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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE ______________________________________________________________ Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de São Gonçalo do Amarante/RN O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por meio da 1ª Promotoria de Justiça de São Gonçalo do Amarante, com atribuições na Defesa do Patrimônio Público, considerando o art. 129, inciso III, da Constituição Federal; art. 84, inciso III, da Constituição Estadual; e, art. 25, inciso IV, alínea "b", da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); art. 1º, inciso IV da Lei 7.347/85, vem, perante Vossa Excelência, com base e nos termos dos inclusos Inquéritos Civil Públicos nº 06.2013.00006647-6 e 06.2015.00002839-0 - 1ªPmJ/SGA , ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE ANULAÇÃO DE CONTRATO COM PEDIDO DE LIMINAR em face do MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE , pessoa jurídica de direito público interno, com sede administrativa na Rua Alexandre Cavalcanti, s⁄n, Centro, representando pelo prefeito municipal, Sr. JAIME CALADO PEREIRA DOS SANTOS , brasileiro, casado, médico, portador da cédula de identidade nº 302.640 – SSP/RN e inscrito no CPF sob o nº 030.058.873-91 e; 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE

______________________________________________________________Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de São Gonçalo doAmarante/RN

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

NORTE, por meio da 1ª Promotoria de Justiça de São Gonçalo do Amarante,

com atribuições na Defesa do Patrimônio Público, considerando o art. 129,

inciso III, da Constituição Federal; art. 84, inciso III, da Constituição Estadual;

e, art. 25, inciso IV, alínea "b", da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público); art. 1º, inciso IV da Lei 7.347/85, vem, perante

Vossa Excelência, com base e nos termos dos inclusos Inquéritos Civil

Públicos nº 06.2013.00006647-6 e 06.2015.00002839-0 - 1ªPmJ/SGA, ajuizar

a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE ANULAÇÃO DE CONTRATO COM PEDIDO DE

LIMINAR

em face do

MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE, pessoa

jurídica de direito público interno, com sede administrativa na Rua

Alexandre Cavalcanti, s⁄n, Centro, representando pelo prefeito

municipal, Sr. JAIME CALADO PEREIRA DOS SANTOS,

brasileiro, casado, médico, portador da cédula de identidade nº

302.640 – SSP/RN e inscrito no CPF sob o nº 030.058.873-91 e;

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE

SERVIÇO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUAS E ESGOTOS DE

SÃO GONÇALO DO AMARANTE – SAAE, Autarquia Municipal

inscrita no C.N.P.J sob o nº 08.451.635/0001-17, com sede na

Rua Coronel Estevam Moura, nº 30, Centro – São Gonçalo do

Amarante/RN, representada pela sua Diretora Presidente, Sra.

TALITA KAROLINA SILVA DANTAS; e

F. R. DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME, pessoa jurídica

de direito privado, inscrito no Cadastro de Nacional de Pessoa

Jurídica sob o nº 15.169.082/0001-70, com sede à Rua Henrique

Cruz, nº 384, Parque Industrial, Parnamirim/RN, representada por

FRANCISCO ROMÃO DE MEDEIROS, empresário, casado,

inscrito no Cadastro de Pessoa Física sob o nº 032.033.134-21,

residente à Rua Nova Iorque, nº 33, São Gonçalo do

Amarante/RN.

pelos motivos de fato e de direito a seguir delineados:

I – DO RESUMO DOS FATOS :

O Ministério Público Estadual, por meio da 1ª Promotoria de

Justiça de São Gonçalo do Amarante, com atribuição na defesa do Patrimônio

Público, instaurou o Inquérito Civil Público nº 06.2013.00006647-6 no afã de

apurar o credenciamento da empresa F. R. DE MEDEIROS NETO

TRANSPORTE-ME no sistema de registro de preços do Pregão Presencial nº

026/2013, objetivando a locação de veículos automotores e motocicletas para

atender às necessidades da Prefeitura Municipal de São Gonçalo do

Amarante.

A iniciativa deste Órgão Ministerial em realizar o

acompanhamento do referido procedimento licitatório adveio das informações

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oficiosas de que a aludida pessoa jurídica teria vinculação com a empresa

MARIA DAS GRAÇAS FERREIRA DA SILVA TRANSPORTE-ME, apontada

como de propriedade do vereador João Maria Ferreira da Silva, conhecido

como “Barão”, e que durante anos prestou serviço de locação de veículos à

Prefeitura de São Gonçalo do Amarante.

De início, foram juntados aos autos cópia do edital e anexos do

Pregão Presencial nº 026/2013-SRP. Posteriormente, a Comissão de

Licitação encaminhou mídia digital contendo o procedimento licitatório na

íntegra (fls. 05-38 e 50 do IC 06.2013.00006647-6). Na oportunidade, foi

possível constatar que apenas as empresas F. R. DE MEDEIROS NETO

TRANSPORTE-ME e MARIA DAS GRAÇAS FERREIRA DA SILVA

TRANSPORTE-ME foram credenciadas para a sessão de análise de

documentos e propostas, tendo sido esta última inabilitada em virtude da

ausência da declaração de qualificação técnica, exigida no item 9.1.2, do

edital, ao passo que a F. R. DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME foi

declarada vencedora do certame licitatório com a proposta de preço no valor

de R$ 1.167.559,82 (um milhão, cento e sessenta e sete mil, quinhentos e

cinquenta e nove reais e oitenta e dois centavos).

