivocamente autoritário; até que fosse

atraído para a zona de irradiação do direito constitucional, manteve-se ele

alheio aos valores democráticos e humanistas que permeiam o direito público

contemporâneo7.

A idéia de juridicidade administrativa, elaborada a partir da

interpretação dos princípios e regras constitucionais, passa, destarte, a

englobar o campo da legalidade administrativa, como um de seus princípios

internos, mas não mais altaneiro e soberano como outrora. Isso significa que a

atividade administrativa continua a realizar-se, via de regra, (i) segundo a lei,

quando esta for constitucional (atividade secundum legem), (ii) mas pode

encontrar fundamento direto na Constituição, independente ou para além da

lei (atividade praeter legem), ou, eventualmente, (iii) legitimar-se perante o

5 trechos extraídos da ACP 2007.85.00.004620-5, movida pelo Ministério Público Federal em Sergipe6 J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, 1991, p. 497 Santamaria Pastor, Princípios de derecho administrativo, 2000, p. 88

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direito, ainda que contra a lei, porém com fulcro numa ponderação da

legalidade com outros princípios constitucionais (atividade contra legem, mas

com fundamento numa otimizada aplicação da Constituição).

Toda a sistematização dos poderes e deveres da Administração

Pública passa a ser traçada a partir dos lineamentos constitucionais

pertinentes, com especial ênfase no sistema de direitos fundamentais e nas

normas estruturantes do regime democrático, à vista de sua posição axiológica

central e fundante no contexto do Estado democrático de direito. A filtragem

constitucional do Direito Administrativo ocorrerá, assim, pela superação do

dogma da onipotência da lei administrativa e sua substituição por referências

diretas a princípios expressa ou implicitamente consagrados no ordenamento

constitucional8. (BINENBOJM, Gustavo. Direito Administrativo em 2006: Uma

breve resenha. RDE n.º 05, janeiro/março 2007, Rio de Janeiro, Editora

Renovar)

Sob essa ótica que se passará a demonstrar os vícios relativos à

demarcação dos terrenos de marinha e cobrança das taxas de ocupação e foro.

4. IRREGULARIDADES

4.1. PROCESSO DE DEMARCAÇÃO:

Os problemas encontrados em face do processo de demarcação

dos terrenos de marinha podem ser divididos em dois: a) falta de

transparência e ausência de aplicação de critérios científicos seguros na

definição da linha de preamar média de 1831, com severas conseqüências aos

cidadãos; b) vício na notificação do processo demarcatório em relação aos

interessados certos, prejudicando o contraditório e ampla defesa;

8 Na Alemanha, por exemplo, o comedimento da Lei Fundamental de Bonn, de 1949, no trato de questões relativas à Administração Pública não impediu que a jurisprudência e a doutrina reconhecessem a existência implícita, no bojo daquela Carta, de princípios reitores do direito administrativo, tais como o princípio da proporcionalidade, o princípio da ponderação de interesses e o princípio da proteção da confiança. Neste sentido, v. Hartmut Maurer, Elementos de direito administrativo alemão (tradução Luís Afonso Heck), 2000, p. 65-84; Karl Larenz, Metedologia da ciência do direito, 1997, p. 602-6.

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Vejamos cada um deles.

4.1.a falta de transparência e ausência de aplicação de critérios

científicos seguros na definição da linha de preamar média de 1831

(LPM/1831):

A decisão administrativa proferida no processo demarcatório tem

natureza declaratória, incluindo o imóvel no rol dos terrenos de marinha, de

propriedade, pois, da União (art. 22, VII, CF). Referida decisão acarreta sérias

conseqüências para o particular, uma vez que o imóvel demarcado deixará de

ser de sua propriedade, passando ele à mera condição de simples e precário

ocupante, sujeito, ainda, ao pagamento de taxas, laudêmio, desvalorização do

valor de mercado etc.

Não é demais lembrar que na maioria dos casos os “proprietários”

ostentavam esse título de inteira boa-fé, com certidão do cartório de imóveis e

do próprio SPU no sentido de que o imóvel não seria terreno de marinha,

estando, pois, consolidado o domínio pleno. A demarcação posterior,

“declarando” que o imóvel é de propriedade da União, pega de surpresa essas

pessoas, acarretando-lhes imensos danos e significando desprestigio do

sistema de registro imobiliário do país.

“Tal medida significa perda de segurança jurídica para os

moradores de imóveis localizados nesses terrenos, que, na maioria dos casos,

os compraram com boa-fé e ainda se vêm agravados com cobrança de taxas

de ocupação, mesmo com o imóvel matriculado muitos anos antes.”9

O julgado abaixo reflete a posição do Poder Judiciário sobre os

efeitos da decisão demarcatória:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. IMÓVEIS SITUADOS EM TERRENO DE MARINHA E TÍTULO EXPEDIDO PELO RGI NO

9 Freitas, Mariana Almeida Passos de, Zona Costeira e Meio Ambiente, 2006, p. 190.

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SENTIDO DE SEREM OS RECORRENTES POSSUIDORES DO DOMÍNIO PLENO. IRREFUTÁVEL DIREITO DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. ESTRITA OBSERVÂNCIA QUANTO AO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM EM FAVOR DA UNIÃO.1. Os terrenos de marinha são bens públicos e pertencem à União.2. Consectariamente, algumas premissas devem ser assentadas a saber: a) Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do Brasil-Colônia, são bens públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos no Decreto-lei 9.760/46.b) O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz efeito meramente declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas.c) O direito de propriedade, à Luz tanto do Código Civil Brasileiro de 1916 quanto do novo Código de 2002, adotou o sistema da presunção relativa (juris tantum) relativamente ao domínio, admitindo prova em contrário.d) Não tem validade qualquer título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha ou acrescido.e) Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão de o procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.f) Infirmação da presunção de legitimidade do ato administrativo incumbe ao ocupante que tem o ônus da prova de que o imóvel não se situa em área de terreno de marinha.g) Legitimidade da cobrança de taxa de ocupação pela União mesmo em relação aos ocupantes sem título por ela outorgado.h) Ausência de fumus boni juris.3. Sob esse enfoque, o título particular é inoponível quanto à UNIÃO nas hipóteses em que os imóveis situam-se em terrenos de marinha, revelando o domínio público quanto aos mesmos.4. A Doutrina do tema não discrepa da jurisprudência da Corte ao sustentar que: Os TERRENOS DE MARINHA são BENS DA UNIÃO, de forma ORIGINÁRIA.Significando dizer que a faixa dos TERRENOS DE MARINHA nunca esteve na propriedade de terceiros, pois, desde a criação da União ditos TERRENOS, já eram de sua propriedade, independentemente de estarem ou não demarcados.A existência dos TERRENOS DE MARINHA, antes mesmo da Demarcação, decorre da ficção jurídica resultante da lei que os criou. Embora sem definição corpórea , no plano abstrato, os TERRENOS DE MARINHA existem desde a criação do estado Brasileiro, uma vez que eles nasceram legalmente no Brasil-Colônia e foram incorporados pelo Brasil-Império. (in Revista de Estudos Jurídicos, Terrenos de Marinha, Eliseu Lemos Padilha, Vol. 20, pág. 38) Os terrenos de marinha são bens públicos, pertencentes à União, a teor da redação incontroversa do inciso VII do artigo 20 da Constituição Federal. E isso não é novidade alguma, dado que os terrenos de marinha são considerados bens públicos desde o período colonial, conforme retrata a Ordem Régia de 4 de dezembro de 1710, cujo teor desta última apregoava "que as sesmarias nunca deveriam compreender a marinha que sempre deve estar desimpedida

