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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL 2" OFÍCIO DA CIDADANIA EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL. a VARA Referência: Inquérito Civil n.o 1.16.000.003172/2017-76 e Procedimento Preparatório 1.16.000.000980/2017-81 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos procuradores da República signatários, no uso das suas atribuições constitucionais e legais, previstas especialmente nos artigos 37, § 4", 127, coput e 129, incisos II e m, todos da Constituição da República, assim como nas disposições da Lei Complementar 75/1993, da Lei 7.347/1985 e da Lei 8.429/1992, vem propor em face de RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA, brasileiro, Deputado Federal licenciado, atual Ministro do Trabalho, inscrito sob o CPF 435.294.020-87, residente e domiciliado na Rua Jari, 359, apto 701, Bloco A, Passo da Areia, Porto Alegre/RS, CEP 91.350-170, pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos. I - SÍNTESE DA DEMANDA Pretende, o Ministério Público Federal, por intermédio desta Ação de Improbidade Administrativa, a condenação de RONALDO NOGUEIRA DE SGAS 604, LOTE 23, AV. L2 SUL, GABINETE 110 - BRASÍLIA (DF) - CEP 70200-640 1/67

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL

2" OFÍCIO DA CIDADANIA

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA

FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL.

a VARA

Referência: Inquérito Civil n.o 1.16.000.003172/2017-76 e Procedimento Preparatório

n° 1.16.000.000980/2017-81

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos procuradores da

República signatários, no uso das suas atribuições constitucionais e legais, previstas

especialmente nos artigos 37, § 4", 127, coput e 129, incisos II e m, todos da

Constituição da República, assim como nas disposições da Lei Complementar n°

75/1993, da Lei n° 7.347/1985 e da Lei n° 8.429/1992, vem propor

em face de RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA, brasileiro, Deputado Federal

licenciado, atual Ministro do Trabalho, inscrito sob o CPF n° 435.294.020-87, residente

e domiciliado na Rua Jari, 359, apto 701, Bloco A, Passo da Areia, Porto Alegre/RS,

CEP 91.350-170, pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos.

I - SÍNTESE DA DEMANDA

Pretende, o Ministério Público Federal, por intermédio desta Ação

de Improbidade Administrativa, a condenação de RONALDO NOGUEIRA DE

SGAS 604, LOTE 23, AV. L2 SUL, GABINETE 110 - BRASÍLIA (DF) - CEP 70200-640

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OLIVEIRA nas sanções civis e políticas previstas no artigo 12, inciso !lI, da Lei nO

8.429/1992, pelos atos de improbidade a seguir descritos que resultaram no

enfraquecimento das estruturas e serviços públicos de fiscalização e combate ao

trabalho em condição análoga à de escravo e no desmonte da política pública de

erradicação do trabalho escravo.

I - DAS CONDUTAS IMPUTADAS

1- Contenção das atividades de fiscalização e de repressão ao trabalho escravo

O Requerido assumiu o cargo de Ministro do Trabalho em 12 de

maio de 2016, desde então, envidou todos os esforços possíveis para esvaziar a política

pública de erradicação do trabalho escravo. O primeiro ato nesse sentido foi a contenção

das atividades regulares desempenhadas pela fiscalização do trabalho, especialmente a

voltada à erradicação do trabalho escravo, chegando a pôr em risco inclusive a

continuidade do Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM, criado em junho de

1995' para potencializar o combate ao trabalho escravo, forçado e infantil e ao longo

deste tempo consolidou-se como principal ferramenta de atuação repressiva do trabalho

escravo. Pode-se dizer que foi a primeira medida adotada pelo Governo Brasileiro após

ter reconhecido oficialmente a existência de trabalho em condição análoga à de escravo

no país'.

O Grupo Móvel se tomou referência internacional em matéria de

enfrentamento ao trabalho escravo, sendo considerado como o mais destacado

instrumento de repressão ao trabalho escravo pela Organização Internacional do

Trabalho, que assim discorre sobre a atuação do GEFM e sua importância3:

1 Portaria n° 550, de 14 de junho de 1995, publicada no Diário Oficial da União de 16 de junho de 1995.

2 "Em 1995 o Governo Brasileiro reconheceu oficialmente a existência de trabalho em condição análoga à de escravo no país e começou a tomar medidas para erradicá-lo. Em relação à inspeção do trabalho, isso se concretizou com a criação no mesmo ano do Grupo Especiaf de Fiscalização Móvel (GEFM)". As boas práticas da inspeção do trabalho no Brasil : a erradicação do trabalho análogo ao de escravo I Organização Internacional do Trabalho. - Brasilia: OIT, 2010. (p. 14). Disponível em: bttp:llwww.oitbrasil.org.brlsites/defaultlfiles/topic/labour inspectionlpub/trabalho escravo inspecao

279.pdf. Acesso em: nov 2017. 3 Combatendo o trabalho escravo contemporâneo: o exemplo do Brasil! International Labour Office;

ILO Office in Brazi!. Brasilia: ILO, 2010, 1 v. (p. 128). Disponível em: htto://www.oit.org.br/sites/default/files/topiclforced labour!pub/combatendotecontemporaneo 307.pd f. Acesso em: nov 2017.

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"Criado em 1995, o GEFM é a base de toda a estratégia de combate ao trabalho escravo, pois diferentes acões decorrem da sua eficiência na fiscalizacão do crime de reducão dos trabalhadores a condicões análogas à escravidão, conforme previsto no Artigo n.' 149 do CPB. Com a atuação do GEFM, mais de 30.000 trabalhadores escravizados foram libertados em todo o território nacional. Com equipes compostas por Auditores Fiscais do Trabalho, Procuradores do Trabalho e Policiais Federais, o objetivo do GEFM é apurar as denúncias de trabalho escravo in loco, libertar os trabalhadores e autuar os proprietários das fazendas onde foram encontrados trabalhadores nessa situação. [. .. ] As ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel promoveram mudanças significativas no comportamento dos fazendeiros e na relação destes com 05 trabalhadores. Com a presença do GEFM, as vítimas do trabalho escravo passaram a conhecer seus direitos e os patrões, suas obrigações. Isso melhorou as condições de trabalho e ajudou a enfraquecer a lógica da impunidade e do lucro fácil vigente em algumas regiões do Brasil (Viana, 2007)."

Atribui-se às atividades do GEFM um total de aproximadamente

50 mil trabalhadores resgatados em pouco mais de 20 anos de funcionamento do

Grupo, conforme balanço divulgado pelo Ministério do Trabalho4 em maio de 2015.

Somente em 2015 foram 1.010 trabalhadores resgatados de condições análogas às de

escravo, por meio de 140 operações realizadas pelo GEFMs.

Além da ação repressora, a atuação do GEFM também é

importante para garantir aos trabalhadores resgatados o pagamento do Seguro­

Desemprego do Trabalhador Resgatado (GSDTR), a proteção temporária em abrigos,

capacitação profissional e inclusão deste público nos projetos do Cadastro Único para

Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), como o Bolsa Família, Tarifa

Social de Energia Elétrica e Minha Casa Minha Vida'.

Neste ponto, o ora Requerido, na qualidade de titular da pasta do

Ministério do Trabalho, de forma omissa e deliberada, deixou de repassar os recursos

orçamentários necessários para o desempenho das operações de fiscalização do

cumprimento da legislação rural e, assim, prejudicou severamente a atuação repressiva

do Estado contra o trabalho escravo contemporãneo. 4 Disponível em: http://www.ebc.com.br/cidadania/2015/05/em-20-anos-50-mil-trabalhadores-foram­

resgatados-de-trabalho-escravo-no-brasil. Acesso em: nov 2017. ANEXO N' 02. 5 Dispo nível em: httD:1 / agenciab rasil. ebc. co ffi. brl direi tos-humano s/no ti cia/2 O 16-0 llbrasil-res gata -mais­

de-mil-trabalhadores-de-condicoes-analogas. Acesso em: nov 2017. ANEXO N' 03. 6 Conforme informações do próprio Ministério do Trabalho: <tA prioridade para o pagamento do

seguro-desemprego possibilitou que o Ministério do Trabalho atendesse 4.735 trabalhadores retirados de condições similares à escravidão. nos últimos quatro anos. Entre 2013 e 2016. o repasse foi de R$ 8.7 milhões". E mais: UA agilidade no pagamento é garantida pelo engajamento dos auditores fiscais do Trabalho, que integram o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e as equipes das Superintendências nos Estados". Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania­e-justica/20 16/09/governo-paga-r-8-7 -rnilhoes-em-seguro-desemnrego-a-trabalhadores-resgatados.

'"""" ..... O"" 2Q17 'NEXO N' Q4

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o resultado foi a redução drástica do número total de operações

realizadas pela auditoria do trabalho, seja do GEFM, seja de ãmbito regional': em 2015,

foram 155 operações, em 2016 esse número já foi reduzido para 106 operações e em

2017 há registro de apenas 18 operações realizadas no País. Há reflexo, também, no

total de egressos beneficiados pelo Seguro-Desemprego: passou de 857, em 2015,

para somente 140, em 2017.

A falta de recursos colocou em risco até mesmo a realização das

operações planejadas pelo GEFM, tendo sido necessário que o Ministério Público do

Trabalho ajuizasse uma ação civil pública para viabilizar a continuidade dessa política

repressiva que funciona ininterruptamente há mais de 22 anos, desde 1995.

A imprescindibilidade da manutenção das atividades do GEFM é

reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho e por estudos acerca da

fiscalização e repressão do trabalho escravo contemporâneo. Como exemplo, cabe trazer

a conclusão de Débora Maria Ribeiro NevesB:

"No âmbito da atuação repressiva, igualmente, restou demonstrada a importância da manutenção e o apeneicoamento da atividade fiscalizatória desenvolvida pelo MTE. por meio do GrUDO Especial de Fiscalização Móvel. tendo por base a legislação trabalhista e as Normas Regulamentadoras expedidas pelo MTE, que determinam as condições de trabalho a serem cumpridas no meio rural. A fiscalização in locu nos locais trabalho, e somente esta, é capaz de retratar detalhadamente as condições em que os trabalhadores são mantidos nas fazendas, o que servirá de base teórica, fática e jurídica para todas as esferas administrativas e judiciais. O relatório de fiscalização é o principal meio de prova Rara a aplicacâo de sancões trabalhistas e penais. Em verdade. a obtenção de indenizações trabalhistas e de condenações çriminais depende. em grande medida. do trabalho e do esforco realizado pelas eguipes de fiscalização."

Para além da relevância do GEFM, cumpre salientar que sua

criação é decorrente da pressão internacional que havia sobre o Estado brasileiro na

década de 90 e que, em 2003, o Brasil assumiu compromisso perante a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos de adotar diversas medidas legislativas de

repressão e de fiscalização, entre elas o compromisso de fortalecer o Grupo Móvel do

Ministério do Trabalho'. 7 Cf. dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil. As estatísticas levantadas pelo

Observatório Digital serão apresentados em detalhes nesta inicial. Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil - Smartlab de Trabalho Decente MPT - OIT. 2017. Dados acessados em: nov 2017. Disponível online no seguinte endereço http://observatorioescravo.mpt.mD.br.ANEXON° 05.

a NEVES. Débora Maria Ribeiro. Trabalho escravo e aliciamento. - São Paulo: LTr, 2012. p. 13.

9 Trata-se de compromisso relativo ao acordo de solução amistosa assinado pelo Estado brasileiro e as p@tkíQR..3ri.as aS Qrganiza~@s R.ãQ gQv@rQ~@Rt3i" A m.t.1l'i'eéU: lA!atct:!. @ C@atI'Q [email protected] .À:rStiÇ3 @ Q Qil'@itQ

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Com efeito, a atuação do GEFM vem ao encontro de diversos

instrumentos internacionais e da ordem constitucional lO que estabelecem a proibição do

trabalho escravo.

Além do compromisso perante a comunidade internacional, há

um claro compromisso que se reflete no Plano Plurianual da União - PPA - aprovado

em 13 de janeiro de 2016, pois ficou definida como uma das metas a cargo do

Ministério do Trabalho l1 para o quadriênio 2016-2019 "aumentar em 20% as ações

planejadas de Inspeção do Trabalho para o combate ao trabalho análogo ao de

escravo, em especial nas áreas geográficas isoladas do país".

Cumpre ressaltar que a inanição pela qual passa o GEFM é

resultado de uma atuação - ainda que por uma insistente omissão - deliberada e

consciente do Ministro de Estado do Trabalho ora Requerido.

Como se sabe, cumpre ao Ministro de Estado exercer a

orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal

na área de sua competência (artigo 87, parágrafo único, I, da Constituição Federal). Faz

parte das atribuições do Ministro de Estado determinar, diante de contingenciamento

orçamentário determinado pelo Presidente da República, quais áreas e atividades, dentro

da estrutura do Ministério, serão impactadas ou priorizadas diante da nova programação

orçamentária e financeira.

Considerando a notória importância das operações de

fiscalização e repressão do trabalho escravo, a não disponibilização de recursos para sua

continuidade representa evidente e inaceiUível retrocesso em questiio sensível de

direitos humanos. A violação aos direitos fundamentais decorrente da submissão de

indivíduo a condição análoga à de escravo é de tal gravidade - inclusive diante das

normas de direito internacional - que jamais poderia o Estado arrefecer a fiscalização.

Não se desconhece o atual cenário econômico do país e a

imposição de contingenciamentos orçamentários pelo Governo Federal que afetam a

execução de políticas públicas.

Internacional (CEJIL) - do Caso n" 11.289, que se refere ao célebre Caso José Pereira. RELATÓRIO N" 95/03, CASO 11.289. SOLuçA0 AMISTOSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL 24 de outubro de 2003. Disponível em: httos://cidh.oas.org/annualrep/2003portlBrasil.11289.htm. Acesso em: nov 2017.

10 Ainda serão apontados nesta inicial, em pormenores, quais instrumentos internacionais e preceitos constitucionais são descumpridos em razão dos atos de improbidade praticados pelo Ministro de Estado do Trabalho.

11 Anexo I (Programas Temáticos) da Lei n" 13.249/2016. p. 245. Disponível em: http://portal.imprensanacional.gov.br/destaques/poa/2016 01 14 P suplementoppa.odf. Acesso em: nov 2017.

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Contudo, aqui deve ser reconhecida, sem hesitação, hipótese em

que é limitada a discricionariedade do administrador público. Isso é, a manutenção das

atividades do GEFM e de todas as operações de combate ao trabalho escravo realizadas

pela auditoria do trabalho em todo País, como eixo central da política pública de

erradicação do trabalho escravo, é dever que se impõe ao Ministro de Estado do

Trabalho, à luz do princípio do mínimo existencial - que, in casu, prepondera sobre o

princípio da reserva do possível.

Se o Supremo Tribunal Federal já reconheceu12 a possibilidade

de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências

administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por

hospital da rede pública, com muito mais razão pode-se afirmar que cumprir a política

pública previamente estabelecida referente às operações de combate ao trabalho

escravo é um dever incumbido ao Ministro de Estado do Trabalho - e não mera

liberalidade diante de um quadro de restrições orçamentárias -, já que a política pública

de erradicação do trabalho escravo busca preservar a autonomia dos indivíduos e os

direitos mais elementares (dignidade humana, liberdade, integridade física e psíquica,

igualdade).

Esse dever decorre também do princípio da proibição do

retrocesso social l3, de modo que, tendo o Estado, por mais de 20 anos, promovido a

efetivação de direitos fundamentais por meio da deflagração de operações de combate

ao trabalho escravo, não pode o Ministro de Estado do Trabalho, agora, interromper ou

desfazer os avanços alcançados por meio da política pública até então existente.

12 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATNO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORlA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCíPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSíVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (artigo 323, § 1°, do RISTF ). 2. A controvérsia objeto destes autos - possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública - foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Mimstro Gilmar Mendes, Dl de 30.4.10. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do "mínimo existencial" e da "reserva do possível", decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, l' Ttirma, Min. ReL Luiz Fux, RE-Agr 642536.5.2.2013. Dle 27.2.2013).

13 Esse princípio será abordado mais adiante já que, de forma geral, toda ü gest50 do Ministro de Estado do Trabalho pertinente à fiscalização e repressão do trabalho escravo está marcada pela afronta ao ~n:;j,R€Íj:1ig da pl'gibiliãg élQ f@1;r9€@SSQ §Q€ial

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No entanto, o que se viu foi a inobservância desse dever: a

recusa injustificada por parte do Requerido, na qualidade de Ministro do Trabalho, em

assegurar o financiamento das atividades de combate ao trabalho escravo, colocando em

xeque até mesmo a continuidade do GEFM. Como dito, a recusa (omissão) deu-se de

forma consciente.

Com efeito, por diversos meios, o Requerido teve ciência da

gravidade que representava a não disponibilização dos recursos para viabilizar as

operações de combate ao trabalho escravo, inclusive do Grupo Móvel.

Em julho de 2017, o Ministério Público do Trabalho interveio

junto ao Ministro do Trabalho buscando solução extrajudicial para reverter o quadro de

iminente inatividade do GEFM. Na oportunidade'4, o Ministro do Trabalho assegurou

que o Ministério do Trabalho estava "trabalhando no sentido de readequar o seu

orçamento para que essas ações não sejam paralisadas".

Mas mesmo diante do compromisso público e oficial assumido

pelo Ministro do Trabalho, não foi percebido qualquer movimento no sentido de

restabelecer as condições mínimas para que a fiscalização do trabalho, exercida tanto

pelas unidades regionais do Ministério do Trabalho, quanto pelo Grupo Móvel, pudesse

voltar a ser realizada em padrões mínimos.

Tanto é que, em 21 de agosto de 2017, a situação precária foi

tema de audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação

Participativa (CDH) do Senado Federal15, com ampla repercussão nacional. A finalidade

da audiência pública era debater sobre "O corte orçamentário e a inviabilização do

combate ao trabalho escravo, infantil e outras violaçães de direitos". Além da redução

das operações do GEFM, consignou-se a iminente paralisia total das fiscalizações por

insnficiência de recursos. A seriedade da situação foi ratificada pelas explicações

prestadas pelo representante do Ministério do Trabalho presente na andiência pública,

o então Chefe da Divisão da Erradicação do Trabalho Escravo (que viria a ser

dispensado em seguida, conforme já mencionado).

Diante da conduta omissiva do Requerido e da magnitnde dos

direitos fundamentais colocados em risco, conbe ao Ministério Público do Trabalho

14 Disponível em: http://portal.mpt.mp.br/wps/DortalJportal mpt/mptlsala-imprensa/mpt-noticias/69702823-5b5e-42c8-82bc-18abd1ed4f93. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 53.

15 Conforme notícia divulgada no site do próprio Senado Federal. Disponível em: https.-//www12.senado.leq.br/noticiaslmaterias/2017/08/21/cdh-cobrara...tJo-qoverno-solucao-vara-

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ajuizar ação civil pública" para que fosse assegurada uma quantidade mínima de

operações mensais do GEFM. Cumpre salientar que a propositura da ACP foi

necessária diante do fracasso da atuação extrajudicial, haja vista a recalcitrância do

Ministro de Estado do Trabalho em adotar as diligências cabíveis para manutenção das

atividades do Grupo Móvel17•

Conforme dados coletados pela ASSPAlPRDF (Anexo 61) até

12.9.2017, apenas 52,79% do orçamento destinado à fiscalização para erradicação do

trabalho escravo havia sido empenhado. Além disso, do total destinado à fiscalização de

trabalho no campo (atividade intrinsecamente ligada ao combate ao trabalho escravo),

até a mesma data, havia sido empenhado apenas 34,77% do orçamento destinado a essa

ação orçamentária (Relatório de Informação nO 008/2017, ASSPAlPRDF, quadro

constante da página 3).

Não é demais lembrar que na recente condenacão do Brasil no

Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil a Corte IDH ressaltou os deveres de

fiscalizar a prática do trabalho escravo e prestar assistência às vítimas, nos

seguintes termos!8;

319. No tocante à obrigação de garantir o direito reconhecido no artigo 6 da Convenção Americana, a Corte considera que isso implica no dever do Estado de prevenir e investigar possíveis situacões de escravidão. servidão. tráfico de pessoas e trabalho forçado. Entre outras medidas, os Estados têm a obrigação de: i) iniciar, de ofício e imediatamente, uma investigação efetiva que pennita identificar, julgar e punir os responsáveis, quando exista denúncia ou razão fundadas para crer que pessoas sujeitas à sua jurisdição se encontrem submetidas a uma das situações previstas no artigo 6.1 e 6.2 da Convenção; ii) eliminar qualquer nonna que legalize ou tolere a escravidão e a servidão; iii) tipificar criminalmente estas figuras, com punições severas; iv) realizar fiscalizações ou outras medidas de detecção destas práticas e v) adotar medidas de protecão e assistência às vítimas.

16 Ação civil pública n' 0001120-21.2017.5.10.0021, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em desfavor da União. Na ação, distribuída a 2P Vara do Trabalho de Brasília/DF, houve declínio de competência em favor da Justiça Federal, tendo o feito sido encaminhado à Seção Judiciária do Distrito Federal (ANEXOS 65 e 66).

17 A informação consta da inicial da ação civil pública n' 0001120-21.2017.5.10.0021, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em desfavor da União. In verbis: "Considerando que o estancamento das atividades do Grupo Móvel trará prejuízos diretos e irreversíveis à coletividade de trabalhadores alcançada pelas operações deflagradas para atender denúncias de trabalho escravo, o Ministério Público do Trabalho tentou viabilizar uma solucâo extrajudicial por meio do convencimento do Exmo. Ministro do Trabalho. Sem êxito." A inicial está disponível em: http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connectlportal mptl9935cb85-08dl-4fc4-ac16-9335053180fdlACP+-+Grupo+Mo%CC%81vel.pdf?MOD-AJPERES. Acesso em: nov 2017.

18 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 20 de outubro de 2016. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/images/Banco de imagens/Sentenca Fazenda Brasil Verde.Ddf. Acesso .I>!: QgH 2Q17 p. g •.

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Constata-se, portanto, que o Requerido praticou atos de

improbidade administrativa aludidos no artigo 11 da Lei n° 8.429/1992, consistentes nas

reiteradas omissões que, ao impedirem a manutenção das atividades de combate ao

trabalho escravo, colocando em risco até mesmo o planejamento do GEFM, e, com isso,

obstar a consecução dos direitos fundamentais violados pela prática do trabalho escravo

contemporâneo, atentam contra os princípios da administração pública, contra os

princípios constitucionais e contra a ordem jurídica internacional. Confonne se verá ao

término da leitura desta inicial, todas as condutas, omissivas e comissivas, do Requerido

tiveram uma motivação política especial, de beneficiar interesses de grupos

empresariais ruralistas em troca do apoio na votação das denúncias oferecidas em face

do Presidente da República.

2 - Negativa de publicidade à lista suja do trabalho escravo e esvaziamento das

discussões da CONATRAE

Desde 2003, por meio da Portaria n° 1.234 do Ministério do

Trabalho, o Estado brasileiro adotou uma das medidas mais emblemáticas e eficazes no

combate à escravidão contemporânea: a famosa lista suja do trabalho escravo,

consistente em um cadastro nacional de empregadores que submetem trabalhadores a

condições análogas à de escravo.