A priori, a análise do procedimento licitatório, sob o ponto de vista

formal, não revelou indícios de irregularidade. Todavia, existia uma forte

suspeita de que as empresas licitantes possuíam vínculo entre si, razão pela

qual procedeu-se a oitiva do representante legal da empresa vencedora da

licitação.

Ao ser ouvido, FRANCISCO ROMÃO DE MEDEIROS afirmou

que: “concorreram ao pregão quatro empresas, e o depoente se recorda de

duas, TERRA DOURADA, de propriedade de AMARILDO, e MARIA DAS

GRAÇA; que a empresa do depoente foi a vencedora de todos os lotes; que o

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edital permite que 40 (quarenta) porcento dos veículos sejam sublocados de

terceiros; que a empresa sublocou veículos de particulares e dois ônibus da

empresa MARIA DAS GRAÇAS; …; que a empresa do depoente presta

serviços de locação de veículos ao SAAE que aderiu ao Pregão da Prefeitura;

…; que a esposa do depoente não tem nenhuma atuação junto à empresa F.

R. DE MEDEIROS ou a empresa MARIA DAS GRAÇAS; que a proprietária da

MARIA DAS GRAÇAS é a sogra do depoente” (fls. 65-67, do IC

06.2013.00006647-6).

A informação foi confirmada pela Sra. MARIA DAS GRAÇAS

FERREIRA DA SILVA, proprietária da empresa que leva seu nome (em que

pese seja de amplo conhecimento no Município que a referida empresa

pertence ao Vereador “Barão”), tendo afirmando que: “... o proprietário

FRANCISCO ROMÃO mora na Rua Nova Iorque, na mesa rua da depoente;

que FRANCISCO ROMÃO é genro da depoente, sendo casado com a sua

filha THATIANA; que a depoente alugou dois ônibus à empresa F. R. DE

MEDEIROS de forma verbal, sendo remunerada mensalmente, não se

recordando exatamente o valor...” (fls. 100-101, do IC 06.2013.00006647-6).

Não havia mais dúvida, portanto, que a empresa F. R. DE

MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME, vencedora do Pregão Presencial nº

026/2013, pertencia ao genro da proprietária da empresa MARIA DAS

GRAÇAS FERREIRA DA SILVA TRANSPORTE-ME, tendo sido as duas

únicas concorrentes credenciadas para a licitação.

Não bastasse o fato das empresas licitantes pertencerem ao

mesmo núcleo familiar, as informações ainda revelaram que a F. R. DE

MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME sublocou veículos da frota da empresa

MARIA DAS GRAÇAS FERREIRA DA SILVA TRANSPORTE-ME, o que

demonstra a relação umbilical existente entre as referidas pessoas jurídicas.

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Ademais, não obstante o edital limitasse o número de veículos

sublocados à 40% da frota total, os documentos constante dos autos

demonstraram que a empresa F. R. DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-

ME sublocou cerca 60% dos veículos fornecidos ao Município, conforme se

observa das cópias dos contratos de sublocação juntadas aos autos (fls. 190-

363, do IC 06.2013.00006647-6), bem como das consultas de propriedade de

veículos (fls. 103-183, do IC 06.2013.00006647-6), por meio das quais foi

possível verificar, inclusive, que um dos automóveis possuía ocorrência de

roubo/furto.

Diante de tais fatos, o Ministério Público recomendou ao Prefeito

Municipal JAIME CALADO PEREIRA DOS SANTOS a adoção das

providencias cabíveis, a fim de que fosse deflagrado novo processo licitatório,

com a consequente anulação do Pregão Presencial nº 026/2013, sob pena de

responsabilidade (fls. 373-375, do IC 06.2013.00006647-6).

Em resposta, a Procuradoria-Geral do Município encaminhou

cópia do Termo de Autorização de abertura de processo licitatório, para

locação de veículos e substituição do contrato nº 107/2013, mantido com a

empresa F. R. MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME, vencedora do Pregão

Presencial nº 026/13 (fls. 381-382, do IC 06.2013.00006647-6).

Posteriormente, a edilidade reforçou que a Recomendação Ministerial estava

sendo seguida e que o procedimento licitatório (Pregão Presencial nº

025/2015) já encontrava-se em andamento, inclusive com a publicação do

aviso de licitação no Jornal Oficial do Município (fls. 393 e 398, do IC

06.2013.00006647-6).

Ressalte-se que este Órgão Ministerial tomou conhecimento

acerca da abertura do referido certame por meio de mandado de segurança,

impetrado pela empresa F. R. MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME. Na

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oportunidade, a empresa licitante insurgia-se contra item do edital que vedava

a participação de empresas cujos sócios possuíssem vínculo de parentesco

com detentores de cargos públicos na Administração Municipal ou de

Vereador, bem como em face de uma suposta inexequibilidade nos valores

constantes do Termo de Referência.

