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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO Procuradoria de Justiça Criminal Secretário Executivo Vice-Secretário Executivo Mágino Alves Barbosa Filho Júlio Cesar de Toledo Piza Setor de Jurisprudência Antonio Ozório Leme de Barros ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ BOLETIM DE JURISPRUDÊNCIA ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ __ ano 2 - número 17 - 1° a 15 de janeiro de 2009 [email protected] ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ALGUMAS PALAVRAS Setor de Jurisprudência No primeiro número de 2009 do BOLETIM DE JURISPRUDÊNCIA, já em seu segundo ano de existência, temos o privilégio de trazer, à apreciação dos colegas, um primoroso estudo realizado pelo colega Alexandre Rocha Almeida de Moraes, culto Promotor de Justiça que ora integra a Assessoria de Designações da Procuradoria-Geral de Justiça, Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; trata-se de valioso trabalho a versar, com erudito suporte doutrinário, sobre os fundamentos do chamado ius puniendi e a falácia do conceito da pena como meio de ressocialização de autores de delitos. Lembramos a todos que o inteiro teor dos acórdãos aqui publicados acha-se disponível, na rede mundial de computadores (Internet), dentro das páginas do Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br) e do Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br). Como sempre, críticas e sugestões serão bem-vindas e poderão ser encaminhadas ao Setor de Jurisprudência da Procuradoria de Justiça Criminal, por meio do seu endereço ([email protected]). Bom proveito! 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO Procuradoria de Justiça Criminal

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Setor de Jurisprudência Antonio Ozório Leme de Barros

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BOLETIM DEJURISPRUDÊNCIA

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ano 2 - número 17 - 1° a 15 de janeiro de 2009 [email protected]____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

ALGUMAS PALAVRAS

Setor de Jurisprudência

No primeiro número de 2009 do BOLETIM DE JURISPRUDÊNCIA,

já em seu segundo ano de existência, temos o privilégio de trazer, à

apreciação dos colegas, um primoroso estudo realizado pelo colega

Alexandre Rocha Almeida de Moraes, culto Promotor de Justiça que ora

integra a Assessoria de Designações da Procuradoria-Geral de Justiça,

Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo; trata-se de valioso trabalho a versar, com erudito suporte

doutrinário, sobre os fundamentos do chamado ius puniendi e a falácia

do conceito da pena como meio de ressocialização de autores de delitos.

Lembramos a todos que o inteiro teor dos acórdãos aqui publicados

acha-se disponível, na rede mundial de computadores (Internet), dentro

das páginas do Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br) e do Superior

Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br).

Como sempre, críticas e sugestões serão bem-vindas e poderão ser

encaminhadas ao Setor de Jurisprudência da Procuradoria de Justiça

Criminal, por meio do seu endereço ([email protected]).

Bom proveito!

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO Procuradoria de Justiça Criminal

Secretário Executivo Vice-Secretário Executivo Mágino Alves Barbosa Filho Júlio Cesar de Toledo Piza

Setor de Jurisprudência Antonio Ozório Leme de Barros

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DOUTRINAFUNDAMENTOS DO DIREITO DE PUNIR

E FALÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DA PENA

Alexandre Rocha Almeida de MoraesPromotor de Justiça do Estado de São Paulo

e Mestre em Direito Penal pela PUC/SP

SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO: Histórico, Modernas Teorias do Direito e o Direito de Punir. II. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: Crime, Ressocialização e Custo Social. III. TEORIA DOS SISTEMAS: Limites Operativos do Direito de Punir. IV. CONCLUSÃO: Limites Operativos e Instrumentos Cognoscitivos do Direito Penal – A Falácia da Ressocialização da Pena.V.REFERÊNCIAS.

I. INTRODUÇÃO

Já disse o maior penalista do Império - TOBIAS BARRETO -, que “quem procura o fundamento jurídico da pena deve também procurar o fundamento jurídico da guerra, de modo que a pena, antes de jurídico, é um conceito político”.1

No que pese tal reflexão, lembra Welzel que o homem tem meditado sobre o sentido e a finalidade da pena desde que a filosofia passou a fazer parte da sua existência.2 Carrara, no mesmo sentido, afirma que “procurar a origem da pena é fórmula escolástica, mas vazia de sentido, quando se considera a pena de um ponto de vista abstrato e especulativo. Tanto valeria procurar a origem da vida do homem, como se este, conservando sua natureza, pudesse ter

1 BARRETO, Tobias. Obras completas.. Rio de Janeiro: Record; Brasília: Instituto Nacional do Livro / Ministério da Cultura, Org. Luíz Antônio Barreto,

1991, v.1 p. 149-

2 WELZEL, Hans. Direito Penal. 1ª ed., 2ª tir. Campinas: Romana. Trad. Afonso Celso Rezende, 2004, p. 329-330

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existido um instante sem possuir a vida”.3

De outra parte, é inegável que o direito punitivo se debate com um problema crucial, o referente ao seu fundamento jurídico e ao fim da pena, conforme observa Bruno:

Não é um problema simplesmente metafísico ou filosófico, como à primeira vista poderia parecer, mas de imenso interesse prático, porque dele depende a configuração da pena nas legislações e a orientação total dos sistemas penais. Um tema sempre apaixonante, que ainda hoje, como diz PREISER, é a questão inicial de toda consideração do Direito punitivo, e a sua problemática, observa MAURACH, nada perdeu da sua importância. Essa questão, não a do método, é que marca as distâncias entre as posições dos penalistas, e dentro das escolas é que ela é formulada e diversamente resolvida.4

Carrara ressalva ser talvez impossível enumerar todos os sistemas imaginados, v.g. pelos publicistas, para dar ao direito de punir o seu princípio fundamental, mas ainda assim, de forma didática, aponta os seguintes:5

a) vingança (admitiram que uma paixão perversa pudesse converter-se em direito exigível - HUME, PAGANO, VECCHIONI, BRUCKNER, RAFFAELLI, ROMANO etc.); b) vingança purificada (a sociedade pune, a fim de que o ofendido não se vingue - LUDEN); c) represália (fórmula de FRANCIS LIEBER, em estudo publicado em 1838 na cidade de Filadélfia que, em essência, representa mero disfarce da vingança); d) aceitação (promulgada a lei cominadora da pena, o cidadão que cometer o delito, sabendo ser daquele modo punido, voluntariamente se terá sujeitado a ela e não terá razão de queixar-se); e) convenção (ROUSSEAU, MONTESQUIEU, BURLAMAQUI, BLACKSTONE, VATTEL, BECCARIA, MABLY, PASTORET, BRISSOT DE WARVILLE) ou a cessão à sociedade do direito privado de defesa direta; f) associação (a constituição da sociedade desenvolve o direito punitivo em razão da própria união - PUFFENDORF); g) reparação (quem causou um dano deve repará-lo - KLEIN, SCHNEIDER, WELCKER);

3 CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal - Parte Geral. Campinas: LZN, 2002, v. II, p. 13-14

4 BRUNO, Aníbal. Direito Penal - Parte Geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v.1, Tomo I, p. 78-79

5 CARRARA, op.cit., p. 53-57

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h) conservação (SCHULZE, BUSATTI, MARTIN), ou pela da defesa social indireta (ROMAGNOSI, COMTE, RAUTER, GIULIANI), ou necessidade política (FEUERBACH, KRUG, BAVER, CARMIGNANI), na qual com o punir, exerce a sociedade o direito, inerente a todo ser, de se conservar; i) utilidade (princípio assentado no postulado de que a utilidade dá o sumo do princípio do bem moral e o fundamento bastante do direito - HOBBES, BENTHAM); j) correção (a sociedade tem direito de punir o culpado para emendá-lo - ROEDER, FERREIRA, MAZZOLENI, MARQUET-VASSELOT); l) expiação (é princípio de absoluta justiça que expie a sua falta, sofrendo um mal, quem produzia um mal - KANT, MENCHE, PACHECO).

Nesse estudo, propomos uma análise específica: criticar a fun-ção ressocializadora da sanção penal, segundo a ótica de diferentes teo-rias do direito - a Análise Econômica do Direito e Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann.

Comecemos pela legislação.

Como é cediço, a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/84) tem, por finalidade, em seu art. 1°, dentre outros, a reinserção social do condenado.

Assim, adotou o legislador brasileiro uma teoria mista acerca das finalidades da pena: a sanção penal traduz uma retribuição pelo crime cometido (prevenção especial e geral) e a oportunidade para oferecer ao condenado novos conhecimentos que lhe proporcionarão uma alternativa para reintegração na sociedade, abandonando, se assim desejar, a delinqüência (fusão da teoria retribucionista ou absoluta com a teoria utilitarista ou relativa).

Contudo, o próprio art. 4º deixa transparecer que o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena. Em suma, reconhece ser uma meta multidisciplinar e que depende, logicamente, de outros fatores, muito além da simples vontade e do simples dever do Estado.

Da mesma forma, com o advento da Lei n° 9.714/98 que versa sobre penas alternativas, buscava o legislador diminuir a superlotação dos presídios e reduzir os custos do sistema penitenciário, favorecer a ressocialização do autor do fato, evitando o deletério ambiente do cárcere e a estigmatização dele decorrente, reduzir a reincidência, uma

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vez que a pena privativa de liberdade, além de procurar, de alguma forma, preservar os interesses da vítima.