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO ACP nº 26/2007

para qualquer incidente do meu serviço, e de defensa da terra." Vê-se, desde períodos remotos da história nacional, que os terrenos de marinha sempre foram relacionados à defesa do território. A intenção era deixar desimpedida a faixa de terra próxima da costa, para nela realizar movimentos militares, instalar equipamentos de guerra, etc. Por essa razão, em princípio, é que os terrenos de marinha são bens públicos e, ademais, pertencentes à União, na medida em que é dela a competência para promover a defesa nacional (inciso III do artigo 21 da Constituição Federal). (in Direito Público, Estudos em Homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari, Terrenos de Marinha: aspectos destacados, Joel de Menezes Niebuhr, Ed. Delrey, pág. 354) O Direito da União aos terrenos de marinha decorre, não só implicitamente, das disposições constitucionais vigentes, por motivos que interessam à defesa nacional, à vigilância da costa, à construção e exploração dos portos, mas ainda de princípios imemoriais que só poderiam ser revogados por cláusula expressa da própria Constituição. (in Tratado de Direito Administrativo, Themistocles Brandão Cavalcanti, Ed Livraria Freitas Bastos, 2ª Edição; pág. 110) 5. Deveras, a demarcação goza de todos os atributos inerentes aos atos administrativos, quais seja, presunção de legitimidade, exibilidade e imperatividade.6. Consectariamente, é lícito à UNIÃO, na qualidade de Administração Pública, efetuar o lançamento das cobranças impugnadas, sem que haja necessidade de se valer das vias judiciais, porquanto atua com presunção juris tantum de legitimidade, fato jurídico que inverte o ônus de demandar, imputando-o ao recorrido. Precedentes: REsp 624.746 - RS, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJ de 30 de outubro de 2005 e REsp 409.303 - RS, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, DJ de 14 de outubro de 2002.7. Consectariamente, incidiu em error in judicando o aresto a quo ao concluir que “não pode o poder público, apenas através de procedimento administrativo demarcatório, considerar que o imóvel regularmente registrado como alodial, e há muito negociado como livre e desembargado, seja imediatamente havido como terreno de marinha, com a cobrança da chamada "taxa de ocupação".8. Recurso especial provido.10

Assim, se é certo que a União não necessita ajuizar qualquer tipo

de ação para efetuar a demarcação, já que essa competência lhe foi outorgada

pela lei, não se pode olvidar que as conseqüências do ato declaratório

decorrente do respectivo procedimento, atingindo em larga escala a esfera de

direitos de terceiros, reclama a aplicação de critérios seguros na definição da

linha de preamar do longínquo ano de 1831 e áreas de influência da maré,

bem como obediência aos primados constitucionais da publicidade, eficiência,

ampla defesa e do contraditório.

10 (REsp 798.165/ES, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19.04.2007, DJ 31.05.2007 p. 354)

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO ACP nº 26/2007

Acontece, porém, que existem sérias e fundadas dúvidas acerca

da correta fixação, por parte do órgão responsável da União, da LPM/1831,

dúvidas essas levantadas não apenas por leigos, mas também pela literatura

especializada e por profissionais da área.

Esse questionamento decorre da constatação de que a própria

definição do que seria a linha de preamar média do longínquo ano de 1831 não

é tarefa fácil e nem de resultado incontroverso, exigindo, pois, total

transparência em relação aos critérios adotados pela Administração para a sua

fixação, possibilitando, assim, sejam os resultados eventualmente

questionados pelos interessados.

Mariana Almeida Passos de Freitas anota:

“(...) que precisar a linha de preamar média de 1831 não é tarefa simples. E é justamente da solução desse complexo desafio que depende a delimitação dos terrenos de marinha, ou seja, dos 33 metros contados ’desde os pontos a que chega a preamar média’, delimitação esta a ser estabelecida pela Secretaria do Patrimônio da União.

Nos termos do Dec.-lei 9.760, de 05.09.1946, devem ser usadas como base ‘plantas de autenticidade irrecusável relativas àquele ano, ou, quando não obtidas, à época que do mesmo se aproxime’. É evidente a enorme dificuldade de localização de tais plantas, tendo em vista o longo tempo decorrido. No decreto de 1946, a data escolhida deveria ter sido a mesma em que se tivessem estabelecido referenciais cartográficos capazes de definir a linha de preamar média, o que tampouco foi feito na norma de 1831. É clara a dificuldade de obter plantas de autenticidade irrecusável datadas desse ano.

Exemplo dessa dificuldade é dado por Mário Muller Romiti: [...] em 1832 – e apenas na cidade do Rio de janeiro – foi efetuada delimitação parcial. Na cidade de Santos, em 1913, advertia-se que, aos 81 anos de vigência da lei, já não se encontravam documentos que permitissem afirmar qual seria a efetiva linha do preamar médio de 1831.11. (grifo nosso)

E continua, mais adiante:12

“Outrossim, a linha de preamar média pode mudar de um local para outro da costa. A costa brasileira é enorme, e a questão é saber qual referência deve ser utilizada para a medição da linha de preamar média estabelecida em ano tão distante.

11 ob. cit., p.17412 OB.CIT. P. 175

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Por fim, Carlos Roberto Soares e Rodolfo José Ângulo demonstram exatamente a dificuldade de encontrar a linha de preamar média de 1831:

Considerando-se a extensão da costa brasileira e a rede geodésica existente, pode-se afirmar que na maior parte da costa não há possibilidade de delimitar a linha de preamar média atual. Fora este aspecto, a dinâmica dos ambientes costeiros, especialmente, as praias, faz com que a linha de preamar possa mudar, até mesmo diariamente. Cabe ressaltar que a linha de preamar média geralmente não coincide com nenhuma feição física da costa, que possa ser facilmente identificada tal como a linha da costa.

Para conhecer o nível da preamar do ano de 1831 deveria ser encontrado um registro maregráfico desse ano, além da necessidade de este estar referenciado a um marco ou nível de referência. Este registro parece não existir para a costa brasileira. Uma possibilidade, para se obter um dado aproximado seria, da mesma forma que se faz uma previsão astronômica de maré para qualquer local situado na costa, calcular a altura da preamar média astronômica de 1831. Porém, permaneceria o problema da localização, pois não há menção no decreto-lei a um local ou a um nível qualquer de referência.

O Ministério Público Federal tentou obter informação acerca dos

parâmetros utilizados pela GRPU/PE para definir a linha de preamar referida

(fls. 26/27), recebendo, porém, resposta insuficiente (fls. 31/34), que somente

confirma a falta de transparência e dúvidas sobre a correção e segurança dos

critérios utilizados.

Comentando a resposta mencionada, o analista pericial em

geologia desta Procuradoria da República assim se manifestou:

Verifica-se, ainda, nos autos que a Gerência Regional do Patrimônio da União em Pernambuco – GRPU/PE, encaminhou em 20.11.2007, ofício n.º 2292/DIIFI/GRPU-PE (cf. cópia de FAX anexada aos autos), em resposta ao ofício n.º 1524/2007/MPF/PRPE/ACBC-5º OTC, respondendo aos quesitos formulados pelo MPF (Fls.26/27). No tocante, entendemos que a resposta ao quesito a) restou prejudicada, uma vez que não foram indicados, de forma circunstanciada e precisa, os parâmetros utilizados para a definição/demarcação da linha de preamar média de 1831 no estado de Pernambuco. Ainda nesta lógica, ressalta-se que a informação lacônica de que “para todo o estado é usada a cota básica de 2,00 m” sem o necessário embasamento técnico-científico que norteou essa premissa, imprime maior dúvida ao quesito formulado.

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Ainda neste contexto, a resposta ao quesito b) do referido documento encontra-se confusa e contraditória na medida em que não informa, de maneira clara e satisfatória, a real extensão dos 187 km (cento e oitenta e sete quilômetros) do litoral pernambucano que apresenta linha de preamar média de 1831 definitiva, mesmo porque se afirma, ainda, que falta base cartográfica para aprovação.

