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Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mossoró Defesa do Consumidor EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA____ VARA CIVEL DA COMARCA DE MOSSORÓ. Realmente, o Ministério Público entende que o fornecedor de serviço de urgência e emergência deve realizar sua prestação de serviço nos termos da Resolução n. 1451/1995-CFM. Temos conhecimento, todavia, de que uma parcela considerável de conselhos regionais entende que um estabelecimento cadastrado como Pronto Atendimento no Ministério da Saúde deve, pelo menos, cumprir a Portaria n. 2224/2002-MS (que exige somente pediatra e clínico médico em plantão presencial ininterrupto). Nessa ordem de idéias, afigura-se insofismável que o fornecimento pelo Centro Médico Rodolfo Fernandes de atendimento de urgência e emergência em desacordo com a Resolução n.1451/1995-CFM e também com a Portaria n. 2224/2002-MS consiste em serviço viciado, nos termos do art. 20,§2º., do CDC, que todas as normas regulamentares de prestabilidade foram descumpridas.(Petição inicial desta ação, fls.12 grifo nosso.) O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, através da Promotoria do Consumidor da comarca de Mossoró (2ª Promotoria de Justiça), com esteio na Constituição Federal - arts. 6°, caput, 127, caput e 129, incisos I, II e III -, e na Lei n° 7.347, de 24.07.1985 - art. 1° - , propõe a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE

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Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte

2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mossoró

Defesa do Consumidor

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA____ VARA CIVEL DA COMARCA

DE MOSSORÓ.

Realmente, o Ministério Público entende que o fornecedor de serviço de

urgência e emergência deve realizar sua prestação de serviço nos termos da

Resolução n. 1451/1995-CFM. Temos conhecimento, todavia, de que uma

parcela considerável de conselhos regionais entende que um estabelecimento

cadastrado como Pronto Atendimento no Ministério da Saúde deve, pelo

menos, cumprir a Portaria n. 2224/2002-MS (que exige somente pediatra e

clínico médico em plantão presencial ininterrupto).

Nessa ordem de idéias, afigura-se insofismável que o fornecimento pelo Centro

Médico Rodolfo Fernandes de atendimento de urgência e emergência em

desacordo com a Resolução n.1451/1995-CFM e também com a Portaria n.

2224/2002-MS consiste em serviço viciado, nos termos do art. 20,§2º., do CDC,

já que todas as normas regulamentares de prestabilidade foram

descumpridas.(Petição inicial desta ação, fls.12 – grifo nosso.)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

NORTE, através da Promotoria do Consumidor da comarca de Mossoró (2ª

Promotoria de Justiça), com esteio na Constituição Federal - arts. 6°, caput,

127, caput e 129, incisos I, II e III -, e na Lei n° 7.347, de 24.07.1985 - art. 1° -

, propõe a presente AAÇÇÃÃOO CCIIVVIILL PPÚÚBBLLIICCAA COM PEDIDO DE

LIMINAR em face da Fundação Ana Lima, pessoa jurídica de Direito

Privado, com sede em Fortaleza/Ce. à Av. Heráclito Graça n. 406, Centro,

C.N.P.J.63554067/0001-98, representado por seu Diretor-Presidente Jorge

Pinheiro F. de Lima, em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir

delineados.

I – DOS FATOS

A requerida é proprietária do Centro Médico Rodolfo Fernandes e do Plano

de Saúde Hap Vida de Mossoró, com endereço na Rua Dr. João Marcelino, nº 429,

Centro, CEP: 59611-200, Mossoró-RN.

A Promotoria do Consumidor da comarca de Mossoró instaurou o

PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO DE INQUÉRITO CIVIL n. 017/2009, com o

objetivo de realizar apuração preliminar acerca da falta de médicos especialistas nas

áreas de clinico geral, pediatra, ortopedista, anestesista e cirurgião trabalhando em

regime de plantão presencial no atendimento de urgência e emergência do Centro

Médico Rodolfo Fernandes.

Realmente, há cerca de um ano a Promotoria do Consumidor vem recebendo

informações no sentido de que vários estabelecimentos hospitalares que não

cumprem a obrigação contratualmente assumida de fornecer atendimento de

urgência e emergência ao violarem o disposto na Resolução n. 1451/1995-CFM.

A aludida resolução do Conselho Federal de Medicina define o que é

atendimento de urgência e emergência e determina que (art. 2º.) a equipe médica

presente no interior do estabelecimento de saúde que presta atendimento de urgência

e emergência deve ser constituída, „no mínimo‟, de 1 anestesiologista, 1 clínico

médico (geral), 1 pediatra, 1 cirurgião geral e 1 ortopedista.

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MPE-RN)

instaurou o PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO DE INQUÉRITO CIVIL, sob o

registro cronológico nº 017/2009 – 2ª PJM, com o objetivo de realizar apuração

preliminar acerca da falta de médicos especialistas nas áreas de clinico geral,

pediatra, ortopedista, anestesista e cirurgião trabalhando em regime de plantão

presencial no Hospital Rodolfo Fernandes da HAPVIDA em Mossoró.

O Hospital Rodolfo Fernandes (HRF), em sua manifestação, afirmou que atua

com 12 (doze) médicos que se revezam em regime de plantão presencial, e mais 22

(vinte e dois) médicos que se revezam em regime de plantão de sobreaviso.

Conforme depreende-se da escala anexada às fls. 14 e 15 pela requerida, em

regime de plantão presencial só há especialistas nas áreas de clínica geral e pediatria,

e que em regime de plantão de sobreaviso há especialistas nas áreas de ortopedia,

anestesiologia, cirurgia geral, ginecologia, obstetrícia e neonatologia.