Contudo, esperar que objetivos ligados à socialização primária do indivíduo sejam alcançados pela simples edição de um texto normativo, nos parece absolutamente equivocado. Parece-nos evidente que a pena, por si só, não tem o condão de evitar a reincidência e nem tampouco favorecer a ressocialização.

Nesses termos, de modo a permitir uma completa visão crítica do chamado caráter ressocializador das penas, permitimo-nos apresentar, além de argumentos históricos, visões pré-paradigmáticas de análise do Direito: o ponto de vista americano e a visão sociológica de Niklas Luhmann.

Parafraseando Thomas Kuhn as realizações científicas geram modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados.6

A Análise Econômica do Direito e a Teoria dos Sistemas são formas de análise do Direito consideradas pré-paradigmáticas, eis que ainda estão aquém do conceito de realização como ciência ditado por Kuhn.

De qualquer sorte, forçoso reconhecer que até o final do século XIX e início do século XX, questionava-se o conceito de Direito, pergunta até então bem resolvida por Kelsen. Estudava-se e ainda se estuda, tradicionalmente, o Direito como instrumento de controle social. Agora, contudo, neste contexto de sociedade moderna e complexa, com alguns upgrades que, inexoravelmente, têm distorcido os efetivos limites do Direito, este passou ser visto como instrumento de transformação social, com os diversos enfoques possíveis estranhos ao sistema jurídico.

Já nos meados do século XX, passou-se a questionar a função do Direito, iniciando-se, pois, o seu uso como instrumento

6 KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975

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irremediavelmente atrelado ao conectivo “e”: Direito e Economia, Direito e Sociedade, Direito e Política, etc.

Desta forma, a autonomia do Direito deu lugar ao seu caráter fragmentário e, como tal, passou-se a questionar de que forma o Direito poderia influenciar e transformar a sociedade.

Outrossim, em breve síntese didática, o advento do Estado de Bem Estar Social transformou a visão procedimentalista do Direito em visão veemente substancialista, ensejando o reconhecimento de inúmeras e diferentes novas demandas, com a legitimação do Direito para novos conflitos, com a flexibilização dos conceitos jurídicos e, em conseqüência, com a criação de inevitável instabilidade interna do sistema jurídico e insegurança ao meio e destinatários das normas.

O conceito de sociedade moderna e complexa é, pois, fundamental para se entender a evolução do Direito, as conseqüências de seus almejados objetivos e a profunda transformação dos fins da sanção penal, de modo, inclusive, a antecipar nossa conclusão: o Direito Penal moderno vem operando com códigos corrompidos, buscando metas que estão além de seus limites operativos.

Esta, pois, a antecipação da pretensão desse estudo: ao se atribuir às penas objetivos que elas não conseguem atingir (por mais nobres que sejam), perdem-se os limites operativos do Direito Penal, gerando-se inevitável frustração e, o mais grave, ocultando-se o caminho para a efetiva solução do problema.

O legislador passou a entregar ao Direito Penal a vara de condão para diminuir a criminalidade e os (pseudo) humanistas passaram a exigir da pena, como se intrínseco a ela fosse, o cumprimento de seu suposto caráter de reeducação dos condenados. Com isso, viciou-se a sociedade, a comunidade jurídica, o Judiciário...

Tobias Barreto, antevendo esta distorção, já destacava que era preciso não confundir a impossibilidade de uma solução com a incapacidade de levá-la a efeito.7

Para ele, o direito de punir era um conceito científico, isto é, 7 BARRETO, Tobias. Estudos de Direito. Fundamentos do Direito de Punir. Ed. Bookseller, 1ª edição, p. 163

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uma fórmula, uma espécie de notação algébrica, por meio da qual a ciência designa o fato geral e quase quotidiano da imposição de penas aos criminosos, aos que perturbam e ofendem, por seus atos, a ordem social. E, portanto, segundo o eminente Jurista “a teoria romântica do crime-doença, que quer fazer da cadeia um simples apêndice do hospital, e reclama para o delinqüente, em vez da pena, o remédio, não pode criar raízes no terreno das soluções aceitáveis”. 8

Para ele, com a acidez costumeira,

“podem frases teoréticas encobrir a verdadeira feição da coisa, mas no fundo o que resta é o fato incontestável de que punir é sacrificar, sacrificar, em todo ou em parte, o indivíduo a bem da comunhão social, sacrifício mais ou menos cruel, conforme o grau de civilização deste ou daquele povo nesta ou naquela época dada, mas sacrifício necessário, que, se por um lado não se acomoda à rigorosa medida jurídica, por outro lado também não pode ser abolido por efeito de um sentimentalismo pretendido humanitário, que não raras vezes quer ver extintas por amor da humanidade coisas, sem as quais a humanidade não poderia talvez existir”.9

Ademais, dizia Tobias Barreto, violado um direito, o sistema jurídico perturbado, bem como a pessoa ofendida, não tem outro interesse senão que o dano causado seja satisfeito, se possível, restabelecendo-se o direito, ou substituindo-lhe o valor que nele repousa. O que vai além dessa esfera nasce por motivos que são estranhos ao Direito mesmo.10

Tal previsão era feita há mais de 100 anos, mas, ao que parece, em vão.

Isto porque, iniciado o ciclo da modernidade, dentre outros fatores, a autonomia e impermeabilidade do Direito a idéias alienígenas

8 Id., p. 166

9 Id. p. 173

10 Op. cit., p. 179

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(sinal característico e evidente, até então, em nossa sociedade), deu lugar a um processo de fragmentação desta autonomia, explicitando as relações tênues entre o Direito e a Política, entre o Direito e a Economia etc.

Passou-se, pois, a mostrar, com as teorias pré-paradigmáticas, como a análise Econômica do Direito e com a Teoria dos Sistemas, a tendência de despreocupação do Direito com suas repercussões na sociedade.

Algumas delas, contudo, foram além: desconsideraram os limites naturais de cada um dos sistemas, conforme adiante se aventará.

A modernidade passou então a utilizar de diferentes conceitos: “Economia de Mercado Globalizada”, “Política” (ao invés de Estado) e “Direito Moderno” com diferenciações operacionais gritantes e com linguagens não coincidentes.

Este seja, talvez, o único ponto de encontro entre a Análise Econômica do Direito e a Teoria dos Sistemas: a preocupação e a abrangência de querer, com fundamentos diversos (econômicos e sociológicos), explicar a sociedade moderna.

Ainda que a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann entenda que o Direito desempenhe função garantidora de expectativas normativas e, portanto, mais voltada ao passado e, ainda que se considere que a Análise Econômica do Direito tem visão orientada para o futuro – Direito como guia de comportamentos, pode-se até enxergar um caráter de complementaridade, desde que respeitados os limites do sistema jurídico e, no nosso caso, os limites operativos do Direito Penal.

De qualquer forma, ambos os enfoques têm a pretensão inovadora de pensar a função do Direito. No que pese a mecânica universal, foi Kelsen quem melhor respondeu à questão, analisando as estruturas do Direito.

Já as novas teorias, partindo de parâmetros diversos, típicas deste momento pré-paradigmático, buscaram e ainda buscam a funcionalidade, enfim, os fins do direito.

Ainda que, “o fundamento absoluto seja o fundamento irresistível no mundo de nossas idéias”, como lembra Bobbio, na

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realidade, de uma forma ou de outra, a incidência atual, ainda que de forma tímida, destas novas correntes de pensamento do Direito, nada mais significa que os desafios decorrentes da evolução e do progresso de nossa sociedade moderna, altamente complexa, emprestando a feliz definição de Luhmann.11

Vale, contudo, mais uma vez advertir: no contexto de Estado de Bem Estar Social, onde as dicotomias Estado/Sociedade, Política/Economia, Coletividade/Indivíduo foram relativizadas, muitas teorias, equivocadamente a nosso ver, passaram a apresentar o aspecto funcional do Direito de modo a tratá-lo como instrumento de transformação social.

Nesse diapasão, o próprio conceito de sanção penal, deu lugar a conceitos como sanção premial, as próprias teorias das penas (a princípio voltadas para a simples retribuição), passaram a pensá-las como instrumento também apto de acabar com a criminalidade e, numa só tacada, capaz a reeducar aquele que está segregado do meio social.

Tais mudanças foram positivas? Estes avanços são operacionalmente tolerados pelo Direito? O Direito é, enfim, capaz de prevenir o crime, diminuir a criminalidade e, concomitantemente, reeducar o preso.

Parafraseando Romero, o Direito é uma disciplina da liberdade, modelando-a no conflito com a liberdade dos outros; dirige-se à sociedade, cuja existência garante e regulariza. “E a regulariza não pela compaixão, pela piedade, pela caridade, e sim pela pena e pela coação.”12

A história, como já alertou Paul Veyne, nos parece cíclica. 13

A título ilustrativo vemos o Estado brasileiro que, diferentemente daqueles iniciados por contratos sociais, teve numa origem alienígena um Direito posto, sucedido de um Estado interventor. A isso se sucedeu o Estado de Bem Estar Social e com o aumento da

11 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Ed. Campus, 1992, p. 16

12 Romero, Silvio. Ensaio de Filosofia do Direito, Ed. Landy, 2001, p. 143

13 VEYNE, Paul. Como se escreve a história, Brasília: Edunb, Tradução: Alda Baltar e Maria A. Kneipp, 1982

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complexidade da sociedade moderna, o inevitável aumento da criminalidade, fator, dentre outros, utilizado pelos militares para legitimar um golpe de Estado. Nesse ciclo, novo Estado repressor antecedeu uma Constituição democrática, onde inúmeras garantias destinadas inicialmente aos presos políticos e onde inúmeras metas além dos limites operativos do Direito foram fixadas, desencadeando, agora, a idéia da criação de novas legislações contemplando um Estado mais policial e interventor.