Na análise do mandamus, esta Representante Ministerial

entendeu que não havia irregularidades na exigência da declaração de

parentesco, já que a finalidade da medida se restringia à identificação, de

forma preventiva, dos casos de vínculo familiar entre os detentores de cargos

políticos e os proprietários das empresas licitantes.

De outra banda, vislumbrou indícios de que o valor do item 01 do

Termo de Referência era inexequível, eis que embora a comissão de licitação

tivesse realizado pesquisa de mercadológica prévia, não foi possível

identificar se o levantamento de preços levou em consideração apenas o valor

dos veículos ou se também foram contabilizados os custos com mão de obra

e demais encargos, visto que nas especificações não se fazia menção à

existência de motoristas. Por tais motivos, opinou-se pela concessão da

segurança, a fim de que o procedimento licitatório fosse invalidado.

Sobreveio informação oriunda do Gabinete Civil relatando que,

em razão da suspensão do certame, por meio de decisão interlocutória

proferia nos autos do mandado de segurança, a Prefeitura Municipal achou

por bem aditar o contrato nº 107/2013, com a empresa F. R. MEDEIROS

NETO TRANSPORTE-ME, até a conclusão do novo processo de contratação

de empresa para prestação do serviço de locação de veículos (fl. 402-403, do

IC 06.2013.00006647-6).

Em seguida, foi disponibilizada cópia digital do Pregão Presencial

nº 023/2015 (fls. 421-423, do IC 06.2013.00006647-6), cuja tramitação havia

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sido suspensa por decisão judicial em antecipação de tutela, e mais

recentemente anulada (fl. 425-429, do IC 06.2013.00006647-6).

Paralelamente ao contrato nº 107/2013, realizado pela Prefeitura

de São Gonçalo do Amarante com a empresa F. R. MEDEIROS NETO

TRANSPORTE-ME, decorrente do Pregão Presencial nº 026/2013, foi

celebrado contrato entre a referida empresa e o SERVIÇO DE

ABASTECIMENTO DE ÁGUAS E ESGOTOS DE SÃO GONÇALO DO

AMARANTE – SAAE, mediante sistema do carona.

O aludido ajuste também passou a ser objeto de apuração por

parte deste Órgão Ministerial, através do Inquérito Civil nº 06.2015.00002839-

0, que tinha por escopo apurar possíveis irregularidades quanto a contratação

da empresa F. R. DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME, no sistema do

carona, para prestação do serviço de locação de veículos automotores e

motocicletas para atender as necessidades do SAAE de São Gonçalo do

Amarante.

Ao prestar esclarecimentos acerca do ajuste, a Diretora

Presidente do SAAE informou ter interesse em aderir ao registro de preços do

Pregão Presencial nº 023/2015, para em seguida rescindir o contrato nº

20137246 com a empresa F. R. DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME, o

que ainda não havia sido providenciado em razão da decisão judicial que

determinara a suspensão do novel certame (fl. 382, do IC 06.2015.00002839-

0).

Conclui-se, portanto, que permanecem ativos os contratos

decorrentes do Pregão Presencial nº 026/2013, celebrados entre a empresa

F. R. DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME e a PREFEITURA DE SÃO

GONÇALO DO AMARANTE, bem como com o SAAE, a despeito das

irregularidades detectadas durante o processo licitatório, especificamente a

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participação de empresas cujos proprietários possuíam vínculo de parentesco

de primeiro grau (por afinidade), bem como em relação à execução do

contrato com o órgão do executivo municipal, haja vista a sublocação de 60%

da frota dos veículos disponibilizados, quando o limite previsto no instrumento

contratual era de 40% (item 3.1.1).

II – DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA :

1 – DAS IRREGULARIDADES DO PREGÃO PRESENCIAL Nº 026/2013-SRP.

AUSÊNCIA DE COMPETITIVIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA:

Conforme relatado, no curso da investigação foi possível verificar

que o procedimento licitatório realizado pela PREFEITURA DE SÃO

GONÇALO DO AMARANTE, visando a locação de veículos, foi disputada por

apenas duas empresas, cujos sócios possuíam relação de parentesco entre

si.

Há de se registrar, a princípio, que o simples vínculo de

parentesco entre os licitantes não é motivo suficiente para elidir a participação

de qualquer um desses no procedimento licitatório. Ocorre que, no caso dos

autos, o elo existente entre os proprietários das únicas empresas

credenciadas para o certame é por demais estreito, já que se trata de

parantes em primeiro grau, por afinidade (sogra e genro), residentes em

imóveis contíguos, ambos localizados na rua Nova Iorque, Conjunto

Amarante, neste Município, nas casas de nº 31 e 33, o que demonstra um alto

grau de afinidade e comprometimento entre ambos.