Aliás, não seria leviandade afirmar que em muitos casos a fixação

da LPM 1831 está sendo feita de forma presumida, consoante esclareceu

referido analista pericial em sua Nota Técnica (fl. 40):

“Acerca do assunto, constatou-se em publicação técnica de autoria dos Ministérios do Meio Ambiente e do Planejamento, Orçamento e Gestão (Secretaria do Patrimônio da União – SPU) , relativamente ao Regime Patrimonial nos Espaços Litorâneos (Fl. 19), a seguinte informação técnica:

" (...) Nos casos em que se faz necessária a determinação da dominialidade de um bem em áreas que ainda não tiveram a homologação da linha de Preamar Média de 1831, é feita a suposta identificação de terrenos de marinha e seus acrescidos, a partir do estabelecimento de uma Linha Presumida de Marinha.” GRIFOS NOSSOS

Em tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Santa

Catarina13, cuja cópia foi juntada aos autos com autorização do autor (Anexo

II), prof. Obéde Pereira de Lima, foram analisados os métodos empregados

pela GRPU naquele Estado, confirmando-se que a LPM vem sendo fixada, em

muitos casos, por simples presunção, adotando-se dados atuais da maré, e

não do ano de 1831, como determina a lei:

" (...) Pelas transcrições dos textos legais transcritos, relativos à demarcação da linha da preamar média do ano de 1831 – LPM/1831 ou de época que daquele ano mais se aproxime, constata-se pelo “Relatório da Demarcação dos Terrenos de Marinha no município de Joinville, SC” (GRPU/SC, 1990), realizada nos anos de 1989/90, consubstanciada, atualmente, pela Instrução Normativa SPU/2/2001, que as interpretações decorrentes das análises na documentação obtida têm conduzido, na práxis, a uma localizaçãolocalização presumida da LPM/1831, acarretando uma imprecisão nopresumida da LPM/1831, acarretando uma imprecisão no

13 LIMA, O. P. Localização Geodésica da Linha de Preamar Média de 1831, com Vistas à Demarcação dos Terrenos de Marinha e seus Acrescidos. Tese de Doutoramento em Engenharia. UFSC. Florianópolis, SC, 2002. 251 p.

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procedimento demarcatórioprocedimento demarcatório, pois o conceito de preamar média , pois o conceito de preamar média nãonão está sendo obedecidoestá sendo obedecido.

Verifica-se no Relatório referido que, em lugar da preamar média de 1831, ou de ano que dele mais se aproxime, vem sendo usada nas zonas fluviais e lacustres a média das máximas preamares ocorridas dentro de certo intervalo de tempo (dois anos, referentes à época do mapeamento), obtidas a partir das previsões constantes nas Tábuas de Marés publicadas por instituições brasileiras (DHN), enquanto na costa marítima vêmenquanto na costa marítima vêm sendo utilizadas as linhas distinguidas por onde começa asendo utilizadas as linhas distinguidas por onde começa a vegetação naturalvegetação natural, , conseqüentemente nas zonas supralitorâneas onde terminam as praias, as quais passam a ser consideradas comopassam a ser consideradas como as LPMs/1831as LPMs/1831.

A prática que vem sendo empregada na demarcação da LPM/1831, tanto a relativa a adoção da média das máximasadoção da média das máximas preamares, quanto a de utilizar a linha da vegetação inicial da zonapreamares, quanto a de utilizar a linha da vegetação inicial da zona supralitorâneasupralitorânea ... (...) ... c ontrariamontrariam , frontalmente, a legislação, frontalmente, a legislação superiorsuperior que define a LPM/1831 e, por via de conseqüência, ameaçam o direito de posse e propriedade particulares, nas áreasameaçam o direito de posse e propriedade particulares, nas áreas alodiaisalodiais. GRIFOS NOSSOS

Ao final de sua tese, o prof. Obéde emitiu a seguinte

recomendação:

“c) Que a SPU não adote a linha onde começa a vegetação natural atualmente, como a correspondente à linha de preamar média do ano de 1831, como vem sendo feito, pois não é cientificamente correto além de ocasionar invasões em propriedades alodiais, sujeitando-se, assim, essa instituição a contestações judiciais por aqueles que se julgam prejudicados com o procedimento demarcatório dos terrenos de marinha e seus acrescidos.(...)e) Que a SPU reveja todos os processos demarcatórios dos terrenos de marinha e seus acrescidos, refazendo todo o mapeamento cadastral destas parcelas imobiliárias pela metodologia desenvolvida nesta Tese, retificando as irregularidades praticadas até o momento atual, e restituindo aos seus legítimos proprietários “ex-oficio” todas as propriedades privadas que foram afetadas pelas demarcações passadas, porque foram contrárias aos ditames legais.” (GRIFFO NOSSO)

Ainda segundo o analista pericial desta PRPE, somente para

demonstrar os equívocos verificados pela Administração, o emprego de

metodologia técnico-científica apresentada na referida tese de doutorado, na

Praia da Enseada, em São Francisco do Sul, no Estado de Santa Catarina,

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confirmam que “os resultados obtidos, seguidos de uma análise técnica, dão

conta de que foi detectada uma diferença em extensão da ordem de 100 m

(cem metros) a mais, para o lado do continente, na localização da linha de

Preamar Média de 1831, de acordo com os critérios estabelecidos e utilizados

pela SPU/GRPU, a qual atinge, no referido local, toda a avenida beira-mar e

mais a metade de todas as quadras na direção longitudinal de imóveis

fronteiros com esta avenida.”(Nota Técnica, fls.37/45)

Em outras palavras, mesmo o mar tendo avançado em direção ao

continente cerca de 100 metros desde 1831, não existindo no local, portanto,

qualquer terreno de marinha (já que parte deles imersos atualmente ou

coincidentes com a faixa de praia), a GRPU continua indevidamente contando

os 33 metros praticamente da linha de preamar atual, englobando os terrenos

que estão situados nessa faixa como propriedade da União.

Não obstante as constatações da tese de doutorado se refiram ao

Estado de Santa Catarina, podem ser aplicadas para todo o território brasileiro.

Tem-se, portanto, evidências concretas de que a LPM/1831 não

vem sendo fixada corretamente, utilizando-se dados da maré atuais e até

mesmo a presunção.

Considerando-se, porém, as graves conseqüências advindas da

demarcação, não se pode aceitar, absolutamente, o abandono do critério

fixado legalmente para delimitar o terreno de marinha, muito menos a

utilização de meras presunções, devendo-se buscar os critérios científicos que

permitam chegar-se ao resultado mais fiel possível da linha de preamar de

1831. Não é aceitável que a União trabalhe com os dados de maré

contemporâneos, apenas para angariar terrenos para o seu patrimônio.

Assim, se é inquestionável que os terrenos de marinha pertencem

à União e que o SPU tem competência para demarcá-los, imensa e fundada

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desconfiança existe acerca da sua correta delimitação em nosso Estado, não

por suspeita de má-fé dos servidores responsáveis, mas pela grande

possibilidade de erro decorrente da própria dificuldade em demarcar essas

terras, bem como pela não aplicação de métodos científicos pertinentes.

Essa desconfiança, registre-se, é generalizada, como se pode

verificar da própria representação que deu origem à presente ACP, subscrita

por importantes entidades representativas de classe e de moradores,

sindicatos etc. Na cidade do Recife, por exemplo, existem inúmeros bairros

situados longe do oceano, rio ou lagoa, que aparentemente não ostentam

qualquer influência da maré, e que têm grande parte de suas terras

classificadas como terreno de marinha ou acrescidos.

Aliás, curioso que mesmo com o propalado aumento do nível do

mar decorrente do “efeito estufa’, acarretando, por conseqüência, avanço em

relação ao continente, não esteja refletindo na demarcação dos terrenos de

marinha, posto que estes continuam a existir em toda a costa brasileira

praticamente intocáveis. Com esse avanço, não deveria estar grande parte

desses terrenos submersa?

Critério científico:

É importante lembrar que as áreas tratadas nesta ação não se

confundem com o espaço de praia, bem de uso comum do povo e que deverá

sempre continuar livre e desimpedido, independentemente da variação da

maré no tempo, não passível de utilização exclusiva pelo particular.

Os terrenos de marinha, ao contrário, são demarcados segundo

critérios definidos em lei, e mesmo diante da dificuldade de se encontrar a

LPM/1831, relata a literatura a existência de metodologia técnico-científica que

permitiria chegar-se com razoável grau de precisão à sua delimitação,

consoante esclarecido na multicitada Nota Técnica (fls. 37/45):

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Acerca do assunto, o analista pericial signatário, em pesquisa científica sobre o tema, identificou na literatura técnica trabalho científico8 que aborda o problema da demarcação dos terrenos de marinha e seus acrescidos, por meio do desenvolvimento de uma metodologia e estabelecimento de um modelo científico que possibilita a localização geodésica da linha da Preamar Média de 1831 a partir da análise harmônica de dados amostrados de marés de longo período, atendendo a exatidão e a precisão das medidas compatíveis com as necessidades do levantamento cadastral destas parcelas imobiliárias inseridas entre os bens da União.