Paralelamente a essa ilustração, após o recente Estado repressor, aumentaram os brados pelo Direito humanitário dos presos. Aumentaram os clamores por condições dignas nas cadeias, pela reeducação dos condenados e foram criadas legislações contemplando pretensões e anseios que, logicamente, estão além dos limites do Direito Penal.

Diante da ineficiência do Direito em resolver tal situação, diante de muitos falaciosos rótulos da “ineficiência da Justiça”, surgiram novas legislações que vieram remediar o problema carcerário e a insuficiência dos meios de reeducação dos presos: leis que agora soltam criminosos, seja por indultos e anistia, seja por despenalização de condutas, seja pela criação de penas alternativas, seja pela formatação de “Magistrados da pena mínima”, até se chegar aos profetas do laxismo penal.

Emprestando a classificação didática de Roberto Lyra, a evolução do Direito e, especificamente, do Direito Penal também acompanhou o contexto histórico até o advento do Estado de Bem Estar Social: a) período primitivo (até a revolução francesa); b) período individualista (da revolução francesa à revolução russa); c) período socialista (ainda em desenvolvimento). 14

Neste contexto histórico-evolutivo, acentua Santoro Filho, todas as concepções de pena apresentadas foram passíveis de severas críticas, pois não serviam a atingir o principal objetivo a que se propunham, qual seja, extinguir, ou mesmo diminuir a criminalidade.15

14 LYRA, Roberto. Direito Penal Normativo. Ed. José Konfino, 2ª edição, 1974, p. 212

15 SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Bases Críticas do Direito Criminal, Editora de Direito, 2000, p. 53

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Daí a ressalva do presente estudo: até que ponto, seja pela a ótica da Análise Econômica do Direito, seja pela ótica da Teoria dos Sistemas poderia, efetivamente, a sanção penal cumprir um papel de diminuir ou extinguir a criminalidade, ou ainda, de reeducar o preso?

De forma didática, o citado autor lembra que as funções da pena podem ser melhor observadas durante as suas três fases, isto é, cominação, aplicação e execução.

Na cominação, segundo ele, a sociedade, democraticamente, por meio de seus representantes diz quais são os valores de maior relevância social e realiza a prevenção geral, mediante a proteção de bens jurídicos fundamentais. Na aplicação da pena cominada, o Estado-juiz reafirma que o bem jurídico atingido pelo crime continua a ser um valor socialmente relevante. E, na execução penal, realiza-se o necessário, a prevenção especial, conferindo-se ao condenado oportunidade para que abandone a criminalidade e reintegre-se à sociedade. 16

Ora, independentemente da corrente teórica utilizada, fato é que um conceito de pena que a tome como meio para a extirpação do fato crime e da criminalidade estará incorreto em sua origem, pois esses fins jamais serão atingidos pela sanção penal. Isso, conforme já assinalado, é uma pretensão impossível de ser alcançada pelo Direito.

Ainda que muitos pretendam ver na pena, tanto o fim de diminuir a criminalidade, quanto a pretensão de reeducar o condenado, ela tem capacidade bem mais modesta.

Conceitos como os aqui expostos são contumazes na doutrina e jurisprudência pátrias: “pena como tendo a função de também ressocializar o preso e, por vezes, de conter a criminalidade”.

Não se nega que tais efeitos podem até ser atingidos; mas como efeitos secundários, como função latente e não como fins manifestos. Quando se alçam tais funções como metas do Direito Penal, cria-se uma esperança que, com o tempo, aumenta a frustração. É justamente assim que se consolida o círculo vicioso no país: expectativa –

16 Op. cit., p. 63

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hipertrofia legislativa absolutamente irracional – frustração – nova expectativa – nova lei penal...

Essa inversão de valores decorrente da ignorância dos limites operativos do Direito vem, inclusive, propugnando pela extinção do Direito Penal, tido por ineficaz.

Felizmente, alguns poucos já estão a rebater tais críticas.

Sabedores dos limites do sistema jurídico, dos limites operacionais de seu código, fatalmente, os críticos modernos partiriam para buscar soluções fora do direito: construção de escolas, presídios, investimento na família e nas demais formas de controle social responsáveis pela socialização primária do indivíduo.

Ricardo Dip, por exemplo, adverte que o fim único da pena é a restauração da ordem jurídica, sendo certo, segundo ele, “que o que mais emerge da aplicação da sanção penal é só possível manifestação expansiva”.17

Como dito, acertadamente o ilustre autor demonstra conhecer a efetiva diferenciação entre função e efeitos secundários e nem sempre alcançados pela pena.

O mesmo autor em companhia de Volney Corrêa Leite de Moraes Júnior, de forma atordoante, critica as modernas teorias laxistas que, “conceituando o delito como inconsciente disfunção comportamental, equivalente ao claudicar artropático, propõe expungir da pena a virtude reprovativa (por injustificada) e a virtude preventiva (por inútil), dando-lhe a conformação única de método de reorientação postural”.18

Ressaltam, ainda, que o que apresenta comprometer mais gravemente o crédito da segurança pública é o caráter frustâneo do que, com alguma impiedade, se tem designado como um direito penal mágico.19 Endosso o pensamento por eles formulado, no sentido de se tratar de uma elaboração normativa acompanhada de forte dose de

17 DIP, Ricardo. Direito Penal: Linguagem e Crise, Ed. Millennium, 1ª edição, 2001, pg. 89

18 MORAES Jr, Volney Corrêa Leite de. Crime e Castigo – Reflexões Politicamente incorretas, Ed. Millenium, 2002, p. 07

19 Op. cit., p. 221

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retórica que corre o risco de, ante sua frustração na ordem concreta, estimular a anomia e a letargia social em face da criminalidade.

Como se vê, este é o quadro trazido neste contexto de Estado de Bem Estar Social, de alta complexidade, de corrupção dos códigos e dos limites operativos do Direito Penal: a frustração advinda com a implementação de um “Direito Penal mágico” e a insatisfação com o suposto papel do Direito Penal em diminuir criminalidade e cuidar para que os presos fossem reeducados, desencadeando esta inversão de valores que, nos próximos itens, vem sendo, de certa forma acentuada pela Análise Econômica do Direito e vem sendo criticada pela Teoria dos Sistemas, a qual nos parece mais racional.

II. ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: Crime, Ressocialização e Custo Social

Nas últimas duas décadas, aproximadamente, o estudo acadêmico da lei, particularmente na América do Norte, tem testemunhado o uso crescente de conceitos econômicos.

A Análise Econômica do Direito procura, em breve síntese, partindo-se da consensualidade das diferentes vertentes, dar resposta a duas perguntas básicas: a) como se vê afetado o comportamento dos indivíduos e das instituições pelas normas legais?; e, b) em termos de medidas de bem-estar social definidas de forma rigorosa, quais são as melhores normas e como se podem comparar diferentes normas legais?

Frank H. Stephen, por exemplo, assinala que o enfoque instrumentalista do Direito tem sido usado com sucesso em uma área de intersecção entre a lei e a economia: a economia do crime.20

Nos Estados Unidos, sobretudo, os modelos de comportamento individual e doméstico foram usados para desenvolver prognósticos a respeito da resposta de criminosos para diferentes políticas de detenção e condenação (Becker e Landes, 1974; Heineke, 1978; e Wolpin, 1978).

Lembra o referido autor, que o enfoque do economista é

20 STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. Ed. Makron Books, 1993, p. 01/05

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meramente dedutivo: “as suposições e as implicações dessas suposições no comportamento, sob condições específicas ou circunstanciais, são deduzidas”.21

Com este enfoque, tem se construído um modelo abstrato, capaz de discernir e investigar categorias implícitas nos casos. Assim, forneceria uma estrutura livre para análise que independe dos materiais particulares investigados.

Desde já, ressaltamos que ainda que forneça elementos para uma investigação apta a municiar o legislador e o aplicador do Direito, a Análise Econômica do Direito está longe de configurar uma teoria da ciência jurídica.

A Análise Econômica do Direito certamente representou uma mudança do enfoque, pois se afastando dos conceitos de sanção, lícito/ilícito e validade, alargou o espaço temporal colocado à disposição do jurista. Passou-se, a partir daí, a uma análise que dá relevância a elementos anteriores ao ilícito. Mais que isto, representou uma mudança de foco: do intérprete da norma para o destinatário da norma.

A presunção de busca incessante da satisfação pessoal (individualismo), como justificativa de uma teoria do comportamento social com enfoque econômico, representa o fundamento da teoria.