O que se vislumbra, na espécie, é a tentativa de manter os

contratos de locação de veículos em poder do grupo familiar capitaneado pelo

vereador João Maria Ferreira da Silva “Barão”. Isso porque, durante anos, a

empresa MARIA DAS GRAÇAS FERREIRA DA SILVA TRANSPORTE-ME,

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registrada em nome da irmã do mencionado Parlamentar, foi contratada para

alugar veículos à Administração Municipal e ao SAAE. Ocorre que, no ano de

2013, os ajustes foram finalizados em face da descoberta de diversas

irregularidades nos procedimentos licitatórios, bem como nos contratos com a

referida empresa, conforme vem sendo apurado nos autos dos IC's nº

06.2012.00004720-9 e 06.2010.00000907-3.

Na oportunidade, as investigações do IC nº 06.2012.00004720-9

revelaram que: a) a proposta de preços aceita pelo SAAE continha indícios de

inexequibilidade; b) houve burla aos direitos trabalhistas dos motoristas

contratados para conduzir os veículos alugados pelo SAAE, diante da

ausência de registro na CTPS e recolhimento dos encargos trabalhistas; c)

indícios de que o serviço não estava sendo efetivamente prestado, haja vista

a ausência de substituição de veículos danificados; d) subcontratação de

parte do objeto licitado; e) terceirização do serviço de motorista à particulares,

mediante celebração de contratos de prestação de serviço, quando na prática

essa atividade integrava parcela dos serviços a serem prestados pela

empresa contratada (aluguel dos veículos + fornecimento dos motorista).

Em relação ao procedimento que apura a contratação da

empresa MARIA DAS GRAÇAS FERREIRA DA SILVA TRANSPORTE-ME

pela Prefeitura de Municipal de São Gonçalo do Amarante (IC nº

06.2010.00000907-3), foram expedidas três recomendações à edilidade:

alertando a respeito das irregularidades no procedimento licitatório (Pregão

Presencial nº 002/2009) do qual decorreu a contratação da aludida empresa;

sugerindo a rescisão do contrato, em face do fato público e notório de que a

pessoa jurídica contratada pertencia ao vereador João Maria Ferreira da Silva

“Barão”; bem como reafirmando a necessidade de rescisão do contrato, pelo

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motivo acima descrito e em razão de irregularidades no pagamento dos

direitos trabalhistas dos motoristas disponibilizados pela empresa.

Logo, diante do risco da mencionada empresa não mais poder

participar das licitações realizadas no Município, a solução foi a criação de

uma nova pessoa jurídica, denominada F. R. DE MEDEIROS NETO

TRANSPORTE-ME, tendo como proprietário o genro da representante legal

da empresa MARIA DAS GRAÇAS FERREIRA DA SILVA TRANSPORTE-

ME, possibilitando, dessa forma, que os contratos de locação de veículos

permanecessem com o mesmo grupo familiar.

Conforme se vê, não é apenas o vínculo de parentesco entre os

licitantes que torna o procedimento licitatório irregular, mas sim o artifício por

eles utilizado para monopolizar os contratos de locação de veículos com os

órgãos públicos municipais.

É sabido que o procedimento licitatório tem por escopo a escolha

da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, a partir de uma

disputa isonômica e competitiva entre os interessados. Nesse passo, pode-se

afirmar que os princípios da isonomia e da competitividade, aliados à

moralidade administrativa, constituem as pedras basilares de uma licitação,

devendo-se partir desses postulados a análise da legalidade, ou não, da

participação de licitantes que integrem o mesmo núcleo familiar.

O princípio da isonomia, ou da igualdade, que tem sua origem no

art. 5º da Constituição Federal, indica que todos os interessados em contratar

com a Administração devem competir em igualdade de condições, sem que a

nenhum deles sejam oferecidas vantagens que não tenham sido estendidas

aos demais. Trata-se, portanto, de postulado intimamente relacionado ao

princípio da impessoalidade, já que ao oferecer tratamento igualitário a todos

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os interessados no certame a Administração também estará dispensando

tratamento impessoal.

De outra banda, o princípio da competitividade, que embora não

esteja previsto de forma expressa na Lei nº 8.666/93 é apontado como

correlato ao princípio da igualdade, indica que a Administração não pode

adotar medidas que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter

competitivo da licitação, ou seja, deve possibilitar a disputa e o confronto entre

os concorrentes, possibilitando que a “competição” seja realizada na melhor

forma possível.

Diante dessas conceituações, pode-se afirmar que a situação, da

forma como se apresenta nos autos, finda por inviabilizar a realização de um

procedimento licitatório isonômico e propício à ampla concorrência,

desestimulando a participação de outras empresas interessadas no certame.

Isso porque o vínculo existente entre os licitantes permitia que houvesse

influência externa capaz de macular a lisura do certame e a igualdade entre

os concorrentes, a exemplo de acordos prévios às propostas ou mesmo a

redução de preços a fim de desestimular a participação de outros licitantes na

etapa de lances.

Ademais, na medida em que duas empresas, integrantes o

mesmo grupo familiar, decidem participar de determinada licitação, a

tendência é que as demais pessoas jurídicas, possivelmente interessadas, se

afastem desse certame, receosas de que haja ingerência e manipulação das

propostas.