Ressalte-se que referida medida, entre outras - assim como o já

mencionado Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) -, é resultado de

compromissos decorrentes de convenções e acordos internacionais assumidos pela

República Federativa do Brasil, com forte repercussão internacional, que, até então,

colocou o Brasil como referência na luta global contra o trabalho forçado, conforme

reconhecido pela OIT.

o referido cadastro constitui importante instrumento preventivo

já que, para o empregador, a inclusão do nome no cadastro talvez seja a mais

indesejável consequência da autuação pela prática de trabalho escravo. Isso porque o

empregador que figura no cadastro está sujeito a uma série de efeitos adversos que

prejudicam a obtenção de crédito e a própria atividade comercial19• Como exemplo,

19 "A lista suja do MTE igualmente revelou-se instrumento válido e apto Q diminuir os casos de trabalho escravo, na medida em que os empregadores-fornecedores passam a ser facilmente identificados, publicamente, pelos consumidores nacionaiS e internacionais e, também, por aqueles que financiam suas atividades, gerando restrições em sua cadeia comercial". NEVES, Débora Maria lU".;"" 1<.">11>0 ""'""O" .l;o; ..... alo •• 0 Paulo: b1<, 2Ql1 P lQ4

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basta citar a Resolução n' 3.876/2010-CNM, que "veda a concessão de crédito rural

para pessoas físicas ou jurídicas que estão inscritas no Cadastro de Empregadores que

mantiveram trabalhadores em condições análogas à de escravo instituído pelo

Ministério do Trabalho e Emprego".

O objetivo da divulgação do Cadastro de Empregadores que

tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo além de ser medida

de transparência das ações do Ministério do Trabalho, tem por finalidade também inibir

prática tão deplorável e proteger àqueles que se encontram em vulnerabilidade

econômica e social, sem opção de escolha e oportunidade.

Não há fixação de data certa para divulgação da lista do

cadastro, há, contudo, determinação que esta publicidade seja feita observando

periodicidade mínima de 6 (seis) meses.

Não obstante, em dezembro de 2016, o Requerido completou

7 (sete) meses de omissão consistente na não publicação do Cadastro de

Empregadores vinculados à prática deplorável de trabalho escravo, em completa

inobservância das normas então vigentes, o que levou o Ministério Público do Trabalho

a ajuizar ação civil pública para determinar à União e ao Ministro do Trabalho que

divulgassem o cadastro - conforme será detalhado mais à frente.

Em março de 2017, diante do insucesso dos instrumentos

processuais manejados para tentar protelar ainda mais a divulgação do cadastro 20, o

Requerido ainda se omitia quanto ao dever jurídico de publicar a lista, completando 10

(dez) meses de conduta omissiva, o que ensejou a recomendação21 expedida pelo

Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH - e a divulgação de nota pública"

pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE.

Além da pura inércia, o Requerido, na qualidade de Ministro de

Estado do Trabalho, valeu-se de outros subterfúgios para, de algum modo, obstar ou

retardar a divulgação do cadastro, ou manter indevida ingerência sobre seu conteúdo.

20 Posteriormente será detalhado o trâmite da ação civil pública ajuizada pelo MPT e dos demais atos processuais correlacionados.

21 Na recomendação foi ressaltado ao Ministro de Estado do Trabalho o seguinte: "Considerando que não há. atualmente. qualquer restrição legal. embaraço jurídico ou impedimento técnico que iustifique a não publicação da lista suio do trabalho escravo. sendo. ao contrário. do interesse público a sua divulgacão". RECOMENDAÇÃO W 02, DE 10 DE MARÇO DE 2017, do Conselho Nacional de Direitos Humanos - CNDH. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/sobre/particiD8cao­sociallcndh!recomendacoes-lIrecomendacao-cndh-02~2017/. Acesso em: nov 2017. ANEXO N° 06.

22 Disponível em: httD:/ /www.inpacto.org.br/wp-contentluploads/2017 /03/Nota-publica-Conatrae-14-Q. ;W17.BElf. "00"0 om' HO" 2Q17. IIJ'IIiJW ]\/' Q7

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Um desses subterfúgios foi instituir, por meio da Portaria 1.42923

de 16 de dezembro de 2016, Grupo de Trabalho "para dispor sobre regras relativas ao

Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas

à de escravo".

Claramente a criação do referido GT teve caráter protelatório. Já

havia a Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nO 4, de 11.05.201624 - ou seja,

vigente há mais de 7 (seis) meses - disciplinando o assunto e já haviam cessados os

efeitos da decisão do Min. Ricardo Lewandowski que suspendia a publicação da lista

suja, conforme será visto em detalhes.

Explica-se: o Cadastro de Empregadores que tenham submetido

trabalhadores a condições análogas a de escravidão vinha sendo divulgado

periodicamente, com regularidade, desde 2003 até 2014. Em dezembro de 2014 a

Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC - ajuizou a ADI nO

5.209-DF e o Ministro Ricardo Lewandowski deferiu pedido de medida cautelar para

suspender a eficácia da Portaria Interministerial MTE/SDH n° 2, de 12 de maio de 2011

e da Portaria MTE n° 540, de 19 de outubro de 2004, suspendendo, assim, a publicação

da lista suja. No entanto, após a publicação da Portaria Interministerial MT/MMIRDH

uO 4/2016, a Ministra Cármen Lúcia julgou prejudicada a ADI n° 5.209-DF por perda

superveniente do objeto2S e consignou que não subsistiam as alegações de

inconstitucionalidades acerca da norma anterior (Portaria Interministerial n° 2/2011), em

virtude das novas regras introduzidas pela Portaria Interministerial n° 2/2015 e pela

portaria em análise, a Portaria lnterministerial MT/MMIRDH nO 4/2016.

Ou seja, desde maio de 2016 estava em pleno vigor, e com

respaldo do Supremo Tribunal Federal, a Portaria Interministerial MTIMMIRDH

n· 4/2016 que estabelecia o dever de publicar o cadastro, não restando qualquer

empecilho legal, administrativo ou judicial para a publicação. As regras relativas ao

cadastro, portanto, já estavam estabelecidas e vigentes, sem qualquer óbice jurídico.

Ainda que se pretendesse criar outras regras ou alterar as

vigentes, a instituição de GT para esse fim não poderia servir de justificativa para o

descumprimento das normas em vigor.

23 Portaria n° 1.429, de 16 de dezembro de 2016. D.O.V. n° 242, de 19 de dezembro de 2016. Seção 1. p. 135. ANEXO n° 08.

24 Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n° 4, publicada no D.O.V. n° 91, de 13.5.2016, seção 1, p. 178 e 179. Disponível em: httD://www.imprensanacional.gov.br/. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 09.

25 STF. ADI n° 5.209-DF. decisão monocrática Min. CÁRMEN LÚCIA, ] 6.5.2016.

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Além do intuito protelatório, pretendeu-se afastar da discussão

os principais atores incumbidos de debater as políticas públicas voltadas ao combate ao

trabalbo escravo, especialmente órgãos da administração pública e entidades que têm

objetivo institucional de combater a escravidão e integram a Comissão Nacional para a

Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE.

A criação de um GT para suprimir a competência da

CONATRAE teve o claro propósito de permitir a elaboração de novas normas sem a

participação e acompanhamento dos especialistas e técnicos mais ligados ao tema,

bem como manter sob supervisão direta do Ministro de Estado do Trabalho as

discussões.

o GT foi instituído tendo como integrantes fixos apenas

representes do Gabinete do Ministro, da Consultoria Jurídica e da Secretaria de

Inspeção do Trabalho (artigo 2° da portaria). Os demais integrantes teriam apenas status

de convidados, conforme artigos 3° e 4° da portaria". Ainda sim, embora tenha previsto,

por exemplo, a participação de "representantes das Centrais Sindicais aferidas", há

registro de que não houve convite ao Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do

Trabalho - SlNAlT27, justamente o sindicato que representa os agentes públicos com

atribuição para a fiscalização do trabalho em condição análoga à de escravo. Isso

demonstra que os artigos 3° e 4° eram pro forma e que o Ministro de Estado do Trabalho

tentou apenas dar aparência de que o GT tinha composição plural.

Com isso, o Requerido concretizou, em verdade, o afastamento

da CONATRAE e de seus integrantes da discussão envolvendo o Cadastro de

Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo,

conforme já colocado nesta inicial.

Ocorre que obstar a participação da CONATRAE vai contra o

que estabelece o decreto que criou a comissão, que assim prevê28;

Art. 2° Compete à CONATRAE:

26 Art. 3'. Integrarão o referido Grupo de Trabalho, na condição de convidados, representantes dos seguintes órgãos e entidades: I. Casa Civil da Presidência da República; lI. Ministério da Justiça; IH. Advocacia Geral da União; IV. Ordem dos Advogados do Brasil; V. Ministério Público do Trabalho; VI. 6 representantes das Centrais Sindicais aferidas; VII. 6 representantes do Sistema Confederativo PatronaL Art. 4' O MTb poderá convidar participantes de outros órgãos e instituições para participarem das reuniões do GT.

27 Conforme nota publicado pelo SINAIT em 8.3.2017. Disponível em: https://sinait.org.br/site/noticia­print?id=14045. Acesso em: nov 2017. ANEXO N" 54.

28 Decreto presidencial de 31 de julho de 2003. Disponível em: ÀtW"!.'Wtl·r9léiRàlt9 gg,rbr'GGP'il Q~r,gRRI2JHJ3f.QHRg943.htm A(;@EiEig @m: "Agu 2Q17

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I - acompanhar o cumprimento das ações constantes do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, propondo as adaptacões que se fizerem necessárias; II - acompanhar a tramitação de projetos de lei relacionados com o combate e erradicação do trabalho escravo no Congresso Nacional, bem como propor atos normativos que se fizerem necessários à implementacão do Plano de que trata o inciso I; [. .. ] IV - propor a elaboração de estudos e pesquisas e incentivar a realização de campanhas relacionadas à erradicação do trabalho escravo; [ ... ]

A CONATRAE, ao contrário do GT insliluído pelo Ministro de

Estado do Trabalho, é espaço plural de discussão, tem ampla representatividade, sendo

integrada por representantes de diversos órgãos29, além de nove representantes de

entidades privadas não-governamentais, reconhecidas nacionalmente, e que possuam

atividades relevantes relacionadas ao combate ao trabalho escravo. Ademais, a

CONATRAE deve ser presidida pelo titular da Secretaria Nacional de Direitos

Humanos - SNDH -, enquanto no referido GT do Ministério do Trabalho havia apenas

previsão de participação, corno convidado, de um representante do Ministério da Justiça

- sem necessidade de que o representante fosse vinculado à SNDH.

Fica evidente, então, que o Requerido pretendeu esvaziar o

fórum qualificado constituído pelos membros da CONATRAE para concentrar em sua

esfera de atuação as discussões acerca da lista suja - instrumento vital no combate ao

trabalho escravo.

Não é demais ressaltar que a criação da CONATRAE, assim

corno a criação do GEFM, foi respaldada em compromisso internacional firmado pelo

Brasil perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos 30• Nesse acordo de

29 Art. 30 A CONATRAE será integrada: I - pelo Secretário Especial dos Direitos Humanos, que a presidirá; e II - pelos seguintes Ministros de Estado: a) da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; b) da Defesa; c) do Desenvolvimento Agrário; d) do Meio Ambiente; e) da Previdência Social; e f) do Trabalho e Emprego; IH - por dois representantes do Ministério da Justiça, sendo um do Departamento de Polícia Federal e outro do Departamento de Polícia Rodoviária Federal; e IV - por até nove representantes de entidades privadas não-governamentais, reconhecidas nacionalmente, e que possuam atividades relevantes relacionadas ao combate ao trabalho escravo. § 10 Os representantes de que tratam os incisos I a IV poderão ter substitutos por eles indicados. § 20 Poderão ser convidados a integrar a CONATRAE, na qualidade de observadores, representantes de instituições públicas ou privadas, que possuam notórias atividades no combate ao trabalho escravo, § 30 A CONATRAE terá um vice-presidente, eleito entre os representantes, mediante votação por maioria absoluta.

30 Trata-se de compromisso relativo ao acordo de solução amistosa assinado pelo Estado brasileiro e as peticionárias - as organizações não governamentais Américas Watch e Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) - do Caso n' 11.289, que se refere ao célebre Caso José Pereira. RELATÓRIO W 95/0., C A ~Q 11 2g9 ~QI,,nç Ã Q A MI~TQ~ A JQ~É PEREIR A IlI< A ~Ib 24 <l. QQtu!lrG <lo

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solução amistosa ficou acertado que "o Estado brasileiro compromete-se a implementar

as ações e as propostas de mudanças legislativas contidas no Plano Nacional para a

Erradicação do Trabalho Escravo". E no Plano Nacional para a Erradicação do

Trabalho Escravo31, de 2003, consta como algumas das ações gerais que devem ser

perseguidas pelo Estado brasileiro:

13 - Criar o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. 14 - Criar um Grupo Executivo de Erradicação do Trabalho Escravo, como órgão operacional vinculado ao CONATRAE, para garantir uma ação conjunta e articulada nas operações de fiscalização entre as Equipes Móveis, MPT, Justiça do Trabalho, MPF, Justiça Federal, MF/SRF, MMA/IBAMA e MPS/JNSS, e nas demais ações que visem a Erradicação do Trabalho Escravo.

Pois bem, diante da inércia do Requerido em promover a devida

divulgação, o Ministério Público do Trabalho, por meio da sua Coordenadoria Nacional

de Erradicação ao Trabalho Escravo (CONAETE), ajuizou a Ação Civil Pública

0001704-55.2016.5.10.0011 em desfavor da União e do Ministro do Trabalho a fim de

que lhes fosse imposta judicialmente a divulgação da lista suja do trabalho escravo

(ANEXO 62).

Em decisão liminar (ANEXO 67), o Juiz da 110 Vara do

Trabalho de Brasília determinou a publicação da citada lista, cujo trecho a seguir

merece ser transcrito, a fim de elucidar a real magnitude desse instrumento

administrativo como política de efetivação de programa constitucional:

"( ... ) Também tenho por evidente o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), uma vez que a omissão na publicacão desse Cadastro acaba Dor esvaziar. dia a dia, a Política de Estado de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil. Recorde~se que há mais de uma década esse Cadastro vem se destacando entre as medidas relevantes no enfrentamento do tema, em perfeito alinhamento aos princípios constitucionais da publicidade e da transparência. Trata-se, a toda evidência, de Política Pública permanente, que independe de cores ideológicas ou partidárias momentâneas. Não se deve perder de vista a obrigação assumida pela República Federativa do Brasil perante a comunidade internacional, ao ratificar diversas nonnas internacionais voltadas à erradicação do trabalho análogo ao de escravo e à promoção do trabalho decente, a exemplo das Convenções n 29 e 105 da Organização

2003. Disponível em: https://cidh.oas.org/annualrep/2003port/BrasiI.11289.htm. Acesso em: nov 2017.

31 Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/documentos/plano nacional.pdf. Acesso em: nov 2017.

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Internacional do Trabalho - OIT, da Declaração Universal de Direitos do Homem, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos. Sociais e Culturais e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A abolição definitiva do trabalho escravo faz parte, há anos, de uma agenda permanente mundial fundada em norma imperativa do Direito Internacional, de caráter cagente Uus cagens). Assim, o retrocesso do Brasil nesse tema, para além do grave problema social interno, pode ensejar cansequências outras no âmbito externo e perante as Cortes Internacionais, notadamente no delicado momento atual ( ... )" (ACP 0001704-55.2016.5.10.0011, Juiz Rubens Curado Silveira, 11' Vara do Trabalho de Brasília, Data de publicação: 19/12/2016, com grifo nosso)

Após concessão da liminar, a União manejou, perante o Tribunal

Regional do Trabalho da 10' Região, a SLAT 97-06.2017.5.10.0000, requerendo a

suspensão da tutela provisória concedida na ação civil pública, o que restou indeferido

nos termos da decisão proferida pelo Presidente do referido Tribunal. Em seguida, a

União requereu o mesmo pedido perante o E. Tribunal Superior do Trabalho (TST­

SLAT-3051-04.2017.5.00.0000), o qual foi deferido consoante entendimento do

Presidente daquela Corte.

Diante disso, o Ministério Público do Trabalho impetrou o

Mandado de Segurança (TST-MS-3351-63.2017.5.00.000) em face da decisão do Exmo.

Sr. Ministro Presidente do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, na qual o Ministro

Relator deferiu, parcialmente, a liminar requerida pelo Ministério Público do Trabalho,

tornando sem efeito a decisão que suspendia a publicação da lista.

Por fim, a sentença de primeiro grau tornou definitiva a liminar

concedida para condenar a União e o Ministro de Estado do Trabalho a publicar o

cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições auálogas a

de escravidão (ANEXO 63).

Assim, apenas no final de março de 2017 - após quase 1 (um)

ano de injustificada omissão e, mesmo assim, somente por força de decisão judicial - o

Ministério do Trabalho publicou o cadastro de empregadores envolvidos com a

submissão de pessoas a condições análogas às de escravo.

No entanto, verificou-se mais uma manobra, dessa vez para

interferir no conteúdo da lista. No mesmo dia (23.3.2017), o cadastro inicialmente

divulgado, com 85 empregadores, foi retirado do site do Ministério do Trabalho e

substituído, cerca de duas horas depois, por outra lista, com apenas 68 nomes32• Ou seja,

32 Conforme matéria publicada pelo Valor Econômico. Disponível em: http://www2.senado.leg.brlbdsflbitstreamlhandle/idl532553/noticia.html?sequence=l. Acesso em: nov 2017. ANEXO n" 12. O fato também foi publicado pela ONG Repórter Brasil. Disponível em: Atkrrllr@QgFt@J!bra8il9fflbrQ:Q17'QJ'gQl7@FRQ 9Gulta RQR=I€'8 gye QQ9€!ri3:m e6tar I-la lista suja 99

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houve clara ingerência para que fossem ocultados 17 nomes de empregadores que

adotaram a nefasta prática do trabalho escravo.

Instaurado o procedimento preparatório na

1.16.000.000980/2017-8133 no âmbito do Ministério Público Federal para apurar o

ocorrido, foi expedido ofício34 ao Chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do

Trabalho Escravo - DETRAE - para que prestasse esclarecimentos.

A resposta35 encaminhada pela DETRAE é esclarecedora no

sentido de que a substituição de uma lista pela outra, com a sonegação injustificada de

17 nomes, foi ato praticado sem respaldo técnico. Vejamos.

A decisão judicial que determinava a publicação do cadastro36

era clara no sentido de que deveria ser publicado, pelo Ministro de Estado do Trabalho,

o cadastro de empregadores "com a inclusão de todos os administrados que detenham

contra si decisão administrativa final de procedência de auto de infração capitulado

no art. 444, da CLT".

Na resposta, que é assinada pela DETRAE, pelo Coordenador­

Geral de Fiscalização do Trabalho e pelo titular da Secretaria de Inspeção do Trabalho

(SIT), foi confirmado que "todos os 17 (dezessete) empregadores excluídos possuíam

auto de infração capitulado no art. 444, da CLT".

A DETRAE esclareceu que havia duas listas porque uma (com

68 nomes) era referente a dezembro de 2016 e outra foi atualizada em março de 2017

(com a inclusão de 17 novos nomes, totalizando 85 nomes). In verbis:

"d) Tão logo essa Divisão fora intimada da decisão liminar proferida na ACP 0001704-55.2016.5.10.0011 procedeu-se à confecção dos despachos de inclusão no Cadastro das empresas que se enquadravam na modulação da decisão judicial vigente. Para tanto, partiu-se do banco de dados disponível em 28/12/2016 porque, em sendo o que estava disponível, era aquele que garantiria o imediato atendimento ao comando judicial. Porém, já em dezembro, essa área técnica havia iniciado o processo de revisão e atualização de seu acervo, que só foi finalizado em meados de março de 2017. Ressalte·se que a última pesquisa de atualização anterior bavia se encerrado em agosto de 2016, sendo, portanto, esse retrato o que estava

__ ...,-".-__ --:--,-___ disponível em dezembro. No dia 15/03/2017. às 14:37h. trabalho-escrav%~~ Acesso em: nov 2017. ANEXO W 13.

33 Procedimento preparatório instaurado no âmbito da Procuradoria da República no Distrito Federal (PRlDF·MPF) em 31 de março de 2017 para apurar irregularidades a exclusão de 17 (dezessete) nomes da lista suja do trabalho escravo.

34 Ofício n' 3332/2017-AA PRDFIMPF, de 17.5.2017, ANEXO N' 14, 35 Ofício n' 167/2017/GAB/SIT/MTb, de 13.6,2017. ANEXO N' 15. 36 Decisão proferida em dezembro de 2016 pelo juiz da 11 a Vara do Trabalho em Brasília no bojo da

ACP na 0001704-55,201.6,5.10.0011, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho,

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comunicamos então via e-mai! à Sra. Secretária de Inspeção do Trabalho informando que a atualização e revisão geral do Cadastro havia sido concluída no final daquela manhã. ensejando assim a edicão do Cadastro com incorporacão dos novos 17 empregadores, em relação à lista encaminhada na parte da manhã constando 68 nomes que refletia o banço de dados disponível da atualização anterior (agosto de 2016), conforme comprovam os e-mai! anexados de fls. 16/18".

De fato, com a resposta37, a DETRAE encaminhou cópia de e­

mai! com data de 15.3.2017, 14:37, no qual o então chefe da DETRAE André Esposito

Roston remete arquivo com o cadastro atualizado dos empregadores que, mais

recentemente, tiveram decisão administrativa final no auto de infração referente ao art.

444 da CLT. Há, ainda, cópia de e-mai! expedido pela Secretária de Inspeção do

Trabalho Maria Teresa Pacheco Jensen, minutos após (e-mai! de 15.3.2017 às 14:49),ao

Requerido, Ministro de Estado do Trabalho RONALDO NOGUEIRA, e ao Consultor

Jurídico do órgão, Ricardo Santos Si!va Leite, também com arquivo referente ao

cadastro atualizado de 15.3.2017.

Ficou claro, portanto, que tanto a DETRAE corno a SIT

encaminharam ao Ministro de Estado do Trabalho a lista atualizada dos empregadores,

com 85 nomes. Tanto é assim que, no primeiro momento, essa lista é que foi divulgada

na internet. Duas horas depois, sem justificativa plausível e sem qualquer orientação da

DETRAE e da SIT, a lista foi substituída pelo cadastro desatualizado, com a omissão

proposital de 17 empregadores.