Por oportuno, tendo em vista um maior rigor técnico na exposição do assunto, constata-se que a referida metodologia científica participa de atividades em quatro áreas do conhecimento, a saber:

1) Hidrologia, com a instalação e operação de uma estação maregráfica, para a obtenção de dados amostrados da maré durante um período mínimo de um ano;2) Geodésia, com a determinação das coordenadas geodésicas de pelo menos dois pontos extremos, utilizando o GPS (Global Positioning System) em posicionamento com precisão de 1 ppm, para amarração e controle do levantamento planialtimétrico da linha de costa e dos perfis de praia;3) Informática, com o processamento dos dados amostrados de marés, efetuando-se a análise harmônica e a retrovisão da preamar média para o período desejado, correspondente ao ano de 1831, utilizando um software para microcomputadores PC (Personal Computer) - prossegue na determinação da cota básica, o que é feito pela comparação entre o datum altimétrico oficial e altura da preamar média de 1831 processada para o local;4) Topografia, com a localização geodésica da linha da Preamar Média de 1831 - LPM/1831 e da Linha Limite dos Terrenos de Marinha - LLM.

Seria, no entanto, tarefa custosa e de difícil operacionalização

deixar a cargo de cada interessado a realização de perícia para verificar a

correção do traçado da linha de preamar e, por conseqüência, se o imóvel

respectivo estaria dentro da linha de 33 metros definido na lei.

Com efeito, a pulverização de demandas e realização de perícias

múltiplas, além do alto custo para o assoberbado aparelho judiciário, não

atende aos primados da razoabilidade e eficiência, que não só a Administração,

mas também o Poder Judiciário deve perseguir.

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Além do mais, a complexidade dos fatos, exigindo conhecimentos

especializados, aliado à dificuldade dos interessados em obter dados

necessários à sua prova constituem fatores que tornam demasiadamente

oneroso o exercício da ampla defesa.

Teríamos, então, dois cenários, ambos indesejáveis: i) milhares

de interessados, individualmente, questionariam judicialmente a demarcação

da terra, importando em múltiplas perícias, contestações, sentenças etc; ii)

milhares de interessados deixariam de exercer seu direito de defesa por conta

da dificuldade/onerosidade apresentada, violando, assim, os princípios

constitucionais da ampla defesa e do contraditório, pois de nada adiantaria

assegurá-los apenas formalmente, sem, contudo, conferir as condições para o

seu exercício.

Assim, busca-se nessa ACP, dentre outros objetivos, delimitar-se

de forma geral e cristalina a LPM/1831, mediante a aplicação de métodos

científicos adequados, segundo perícia a ser realizada. Para tanto, faz-se

necessário o conhecimento minucioso dos critérios adotados pela GRPU para a

sua fixação neste Estado, possibilitando-se eventualmente impugná-los por

meio da apresentação de laudos periciais.

Cuida-se de tarefa de grande monta, mas que se torna

absolutamente necessária, diante do elevado grau de incerteza e injustiça

decorrentes da ausência de critérios técnico-científicos utilizados pela

Administração. A fixação definitiva e incontroversa dessa linha, certamente,

economizará centenas de ações judiciais e/ou impugnações administrativas.

Além do mais, a delimitação por presunção ou apoiada em dados

geomorfológicos atuais, ofende o direito constitucional da propriedade, o

princípio da legalidade, da segurança jurídica e da função social da

propriedade, constituindo, ainda, abuso de direito por parte da União. O

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Ministério Público Federal discorrerá mais adiante sobre esses princípios,

aplicando-se os argumentos, mutatis mutandi, ao presente tópico.

4.1.b - Vício na notificação do processo demarcatório em

relação aos interessados certos, prejudicando o contraditório e ampla

defesa:

No tópico anterior foram vistas as graves conseqüências

advindas para o particular quando da demarcação do terreno de marinha.

Disso decorre ser imprescindível que o até então titular do bem que se

pretende demarcar seja notificado para acompanhar o processo, possibilitando

conhecer e contestar os parâmetros fáticos utilizados pela autoridade

administrativa, especialmente para a definição da LPM/1831 e delimitação do

seu alcance, valendo-se, inclusive, do auxílio de peritos.

O Decreto-Lei nº9.760/1946 previa que no processo de

demarcação o interessado seria notificado, pessoalmente ou por edital,

conforme fosse ele certo ou incerto:

“Art. 11. para a realização do trabalho, o S.P.U. convidará os interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos, e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando.”

Art. 13. De posse desses e outros documentos, que se esforçará por obter, e após a realização dos trabalhos topográficos que se fizerem necessários, o chefe do órgão local do SPU determinará a posição da linha em despacho de que, por edital com prazo de 10 dias, dará ciência aos interessados para oferecimento de quaisquer impugnações.”

A GRPU, no entanto, numa interpretação equivocada do art. 11

supra, vinha realizando a notificação dos interessados, mesmo os conhecidos,

apenas por edital, o que gerou um grande número de demandas judiciais,

posicionando-se o Poder Judiciário pela nulidade de tais procedimentos, a

exemplo dos seguintes arestos:

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TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. TAXA DE OCUPAÇÃO DECORRENTE DA DEMARCAÇÃO DE TERRENO DE MARINHA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DEMARCATÓRIO. DECRETO-LEI 9.760/46. INTERESSADOS CERTOS. INTIMAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. INOBSERVÂNCIA.1. A exegese Pós-Positivista, imposta pelo atual estágio da ciência jurídica, impõe na análise da legislação infraconstitucional o crivo da principiologia da Carta Maior, que lhe revela a denominada “vontade constitucional”, cunhada por Konrad Hesse na justificativa da força normativa da Constituição.2. Nesse segmento, a interpretação do artigo 11, do Decreto-Lei nº 9.760/46 não pode se distanciar dos postulados constitucionais da ampla defesa e do contraditório, corolários do princípio mais amplo do due process of law, também consagrados no âmbito administrativo.3. Desta sorte, revela-se escorreito o acórdão regional, segundo o qual, identificados os interessados no procedimento de demarcação dos terrenos de marinha, cabia à Administração Pública intimá-los pessoalmente a fim de oportunizar-lhes a defesa de seu título, o que eiva de nulidade o ato administrativo pertinente (Precedente do STJ: REsp 550146/PE, publicado no DJ de 05.12.2005).4. Recurso especial a que se nega provimento.14

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. TERRENOS DE MARINHA. DEMARCAÇÃO DA LINHA DO PREAMAR MÉDIO DE 1831. CHAMAMENTO DAS PARTES INTERESSADAS POR EDITAL. QUALIFICAÇÃO DO IMÓVEL. TERRENO DE MARINHA. SÚMULA 7/STJ.1(...)2. Por força da garantia do contraditório e da ampla defesa, a citação dos interessados no procedimento demarcatório de terrenos de marinha, sempre que identificados pela União e certo o domicílio, deverá realizar-se pessoalmente. Somente no caso de existirem interessados incertos, poderá a União valer-se da citação por edital.3. Após a demarcação da linha de preamar e a fixação dos terrenos de marinha, a propriedade passa ao domínio público e os antigos proprietários passam à condição de ocupantes, sendo provocados a regularizar a situação mediante pagamento de foro anual pela utilização do bem. Permitir a conclusão do procedimento demarcatório sem a citação pessoal dos interessados conhecidos pela Administração, representaria atentado aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como à garantia da propriedade privada.4. (...)5. Recurso especial conhecido, em parte, e provido.15

14 (REsp 724.741/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12.12.2006, DJ 15.02.2007 p. 215)15 (REsp 586.859/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03.03.2005, DJ 18.04.2005 p. 253)

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A União, porém, ao invés de se render à força dos argumentos e

prestigiar os princípios constitucionais a que está obrigada a seguir, preferiu

efetuar írrita reforma legislativa, alterando a redação do citado art. 11, do DL

9.760/1946 por meio da Lei nº11.481/2007, em que previu apenas a

notificação por edital, suprimindo a pessoal:

“Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando.”

Ora, a necessidade de notificar pessoalmente os interessados

certos e conhecidos não decorria apenas da redação antiga do citado decreto-

lei, mas sim da observância dos comandos constitucionais que privilegiam a

ampla defesa e o contraditório, necessários a um procedimento que pode

importar no reconhecimento da perda da propriedade plena, como visto acima.

Aliás, é tradição em nosso ordenamento jurídico somente admitir-

se a citação/intimação por edital em relação às pessoas incertas, ou àquelas

situadas em local incerto e não sabido.