O atendimento de urgência e emergência do Centro Médico Rodolfo

Fernandes está registrado no CNES – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de

Saúde do Ministério da Saúde – na modalidade „Pronto Atendimento‟, e, consoante a

Portaria n. 2.224/2002 do Ministério da Saúde, os hospitais classificados como „de

porte I‟ podem realizar atendimentos de urgência e emergência genérica (não

voltados a uma área específica da medicina) na forma de Pronto Atendimento, o que

demanda a presença ininterrupta e simultânea, no mínimo, de 1 (um) médico com

residência em pediatria e 1(um) médico com residência em clínica médica.

Embora a Promotoria do Consumidor entenda que o hospital da ré em

Mossoró, apesar de consistir em pronto atendimento, deve obedecer a Resolução n.

1451/1995-CFM devido aos contratos que celebra com os consumidores do plano de

saúde Hap Vida (também pertencente à Fundação Ana Lima), a requerida, em suas

manifestações no âmbito do PPIC n. 17/2009-2ª.PJM, deixa claro que sequer cumpre

a Portaria n.2224/2002-MS, pois não disponibiliza no plantão realizado no interior do

Centro Médico Rodolfo Fernandes pediatras e clínicos médicos de maneira

simultânea e ininterrupta.

Realmente, a requerida vem sustentando no âmbito do PPIC n. 17/2009-

2ª.PJM (v.g. fls. 12 e 13) que a recente Resolução n. 1834/2008 autoriza a realização

de plantão de urgência e emergência com qualquer médico presente, podendo os

médicos especialistas exigidos – seja pela Resolução n. 1451/1995-CFM seja pela

Portaria n. 2.224/2002-MS – trabalharem em regime de sobreaviso.

II– DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O artigo 129, III, da Constituição Federal de 1988, prevê ser função

institucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil

pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de

outros interesses difusos e coletivos.

Além disso, a Carta Magna, em seu artigo 127, caput, atribui ao Parquet a

defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis.

Seguindo a presente análise, o artigo 82 do CDC confere a essa instituição

legitimidade para defender interesses e direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos (descritos no artigo 81, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90). Da mesma

forma, a Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) autoriza o Parquet a intentar

ação para a defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo (art. 1o., IV), bem como

aos interesses individuais homogêneos, em virtude da previsão contida no artigo 21

da referida lei e da plena interação existente entre a Lei da Ação Civil Pública e o

Código de Defesa do Consumidor.

Na doutrina, Aluísio Gonçalves de Castro Mendes corrobora que :

Figuram, em síntese, como legitimados a pessoa natural, para a

defesa dos direitos ou interesses difusos; o membro do grupo,

categoria ou classe, para a proteção dos direitos ou interesses

coletivos e individuais homogêneos; o Ministério Público, para a

defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos; a Defensoria Pública; as pessoas jurídicas de direito

público interno; as entidades e órgãos da Administração Pública; as

entidades sindicais, para a defesa da categoria; os partidos políticos

e as associações e fundações provadas legalmente

constituídas.(Grifo nosso). 1

O art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor aduz que:

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste

código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam

titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.2

Tendo em vista que o atendimento de urgência e emergência do Centro Médico

Rodolfo Fernandes é utilizado tanto pelos usuários do plano de saúde Hap Vida

(coletividade determinável) quanto também por consumidores particulares

indeterminados e indetermináveis ligadas por circunstâncias de fato (qual seja a

utilização dos serviços do réu em um contexto de desrespeito, por parte de tal

nosocômio, à legislação que disciplina seus serviços), verifica-se que existem

interesses/direitos coletivos e difusos tutelados nesta demanda, sendo portanto o

Parquet legitimado a postular sua proteção.

III- DO DIREITO

O plantão de urgência e emergência não especializado deve ser

obrigatoriamente realizado por esses cinco especialistas (médicos com residência

em) - 1 anestesiologista, 1 clínico médico (geral), 1 pediatra, 1 cirurgião geral e 1

ortopedista – ‘em conjunto’ e em regime ‘presencial’, nos termos da Resolução

1 DIDIER JR., Fredie; MOUTA, José Henrique (coordenadores). Tutela Jurisdicional Coletiva. Salvador: Editora

Jus-PODIVM,2009. p. 102.

2 Lei n. 8.078/1990, art. 81.

n. 1451/1995-CFM.

Todavia, a Portaria n. 2.224/2002 do Ministério da Saúde abre aos

hospitais que classifica como ‘de porte I’ a possibilidade de prestarem

atendimento de urgência/emergência genérica na forma de Pronto Atendimento,

o que demanda a presença ininterrupta, no mínimo, de 1 (um) médico com

residência em pediatria e 1(um) médico com residência em clínica médica.

III.1-Normas regulamentares expedidas pelo CFM para prestação do serviço de

plantão genérico.

A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1451/1995, em seu

art. 2º, determina que:

Art. 2º – A esquipe médica do Pronto Socorro deverá, em regime de

plantão no local, ser constituída, no mínimo, por profissionais das

seguintes áreas:

Anestesiologista;

Clínica Médica;

Pediatra;

Cirurgia Geral;

Ortopedia.

Ademais, o referido diploma legal determinou, em seu art.1º, que:

Os estabelecimentos de Prontos Socorros Públicos e Privados deverão

ser estruturados para prestar atendimento a situações de urgência-

emergência, devendo garantir todas as manobras de sustentação da

vida e com condições de dar continuidade à assistência no local ou

em outro nível de atendimento referenciado. ( Grifo nosso).

III.2- Alegação improcedente e insustentável de que a Resolução n. 1451/1995-CFM

foi revogada pela Resolução n. 1834/2008-CFM.

Os hospitais e pronto-socorros investigados pela Promotoria do Consumidor

geralmente argumentam que a recente Resolução n. 1834/2008 alterou a Resolução n.

1451/1995 para permitir que os médicos anestesistas, pediatras, ortopedistas, clínicos

gerais e cirurgiões gerais possam atuar no plantão em regime de sobreaviso. Essa

tese, porém, não se sustenta ante uma simples leitura de ambas as resoluções.