Ressalvadas as já diversas vertentes da teoria econômica, em essência, esta teoria defende que sua aplicação apresenta a vantagem de oferecer uma compreensão mais completa dos efeitos das normas jurídicas no comportamento social. Parte da premissa de que os agentes raramente ajustam o comportamento ao padrão previsto nas normas e, desta forma, mais do que analisar o que a sociedade requer e deseja, seria possível, com esta nova perspectiva, descobrir as condutas sociais que são capazes e passíveis de indução. 22

Neste esteio, para a Análise Econômica do Direito, as normas influenciam o cálculo racional do agente.21 STEPHEN, op. cit. p. 04

22 KORNHAUSER, Lewis A. Derecho Y Economia: Uma Revisión de La Literatura, “A Nova Análise Econômica do Direito: As Normas Jurídicas Como

Incentivos”, Centro de Estudos de Governabilidad Y Políticas Públicas, Instituto Tecnológico Autónomo de México, Fondo de Cultura Económica, México,

2000, p. 19/44

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À cultura fundada em Kelsen pouco importam os comportamentos em si, mas tão somente a validade das regras. Para Richard Posner, provável “pai” da teoria econômica, os comportamentos é que irão permitir verificar a utilidade na aludida teoria. Em Kelsen a preocupação com a eficácia jurídica é nula; já em Posner verifica-se que as mudanças na lei afetariam os comportamentos, gerando eficácia e, com tais mudanças comportamentais, haveria modificação das próprias instituições jurídicas.23

O Direito é visto, portanto, como instrumento para a tomada de decisões, em busca da maximização da riqueza e da eficiência, ou seja, como meio contra o desperdício. Assim, ao utilizar o Direito como mero instrumento para se alcançar a eficiência econômica, a Análise Econômica questiona o próprio Direito.

Desta forma, a teoria econômica tende a maximizar o valor dos recursos legais para as pessoas que os desfrutam. Para qualquer lei pouco eficiente, uma mais eficiente poderia substitui-la e seus benefícios distribuir-se-iam entre as pessoas afetadas pela mudança para que, ao melhorar para uns, não piore para os demais. O desperdício, enquanto não mudada a lei, existe e isso é constantemente atacado pela Análise Econômica do Direito.

Especificamente no âmbito da economia do crime, George Felipe de Lima Dantas, por exemplo, destaca que a Análise Econômica pode ser entendida como uma abordagem que considera a criminalidade como uma opção individual, diante de variáveis como emprego, efetividade do sistema de justiça criminal e nível de investimentos em segurança pública. Assim, delinqüir seria uma decisão individual, racionalmente tomada, face uma percepção de custos e benefícios, tal como os indivíduos fazem em relação a outras decisões de natureza econômica. Ou seja, se existe oferta de trabalho bem pago, a polícia é eficaz e a lei é dura, os indivíduos não teriam motivação para delinqüir, com a criminalidade diminuindo enquanto fenômeno em geral.24

23 POSNER, Richard A. Derecho Y Economia: Uma Revisión de La Literatura, Usos Y abusos de la teoría económica en el derecho, Centro de Estudos de

Governabilidad Y Políticas Públicas, Instituto Tecnológico Autónomo de México, Fondo de Cultura Económica, México, 2000, p. 66/79

24 DANTAS, George Felipe de Lima. Economia do Crime e o Apartheid do Brasil e de Outros Países Mais, texto publicado no site

“www.analisefinanceira.com.br/artigos/economiadocrime.htm”

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O mais significativo de tudo isso, segundo ele, é que os tais pesquisadores da economia do crime conseguem provar com equações, índices e indicadores (de uma série histórica de 20 anos de dados econômicos dos EUA), que oportunidades de emprego e efetividade do sistema de justiça criminal realmente são fatores decisivos na maior ou menor expressão do fenômeno da criminalidade.

Ora, é facilmente constatado que tais dados estão longe de configurar objeto do sistema jurídico. Entender a Análise Econômica como uma teoria do Direito, representaria permitir que o legislador fixasse, somente com seu arbítrio, o preço do sabão em pó.

Refletindo acerca da aplicação da teoria econômica na Criminologia, Ricardo Lagos questiona se não é hora de repensar os métodos tradicionais de lidar com o crime, aduzindo que uma quantidade cada vez maior de pesquisas sobre a economia do crime parece indicar que sim.25

O professor assevera que a criminalidade estaria condicionada por uma vasta gama de fatores contribuintes para o entendimento do comportamento criminal dos indivíduos. Cita, entre tais fatores, faixa etária, gênero, escolaridade, características do núcleo familiar e pertinência dos indivíduos a determinados estratos sociais e econômicos.

Com tais premissas, Ricardo Lagos pondera que a despeito dos mecanismos envolvendo as variáveis clássicas citadas, "desde as primeiras análises econômicas do crime, realizadas em 1968 por Gary Becker, os economistas vêm ficando cada vez mais convencidos de que incentivos de ordem econômica podem ser fatores determinantes no envolvimento dos indivíduos com o crime". 26

Ricardo Lagos ainda observa que de um ponto de vista individual, o elemento primordial do processo decisório de delinqüir é estimar o chamado índice de retorno. Através dessa estimativa, seriam considerados os possíveis resultados do cometimento de um ilícito e

25 BURDETT, K.; LAGOS, R. and WRIGHT, R. Crime, Inequality and Unemployment. In CentrePiece, London, U.K: Centre for Economic Performance,

London School of Economics. Volume 4, Issue 3, Winter 1999

26 BURDETT, K.; LAGOS, R. and WRIGHT, R., op. cit.

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deliberado sobre seu cometimento ou não. Segundo a teoria em exame, o cometimento da ação criminosa, na avaliação do potencial delinqüente, dependeria de três fatores: a) o tamanho da "recompensa" proporcionada pelo cometimento do crime; b) a probabilidade de ser preso e condenado e c) o rigor da pena a cumprir.

Em síntese, a Análise Econômica do Direito criminal entende que quanto maior o tamanho da "recompensa potencial" em delinqüir, maiores serão os índices de criminalidade, enquanto que, ao contrário, quanto maiores as probabilidades de prisão e de apenamento rigoroso, menores serão os índices de criminalidade.

Tais questões vêm sendo freqüentemente discutidas, como se observa no artigo veiculado no jornal “O Estado de São Paulo”, do jornalista Adam Liptka, articulista do “New York Times”, edição de 31 de agosto de 2003, sob o título “O desafio de estabelecer penas adequadas - Críticos debatem o que realmente funciona para punir criminosos”.

Ainda que dentro da própria Análise Econômica haja críticos a respeito da eficiência das penas elevadas, defendendo que a pertinência da teoria de incentivo da lei, segundo a qual as pessoas respondem às penas de maneira similar a como respondem aos preços27, cremos, aceitando o argumento de Ricardo Lagos, que a certeza da prisão e do rigor das penas fazem diferença para diminuição da criminalidade.

Ocorre que, conforme já assinalado, a maioria desses fatores levada em consideração está além dos limites operacionais do Direito.

A pena, por si só, segundo nossa visão, não tem a função de diminuir a criminalidade e nem tampouco a pretensão de reeducar os condenados.

Os conceitos de impunidade, certeza da punição e caráter ressocializador da sanção penal são estranhos ao Direito e somente com a delimitação do universo do sistema jurídico-penal, será possível utilizar artifícios da Análise Econômica ou de outras disciplinas afins como

27 COOTER, Robert D. Derecho Y Economia: Uma Revisión de La Literatura, “As Melhores Leis Corretas: Fundamentos Axiológicos de Análise Econômica

do Direito”, Centro de Estudos de Governabilidad Y Políticas Públicas, Instituto Tecnológico Autónomo de México, Fondo de Cultura Económica, México,

2000, p. 133/152

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complementos, num amplo projeto de política criminal efetiva.

Daí, à pretensão de ser uma “Teoria do Direito”, vai uma longa distância.

A resposta para os subsídios e anseios indicados pela escola da economia do crime está evidentemente fora do sistema jurídico: pertencem à criminologia, à sociologia, à economia e requerem medidas do Estado e de outros sistemas diversos do Direito.

Pena elevada, por si só, não intimida. A certeza da punição (algo incerto para o Direito) é que pode intimidar e fomentar a diminuição da criminalidade. Garantias legais de tratamento humanitário ao preso, com normas programáticas de ressocialização não estão contidas nos limites operativos do Direito, ainda que possam, eventualmente, ocorrer como efeito secundário e em caráter eventual.

Delimitar o objeto do sistema jurídico-penal, restringir a finalidade buscada pela sanção penal, por certo, motivaria o Estado, a sociedade e a comunidade jurídica a procurar outros subsídios em outros sistemas e em outros ambientes, de modo a evitar as falaciosas críticas à insuficiência das leis penais e à falência da Justiça Criminal. Isto, fatalmente, impediria a adoção de medidas caracterizadas pela ignorância dos limites do Direito criminal, tendentes a propugnar pela própria extinção da pena privativa de liberdade, dada sua insuficiência para coibir a reincidência e o aumento da criminalidade.

Sob tais premissas, para a Análise Econômica a função do Direito consubstancia-se, em síntese, no instrumento necessário para guiar comportamentos em busca da eficiência econômica. Ainda que sofra críticas, seja por seu caráter pré-paradigmático, seja por ter a pretensão de fazer uma leitura estranha ao mundo jurídico, é de se considerar sua relevância, máxime pelo fato de se dedicar a estudar as funções do Direito, rompendo o paradigma tradicional e emprestando um ponto de vista até então pouco explorado pelo jurista.