Com efeito, a resposta encaminhada ao parquet Federal deixou

claro que não houve consulta à SIT ou à DETRAE para publicação da lista mais antiga,

com apenas 68 nomes38•

A indevida ingerência exercida pelo Requerido sobre a

publicação e o conteúdo do cadastro ficou evidente, também, a partir das informações

contidas na Nota Informativa n° 43/2017/DETRAE/SIT, de 23.8.2017. Embora

constasse na Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nO 4, de 11.05.201639, vigente à

37 Cópias dos e-mails encaminhadas como anexo do Ofício n° 167/2017/GAB/SlTlMTh,de 13.6.2017. ANEXaW 15.

38 Ao item do ofício requisitório do Ministério Público Federal "e) esclareça se Q Secretaria de Inspeção do Trabalho foi consultada tecnicamente antes da retirada dos 17 (dezessete) nomes acima relacionados do Cadastro de Empregadores divulgado no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho" foi respondido que "e) Não. Tomamos ciência da atualização da lista para 68 nomes ao consultarmos o site de publicação do 'Cadastro de Empregadores"'.

39 Portaria lntenninisterial MTPS/MMIRDH n° 4, publicada no D.a.D. nO 91, de 13.5.2016, seção 1, p. 178 e 179. Disponível em: http://www.imprensanacional.gov.br/. Acesso em: nov 2017. ANEXO nO 09.

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época, norma expressa determinando que "a organização e divulgação do Cadastro

ficará a cargo da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo

(DETRAE)" (artigo 2°, § 3° da portaria), foi informado pela DETRAE/SIT que40:

"31. Porém, atualmente, embora a DETRAE realize os trabalhos de organização do Cadastro de Empregadores (verificação de enquadramento dos administrados nas regras de inclusão no Cadastro, atualização do banco de dados e confecção dos despachos de inclusão), a providência de publicação do instrumento está, no fluxo atual, completamente fora da governabilidade e controle da Divisão, pois é realizada pela ASCOMlMTb, a partir de encaminhados realizados pelo Gabinete do Ministro, ao qual aquela área é subordinada diretamente."

Desde que assumiu o comando da pasta, o Requerido atuou em

total descumprimento ao seu dever jurídico imposto pela Portaria Interministerial

MTIMMIRDH nO 4/201641• A portaria prevê expressamente a obrigatoriedade de

divulgação da lista atualizada em período não superior a 6 (seis) meses:

Art. l' Estabelecer, no âmbito do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, bem como dispor sobre as regras que lhes são aplicáveis. Art. 2° O Cadastro de Empregadores será divulgado no sítio eletrônico oficial do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos à condições análogas à de escravo. [ ... ] § 5° A atualização da relação poderá ocorrer a qualquer tempo, não podendo tal providência. entretanto. ocorrer em periodicidade superior a 6 (seis) meses.

Cumpre esclarecer que os termos dessa portaria foram

avalizados pelo Supremo Tribunal Federal, imediatamente após sua publicação.

Diante das requisições do Ministério Público Federal para apurar

o ocorrido, as respostas encaminhadas pela DETRAE e SIT foram categóricas em

40 Nota Informativa n' 43/2017/DETRAE/SIT, de 23.8.2017, encaminhada ao MPF por meio do Ofício n° 249/20l7/GAB/SITIMTB, de 28.8.2017, em resposta ao Ofício n° 5226/2017-AA, de 1'.8.2017. ANEXON' 16.

41 Portaria Interministerial MTPSIMMIRDH n' 4, de 11.5.2016, publicada no D.O.V. o' 91, de 13.5.2016, seção 1, p. 178 e 179. Disponível em: http://www.imprensanacional.gov.brl. Acesso em: oov 2017. ANEXO n° 09.

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confirmar que não foram consultadas a respeito da indevida substituição, contrariando

as normas em vigor (Portaria Interministerial MT/MMIRDH nO 4/2016):

Art. 2° O Cadastro de Empregadores será divulgado no sítio eletrônico oficial do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos à condições análogas à de escravo. r .. ] § 3° A organização e divulgação do Cadastro ficará a cargo da Divisão de Fiscalizacão para Erradicacào do Trabalho Escravo IDETRAE1, inserida no âmbito da Secretaria de Inspecão do Trabalho (SITl, do Ministério do Trabalho e Previdência Social.

Também foi informado pela DETRAE/SIT, conforme já

detalhado, que ao contrário do que dispõe o § 3° acima transcrito, a praxe adotada no

âmbito do Ministério do Trabalho era de centralizar a publicação do cadastro na

ASCOM e no Gabinete do Ministro.

Ora, impossível não constatar que a transgressão ao referido

normativo tem como consequência - almejada pelo Ministro de Estado do Trabalho -

viabilizar um controle direto sobre o conteúdo da lista suja, permitindo interferências

decorrentes de um crivo estritamente político, conforme critérios particulares, em

evidente desvio de finalidade.

Depois disso, em setembro e outubro do corrente ano, conforme

já salientado, o Ministro de Estado do Trabalho voltou a se omitir. Novamente, diante da

negativa injustificada de dar publicidade à lista, o MPT precisou recorrer ao judiciári04'.

Já com relação à Portaria 1.129/2017 do Ministério do Trabalho,

de 13 de outubro de 2017 - que será analisada em detalhes mais a frente -, verifica-se

que foram alterados dispositivos da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n° 4, de

11 de maio de 2016, para aniquilar de forma brutal a lista suja, cuja organização - feita

até então de forma rigorosamente técnica pela DETRAE - passa, agora, a depender de

determinação expressa do Ministro do Trabalho. Essa recente portaria foi o último

ataque à lista suja do trabalho escravo e, em geral, à política pública de combate ao

trabalho escravo, conforme será visto.

Mas já cabe adiantar que a publicação da lista suja não pode ser

fruto de escolha do agente político, de forma arbitrária, a seu gosto, conforme lhe

convir.

42 Notícia no site do MPT. Disponível em: htto://portal.mpt.mp.br/wps/portallportal mptlmptlsala­imprensalmpt-noticias/e7ea5bcb-7b60-4b17-b696-8be6405e7775. Acesso em: nov 2017.

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A publicação do Cadastro de Empregadores que tenham

submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, como dever constitucional da

administração pública de dar publicidade aos seus atos (artigo 37 da Constituição

Federal), deve-se ater a critérios objetivos e técnicos, sob responsabilidade de agentes

públicos dotados de imparcialidade. Esses, sim, capazes de trazer a segurança jurídica

almejada por determinados setores privados.

Corroborando com o exposto, transcreve-se trecho da decisão

exarada pelo Exmo. Desembargador Presidente do E. Tribunal Regional do Trabalho da

10' Região nos autos do mencionado pedido de suspensão de liminar:

"( ... ) De fato. Não se ignora a potencialidade nociva que a divulgação de dados errôneos, eventualmente existentes no cadastro, possam gerar ao ente público e aos administrados, pois a associação de empresas ao trabalho em condições análogas ao de escravo é situação que provoca efeitos negativos para a imagem dos envolvidos que, comumente, não são minorados ou esquecidos pela sociedade no decurso do tempo. Todavia, não há como conceber que a inclusão de nome de empresas no cadastro se dê de forma inconsequente. Fosse assim, o próprio agente público estaria reconhecendo gravíssimas falhas em sua mais legítima atuação de modo a tornar duvidoso o resultado das ações engendradas para a erradicação do trabalho escravo. As atuações do órgão fiscalizador em relação à apuração do trabalho escravo são rígidas e us aulu.'S ue infração somente são expedidos quando o processo administrativo de cada empregador foi analisado em todas as instâncias e possui decisão irrecorrível (art. 2', § 1', do normativo). Ou seja, a inclusão de um nome no cadastro constitui a etapa final de todo um procedimento fixado por normas específicas editadas, repita-se, pelo próprio Ministério do Trabalho, órgão da Administração Federal responsável e estruturado para apurar as denúncias de irregularidades e fiscalizar o trabalho em todo o território nacional. Ademais, destaque-se que, no presente momento, os termos da Portaria Interministerial n.' 4/2016 estão vigentes. Como bem consignado pelo Juízo, a criação de a quo grupo de trabalho destinado a aperfeiçoar sua redação 'não suspende, expressa ou implicitamente, a vigência da Portaria atual' (id 4ba2d98, pág. 6), até porque houve tempo suficiente - desde a sua edição - para que as citadas ações de aperfeiçoamento tivessem sido concretizadas. A União também não aponta, especificamente, quais são os termos da Portaria n.o 4/2016 que seriam falhos, nem quais são os possíveis erros que ensejariam a inscrição equivocada de empresas no cadastro, tendo em vista que, destaque-se uma vez mais, a inclusão do empregador ocorre apenas com a decisão final desfavorável no processo administrativo. Como já dito, embora a sociedade brasileira já esteja consciente da existência da situação aviltante e da necessidade de combate ao labor análogo ao escravo no país, pouco se tem avançado para se concretizar as medidas que, efetivamente, mostrem-se eficazes na coibição da conduta irregular. A autorização da criação de cadastro dos empregadores ligados ao trabalho escravo, por si, não é sufici.ente para intimidar os praticantes da irregularidade, sendo essencial a divulgação dos dados, uma vez que ao Estado cabe, precipuamente, operacionalizar e concretizar as medidas repressivas destinadas à

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erradicação do trabalho irregular. Não há, pois, como reconhecer que a divulgação do documento poderá ocasionar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (Lei n." 8.437/1992, art. 4"), inclusive para legitimar a própria ação do Ministério do Trabalho que enuncia ser um dos seus pilares de atuação a proteção do trabalhador, tendo em vista que a sociedade brasileira possui a necessidade premente de que o Estado adote medidas realmente eficazes que coíbam a exploração desse tipo de mão de obra. Impedir a divulgação do cadastro, como registrado na decisão id bf87826, 'acaba por esvaziar, dia a dia, a Política de Estado de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil' (pág.19)". (SLAT 0000097-06.2017.5.10.000, Desembargador Presidente Pedro Luís Vicentin Foltran, Tribunal Regional do Trabalho da 10' Região, Data de publicação: 06/03/2017, com grifo nosso)

Ademais, convém repisar que, justamente para garantir a

segurança jurídica, a Portaria Interministerial n° 4/2016 aperfeiçoou as normas

anteriores, tendo sido referendada pela decisão proferida pela Ministra Cármen Lúcia, já

mencionada, nos autos da ADI 5209/DF. As alterações das regras relativas ao Cadastro

de Empregadores constantes da Portaria Interministerial nO 4/2016, portanto, foram

realizadas justamente para resolver os questionamentos feitos no bojo da referida ADI,

quando então ficou consignado que as supostas inconstitucionalidades foram sanadas.

Não há se falar, pois, em aprimoramento da atuação do Estado

brasileiro, muito menos em segurança jurídica, quando o conceito de trabalho escravo,

os efeitos da lista suja e a fiscalização do trabalho são restringidos. O que se vê,

claramente, é um grave retrocesso social.

Além disso, tornar discricionária a publicidade do Cadastro de

Empregadores previsto na Portaria Interministerial nO 4/2016 é uma violação ao direito

fundamental de acesso à informação catalogado no inciso XXXII do artigo 5° da

Constituição Federal de 1988, regulamentado pela Lei 12.527, de 18 de novembro de

2011, que deu concretude e materialização jurídica ao direito garantido a todos os

cidadãos de acesso amplo a informações e documentos produzidos pela Administração

Pública.

Aliás, é clara a afronta, por parte da conduta omissiva reiterada

do Ministro de Estado do Trabalho, à Lei de Acesso à Informação, que assim dispõe:

Art. 8" É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. [. .. ] § 2° Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos

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de que dispuserem, sendo obrigatória a divnlgacão em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).

A divulgação da lista de pessoas jurídicas e físicas envolvidas na

prática de trabalho escravo, além de atender ao direito fundamental da sociedade de

acesso à informação, serve de parâmetro para o desenvolvimento de políticas de

responsabilidade social, considerando a existência de riscos decorrentes da celebração

de relações comerciais com tais infratores.

Cabe frisar, por fim, que a Lei n° 8.429/1992 prevê

expressamente como atos de improbidade administrativa "retardar ou deixar de

praticar, indevidamente, ato de ofício" e "negar publicidade aos atos oficiais" (artigo

11, incisos II e N).

3 - Portaria n° 1.129, de 13 de outubro de 2017, do Ministério do Trabalho

o último ato ilegal e atentatório à política pública de erradicação

do trabalho em condição similar à escravidão do Requerido foi a edição, pelo Ministro

de Estado do Trabalho, da Portaria n' 1.129, de 13 de outubro de 201743, que dispõe

sobre "os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de

escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser

resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho".

Trata-se da mais recente medida que vem integrar um conjunto

de atos coordenados objetivando desestabilizar a política pública nacional de combate

ao trabalbo escravo.

As disposições contidas na referida Portaria têm como propósito

e como efeito prático imediato esvaziar a fiscalização dos Auditores-Fiscais quanto à

ocorrência de trabalho escravo e dificultar - ou quase inviabilizar - a autuação de

infrações decorrentes da submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravo.

Com isso, a Portaria também nega benefícios de seguro­

desemprego a inúmeros trabalhadores resgatados em situações degradantes e torna

remota a possibilidade de inclusão de empregadores no Cadastro de Empregadores que

tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo (lista suja do trabalho

escravo).

43 Portaria n" 1.129, de 13 de outubro de 2017. Publicada no Diário Oficial da União, n" 198, de 1. 1Q 2Q17, 'Q~'" 1, P g2/g;J o NEXO RO :10

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Mesmo uma análise sem profundidade - já que o objeto da

presente ação não repousa sobre o teor da portaria - revela os fins pretendidos e as

consequências que poderão ser acarretadas com a implantação e observância da citada

norma infralegal. Vejamos.

A portaria, ao fixar conceitos distintos para trabalho forçado,

jornada exaustiva, condição degradante e condição análoga à de escravo (itens I a N

do artigo 1°), criando quatro diferentes categorias, determinou (art. 2°) que tal

classificação deve ser observada para fins de inclusão de nome de empregadores no

Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à

de escravo, de modo que somente haverá inclusão no cadastro (conforme artigo 4°)

quando ocorrer uma das hipóteses elencadas nas alíneas "a" a "d" do inciso IV; do artigo

1°, referentes à categoria "condição análoga à de escravo"44. Logo, as demais hipóteses

que, à luz do ordenamento jurídico e da jurisprudência, denotam sujeição do trabalhador

à condição similar à de escravo, não mais ensejarão a inclusão do nome do empregador

autuado na assim chamada lista suja do trabalho escravo.

Isso é, aqueles empregadores que submeterem pessoas ao

trabalho forçado, à jornada exaustiva ou a condições degradantes, aviltando os

trabalhadores, parecerão idôneos aos olhos da sociedade, pois não constarão na lista suja

divulgada pelo Ministério do Trabalho.

Para exemplificar, de acordo com os termos da Portaria, os

trabalhadores resgatados em AItamira do Pará, em julho do presente ano, embora

44 Art. 10 Para fins de concessão de beneficio de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, nos termos da Portaria MTE n' 1.153, de 13 de outubro de 2003, em decorrência de fiscalização do Ministério do Trabalho, bem como para inclusão do nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela PI MTPS/MMIRDH n' 4, de 11.05.2016, considerar-se-á: I - trabalho forçado: aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade; II - jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria; In - condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade; N - condição análoga à de escravo: a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária; b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico; c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;

d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local dolMb"/".

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"alojados em barracos de lona, tomando água de um riacho e sem instalações

sanitárias", não seriam considerados, para efeito dessa norma infralegal,

trabalhadores em condição análoga à de escravo (art. 1', IV, da Portaria) e nem

mesmo em condição degradante, já que para essa última hipótese (inciso III) a

portaria prevê que deve haver o "cerceamento da liberdade de ir e vir". Outrossim, os

trabalhadores resgatados na zona rural de Terra Nova do Norte (MT), embora

submetidos a uma jornada de trabalho de 14 horas por dia, não seriam

considerados, à luz da citada portaria, submetidos a jornada exaustiva, caso não

constada a "privação do direito de ir e vir" mencionada no art. 1', inciso 1I45•

Portanto, a Portaria do Ministério do Trabalho veio para

estreitar, indevidamente, os contornos legais acerca do trabalho em condição análoga à

de escravo.

Além disso, a Portaria n' 1.129/2017 inovou com diversas

disposições que estão claramente voltadas a dificultar as autuações das infrações pelo

Auditor-Fiscal do Trabalho. O artigo 3', § 1', IV, estabelece que, para ser lavrado o auto

de infração, deve haver descrição detalhada que aponte obrigatoriamente "a) existência

de segurança armada diversa da proteção ao imóvel; b) impedimento de deslocamento

do trabalhador; c) servidão por dívida; d) existência de trabalho forçado e involuntário

pelo trabalhador". A necessidade de descrever tais itens é apenas outra maneira de

restringir o conceito atual de trabalho em condição análoga à de escravo, pois cria

requisitos que até então não são reconhecidos pela legislação ordinária ou pela

jurisprudência sobre o tema.

Também segundo a Portaria, para que o auto de infração seja

recebido pelo órgão julgador, o Auditor-Fiscal deverá, ainda, juntar boletim de

ocorrência lavrado pela autoridade policial que participou da fiscalização - embora não

haja nenhuma determinação legal nesse sentido - e comprovação de recebimento do

relatório de fiscalização pelo empregador autuado (art. 40, § 30, inc. II e III). Esses e

outros requisitos representam um subterfúgio para embaraçar a atividade dos Auditores­

Fiscais do Trabalho, conforme se demonstrará adiante.

Além disso, com a nova Portaria, a inscrição do empregador na

lista suja passa a ficar a critério de determinação do Ministro de Estado do Trabalho

(art. 30, § 30). Ficou estabelecido, ainda, que "a organização do Cadastra ficará a cargo 45 A notícia referente à operação que resgatou trabalhadores em Altamira (PA) e em Terra Nova do

Norte (MT) está disponível em: httD:I/agenciabrasiLebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-08/opcracno-conjunta-rcsgata-36-trabalhadorcs-crn-condicocs-analogas. Acesso em: nov 2017. ANEXOW21.

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da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), cuja divulgação será realizada por

determinação expressa do Ministro do Trabalho" (artigo 4', § I'). Isto é, a inscrição do

empregador autuado e a divulgação do cadastro deixam de estar adstritas aos critérios

técnicos das áreas competentes do Ministério do Trabalho e ficam submetidas ao

crivo político do titular da pasta.

Não fosse o bastante, a Portaria previu, no parágrafo único46 do

artigo 5°, mecanismo que permite retirar desse cadastro aqueles empregadores que

tenham sido autuados antes da publicação da portaria - ainda que em decisão

irrecorrível administrativamente -, por meio de uma nova "análise de adequação"

conforme os termos - ilegais - estabelecidos pela própria portaria. Trata-se de

verdadeira anistia aos empregadores anteriormente autuados pela odiosa prática do

trabalho escravo.

A Portaria impõs retrocessos também com relação à

possibilidade de celebração pela União de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou

de acordo judicial com o administrado sujeito a constar na lista suja. Ao disciplinar

novamente sobre o assunto e revogar diversos dispositivos que disciplinavam o tema

anteriormente47 (o artigo 8' revogou os artigos 2', § 5', 5', 6', 7', 8', 9', 10, 11 e 12 da PI

MTPSIMMIRDH n' 4, de 11.05.2016), o Ministério do Trabalho, por exemplo, excluiu

a necessidade de a União dar ciência ao Ministério Público do Trabalho dos TACs

firmados, excluiu a previsão acerca dos compromissos (medidas reparatórias,

preventivas ou promocionais) que deveriam ser assumidos pelo empregador, revogou a

determinação de que o TAC fosse disponibilizado na internet para consulta pública e

permitiu que empregadores, mesmo reincidentes, possam firmar novos TACs.

Por fim, é de estarrecer que as disposições da portaria deverão

ser consideradas para fins de concessão do benefício de seguro-desemprego. Ou seja,

mais do que simplesmente proteger o empregador que pratica alguma forma

contemporânea de trabalho escravo, a Portaria ainda pretende negar às vítimas a

46 Art. 5° A atualização do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalbadores à condição análoga à de escravo será publicada no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho duas vezes ao ano, no último dia útil dos meses de junho e novembro. Parágrafo único. As decisões administrativas irrecorríveis de procedência do auto de infração. ou conjunto de autos de infração, anteriores à data de publicação desta Portaria valerão para o Cadastro após análise de adequação da hipótese aos conceitos ora estabelecidos.

47 O artigo 6' da Portaria n' 1.129, de 13 de outubro de 2017, disciplina sobre a celebração de TAC ou acordo judicial, enquanto o artigo 8° da mesma portaria revoga os artigos 5° ao 12 da PI MTPS/MM1RDH n' 4, de 11.5.2016, que disciplinavam de forma mais pormenorizada o tema. A Portaria lnterministerial MTPSIMMIRDH n' 4 foi publicada no D.D.U. n' 91, de 13.5.2016, seção 1, p. 178 e 179. Disponível em: http://www.imorensanacional.gov.br/.Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 09.

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assistência financeira necessária para que possam deixar a situação de risco, a despeito

do que dispõe a Lei nO 7.998/1990.

O episódio teve grande repercussão na imprensa nacional48,

além de ter gerado perplexidade nos especialistas da área. A Secretária Nacional de

Direitos Humanos e Presidente da CONATRAE divulgou nota contra os termos da

portaria, ressaltando que a norma "compromete a execução da política de combate ao

trabalho escravo"4'. A Procuradora-Geral da Repúblicaso e a Ordem dos Advogados do

Brasil" também se manifestaram em sentido semelhante.

Até mesmo a Organização Internacional do Trabalho - OIT -

manifestou-sé2 acerca da portaria ao afirmar, por meio do coordenador do Programa de

Combate ao Trabalho, que o Brasil "deixa de ser referência no combate à escravidão

que estava sendo na comunidade internacional". A entidade também divulgou nota53

sobre a portaria em que vislumbra o "enfraquecimento e limitação da efetiva atuação

da fiscalização do trabalho, com o consequente aumento da desproteção e

vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fragilizada".

Segundo o que já se apresentou em detalhes nesta inicial, os

conceitos trazidos pela portaria estão vinculados à noção de cerceamento da liberdade

de ir e vir, de não consentimento, de privação do direito de locomoção ou de retenção

do trabalhador por meio de segurança armada, o que se mostra evidente retrocesso

conceitual sobre o terna.

Em verdade, a compreensão do trabalho escravo pelos termos da

recente portaria faz concluir que o Ministério do Trabalho pretende combater o 48 O assunto foi destaque em diversos telejornais e nas rádios. Os órgãos da imprensa também

divulgaram a notícia pela internet. Como exemplo, seguem os seguintes sites: 1.h ttps: 11 eco no mia. uo I. co m. b r/noticias/redacao/2 O 17/10/161 entidades-de-co mbate-ao-trabalho­escravo-descrevem-portaria-como-retrocesso.htm; 2. http://agenciabrasil.ebc.co m. briDa li tica/no ticia/20 17-1 O/ministerio-altera-regras-para-divulgacao-de­lista -suj a-do-trabalho-escravo; 3. http://veja.abril. co m. br I eco no mia/DO rtaria-do-governo-dificulta­corrmrovacao-de-trabalho-escravo/; 4. httDs://m.oglobo.globo.comleconornia/governo-cria-regras-que-dificultam-combate-ao-trabalho-escravo-21950654; 5. http://www.valor.com.brlh rasi1J515 7 5121 governo-dificulta -fiscalizacao-de-trabalho-escravo ; 6. http://hr.reuters.com/article/topNews/idBRKBN1CL20K-OBRTP? feedType-RSS&feedName-topNews. Acesso em: nov 2017. ANEXOS n" 22 a 27.