Com efeito, a Resolução CFM nº 1834/2008 adota já em seus

„considerandos‟ a Resolução n. 1451/1995-CFM, ao enunciar expressamente:

CONSIDERANDO a Resolução CFM nº 1.451/95; (…)

Tal remissão à Resolução n. 1451/1995-CFM, em conjunto com a análise do

teor da Resolução n. 1834/2008, levam inexoravelmente à conclusão de que as

referidas resoluções são complementares, não tendo a Resolução n. 1834/2008-CFM

revogado em nada a Resolução n.1451/1995-CFM.

Realmente, enquanto a Resolução n. 1451/1995-CFM fornece os conceitos

de atendimento de urgência e emergência e determina quais especialidades médicas

devem, simultânea e presencialmente, integrar o plantão genérico - não destinado a

atendimentos em uma única área da medicina (ou, mais tecnicamente, a uma única

clínica médica) -, a Resolução n. 1834/2008-CFM regulamenta a atuação dos

médicos que podem prestar seus serviços em regime de sobreaviso nos plantões.

A Resolução n. 1834/2008 define o que é „disponibilidade médica em

sobreaviso‟ e estatui em seu artigo 6º. que a decisão acerca de quais especialidades

devem atuar no plantão em regime de „disponibilidade em sobreaviso‟ deve

submeter-se à legislação vigente, no âmbito da qual figura a Resolução n.

1451/1995. Senão vejamos:

Art. 6º Compete ao diretor técnico e ao Corpo Clínico decidir as

especialidades necessárias para disponibilidade em sobreaviso, de

acordo com a legislação vigente. (Grifo nosso).

Prova inequívoca de que a Resolução n. 1834/2008-CFM harmoniza-se com

a Resolução n. 1451/1995-CFM sem revogar esta última em nada é a Exposição de

Motivos da Resolução n. 1.834/08-CFM, a qual declara que:

Nas unidades de Pronto-Socorro, o atendimento às emergências

deve ser previsto e assegurado nas 24 horas do dia, com alocação de

recursos humanos conforme estabelecido na Resolução CFM nº

1.451/95.

Outras especialidades médicas não exigidas in locum podem,

entretanto, estar disponíveis por intermédio do sobreaviso

previamente definido, o que atenderia perfeitamente as necessidades

técnicas de demanda não-eletiva, além de não acarretar prejuízo ou

riscos aos pacientes.3

Dessarte, é insustentável a alegação de que a Resolução n. 1834/2008-

CFM revogou a Resolução n. 1451/1995-CFM, passando a ser permitida a

existência de plantão genérico sem a equipe de médicos exigida por esta última

in locu.

A verdade insofismável – emergente da leitura da Exposição de Motivos da

Resolução n.1834/2008-CFM (que anexamos a esta petição) é a de que a Resolução

n. 1451/1995-CFM estabelece o mínimo para o funcionamento de plantão oferecido e

prestado de forma genérica, vale dizer, não voltado exclusivamente ao atendimento

em uma única especialidade (uma única clínica médica).

Esse mínimo, porém, não vem sendo cumprido pela ré, a qual não contratou

anestesistas, pediatras, ortopedistas e cirurgiões gerais para realização de plantões, de

maneira que haja, ininterruptamente (no plantão), no interior do hospital (in locu), a

seguinte equipe: 1 anestesiologista, 1 clínico médico (geral), 1 pediatra, 1 cirurgião

geral e 1 ortopedista.

III.3 – Harmonização das resoluções 1451/1995-CFM e 1834/2008-CFM pelos

CRMs do Brasil.

Dando a devida importância ao assunto, o Conselho Regional de Medicina da

Paraíba promulgou a Resolução nº 125/2005, cujo art. 3º dispõe:

3 http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2008/1834_2008.htm (acesso em 08/06/10 às 14:40)

Art. 3º- Os serviços que anunciarem atendimento de emergência e que

não caracterizarem emergência de especialidade específica, deverão

cumprir o que determina a Resolução do Conselho Federal de Medicina

nº 1451/95, a qual exige a presença de equipe mínima de plantão no

âmbito da instituição composta por Anestesista, Cirurgião, Pediatra,

Clínico e Ortopedista. (Grifo nosso).

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará também promulgou a

respeito a Resolução CREMEC nº 07/1994 (anterior à Resolução n. 1451/1995), cujo

art. 2º dispõe:

Art. 2º - As instituições que anunciarem a existência de plantões estão

obrigadas a manter o profissional na especialidade anunciada, durante

toda a jornada do plantão, no âmbito da instituição.

§ 1º - Em casos de anúncio de serviços de Emergência exige-se a

presença de plantonista(s) na(s) especialidade(s) anunciada(s).

§ 2º - Quando o anúncio de Emergência for genérico é exigida a

presença de plantonistas nas seguintes especialidades: Clínica Médica,

Cirurgia Geral, Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia e Anestesiologia.

Verifica-se que o CRM do Ceará deixou de exigir apenas uma das

especialidades dentre as exigidas, um ano depois, pela Resolução n. 1451/1995, a

saber, a ortopedia, donde verifica-se que não se concebe plantão genérico com

somente um ou dois médicos in locu e tampouco plantão genérico sem a presença de

todas as especialidades exigidas pela Resolução n. 1451/1995, mesmo após a edição

da Resolução n. 1834/2008-CFM.

Tal ocorre porque a Resolução n. 1834/2008-CFM simplesmente regulamenta

a prestação de serviços de médicos com outras especialidades (diferentes das

especialidades exigidas pela primeira resolução para plantão presencial ou in locu),

nos plantões, em regime de „disponibilidade em sobreaviso‟, estatuindo basicamente

que deve haver sempre remuneração para o médico de sobreaviso,

independentemente de seus serviços serem efetivamente utilizados ou não e que

compete ao diretor técnico e ao corpo clínico, respeitada a legislação em vigor (v.g. a

Resolução n.1451/1995-CFM), estabelecer quais especialidades prestarão serviços

médicos em regime de „disponibilidade em sobreaviso‟.