Contudo, necessário registrar mais uma vez os limites de sua utilização: não se nega a vantagem de analisar a ressocialização de condenados ou diminuição da criminalidade como um custo a ser

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enfrentado pelo Estado que, em longo prazo, represente eficiência econômica. Os incentivos buscados pela citada teoria na área criminal, tal qual a certeza da sanção e da severidade da pena, incluindo outros fatores que explicitamente impliquem em custos e benefícios diferenciados quanto ao cometimento de crimes, apresentam relevância para o problema da criminalidade. Mas são incentivos que não integram o mundo do Direito e, tal advertência, bem formulada por Niklas Luhmann, demonstra esta assertiva.

III. TEORIA DOS SISTEMAS: Limites Operativos do Direito de Punir

Max Weber, precursor da Teoria Social, já asseverava a impossibilidade de se fazer Teoria Social com a análise de indivíduos, tal qual o faz a Economia e, neste aspecto, ainda que se encontre, para alguns, na mesma categoria “inovadora” de teorias do direito, vê-se que a Teoria dos Sistemas parte de pressupostos diversos para explicar o Direito e seus fundamentos.

Pode-se, segundo a corrente sociológica, adotar as ações individuais, contanto que seja de forma ideal, isto é, levando-se em conta a relação dos indivíduos entre si.

A base da Teoria dos Sistemas está representada no conceito de sociedade complexa. Houve, neste contexto de sociedade, e conseqüentemente neste contexto de solução dos conflitos atuais, uma redução do Direito à Economia, uma redução do Direito à Sociedade, esquecendo-se o aplicador do Direito, das especificidades do próprio sistema jurídico.

Niklas Luhmann para exemplificar este avanço do Direito além de suas fronteiras operativas naturais, apresenta duas formas de interação do Direito com outros sistemas: a) o Direito regulador, que somente utiliza referências do ambiente; b) o Direito que faz as vezes do outro sistema, invadindo seara estranha ao seu mundo operativo. Para a compreensão da Teoria dos Sistemas e, em conseqüência, dos fins buscados pelo Direito, é fundamental, segundo Luhmann, a fiel delimitação dos sistemas existentes, de modo a diferenciar, cada qual,

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dos demais sistemas que se encontram em contato.28

Essa é também nossa pretensão: demonstrar que para se entender os fundamentos do direito de punir e os fins da sanção penal, é imprescindível a delimitação do sistema jurídico-penal, de modo a diferenciá-lo operacionalmente dos demais sistemas que com ele se encontram em contato.

A diferenciação social preconizada por Luhmann utiliza uma forma moderna de organização da comunicação: emprega a forma funcional, delimitando a função do Direito, da Economia, da Política etc. Tal diferenciação funcional apresenta a complexidade, contingência e seletividade como características desta sociedade moderna e, a partir destas premissas e constatações, define o Direito com seu objeto restrito, com seu conceito limitado ao que deve fazer e não ao que é capaz de fazer (tal qual anseia a AED): para ele, o Direito “é um sistema especializado na generalização congruente de expectativas normativas”.29

André-Jean Arnaud e Dalmir Lopes Júnior acentuam, ademais, que as regiões menos desenvolvidas são marcadas por uma complexidade insuficientemente estruturada, por sérios limites à diferenciação funcional e por uma tendência à exclusão de grandes porções da população, constituindo assim os países periféricos. No Brasil, por exemplo, a ausência de fronteiras claras entre os diversos domínios de ação e de experiências prejudica a identidade e a autonomia do Direito em relação ao seu contexto social. Constata-se, segundo os autores, a ausência de esferas de comunicação suficientemente diferenciadas, de sorte que a complexidade social resta insuficientemente ordenada ou é estruturada de maneira defeituosa. Isto conduz ao bloqueio da reprodução do Direito que se revela impotente para delimitar essas fronteiras em face das pressões da sociedade.30

Assim, partindo-se das premissas constatadas em nossa sociedade atual, máxime o alto grau de indeterminação da comunicação, o

28 Luhmann, Niklas. O Direito da Sociedade, O fechamento operativo do sistema jurídico, tradução provisória de Javier Torres Nafarrate, p.24/91

29 ARNAUD, André-Jean; LOPES JÚNIOR, Dalmir. Luhmann, Niklas: do sistema social à sociologia jurídica (tradução). Rio de Janeiro, Lumen Júris, 2003

30 ARNAUD; LOPES JÚNIOR, op.cit.

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Direito não pode almejar eliminar tal perplexidade, mas tão somente estabilizar as expectativas. Assim, a norma jurídica, ainda que tenha certa previsibilidade, somente tem o condão de viabilizar escolhas, diminuir incertezas e riscos, satisfazendo as expectativas ao longo do tempo. Jamais, como pretende a teoria econômica, pode ter a função de orientar comportamentos.

Ousamos dizer que a Teoria dos Sistemas se afigura inovadora perante Kelsen, que sequer pensou o Direito “e” Sociedade. Mas se afigura temerosa, para não dizer sectária, perante os objetivos daqueles que pretendem do Direito algo que ele não pode dar, tal qual almejam as modernas teorias penais.

Para Luhmann, quando o Direito é usado como instrumento de guia de comportamento, ele age como um mágico e, assim, as frustrações daí advindas serão superiores às expectativas.

Utilizando tais conceitos, tomamos por base em nossa comunidade, o fato de que não se pode esperar que o Direito Penal dirija comportamentos, sob pena, por exemplo, de criar uma expectativa cujo papel deveria ser realizado por outro sistema. Costumeiramente em nosso país, o aumento de pena é visto como solução de problemas que, a rigor, não são da alçada do Direito. De outra parte, a interferência indevida de outro sistema pode gerar frustrações outras incompatíveis com o sistema jurídico.

Retomando o exemplo já utilizado, a Política não pode ter a pretensão de invadir o sistema jurídico, da forma pela qual o faz a “Política Criminal”: ao invés da construção de presídios, do investimento em educação e da criação de programas sociais, a Política invade o mundo do Direito, ora protagonizando decisões judiciais alheias ao código lícito/ilícito, ora fomentando legislações que afastam as penas privativas de liberdade, gerando, pois, a sensação de insegurança que, como num círculo vicioso, faz com que a sociedade reclame da ineficiência do Direito Penal e da Justiça Criminal.

De modo similar, enquanto a ressocialização da pena é vista a partir do custo social para a Análise Econômica do Direito, para a Teoria dos Sistemas jamais poderia ser vista como expectativa da norma. Para a

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teoria econômica, portanto, a ressocialização da pena será analisada como um custo a ser enfrentado pelo Estado, juntamente com o custo de prevenção e repressão da criminalidade. Para a Teoria dos Sistemas, tal expectativa inexiste, pois foge aos contornos do sistema jurídico-penal.

Luhmann entende, pois, que o Direito não pode ter a pretensão de fazer uma reengenharia social, diante da incidência e interação constante dos outros sistemas. Assim agindo, estaria trabalhando com códigos diversos do “lícito/ilícito”, perdendo-se o horizonte de seus limites operativos.

Neste esteio, a Teoria dos Sistemas representa um instrumento que caracteriza, de forma bastante abrangente e complexa, a estrutura na qual o sistema do Direito é constituído, com a função de reduzir a complexidade apresentada pela sociedade, através da generalização de expectativas normativas com vistas a manter o sistema estável. E é só: qualquer pretensão além dessa passa a ser estranha ao sistema jurídico.

Assim, na medida em que o sentido da norma não sustenta mais a unidade da segurança das expectativas e do guia de comportamentos, a sociedade reage com a diferenciação e a especificação da função.

O grande problema da teoria de Luhmann, segundo seus críticos, é o fato da despreocupação com os aspectos materiais envolvidos nos conflitos de interesses contidos no meio social, desprezando, portanto, as desigualdades materiais existentes entre os membros da coletividade, além de partir das premissas, reputadas equivocadas, de que eles aceitarão as decisões do aparelho estatal somente porque tiveram acesso ao procedimento.

Contanto, é justamente a visão externa do sistema operacionalmente fechado que permite à Teoria dos Sistemas registrar os limites operativos do sistema jurídico e as decorrentes distorções do desrespeito desta diferenciação funcional entre sistemas.

Celso Fernandes Campilongo leciona que, para observar seriamente os indivíduos, nenhum ser humano pode ser parte de um

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sistema, sendo certo que, ao deslocar os indivíduos para o ambiente, Luhmann encontra o caminho para definir o tipo de operação que confere unidade a um sistema social.31

Neste aspecto, Campilongo destaca, de forma precisa, a problemática da interconexão entre os sistemas jurídico e econômico, aduzindo que:

“na chamada ‘análise econômica do direito’ (redução do direito à economia), por exemplo, o problema apenas se desloca para outro âmbito. Pode-se pensar, também, na discussão sobre a politização dos mercados (influência política sobre a economia) ou sobre a mercantilização da política (determinação econômica das variáveis político-eleitorais). Todos esses enfoques desembocam na mesma perplexidade: as conexões entre os diversos subsistemas são normais, inevitáveis e produzem mudanças no interior da cada subsistema. Entretanto, esses acoplamentos podem atingir um ponto tão elevado que, muitas vezes, acabam por desnaturar a forma de operação própria de cada sub-sistema. Dito de outro modo: produzem a ‘corrupção do código’ próprio a cada subsistema.”32

Conforme já salientado e emprestando ainda as palavras de Campilongo:

“o problema central do acoplamento estrutural entre o sistema político e o sistema jurídico reside no alto risco de que cada um deles deixe de operar com base em seus próprios elementos (o Judiciário com a legalidade e a Política com a agregação de interesses e tomada de decisões coletivas) e passe a atuar com uma lógica diversa da sua e, conseqüentemente, incompreensível para as auto-referências do sistema”.33

Sendo, pois, o código do sistema jurídico direito/não direito, é fundamental distinguir os interesses protegidos e os interesses repelidos pelo Direito.