O Código de Processo Civil, por exemplo, assim prevê nos seus

arts. 231, I e II; 870, II e 942. Da mesma forma o Código de Processo penal,

nos arts. 361; 363, I e II.

E não poderia ser de outra forma, porque a notificação por edital

de pessoas certas e com endereço conhecido, representa afronta aos princípios

constitucionais referidos, caminhando em sentido contrária à “humanização” do

direito administrativo, conforme mencionado por Santamaria Pastor em linhas

acima transcritas.

Tem-se um paradoxo: a redação original do DL 9.760, editado em

data em que o país não experimentava o grau de desenvolvimento social e de

garantias públicas que hoje vivenciamos, assegurava amplamente o direito de

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defesa; a nova redação, datada de 2007, quase vinte anos após a promulgação

da “Constituição Cidadã”, tolhe o direito de ampla defesa.

A notificação por edital prevista na nova redação do art. 11,

portanto, somente pode ser considerada constitucional em se restringindo

unicamente à hipótese de interessado incerto ou que se encontre em local

desconhecido, não se aplicando aos demais casos. Entender-se de outra forma

importaria na inconstitucionalidade do dispositivo.

4.2 ATUALIZAÇÃO DO VALOR DE MERCADO DO DOMÍNIO PLENO

A legislação especial que rege a enfiteuse dos terrenos de marinha

é complementada pela legislação comum, que lhe confere os contornos

jurídicos do instituto:

“O aforamento ou enfiteuse dos terrenos da União rege-se pelo Decreto-lei nº9.760, de 5 de setembro de 1946, arts. 99-128, observada a legislação superveniente (Lei nº6.368 de 7 de dezembro de 1976; Lei nº7.450, de 23 de dezembro de 1985; Decreto-Lei nº2.398, de 21 de dezembro de 1987; e Lei nº9.636, de 15 de maio de 1998). Onde se tem de explicitar o direito e não há regra jurídica da lex specialis, rege o Código Civil.(...)”16

O Decreto-lei nº9.760/46, não definiu o instituto da enfiteuse dos

terrenos de marinha, traçando apenas algumas regras, especialmente sobre a

competência, caducidade e extinção do aforamento.

Tradicionalmente, assim, tomava-se emprestado do direito civil o

delineamento do instituto, com as características conhecidas, inclusive quanto

à imutabilidade do valor do foro.

Tal situação persistiu até 1985, com o advento da Lei nº7.450,

que deu nova redação ao art. 101, do Decreto-lei nº9.760, acrescentando ao

dispositivo a expressão abaixo grifada:

16 Miranda, Pontes. Tratado de Direito Privado, 2002. Tomo XVIII, p. 111.

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“Os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro de 0,6% (seis décimos por cento) do valor do respectivo domínio pleno, que será anualmente atualizado.”

Essa modificação foi patrocinada justamente para se contrapor ao

entendimento pacífico sobre a imutabilidade do valor do foro, que rejeitava,

inclusive, a sua mera atualização monetária, acarretando aviltamento dos

valores cobrados, diante da escalada inflacionária que assolou o país a partir

da década de 80.

Muito embora o escopo da lei tenha sido unicamente o de

explicitar a permissão da atualização monetária do foro, a União adotou

interpretação mais ampla, para atualizar o valor do domínio pleno pelo

mercado.

Tal interpretação foi fortemente questionada perante os tribunais,

desafiando o E. Supremo Tribunal Federal, que assim se pronunciou no

julgamento do RE nº143856-8/PE:

“EMENTA – Aforamento de Imóvel da União.Atualização prevista pela Lei nº7.450-85, superveniente à

constituição do aforamento, ao dar nova redação ao art. 101 do Decreto-Lei nº9.760-46.

Providência legítima, na medida em que se ativer aos índices da correção monetária, mas inconciliável com a garantia do ato jurídico perfeito (art. 5ºXXXVI, da carta de 1988 e art. 153, §3º, da pretérita), quando venha a refletir a valorização do domínio pleno, resultante de fatores outros que não a simples desvalorização da moeda.

Recurso Extraordinário parcialmente provido, a fim de ser julgada, em parte, procedente a ação, para excluir, das importâncias exigidas aos enfiteutas, a parcela porventura excedente ao foro inicial, monetariamente corrigido, conforme se vier a apurar, em liquidação.”

Não houve qualquer modificação posterior da legislação que

tornasse o julgado supra ultrapassado.

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Com efeito, muito embora o Sr. Gerente do Patrimônio da União

em Pernambuco tenha citado em sua resposta (Anexo I) uma grande

quantidade de dispositivos legais e infra-legais referindo-se ao valor de

mercado do respectivo domínio útil, verifica-se facilmente que tais disposições

referem-se às novas enfiteuses ou hipóteses de alienação do bem público, à

exemplo dos arts. 12 e 24, VII, da Lei nº9.636/98; art. 4º, §2º e art. 16, IV do

Decreto 3.725/2001 e art. 14, I, da Lei nº11.481/2007.

Assim, a atualização do valor de mercado do domínio pleno que

ora se pretende estender a todas as enfiteuses é calcada unicamente no

mesmo dispositivo legal de 1985, cuja interpretação foi devidamente

delimitada pelo E. STF.

Mas não é só: afora a inviolabilidade do ato jurídico perfeito, a

atualização anual do valor de mercado do domínio pleno para fins de cobrança

não só do foro (enfiteuse), mas também da taxa de ocupação, malfere outros

princípios constitucionais, como se passará a demonstrar abaixo.

Como já visto linhas atrás, a criação do terreno de marinha e

acrescidos tem por finalidade histórica assegurar a defesa da costa brasileira,

possibilitando à União manter, de alguma forma, o controle do seu uso, sem,

contudo, torná-lo extremamente oneroso a ponto até mesmo de impedir a

fixação do homem ao solo.

É o próprio Decreto-Lei nº9.760/47, que estabelece em seu art. 64, §2º:

“O aforamento se dará quando coexistirem a conveniência de radicar-se o indivíduo ao solo e a de manter-se o vínculo da propriedade pública”

A interpretação conferida pela União, no entanto, transforma os

terrenos de marinha em instituto claramente arrecadador, desvirtuando-se de

sua destinação legal originária. Só que essa transformação acarreta sérias

27

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conseqüências e vai de encontro à própria política pública de moradia

estabelecida pelo Estado, albergada em inúmeros tratados e dispositivos

legais, como será visto mais abaixo.

É que, como visto na representação que deu origem a esta

demanda, as pessoas que ocupam imóveis da União, tanto aqueles em regime

de aforamento, quanto os submetidos ao regime de ocupação legal, passaram

a sofrer, a partir dos exercícios de 2004/2005, 2005/2006 e 2006/2007,

aumentos dos respectivos foros ou taxas de ocupação muito acima da inflação,

baseados em avaliações unilaterais dos respectivos imóveis, que incluem até

mesmo benfeitorias realizadas pelos particulares.

Segundo a ADEMI, “teve caso da taxa subir de R$ 2 mil para R$ 10 mil. Tem gente que até teve que se desfazer do imóvel", explica o chefe da divisão de engenharia da SPU, Paulo Gondim. Os aumentos da taxa deve render R$ 35 milhões para a União este ano, em Pernambuco. O Estado é o terceiro que mais fatura com a cobrança, perde apenas para Rio de Janeiro e São Paulo. No ano passado, os contribuintes locais pagaram R$ 29 milhões. Pernambuco tem cerca de 70 mil contribuintes da taxa de marinha. A maioria, 40 mil, está no Recife. Os moradores da Avenida Boa Viagem são os que pagam mais pela taxa, em torno de R$ 3 mil ao ano. Mas não é só a população mais abastada que sofre com a cobrança. Gente que tem endereços bem menos deslumbrantes, como os moradores do Cordeiro, da Avenida Conde da Boa Vista e das ruas próximas ao canal situado ao lado das piscinas do Sport, também inclui a taxa na lista de débitos.”17 (grifo nosso).

Tem-se, na realidade, que o aumento anual abusivo e a

conseqüente transformação indevida dos foros e taxas de ocupação em meros

institutos de arrecadação por parte da União, completamente dissociados da

sua finalidade original e do dever do Poder Público de fomentar a oferta digna

de moradia, resulta em abuso de direito, violando, ainda, diversos princípios

constitucionais.