No Parecer nº 1058/984 do Conselho Regional de Medicina do Paraná, em

resposta à pergunta “ O médico pediatra de plantão pode ausentar-se do hospital

mantendo-se de sobreaviso à distância?” , aduziu que:

O Código de Ética Médica não estabelece em nenhum de seus

dispositivos o chamado 'plantão à distância' como princípio de atuação

do médico em hospitais. Essa prática tem sido tolerada em grande

número de estabelecimentos de saúde. Em alguns, por deficiência de

pessoal em seu corpo clínico. Em outros, por uma distorção, uma

deformação, uma disfunção, mesmo que seja o plantão médico. A

unidade hospitalar é obrigada a ter em seus quadros o médico

responsável pelo plantão. E nos serviços de urgência o não atendimento

a essa regra é simplesmente inadmissível.(...) Conforme enfatiza

Genival Veloso de França, “há, inclusive, serviços que os plantões

não podem ser ‘à distância’, como, por exemplo, os de obstetrícia, de

traumatologia e de medicina intensiva, pelas compreensíveis

exigências das muitas ocorrências emergenciais e pelos cuidados

imediatos que certos casos exigem”. Isto posto, cabe à equipe médica e à

Direção Médica do Hospital se organizarem para que as atividades em

setores de urgência não se vejam desfalcadas para os primeiros socorros

básico.

À luz da análise de tal parecer, torna-se mais evidente que as exigências da

Resolução n. 1451/1995 chegam a ser modestas, pois, embora ela também exija

traumatologista ao demandar a presença de ortopedista, nela não se impõe aos

plantões genéricos a presença de intensivista nem de obstetra.

A Resolução n. 1451/1995, portanto, é o mínimo do mínimo exigível para

funcionamento de um plantão genérico e, infelizmente, não vem sendo cumprida

pelo réu.

III.4 – Descumprimento contratual e violação a direito coletivo dos consumidores do

plano de saúde - vício do serviço de plantão genérico por desobediência a

disposições regulamentares (art. 20 CDC).

4 http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CRMPR/pareceres/1998/1058_1998.htm (acesso em 08/06/10 às 14:40)

Mas a violação da Resolução n.1451/1995-CFM pelo réu não consiste

somente em irregularidade administrativa sujeita a sanções por parte do Conselho

Regional de Medicina.

Com efeito, ela configura também um grave descumprimento contratual

relativamente aos usuários do plano de saúde Hap Vida, pois o contrato do plano de

referência (plano básico) do mencionado plano de saúde – por exigência do

Ministério da Saúde – obriga a operadora a prestar atendimento de urgência e

emergência a seus usuários de Mossoró.

Mesmo que os contratos firmados pelo Plano de Saúde Hap Vida – também

pertencente à Fundação Ana Lima – não prevejam expressamente a prestação de

atendimento de urgência e emergência, tal cláusula deve ser tida como escrita em

todos os seus contratos de plano de saúde, pois, desde que a Agência Nacional de

Saúde Suplementar regulamenta o conteúdo mínimo de contratos de plano de saúde,

estipula que o atendimento de urgência e emergência é coberto pelo que denomina

„plano de referência‟.

Atualmente através da Resolução Normativa n. 211/2011, a Agência Nacional

de Saúde Suplementar continua exigindo que as operadoras de plano de saúde

prevejam em seus planos „referência‟ ou planos „básicos‟ o atendimento de urgência e

emergência.

Dessarte, todos os usuários do plano de saúde Hap Vida em Mossoró têm

garantidos em seus contratos a cobertura de atendimento de urgência e emergência, o

que só pode ser efetivado através da oferta de atendimento de urgência e emergência

nos moldes da retrocitada Resolução n.1451-CFM.

Além do descumprimento contratual puro e simples praticado em prejuízo

dos usuários do plano de saúde Hap Vida, relativamente a estes e a todos os outros

consumidores dos serviços do Centro Médico Rodolfo Fernandes, o atendimento de

urgência e emergência em desacordo, seja com a Resolução n. 1451/1995-CFM, seja

com a Portaria n. 2.224/2002-MS, configura violação a direito transindividual dos

consumidores de usufruir serviço isento de vício.

O art. 20 do CDC estabelece que:

Art.20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade

que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor,

assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações

constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor

exigir, alternativamente e à sua escolha:

(...)

§2º. São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os

fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não

atendam às normas regulamentares de prestabilidade. (Grifo

nosso).

Realmente, o Ministério Público entende que o fornecedor de serviço de

urgência e emergência deve realizar sua prestação de serviço nos termos da

Resolução n. 1451/1995-CFM. Temos conhecimento, todavia, de que uma

parcela considerável de conselhos regionais entende que um estabelecimento

cadastrado como Pronto Atendimento no Ministério da Saúde deve, pelo menos,

cumprir a Portaria n. 2224/2002-MS (que exige somente pediatra e clínico

médico em plantão presencial ininterrupto).

Nessa ordem de idéias, afigura-se insofismável que o fornecimento pelo

Centro Médico Rodolfo Fernandes de atendimento de urgência e emergência em

desacordo com a Resolução n.1451/1995-CFM e também com a Portaria n.

2224/2002-MS consiste em serviço viciado, nos termos do art. 20,§2º., do CDC,

já que todas as normas regulamentares de prestabilidade foram descumpridas.

Logo, estamos diante de um caso de vício do serviço previsto no art. 20,

§2º., do CDC.

Conforme esclarece Rizzato Nunes, vício do serviço e fato (ou defeito) do

serviço distinguem-se porque, no primeiro caso (vício), a falha é do serviço em si,

que em razão dela passa a ser inadequado ou tem seu valor diminuído,

independentemente de qualquer prejuízo adicional causado ao consumidor, ao passo

que, quando ocorre fato ou defeito do serviço, além do vício que acarreta a

inadequação ou diminuição do valor do serviço, há um dano adicional causado ao

consumidor. 5

Existe, portanto, vício sem fato do serviço, porém o contrário não sucede, vez

que todo fato do serviço „pressupõe o vício‟, pois consiste em fato jurídico

decorrente do vício que caracteriza-se pela circunstância de causar prejuízo adicional

ao consumidor.