Registre-se, outrossim, que a licitação em comento (Pregão

Presencial nº 026/2013) contou com a participação, apenas, das empresas

suso referidas, o que aumenta probabilidade de conluio e quebra do sigilo das

propostas. Some-se a isso, ainda, o fato de que a empresa MARIA DAS

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GRAÇAS FERREIRA DA SILVA TRANSPORTE-ME sequer recorreu da

decisão que a inabilitara, o que é extremamente incomum, satisfazendo-se

com o prosseguimento do certame unicamente com a empresa F. R. DE

MEDEIROS, ao final declarada vencedora.

Logo, tudo leva a crer que a criação da empresa F. R. DE

MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME tinha o propósito de absorver,

juntamente com a empresa MARIA DAS GRAÇAS FERREIRA DA SILVA

TRANSPORTE-ME, todos os contratos de locação de veículos realizados no

Município de São Gonçalo do Amarante. Prova disso é que as referidas

pessoas jurídicas praticamente não se aventuraram nas licitações realizadas

em outros Municípios, dedicando-se quase que exclusivamente aos certames

ocorridos nesta municipalidade.

A análise dos Relatórios de Empenhos do TCE-RN revela que

praticamente a totalidade dos valores empenhados em favor dessas

empresas originaram-se neste Município, notadamente com recursos da

PREFEITURA DE SÃO GONÇALO DO AMARANTE e do SAAE (fls. 406-

488, do IC nº 06.2015.00002839-0).

A propósito do tema, o Tribunal de Contas da União já enfrentou

situação análoga a dos autos, tendo reconhecido que a participação de

empresas pertencentes a pessoas do mesmo grupo familiar desvirtua o

princípio da competitividade e prejudica a isonomia do procedimento

licitatório. É o que se infere dos trechos das decisões adiante colacionadas.

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. IMPROBIDADEADMINISTRATIVA. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8429/92.RECONHECIMENTO PELO STF. APLICAÇÃO DA LIA AOSPREFEITOS. LICITAÇÃO. MODALIDADE CONVITE. REPASSEDAS VERBAS ANTES DO INÍCIO DA OBRA. CERTIFICAÇÃOIRREGULAR DE CONCLUSÃO DO OBJETO DO CONVÊNIO.

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OFENSA À COMPETITIVIDADE DO PROCEDIMENTOLICITATÓRIO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO.MINORAÇÃO DAS PENAS. APELAÇÕES PARCIALMENTEPROVIDAS. (…) 12. Quanto às irregularidades no procedimentolicitatório, conclui o MPF que "a licitação e a contratação daempresa não passaram de um artifício utilizado para lesar opatrimônio público, com o intuito de desviar recursos em favor dogestor e favorecer o responsável pela pessoa jurídicaadjudicatária" 13. Tais afirmações devem ser apreciadasponderadamente. Com efeito, embora não exista, nos autos,qualquer comprovação de que o ex-gestor auferiu qualquervantagem com a contratação da empresa vencedora, restapatente, por outro lado, a ocorrência de diversas irregularidadesno procedimento licitatório analisado. Destarte, existem várioselementos que, soltos, isoladamente, não configurariam em tesecondutas ímprobas, mas que, somados, formam um panoramacontrário aos princípios da legalidade e da moralidadeadministrativa, bem com demonstram de forma cabal a existênciade dolo nas respectivas condutas. 14. Não há qualquer dúvidade que o fato de concorrem no mesmo certame licitatórioempresas cujos proprietários possuem parentesco tãopróximo, no caso, pai e filho, desvirtua por completo ocaráter competitivo do procedimento licitatório. Somado aisso, pesa, demasiadamente, a circunstância de que todas astrês empresas que concorreram possuíam endereços fictícios, oque restou comprovado nos autos. A empresa ConstrutoraSertaneja Ltda, segunda colocada e pertencente ao filho doproprietário da empresa vencedora no certame, sequer existia àépoca da licitação. 15. Outro ponto bastante relevante é que aLorenark Empreteira de Obras Boniense forneceu endereço que,na realidade, era de um pedreiro, falecido em 2003, que foraconstituído gerente da referida empresa, o que denota, semqualquer dúvida, que a mesma era uma empresa de "fachada".16. As irregularidades verificadas na execução do Convênio, bemcomo no procedimento licitatório violaram, inequivocamente, umaenorme gama de princípios que deveriam nortear a atividadeadministrativa, não restando razoável concluir que inexistiu dolonas condutas dos réus. Ora, diante do quadro fático exposto, apresença do elemento dolo mostra-se patente, posto que o ex-gestor repassou a totalidade da verba, à empresa vencedora docertame, sem que, ao menos a execução da obra houvesse se

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iniciado, bem como certificou a conclusão total da mesmaquando o percentual de execução não tinha atingido sequer 50%.No que tange às empresas participantes do procedimentolicitatório e seus proprietários, conforme restou exaustivamentedemonstrado, foram cometidas uma série de condutas dolosas. (TRF-5 - AC: 200982020023675 , Relator: DesembargadorFederal Manoel Erhardt, Data de Julgamento: 26/06/2014,Primeira Turma, Data de Publicação: 03/07/2014)