Os moradores desses imóveis, por exemplo, muitos de bairros

pobres e afastados do litoral, vêem-se obrigados a pagar sobre o mesmo

imóvel, anualmente, IPTU e foro ou taxa de ocupação do terreno de marinha.

17 disponível em http://www.ademi-pe.com.br/imprensa/jc_16jun07.html, acessado em 11/2007

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O IPTU do Recife, v.g., varia de 0,6 a 1,4% sobre o valor do imóvel, somando-

se a isso o valor do foro (0,6%) ou taxa de ocupação (2% a 5%), calculados

sobre o domínio pleno.

A abusiva cobrança, certamente, inviabiliza a manutenção dos

bens, ou pelo menos espolia de forma significativa os foreiros/ocupantes,

retirando preciosos recursos da economia local para jogá-los no caixa único da

União18.

Pernambuco, Estado pobre, situado na desfavorecida Região

Nordeste e com imensos problemas sociais, cuja Região Metropolitana do

Recife suportou intensa migração de pobres sertanejos oriundos de todos os

cantos, fugidos da seca e tradicionalmente abandonados pelo Poder Público

Central, vê-se na injusta colocação de 3º maior arrecadador do País de taxas

de ocupação/foros.

4.2.1 Do Direito Violado

4.2.1.a - Do direito à moradia

Constitui direito social previsto expressamente na Constituição o

da moradia19, reconhecido como um direito humano em diversas declarações e

tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Estado Brasileiro é

parte, em especial na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948

(art. XXV, item 1); no Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e

Culturais de 1966, art. 11; na Convenção Internacional sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, art. 5; na Declaração sobre

Raça e Preconceito Racial de 1978, art. 9; na Convenção sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1969, art. 14;

Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, art. 27; na Declaração sobre

18 (v. fl. 48 artigo em que se aborda a perversa e histórica transferência de recursos locais para a Administração central)19 “Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

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Assentamento Humanos de Vancouver de 1976, Seção 3 e capítulo 2; na

Agenda 21 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1922, capítulo 7 e na

Agenda Habitat de 1996.

Os compromissos que constam nos Tratados e Convenções

Internacionais têm natureza vinculante aos países signatários, acarretando

obrigações e responsabilidades aos Estados pela falta de cumprimento das

obrigações assumidas. Portanto, o Estado Brasileiro tem a obrigação de adotar

políticas públicas de habitação que assegurem a efetividade do direito à

moradia, não se coadunando com essa responsabilidade a transformação do

foro e taxa de ocupação em institutos meramente arrecadadores, com a

fixação de taxas em valores que impeçam ou dificultem ao extremo a utilização

dos terrenos de marinha, os quase, como visto, constituem grande parte da

Região Metropolitana do Recife.

A insuportável exação certamente levará um grande número de

pessoas à inadimplência, o que obrigará a União a retomar os imóveis,

andando em sentido contrário às suas obrigações assumidas até mesmo no

cenário internacional.

A União, assim, se comportaria como mero agente especulador,

retomando e oferecendo os imóveis àqueles que estivessem dispostos a pagar

mais, dando as costas ao problema social da moradia. Isso numa região,

repita-se, de grande densidade populacional, coberta 60% por terrenos de

marinha.

4.2.1.b - Da Segurança Jurídica

A interpretação deturpada pela União da finalidade das exações

em comento, transformando-as em institutos meramente arrecadatórios, gera

imensa insegurança jurídica nos particulares, já que terão seus imóveis

onerados por taxas com imprevisíveis reajustes anuais, desvinculadas de

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qualquer índice inflacionário, atreladas unicamente à variação do valor de

mercado dos imóveis.

O valor do imóvel pode sofrer grande variação de um ano para

outro sem que para isso tenha em nada contribuído a União, mas apenas em

decorrência de benfeitorias realizadas pelos próprios particulares e seus

vizinhos, Poder Público Municipal, instalação de empreendimentos particulares

nas imediações etc.

A prevalecer o entendimento da demandada, a ocupação ou

enfiteuse de terreno de marinha constituirá uma verdadeira loteria, pois não se

terá condições sequer de prever, segundo critérios razoáveis, qual o valor a ser

cobrado no ano seguinte.

Ninguém em bom juízo sequer locaria um imóvel nessas condições

instáveis, quiçá adquiriria a enfiteuse ou ocupação.

O ministro José Augusto delgado, com a maestria que lhe é

peculiar, abordou a importância do princípio da segurança Jurídica no Estado

Democrático de Direito:20

“Os vários estamentos sociais reconhecem que, na atualidade, está instalado um clima de insegurança jurídica na prática dos atos administrativos do Poder Executivo, nas funções exercidas pelo Poder Legislativo e nas decisões jurisprudenciais emitidas pelo Poder Judiciário. Esses acontecimentos definham a estabilidade social e afrontam diretamente os direitos da cidadania e da valorização da dignidade humana.

A concepção pregada por todos os cientistas políticos dirige-se para a afirmação de que o homem necessita de um grau de segurança para poder conduzir, planificar e desenvolver os seus atos da vida civil, familiar e profissional. Ao Estado cabe a responsabilidade de assegurar esse estado de sentimento através da conformação dos seus atos administrativos, legislativos e judiciais com os ditames da segurança jurídica.

20 Palestra proferida no XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional – “O Direito Constitucional do Século XXI”, em 21 de maio de 2005 (in http://bdjur.stj.gov.br)

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É, portanto, com absoluta razão que J. J. Gomes Canotilho, em seu Direito Constitucional, editado pela Livraria Almedina, Coimbra, 1991, pp. 375 e 376, ao cuidar dos padrões estruturantes do Direito Constitucional vigente e dos princípios que regem o Estado de Direito afirma:

“Partindo da idéia de que o homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de Direito os dois princípios seguintes: - o princípio da segurança jurídica; - o princípio da confiança do cidadão. (...)

A seguir, complementando as suas afirmações, escreve:

“A idéia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizados do princípio geral de segurança:

1) O princípio da determinabilidade das leis (exigência de leis claras e densas); 2) O princípio da protecção da confiança, traduzido na exigência de leis tendencialmente estáveis, ou, pelo menos, não lesivas de previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos”. Explicando esses dois princípios determinados do princípio geral de segurança jurídica, J. J. Gomes Canotilho, na obra citada, p. 376, explica:

“O principio da determinabilidade das leis reconduz-se, sob o ponto de vista intrínseco, às seguintes idéias: Exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através a interpretação, obter um sentido inequívoco, capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto.

Exigência de densidade suficiente na regulamentação , pois um acto legislativo que não contém uma disciplina suficientemente concreta (= densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de:

- alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; - constituir uma norma de actuação para a administração; - possibilitar, como norma de controle, a fiscalização da legalidade e da defesa dos direitos e interesses dos cidadãos”.

No referente ao princípio da proteção da confiança, explica Canotilho que ele concentra a capacidade de que o “cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas”. (grifo nosso).

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O texto acima parece ter sido escrito pensando-se no caso

concreto, pois a interpretação conferida pela União aos dispositivos normativos

em comento resulta em imensa insegurança jurídica, na medida em que o

valor anual dos foros e taxas será sempre uma incógnita, alterando-se em

decorrência de inúmeras variáveis, alheias a qualquer iniciativa de

melhoramentos da União ou mesmo do ocupante/foreiro.

Não se deve esquecer que as exações dizem respeito a bens de

raiz, em que o cidadão investe às vezes a economia de uma vida para edificar

o imóvel que vai residir ou tirar seu sustento, necessitando, por isso, de

estabilidade para planejar seus gastos e aferir a possibilidade de mantê-lo por

tempo razoavelmente longo.

Essa instabilidade não se coaduna com o princípio da segurança

jurídica, de estatura constitucional, obrigando o Estado, portanto, a orientar

suas manifestações segundo seus ditames.

Com efeito, referido princípio não se trata de mera abstração ou

invencionice, mas, ao contrário, é um dos pilares do Estado Democrático de

Direito, expressamente albergado no seu preâmbulo e art. 5º:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

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O termo segurança empregada no preâmbulo, reconhece a boa

doutrina21, deve ser compreendido de forma ampla, abrangendo não apenas o

direito à segurança pública, mas também à segurança jurídica, à dignidade

humana, à igualdade social, enfim, aos direitos e garantias individuais e

sociais.