49 Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/5159220/secretaria-de-temer-diz-que-mudanca­afeta-combate-ao-trabalho-escravo. Acesso em: nov 2017. ANEXO nO 28.

50 DispoIÚvel em: htto://www.mpf.mp.br/oer/notlCIaS-OQr/oortana-que-altera-conceito-de-trabalho-escravo-implica-retrocesso-na-orotecao-da-dignidade-hurnana-afinna-pgr. Acesso em: nov 2017. ANEXOn" 29.

51 Disponível em: http://www.oab.org.br/noticia/55737/0ab-manifesta-contrariedade-com-mudancas-na­fiscalizacao-do-trabalho-escravo. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 30.

52 Disponível em: httos://gl.globo.comleconomialnoticialoit-expressa-nreocupacao-Dor-decreto-sobre­trabalho-escravo-no-brasil.ghtml. Acesso em: nov 2017. ANEXO nO 31.

53 Disponível em: bttp://www.ilo.org/brasilialnoticiasIWCMS 584323!lang--pt/index.htrn. Acesso em:

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escravagismo dos séculos XVIII e XIX, das sessões públicas de açoitamento de

escravos rebeldes, do enclausuramento noturno nas senzalas, das correntes que atavam

uns escravos aos outros, do ferro em brasa usado para marcar a pele dos fugitivos. Essas

práticas, embora não se possa duvidar que ainda sejam adotadas Brasil afora, não são

necessárias para reconhecimento do trabalho escravo, seja pela legislação nacional,

seja pelas regras de Direito Internacional.

Com efeito, o Requerido parece não se dar conta que está

retornando aos tempos do trabalho escravo pré-republicano, quando "a força de

coerção era a própria lei que autorizava a escravidão". Parece ignorar que, hoje, a

vítima de quaisquer formas contemporâneas de trabalho escravo "cede sua força de

trabalho sem maiores possibilidades de resistência, antes ou durante o aprisionamento,

antes pela necessidade de qualquer espécie de trabalho, e durante devido à dívida

fraudulenta e às violências física e psicológica"54.

Desde 2003, com as alterações da Lei n° 10.803/2003, o artigo

149 do Código Penal55 - que passou a ser referência legal em matéria de trabalho em

condições análogas à de escravo - passou a apresentar conceito mais abrangente para

permitir adequada repressão ao trabalho escravo. A nova redação da norma é

reconhecida pelos organismos internacionais56 como exemplo internacional na luta pelo

fim do trabalho em condição análoga à de escravo.

Aliás, é preciso esclarecer que a nova redação não surgiu de

súbita misericórdia do legislador, mas sim em virtude das demandas de organismos

internacionais" e da necessidade que se fazia cada vez mais premente de aperfeiçoar os 54 NEVES, Débora Maria Ribeiro. Trabalho escravo e aliciamento. - São Paulo: LTr, 2012. p. 13. 55 Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados

ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 10 Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 20 A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I - contra criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

56 O Sistema ONU no Brasil divulgou nota em que manifesta profunda preocupação com a Portaria n° 1.129 e lembra que "A ONU reconhece o alinhamento do conceito brasileiro de trabalho escravo, definido no artigo 149 do Código Penal, às normas internacionais, conforme já mencionado em nota de posicionamento da Equipe da ONU no Brasil em relação ao assunto, publicada em 2016". Disponível em: https://nacoesunidas.org/sistema-onu-no-brasil-divulga-nota-sobre-portaria-do­trabalho-escravo/. Acesso em: nov 2017. ANEXO N° 55.

57 "Desde 1988, a Comissão de Peritos da OIT insistiu para que o Governo Brasileiro modificasse o artigo 149 do Código Penal, que regula a questão, de modo a detalhar os elementos constitutivos do Gri~B' dB lrg/nllhg S&Gn~v~, psr1+lltil::uJQ, gssi~, g fo'Llr.lifigg l?f«tillQ dgs QLtlQr:sS dsssa prátiGQ" [ ]" '\,ç

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instrumentos legais para permitir a repressão ao trabalho escravo. Impende ressaltar que

a alteração do artigo 149 do Código Penal foi objeto de compromisso assumido pelo

Estado brasileiro perante à CIDH na homologação do acordo amistoso referente ao

célebre Caso José Pereira".

o referido dispositivo da lei penal, portanto, já permitia, desde a

nova redação introduzida em 2003, reconhecer o trabalho em condição semelhante à de

escravo pelas mais variadas formas (submissão a trabalhos forçados; submissão a

jornada exaustiva; sujeição do trabalhador a condições degradantes; restrição da

locomoção por dívida; cerceamento do uso de meio de transporte; uso de vigilância

ostensiva; e retenção de documentos).

O Requerido pretendeu, com a Portaria, dar sentido diverso e

limitante ao artigo 149 do Código Penal, contrariando frontalmente o entendimento já

sedimentado pelo Superior Tribunal de JustiçaS9 e pelo Supremo Tribunal Federal, que

reconhecem no dispositivo múltiplas condutas - sem a necessidade de restrição da

liberdade - equiparadas à redução de pessoa à condição análoga à de escravo. Em

julgado recente o Supremo Tribunal Federal ratificouGO o entendimento:

"O bem jurídico objeto de tutela pelo art. 149 do Código Penal vai além da liberdade individual, já que a prática da conduta em questão acaba por vilipendiar outros bens juridicos protegidos constitucionalmente como a dignidade da pessoa humana, os

alterações do artigo 149 do CPB são parte da execução do Acordo de Solução Amistosa assinado entre o Estado Brasileiro e a CPT, CEJIL-Brasil e Human Rights Watch. No Acordo, o Estado comprometeu-se Q melhorar a legislação nacional, no sentido de proibir a prática de trabalho escravo no paÍs e, com o objetivo de evitar Q impunidade, defender que a redução análoga à condição de escravo seja julgada como crime". Combatendo o trabalho escravo contemporâneo: o exemplo do Brasill International Labour Office: ILO Office in Brazil. - Brasilia: ILO, 2010, 1 v. (p. 35 e p. 53-54). Disponível em: http://www.oit.org.br/sites/defauIUfiles/topic/forced labour/nub/combatendotecontemporaneo 307.pd f. Acesso em: nov 2017.

58 RELATÓRIO N' 95/03, CASO 11.289. SOLUÇÃO AMISTOSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL 24 de outubro de 1.003. Disponível em: https://cidh.oas.org/annualreD/2003portlBrasil.11289.htm. Acesso em: nov 2017.

59 "Nos termos do consignado no acórdão a quo, o crime de redução a condição análoga à de escravo consuma-se com a prática de uma das condutas descritas no art. 149 do CP, sendo desnecessária a presença concomitante de todos os elementos do tipo para que ele se aperfeiçoe, por se tratar de crime doutrinariamente classificado como de ação múltipla ou plurinuclear". (STJ, HC 239.850IPA, 5' Turma, ReI. Min. GILSON DIPP, DJe 20/8/2012).

60 Em célebre decisão, pouco menos recente, a Egrégia Corte já havia consolidado o seguinte entendimento: "PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal. não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomocão. bastando a submissão da vítima a trabalhos forcados ou a iornada exaustiva ou a condicões degradantes de trabalho. condutas alternativas previstas no tipo penal. A escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos," (STF, Inq n°

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direitos trabalhistas e previdenciários, indistintamente considerados." (STF, RE 459.510/MT, Tribunal Pleno, ReI. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 12104/2016).

Se até mesmo na seara penal, em que incidem os princípios da

ultima ratio e da fragmentariedade, adota-se - com chancela das Cortes Superiores -

conceituação ampla para definição do trabalho em condição análoga à de escravo, a

pretensão do Ministro de Estado do Trabalho de restringir o conceito para fins

administrativos é manifesta incongruência no sistema normativo. Seria mais difícil

alcançar os efeitos repressivos e preventivos no âmbito administrativo do que promover

a persecução criminal. A inovação conceitual, portanto, é totalmente danosa à segurança

jurídica6'.

Aliás, é interessante notar que a opção do legislador de 2003 -

de admitir no Código Penal um conceito abrangente para caracterização do trabalho em

condição análoga à de escravo - foi ratificada em 2016. Isso porque, por meio da Lei n°

13.344/2016, o legislador ordinário inseriu um novo tipo penal - o artigo 149-A, a

respeito do tráfico de pessoas - em que faz referência direta62 ao delito do artigo 149,

sem promover qualquer alteração em seu conteúdo.

Portanto, o entendimento que se tem hoje quanto à erradicação

do trabalho escravo, orientado pela afirmação histórica dos direitos humanos, leva em

conta concepções mais conectadas à realidade contemporânea do mundo e às atuais

relações e condições de trabalho. Busca-se, enfim, proteger a dignidade do trabalhador,

evitar sua objetificação, o que pressupõe o enfrentamento do trabalho escravo sob vários

aspectos - não apenas a restrição física da liberdade -, como as condições precárias de

alojamento, fornecimento insuficiente ou inadequado de alimentação ou água potável,

maus-tratos, violência psicológica, precarização da saúde, aliciamento de trabalhadores

e exploração do trabalhador migrante, retenção de salário como forma de reter o

trabalhador, isolamento geográfico, seIVidão por dívida, entre inúmeros outros aspectos.

Essa visão hodierna sobre a condição análoga à de escravo, que

está em harmonia com a Constituição Federal, foi ignorada pelo Requerido com a

61 A segurança jurídica foi o pretexto descabido utilizado em nota oficial do Ministério do Trabalho para justificar a (injustificável) portaria. Disponível em: hUp:/ /www.secretariageral.gov.br/rro ti das/tr abalho-escr aVQ-no t8-0 ficial-sobre-Dortaria-no-1-129-2017. Acesso em: nov 2017. ANEXO N' 56.

62 Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: [ ... ] II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; [ ... ].

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edição da Portaria nO 1.129, em sinal de completa falta de compromisso com a

erradicação do trabalho escravo.

A citada Portaria não representa afronta apenas ao marco legal

estabelecido pelo artigo 149 do Código Penal. Sem maiores digressões - já que, cabe

repisar, a validade jurídica da Portaria n° 1.129 não é objeto desta causa -, impende

registrar que o teor da portaria afronta as Convenções 29 e 105 da Organização

Internacional do Trabalho.

A Convenção 29 da OIT, promulgada pelo Decreto n°

41. 72111957, estabelece a obrigação de todos os Estados-membros suprimirem "o

emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas no mais curto

prazo possível" (artigo 1°, 1) e dispõe que a expressão "trabalho forçado ou obrigatório"

corresponde a "todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de

qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade" (artigo

2°, 1, da Convenção 29 da OIT, promulgada pelo Decreto n° 41.72111957). Pela

Convenção n° 105 da OIT, promulgada pelo Decreto n° 58.822/1966, o Brasil assumiu o

compromisso de suprimir o trabalho forçado ou obrigatório. Veja-se que a Convenção

n° 105 vale-se da mesma expressão cujo conceito foi estipulado pela Convenção n° 29

da OIT. Portanto, ambos os instrumentos internacionais, ao versarem sobre a

necessidade de suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, empregam conceituação

mais ampla que a definição pretendida pela Portaria n° 1.129.

O Requerido, ao restringir o conceito para limitar a atuação do

Estado na repressão ao trabalho escravo, também ignorou outros instrumentos

internacionais. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966

(promulgado pelo Decreto n° 592/1992) dispõe que:

ARTIGO 8 1. Ninguém poderá ser submetido à escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todos as suas formas. ficam proibidos. 2. Ninguém poderá ser submetido à servidão. 3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios; [ ... ]

A Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de

1956 (Decreto n° 58.563/1966) também adota conceitos amplos com vistas a obter a

abolição completa ou abandono das práticas análogas à escravidão63•

63 A convenção traz, por exemplo, a necessidade de abolir a prática da servidão, que seria "o condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa tBrrg JJ(M:,~JqGE'Rt8 fi Qutnl flE'SSQg fi!' g rfg'+lE'Ger 61' ~gfl Qutrbl PSSSQ6l, GQRg"g c(?R"ll.lRE'rQ'çgg {;lU

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A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San José

da Costa Rica) proíbe a escravidão ou a servidão em todas as suas formas (artigo 6°,

1).

Ainda no plano internacional, merece destaque o fato de que a

nova conceituação pretendida pelo Requerido não guarda nenhuma harmonia com os

termos da recente condenacão do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos

Humanos no Caso Trabalhadores da Fazenda Brasi/64•

Na sentença, a Corte IDH reconheceu que um dos elementos a

ser considerado para o conceito de escravidão é "o exercício de algum dos atributos do

direito de propriedade, isto é, que o escravizador exerça poder ou controle sobre a

pessoa escravizada ao ponto de anular a personalidade da vítima". Ficou consignado

que "a constatação de uma situação de escravidão representa uma restrição

substantiva da personalidade jurídica do ser humano e poderia representar, ademais,

violações aos direitos à integridade pessoal, à liberdade pessoal e à dignidade, entre

outros, dependendo das circunstâncias específicas de cada caso"65. A Corte

Interamericana expressamente decidiu que a exploração da vulnerabilidade da vítima é

um elemento da escravidão, a demonstrar que o conceito do art. 149 do Código Penal

brasileiro não está tão distante assim do conceito internacional de escravidão.

Além da tentativa de fixar conceitos para o trabalho em

condição análoga à de escravo, em completa desarmonia com a legislação ordinária,

com o entendimento das Cortes Superiores e com os instrumentos internacionais sobre

direitos humanos, a Portaria n° 1.129, de 13.10.2017 mostrou-se ilegal por outros

diversos aspectos, a seguir delineados.

Como visto, a Portaria pretendeu amarrar a atuação dos

Auditores-Fiscais do Trabalho, estabelecendo condições para a tramitação dos processos

relativos aos autos de infração lavrados. O artigo 4°, § 3°, previu, por exemplo, a

obrigatoriedade de registro fotográfico, boletim de ocorrência66, comprovação de gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição" (artigo 1°, b), Também apresenta a definição do que seria escravidão: "ê o estado ou Q condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade e "escravo" é o indivíduo em tal estado ou condição" (artigo 7', al.

64 Dada a relevância para o tema da escravidão contemporânea e para compreensão dos atos ímprobos descritos nesta inicial, a sentença da CorteIDH no Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde será aludida com mais detalhes adiante.

65 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 20 de outubro de 2016, Disponível em: httn://www.itamaraty.gov.br/images/Banco de imagens/Sentenca Fazenda Brasil Verde.pdf. Acesso em: nov 2017. p. 71/72.

66 Quanto à exigência de boletim de ocorrência, há que se concordar com a Nota Técnica n° ;;?:ti2Q:Q17t~ITj d@ 12161 2Q17, qU3aQQ 3PQata· ":14 ,,~&~ pgr:ag, " PgrklriQ gpb8Esr:HeJ LI~Q AflUIRiA

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recebimento do Relatório de Fiscalização pelo empregador autuado e envio de ofício à

Delegacia de Polícia Federal competente comunicando o fato para fins de instauração.

Quanto à obrigatoriedade de boletim de ocorrência e de ofício à

Delegacia de Polícia Federal, a incongruência salta à vista. Como se sabe, as instâncias

administrativa e criminal são independentes, de modo que a participação da polícia

judiciária da União não pode ser exigida - embora possa ser apropriada em alguns

casos" - como pressuposto para a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho.

Sobretudo porque a atuação da Polícia Federal, nesses casos, fica adstrita às situações

em que há mandado judicial ou flagrante delito. Isso é, a atuação é mais restrita que

aquela conferida aos Auditores-Fiscais do Trabalho, que detêm poder de polícia

administrativa para exercer a fiscalização em qualquer estabelecimento,

independentemente de mandado judicial". O Decreto nO 4.552/2002 prevê em seu artigo

13 que "o Auditor-Fiscal do Trabalho, munido de credencial, tem o direito de ingressar,

livremente, sem prévio aviso e em qualquer dia e horário, em todos os locais de

trabalho mencionados no art. 9°»69. Logo, atrelar a atividade do Auditor-Fiscal do

Trabalho à presença obrigatória de força policial é reduzir consideravelmente o alcance

das fiscalizações e, em consequência, a repressão ao trabalho escravo e os resgates de

trabalhadores em condições análogas à de escravo.

Além disso, haveria dificuldades de ordem prática, pois

frequentemente a fiscalização ficaria prejudicada diante da impossibilidade de conciliar

normativa ao utilizar em seu texto Q expressão 'Boletim de Ocorrência'. 35. A ação penal cuja acusação argumente pela subsunção do artigo 149 do Código Penal (que prevê o crime de reduzir alguém a condição análoga à de escravo) é de competência da Justiça Federal (art. 109, V-A e VI da CF), por ser crime contra a organização do trabalho e contra os direitos humanos e, portanto, Q

atribuição exclusiva para Q investigação criminal (inquérito policial) nesses casos é da Polícia Federal que exerce, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União (art. 144, § 1" da CF). 36. Na PolÍcia Civil há a lavratura de Boletins de Ocorrência, que são atos declaratórios do demandunte pelo registro, sujeiws, em regra, u apuração pos(erior; porém, na Polícia Fedem/. não há previsão de emissão deste instrumento". «<ANEXO nO»>.

67 De fato, nas atividades de fiscalização do Ministério do Trabalho, a Polícia Federal, em regra, só acompanha as fiscalizações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM. Não acompanha, portanto, as fiscalizações procedidas pelas unidades descentralizadas (Superintendências Regionais) do Ministério do Trabalho, que são responsáveis pela mai.or parte dos resgates. Além disso, não é incomum que a configuração do trabalho escravo ocorra em fiscalizações de rotina - que não decorre de denúncia sobre trabalho escravo - em que não há, via de regra, apoio da força policial.

68 A Convenção n" 81 da OIT assim prevê sobre o alcance da fiscalização dos inspetores de trabalho: "Artigo 12 - 1. Os inspetores de trabalho munidos de credenciais serão autorizados: a) a penetrar livremente e sem aviso prévio, a qualquer hora do dia ou do noite, em qualquer estabelecimento submetido à inspeção; b) a penetrar durante o dia em todos os locais que eles possam ter motivo razoável para supor estarem sujeitos ao controle de inspeção".

69 O artigo 9° do Decreto n° 4.552/2002, por sua vez, estabelece os locais sujeitos à inspeção do trabalho: "Arr. 90 A inspeção do trabalho será promovida em todas as empresas, estabelecimentos e locais de trabalho, públicos ou privados, estendendo-se aos profissionais liberais e instituições sem fjR& lusnlti'lQ&, b@J:N Sg~g Q& @J:Nbgo;ç,,~g@& @&frgRg@irg& @,tl:l g,gUgf tgrritGrigis bnl&ilsirgs"

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a atuação da Polícia Federal e do órgão responsável do Ministério do Trabalho, em

razão da estrutura e disponibilidade de pessoal para cada evento.

Essa indevida ingerência pretendida pela Portaria afronta

dispositivos da Convenção nO 81 da OIT (Decreto nO 41.721/1957) que preveem a

independência do Auditor-Fiscal do Trabalho, especialmente o artigo 6°:

Artigo 6' - O pessoal da inspeção será composto de funcionários públicos sujo estatuto e condições de serviços lhes assegurem a estabilidade nos seus empregos e os tornem independentes de qualquer mudança de governo ou de qualquer influência externa indevida.

Ademais, exigir a presença de autoridade policial para a

fiscalização administrativa é uma forma de conferir a ela, indiretamente, atribuições que

são privativas do Auditor-Fiscal do Trabalho, conforme estabelecem o artigo 11 da Lei

n° 10.593/2002 e os dispositivos do Decreto n° 4.552/2002, o que também contraria a

Convenção n° 81 da OIT e norma expressa do citado decreto70•

Portanto, os novos requisitos são dispensáveis e excessivos, não

têm respaldo legal, e têm apenas o condão de embaraçar a autuação de infrações ou a

instrução dos processos administrativos pertinentes. A imposição de novas - e

infundadas - condições para que sejam realizadas fiscalizações e para que tenham

seguimento os autos de infração é um claro prejuízo à política de combate ao trabalho

escravo. Revela-se, uma vez mais, o propósito deliberado e indisfarçável de obstar a

fiscalização do trabalho escravo.

Além disso, a Portaria também se mostrou ilegal quanto às

novas regras" para a celebração de Termo de Ajusta de Conduta (TAC) com

empregadores envolvidos com a prática do trabalho escravo para exclusão do

empregador da chamada lista suja. Conforme já explicitado, foram excluídas a

necessidade de cientificar o Mirtistério Público do Trabalho dos TACs firmados e a

exigência de disponibilização na internet dos TACs firtnados72. Dessa forma, o Ministro 70 Art. 19. É vedado às autoridades de direção do Ministério do Trabalho e Emprego: IH ~ conferir

qualquer atribuição de inspeção do trabalho a servidor que não pertença ao Sistema Federal de Inspeção do Trabalho.

71 Conforme já explicitado, a Portaria n' 1.129, de 13.10.2017, revogou diversos dispositivos da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n' 4, de 13.5.2016, que era a portaria que continha a disciplina acerca da celebração de TACs e acordos judiciais com os empregadores sujeitos a constar no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo.

72 A Portaria n' 1.129, de 13.10.2017, revogou o § 2' do artigo 5' da Portaria MTPS/MMIRDH n' 4, que previa ciência ao Ministério Público do Trabalho (MPT), mediante comunicação à Procuradoria Geral do Trabalho, para "acompanhamento das cracivas", bem como o § 2° do artigo 10, que previa que a cópia do TAC ou do acordo judicial deveria ficar acessível ao público por meio de link no documento QU@ );@t9r9Rte àQ Cagastrg de EJ+l:pn~giu;lgt=@s qY:8 t@RRàm sblbm@QQQ tríibãlRàQQt:Qs à QQR,QivQ@S

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de Estado do Trabalho buscou restringir a publicidade desses atos e afastar o controle do

Ministério Público e o controle popular sobre os tennos dos acordos. Aqui já se nota

ofensa ao princípio da publicidade e ao direito fundamental de acesso à informação

previsto no artigo 5°, XXXIII.

Corno se não fosse suficiente a intenção de pennitir a celebração

de acordos furtivos, o Ministro de Estado do Trabalho pretendeu permitir que os

acordos fossem sucessivamente celebrados, sem qualquer limitação e

independentemente de verificada a reincidência". Também revogou os artigos 6° e 7° da

Portaria Intenninisterial MTPS/MMIROH nO 4, de 13.5.2016, que continham urna longa

lista de disposições e compromissos mínimos que deveriam ser atendidos pelos

empregadores corno medidas de reparação, saneamento, prevenção ou promoção.

Com isso, o Requerido não visou ao aprimoramento do TAC

corno instrumento para melhor servir ao interesse público. Longe disso. O que se

pretendeu foi a transformação do TAC em um mecanismo para permitir abrandar as

consequências administrativas impostas aos empregadores identificados com a prática

do trabalho escravo.