Na hipótese destes autos, a Promotoria do Consumidor instaurou o PPIC

n.17/2009 de ofício, pois os cidadãos prejudicados pela ilegalidade apontada

recusaram-se a figurar como testemunha no aludido procedimento, o que difuculta a

comprovação da ocorrência de prejuízos adicionais causados aos consumidores em

pelo apontado vício do serviço – de forma a que pudéssemos enquadrar os fatos

supra delineados como „fato ou defeito do serviço‟.

A ausência de comprovação do fato do serviço (in casu, danos adicionais em

razão da impropriedade ou inadequação do serviço), todavia, não impede a prestação

da tutela jurisdicional para coibir o vício do serviço, nos termos pleiteados pela

Promotoria do Consumidor nesta demanda.

O fornecimento do serviço de plantão médico genérico em desacordo com

as normas regulamentares do Conselho Federal de Medicina enquadra-se

milimetricamente na previsão contida no final do §2º. do art. 20 do CDC,

correspondendo, segundo o magistério de Rizzato Nunes, a um caso de inadequação

do serviço.

A norma do caput do art. 20 fala em vício como aquele que torne o

serviço “impróprio”. No caput do art. 18 aparece uma distinção. Lá

está colocado que o vício torna o produto “impróprio ou inadequado”.

5 NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 4 ed., 2009, págs. 180/183.

Já vimos que há diferença entre os termos “impróprio” e

“inadequado”. “Impróprio” é a característica que impede o uso ou

consumo do produto. “Inadequado” é a que faz com que o produto

possa ser utilizado, mas com eficiência reduzida. Isto é, o consumidor

pode dele se servir, mas há alguma perda na eficiência da qualidade

ofertada.6

III.5- Resumo da situação jurídica da ré.

Dessarte, em razão da incidência das supramencionadas normas jurídicas,

a Promotoria do Consumidor de Mossoró entende que a Fundação Ana Lima –

proprietária do Plano de Saúde Hap Vida e do Centro Médico Rodolfo

Fernandes – deve ser compelida a prestar atendimento de urgência e

emergência conforme dispõe a Resolução n. 1451/1995 (ou seja, com pelo menos

1 pediatra, 1 clínico médico, 1 ortopedista, 1 cirurgião geral e 1 anestesiologista,

todos atuando simultaneamente, em plantão ininterrupto e presencial no

interior do Centro Médico Rodolfo Fernandes).

Caso o Poder Judiciário não adote esse posicionamento, pugnamos que a

ré seja compelida, pelo menos, a cumprir, no âmbito do Centro Médico Rodolfo

Fernandes, o que determina a Portaria n. 2.224/2002 do Ministério da Saúde -

ou seja, que forneça pronto-atendimento com pediatra e clínico médico, ambos

atuando simultaneamente, em plantão ininterrupto e presencial no interior do

Centro Médico Rodolfo Fernandes.

III.6 – Responsabilidade civil do fornecedor de serviços.

A responsabilidade do fornecedor é objetiva, pois na sistemática do CDC

apenas o profissional liberal responde subjetivamente quando demandado.

No caso destes autos, além da condenação a obrigação de fazer/não fazer

(tutela inibitória), postula-se também a condenação a indenização (tutela

6 Idem. Ibidem, pág. 247.

ressarcitória) pelo dano moral transindividual causado aos consumidores que

utilizaram o serviço de atendimento de urgência e emergência (viciado) do Centro

Médico Rodolfo Fernandes.

Conforme o art. 6º., VI, do CDC, a tutela dos direitos do consumidor tem -

como princípio básico – a reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais e

transindividuais.

A prestação do serviço inadequado – plantão médico em desacordo com as

normas regulamentares – acarretou e continua acarretando prejuízo patrimonial aos

consumidores particulares ou conveniados a planos de saúde que acorrem ao Centro

Médico Rodolfo Fernandes visando usufruiu um atendimento de urgência e

emergência médica em conformidade com as normas regulamentares, pois pagam a

mensalidade do plano de saúde ou o valor particular do atendimento em questão para

usufruir atendimento de urgência e emergência dentro dos padrões mínimos de

qualidade impostos pela legislação e, quando recebem serviço inadequado,

evidentemente estão „pagando mais e levando menos‟.

Mas não é só. Tal situação acarreta, outrossim, um inegável dano moral

difuso – espécie de dano moral transindividual -, pois uma quantidade indeterminada

e indeterminável de pessoas que utilizaram e utilizam o serviço de atendimento

médico (genérico) de urgência e emergência do réu vêm sentindo-se lesadas,

desrespeitadas e humilhadas pelo malogro de que são vítimas ao descobrirem, v.g.,

que não há pediatras, nem ortopedistas, nem anestesiologistas no plantão e que,

mesmo estando necessitando de um desses profissionais, e (no caso dos usuários do

plano de saúde Hap Vida de Mossoró) apesar de terem celebrado um contrato que

lhes garante o atendimento de urgência e emergência, terão que conformar-se com

atendimento prestado por médico sem especialização nessas áreas.

O dano moral difuso é flagrante, pois essa situação tem causado revolta,

indignação, decepção nos consumidores dos serviços do Centro Médico Rodolfo

Fernandes, predominando nesses consumidores o sentimento de que foram vítimas

de um malogro.

Realmente, os consumidores dos serviços do Centro Médico Rodolfo

Fernandes sentem-se desprezados, impotentes, mal atendidos e desrespeitados em

seus direitos básicos ao depararem-se com a conduta ilícita retrodescrita.