Tem-se, assim, que a atualização anual do valor de mercado do

domínio pleno, conforme pretende extrair a União das normas respectivas, não

se coaduna com o texto constitucional.

4.2.1.c - Da Função Social da Propriedade e do Abuso de

Direito.

A exploração dos bens pela União não poderá perder de vista a

função social da propriedade, realçada ainda mais pela natureza do seu titular,

obrigada no plano interno e externo a garantir o direito social da moradia, a

dignidade da pessoa humana e o bem estar de todos.

A região metropolitana do Recife, como é por todos sabido,

constitui zona pobre, receptora durante décadas de retirantes de todo o

Nordeste brasileiro, que aqui aportaram fugindo das agruras da seca, em

busca de vida digna. A cidade cresceu desordenamente, ganhou densidade

populacional e os problemas sociais se revelam diariamente. Essa conjuntura

de problemas a União, como integrante da República Federativa do Brasil, tem

o desafio e o dever de contribuir para sua resolução, ou ao menos para sua

minoração.

A interpretação indevidamente contaminada por um enfoque

arrecadatório conferida aos dispositivos legais aqui debatidos, contudo, faz

com que as exações cobradas em favor da União pela utilização do terreno de

21 v. palestra mencionada na nota anterior

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marinha se disvirtuem da finalidade original do instituto, contribuindo apenas

para aumentar os problemas que deveria resolver.

De fato, ao utilizar sua propriedade de forma especulativa, a

exemplo de uma grande imobiliária privada, e com o intuito principal de fazer

caixa, foge a União de sua finalidade constitucional e abusa do seu direito de

propriedade.

O abuso de direito ocorre quando aparentemente no exercício de

um direito, seu titular extrapola os limites razoavelmente admitidos, causando

dano a terceiros.

A teoria do abuso do direito, já consagrada na doutrina e

jurisprudência, foi positivada pelo novo Código Civil, que assim dispôs em seu

art. 187:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Como se vê, o atual Código Civil equipara o abuso de direito ao

ato ilícito e possui estreita relação com os princípios da finalidade da lei e da

boa-fé que deve reger as relações jurídicas.

Por esta razão, apesar da matéria estar regulamentada no Código

Civil, sua aplicação não se restringe ao âmbito do direito privado, sendo

aplicável também como limitação ao poder estatal, conforme corrobora o

ensinamento de Sílvio Venosa (Direito Civil: parte geral, 6ª Edição, São Paulo,

Atlas, 2006, p. 561):

(...) “Contudo, não há que se localizá-la exclusivamente no campo do Direito Civil ou do direito privado propriamente dito. Hoje, com a publicização do direito privado e com o aumento avassalador dos poderes do Estado, deve a teoria servir de obstáculo aos mandos e desmandos do Estado títere.”

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No caso em exame, a criação dos terrenos de marinha teve como

finalidade a proteção da costa brasileira e a cessão de tais imóveis a

particulares tinha como objeto, principalmente, atender interesses relevantes

de fixação do homem ao solo, ao mesmo tempo em que atendia a função

social da propriedade, não a deixando ociosa.

No entanto, o que se percebe é que a União tem se utilizado dos

terrenos de marinha para fins exclusivamente arrecadatórios, agindo como

mero agente especulador, o que resultará na retomada dos mesmos por conta

de inadimplência involuntária e oferecimento àqueles que estiverem dispostos

a pagar mais, desviando-se da finalidade da lei e da função social da

propriedade, o que caracteriza, de forma insofismável, abuso de direito, sendo

necessária a intervenção do Poder Judiciário para coibi-lo, nos termos dos

pedidos formulados ao final.

4.2.1.d – Do Enriquecimento Sem Causa

A inclusão das benfeitorias realizadas pelos particulares na

avaliação do domínio pleno caracteriza enriquecimento sem causa por parte da

União. De fato, fere a moralidade administrativa a União auferir ganhos

decorrentes das benfeitorias realizadas por terceiros após a cessão do imóvel,

sem que para isso tenha contribuído de qualquer forma.

Celso Antônio Bandeira de Melo, discorrendo sobre o princípio que

veda o enriquecimento sem causa, assim se manifestou:

“Com efeito, precisamente para evitar situações nas quais um dado sujeito venha a obter um locupletamento à custa do patrimônio alheio, sem que exista um suporte jurídico prestante para respaldar tal efeito, é que, universalmente, se acolhe o princípio jurídico segundo o qual tem-se de proscrever o enriquecimento sem causa e, conseqüentemente,

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desabona-se interpretação que favoreça esse resultado injusto, abominado pela consciência dos povos”22

Assim, no caso de não se acatar o pedido principal formulado

nesta ACP referente ao valor do foro e taxa de ocupação, dever-se-á, ao

menos, excluir-se do valor do domínio pleno àquele referente às benfeitorias.

5. REQUERIMENTO DE PERÍCIA

Em tópico próprio ficou demonstrada a absoluta falta de

transparência e inconsistência com que os terrenos de marinha são

demarcados, existindo séria e fundada desconfiança da sociedade acerca da

correta delimitação da linha de preamar média de 1831, fato que acarreta

imensa insegurança jurídica e conseqüências graves ao patrimônio jurídico dos

cidadãos.

Essa desconfiança não é fruto de mera especulação, mas decorre

de constatações relatadas na doutrina, bem como da admissão tácita da

Administração de que vem se valendo, em alguns casos, de mera presunção.

De todo modo, é certo que os critérios e dados utilizados pela

GRPU para demarcar a LPM em Pernambuco precisam ser, caso a caso,

conhecidos e submetidos à análise de peritos com conhecimentos técnicos na

área, permitindo que esse MM. Juízo, ao final, afaste eventuais fragilidades e

imprecisões, a fim de que somente a área legalmente definida e

cientificamente demarcada seja, de fato, considerada de marinha, de

propriedade, portanto, da União.

A perícia deverá fixar a LPM/1831 (com a área de influência da

maré), e, em caso de alguma impossibilidade, ao menos determinar os

critérios científicos que deverão ser obedecidos pela União na demarcação, a

fim de propiciar a reavaliação administrativa da área demarcada.

22 MELLO, Celso Antônio Bandeira de; O Princípio do Enriquecimento Sem Causa em Direito Administrativo; in Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, nº 5- fevereiro/março/abril de 2006.

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6. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

O Código de Processo Civil no art. 273 prevê a possibilidade de

antecipação da tutela pretendida na petição inicial, desde que presentes a

prova inequívoca e verossimilhança da alegação, bem como haja fundado

receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Dentre as irregularidades apontadas nesta peça, cabe o pedido de

antecipação de tutela em relação àquelas relatadas nos tópicos 4.1.b e 4.2,

referentes, respectivamente, ao direito de intimação pessoal dos interessados

certos e com endereços conhecidos nos procedimentos administrativos

demarcatórios, e ao reajuste abusivo dos foros e taxas de marinha.

A verossimilhança das afirmações em relação a essas

irregularidades está suficientemente demonstrada no corpo da petição inicial,

em tópicos próprios, dispensando-se, aqui, repeti-las. Por seu turno, a prova

do que fora afirmado é inconteste, posto que não negado pela GRPU, até

mesmo porque decorre de sua interpretação de dispositivos legais.

O receio de dano irreparável ou, ao menos, de difícil reparação,

será demonstrado nos parágrafos seguintes, em relação a cada uma das duas

irregularidades:

a) ausência de intimação pessoal: a GRPU vem demarcando

terrenos de marinha sem efetuar corretamente a intimação dos interessados

certos, levando-os possivelmente à revelia. Já foi visto que a homologação

decorrente da demarcação coloca o proprietário na condição de mero

ocupante, título precário e sujeito ao pagamento de taxas que, se

inadimplidas, pode resultar até mesmo na retomada do imóvel e sua

transferência a terceiros de boa-fé.

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Nessa hipótese, tornar-se-ia impossível reverter a posse acaso a

prestação jurisdicional seja dada apenas ao final. Mesmo que ainda não tenha

sido o terreno repassado a terceiros e seja viável reverter-se a posse,

acarretará o despejo transtornos impossíveis de se reverter, bastando tomar-

se por exemplo o imóvel que é utilizado para moradia ou mesmo como local de

trabalho.