Aliás, essa é a tônica de todo o teor da Portaria n° 1.129: reduzir

o alcance dos efeitos administrativos adversos aos empregadores que submetem

trabalhadores a condiçôes análogas à de escravo. Quanto a isso, talvez o ponto mais

espantoso da portaria seja a pretensão de estender essa "benevolência" da administração

pública até mesmo aos empregadores autuados e condenados em decisão definitiva

anterior à publicação da Portaria74•

Quer dizer, o Requerido pretendeu, sob o falso argumento da

segurança jurídica, permitir a revisão, com base nos novos - e flexíveis - conceitos

que a portaria estnbeleceu para condição análoga à de escravo, de todos essas

decisões anteriores, abrindo possibilidade para excluir o empregador do Cadastro de

Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo.

análogas à de escravo. 73 A Portaria n' 1.129, de 13,10.2017, revogou o artigo 11 da Portaria MTPS/MMIRDH n' 4, assim

disciplinava sobre os efeitos da reincidência: C<Art. 11. Durante o período em que permanecerem na relação prevista no §3° do art. 5D

, os empregadores estarão igualmente sujeitos a fiscalização da Inspeção do Trabalho e, no caso de reincidência de identificação de trabalhadores submetidos à condições análogas às de escravo neste interstício: I - A União não celebrará com o administrado novo Tenno de Ajusklmenro de Condukl ITAC} ou acordo judicial". ANEXO n' 09.

74 Conforme já explicado, a portaria (art. 5°, parágrafo único) possibilita a exclusão da chamada lista suja de empregadores que tenham sido autuados antes da publicação da portaria - ainda que em decisão irrecorrível administrativamente.

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Aqui fica evidente uma condescendência incompatível com o

dever de proteção imputado ao Estado, o que representa ofensa ao princípio da

proporcionalidade em sua vertente referente à proibição da proteção insuficiente.

Também já se expôs nesta inicial que o Requerido procurou

atrair para seu crivo político a decisão (determinação) de inscrever empregador no

cadastro da chamada lista suja e a divulgação do cadastro (artigo 3°, § 3° e artigo 4°, §

1°). Isto é, tais atos deixam de ser norteados apenas pelos critérios técnicos

estabelecidos pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).

Centralizar esses atos, que são - ou deveriam ser -

essencialmente técnicos e burocráticos, na instância máxima do Ministério do Trabalho,

não pode ter outro objetivo que não o de abrir espaço para interferências políticas no

conteúdo do cadastro, com a exclusão de empregadores da lista suja para satisfazer

interesses outros que não o interesse público.

Há, portanto, manifesta violação ao princípio da impessoalidade,

pois, com a portaria, o Requerido tentou outorgar a ele próprio poderes que permitem

intervir em prol de quem quer que seja, conforme conveniências pessoais ou partidárias,

afastando os atos das necessárias neutralidade e imparcialidade.

Quanto às ilegalidades relacionadas à Portaria nO 1.129, é

preciso ressaltar, finalmente, alguns aspectos formais ou referentes às circunstâncias que

envolvem a edição do ato normativo.

A Portaria foi elaborada sem a devida participação das áreas

técnicas da estrutura organizacional do Ministério do Trabalho7S, em descumprimento ao

que prevê o Decreto nO 8.894/2016". Isso é, o Ministro de Estado do Trabalho, sem

consulta à Secretaria de Inspeção do Trabalho, editou normas a ela aplicáveis. Do

mesmo modo, não houve nenhuma consulta à Divisão de Fiscalização para erradicação

do Trabalho Escravo - DETRAE.

Aliás, nesse ponto, cabe destacar algumas estranhezas

observadas nos trâmites havidos para que fosse editada a portaria.

O Ministério Público Federal requisitou ao Ministério do

Trabalho a íntegra do processo administrativo que deu origem à Portaria n° 1.129,

"incluindo manifestações das áreas técnicas e jurídicas". Em resposta, foi encaminhada 75 Basta ver a Nota Técnica n° 268/2017, de 18.10.2017, emitida pela Secretaria de Inspeção do

Trabalho e dirigida ao Ministro do Trabalho, em que se solicita revogação da Portaria n° 1.129/2017 por constituir ato administrativo manifestamente ilegal. ANEXO n° 57,

76 Art. 18. À Secretaria de Inspeção do Trabalho compete: I - formular e propor as djretrizes da inspeção do trabalho, inclusive do trabalho portuário, de maneira a priorizar o estabelecimento de política de combate ao trabalho forçado e infantil e a todas "' 1<"",,", Q@ t,,,,alR" Qog",l.ato;

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cópia do Processo Administrativo n° 46012.001314/2017-48 - que, na verdade, parece

ter sido instaurado a partir da demanda do Ministério Público Federal".

Da documentação encaminhada, percebe-se que o impulso

inicial é uma carta redigida pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias -

ABRAINC - e dirigida ao Ministro do Planejamento, em que manifesta insatisfação

com a Portaria MTPS/MMIRDH n° 4. Cabe notar que foi a ABRAINC que ajuizou a

ADI n° 5.209-DF pretendendo a suspensão da divulgação da lista suja, julgada

improcedente em maio de 2016, e que a carta dirigida ao Ministro do Planejamento é de

10.8.2017, menos de três meses depois de frustrada a pretensão junto ao STF. Nota-se,

ainda, que parte das "sugestões" contidas na parte final da carta" foram acolhidas pela

Portaria n° 1.129.

Depois de tramitar no Ministério do Planejamento, o "processo"

- que até então era constituído, basicamente, pela carta da ABRAINC e manifestações

no sentido de que a competência para a matéria era do Ministério do Trabalho - foi

encaminhado ao Ministério do Trabalho. Ocorre que o despacho de encaminhamento ao

MTb foi assinado eletronicamente em 5.9.2017 e em 11.10.2017 foi emitido o Parecer

n. 00595/2017/CONJUR-MTB/CGU/AGU, sem qualquer despacho ou providência

anterior. Esse parecer - emitido dois dias antes da data da portaria - foi o único ato

relevante produzido até que fosse editada e publicada a portaria. Mais uma vez

restando comprovada a falta de consulta às áreas técnicas e açodamento por parte do

Requerido.

O Parecer n. 00595/2017/CONJUR-MTB/CGU/AGU não

apresentou análise do mérito da portaria - já que, ao analisar o conteúdo da portaria, o

parecer limitou-se a tecer considerações sobre o poder regulamentar e competência

normativa. Nada mais. Aliás, pelo teor da portaria, e pela ausência de documentos

administrativos produzidos no processo (memorandos, despachos, parecer), nem sequer

é possível saber quem foi responsável pela elaboração da minuta da portaria. O

parecer ainda alertou79, em vão, sobre a necessidade de consulta às áreas técnicas.

77 Ofício n° 286/SE-MTb, de 7.11.2017, em resposta ao Oficio n° 7704/2017-AA da PRlDF-MPF, de 20.10.2017. Encaminha cópia do Processo CANSEIMTB nO 46012.001314/2017-48. ANEXO n° 58.

78 Por exemplo: ".l. Conceituação da expressão 'condição degradante'; [ ... ] 7. A decisão final que ordenará a inclusão no Cadastro de Empregadores será de competência do Ministro do Trabalho". ANEXO n° 58.

79 Constou do parecer: "Por oportuno, reitere-se que deve ser considerada a necessidade da área técnica administrativa manifestar-se sobre a matéria, caso assim não se entenda, os autos deverão conter análise técnica administrativa por parte da Assessoria Técnica do Gabinete do Ministro". "!>liXO ,,0 .g.

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Constata-se, então, que em verdade não houve um processo

administrativo anterior para subsidiar a decisão do Ministro de Estado do Trabalho.

O parecer da consulta jurídica é vazio em relação ao mérito da portaria e deixou claro a

necessidade de submeter a minuta à apreciação das áreas técnicas competentes. Sabe-se

que muitas vezes a informalidade é o meio encontrado pelo administrador público para

escamotear os interesses particulares que justificam o ato. Intimado a comparecer a esta

Procuradoria da República para prestar esclarecimentos acerca do procedimento

adotado, o Consultor Jurídico Ricardo Santos Silva Leite há duas horas do horário

agendado, informou que não compareceria pois todos os esclarecimentos a respeito do

tema já haviam sido apresentados à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da

Cárnara dos Deputados (Anexo 70) numa explicita demonstração de falta de interesse de

contribuir para elucidação dos fatos.

Além de tudo isso, a Portaria foi editada sem que fosse dada

oportunidade à Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE

-, fórum especializado em combate ao trabalho escravo contemporâneo, de discutir e

apresentar as sugestões pertinentes acerca da nova normaBO• Mais uma vez, não houve

observância do decreto presidencial que criou a CONATRAE e estabeleceu como suas

competências, entre outras, propor adaptações às ações do Plano Nacional para

Erradicação do Trabalho Escravo e propor atos normativos necessários para sua

implementaçã08!.

o Requerido editou novas normas para a execução da política de

erradicação do trabalho escravo sem sequer admitir a participação da Comissão criada

especificamente para atuar no tema e que é vinculada ao Poder Executivo.

Tão grave quanto isso: a Portaria n° 1.129 revogou dispositivos

da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nO 4 que previam a participação da

CONATRAE no acompanhamento dos TACs firmados com empregadores sujeitos a

constar no Cadastro de Empregadores8'. Mais uma vez, subtraiu-se competência da

CONATRAE, desvendando o desígnio de enfraquecer sua atuação. Foram revogados os

seguintes dispositivos:

80 Cumpre lembrar que, após publicada a Portaria 1.129, a Secretária Nacíonal de Direitos Humanos e Presidente da CONATRAE divulgou nota manifestando posição contrária aos termos da portaria. Disponível em: http://www.valor.com.brlDolitica/5159220/secretaria-de-temer-diz-gue-mudanca­afeta-combate-ao-trabalho-escravo. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 28.

81 Decreto presidencial de 31 de julho de 2003. Disponível em: htto://www.planalto.gov.brlccívíl03ldnn!2003ldnn9943.htm. Acesso em: nov 2017.

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Art. 6" Para alcançar os objetivos e gerar os efeitos expressos no artigo 5", a celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial, deverá conter, no mínimo, as seguintes disposições e compromissos por parte do administrado: [. .. ] XVI - obrigação de apresentação de informações por escrito, acompanhadas dos documentos comprobatórios eventualmente solicitados. a qualquer questionamento formulado pela União ou por entidade integrante da CODÚssào Nacional para Erradicacão do Trabalho Escravo ICONATRAEl quanto ao cumprimento dos termos do TAC ou acordo judicial, no prazo máximo de 30 (trinta) dias; [ ... ] XX - previsão de que todas as comunicações relativas à exeçução do Termo de Ajustamento de Conduta ITAC) ou acordo iudicial deverão ser remetidas Dor escrito à Advocacia­Geral da União, à Secretaria de Inspeção do Trabalho e ª CONATRAE; [ ... ]

Não fosse o bastante, o Requerido, por meio da Portaria n°

1.129/2017, revogou, de forma unilateral, dispositivos de Portaria Interministerial n°

412016, que foi nonua editada conjuntamente pelo então Ministro de Estado do

Trabalho e Previdência Social (MTPS) e pela então Ministra de Estado das Mulheres, da

Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos (MMIRDH).

Ou seja, o Requerido deixou de observar regra elementar de

competência para a prática de ato administrativo, pois a portaria editada por duas pastas,

por simetria, só poderia ser desconstituída, ainda que parcialmente, também por

manifestação conjunta83• É oportuno esclarecer que a Lei nO 13.341.12016, embora tenha

extinguido o MMIRDH (artigo 1°, VI), expressamente determinou a transferência de

suas competências para o Ministério da Justiça e Cidadania (artigo 6°, IV).

83 Tal entendimento foi confirmado em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça: "MANDADO DE SEGURANÇA. FINANCEIRO E ORÇAMENTÁRIO. REPASSE DE VERBAS DO FUNDEB. PORTARIA INTERMINISTERIAL MEC/MPOG 221/09. REVOGAÇÃO PELA PORTARIA MEC 788/09. ATO ADMINISTRATNO COMPLEXO. REVOGACÃO. DESCONSTITUICÃO OUE DEMANDA A MANIFESTACÃO DE VONTADE DE AMBOS OS RESPONSÁVEIS PELO ATO OUE SE OUER REVOGAR. SIMETRIA. REDUÇÃO POSTERIOR DO PERCENTUAL DO REPASSE. vrOLAçÃO DO ART. 15 DA LEI 11.494/07. OFENSA AOS PRlNCÍPlOS DA UNICIDADE E ANUALIDADE. ORDEM DE SEGURANÇA CONCEDlDA. 1. A regulamentação exigida pelo art. 70. do Decreto 6.253/07, constitui ato administrativo complexo, demandando Q

manifestação de dois órgãos da Administração para sua constituição, quais sejam, o Ministério da Educação e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, sob pena de invalidade. 2. Por simetria. apenas se admite a revogação do ato administrativo por autoridade/órgão competente para produzi-lo. A propósito, o ilustre Professor DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO assinala que a competência para a revogacão do ato administrativo será. em princípio. do mesmo agente que o praticou C .. .) Assim. se o ato foi suficiente e validamente constituído a revogação é. simetricamente. um ato desconstitutivo. ou. em outros termos. um ato constitutivo-negativo. pelo qual a Administração competente para constituí-lo e apenas ela - retira a eficácia de um ato antecedente. exclusivamente por motivos de mérito administrativo. jamais por motivos jurídicos (Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 230-231). 3. No caso, a Portaria 788/09 aqui combatída, emitida pelo MEC. por si só. procurou revogar a regulamentação anterior. composta pela manifestação das duas Pastas responsáveis. Nesse contexto, dada a simetria necessária para a edição~desconstituição do ato administrativo, entende-se viciado o ato. [ ... ]" (STJ, l' Seção, MS 14.731-DF, Min. ReI. Napoleão Nunes Maia Filho, 14.12.2016, DJe 2.2.2017), grifos "Rggggg}

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Não é demais ressaltar, ainda, que o Requerido extrapolou seu

poder regulamentar, previsto no artigo 87, parágrafo único, II, da Constituição Federal,

pois pretendeu sobrepor ato administrativo infralegal, de caráter secundário, aos ditames

da lei (artigo 149 do Código Penal), que é fonte normativa primária.

A edição da Portaria n° 1.129, que altera normas de relevância

ímpar para a execução da política pública de erradicação do trabalho escravo sem

participação da sociedade, das áreas técnicas envolvidas - sobretudo a Secretaria de

Inspeção do Trabalho e a DETRAE, ambas do Ministério do Trabalho -, e da

CONATRAE, e ainda revoga dispositivos de portaria interministerial anterior sem a

necessária aquiescência do Ministério da Justiça e Cidadania, revela o ímpeto que

moveu o Requerido no anseio de concretizar, o quanto antes, o desmantelamento das

estruturas e atividades administrativas voltadas ao combate ao trabalho escravo.

Por fim, é lamentável concluir que a Portaria nO 1.129 tem como

efeito restringir as hipóteses de pagamento de seguro-desemprego aos trabalhadores

resgatados, reduzindo ainda mais o número de benefícios concedidos". A fatídica

Portaria estabelece em seu artigo lOque os conceitos restritivos ali contidos deverão ser

considerados "para fins de concessão de beneficio de seguro-desemprego ao

trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado

ou reduzido a condição análoga à de escravo, nos termos da Portaria MTE nO 1.153, de

13 de outubro de 2003".

Trata-se de mais um retrocesso social inaceitável, pois o seguro­

desemprego, que é pago aos trabalhadores resgatados desde 2003, é um amparo mínimo

que o Estado deve prestar ao trabalhador para que ele possa, de fato, ter alguma chance

de sair do seu estado de vulnerabilidade e não voltar a ser vitimado pelo crime de

trabalho escravo. Se, em regra, é justamente a miséria que toma o trabalhador suscetível

à exploração, o benefício do Seguro-Desemprego, ainda que temporário, é condição

mínima para reinserção da pessoa no mercado de trabalho com dignidade.

Nesse ponto, também há manifesta ilegalidade, pois a Portaria n°

1.129 pretende condicionar o pagamento do seguro-desemprego às hipóteses que

estejam de acordo com os conceitos restritos que ela estabelece, ao passo que a Lei n°

7.998/1990, com redação dada pela Lei n° 10.608/2002, estabelece apenas que o

benefício será devido ao "trabalhador comprovadamente resgatado de regime de

trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo".

84 Cabe registrar novamente que o número de egressos beneficiados pelo Seguro-Desemprego passou de 857 em 2015 para somente 140 em 2017.

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o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo85, de

2003, previu que uma das ações a ser implementada pelo Estado brasileiro era

"contemplar as vítimas com seguro-desemprego e alguns benefícios sociais

temporários". Portanto, o seguro-desemprego também representa compromisso

internacional finnado pelo Brasil perante a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos86•

Quanto à Portaria nO 1.129 cabe acrescentar, finalmente, que o

Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão monocrática da Ministra Rosa Weber no

bojo da ADPF 489, suspendeu os efeitos da portaria até o julgamento do mérito. A

Ministra Rosa Weber reconheceu, ainda que em juízo delibatório, que:

"A Portaria do Ministério do Trabalho n" 1.129/2017 tem como provável efeito prático a ampliação do lapso temporal durante o qual ainda persistirá aberta no Brasil a chaga do trabalho escravo. A presença do trabalho escravo entre nós causa danos contínuos à dignidade das pessoas (art. 1", IH, da CF) a ele submetidas, mantendo a República Federativa do Brasil distante de alcançar os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3", I, da CF), alcançar o desenvolvimento nacional (art. 3", H, da CF), erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais (art. 3", IH, da CF) e promover o bem de todos (art. 3°, IV). Tais danos são potencializados pela ausência de uma política pública eficiente de repressão, prevenção e reparação. Vale ressaltar que, a persistir a produção de efeitos do ato normativo atacado. o Estado brasileiro não apenas se expõe à responsabilização jurídica no plano internacional, como pode vir a ser prejudicado nas suas relações econômicas internacionais, inclusive no âmbito do Mercosul, por traduzir, a utilização de mão­de-obra escrava, forma de concorrência desleal."

Todas as condutas do Requerido descritas nessa exordial tiveram

o intento claro de atender os interesses da bancada ruralista do Congresso Nacional de

forma a influenciá-los na votação da denúncia oferecida pelo então Procurador-Geral da

República contra o Presidente da República Michel Temer e outros Ministros de Estado,

inclusive o Chefe da Casa Civil.

Nesse sentido, o Jornal Nacional da Rede Globo exibiu

reportagem87 sobre o assunto, destacando que o Presidente da República Michel Temer,

em uma semana decisiva para seu mandato - em razão de estar prevista a análise, pela

85 Disporuvel em: http://reDorterbrasil.org.br/documentos/plano nacional.pdf. Acesso em: nov 2017. 86 RELATÓRIO N" 95/03, CASO 11.289. SOLUÇÃO AMISroSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL 24 de

outubro de 2003. Disponível em: https://cidh.oas.org/annualrepI2003DortlBrasiI.11289.htrn. Acesso em: nov 2017.

87 Edição do Jornal Nacional, Rede Globo de Televisão, de J6.10.2017. Vídeo (edição completa) disponível em: httD://g1.globo.comljornal-nacionalJedicoes/2017/10/16.htrnl. A partir da minutagem

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Comissão de Constituição e Justiça - CCJ - da Câmara dos Deputados, da segunda

denúncia criminal em seu desfavor oferecida pelo Procurador-Geral da República ao

Supremo Tribunal Federal -, "cedeu à bancada ruralista e mudou as regras sobre o

trabalho escravo".

Na edição do telejornal de 17.10.2017, foi exibida reportagem

na qual o Ministro da Agricultura, Blairo Maggi, reconheceu publicamente" que a

portaria veio para atender um antigo pleito da bancada ruralista em um

"momento político diferente". De um modo geral, a imprensa confirma" que a

portaria é uma concessão do Governo Federal que veio para assegurar apoio dos

parlamentares ruralistas na Câmara dos Deputados para a rejeição da denúncia

apresentada em desfavor do Presidente da República e dos Ministros de Estado Eliseu

Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco.

De fato, essa troca de favores noticiada pela mídia -

especificamente, o arrefecimento da fiscalização estatal do trabalho escravo para

obtenção de apoio parlamentar -, é perfeitamente crível pois os fatos e evidências

apontam para isso. Vejamos.

É sabido que, em regra, os empresários autuados por manter

trabalhadores em condição análoga à de escravo fazem parte do setor agropecuário. O

Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil90 traz um retrato dessa realidade: as

88 Em entrevista, as palavras do Ministro da Agricultura foram as seguintes: "Nesse momento, há um momento político diferente e o presidente resolveu atender a esse pleito antigo da classe produtora e obviamente nós estamos trabalhando em um momento de política muito diferente. Temos um momento confuso e aí a classe produtora resolveu levar essa reivindicação ao presidente. Ele atendeu e nós só temos a comemorar", Disponível em: http://g1.globo.comljomal­nado nal/ no ti cia/2 O 17/1 O/no vas-regras-sobre-trabalho-escravo-sao-cri ticadas-a te-dentro -de­ministerio.html. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 33.

89 No Editorial O Globo afirmou-se que: "Para agradar à bancada ruralista na Câmara dos Deputados, a atual legislação sobre o assunto - considerada referência no mundo - sofreu uma série de mudanças que, no conjunto, representa um grande retrocesso". Disponível em: http://nobla!.oglobo.glo bo. co ml editoriais/no ticia/2 O 17/1 O/po rtari a-sobre-trabalho-escravo-e-um­retrocesso.html. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 34. Em reportagem da Jovem Pan, ficou registrado que: "A portaria, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira, atende a anseio da bancada ruralista no Congresso e seria uma troca por votos contrários à segunda denúncia criminal pesa sobre o presidente Michel Temer e tramita na Câmara", Disponível em: http://jovempan.oo1.co m. br/ no ti das/po liti ca/14-oo ntos-da-po rtaria -do-governo-temer -que-dificul tam­deteccao-e-punicoes-ao-trabalho-escravo.html. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 35. Matéria de O Estado de S. Paulo lembrou que a portaria vem ao encontro de pautas da bancada ruralista e que" a mudança ocorre às vésperas da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara". Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral.governo-publica-portaria-que-dificulta­comorovacao-de-trabalho-escravo, 70002047703. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 36.

90 O Observatório Digital de Trabalho Escravo é uma iniciativa do SMARTLAB de Trabalho Decente do Ministério Público do Trabalho - MPT - e da Organização Internacional do Trabalho - OIT - no Brasil para fomentar a gestão eficiente e transparente de políticas públicas, de programas e de projetos de prevenção e de erradicação do trabalho escravo, de modo que essas ações sejam cada vez mais orientadas por resultados e baseadas em evidências. Observatório Digital do Trabalho Escravo ao !l,agi! '",ototlob g. Trabalho J;I.c,Qt, MPT QIT .017 POgO' ."."0<10' .",. ao" .017

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dez atividades econômicas com maior número de resgates de trabalhadores pertencem

ao setor e representam91 cerca de 85% dos resgastes (total de 19.397 resgates). A criação

de bovinos para corte é a atividade econômica responsável pela maior parcela de

resgates (30,94%), segundo o Observatório.