Isto porque, arremata Campilongo, grande parte dos problemas de “judiciarização da política” e de “politização do direito”

31 Campilongo, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial, Ed. Max Limonad, 2002 p. 69

32 Id., p. 63

33 Ibid.

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decorre da falta de percepção dessa diferenciação funcional, sem a qual, por exemplo, o sistema político sobrecarrega o sistema jurídico e, com isso, aumenta a liberdade e a discricionariedade do juiz diante da lei.34

“A diferenciação do direito, nesse sentido, incorpora uma variabilidade estrutural que expande as situações ‘juridicizáveis’ e os poderes do juiz. Numa palavra: ‘politiza’ a magistratura”, concluiu Campilongo.35

Outrossim, o autor registra que outra tendência do processo de diferenciação funcional do direito, que se processa simultaneamente às mudanças no quadro legislativo, político e econômico, é a crescente orientação da dogmática jurídica e da atividade judicial para as conseqüências das decisões.

Assim, segundo ele, um sistema jurídico voltado para o futuro pressupõe sua ampla abertura ao ambiente e uma suposta coerência nas relações inter-sistêmicas, ensejando, pois, a desfiguração do próprio sistema jurídico que não mais reconhece seus limites internos nem as condições auto-referenciais dos demais sistemas.

Isso, conforme já salientado, como num processo em cadeia passa a exigir recursos cognitivos excessivos e inatingíveis, como ocorre no atual tema da “Teoria das Penas”.

O Direito Penal que, por si só, não se presta a diminuir a criminalidade (futuro incerto) e que, por si só, não consegue reeducar os condenados (futuro incerto, agravado pela contingência e complexidade social), acaba gerando frustrações que, ou ativam a produção de legislações esdrúxulas, ou formatam Magistrados ‘políticos’, ‘economistas’, ‘sociólogos’ e ‘benevolentes com a pobre situação do encarcerado’.

A mesma advertência foi feita por Campilongo em artigo veiculado no Jornal “Folha de São Paulo”: “Para garantir expectativas que não se ajustam às desilusões, compete aos tribunais exercer o papel de afirmar o direito, não confirmar o poder. Para isso devem estar protegidos contra pressões que procuram enfraquecer suas

34 Id., p. 89

35 Id., p 92

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estruturas ou tentam processar questões que não se amoldam à técnica jurídica.” (“Folha de São Paulo, edição de 22 de novembro de 1999, “A função política do STF”).

Nélson Hungria lembrou Carrara para quem “sempre que a política entra pelas portas do templo da justiça, esta foge espavorida pela janela para livrar-se ao céu”. 36

Atualmente, ao que parece , deveria fugir.

Na mesma esteira, Luhmann leciona que na medida em que o sentido da norma não sustenta mais a unidade da segurança das expectativas e do guia de comportamento, a sociedade reage com a diferenciação e a especificação da função. A pretensão do jurista concernente à função de engenharia social se demonstra como colocada apressadamente. A questão não é se o Direito pode assumir a função de programação social e de guia de comportamento, mas como o direito pode se adequar ao fato de que estas funções devem ser desenvolvidas em medida crescente em outro âmbito da sociedade. 37

IV. CONCLUSÃO: Limites Operativos e Instrumentos Cognoscitivos do Direito Penal – A Falácia da Ressocialização da Pena

Conforme salientado no início desse estudo, a pretensão era a de analisar a possível função do Direito Penal, especificamente do falacioso caráter ressocializador da pena, sendo certo que adotamos a ótica da Teoria dos Sistemas para explicar a veemente corrupção dos códigos jurídicos, a inexistência de diferenciação funcional e ausência de apreensão dos limites operativos do direito de punir para grande parte das teorias ditas modernas.

A complexidade da sociedade moderna, motivadora de novas demandas e novos conflitos, fatalmente vem desencadeando uma inevitável instabilidade interna do sistema jurídico e insegurança ao meio, fomentando, pois, a crescente produção de legislações esdrúxulas e 36 HUNGRIA, Nélson. Comentário ao Código Penal. Ed. Forense, 3ª edição, 1955, p. 183/184

37 Luhmann, Niklas. Introducción a la teoría de Sistemas, Lección 3 - “El sistema como diferencia”, Universidad Iberoamericana – Biblioteca Francisco

Xavier Clavigero – Centro de Informacion Academica, publicado por Javier Torre Nafarrate, p.61/76

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decisões judiciais alheias aos limites operacionais do Direito Penal.

Colocadas as nuances destas correntes de pensamento da função do Direito, questionamos: o Direito de punir e, especificamente, a sanção penal buscam somente assegurar as expectativas da sociedade, ou também buscam assegurar efeitos, seja com enfoque econômico, seja com enfoque sociológico?

Logicamente, como já exaustivamente afirmado, os efeitos secundários da pena (a possível, eventual e incerta ressocialização), são estranhos aos limites funcionais do Direito de punir.

A ignorância desses limites tem motivado o aumento dos clichês “prisão não corrige, abaixo as prisões ...”, como bem lembra Bonfim.38

O caráter utilitário da pena, desde Beccaria, Romagnosi e Feuerbach até Betham e Grolman não é negado. Agora, pretender que o efeito seja meta ou fim da pena é demasiado para o Direito Penal. Se o preso sair reeducado, ótimo. Mas, em verdade, com a pena se busca a prevenção geral e especial, por meio de uma retribuição ao mal causado.

Hassemer, v.g., salienta que o problema dessa concepção utilitária da ressocialização é que, em determinados casos, poderá se chegar à obtenção de penas indefinidas e indeterminadas, uma vez que enquanto não estiver apto ao retorno à sociedade, o delinqüente dela ficará afastado.39

Ademais, segundo Hassemer,

enquanto apenas se especula sobre esses efeitos e continuamente se lança mão do surrado argumento ‘nada funciona’, a idéia da ressocialização se transforma em moeda de troca de qualquer política de segurança pública e da respectiva ideologia. Na Escandinávia, nos Estados Unidos, menos espetacularmente também entre nós, ela primeiro se apresenta como panacéia, um verdadeiro salvo-conduto para a solução de todos os problemas da criminalidade e, pouco depois, converte-se no charlatão, que

38 BONFIM, Edílson Mougenot. No Tribunal do Júri. Ed. Saraiva, 2000, p. 16

39 HASSEMER, Três Temas..., p. 29

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subtraiu dos presos e da sociedade tempo de vida e dinheiro.40

A prevenção especial tornou-se, portanto, a bandeira do positivismo criminológico, “daquelas tendências que negando ou prescindindo de um enfoque ético da personalidade humana, examinaram somente os fatos naturalísticos do crime com a conclusão de que é sempre a expressão de uma personalidade ‘anormal’; que deve ser possivelmente corrigida pela sanção a fim de que se chegue à recuperação do réu com o beneficio, não apenas individual, mas também social”. 41

O campo da prevenção especial é o da periculosidade, não o da culpabilidade, portanto, “atua onde se possa deduzir, de um complexo de condições subjetivas, que um indivíduo poderá ser causa de crimes, mas não se encontra onde impera a exigência da retribuição que pretende fazer sentir ao réu o que significa violar a lei”.42

Lembra, ainda, Bonfim, que o só discurso da ressocialização do delinqüente desembocaria em um impedimento constante de punição dos criminosos. Seria o dilema sem resposta: “(...) se fosse pobre o réu, não haveria por que puni-lo para ressocializá-lo, porque se antes ele era um “excluído”, se nunca fora “socializado”, não se poderia falar em “ressocialização”; se fosse rico, da mesma sorte, seria inócuo, porque o rico é hiperssocializado...”.43

Retomando as ilustrações do autor: ressocializar pela prisão quem mata? Ressocializar pela prisão a professora que matou o marido? Explicar-lhe, pela pena, que não pode matar? Ressocializar pela prisão o dentista que matou o advogado, decapitando-o? Explicar-lhe, pela pena, que é muito grave o que cometeu, para que não faça mais isso, “reaprendendo” a viver em sociedade e nela “reinserindo-se” após o cumprimento da pena? 44 40 HASSEMER, Três Temas..., p. 39-40

41 BETTIOL, Guiseppe. Direito Penal. Campinas: Red Livros, 2000, p. 656

42 Ibid., p. 657

43 BONFIM, id.

44 BONFIM, id.

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É certo que defendemos um Direito Penal preocupado com os demais sistemas que com ele se conectam e influenciam. Mas, sem o apego da dogmática jurídica tradicional que o vê com total autonomia e independência, procuramos o Direito Penal multidisciplinar, com assentimento de seus limites operativos, sem frustrações e decepções.