Contratações públicas: Licitação com a participação deempresas com sócios em comum e que disputam um mesmoitem prejudica a isonomia e a competitividade do certame(...). Para ela, “se houver a existência de sócios em comum deempresas que disputam o mesmo item de um mesmo certame,há evidente prejuízo à isonomia e à competitividade da licitação”.Como consequência, ainda para unidade técnica, “é possível queexistam empresas atuando como ‘coelho’, ou seja, reduzindo ospreços a fim de desestimular a participação de outros licitantesna etapa de lances, desistindo posteriormente do certame parabeneficiar a outra empresa que esteja participando do conluio,que, por sua vez, acaba sendo contratada sem ter apresentado amelhor proposta, provocando, assim, prejuízo para aAdministração”. Para minimizar a possibilidade da ocorrênciadesses conluios, seria recomendável, então, que os pregoeiros edemais servidores responsáveis pela condução dosprocedimentos licitatórios, tomassem ciência da composiçãosocietária das empresas participantes dos certames, mediantealerta por intermédio do Comprasnet, a partir de modificações nosistema a serem feitas pela (omissis), o que foi sugerido pelaunidade técnica ao relator, que acolheu a proposta, a qual foireferendada pelo Plenário. Precedentes citados: Acórdãos nos1433/2010 e 2143/2007, ambos do Plenário.(Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratosnº 70 do Tribunal de Contas da União, Acórdão nº 1793/2011-Plenário, TC-011.643/2010-2, Rel. Min. Valmir Campelo,06.07.2011).

(...) determinação a um município no sentido de que evite aparticipação de empresas com sócios em comum e/ou comrelação de parentesco entre eles em licitações que envolvamrecursos federais repassados mediante convênio, acordo,

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contrato de repasse ou instrumentos congêneres, para evitar aafronta aos princípios insculpidos no art. 3º da Lei nº 8.666/1993,em especial os da competitividade, da isonomia, daimpessoalidade, da moralidade e da probidade administrativa.(Tribunal de Contas da União, item 9.10, TC-021.929/2010-6,Acórdão nº 2.809/2012-Plenário).

Nesse particular, é de se trazer à colação trecho de brilhante

decisão também proferida pela Corte de Contas da União, ao julgar a

Representação TC-005.035/2009-2 (Entidade: Município de São José do

Campestre/RN. Interessada: Secex/RN). In verbis:

SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. RECURSOS DO FUNDONACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE.AQUISIÇÃO DE MICROÔNIBUS POR MEIO DE CONVITE.EMPRESAS CONCORRENTES COM MESMOS SÓCIOS.FRAUDE NA LICITAÇÃO. AUDIÊNCIAS DOS RESPONSÁVEISE OITIVAS DAS EMPRESAS. REJEIÇÃO DAS RAZÕES DEJUSTIFICATIVA. CONHECIMENTO. MULTA. DECLARAÇÃO DEINIDONEIDADE. A comprovação de fraude em processolicitatório importa na aplicação de multa aos responsáveis e nadeclaração de inidoneidade das empresas envolvidas paraparticipar de licitação realizada no âmbito da AdministraçãoPública Federal. (…). 12. De fato, a lei de licitações não fazmenção expressa quanto à mencionada proibição, entretanto elafaz menção a vários princípios a serem observados, tais como oda moralidade, o da impessoalidade e o da isonomia, o que, emuma leitura neoconstitucionalista de valoração principiológicavigente hodiernamente no Direito, autoriza uma abordagemponderada em favor desses princípios e da supremacia dointeresse público. 13. Note-se que os princípios citados pelosdefendentes, que poderiam ser ofendidos (inocência presumida,da dignidade da pessoa humana e da liberdade), estão voltadosao interesse particular; contudo, em se tratando delicitação/contratação que envolve o patrimônio da coletividade, aAdministração Pública, consoante determina o art. 37 da CF,deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade,moralidade, publicidade e eficiência, além daqueles previstos naprópria Lei nº 8.666/1993, em seu art. 1º. 14. Ressalte-se,

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ainda, que, em matéria de licitações, na ponderação entre ointeresse público e o privado, há de prevalecer, via de regra,o público (princípio da supremacia do interesse público). 15.Na contratação, a Administração Pública busca, por meio doprocedimento licitatório, obter a melhor vantagem, em preçoe em qualidade; todavia, se apenas empresas do mesmogrupo familiar participam do certame, afasta-se acompetitividade, direciona-se àquela família e impossibilita-se o alcance da melhor vantagem, fazendo o Estado retroagircinco séculos, quando público e privado se confundiam. (...)

Conforme se observa dos precedentes acima colacionados, a

realização de procedimento licitatório cujos licitantes possuam relação de

parentesco entre si pode ensejar a nulidade do certame, especialmente se

ficarem demonstrados outros elementos capazes de configurar o conluio e a

intenção de restringir a competitividade, tal qual se deu no caso dos autos.

Logo, medida salutar e apta a desencorajar esse tipo de conduta

seria a inserção de cláusula editalícia exigindo que as empresas licitantes

declarem a existência ou inexistência de vínculo de parentesco com os outros

participantes da licitação, a fim de possibilitar o conhecimento dessa situação

pelo pregoeiro e os integrantes da Comissão de Licitação, que podem

igualmente se valer da análise prévia do quadro societário das concorrentes.