O dano moral é difuso porque existe a oferta pública de atendimento

médico de urgência e emergência pelo hospital da ré, de maneira que o referido

nosocômio atende a usuários do plano de saúde Hap Vida e também a não-

usuários, indistintamente, não sendo possível quantificar quantas pessoas já

foram lesadas pelo fornecimento desse serviço viciado.

III.5.1- A responsabilização pelo dano moral difuso e teoria do damnum in re

ipsa.

Consoante Carlos Alberto Bittar:

Na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais

prevalece, de início, a orientação de que a responsabilização do

agente se opera por força do simples fato da violação. Com isso,

verificado o evento danoso, surge, ´ipso facto´, a necessidade de

reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa

ponderação, emergem duas conseqüências práticas de

extraordinária repercussão em favor do lesado: uma, é a

dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a

desnecessidade de prova de prejuízo em concreto.7

Luiz Antônio de Souza e Vitor Frederico Kümpel8 esclarecem que “um dos

direitos básicos do consumidor é a efetiva reparação dos danos patrimoniais e

morais, individuais, coletivos ou difusos (art. 6º, VI, do CDC), daí porque, em caso e

danos derivados de relação de consumo, deve o fornecedor repará-los”.

È cediço que a comprovação exigida em razão de dano difuso difere dos

7 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais, Revista dos Tribunais, 1993, p. 202.

8 SOUZA, Luiz Antônio de e Vitor Frederico Kümpel, Direitos difusos e coletivos, 2009, p.25.

requisitos exigidos para a comprovação individual pela própria natureza jurídica do

direito postulado.

A responsabilidade civil em face de danos difusos ampara-se na trilogia

dano-agente-nexo causal. O dano encontra-se evidenciado no descumprimento da

Resolução n. 1451/1995-CFM (e/ou da Portaria n. 2224/2002-MS), bem como do art.

20 do CDC pelo Centro Médico Rodolfo Fernandes, comprovado pelos documentos

anexados ao PPIC n.17/2009-2ª.PJM, que segue em anexo.

Cumpre ressaltar que o entendimento predominante no STJ é no sentido de

acolhida aos pleitos indenizatórios difusos mesmo quando inexiste qualquer dano

individual concretizado e identificado.

Em conformidade com essa senda jurisprudencial, cito jurisprudência do

TJRN:

EMENTA: Direito do Consumidor. Ação Civil Pública.

Bomba medidora de combustível que causa prejuízo aos

consumidores.

- Não existe julgamento "ultra petita" quando o Juízo "a

quo", ao prolatar a sentença, apenas acolheu o conteúdo do

pedido exordial.

- A responsabilidade pela prática de atos ofensivos aos

direitos consumeristas é objetiva, não se cogitando da

necessidade de comprovação de culpa.

- A condenação em compensação pecuniária mostra-se

devida em razão da extensão do dano, praticado a um

número indeterminado de consumidores.

- Não tratando, o caso, de dano moral, é devida a correção

monetária a partir da data de aferição do evento danoso,

conforme dicção da Súmula 43 do Superior Tribunal de

Justiça.

- Apelação Cível conhecida e improvida.9

O STJ figura na vanguarda dos tribunais que vêm reconhecendo a

reparabilidade do dano difuso com base exclusivamente na prova da conduta ilícita,

9 BRASIL, TJRN. Apelação Cível n.° 2006.002016-5, Rel. Des. Aécio Marinho, data de julgamento 21/09/2006.

conforme se observa abaixo:

ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE -

IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO -

DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E

DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO

DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE

IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO -

ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE

TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO

– LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é

transindividual e atinge uma classe específica ou não de

pessoas, é passível de comprovação pela presença de

prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos

enquanto síntese das individualidades percebidas como

segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.

2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da

comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico,

suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas

inaplicável aos interesses difusos e coletivos.

3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos

idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do

benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado

pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º

exige apenas a apresentação de documento de identidade.

4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o

sistema normativo.

5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou

as

circunstancias fáticas e probatória e restando sem

prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a

decisão.

5. Recurso especial parcialmente provido.10

Por último, mas não menos importante, os próprios juízes em primeira

instância desta comarca já vêm reconhecendo a existência e a necessidade de efetiva

reparação do dano difuso sem necessidade de comprovação da dor moral da

coletividade atingida:

COMARCA DE MOSSORÓ – TERCEIRA VARA CÍVEL

JUIZ DE DIREITO EM SUBSTITUIÇÃO LEGAL: Dr.

MANOEL PADRE NETO.

DIRETOR DE SECRETARIA: AIRTON BASÍLIO DE

10 BRASIL. STJ. Recurso Especial 2008/0104498-1, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ªTurma, data de julgamento

01/12/2009, publicação DJe 26/02/2010.

SOUZA.

Avenida Rio Branco, 1902, Centro, Mossoró RN – CEP:

59.611- 400, Fone: 84-3315-7170.

Nota de Foro n° 197/2009.

(01) – Processo nº 106.04.008710-1. Ação Civil Pública.

Requerente: O Representante do Ministério Público do Estado

do Rio Grande do Norte.

Requerido: Francisco Ailson Ferreira (Firma Mercantil

Individual).

Advogado: Aldo Fernandes de Sousa Neto, OAB/RN- 4.414.

Sentença: (...) III – DISPOSITIVO. Isto posto, JULGO

PROCEDENTE, em parte, os pedidos veiculados na

petição inicial, e, por conseguinte, DETERMINO que a empresa

promovida FRANCISCO AILSON FERREIRA, qualificada nos

autos, abstenha-se de comercialização combustível adulterado,

sob pena de multa diária (astreintes) no valor de R$ 1.000,00

(hum mil reais). CONDENO a promovida ao pagamento de

INDENIZAÇÃO DOS DANOS DIFUSOS aos consumidores,

no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser depositado na

conta nº 15154-8, Agência 3795-8, do Banco do Brasil S/A, em

benefício do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.

CONDENO-A, por fim, ao pagamento das custas e despesas

processuais.