Buscamos o Direito Penal da Sociedade.

Bonfim, do mesmo modo, enaltece a idéia: “é verdade, todavia, que não se confunde direito penal e criminologia, criminologia e sociologia. Mas a verdade é que se comunicam entre si, e não podem restar alheios ao conhecimento a quem se proponha ao estudo/prática da ciência penal, sobretudo a quem pretenda uma visão global do crime, somente possível sob a ótica da “enciclopédia penal”.45

Buscamos, pois, como o renomado autor, socorro em outras searas - Economia, Sociologia, Criminologia, Psicologia etc -, para entender o fenômeno do crime e de seus protagonistas. Sabedores, entretanto, dos limites operacionais do Direito Penal, não podemos compactuar com as ‘criações judiciais’, com o ‘direito alternativo’, com o ‘direito justo’ ou com todas as formas de ‘direito livre’. 46

De um lado, buscando o aprendizado das disciplinas e sistemas afins ou conexos, aperfeiçoa-se a evolução e criação de um novo Direito Penal; de outro, foge-se do logicismo penal, da redução do Direito à Economia, à Sociologia, da politização do Direito, do Direito alternativo etc.

Repita-se: é certo, que para o aprendizado das ciências criminais, defendemos um sistema multiforme. É correta, contudo, a observação de Manuel da Costa Andrade, da Faculdade de Direito de Coimbra 47 quando criticou o fato de que, em nome da autonomia e da especificidade do objeto e do método – em homenagem às concepções weberianas da separação entre o discurso do político e do cientista –, se

45 BONFIM. Direito Penal da Sociedade, Ed. Oliveira Mendes, 1997, p. 65

46 Id., p. 66

47 ANDRADE, Manuel da Costa. A Vítima e o Problema Criminal, separata do volume XXI do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra, 1980, p. 16

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advogou uma criminologia asséptica a todas as considerações de política criminal. 48

Endossamos tais argumentos.

Utilizando a bela síntese didática de Bonfim, o homem foi ao positivismo jurídico, abandonou-o, por momentos, ao direito livre de François Gény (1861-1938) e Kantorowicz (1877-1940) e chegou ao “alternativismo” contemporâneo, retomando outra vez seu círculo vicioso na busca por novidade: jurídica, filosófica, religiosa, para a solução de sua constante “crise existencial”, “crise social”, ou apenas “crise do homem”, rótulo que pode abranger todos os subprodutos dos desacertos, desencontros, crimes ou infelicidades. 49

A busca do conhecimento do Direito de punir, através das teorias multifatoriais, levando em conta as concausas para os fatores para a eclosão do crime, por si só, não afeta a operacionalidade do Direito Penal. Isso, como dito, é possível desde que atue como regulador, somente utilizando as referências do ambiente.

Contudo, a inversão de valores, esses novos movimentos penalísticos alheios aos limites do próprio Direito de punir, querem, agora, aduzir que o Estado não suporta a carga das causas penais que recebe à solução, sugerindo, pois, a descriminalização de certas condutas, os delitos bagatelares, o princípio da insignificância, a teoria da adequação social, o princípio da oportunidade no processo penal, a despenalização, a justiça do acordo, a desjudicialização...

A integração dos sistemas (Direito e Sociologia, Política e Direito, Direito e Economia etc) não pressupõe (e nem pode pressupor) o amesquinhamento e redução de seus limites operativos.

As teorias voltadas para a finalidade da pena mostraram ao longo dos anos, que somente o Estado não é capaz de resolver o problema da marginalidade. É necessária uma consciência de que se há aumento de violência, também deve estar ocorrendo aumento da exclusão

48 BONFIM, Direito Penal da Sociedade, p. 109

49 Id., p. 80

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social e cabe, pois, à toda sociedade identificar as causas e atacá-las devidamente. Cada personagem identificando seu papel.

Sabedores dos limites do Direito, os “novos penalistas” fatalmente procurariam em outras searas, como a Política, Economia, Sociologia, etc, outras soluções para o problema da criminalidade, da reincidência, da (suposta) reeducação do condenado. E isto, fatalmente, enriqueceria o aperfeiçoamento do próprio Direito, evitando a politização dos operadores do Direito, a redução do crime a critérios meramente econômicos, fazendo como lembra Tobias Barreto, que o povo não faça o papel do velho cão estúpido que morde a pedra que nele bate, em vez de procurar a mão que a arremessou. 50

V. REFERÊNCIAS

ANDRADE, Manuel da Costa. A Vítima e o Problema Criminal, separata do volume XXI do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1980ARNAUD, André-Jean; LOPES JÚNIOR, Dalmir. Luhmann, Niklas: do sistema social à sociologia jurídica (tradução). Rio de Janeiro, Lumen Júris, 2003BARRETO, Tobias. Crítica Política e Social. Obras Completas de Tobias Barreto, Edição comemorativa, Instituto Nacional do Livro, Ministério da Cultura, Ed. Record, 1990__________. Estudos de Direito. Fundamentos do Direito de Punir. Ed. Bookseller, 2000BETTIOL, Guiseppe. Direito Penal. Campinas: Red Livros, 2000 BEVILÁQUA , Clóvis. Criminologia e Direito. Ed. Red., 2001BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Ed. Campus, 1992BONFIM, Edílson Mougenot. Direito Penal da Sociedade. Ed. Oliveira Mendes__________. No Tribunal do Júri. Ed. Saraiva, 2000BRANDACHHI, Brasil. Obras Completas. Vol. “Crítica Política e Social”, artigo “Fortuna Crítica”BRUNO, Aníbal. Direito Penal - Parte Geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v.1, Tomo I

50 BARRETO, Tobias. Crítica Política e Social. Obras Completas de Tobias Barreto, Edição comemorativa, Instituto Nacional do Livro, Ministério da Cultura,

Ed. Record, 1990, p. 78

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BURDETT, K.; LAGOS, R. and WRIGHT, R. Crime, Inequality and Unemployment. In CentrePiece, London, U.K: Centre for Economic Performance, London School of Economics. Volume 4, Issue 3, Winter 1999CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial, Ed. Max Limonad, 2002 __________. A função política do STF, Jornal ‘Folha de São Paulo’, edição de 22 de novembro de 1999CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal - Parte Geral. Campinas: LZN, 2002, v. IICOOTER, Robert D. Derecho Y Economia: Uma Revisión de La Literatura, “As Melhores Leis Corretas: Fundamentos Axiológicos de Análise Econômica do Direito”, Centro de Estudos de Governabilidad Y Políticas Públicas, Instituto Tecnológico Autónomo de México, Fondo de Cultura Económica, México, 2000DANTAS, George Felipe de Lima. Economia do Crime e o Apartheid do Brasil e de Outros Países Mais, texto publicado no site www.analisefinanceira.com.br /artigos/ economiadocrime.htmDIP, Ricardo. Direito Penal: Linguagem e Crise. Ed. Millennium, 2001DIP, Ricardo; MORAES JÚNIOR, Volney Corrêa Leite de. Crime e Castigo – Reflexões Politicamente incorretas. Ed. Millenium, 2002HASSEMER, Winfried. Três temas de Direito Penal. Porto Alegre: Publicações Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, 1993HUNGRIA, Nélson. Comentário ao Código Penal. Ed. Forense, 3ª edição, 1955KORNHAUSER, Lewis A. Derecho Y Economia: Uma Revisión de La Literatura, “A Nova Análise Econômica do Direito: As Normas Jurídicas Como Incentivos”, Centro de Estudos de Governabilidad Y Políticas Públicas, Instituto Tecnológico Autónomo de México, Fondo de Cultura Económica, México, 2000KUNH, Thomas. Dicionário Aurélio Eletrônico. Ed. Nova Fronteira, 1999, verbete “paradigma”LIPTKA, Adam. O desafio de estabelecer penas adequadas. Jornal ‘O Estado de São Paulo’, artigo veiculado na edição de 31 de agosto de 2003LYRA, Roberto. Direito Penal Normativo. Ed. José Konfino, 1974LUHMANN, Niklas. Introducción a la teoría de Sistemas, Lección 3 - “El sistema como diferencia”, Universidad Iberoamericana – Biblioteca Francisco Xavier Clavigero – Centro de Informacion Academica, publicado por Javier Torre NafarrateLUHMANN, Niklas. O Direito da Sociedade, “O fechamento operativo do sistema jurídico”, tradução provisória de Javier Torres Nafarrate

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POSNER, Richard A. Derecho Y Economia: Uma Revisión de La Literatura, “Usos Y abusos de la teoría económica en el derecho”, Centro de Estudos de Governabilidad Y Políticas Públicas, Instituto Tecnológico Autónomo de México, Fondo de Cultura Económica, México, 2000ROMERO, Sílvio. Ensaio de Filosofia do Direito. Ed. Landy, 2001STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. Ed. Makron Books, 1993SANTORO FILHO, Carlos. Bases Críticas do Direito Criminal. Editora de Direito, 2000VEYNE, Paul. Como se escreve a história, Brasília: Edunb, Tradução: Alda Baltar e Maria A. Kneipp, 1982WELZEL, Hans. Direito Penal. 1ª ed., 2ª tir. Campinas: Romana. Trad. Afonso Celso Rezende, 2004, p. 329-330