Considerando que esse tipo de restrição não foi albergada pelo

edital do procedimento licitatório ora debatido (Pregão Presencial nº

026/2013), restou possibilitada a participação de empresas cujos sócios

possuíam vínculo familiar, tornando o processo de contratação irregular, face

o desrespeito aos princípios da competitividade, isonomia e moralidade, não

restando outra alternativa a este Órgão Ministerial senão a busca pela

anulação do ato administrativo de contratação da empresa F. R. DE

MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME.

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2 – DA SUBLOCAÇÃO DE VEÍCULOS ALÉM DO LIMITE PERMITIDO. VIOLAÇÃO

CONTRATUAL. RESCISÃO QUE SE IMPÕE:

A despeito das irregularidades presentes no processo de

contratação, tendo em vista que foi permitida a participação de empresas

cujos sócias possuíam íntima relação pessoal, as investigações também

revelaram que a empresa F. R. DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME

violou cláusula constante do contrato, na medida em que sublocou mais de

40% do total da frota de veículos disponibilizados à Prefeitura de São Gonçalo

do Amarante.

Esse levantamento foi feito com base na relação dos veículos

disponibilizados pela empresa contratada (fls. 84-86, do IC nº

06.2013.00006647-6) e pesquisa no site do DETRAN (fls. 103-183, do IC nº

06.2013.00006647-6), por meio dos quais foi possível identificar que dos 82

veículos locados, apenas 18 pertenciam à empresa F. R. DE MEDEIROS

NETO TRANSPORTE-ME. Portanto, não se trata de sublocação, mas sim de

transferência do objeto licitado, medida vedada pelo contrato e passível de

rescisão, conforme se observa a seguir.

Cláusula 3.1. - “À contratada compete:”(…)Cláusula 3.1.2 - “Será permitida a participação de empresas soba forma de consórcio, podendo a contratada, na execução docontrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais elegais, subcontratar até 40% (quarenta porcento) datotalidade do objeto contratado no primeiro ano vigente,subtraindo-se 20% (vinte por cento) do subcontratado paracada ano subsequente.”(...)

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Cláusula 8.1 - “A rescisão do contrato terá lugar de pleno direito,independentemente da interposição judicial ou extrajudicial,obedecidas as situações previstas nos incisos I a XVIII, do art.78, da lei 8.666/93 em sua atual redação e especialmentequando a empresa adjudicatária:(...) c) Transferir, no todo ou em parte, as obrigaçõesdecorrentes desta licitação, sem a expressa anuência daSecretaria de origem”.

Malgrado a previsão constante do instrumento contratual,

proibindo a transferência, total ou parcial, do objeto contratado, a lei nº

8.666/93, em seu art. 78, enumera os casos que constituem motivo para

rescisão do contrato, quais sejam:

Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:I - o não cumprimento de cláusulas contratuais,especificações, projetos ou prazos;II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais,especificações, projetos e prazos;III - a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração acomprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço oudo fornecimento, nos prazos estipulados;IV - o atraso injustificado no início da obra, serviço oufornecimento;V - a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, semjusta causa e prévia comunicação à Administração;VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, aassociação do contratado com outrem, a cessão outransferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ouincorporação, não admitidas no edital e no contrato;(...)

Portanto, o simples descumprimento de cláusula contratual já dá

ensejo à rescisão do negócio jurídico. Mas a lei ainda foi além e previu a

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situação vivenciada nos autos, que é a subcontratação do objeto licitado, não

admitida no edital ou contrato.

Com efeito, havendo previsão na cláusula 3.1.1, do instrumento

contratual, proibindo a empresa contratada de sublocar mais de 40% do total

da frota de veículos disponibilizados, não resta dúvida de que a empresa F. R.

DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME deveria ter sido penalizada com a

extinção do contrato, já que os documentos constantes dos autos revelam que

dos 82 veículos fornecidos ao Município de São Gonçalo do Amarante,

apenas 18 pertenciam à mencionada pessoa jurídica.

Desta feita, houve clara omissão por parte do MUNICÍPIO DE

SÃO GONÇALO DO AMARANTE, eis que prorrogou o contrato com a

empresa F. R. DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME (fls. 408-409, do IC

06.2013.00006647-6) estando ciente de todas as irregularidades que

macularam o processo de contratação, assim como a execução do serviço, o

que já havia sido alertado por este Órgão Ministerial mediante ofício

recomendatório endereçado ao chefe do executivo municipal (fls. 373-375, do

IC 06.2013.00006647-6).

III – DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA:

Consoante prescrição do art. 461, caput e § 3º, do Código de

Processo Civil, aplicável à ação civil pública por força do que dispõe o art. 19,

da lei 7.347/85, admite-se a antecipação da tutela que objetive obrigação de

fazer ou não fazer, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo

justificado receio de ineficácia do provimento final.

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Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery1 advertem que

"Pelo CPC 273 e 461 § 3º, com a redação dada pela Lei 8.952/94, aplicável à

ACP (LACP 19), o juiz pode conceder a antecipação da tutela de mérito, de

cunho satisfativo, sempre que presentes os pressupostos legais. A tutela

antecipatória pode ser concedida quer nas ações de conhecimento,

cautelares e de execução, inclusive de obrigação de fazer ou não fazer".

Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo

84, § 3o, aplicável ao processo coletivo e que foi o verdadeiro antecessor do

art. 461, §3º, do CPC, enseja a concessão de tutela liminarmente ou após

justificação prévia, quando for relevante o fundamento da demanda e houver

justificado receio de ineficácia do provimento final.

A Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, contém

expresso preceito permissivo do deferimento de medida liminar, regulando no

seu art. 12 que “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem

justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.”

É inegável a natureza antecipatória da medida liminar encartada

no CDC e na Lei da Ação Civil Pública, revelando-se em clima de absoluta

harmonia com o instituto regulado no art. 461, § 3º, do CPC e no art. 84, §3º,

do CDC. De outra banda, a fungibilidade entre os institutos, inclusive com o

art. 273, do CPC, é entendimento assente na doutrina e na jurisprudência

dominante.

São requisitos para a concessão liminar da tutela a relevância do

fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento

final, em síntese, o fumus boni iuris e o periculum in mora.

A relevância do fundamento jurídico é ponto inquestionável.

1 Código de Processo Civil Comentado, 3 ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, p. 1.149;

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A situação exposta ao longo da presente peça vestibular revela,

de forma clara e incontroversa, as irregularidades que macularam o pregão

Presencial nº 026/2013. Isso porque o certame foi realizado com a presença

de apenas duas empresas, cujos sócios integram o mesmo núcleo familiar,

sendo parantes em primeiro grau por afinidade. Ademais, as informações

obtidas ao longo da investigação também comprovaram que a empresa F. R.

DE MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME se valeu de automóveis da

empresa MARIA DAS GRAÇAS FERREIRA DA SILVA TRANSPORTE-ME, o

que comprova o alto grau de ligação entre as duas pessoas jurídicas,

prejudicando a concorrência do procedimento licitatório, bem como a isonomia

entre os interessados, já que essa circunstância viabiliza a manipulação de

preços e informações que deveriam ser sigilosas entre os participantes do

pregão.

De outra banda, houve a subcontratação de mais de 40%

(quarenta por cento) da frota de veículos disponibilizada à Prefeitura de São

Gonçalo do Amarante, em clara afronta à previsão constante do instrumento

contratual e da própria lei de licitações.

Portanto, a verossimilhança da alegação torna configurado o fu-

mus boni iuris. De outra banda, o periculum in mora se mostra presente no te-

mor de que a manutenção do contrato, que já vem sendo executado e por di-

versas vezes prorrogado, possa atrasar ainda mais a realização de novo cer-

tame, estendendo ainda mais o tempo de contratação da empresa ré - fruto

de procedimento licitatório irregular -, bem como as sublocações indevidas.

Isto posto, demonstrado o fumus boni iuris, através dos fatos rela-

tados, assim como o periculum in mora pela urgência de se conferir uma res-

posta rápida e eficaz à tutela do direito a um procedimento licitatório regular, o

Ministério Público REQUER a concessão de medida liminar determinando a

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suspensão imediata da execução dos contratos firmados pelo MUNICÍPIO DE

SÃO GONÇALO DO AMARANTE e o SAAE com a empresa F. R. DE ME-

DEIROS NETO TRANSPORTE-ME, decorrentes do Pregão Presencial nº

026/2013, que poderão ser substituídos por contratos emergenciais até que

seja concluído novo procedimento licitatório visando a contratação de empre-

sa para locação de veículos.

IV. DOS PEDIDOS FINAIS:

Por todo o exposto, REQUER o Ministério Público Estadual a

Vossa Excelência:

1) A concessão de medida liminar determinando a suspensão

imediata da execução dos contratos firmados pelo MUNICÍPIO DE SÃO

GONÇALO DO AMARANTE e o SAAE com a empresa F. R. DE MEDEIROS

NETO TRANSPORTE-ME, decorrentes do Pregão Presencial nº 026/2013,

que poderão ser substituídos por contratos emergenciais até que seja

concluído novo procedimento licitatório visando a contratação de empresa

para locação de veículos.

2) A citação dos demandados para que respondam aos termos da

presente ação no prazo legal, sob pena de revelia;

3) A procedência da presente demanda, consistente na prolação

de decisão determinando a anulação do procedimento licitatório desde a sua

origem (Pregão Presencial nº 026/2013), e todos os atos administrativos

subsequentes, inclusive os contratos e aditivos firmados pelo MUNICÍPIO DE

SÃO GONÇALO DO AMARANTE e o SAAE com a empresa F. R. DE

MEDEIROS NETO TRANSPORTE-ME, licitante vencedora do certame;

4) A produção de todas as provas admitidas em direito.

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Dá-se à causa o valor de R$ 1.167.559,82 (um milhão, cento e

sessenta e sete mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e oitenta e dois

centavos).

Nesses termos, pede deferimento.

São Gonçalo do Amarante/RN, 13 de outubro de 2015.

Lucy Figueira Peixoto Mariano da SilvaPromotora de Justiça

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