Fica a promovida ciente de que o não pagamento voluntário da

obrigação resultante desta sentença, no prazo de 15 (quinze)

dias, após o trânsito em julgado, acarretará a aplicação de multa

de 10% (dez por cento),

prevista no art. 475-J, do CPC, além do desencadeamento das

medidas de execução, se requeridas. Após o trânsito em julgado,

e pagas as custas, arquive-se, com a baixa respectiva, se nada

mais for requerido. Publique-se. Registre-se. Intimemse.

Mossoró, 11 de agosto de 2009. (Ass.) Manoel Padre Neto. Juiz

de Direito em Substituição Legal.11

No caso em exame, desnecessária a apresentação de prova da dor moral difusa

(cuja testificação seria, por sinal, sempre uma amostragem), já que demonstramos

nesta ação a violação das normas regulamentares de prestabilidade na execução do

serviço fornecido pelo réu, o que caracteriza tal serviço como serviço inadequado,

nos termos do art. 20 do CDC.

Assim, a responsabilização pelo dano moral difuso, que dispensa a

11 DJE, Nota de Foro nº 197/2009, Publicada em 13-08-09, Edição nº 429. Disponível no sítio

https://www.diario.tjrn.jus.br/djonline/goto.jsf (acesso em 30/04/2010 às 16:22).

demonstração da dor moral das inúmeras vítimas difundidas na cidade de

Mossoró/RN, exige, tão só, a demonstração do ilícito, qual seja o desrespeito

contínuo ao consumidor ou à coletividade de pessoas a ele equiparada, na forma

do CDC.

III.5.2 – Possibilidade de cumulação de pedidos de obrigação de fazer/não

fazer (tutela inibitória) com os de obrigação de indenizar (tutela ressarcitória).

A Constituição Federal elenca como direito fundamental em seu art. 5º a

defesa do consumidor, vinculando ao Estado o dever de promovê-la e,

consequentemente, em caso de dano à relação de consumo, de garantir a sua efetiva

reparação.

Com o fim de garantir essa reparação integral, o legislativo ordinário editou

leis que prevêem instrumentos processuais aptos a tutelar, com o máximo de

amplitude, a defesa não só da relação de consumo, como também dos interesses e

direitos difusos e coletivos como um todo. Dentre essas leis processuais destacam-se

a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor.

Ao interpretar o art. 3º da LACP, que trata do objeto da ação, não podemos

desconsiderar a ampliação advinda do art. 83 do Código de defesa do Consumidor.

Neste sentido escreve Milaré :

O art. 3º da Lei 7.347/85, que só previa ações condenatórias (ao

pagamento em dinheiro ou às obrigações de fazer ou não fazer), ficou

ampliado a todas as espécies de ações capazes, no caso, de propiciar

adequada e efetiva defesa do ambiente (sejam elas de conhecimento,

de execução, cautelares ou mandamentais), por força do disposto no

art. 83 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável à lei da Ação

Civil Pública. 12

Nesta exordial, observamos o disposto no art. 292 do CPC, que dispõe:

Art. 292. É permitida a cumulação, num único processo, contra o

12 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2ª ed. rev. atual e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos tribunais. 2001.

mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.

§ 1o São requisitos de admissibilidade da cumulação:

I - que os pedidos sejam compatíveis entre si;

II - que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo;

III - que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.

§ 2o Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de

procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o

procedimento ordinário.

Acerca do tema, a jurisprudência do STJ aponta no sentido da possibilidade

de cumulação, senão vejamos:

PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES

DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA.

POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA

LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º,

DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI

8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO

POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.

1. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em

normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei

6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da

prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. Deles

decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e

obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais,

positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia

(indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura),

prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se

cumulam, se for o caso.

2. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a

propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III). Como todo

instrumento, submete-se ao princípio da adequação, a significar que

deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano

jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material. Somente

assim será instrumento adequado e útil.

3. É por isso que, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação

civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o

cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou”

deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a

cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de

alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento

inadequado a seus fins). É conclusão imposta, outrossim, por

interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o

art. 83 do Código de Defesa do Consumidor ("Art. 83. Para a defesa

dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis

todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva

tutela.") e, ainda, pelo art. 25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual

incumbe ao Ministério Público “IV - promover o inquérito civil e a

ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e

reparação dos danos causados ao meio ambiente (...)”.

4. Exigir, para cada espécie de prestação, uma ação civil pública

autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e

da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças

contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes,

com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de

tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos,

consistentes em prestações de natureza diversa. A proibição de

cumular pedidos dessa natureza não existe no procedimento comum, e

não teria sentido negar à ação civil pública, criada especialmente

como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o

que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer

outro direito.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,

desprovido.(REsp605323/MG - 2003/0195051-9 – 1ª Turma - Relator

Ministro José Delgado -18/08/2005)

Logo, não há dúvida quanto à possibilidade de cumulação de pedido de

satisfação de obrigação de fazer com pedido de satisfação de obrigação de indenizar

no bojo de ação civil pública.

IV- DA MEDIDA LIMINAR

Conforme dispõe o art. 84, caput e §§3º., 4º. e 5º., do CDC:

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer

ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou

determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao

do adimplemento.

(...).

§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio

de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela

liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4º O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao

réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível

com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5º Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático

equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como

busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra,

impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

A Resolução CFM 1451/95 é clara em determinar que a equipe médica do

Pronto Socorro deverá, no mínimo, ser constituída por médicos com residência nas

áreas de anestesiologia, clínica médica, pediatra, cirurgia geral e ortopedia, atuando

simultaneamente e ininterruptamente em regime de plantão presencial através de

escala de turnos elaborada pela direção do estabelecimento de saúde.

A Portaria n.2224/2002-MS, por seu turno, exige dos „pronto-atendimentos‟,

pelo menos, a presença simultânea e ininterrupta de 1 pediatra e 1 clínico médico.