Antes mesmo de a então Presidente da República Dilma

Rousseff ser afastada do cargo, a Frente Parlamentar da Agropecuária - FPA - já havia

pleiteado formalmente junto ao então Vice-Presidente da República Michel Temer, em

27 de abril de 2016 (poucos dias antes de o Vice-Presidente assumir interinamente), que

fosse estabelecida uma "diferenciação entre trabalho escravo, condições degradantes

de trabalho e jornada exaustiva" e que fossem estabelecidas "limitações aos auditores

do trabalho" - exatamente o que foi acolhido pela portaria em questão -, conforme

documento entregue pelo Presidente da FPA ao Vice-Presidente da República na

ocasião92• Desde o início da gestão do atual Presidente da República, a bancada ruralista

manifestou seu apoio e apresentou seus pleitos93•

À época da primeira denúncia criminal apresentada pelo então

Procurador-Geral da República contra o Presidente da República (fato público e notório

ocorrido em 26.6.2017), já foi possível perceber a relação entre a concessão de benesses

pelo Poder Executivo Federal e a votação favorável ao Presidente da República na

Câmara dos Deputados. Foi noticiado" que o Presidente da República, logo após ser

denunciado, "fez uma ofensiva junto aos ruralistas, chamando dezenas deles ao Palácio

do Planalto". Às vésperas da apreciação da denúncia, editou uma medida provisória

reduzindo a taxa de contribuição do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

(Funrural) e parcelando dívidas do campo e almoçou com ruralistas fora da agenda um

Disponível anline no seguinte endereço http://observatoríoescravo.mpt.mD.br. 91 As cinco atividades econômicas nas quais mais foram resgatados trabalhadores somam 17.607

resgates, o que representa cerca de 77,73% dos resgates. São elas: criação de bovinos para corte (com 30,94% dos resgates); cultivo de arroz (20,63%); fabricação de álcool (11,30%); cultivo de cana-de­açúcar (9,67%) e fabricação de açúcar em bruto (5,19%). Fonte: Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil - Smartlab de Trabalho Decente MPT - OIT. 2017. Dados acessados em: nov 2017, Disponível online no seguinte endereço htto:/lobservatorioescravo.mpt.mp.br.

92 O documento denominado "PAUTA POSITIVA - BIÊNIO 2016/2017" foi obtido no site da própria Frente Parlamentar da Agropecuária - FPA (http://www.fDagropecuaria.org.br) e segue anexa a esta inicial. Disponível em: http://www.foagropecuaria.org.br/noticias/fua-tem-encontro-produtivo-com­temer#.Weer-WhSyUl. Acesso em: nov 2017. ANEXOS n' 37 e 38.

93 Conforme notícia do próprio Planalto, houve encontro em 12.7.2016 no qual o então Presidente da FPA, deputado Marcos Montes, ao manifestar apoio ao Presidente da República em exercício, entregou documento com "pautas estratégicas para o setor agropecuário". Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/noticias/2016/07 /frente-parlamentar-da­agropecuaria-rnanifesta-apoio-a-governo. Acesso em: nQV 2017. ANEXO n° 39.

94 Disponível em: httDs://rn.oglobo.globo.comlbrasil/um-dia-antes-de-votacao-da-denuncia-temer-almQf;;él f,;;QI+l RlralÜ;tas kll"él da él'UmQél 2Hiaa372 A ,,;;eEiEiQ ~m: R!w:2:017 r\ NEXO aO 4Q

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dia antes votação da denúncia naquela Casa Parlamentar95, Em consequência, como se

sabe, o apoio da bancada ruralista foi decisivo para que a Câmara dos Deputados

rejeitasse a denúncia já que, dos 263 votos pelo arquivamento, 129 foram de deputados

ligados à FPA96,

Já no contexto da segunda denúncia criminal - e retomando a

questão atinente à lamentável portaria -, importante destacar que a própria FPA emitiu

nota pública oficial de esclarecimento" em que admite que a portaria "vem ao encontro

de algumas pautas da FPA e diminui a subjetividade da análise", mas, por óbvio, nega

que tenha havido "tratativa com o Poder Executivo sobre o assunto" - a despeito de o

pleito constar expressamente no documento "Pauta Positiva - Biênio 2016/2017" que

foi entregue formalmente ao Vice-Presidente da República, conforme já aduzido,

A publicação da portaria no Diário Oficial da União, em

16.10.2017, surtiu efeito imediato na votação ocorrida na CCJ da Câmara dos

Deputados, em 18,10.2017 (apenas dois dias depois), para apreciação da denúncia

em desfavor do Presidente da República. Dos 39 votos a favor do Governo e do

relatório contrário à denúncia, 27 (vinte e sete) vieram de integrantes da Frente

Parlamentar da Agropecuária - ou 75% dos votos", Impressiona ver que a bancada 95 Disponível em: htto:llwww1, folha,uol.com,br/poder/20 17/08/1906335-em-vespera-de-votacao-temer-

afaga-ruralistas-e-baixo-clero,shtml. Acesso em: nov 2017, ANEXO n° 40. E ainda: "Atrás de votos, Temer faz agrado bilionário à bancada ruralista". Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/politica/reDublicaJatras-de-votos-temer-faz-agrado-bilionario-a­bancada-ruralista-cx4w20vrys4diwjovwuwzczas, Acesso em: nov 2017, ANEXO n° 42,

96 Sobre isso, destacam-se as seguintes notícias publicadas naquela ocasião: ((Após anistia de R$ 8,6 bilhões, 2/3 da bancada ruralista votam a favor de Temer". Disponível em: httos :llno ti cias, uo L com. b r IDO li tica/ultimas-no ticias/2 O 17/08/0 31 aoos-anistia -de-r -86-bilho es-2 3-da­bancada-rura1ista-vota-a-favor-de-temer.htm?cmpid~coDiaecola. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 43. "Metade dos votos para Temer saiu da Frente Parlamentar da Agropecuária". Disponível em: https:llwww.brasildefato.com.br/2017/08/04/metade-dos-votos-para-temer-saiu-da-frente­parlamentar-da-agropecuaria/. Acesso em: nov 2017, ANEXO n' 44. "Temer foi apoiado por 73% dos ruralistas e 56% da bancada da bala, Presidente recebeu parlamentares antes da votação da denúncia na Câmara". Disponível em: https://m.oglobo.globo.comJbrasilJtemer-foí-apoiado-por-73-dos-ruralistas-56-da-bancada-da-bala-21667328. Acesso em: nov 2017, ANEXO n' 45,

97 Disponível em: http://www.fpagropecuaria.org.br/destagues/nota-de-esclarecímento-sobre-portaria­mtb-no-1129-de-13102017#,WeexW2hSyUk. Acesso em: nov 2017, ANEXO n° 46,

98 Votaram a favor do Governo os deputados federais (39 no total): Alceu Moreira (pMDB-RS), Antonio Bulhões (PRB-SP), Arthur Lira (PP-AL), Beto Mansur (PRB-SP), Bilac Pinto (PR-MG), Carlos Bezerra (PMDB-MT), Carlos Marun (PMDB-MS), Cleber Verde (PRB-MA), Cristiane Brasil (PTB-RJ), Daniel Vilela (PMDB-GO), Darcísio Perondi (PMDB-RS), Delegado Edson Moreira (PR­MG), Domingos Neto (PSD-CE), Edio Lopes (PR-RR), Edmar Arruda (PSD-PR), Evandro Gussi (PV-SP), Evandro Roman (PSD-PR), Fausto Pinato (PP-SP), Francisco Floriano (DEM-RJ), Genecias Noronha (SD-CE), Hildo Rocha (PMDB-MA), José Carlos Aleluia (DEM-BA), Juscelino Filho (DEM-MA), Luís TIbé (Avante-MG), Luiz Fernando (PP-MG), Magda Mofatto (PR-GO), Maia Filho (PP-PI), Marcelo Aro (PHS-MG), Milton Monti (PR-SP), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Osmar Serraglio (pMDB-PR), Paes Landim (pTB-PI), Paulo Abi-Ackel (pSDB-MG), Paulo Maluf (PP-SP). Rogério Rosso (PSD-DF), Ronaldo Fonseca (Pros-DF), Thiago Peixoto (PSD-GO), Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) e Rodrigo de Castro (PSDB-MG), Disponível em: httD://veja.abril.com.br/politica/veja-como-cada-deputado-votou-na-ccj-sobre-denuncía-contra-

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ruralista somou mais votos a favor do Governo do que os votos obtidos pela oposição

(que foram 26). Cabe ressaltar, ainda, que o relatório contrário ao prosseguimento da

denúncia foi de autoria do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), também

integrante da FPA, como já mencionado.

Já na votação no Plenário da Câmara dos Deputados, ficou

evidente que, sem o apoio da bancada ruralista, o referido relatório (contrário ao

prosseguimento da denúncia) não seria aprovado. Tendo por base a relação de

Deputados Federais integrantes da FPA obtida no site da própria FPA, é possível

identificar que dos 251 votos favoráveis ao Governo (voto "sim", pela aprovação do

relatório do Dep. Federal Bonifácio de Andrada) pelo menos 126 vieram de

parlamentares ligados à FPA99 - ou seja, mais de 50% dos votos obtidos pelo Governo.

De acordo com o levantamento da Folha de São Paulo lOo o número é ainda maior: 140

deputados da bancada agropecuária votaram pelo arquivamento da denúncia. Dos

Deputados Federais que pertencem à bancada ruralista, apenas 30% manifestaram voto

obtidas no site da própria FPA (27 no total): Alceu Moreira (PMDB-RS), Arthur Lira (PP-AL), Bilac Pinto (PR-MG), Carlos Bezerra (PMDB-MT), Carlos Marun (PMDB-MS), Cleber Verde (PRB-MA), Cristiane Brasil (PTB-RJ), Daniel Vilela (PMDB-GO), Darcísio Perondi (PMDB-RS), Domingos Neto (PSD-CE), Edio Lopes (PR-RR), Edmar Arruda (PSD-PR), Evandro Gussi (PV-SP), Evandro Roman (PSD-PR), Fausto Pinato (PP-SP), Francisco Floriano (DEM-RJ), Genecias Noronha (SD­CE), Hildo Rocha (PMDB-MA), Juscelino Filho (DEM-MA), Magda Mofatto (PR-GO), Marcelo Aro (PHS-MG), Milton Monti (PR-SP), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Osmar Serraglio (PMDB-PR), Paes Landim (PTB-PI), Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) e Bonifácio de Andrada (PSDB-MG). Disponível em: http://wwwJpagroDecuaria.org.br/integrantes. ANEXO n° 48.

99 A lista de Deputados Federais ligados à FPA está disponível em: htm://wwwJpagroDecuaria.org.br/integrantes. ANEXO n° 48. No site da Câmara dos Deputados há lista com o voto de cada Deputado Federal na votação realizada em 25.10.2017. Disponível em: http://www.camara.leg.br/internetlvotacaoiPARECER%20DA%20CCJC%20-%20SIP%202-2017%20-%20%20UF.pdf. Acesso em: nQV 2017. ANEXO N° 49.

100 Disponível em: http://wwwl.folha.uol.com.br/poder/2017 II 0/1930266-deDutados-barram-segunda­QE!AY.HGiél ":Qatra mic;::bel ÜUllef }::la Gam.ara.&R.tI=R:l i\ GQlltsQ eGr RQU 2017 A NEXO AO 130

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contrário ao Governo!01. Percebe-se, assim, que o apoio da bancada da agropecuária foi

decisivo, mais uma vez, para os interesses da cúpula do Poder Executivo Federal.

O Requerido foi peça-chave para o êxito dessa estratégia de

garantir a permanência do atual governo com apoio dos parlamentares ligados à FPA.

Sem dúvida, o Requerido participou ativamente dessas negociações, pois além de ser o

agente público com poderes para execução dos atos aqui examinados e de ser um

notório interlocutor entre a FPA e o Poder Executivo Federa!,02, foi incumbido

diretamente pelo Presidente da República de atuar na votação da Câmara dos 101 Ao todo, 58 Deputados Federais votaram "não" (pela não aprovação do Relatório que negava

seguimento à denúncia): Abel Mesquita Ir. (DEMlRO), Shéridan (PSDB/RO), Alan Rick (DEM/AC), César Messias (PSB/AC), Rocha (PSDB/AC), Irajá Abreu (PSDfTO), Weverton Rocha (PDT/MA), Vitor Valim (PMDB/CE), Antônio Iácame (PodemosIRN), Zenaide Maia (PRlRN), Wellington Roberto (PRlPB), Gonzaga Patriota (PSBIPE), Givaldo Carimbão (PHS/AL), Jony Marcos (PRB/SE), Félix Mendonça Júnior (PDT/BA), Paulo Magalhães (PSD/BA), Sérgio Brito (PSDIBA), Uldurico Junior (PVIBA), Gabriel Guimarães (PT/MG), Jaime Martins (PSDIMG), Júlio Delgado (PSBIMG), Leonardo Monteiro (PT/MG), Lincoln Portela (PRB/MG), Marcelo Álvaro Antônio (PRlMG), Weliton Prado (PROSIMG), Carlos Manato (Solidariedade/ES), Dr. Jorge Silva (PHS/ES), Evair Vieira de Melo (PV/ES), Paulo Foletto (PSBIES), Sergio Vidigal (PDT/ES), Celso Pansera (PMDBIRJ), Felipe Bomier (PROS/RJ), Sergio Zveiter (PodemoslRJ), Sóstenes Cavalcante (DEMIRJ), Antonio Carlos Mendes TIlame (PV/SP), Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP), Vicente Candido (PT/SP), Ságuas Moraes (PT/MT), Augusto Carvalho (SolidariedadeIDF), Flávia morais (PDT/GO), Heuler Cruvinel (PSD/GO), João Campos (PRB/GO), Dagoberto Nogueiro (PDTIMS), Mandetta (PSB/MS), Assis do Couto (PDTIPR), Diego Garcia (PHS/PR), Leopoldo Meyer (PSBIPR), Luciano Ducci (PSBIPR), Sandro Alex (PSB/PR), Esperidião Amin (PP/SC), Jorginho Mello (PRlSC), Pedro Uczai (PT/SC), Afonso Hamm (PP/RS), Afonso Motta (PDT/RS), Heitor Schuch (PSBIRS), Jerônimo Goergen (PP/RS), Luis Carlos Heinze (PP/RS), Onyx Lorenzoni (DEMlRS). Estavam ausentes nove Deputados: Roberto Góes (PDT/AP), Josi Nunes (PMDBfTO), Marcelo Castro (PMDB/PI), João Fernando Coutinho (PSB/PE), Laercio Oliveira (Solidariedade/SE), José Carlos Araújo (PRlBA), Mário Heringer (PDT/MG), Ezequiel Teixeira (Podemos/RJ), Marco Tebaldi (PSDB/SC). Votaram "SIM" (pela aprovação do relatório) 126 Deputados: Edio Lopes (PRlRO), André Abdon (PP/AP), Jozi Araújo (Podemos/ AP), Silas Câmara (PRB/ AM), Lucio Mosquini (PMDB/RO), Luiz Cláudio (PRlRO), Marinha Raupp (PMDB/RO), Jéssica Sales (PMDB/AC), Carlos Henrique Gaguim (PodemosfTO), César Halum (PRBfTO), Lázaro Botelho (PPfTO), Vicentinho Júnior (PRfTO), André Fufuca (PP/MA), Cleber Verde (PRB/MA), Hildo Rocha (PMDBIMA), Juscelino Filho (DEM/MA), Amoal Gomes (PMDB/CE), DaniJo Forte (PSB/CE), Domingos Neto (PSD/CE), Genecias Noronha (Solidariede/CE), Raimundo Gomes de Matos (PSDB/CE), Átila Lira (PSB/PI), Júlio Cesar (PSD/PI), Paes Landim (PTB/PI), Beta Rosado (PP/RN), Walter Alves (PMDB/RN), André Amaral (PMDBIPB), Benjamin Maranhão (Solidariede/PB), Efraim Filho (DEMIPB), Hugo Motta (PMDBIPB), Rômulo Gouveia (PSD/PB), Wilson Filho (PTB/PB), Arthur Lira (PP/AL), Marx Beltrào (PMDB/AL), Antonio Imbassahy (PSDB/BA), Arthur Oliveira Maia (PPS/BA), Benito Gama (PTB/BA), Claudio Cajado (DEM/BA), João Carlos Bacelar (PRlBA), José Rocha (PRlBA), Lucio Vieira Lima (PMDB/BA), Aelton Freitas (PRlMG), Bilac Pinto (PRlMG), Bonifácio de Andrada (PSDB/MG), Carlos Melles (DEMIMG), Diego Andrade (PSDIMG), Domingos Sávio (PSDB/MG), Fábio Ramalho (PMDB/MG), Leonardo Quintão (PMDB/MG), Marcelo Aro (PHSIMG), Marcos Montes (PSDIMG), Marcus Pestana (PSDBIMG), Mauro Lopes (PMDB/MG), Misael Varella (DEMIMG), Newton Cardoso Jr (PMDB/MG), Paulo Abi-Ackel (PSDBIMG), Raquel Muniz (PSD/MG), Renzo Braz (PPIMG), Saraiva Felipe (PMDB/MG), Toninho Pinheiro (PP/MG), Zé Silva (SolidariedeIMG), Marcus Vicente (PP/ES), Aureo (SolidariedeIRJ), Celso Jacob (PMDBIRJ), Cristiane Brasil (PTB/RJ), Francisco Floriano (DEM/RJ), Leonardo Picciani (PMDB/RJ), Paulo Feijó (PRlRJ), Roberto Sales (PRB/RJ), Soraya Santos (PMDB/RJ), Baleia Rossi (PMDB/SP), Bruna Furlan (PSDB/SP), Eli Corrêa Filho (DEMlSP), Evandro Gussi (PV/SP), Fausto Pinato (PP/SP), Gilberto Nascimento (PSC/SP), Guilherme Mussi (PP/SP), Herculano Passos (PSD/SP), Milton Monti (pRlSP), Nelson Marquezelli (PTB/SP), Paulo Pereira da Silva (Solidariede/SP), Adilton Sachetti (PSBIMT), Carlos Bezerra (PMDB/MT), Ezequiel Fonseca (PP/MT), Fabio Garcia (PSB/Mn, Nilson Leitão (PSDB/MT), Professor Victório GalJi (PSC/MT), Alberto Fraga (OEM/Of), balei J.y"", (1'50>l/Of), Roa")' Wo"" •• (1'IlLDf), Alox.aª.o >I.lª)' (pgª"""g,/CQ), Oílig

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Deputados, tendo sido, inclusive, exonerado do cargo de Ministro de Estado de

Trabalho com único propósito de registrar voto contra a denúncia criminal, sendo

nomeado novamente ao cargo imediatamente após o arquivamento da denúnciaI03 .

Isso mostra que o Requerido não só tinha conhecimento da

estratégia levada a caho para impedir a tramitação da denúncia, mas tamhém participou

ativamente da organização dessa estratégia, inclusive, como descrito nessa ação, com a

edição da Portaria 1.129/2017 como forma de atender os interesses da FPA, em

contrapartida aos votos pelo arquivamento da denúncia.

Importante ver como se deram os fatos envolvendo a puhlicação

da controversa Portaria na 1.129 e o arquivamento, pela Cãmara dos Deputados, da

denúncia criminal contra o Presidente da República e os Ministros de Estado Eliseu

Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco: Em 14.9.2017 o Procurador-Geral da

República apresenta denúncia contra o Presidente da República. Em 10.10.2017, no

final do dia, o Deputado Federal Bonifácio de Andrada, também da bancada ruralista,

apresenta parecer favorável ao Presidente da República Michel Temer e aos Ministros

de Estado Eliseu Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco. Em 16.10.2017 é

publicada a Portaria na 1.129, de 13.10.2017. Em 18.10.2017 a Comissão de

Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, com apoio expressivo da

bancada ruralista, aprova o parecer pelo arquivamento da denúncia. Finalmente, em

Silveira (PSDB/GO), Daniel Vilela (PMDB/GO), Jovair Arantes (PTB/GO), Lucas Vergilio (Solidariede/GO), Magda Mofatto (PRlGO), Pedro Chaves (PMDB/GO), Roberto Balestra (PP/GO), CarIos Marun (PMDB/MS), Elizeu Dionizio (PSDB/MS), Geraldo Resende (PSDB/MS), Tereza Cristina (PSBIMS), Alex Canziani (PTB/PR), Alfredo Kaefer (PSLlPR), Dilceu Sperafico (PP/PR), Edmar Arruda (PSDIPR), Evandro Roman (PSDIPR), Giacobo (PRlPR), Luiz CarIos Hauly (PSDB/PR), Luiz Nishimori (PRlPR), Nelson Meurer (PP PpAvante/PR), Osmar Serraglio (PMDB/PR), Reinhold Stephanes (PSD/PR), Sergio Souza (PMDBIPR), Takayama (PSC/PR), Celso Maldaner (PMDB/Se), João Rodrigues (PSD/Se), Rogério Peninha Mendonça (PMDB/Se), Ronaldo Benedet (PMDB/Se), Valdir Colatto (PMDB/Se), Alceu Moreira (PMDB/RS), Covatti Filho (PPIRS), Darcísio Perondi (PMDBIRS), Giovani Cherini (PRlRS), Mauro Pereira (PMDB/RS), Renato Molling (PP/RS). Dentre os Deputados Federais integrantes da FPA, houve uma abstenção: Alexandre Leite (DEM/SP).

102 Basta ver que já em junho de 2016, logo no início de sua gestão, o Ministro do Trabalho reuniu-se com integrantes da FPA para tratar das pautas do agro negócio - que incluíam, conforme já salientado, urna "diferenciação entre trabalho escravo, condições degradantes de trabalho e Jornada exaustiva" e a imposição de "limitações aos auditores do trabalho". A notícia sobre o encontro está disponível em: h ttR :/ /www.fpagroDecuaria.org.br/noticias/ fna-se-enco ntra-CQ m-ministro-do-trabalho-para­debater·pautas-do-agronegocio#.WhcOt2hSyUk. ANEXO na 68.

103A exoneração de RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA deu-se pelo Decreto de 19.10.2017, publicado no D.O.U. n° 202, de 20.10.2017, seção 2, p. 2. A votação na Câmara dos Deputados, em que RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA manifestou voto favorável ao Presidente da República ocorreu em 25.10.2017. Por meio do Decreto de 26.10.2017 - no dia seguinte à votação -, publicado no D.O.U. n° 206-A. edição extra de mesma data. seção 2, p. 1, o requerido foi nomeado ao cargo de Ministro de Estado do Trabalho. Os decretos publicados no D.O.U. estão disponíveis em: l:!tJ;Q:/'vQ,n'T.ÜBQr@asélt:.léldgaéllgw,gr/ "WEXO aO ~!il

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25.10.2017, a Câmara dos Deputados acolhe o parecer aprovado pela CCJ, também com

apoio decisivo da bancada agropecuária.