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

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SEGUNDA TURMAComposição:

Ministro Celso de Mello - PresidenteMinistra Ellen GracieMinistro Cezar Peluso

Ministro Joaquim BarbosaMinistro Eros Grau

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HC 94448 / RS - RIO GRANDE DO SULHABEAS CORPUSRelator(a): Min. JOAQUIM BARBOSAJulgamento: 11/11/2008 Órgão Julgador: Segunda TurmaPublicação DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008EMENT VOL-02346-05 PP-01148Parte(s) PACTE.(S): NELSON GARCIA DA FONSECAIMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃOCOATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: HABEAS CORPUS. RECONHECIMENTO DA REINCIDÊNCIA COMO AGRAVANTE. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NÃO CONHECIMENTO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 157, § 2º, I, DO CÓDIGO PENAL. PRESCINDIBILIDADE DA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA NA ARMA UTILIZADA NO ROUBO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E,

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NESTA PARTE, DENEGADA. O Superior Tribunal de Justiça sequer examinou o pedido da acusação para que a agravante da reincidência fosse reconhecida. Daí por que não há como o presente habeas corpus ser conhecido nesse ponto. O reconhecimento da causa de aumento de pena prevista no inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal prescinde da apreensão e da realização de perícia na arma utilizada no roubo. Precedentes (HC 84.032, rel. min. Ellen Gracie, DJ de 30.04.2004, p. 70; e HC 92.871, rel. para o acórdão min. Ricardo Lewandowski, julgado em 04.11.2008). Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada.

Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu, em parte, do pedido de habeas corpus e, na parte de que conheceu, indeferiu-o, nos termos do voto do Relator. 2ª Turma, 11.11.2008.

HC 95585 / SP - SÃO PAULOHABEAS CORPUSRelator(a): Min. ELLEN GRACIEJulgamento: 11/11/2008 Órgão Julgador: Segunda TurmaPublicação DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008EMENT VOL-02346-07 PP-01593Parte(s) PACTE.(S): AIRTON JOSÉ LOWIMPTE.(S): RINALDO DE JESUS SCANDIUCCICOATOR(A/S)(ES): RELATOR DO HABEAS CORPUS Nº 91719 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. MAUS ANTECEDENTES. FATO CRIMINOSO ANTERIOR. DISTINÇÃO COM REINCIDÊNCIA. DENEGAÇÃO. 1. A questão de direito versada nestes autos diz respeito à noção de maus antecedentes para fins de

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estabelecimento do regime prisional mais gravoso, nos termos do art. 33, § 3°, do Código Penal. 2. Não há que confundir as noções de maus antecedentes com reincidência. Os maus antecedentes representam os fatos anteriores ao crime, relacionados ao estilo de vida do acusado e, para tanto, não é pressuposto a existência de condenação definitiva por tais fatos anteriores. A data da condenação é, pois, irrelevante para a configuração dos maus antecedentes criminais, diversamente do que se verifica em matéria de reincidência (CP, art. 63). 3. Levando em conta o disposto no art. 33, § 3°, do Código Penal, a determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve considerar os maus antecedentes criminais (CP, art. 59), não havendo qualquer ilegalidade ou abuso na sentença que impõe o regime fechado à luz da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado, como é o caso dos maus antecedentes. 4. Habeas corpus denegado.

Decisão: A Turma, por votação majoritária, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora, vencidos os Ministros Joaquim Babosa e Presidente, que o deferiam. 2ª Turma, 11.11.2008.

HC 94679 / SP - SÃO PAULOHABEAS CORPUSRelator(a): Min. JOAQUIM BARBOSAJulgamento: 18/11/2008 Órgão Julgador: Segunda TurmaPublicação DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008EMENT VOL-02346-05 PP-01188Parte(s) PACTE.(S): ADAMIR JOSÉ DA SILVAIMPTE.(S): DPE-SP - DANIELA SOLLBERGER CEMBRANELLICOATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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EMENTA: HABEAS CORPUS. COMUTAÇÃO. CRIME HEDIONDO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. A natureza dos crimes não contemplados pelo decreto presidencial que concede o benefício de indulto e comutação de pena deve ser aferida à época da edição do respectivo ato normativo, pouco importando a data em que tais delitos foram praticados. Precedentes (RE 274.265, rel. min. Néri da Silveira, DJ de 19.10.2001, p. 49; e HC 74.429, rel. min. Sydney Sanches, DJ 21.03.1997, p. 8507). Ademais, a comutação nada mais é do que uma espécie de indulto parcial (em que há apenas a redução da pena). Daí por que a vedação à concessão de indulto em favor daqueles que praticaram crime hediondo - prevista no art. 2º, I, da lei 8.072/1990 - abrange também a comutação. Ordem denegada.

Decisão: A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo paciente, o Dr. Rafael Muneratti. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Ellen Gracie e Eros Grau. 2ª Turma, 18.11.2008.

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BOLETIM DEJURISPRUDÊNCIA

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ano 2 - número 17 - 1° a 15 de janeiro de 2009 [email protected]____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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QUINTA TURMAComposição:

Napoleão Maia Filho (Presidente)Felix FischerLaurita Vaz

Arnaldo Esteves LimaJorge Mussi

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REsp 843487 / RSRECURSO ESPECIAL2006/0092066-2

Relator(a)Ministra LAURITA VAZ

Órgão JulgadorT5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento07/10/2008

Data da Publicação/FonteDJe 03/11/2008

Ementa RECURSO ESPECIAL. PENAL. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. PREVISÃO NOS ARTS. 30, 31 E 32 DA LEI N.º 10.826/03. RELATIVA AOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 12 E 16 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. INVALIDAÇÃO DO LAUDO PERICIAL. DESNECESSÁRIO PARA A CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA.

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Setor de Jurisprudência Antonio Ozório Leme de Barros

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BOLETIM DEJURISPRUDÊNCIA

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ano 2 - número 17 - 1° a 15 de janeiro de 2009 [email protected]____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

1. Somente às condutas delituosas relacionadas à posse de arma de fogo foram abarcadas pela denominada abolitio criminis temporária, prevista nos arts. 30, 31 e 32 da Lei 10.826/03, não sendo possível estender o benefício para o crime previsto no art. 14 do Estatuto do Desarmamento, que trata do porte ilegal de arma de fogo. Precedentes.2. A invalidação do laudo pericial não descaracteriza o tipo previsto no art. 14, caput, da Lei n.º 10.826/03.3. Recurso especial conhecido e provido.

AcórdãoVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

REsp 845919 / RSRECURSO ESPECIAL2006/0089852-4

Relator(a)Ministra LAURITA VAZ

Órgão JulgadorT5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento07/10/2008

Data da Publicação/FonteDJe 03/11/2008

Ementa RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. SÚMULA N° 231 DO STJ. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES. INAPLICÁVEL A MAJORANTE PREVISTA NO CRIME DE ROUBO. NULIDADE DO LAUDO PERICIAL. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 158 E

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ano 2 - número 17 - 1° a 15 de janeiro de 2009 [email protected]____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

159 DO CPP.1. A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena aquém do mínimo legal, inteligência do verbete sumular n.º 231 do STJ.2. A legislação penal define o quantum do crime de furto qualificado pelo concurso de agentes, inexistindo, pois, lacuna, razão pela qual não se afigura possível a aplicação da majorante do roubo em igual condição.3. O exame de corpo de delito é indispensável para comprovar a materialidade do crime, sendo que sua realização de forma indireta somente é possível quando os vestígios tiverem desaparecido por completo ou o lugar se tenha tornado impróprio para a constatação dos peritos.4. Assim, caso não haja peritos oficiais, o laudo pericial poderá ser realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, o que não ocorreu no caso em tela.5. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

AcórdãoVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

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ano 2 - número 17 - 1° a 15 de janeiro de 2009 [email protected]____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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SEXTA TURMAComposição:

Maria Thereza de Assis MouraNilson Naves (Presidente)

Paulo GallottiPaulo Medina*Og Fernandes

Jane Silva (Desembargadora do TJ/MG, convocada)

*temporariamente afastado

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ProcessoHC 99144 / RJHABEAS CORPUS2008/0015031-9

Relator(a)Ministro OG FERNANDES

Órgão JulgadorT6 - SEXTA TURMA

Data do Julgamento04/11/2008

Data da Publicação/FonteDJe 09/12/2008

Ementa HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO MEDIANTE PAGA. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORAS. INVIABILIDADE. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. COMUNICABILIDADE. RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.1. No homicídio mercenário, a qualificadora da paga ou promessa de

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ano 2 - número 17 - 1° a 15 de janeiro de 2009 [email protected]____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

recompensa é elementar do tipo qualificado e se estende ao mandante e ao executor.2. Para se excluir a qualificadora do recurso que impossibilitou a defesa da vítima é indispensável o revolvimento do material fático-probatório, o que é vedado na via do habeas corpus.3. Ordem denegada.

AcórdãoVistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Nilson Naves acompanhando a Relatoria, e dos votos dos Srs. Ministros Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura no mesmo sentido, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) e os Srs. Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

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