O desrespeito aos postulados dessa resolução do CFM e/ou dessa portaria do

Ministério da Saúde configura ilegalidade documentalmente comprovada no bojo do

PPIC n.17/2009-2ª.PJM, que segue em anexo, de sorte que configura-se plenamente a

existência do denominado relevante fundamento da demanda, que parte da

doutrina identifica com o fumus boni iuris exigido pelo art. 4º. da Lei de Ação Civil

Pública para concessão de liminar.

A desobediência a essas normas regulamentares de prestabilidade, outrossim,

coloca em grave risco a saúde dos consumidores que acorrem ao atendimento de

urgência e emergência do Centro Médico Rodolfo Fernandes, os quais muitas vezes

são encaminhados às pressas a outras instituições, razão pela qual é forçoso

reconhecer que a omissão do Poder Judiciário em coibir imediatamente a falta da

equipe de plantão presencial completa no mencionado nosocômio certamente dará

azo ao perecimento do objeto desta demanda.

Com efeito, a liminar deve ser deferida em razão dos retrocitados §§3º. e 4º.

do art. 84 do CDC devido ao justificado receio de ineficácia do provimento final,

que parte da doutrina identifica com o periculum in mora exigido pelo art. 4º. da Lei

de Ação Civil Pública para concessão de toda e qualquer medida liminar antes da

positivação do Código de Defesa do Consumidor – Lei n.8.078/1990.

Dessarte, a prestação de tutela jurisdicional no âmbito desta demanda só

poderá realizar o Princípio do Acesso a Justiça previsto no art. 5º., XXXV, da

Constituição Federal, segundo o qual a tutela jurisdicional deve ser útil e eficaz para

as partes, se for concedida liminar determinando ao réu que contrate os profissionais

que faltam para que seu atendimento de urgência e emergência conte com equipe

plantonista completa exigida pela Resolução n. 1451/1995 ou, pelo menos, de acordo

com a Portaria n.2224/2002-MS, com equipe de plantão presencial ininterrupto

composta por 1 pediatra e 1 ortopedista.

V- DO PEDIDO

ANTE O EXPOSTO, o Ministério Público requer que:

1. Seja concedida medida liminar antecipatória, inaudita altera parte ou

após oitiva da ré, determinando-se à mesma que contrate – para o

Centro Médico Rodolfo Fernandes - os médicos necessários para a

realização do atendimento de urgência e emergência com a equipe

completa (1 anestesista, 1 clínico geral, 1 pediatra, 1 cirurgião e 1

ortopedista) prevista na Resolução n. 1451/1995-CFM, e passe a

ofertar o atendimento de urgência e emergência genérico com esses

cinco tipos de médicos, simultaneamente, em regime de plantão

presencial, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil

reais);

Ou : que seja concedida medida liminar antecipatória, inaudita

altera parte ou após oitiva da ré, determinando-se à mesma que

contrate – para o Centro Médico Rodolfo Fernandes - os médicos

necessários para a realização do atendimento de urgência e

emergência em regime de pronto-atendimento, com a equipe

completa (1 pediatra e 1 clínico médico), conforme prevê a Portaria

n. 2224/2002-MS, e passe a ofertar esse atendimento com esses dois

tipos de médicos, simultaneamente, em regime de plantão

presencial, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil

reais)

2. Seja o demandado citado para, querendo, contestar a presente ação, sob

pena de revelia;

3. Seja ao final julgado procedente o pedido, tornando definitiva a decisão

liminar, afim de que seja determinado à Fundação Ana Lima, proprietária do Centro

Médico Rodolfo Fernandes, que contrate os médicos necessários para a realização do

atendimento de urgência e emergência no Centro Médico Rodolfo Fernandes nos

termos da Resolução n.1451/1995-CFM – ou seja, com a equipe completa composta

por cinco tipos de médicos (1 anestesista, 1 clínico geral, 1 pediatra, 1 cirurgião e 1

ortopedista), em regime de plantão presencial ininterrupto, sob pena de multa diária

no valor de R$ 1.000,00 (mil reais);

Ou: que seja ao final julgado procedente o pedido, tornando definitiva a

decisão liminar, afim de que seja determinado à Fundação Ana Lima, proprietária do

Centro Médico Rodolfo Fernandes, que contrate os médicos necessários para a

realização do atendimento de urgência e emergência no Centro Médico Rodolfo

Fernandes nos termos da Portaria n. 2224/2002-MS – ou seja, com a equipe completa

composta por dois tipos de médicos (1 pediatra e 1 clínico médico), em regime de

plantão presencial ininterrupto, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00

(mil reais);

5. Seja a Fundação Ana Lima condenada a pagar indenização pelo dano

moral difuso causado, no valor de R$450.000,00, acrescida de juros legais e correção

monetária a partir do trânsito em julgado, indenização esta a ser revertida para o

Fundo Municipal de Direitos Difusos criado pela Lei Municipal nº 2.190/2006 (conta

nº 91-9, agência nº 05-60, operação 006, Caixa Econômica Federal);

6. Seja deferido ao autor o direito de utilizar todos os meios de prova

previstos na legislação e necessárias à comprovação de suas alegações;

7. Seja determinada a inversão do ônus da prova, com base no artigo 6º,

VIII, do Código de Defesa do Consumidor, diante da explícita vulnerabilidade dos

consumidores prejudicados – que, numa cidade com tão poucos hospitais, receiam

até mesmo firmar representação contra o réu – e das provas documentais ínsitas no

PPIC n. 17/2009-2ª.PJM, que não deixam dúvidas sobre a verossimilhança das

alegações que formulamos nesta exordial.

8. Seja a ré condenada ao pagamento de custas e demais despesas

processuais.

Atribuindo à causa o valor de R$450.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais),

N. Termos.

P. Deferimento.

Mossoró (RN), 11 de novembro de 2010.

Ana Araújo Ximenes Teixeira Mendes

Promotora de Justiça