Para atender os interesses dos empresários ruralistas, o

Requerido valeu-se do requerimento apresentado pela ABRAINC, que, como já vimos,

foi apresentado ao Ministério do Planejamento e declinado por este ao Ministério do

Trabalho, onde, sem consulta à área técnica, houve manifestação da Consultoria Jurídica

do Ministério do Trabalho quanto a urna minuta de portaria e, em seguida, já houve a

publicação da Portaria 1.129/2017 no Diário Oficial da União. (ANEXO 58)'04

O atropelo da instrução do procedimento que ensejou a alteração

do conceito do trabalho escravo é mais uma prova da urgência desta medida e do

interesse evidente de utilizá-la como moeda de troca aos interesses de integrantes do

governo do qual faz parte o Requerido.

4 - Consequências do enfraquecimento da política pública de erradicação do

trabalho escravo

Diversos números, estatísticas e fatos concretos mostram qual o

resultado, até o momento, obtido a partir de todo o esforço havido nos últimos meses

pelo Requerido para causar embaraços à fiscalização e ao combate ao trabalho escravo e

infantil.

Desde que RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA assumiu a

pasta!OS, em 12 de maio de 2016, os números apontam urna crescente ineficácia do

Poder Público no desempenho de suas atividades relacionadas à fiscalização e repressão

ao trabalho escravo.

O Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil'06 reúne

alguns dados que refletem a paralisia do Estado quanto ao tema.

104 Veja-se que foi enviado ao Ministério Público Federal cópias de um procedimento que foi numerado a partir da requisição ministerial. Toda a numeração de folhas decorre da numeração inicial do ofício de requisição. Tudo a demonstrar que não houve o trâmite regular do procedimento no âmbito do Ministério do Trabalho, mas o atendimento a uma demanda da ABRAINC, sem atenção aos preceitos legais e ao interesse público.

105 A nomeação foi ato do VIce-Presidente da República Michel Temer, no exercício do cargo de Presidente da República em decorrência de afastamento da titular após o Senado Federal ter admitido, na mesma data, o processo de impeachment. O decreto de nomeação, de 12 de maio de 2016, foi publicado no D.O.V. n' 91, de 13 de maio de 2016, seção 2, p. 3. ANEXO n' 01.

106 Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil - Smartlab de Trabalho Decente MPT - OIT. 2017. Dados acessados em: nov 2017. Disponível online no seguinte endereço http://observatorioescravo.mnt.mp.br. ANEXO n° 05.

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o número de egressos beneficiados pelo Seguro-Desemprego,

por exemplo - e conforme já mencionado nesta inicial -, reduziu-se abruptamente em

2017: passou de 857 em 2015 para somente 140 em 2017.

Especificamente quanto ao resgate de trabalhadores em

condição análoga à de escravo, o Observatório apresenta informações atinentes às

operações e inspeções realizadas desde 2003 até o presente ano. Os números constam na

seguinte tabela:

2887 40.10

85 189 4348 51.15 -- --------- -----_. ------------

109 209 3417 31.35

116 206 5999 51.72

159 302 5016 31.55

158 352 3669 23.22

143 310 2634 18.42

173 344 2495 14.42

145 259 2603 17.95

185 313 2088 11.29

160 272 1449 9.06

155 279 869 5.61

106 184 658 6.21

18 30 73 4.06

Percebe-se que as operações realizadas em 2016 e 2017 (já

passados quase doze meses do ano corrente) não somam o total de operações realizadas

em 2015. Do mesmo modo, as inspeções de 2016 e 2017, juntas, não chegam ao total de

inspeções ocorridas em 2015 (ou em qualquer outro ano desde 2008).

Nem mesmo o argumento sobre a crise econõmica e finaoceira

do país e do contingenciamento orçamentário é capaz de convencer à luz dos números

apresentados. Isso porque a crise, embora já sentida nos anos de 2014 e 2015, não

causou, nesse biênio, decréscimo significativo de operações e inspeções em relação aos

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biênios imediatamente anteriores, ao contrário do que se nota em relação ao biênio

2016-2017. VejamoslO7:

317 316 330

654 654 572

Se analisados apenas os números de 2017, a situação mostra-se

ainda mais caótica. No ano corrente nem sequer foram resgatados 15 % do total de

trabalhadores resgatados em 2016 ou 10% do total de trabalhadores resgatados em

2015 (foram resgatados em 2017 apenas 73 trabalhadores, enquanto em 2016 e 2015

foram resgatados 658 e 869, respectivamente). O número de inspeções realizadas nos

dez primeiros meses da 2017 (ou seja, quase 80% do ano civil) não representa nem

1/6 das inspeções verificadas no ano 2016, e representa apenas 10,7% das inspeções

realizadas em 2015.

Quanto às operações, também se constata a mesma discrepância.

O total de operações no ano de 2017 (18) equivale a cerca de 1,8 operações por mês

(levando em conta 10 meses já passados), enquanto nos anos de 2016 e 2015 verifica­

se uma média de 8,83 e 12,91, nessa ordem.

Para ficar mais evidente a queda nas atividades de combate ao

trabalho escravo, impende destacar que a média de operações/mês em 2017 caiu mais

de 85% em relação às operações de 2015. Outrossim, a média de inspeções/mês

(2,85) em 2017 caiu cerca de 87,50% em relação à média de inspeções havidas em

2015 (23,25).

Isso mostra com qual intensidade vêm sendo desmanteladas as

estruturas estatais que deveriam estar, diutumamente, a serviço da sociedade no

combate às práticas perniciosas de submissão das pessoas ao trabalho sob condição

análoga à de escravo.

A postura assumida pelo Ministro do Trabalho em relação à

erradicação do trabalho escravo tem gerado reflexos negativos de toda a ordem.

107 Tabela elaborada com base nos dados disponíveis no Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil- Smartlab de Trabalho Decente MPT - OIT. 2017. Dados acessados em: nov 2017. Disponível 9AliRe RQ ~ii~gQiAt@ 9AQ@fQ<iQ R,J;tg" !lgb~@pzat;Qrig@sGnwg Rlpt moI? Qf /\ ~XQ aO 0)3

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Quanto à Portaria n° 1.129, de 13.10.2017, cabe citar, por

exemplo, que os Auditores-Fiscais do Trabalho, dois dias após a publicação da portaria,

em resposta à norma manifestamente ilegal, decidiram paralisar as atividades em todos

os Estados da Federação!08.

A OIT emitiu nota!09 destacando os riscos da limitação da

fiscalização do trabalho, antevendo piora na situação de vulnerabilidade dos trabalhos

que se encontram em condição de trabalho análoga à de escravo.

Mais recentemente, especialistas em direitos humanos das

Nações Unidas divulgaram nota!1O alertando ser essencial "que o Brasil tome ações

decisivas agora para evitar o enfraquecimento das medidas anti-escravidão que foram

implementadas na última década, o que enfraquece a proteção das populações pobres e

excluídas que são vulneráveis à escravidão".

O fisiologismo presente na política brasileira, tão repugnado

pela sociedade brasileira nos últimos anos, talvez tenha alcançado o seu degrau mais

sórdido. Seguramente, adentra-se em uma fase do nosso presidencialismo de coalizão

que rompe com os mais basilares limites éticos e morais de uma sociedade que se

propõe justa e solidária. Para assegurar apoio no Congresso Nacional - sobretudo os

votos da bancada ruralista da Câmara dos Deputados diante da importante votação que

se avizinhava l11, referente à segunda denúncia criminal contra o Presidente da

República, a dignidade humana dos trabalhadores é relegada à moeda de troca pelo

Poder Executivo Federal. Para garantir pennanência no poder e a manutenção de cargos

e benesses, afrouxam-se, sem pudor, os mecanismos que buscam conferir maior

segurança à integridade física, psíquica e moral dos trabalhadores.

108 Disponível em: https:/lm.oglobo.globo.comleconomia/paralisacao-anunciada-por-auditores-que-fiscaliLam-u'abalhu-escravo-abrange-luuo-uais-21963749, Acessu em: IlOV 2017. ANEXO n° 5L

109 Disponível em: htm://www.ilo.orglbrasilia/noticias!WCMS584323/lang--ptlindex.htm. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 32.

110 Disponível em: httos://nacoesunidas.orglbrasil-deve-agir-com-urgencia-para-evitar-enfraguecimento­da-Iuta-contra-a-escravidao-moderna-alertam-especialistas-da-onu/. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 52.

111 Importante ver como se deram os fatos envolvendo a publicação da controversa Portaria nO 1.129 e o arquivamento, pela Câmara dos Deputados, da denúncia criminal contra o Presidente da República e os Ministros de Estado Eliseu Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco: Em 14.9.2017 o Procurador-Geral da República apresenta denúncia contra o Presidente da República. Em 10.10.2017, o Deputado Federal Bonifácio de Andrada, também da bancada ruralista, apresenta parecer favorável ao Presidente da República Michel Temer e aos Ministros de Estado Eliseu Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco. Em 16.10.2017 é publicada a Portaria nO 1.129, de 13.10.2017. Em 18.10.2017 a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, com apoio expressivo da bancada ruralista, aprova o parecer pelo arquivamento da denúncia. Finalmente, em 25.10.2017~ a Câmara dos Deputados acolhe o parecer aprovado pela CCl, também com apoio decisivo da bancada agropecuária.

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III DA CARACTERIZAÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA·

Segundo a Lei n° 8.429/1992, constitui ato de improbidade

administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação

ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade

às instituições (artigo 11). Ainda segundo a mesma lei, os agentes públicos de qualquer

nível ou hierarquia, no desempenho de suas funções, são obrigados a velar pela estrita

observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade

(artigo 4°).

É uníssono na doutrina e na jurisprudência o entendimento pelo

qual o agente público responderá por ato de improbidade quando houver violação de

qualquer dos princípios constitucionais que devem reger a administração pública - os

princípios referidos no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Em verdade, a

violação a "todo e qualquer princípio, expresso ou implícito, aplicável à Administração

Pública" enseja a responsabilização civil e política por ato de improbidade, não somente

aqueles previstos no artigo 37 da Carta Maiorl12•

Não se desconhece o entendimento segundo o qual a mera

ilegalidade não pode ser, automaticamente, alçada à condição de ato ímprobo. Sabe-se

que alguns elementos são necessários para que seja reconhecida a improbidade

administrativa, a exemplo da demonstração do dolo na conduta do agente público.

No caso em tela, os atos praticados pelo Requerido atinentes à

política pública de erradicação do trabalho escravo configuram atos de improbidade

administrativa - não podendo ser reduzidos a simples atos de ilegalidade - pois se

afiguram presentes todos os elementos exigidos em lei - e reconhecidos pela doutrina e

jurisprudência - para incidência do artigo 11 da Lei n° 8.429/1992: ilicitude dos atos

praticados, dolo ou má-fé consistente na atuação contrária ao Direito e nos atos

112 "'Trata-se do reconhecimento do princípio da juridicidade, que impõe a obediência, por parte do administrador público, não apenas das regras formais (legais), mas, também, de todos os principios reconhecidos pela comunidade jurídica. A ideia de juridicidade encontra-se positivada, por exemplo, no art. 2', parágrafo único, I, da Lei 9.784/1999, que exige a 'atuação conforme a lei e o Direito'. Além dos princípios enumerados no art. 37 da CRFB (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), a Administração deve observar outros princípios expressa ou implicitamente reconhecidos pelo ordenamento jurídico (razoabilidade, proporcionalidade, finalidade pública, continuidade, QutolUtela, consensualidode/participação, segurança jurídica, confiança legítima, boa-fé, dentre outros)". Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de improbidade administrativa / Daniel AmorimAssumpção Neves, Rafael Carvalho Rezende Oliveira. -5' ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 93.

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administrativos manifestamente ilegais; desvio de finalidade; a ofensa à moralidade

pública; e a impossibilidade, ineficácia ou insuficiência de correção administrativa - já

que o requerido é a autoridade máxima do Ministério do Trabalbo.

Sobre a necessidade de comprovação do elemento subjetivo para

a condenação do agente por improbidade administrativa, cumpre consignar que o

entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça - STJ - é no sentido de que

basta a verificação de "dolo eventual ou genérico de realizar conduta que atente contra

os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença de intenção

específica, pois a atuacão deliberada em desrespeito às normas legais. cujo

desconhecimento é inescusável. evidencia a presença do dolo"l13. É o que ocorre no

caso em análise, em que toda a atuação funcional do Requerido, na qualidade de

Ministro de Estado do Trabalho, pautou-se pela desconstrução da política pública

voltada à erradicação do trabalho escravo.

Todos os atos aqui relatados, que integram a forma pela qual o

Ministro de Estado do Trabalho conduz a política pública de erradicação do trabalho

escravo, têm como ponto comum a violação de diversos princípios e de normas

internacionais. É o que se apresenta a parlir de agora: a manifesta ofensa à ordem

jurídica - interna e internacional - qne decorre de cada um dos atos aqui aventados e da

gestão administrativa resultante da conjunção de todos eles, praticados de forma

concertada para arrefecer o combate ao trabalho em condição análoga à de escravidão.

De começo, há inequívoco desvio de finalidade já que, como se

viu, em nenhum dos atos o Requerido buscou a concretização de interesses públicos.

Justamente o oposto. Por trás de todas as medidas adotadas pelo Ministro de Estado do

Trabalho há o indisfarçável objetivo de embaraçar, retardar ou inviabilizar as atividades

voltadas à fiscalização ou repressão ao trabalho escravo.

Todos os fatos apresentados nesta inicial, sobretudo os

acontecimentos mais recentes, apontam, com clareza, que o desmantelamento da

política pública de erradicação do trabalho escravo sempre serviu ao Poder Executivo

como valiosa moeda de troca para obtenção de apoio no Congresso Nacional. Ainda que

se alegue a impossibilidade de comprovação cabal da existência dessa finalidade

específica e dessa faceta mais execrável do fisiologismo dos dias atuais, o contexto

fático delineado serve - e é mais que suficiente - para atestar, no mínimo, que os atos

não foram praticados visando ao interesse público.

113 STJ, AgRg AREsp n' 73.968-SP, 2011/0261049-5, ReI. Min. Benedito Gonçalves, 2.10.2012, Dle 29102011

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Sobre isso cabe trazer a lição de José dos Santos Carvalho

Filho'14, que aborda com propriedade o desvio de poder (ou desvio de finalidade)

citando outros dois renomados autores:

"O desvio de poder é conduta mais visível nos atos discricionários. Decorre desse fato a dificuldade na obtencão da prova efetiva do desvio. sobretudo porque a ilegitimidade vem dissimulada sob a aparência da perfeita legalidade. Observa a esse respeito CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: 'TrQtQ-se, pois, de um vício particularmente censurável, já que se traduz em comportamento soez, insidioso. A QutoridQde QtuQ embuçQdQ em pretenso interesse público, ocultando dessarte seu malicioso desígnio.' Não obstante. ainda que sem prova ostensiva. é possível extrair da conduta do agente os dados indicadores do desvio de finalidade. sobretudo à luz do objetivo que a inspirou. Em preciosa monografia sobre o tema. CRETELLA JUNIOR, também reconhecendo a dificuldade da prova, oferece, entretanto, a noção dos sintomas denunciadores do desvio de poder. Chama sintoma 'qualquer traco. interno ou externo. direto. indireto ou circunstancial que revele a distorcão da vontade do agente público ao editar o ato. praticando-o não por motivo de interesse público, mas por motivo privado',"

Ainda quanto à comprovação de eventual finalidade específica

alheia ao interesse público, cabe repisar que, para a caracterização do ato de

improbidade administrativa, basta o dolo genérico de praticar ato atentatório contra

princípios da Administração Pública'" ou princípios constitucionais que devem reger a

atuação do administrador público. No caso concreto, esse dolo genérico foi

copiosamente demonstrado.

Sobre o desvio de finalidade cabe lembrar, finalmente, que a Lei

de Improbidade Administrativa prevê expressamente como hipótese de ato de

improbidade "praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso

daquele previsto, na regra de competência" (artigo 11, inciso I).

Também há ofensa ao princípio da moralidade administrativa,

pois contraria todos os valores éticos e noções de justiça social o fato de o Ministro de

Estado do Trabalho atuar em prol de interesses daqueles que se encontram na posição

privilegiada da balança da desigualdade social - sob o falso argumento de que busca

promover segurança jurídica -, agravando a condição de vulnerabilidade daqueles que

mais precisam da tutela do Estado.

114 Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. - 31. ed. rev., atual. e ampL - São Paulo, Atlas, 2017. Grifas nossos.

l1S Confonne decisão do Superior Tribunal de Justiça já referenciada nesta inicial. STJ, AgRg AREsp n' 73.96B-SP, 2011/0261049-5, ReI. Min. Benedito Gonçalves, 2.10.2012, DJe 29.10.2012.

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Não há como considerar preservada a moralidade pública diante

dos atos ora analisados, que se opõem ao dever atribuído ao Ministro de Estado do

Trabalho de conduzir com retidão a política pública de erradicação do trabalho escravo.

O estado de perplexidade da sociedade diante dos últimos acontecimentos, bem

ilustrado pela repercussão midiática e internacional, mostra o quanto o Ministro de

Estado do Trabalho atua em descompasso com os valores morais do povo brasileiro.

Outrossim, o princípio constitucional da impessoalidade restou

aviltado. Esse postulado exige que o agente público tenha "comportamento objetivo,

neutro e imparcial, isto é, imune a seus liames de caráter pessoal, subjetivo ou

partidário, procurando o atendimento dos interesses de todos e não de determinados

grupos, facções ou indivíduos"!16. Objetividade, neutralidade e imparcialidade é o que

não se observou da gestão do requerido referente à fiscalização e à repressão do trabalho

escravo. Todos os atos mencionados foram permeados por finalidades estritamente

particulares, em benefícios de grupos específicos.

A violação ao princípio da legalidade, por sua vez, é inequívoca

e dispensa detalhada explanação já que, ao longo de todas as razões apresentadas nesta

inicial foram apontadas, para cada um dos atos ímprobos, as transgressões ao sistema

jurídico vigente.

Também é óbvia a afronta ao princípio da eficiência, haja vista

que todas as medidas adotadas pelo requerido e aqui impugnadas demonstram a

ineficácia do poder público no combate ao trabalho em condição análoga à de escravo, o

que ficou bem evidente pelas estatísticas apresentadas anteriormente.

Além da violação aos princípios expressamente previstos no

artigo 37 da Constituição Federal - inclusive ao princípio da publicidade, em relação a

reiterada negativa de divulgação da lista suja -, os atos ímprobos mencionados,

enquanto enfraquecem a fiscalização e repressão estatais do trabalho escravo,

contrariam frontalmente a ordem constitucional vigente. São vários os princípios e

normas violados.

Pois, afinal, como poderia o retrocesso na política pública de

combate ao trabalho escravo proporcionado pelo Ministro de Estado do Trabalho em

pouco mais de um ano estar de acordo com a cidadania, com a dignidade da pessoa

humana e com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos da

116 Pazzaglini Filho, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal; legislação e jurisprudência atualizadas. 5. ed. - São Paulo: Atlas, 2011. p. 16.

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República Federativa do Brasil insculpidos no artigo 1°, incisos rI a IV, da Constituição

Federal?

Quando o Poder Público dá as costas às pessoas marginalizadas

que, pela situação de vulnerabilidade que vivem, não encontram forças para escapar da

exploração e da humilhação, vislumbra-se um estado de barbárie em que cidadania,

dignidade humana e valores sociais do trabalho são apenas palavras vazias.

Sobretudo o princípio da dignidade da pessoa humana, alicerce

de toda ordem constitucional e fundamento fuIeral na condução das políticas públicas

do Estado, é vilipendiado diante do desmonte das normas e das estruturas e serviços

públicos a disposição do combate ao trabalho escravo contemporâneo.

Isso porque o Estado enxerga o indivíduo como reles objeto e

não como pessoa sujeito de direitos ao permitir, pela indulgência do principal agente

público a frente da política pública de erradicação ao trabalho escravo, a exploração do

indivíduo e sua submissão a condições degradantes, negando o gozo dos direitos

fundamentais mais básicos como liberdade, igualdade e dignidade.

A submissão às formas modernas de trabalho escravo, além de

constituir odiosa prática pela qual há objetificação e precificação das pessoas, devasta o

arbítrio e a autonomia do indivíduo, sendo, portanto, a forma mais emblemática de

ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, cumpre trazer

ensinamento de André de Carvalho Ramos1l7;

"Para Kant, tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço é substituíve/ e tem equivalente; já aquilo que não admite equivalente, possui uma dignidade. Assim. as coisas possuem preço; os indivídnos possuem dignidade. Nessa linha. a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo. com autonomia Dara se comportar de acordo com seu arbítrio. nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados. não possuindo nreco Consequentemente, o ser humano tem o direito de ser respeitado pelos demais e também deve reciproçamente respeitá-los."

Também os objetivos fundamentais da República (artigo 3° da

Carta Maior) são desprezados pela gestão do Requerido, pois quando se promove atos

visando ou permitindo a precariedade das atividades administrativas dirigidas à

erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo, verifica-se, na realidade,

uma atuação que impede a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; que é

contrária ao desenvolvimento nacional; e que, longe de promover o bem de todos,

117 Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, l016. Grifas nossos.

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apenas aprofunda a pobreza e marginalização e permite, de forma conivente, o

agravamento das desigualdades sociais e regionais.

O Requerido descumpriu diversos preceitos constitucionais

quando, por meio de atos concatenados, atuou para desestabilizar os serviços públicos

empenhados no combate ao trabalho escravo e, em completa dissonância com as

atribuições do cargo que ocupa, compactua com a manutenção do status quo no que se

refere à exploração criminosa de trabalhadores.

Há, primeiramente, ofensa aos direitos fundamentais à vida, à

liberdade, à igualdade e à segurança (artigo 5°, caput, da Constituição Federal). O

Estado que é permissivo em relação à prática do trabalho escravo nega aos

trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo o gozo desses direitos

constitucionais.

Também há inobservância dos deveres estatais de não permitir o

tratamento desumano ou degradante e a imposição de trabalhos forçados (artigo 5°,

inciso III e inciso XLVII, 'c', da Carta Maior).

Outrossim, a condução desidiosa da política pública de

erradicação do trabalho escravo leva à degradação das condições de trabalho, o que vai

de encontro aos direitos previstos no artigo 6° e 7° da Constituição Federal.

Não se pode olvidar que o Estado deve não apenas respeitar os

direitos fundamentais, abstendo-se de interferir na fruição desses direitos pelo indivíduo

(prestação negativa), mas também atuar para que esses direitos sejam garantidos, que

não sejam violados por terceiros, dando-lhes concretude e efetividade (prestação

positiva).

Sobretudo na matéria em análise, tendo em vista que a

exploração e a submissão de pessoa à condição análoga à de escravo são postas em

prática por particulares que se valem da posição privilegiada que ocupam e da miséria e

pobreza das vítimas, a atuação positiva do Poder Público - fiscalizar, repreender e

promover a reinserção das vítimas ao mercado do trabalho, com dignidade - é

indispensável para a efetivação dos direitos fundamentais mencionados.