Da mesma forma, a cobrança de taxas de ocupação que venham

ao final ser julgadas indevidas por conta da procedência do pedido acarreta

dano de difícil reparação, podendo implicar, inclusive, na cobrança executiva.

b) reajuste abusivo dos foros e taxas de marinha: na mesma

esteira do item anterior, o reajuste abusivo do foro e taxa de ocupação que

vem se verificando no Estado de Pernambuco tem aptidão para levar as

pessoas à inadimplência, gerando a possibilidade de retomada do imóvel por

parte da União e repasse a terceiros de boa-fé (dano de impossível reparação),

execução judicial de dívida etc, acarretando indesejável insegurança jurídica.

Mesmo na hipótese de não haver inadimplência, estar-se-á

retirando dos particulares indevidamente preciosos recursos, que somente pela

custosa e trabalhosa via de repetição de indébito, poderão ser reavidos.

Assim, requer o Ministério Público Federal, ouvida previamente a

ré, seja concedida a antecipação da tutela para:

6.a) interpretando conforme a Constituição a nova redação do art.

11 do Decreto-Lei nº 9.760/46, ANULAR os processos

administrativos de demarcação no Estado de Pernambuco em que

não houve a intimação pessoal dos interessados certos e com

endereço conhecido, condenando a União a respeitar doravante

essa forma de intimação.

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6.b) ANULAR as cobranças dos foros e taxas de ocupação

reajustadas com base na recente atualização ( a partir de 2004)

do valor de mercado do domínio pleno, determinado-a que

proceda à cobrança com base na atualização monetária dos foros

e taxas então vigentes. Essa condenação não atinge o cálculo das

novas cessões, cujo valor inicial dos foros e taxas de ocupação

respectivos deverão ser fixados de acordo com o valor de

mercado atualizado do domínio pleno, efetuando-se os reajustes

subseqüentes pela atualização monetária.

Se, por qualquer razão, entender esse MM. Juízo incabível a

antecipação da tutela, requer, sucessivamente, seja concedida medida

liminar para determinar à União que:

a) SUSPENDA os procedimentos administrativos demarcatórios em

andamento, em que os interessados certos e com endereço

conhecido não tenham sido intimados pessoalmente, até decisão

final desta ACP;

b) SUSPENDA a cobrança dos foros e taxas de ocupação calculadas

com base na atualização do valor de mercado do domínio pleno

(item 6.b), até decisão final desta ACP, sem prejuízo de que,

provisoriamente, continue a proceder à cobrança com base na

atualização monetária dos foros e taxas então vigentes.

Os requisitos para a concessão da liminar estão bem demonstrados

acima, sendo desnecessário repeti-los.

7. PEDIDO DE LIMINAR

Afora os pedidos acima, pleiteados em forma de antecipação de

tutela e apenas sucessivamente na forma de liminar, cabe apenas esta última

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forma de provimento inicial cautelar em relação ao primeiro ponto questionado

nesta ação.

De fato, constatados os vícios sobre os quais estão sendo

demarcados os terrenos de marinha, utilizando-se de presunção e/ou dados

referentes à média das máximas preamares e/ou linhas baseadas em critérios

fitogeomorfológicos (fl.43) contemporâneos e não da preamar média de 1831

ou de ano que dele mais se aproxime, como manda a lei, faz-se necessário

suspender-se liminarmente as respectivas homologações, evitando-se que

novas propriedades sejam atingidas, até que a perícia solicitada aponte a

LPM/1831 definitiva por meio de sua localização geodésica com a exatidão e

precisão que o caso requer, bem como das áreas de influência da maré para o

caso dos terrenos de marinha e acrescidos de marinha ou ateste a correção

dos critérios utilizados pela GRPU.

Assim, requer o Ministério Público Federal, em liminar:

a) seja SUSPENSA a homologação dos processos administrativos

demarcatórios no âmbito do Estado de Pernambuco, até que a perícia

solicitada aponte a LPM/1831 e áreas de influência da maré segundo

a lei de regência ou ateste a correção dos critérios utilizados pela

GRPU.

8. PEDIDOS FINAIS

Requer o Ministério Público Federal sejam tornados definitivos os

pedidos formulados em antecipação de tutela, julgando-os procedentes nos

termos a seguir, de forma a condenar a União a:

8.1 - em relação à demarcação dos terrenos de marinha e acrescidos:

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8.1.a) respeitar a linha de preamar média de 1831 (com área de

influência da maré) fixada na perícia e devidamente homologada por esse MM.

Juízo no bojo desta ACP;

Sucessivamente (art. 289, CPC),23 no caso da perícia se resumir a

definir os critérios técnico-científicos que devem ser utilizados para demarcar

os terrenos de marinha, seja a União condenada a respeitá-los, revisando a

demarcação em todo o Estado de Pernambuco segundo esses critérios;

8.1.b) excluir do cadastro dos bens de marinha e acrescidos as

áreas hoje demarcadas e que não sejam como tal reconhecidas na perícia

aludida, ou que, na hipótese do pedido sucessivo do item 8.1.a, não se

enquadrem nos critérios definidos na perícia, proibindo-se, em qualquer caso,

utilizar-se da mera presunção ou outros dados que não atestem a real

localização geodésica da linha de preamar média de 1831;

8.1.c) anular os registros dos imóveis na GRPU em que não tenha

sido determinado ou possível de se determinar pela perícia, cientificamente,

encontrarem-se sob a influência da maré relativamente à posição da

LPM/1831. Em outras palavras, na impossibilidade de se afirmar

peremptoriamente estarem os imóveis sob a influência da maré relativamente

à posição da LPM/1831, deverá a União anular os registros respectivos.

Nas áreas em que a perícia ateste a influência das marés, deverão

ser incluídos no cadastro apenas aquelas situadas dentro da faixa de 33 metros

da LPM/1831 fixada na perícia judicial.

8.1.d) anular os processos demarcatórios em que os interessados

certos não foram notificados pessoalmente, segundo interpretação conforme a

23 Art. 289. É lícito formular mais de um pedido em ordem sucessiva, a fim de que o juiz conheça do posterior, em não podendo acolher o anterior.

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Constituição do art. 11, do DL 9.760/46, condenando-a a respeitar essa forma

de notificação nos processos futuros.

8.2 - Em relação ao reajuste dos foros e taxas de ocupação:

8.2.a) ANULAR as cobranças dos foros e taxas de ocupação

reajustadas com base na recente atualização (realizada a partir de 2004) do

valor de mercado do domínio pleno, determinado-a que proceda à cobrança

com base na atualização monetária dos foros e taxas então vigentes. Essa

condenação não atinge o cálculo das novas cessões, cujo valor inicial dos foros

e taxas de ocupação respectivos deverão ser fixados de acordo com o valor de

mercado atualizado do domínio pleno, efetuando-se os reajustes subseqüentes

pela atualização monetária.

Sucessivamente (art. 289, CPC24), no caso de não se acolher o

pedido supra, requer a exclusão do valor das benfeitorias realizadas por

terceiros na avaliação do domínio pleno, conforme explicitado no item 4.2.1.d.

8.2.b) em caso de se entender improcedente o pedido principal

contido na alínea anterior, requer o Ministério Público Federal, sucessivamente

(art. 289, CPC), que a União seja condenada a respeitar a vedação de

atualização do valor de mercado do domínio pleno em relação às enfiteuses e

às ocupações regularmente cedidas antes do advento da Lei nº 7.450 /1985 ,

aplicando-se, em relação a elas, unicamente a atualização monetária dos foros

e taxas de ocupação.

9. REQUERIMENTOS FINAIS

24 Art. 289. É lícito formular mais de um pedido em ordem sucessiva, a fim de que o juiz conheça do posterior, em não podendo acolher o anterior.

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO ACP nº 26/2007

Requer o Ministério Público Federal, por fim, a citação da União

para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia, bem como a

produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente juntada de

documentos e perícia, que fica desde já requerida.

Dá-se à causa, meramente para efeitos fiscais, o valor de R$

100.000,00 (cem mil reais).

Recife, 03 de dezembro de 2007.

Antonio Carlos de V. Coelho Barreto Campello Procurador da República

campello/prdc/acao/ACP terreno de marinha

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