Todo ordenamento constitucional confere aos indivíduos uma

proteção no âmbito das relações de trabalho que é ignorada pela atuação do Ministro de

Estado do Trabalho, quanto aos fatos contidos nesta inicial. Essa proteção não decorre

somente dos fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,

previstos nos artigos 1° e 3° da Constituição, ou dos direitos fundamentais capitulados

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nos artigos 5°, 6° e 7°, mas também do princípio da prevalência dos direitos humanos

(artigo 4°, II) e das diretrizes constitucionalmente estabelecidas para a ordem econômica

e financeira: deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa

e deve ter como objetivo assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social (artigo 170, caput), além de observar princípios como redução das

desigualdades regionais e sociais e busca do pleno emprego (artigo 170,incisos VII e

VIII).

Quanto às normas internacionais, também é manifesta a ofensa à

ordem jurídica. Além da inobservância das Convençôes n° 29, 81 e 105 da Organização

Internacional do Trabalho - OIT -, já ressaltadas nesta inicial quando da análise das

alterações impostas pela Portaria nO 1.129, outros diplomas internacionais são

afrontados.

O enfraquecimento deliberado da política pública de combate ao

trabalho escravo vai contra o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos (PIDCP),

que prevê a proibição da escravidão em todas as suas formas (artigo 8, 1). Também

representa descumprimento do dever incumbido ao Estado, previsto na Convenção

Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956 (artigo 1°) de tomar todas as

medidas, legislativas e de outra natureza, que sejam viáveis e necessárias, para obter

progressivamente e logo que possível a abolição completa das práticas análogas à

escravidão.

O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais (PIDESC), ao tratar do direito ao trabalho, determina que os Estados devem

tomar todas as medidas apropriadas para salvaguardar o direito de toda pessoa de ter a

possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito

(artigo 6°).

Finalmente, o Pacto de San José da Costa Rica contém previsão

expressa no sentido de que ninguém poderá ser submetido a escravidão e ninguém

deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório (artigo 6°).

Conclui-se, portanto, que a Constituição Federal e a ordem

jurídica internacional impõem ao Estado um dever inescusável de empreender todos

esforços para erradicar o trabalho escravo e infantil em todas as suas formas, o que

pressupõe a aplicação de todas as medidas administrativas ao alcance do gestor público

para promover, de forma incansável, a fiscalização e repressão da submissão de pessoa a

trabalho em condição análoga à de escravo.

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E nesse sentido o Brasil veio atnando nas últimas duas décadas,

com avanços na política pública de combate ao trabalho escravo, com a implementação

de mecanismos e instrumentos internacionalmente reconhecidos como boas práticas a

serem seguidas.

Não há dúvida de que o Ministro de Estado detém autonomia

para conduzir a gestão administrativa da pasta conforme o plano de governo

estabelecido e a realidade orçamentária. Contudo, a ordem jurídica vigente estabelece

alguns limites que não podem ser ignorados.

Nesse sentido, o princípio da vedação ao retrocesso, como

construção jurídico-constitucional, entende que atos normativos, ao efetivar um direito

fundamental, instituindo mecanismos de concretude, incorporam-se aos direitos da

sociedade, não podendo ser restringidos ou suprimidos.

É cediço que os direitos sociais possuem a característica da

progressividade. Sendo assim, inovações legislativas ou atos regulamentares devem

impor melhores condições sociais da que as anteriormente alcançadas. Essa ilação

interpretativo-jurídica impõe ao Estado obrigações negativas, consistentes na abstenção

de restringir políticas públicas que efetivam direitos sociais.

Esse também tem sido o entendimento do Supremo Tribunal

Federal, conforme disposto em acórdão de relatoria do Ministro Celso de Mello, pois

veja:

"Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto na hipótese - de todo inocorrente na espécie - em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais." (ARE 74745AgRlMG, 2" Turma, ReI. Min. Celso de Mello, DJe 19/12/2014)

Tem-se, portanto, que em decorrência do princípio da dignidade

da pessoa humana, do comando constitucional contido no artigo 5°, § 1°, que determina

a máxima efetividade dos direitos fundamentais, e do princípio constitucional da

vedação ao retrocesso social, é inadmissível o retrocesso que o Ministro do Trabalho

vem imprimindo na política pública de erradicação do trabalho escravo.

Conforme visto, os fatos relatados nesta inicial demonstraram

que o Ministro de Estado do Trabalho descumpriu acintosamente os compromissos

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assumidos pelo Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos no acordo de solução amistosa assinado no célebre Caso José Pereira'lB.

O que mais impressiona na conduta assumida pelo requerido

para desconstruir a política pública de combate ao trabalho escravo contemporâneo é o

completo desprezo pela recente condenação do Estado brasileiro na sentença

proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso dos

trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil.

A sentença de 20.10.2016, que impôs ao Brasil a primeira

condenação na jurisdição contenciosa da CorteIDH pela existência de trabalho

escravo, reconheceu a "proibição de trabalho escravo como norma de jus cogens

(dotada de qualidade normativa superior) e também como obrigação erga omnes (todos

os países possuem interesse no cumprimento da proibição do trabalho escravo)"'l9.

Além dos pontos já destacados nesta inicial sobre a sentença da

CorteIDH - especificamente sobre como a conduta do Ministro de Estado do Trabalho

não está em consonância com as conclusões havidas na sentença -, cabe colacionar o

seguinte trecho da sentença, quando a CorteIDH ressaltou que'20

"f. .. ) não basta que os Estados se abstenham de violar os direitos, mas é imperativa a adoção de medidas positivas. determináveis em função das particulares neçessidades de proteção do sujeito de direito. seja por sua condicão pessoal ou nela situação específica em que se encontre. como a extrema pobreza ou a marginalização"

A condenação do Brasil pela CorteIDH representa, portanto, um

importante marco na jurisprudência internacional de direitos humanos que não poderia

ser ignorado pelo requerido, sobretudo com uma postura reiterada, insistente e

incessante pelo enfraquecimento dos serviços públicos e estruturas administrativas

voltados à erradicação das formas modernas de trabalho escravo.

As principais medidas administrativas descritas nesta inicial

foram adotadas em curto período 121 de gestão e de forma coordenada com o fim de 118 RELATÓRIO W 95/03, CASO 11.289. SOLUÇÃO AMISTOSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL 24 de

outubro de 2003. Disponível em: https://cidb.oas.orglannualreo/20030ortlBrasil.11289.htm. Acesso em: nov 2017.

119 Paiva, Caio Cezar. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos / Caio Cezar Paiva, Thimotie Aragon Heeman, 2 ed. - Belho Horizonte: Editora CEI, 2017. p. 626.

120 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 20 de outubro de 2016. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/images/Banco de imagens/Sentenca Fazenda Brasil Verde.pdf. Acesso em: nov 2017. p. 88.

121 Considerando que no mês de dezernbro/2016 a inércia para publicação da lista suja consolidou-se por 7 (sete) meses e foi necessário o ajuizamento de ACP por parte do MPT, e que a Portaria n° 1.129 foi publicada em outubrol2017, conclui-se que os principais atos praticados contra a política pública d@ GDlAbat@ ag trabalhu SGr3J1Q @ infaAtiI GDAG@R1;I'aHl S@ AU iRt@F'italu d@ aR@Aas lO (dez) IIl@S@S

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dificultar a fiscalização do trabalho em condição análoga à de escravo, bem como de

proteger os empregadores envolvidos com essa nefasta prática.

Com efeito, os atos ou decisões administrativas relacionados

com os fatos narrados não foram pontuais e não decorreram de manifestações

isoladas da administração pública. É inevitável constatar que os fatos representam

urna vontade política de arrefecer o combate ao trabalbo escravo e têm corno origem

comum a atuação direta do titular do Ministério do Trabalho. Dito de outro modo, os

atos administrativos ora refutados não podem ser percebidos corno meras

irregularidades apartadas. Trata-se de ilegalidades conectadas pela gestão do Ministro

de Estado do Trabalho, ora requerido, e voltadas a urna mesma finalidade que não é o

interesse público, mas impor o retrocesso na política pública de erradicação ao trabalho

em condição análoga a de escravo, em prol de alguns poucos interesses privados.

Os fatos, portanto, representam a atual política de governo para

a erradicação do trabalho escravo que, contrariando a política pública desenvolvida nos

últimos vinte anos, está pouco comprometida com a dignidade humana dos

trabalhadores vulneráveis e mais direcionada a atender aos anseios de urna parcela de

empregadores do setor agropecuário ou do setor imobiliário.

Ocorre que o combate ao trabalho escravo que deve ser eficaz,

contínuo e progressivo -, enquanto política pública de promoção de direitos humanos,

materializa urna política púbica de Estado que não pode ser suplantada por essa

política de governo posta em execução pelo Ministro de Estado do Trabalho.

Importante frisar que mesmo os atos discricionários, próprios da

formulação e execução de políticas públicas, estão vinculados aos ditames

constitucionais, de modo que cabe ao Poder Judiciário, quando constatada a violação da

ordem jurídica, impor as sanções previstas na Lei de Improbidade, conforme autoriza a

Carta Maior no seu artigo 37, § 4°. A ação de improbidade administrativa, aliás, é um

indispensável instrumento para controle das políticas públicas. Nesse sentido'22:

"Muito embora os atos administrativos discricionários permitam o exercício de um ato de vontade, deixando ao agente a possibilidade de optar, validamente, por uma dentre as múltiplas opções existentes, existe uma vinculação finalística aos valores e princípios constitucionais. com especial ênfase aos contidos no art. 37. caDut. da CF/88. [ ... ] A avaliacão judicial das políticas públicas uão se apresenta como novidade no contexto brasileiro. já que se faz a partir do

122 Appio, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. la ed., sa reimpr. Curitiba: Juruá, 2012. p. 118 e 135.

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controle de legalidade e legitimidade de atos admilÚstrativos. especialmente através da aplicacão da Lei de Improbidade admilÚstrativa (Lei 8.429/92). bem como através dos instrumentos de repressão penal."

Ainda quanto à importância da Lei nO 8.429/92 para controle

principiológico da atuação discricionária do gestor público, cabe trazer a seguinte lição

doutrinária, especialmente por se adequar de forma precisa ao contexto apresentado

nesta inicial"':

r~Dcntrc os atos de improbidade administrativa, o art. 11 da Lei 8.429/92, considerou como tais aqueles violadores dos princípios administrativos. Este dispositivo legal veio exercer um controle principiológico de toda atividade administrativa, inclusive discricionária. Isto porque, caso haja vi.olação aos princípios que norteiam a Administração Pública, mesmo no exercício de competência discricionárja, caberá a incidência do art. 11, responsabilizando-se, pessoalmente, o administrador público, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, inc. m. [ ... ] Diante do espírito individualista brasileiro. reproduzido para a esfera da Administração Pública, na qual o que se verifica é a busca da satisfacão de interesses privados ou de determinados grupos. econômicos e políticos. em detrimento de um verdadeiro interesse público; na qual a discricionariedade na prática é confundida frequentemente com a arbitrariedade; na qual os administradores públicos se consideram donos do poder. mantido a qualquer preco; entendemos que o referido artigo constitui uma das formas mais eficazes no controle da discricionariedade, desde quando a violação de princípios administrativos leva à imposição de sanções que incidem diretamente na pessoa do agente público transgressor."

Cabe salientar que a atuação do Requerido foi deliberada. A

afronto. à ordem jurídica é intencional e inconsequente.

Veja-se, por exemplo, quanto à Portaria n° 1.129, que apesar de

toda a repercussão negativa e reação das mais diversas entidades e organismos

internacionais, o Ministro deu entrevista'24 sustentando que não há motivo para

revogação da portaria.

Nem mesmo a Nota Técnica emitida pela Secretaria de Inspeção

do Trabalho'25 - que é a unidade da estrutura do Ministério do Trabalho com

123 Tourinho, ruta André Rehem Almeida. Discricionariedade administrativa: ação de improbidade & controle principiológico. 2' edição. Curitiba: Juruá, 2009. p. 269.

124 Disponível em: https:/loglobo.globo.com/economialportaria-sohre-trabalho-escraVQ-nao-sera­revogada-21988117. Acesso em: nov 2017. ANEXO N" 59.

125A Nota Técnica n° 268/2017/SIT, de 18.10.2017, teve como conclusão o seguinte: "Diante de todo o B"P9St9, @5tar::/gg d@m9FlErrr;u}Qg QS diw~r&g& "iglgçgss l~gis @ gltE'rgçges pr:e}udiGigjf QQS ir::s.t8reSEfMj

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competência para "formular e propor as diretrizes da inspeção do trabalho, inclusive

do trabalho portuário, de maneira a priorizar o estabelecimento de política de combate

ao trabalho forçado e infantil e a todas as formas de trabalho degradante" (artigo 18, I,

do Decreto n° 8.894/2016) - apontando as inconsistências verificadas na norma e

solicitando a revogação da portaria, não foi o bastante para que o Ministro de Estado

afastasse a ilegalidade.

Tampouco a recomendação expedida pelo Ministério Público

Federa!''' ou a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal para suspender os

efeitos da Portaria foram suficientes para demover o Requerido do Trabalho do

propósito de fragilizar a fiscalização e repressão ao trabalho escravo.

Não há como sustentar que a desastrosa gestão quanto ao

combate ao trabalho escravo é fruto de mera inabilidade do requerido ou que os atos

aqui descritos decorrem de negligência, imprudência ou imperícia. De forma desleal

cada ato foi praticado conscientemente mirando a violação dos princípios da

Administração Pública e a desestabilização dos serviços públicos atinentes à erradicação

do trabalho escravo, afrontando, por consequência, os mais basilares preceitos

constitucionais e normas intelnacionais 111encionados.

Os atos ilícitos praticados foram da mais extrema gravidade,

haja vista o status dos princípios constitucionais violados, o que caracteriza, de forma

ainda mais inequívoca, os atos de improbidade. Como se sabe, o ato ilícito é requisito

para configuração do ato ímprobo. Para Calil Simão127, o ilícito deve ser grave, sendo

que "ilícito grave é aquele que a lei procura evitar (não deseja que ele ocorra),

legitimando uma punição severa". Dada a proporção das ofensas à ordem jurídica já

enumeradas, é certo que a gravidade dos ilícitos, no presente caso, é inegável.

O resultado da gestão do atual Ministro de Estado do Trabalho,

ora Requerido, conforme já atestado pelos números aqui apresentados, é o

enfraquecimento das estruturas governamentais que atuam pelo fim do trabalho escravo.

A gravidade dos atos ímprobos decorre também do fato de que o Brasil ainda tem mais

de 161 mil pessoas submetidas a alguma forma contemporânea de trabalho escravo'28.

sociais e individuais indisponíveis, que configuram inquestionável retrocesso na política brasileira de combate e erradicação do trabalho análogo ao escravo, resta evidente que Q Portaria n° 1129/2017 constitui um ato administrativo manifestamente ilegal". ANEXO n° 57.

126 Até a propositura desta ação civil pública de improbidade administrativa não havia resposta à Recomendação n' 38/2017-AA, de 17 de outubro de 2017. ANEXO N' 60.

127 Simão, Calil. Improbidade administrativa: teoria e prática. - 3. ed. - Leme: J. H. Mizuno, 2017. p. 90. 128 Segundo estimativa de 2016 realizada pela organização de direitos humanos Walk Free Foundation.

Disponível em: https://www.globalslaveryindex.org/lindings/. Acesso em: nov 2017.

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Definitivamente, a dignidade humana e os direitos fundamentais dessas pessoas não são

prioridade para o Requerido. Aliás, muito pelo contrário, este não teve qualquer pudor

em negociar estes interesses para beneficiar diretamente terceiros e indiretamente a si.

Posto tudo isso, conclui-se que os fatos narrados nesta petição

demonstram que o Requerido, de forma deliberada e plenamente consciente, praticou

atos de improbidade administrativa na forma do artigo 11, caput e incisos I, II e IV; da

Lei 8.429/1992.

IV - DOS PEDIDOS

Por todo exposto, o Ministério Público Federal requer:

a) a autuação da presente petição inicial, instruída com a

documentação anexa;

b) a notificação do Requerido nos termos do artigo 17, § 7°, da

Lei n" 8.429/1992, no endereço profissional (Ministério do Trabalho, Esplanada dos

Ministérios - bloco F - CEP: 70.056-900, BrasílialDF);

c) a intimação da UNIÃO, na forma do artigo 17, § 3°, da Lei

8.429/1992;

d) decorrido o prazo para manifestação do requerido, o

recebimento desta petição inicial e a citação do réu (artigo 17, § 9°, da Lei n°

8.429/1992);

e) ao final, seja a presente ação civil pública de improbidade

administrativa julgada procedente, para condenar RONALDO NOGUEIRA DE

OLIVEIRA nas sanções civis e políticas previstas no artigo 12, inciso m, da Lei n°

8.429/1992.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em

Direito admitidos, especialmente pela oitiva de ANDRÉ ESPOSITO ROSTON, ex­

chefe da DETRAE/MTb, bem como outras pessoas a serem indicadas no momento

processual oportuno.

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Dá à causa o valor de R$ 1.000.000,000129 (hum milhão de

reais).

Brasília/DF, 6 de dezembro de 2017.

AnnaocaAsende Maia Garcia Procuradora da República

~ Felipe Fritz Braga

Procurador da República

~ Melina Castro Montoya Flores Procuradora da República

\. " .", • , f))j...J ":,%,;;M~-"''''''''"

Ana Ca{oli,a Alves Araújo Roman Prociiradora da República

1",z..V~ randão Zollin er ora da Repúb ica

129 Valor referente ao prejuízo à imagem do Brasil junto aos organismos internacionais e da multa ~,e"i't. R9 .rt, 12, R lII, <I. bei g,42Q'Q2

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RELAÇÃO DE DOCUMENTOS ANEXADOS À INICIAL

ANEXO 01- DOU - nomeação Ronaldo Nogueira

ANEXO 02 - GEFM - notícia EBC

ANEXO 03 - GEFM - notícia EBC

ANEXO 04 - GEFM - notícia Brasilgov

ANEXO 05 - Consequências - observatório das inspeções de resgate

ANEXO 06 - Lista suja - Recomendação CNDH

ANEXO 07 - Lista suja - CONATRAE

ANEXO 08 - Lista suja e CONATRAE - Portaria 1.429

ANEXO 09 - Portaria MPTS

ANEXO 10 - Lista suja e CONATRAE - MTB

ANEXO 11 - Lista suja e CONATRAE - Portaria 289

ANEXO 12 - Lista suja - Notícia Valor

ANEXO 13 - Lista suja - Notícia Repórter Brasil

ANEXO 14 - Lista suja - Ofício 3332 - PRDF - exclusão 17 nomes

ANEXO 15 - Lista suja - Ofício 167 - MTB - exclusão 17 nomes

ANEXO 16 - Lista suja - Ofício 249 MTB - exclusão 17 nomes

ANEXO 17 - Lista suja - Cumprimento de sentença MPT

ANEXO 18 - Audiência Pública SF - notícia Senado Federal

ANEXO 19 - Audiência Pública SF - notícia o Globo

ANEXO 20 - Portaria 1.29-2017 - DOU

ANEXO 21- Portaria 1.29-2017 - notícia EBC

ANEXO 22 - Portaria 1.29-2017 - notícia UOL

ANEXO 23 - Portaria 1.29-2017 - notícia EBC

ANEXO 24 - Portaria 1.29-2017 - notícia Veja

ANEXO 25 - Portaria 1.29-2017 - notícia O Globo

ANEXO 26 - Portaria 1.29-2017 - notícia Valor

ANEXO 27 - Portaria 1.29-2017 - notícia Reuters

ANEXO 28 - Portaria 1.29-2017 - notícia SDH - CONATRAE

ANEXO 29 - Portaria 1.29-2017 - notícia PGR MPF

ANEXO 30 - Portaria 1.29-2017 - notícia OAB

ANEXO 31- Portaria 1.29-2017 - notícia G1

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ANEXO 32 - Portaria 1.29-2017 - notícia OIT

ANEXO 33 - Portaria 1.29-2017 - notícia Rede globo - fisiologismo

ANEXO 34 - Portaria 1.29-2017 - notícia O Globo - fisiologismo

ANEXO 35 - Portaria 1.29-2017 - notícia Jovem pan - fisiologismo

ANEXO 36 - Portaria 1.29-2017 - notícia Estadão - fisiologismo

ANEXO 37 - Fisiologismo - Encontro FPA

ANEXO 38 - Fisiologismo - Encontro FPA

ANEXO 39 - Portaria 1.29-2017 - notícia Planalto

ANEXO 40 - Portaria 1.29-2017 - notícia O Globo - FPAx Presidente

ANEXO 41 - Portaria 1.29-2017 - notícia Folha de São Paulo - FPA x

Presidente

ANEXO 42 - Portaria 1.29-2017 - notícia Gazeta do Povo - FPA x Presidente

ANEXO 43 - Portaria 1.29-2017 - notícia UOL - bancadas ruralistas votam a

favor

ANEXO 44 - Portaria 1.29-2017 - notícia Brasil de fato - bancada ruralista vota

a favor

ANEXO 45 - Portaria 1.29-2017 - notícia O Globo - ruralistas votam a favor

Temer

ANEXO 46 - Portaria 1.29-2017 - nota de esclarecimento sobra a portaria MTB

nO 1129

ANEXO 47 - Portaria 1.29-2017 - notícia Veja - deputados CCJ votam a favor

do governo

ANEXO 48 - Fisiologismo - FPA -lista deputados

ANEXO 49 - Fisiologismo - camara deputados - votação 2' denúncia

ANEXO 50 - Fisiologismo - notícia folha - 2" denúncia

ANEXO 51- Consequências - notícia Globo - paralisação auditores

ANEXO 52 - Consequências - carta especialistas ONU

ANEXO 53 - GEFM - notícia MPT - mpt cobra solução

ANEXO 54 - Lista suja e CONATRAE - nota SINAIT

ANEXO 55 - Portaria 1.129.2017 - notícia - ONU Brasil

ANEXO 56 - Portaria 1.129.2017 - notícia oficial MTB

ANEXO 57 - Nota técnica n° 268 - SIT

ANEXO 58 - Portaria 1.129.2017 - Processo Adm MTE

ANEXO 59 - Portaria 1.129.2017 -notícia O Globo - não vai revogar

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL

ANEXO 60 - Recomendação MPF n° 38 - REC - Portaria trabalho escravo

ANEXO 61.1 - Pesquisa ASSPA PRDF- Contingenciamento do Orçamento do

MTE (Parte 1)

ANEXO 62.2 - Pesquisa ASSPA PRDF- Contingenciamento do Orçamento do

MTE (Parte 2)

ANEXO 62 - Inicial ACP lista suja

ANEXO 63 - Decisão ACP lista suja

ANEXO 64 - Execução ACP Lista suja

ANEXO 65 - Inicial ACP orçamento Grupo Móvel

ANEXO 66 - Decisão na ACP orçamento Grupo Móvel

ANEXO 67 - Decisão liminar ACP lista suja

ANEXO 68 - Fisiologismo - notícia FPA - reunião com o ministro

ANEXO 69 - Fisiologismo - DOU - exoneração e nomeação de ministro

ANEXO 70 - Justificativa para o não comparecimento de oitiva perante o MPF

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